Revista Acad.3 - Academia Sul-Mato-Grossense de Letras
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mania <strong>de</strong> controlar as empregadas, as visitas, sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preencher<br />
o ócio com o tormento <strong>de</strong> nossas vidas.<br />
Quando mais o tempo passava, mais sua presença tinha sobre mim<br />
a força <strong>de</strong> um inferno, no qual resultavam inúteis minhas tentativas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>samarrar as cordas.<br />
Com a alma virada do avesso, minhas ilusões transformaram-se<br />
em rancores, em vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir fibra por fibra os fios frágeis que<br />
ainda nos uniam. E a tensão que me pesava como bola <strong>de</strong> chumbo, começou<br />
a <strong>de</strong>sfazer-se, quando sua memória se envolveu <strong>de</strong> névoa e você penetrou<br />
a fronteira misteriosa do esquecimento.<br />
Convencê-la a internar-se numa clínica não foi fácil. Você usou<br />
todos os argumentos, apelou para a chantagem mas, finalmente, Dagoberto<br />
conseguiu fazer você enten<strong>de</strong>r que era a melhor solução para todos<br />
nós. Pensa que estou livre se seu domínio? De longe você exerce pressão<br />
psicológica sobre mim, ri <strong>de</strong> minhas tolices, faz pouco caso <strong>de</strong> minhas<br />
fraquezas. Que fiz eu que sempre procurei ser boa filha, boa esposa, boa<br />
mãe sofrer tantos boicotes, tanta mesquinhez? O que aconteceu conosco<br />
que hoje nos tratamos como duas estranhas? Na falta <strong>de</strong> coragem para<br />
nos enfrentarmos cara a cara, estou-lhe escrevendo para <strong>de</strong>sabafar e para<br />
pedir-lhe que compreenda o sofrimento <strong>de</strong> sua filha e, se pu<strong>de</strong>r, queira<br />
perdoá-la:<br />
Letícia.<br />
n. 3 – março <strong>de</strong> 2004<br />
Carta <strong>de</strong> Lúcia para sua filha Letícia<br />
Querida filha:<br />
Minha memória não está tão opaca como você pensa. Quem per<strong>de</strong>u<br />
a noção das coisas foi você que mergulhou no reino da fantasia para não<br />
enfrentar seus pequenos <strong>de</strong>mônios. Deixe-me também contar minha<br />
história, mostrar meus pontos <strong>de</strong> vista para que <strong>de</strong>cida se sou realmente<br />
a gran<strong>de</strong> culpada do fracasso <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stino. Quando você nasceu, o céu<br />
parecia ter-se aberto para mim, eu flutuava na maciez <strong>de</strong> uma nuvem ao<br />
pensar que tinha comigo o milagre <strong>de</strong> uma criança feita <strong>de</strong>ssa substância<br />
misteriosa a que chamamos amor e que em nosso carinho queríamos,<br />
seu pai e eu, moldá-la para a felicida<strong>de</strong>. Infelizmente, nossos esforços re-<br />
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