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Oração e escuta de Deus - Projeto Primeiro de Maio

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CAMINHADA DE FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DO REINO DO<br />

MUR<br />

Período 2011-2012<br />

6ª ETAPA<br />

ORAÇÃO E ESCUTA DE DEUS<br />

APRESENTAÇÃO<br />

Colocamos à disposição dos participantes dos Grupos <strong>de</strong> Partilha <strong>de</strong><br />

Profissionais (GPP), do Ministério Universida<strong>de</strong>s Renovadas (MUR), o primeiro<br />

módulo <strong>de</strong> formação para o biênio 2011/2012, cujo tema é: “<strong>Oração</strong> e <strong>escuta</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Deus</strong>”. Esse é o primeiro <strong>de</strong> sete temas propostos para serem estudados ao longo<br />

<strong>de</strong>sse período em nossas comunida<strong>de</strong>s. Em seu conjunto, contemplam-se as quatro<br />

dimensões ou aspectos da formação indicados no Documento <strong>de</strong> Aparecida:<br />

espiritual, humana, doutrinário e missionário-pastoral e <strong>de</strong>stacados em nosso texto-<br />

base. Esperamos, com isso, que os diversos temas, selecionados <strong>de</strong> acordo com<br />

pesquisa realizada entre membros dos GPPs <strong>de</strong> todo o Brasil, reunidos no<br />

ENUR/2010 no mês <strong>de</strong> setembro em Brasília, contribuam para robustecer os cinco<br />

pilares que sustentam nossas comunida<strong>de</strong>s e promover o crescimento das mesmas.<br />

É nosso objetivo, conforme o texto base dos Grupos <strong>de</strong> Partilha <strong>de</strong><br />

Profissionais, “Formar integralmente, na força do Espírito Santo, homens e mulheres<br />

novos, que sejam discípulos missionários <strong>de</strong> Jesus Cristo, capazes <strong>de</strong> beber<br />

cotidianamente da Palavra, confrontando e unindo fé e vida, fé e razão, oração,<br />

reflexão e ação; <strong>de</strong> estabelecer relações humanas profundas e frutuosas; <strong>de</strong><br />

dialogar com as instituições e com a cultura do nosso tempo, rumo à civilização do<br />

amor”. Temos por pressuposto que o estudo, assim como a oração e a partilha que<br />

o acompanham, proporciona-nos entrar na intimida<strong>de</strong> do Senhor, ouvir sua voz,<br />

fortalecer nossos grupos e encorajar nossa missão evangelizadora na socieda<strong>de</strong>.<br />

Trata-se, portanto, <strong>de</strong> uma “ferramenta po<strong>de</strong>rosa” na formulação e comunicação<br />

contínua das “razões <strong>de</strong> nossa Esperança” e <strong>de</strong> nossa Fé (1Pe 3.15).<br />

Almejamos, enfim e mais amplamente, em comunhão com todos os<br />

ministérios e serviços da Renovação Carismática Católica, avançar para “águas


mais profundas” e atentos à Palavra do Senhor, “lançar nossas re<strong>de</strong>s” para uma<br />

pesca abundante (Lc, 5, 1-11) e perene.<br />

Segue abaixo os temas programados para o biênio 2011/2012.<br />

2011<br />

Jan. a Mar./2011<br />

Abr. a Jun./2011 <strong>Oração</strong> e <strong>escuta</strong> (Espiritual)<br />

Jul. a Set./2011<br />

Vocação e missão dos leigos na<br />

Igreja e no mundo (Doutrinária)<br />

Out. a Dez./2011 Administração da vida (Humana)<br />

b2012<br />

Jan. a Mar./2012 Sexualida<strong>de</strong> e afetivida<strong>de</strong> (Humana)<br />

Abr. a Jun./2012 Cura interior (Espiritual)<br />

Jul. a Set./2012 Fé e razão (Doutrinária)<br />

Out. a Dez./2012 Planejamento <strong>de</strong> projetos, captação<br />

<strong>de</strong> recursos e dízimo<br />

(Pastoral/Missionária)<br />

Obs.: O tema referente à dimensão Pastoral/Missionária: “Eclesiologia: ser Igreja no<br />

novo milênio”, inicialmente programada para Out a Dez/2011, será incluído,<br />

oportunamente, em programações futuras.<br />

PROPOSTAS DE ENCAMINHAMENTOS E SUGESTÕES DE ATIVIDADES<br />

Esperamos uma recepção criativa e crítica dos textos que apresentamos.<br />

Deste modo, é importante que os conteúdos sejam discutidos, refletidos e meditados<br />

<strong>de</strong> acordo com o contexto que sabemos sempre singular <strong>de</strong> nossas comunida<strong>de</strong>s.<br />

Deve-se evitar, <strong>de</strong>ste modo, que a formação aconteça nos mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma aula<br />

tradicional na qual alguém, do alto <strong>de</strong> sua cátedra, ministre lições a uma classe<br />

passiva e <strong>de</strong>scomprometida com o <strong>de</strong>bate ou na forma <strong>de</strong> pregação.<br />

Ainda que seja necessária uma pessoa em especial para mo<strong>de</strong>rar as<br />

discussões, estimulamos os participantes <strong>de</strong> nossas comunida<strong>de</strong>s que os momentos<br />

<strong>de</strong> formação ocorram, preferencialmente, na forma <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> estudo. Mesmo<br />

que seus membros possuam diferentes níveis <strong>de</strong> sistematização dos conteúdos que


compõem os diversos temas apresentados, a experiência pessoal e as leituras<br />

anteriores que cada um dos participantes possui <strong>de</strong>vem ser valorizadas. É<br />

necessário, enfim, que haja um “clima favorável” para o estudo, tais como, a título <strong>de</strong><br />

contribuição, propomos a seguir:<br />

Que os textos sejam disponibilizados com a <strong>de</strong>vida antecedência e os<br />

participantes estimulados a lê-los previamente;<br />

Preparar espaços e tempos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> para o estudo;<br />

Divulgar bibliografia a respeito do tema, incentivando a “troca” <strong>de</strong> referências<br />

e materiais (livros, artigos, ví<strong>de</strong>os etc.) entre os participantes do estudo<br />

visando seu aprofundamento;<br />

Reservar espaços apropriados para questionamentos: “cultivar a dúvida” e<br />

propiciar um saudável ambiente <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate;<br />

O estudo po<strong>de</strong> “continuar” em nossas listas <strong>de</strong> e-mails, po<strong>de</strong>ndo ser<br />

disponibilizados outros textos afins consi<strong>de</strong>rados relevantes;<br />

Procurar, sempre que possível, remeter os leitores aos textos das Sagradas<br />

Escrituras como oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo da própria palavra;<br />

Desenvolver o hábito do estudo e da reflexão é tão importante quanto o<br />

estudo do tema em si.


INTRODUÇÃO<br />

“Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples<br />

olhar lançado para o céu, é um grito <strong>de</strong> gratidão e <strong>de</strong> amor,<br />

tanto no meio da tribulação como no meio da alegria”<br />

(Santa Teresa do Menino Jesus 1 )<br />

O ato <strong>de</strong> ORAR é um dos sinais i<strong>de</strong>ntitários do homem religioso. Quem<br />

crê, reza e <strong>de</strong>seja ar<strong>de</strong>ntemente estar com <strong>Deus</strong>, frequentar “sua casa”, <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong><br />

sua intimida<strong>de</strong>, ouvi-Lo. Orar é, sobretudo, relacionar-se com <strong>Deus</strong>, é dialogar com<br />

Ele, é celebrar uma aliança <strong>de</strong> Amor: “Verda<strong>de</strong>iramente, um dia em teus átrios”, diz<br />

o salmista, “vale mais que milhares fora <strong>de</strong>les” (Salmo 84, 11). A oração é, portanto,<br />

um momento privilegiado da vida cristã que, em meio à agitação e às muitas<br />

preocupações da vida mo<strong>de</strong>rna oferece-se como uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontro do<br />

homem com <strong>Deus</strong> e <strong>de</strong>sse homem consigo mesmo.<br />

Somos, <strong>de</strong> fato, diuturnamente assediados e envolvidos por uma<br />

multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vozes que, não raramente, nos distrai e nos dispersa 2 . Deste modo,<br />

quem quer encontrar a <strong>Deus</strong>, afirma Martini (2000) com certo senso <strong>de</strong> humor, <strong>de</strong>ve<br />

lutar para assegurar, ao céu da sua alma, aquele prodígio <strong>de</strong> “um silêncio <strong>de</strong> meia<br />

hora”, do qual nos fala o Apocalipse (Ap 8, 1). A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>escuta</strong>, fundamental<br />

à oração, pressupõe amor ao silêncio. É somente no silêncio fecundo que ela<br />

po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>sabrochar em nossas vidas 3 .<br />

Na rica e diversificada tradição cristã católica, a oração tem, certamente,<br />

lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque. Trata-se, sem dúvida, como bem ensina Carlo Maria Martini<br />

(2000), <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> cujas fronteiras nenhuma pessoa consegue transpor,<br />

quanto mais avançamos mais horizontes se <strong>de</strong>scortinam diante <strong>de</strong> nós, “[...] quanto<br />

mais caminhamos, mais <strong>de</strong>scobrimos quanto temos ainda para caminhar” (p. 43).<br />

Compõe, repetimos, uma tradição bela e imensurável que não preten<strong>de</strong>mos nem<br />

conseguiríamos aqui esgotar: “É por uma transmissão viva, a Tradição, que, na<br />

Igreja, o Espírito Santo ensina os filhos <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> a orar” (Catecismo da Igreja n.<br />

2661). Visitar e conhecer esse tesouro (a tradição) é portanto, um “privilégio” <strong>de</strong> que<br />

1 Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscrit C, 25r: Manuscrits autobiographiques (Paris 1992) p. 389-<br />

390. [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço <strong>de</strong> Arcos, Edições do<br />

Carmelo 1996) p. 276]<br />

2 Não queremos afirmar que no passado era “mais fácil” rezar. Trata-se <strong>de</strong> acentuar, apenas, a<br />

agitação e a avi<strong>de</strong>z por novida<strong>de</strong>s que tão bem caracteriza nosso tempo. Ver, a esse respeito, a obra:<br />

Po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> novo rezar, <strong>de</strong> Alfred Läpple.<br />

3 Veja, por exemplo, a obra <strong>de</strong> Frei Ignácio Larrañaga: “O silêncio <strong>de</strong> Maria”.


não po<strong>de</strong>mos nem <strong>de</strong>vemos abrir-mão: “As diferentes espiritualida<strong>de</strong>s cristãs<br />

participam da tradição viva da oração e são guias preciosos para a vida espiritual”<br />

(Catecismo da Igreja, n. 2693). Concebemos, <strong>de</strong>ste modo, como mo<strong>de</strong>stas as<br />

intenções <strong>de</strong>ste texto. É, na verda<strong>de</strong>, uma “provocação” que visa estimular o<br />

aprofundamento do tema e a troca <strong>de</strong> experiências entre os membros dos Grupos<br />

<strong>de</strong> Partilha <strong>de</strong> Profissionais.<br />

1. DE ONDE FALAMOS NÓS AO REZAR?<br />

De on<strong>de</strong> proce<strong>de</strong> a oração do homem e da mulher? Seja qual for a<br />

linguagem da oração (gestos, palavras, melodias, iconografias etc.), é o homem todo<br />

que ora. Todavia, para <strong>de</strong>signar o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> brota a oração, as Escrituras falam,<br />

às vezes, da alma ou do espírito ou, com mais frequência, do coração (mais <strong>de</strong> mil<br />

vezes). É o coração que ora. Se ele estiver longe <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, a expressão da oração<br />

será vã 4 . Mas o que chamamos <strong>de</strong> coração? Consi<strong>de</strong>rando a tradição da oração<br />

cristã, qual o seu significado? “O coração”, respon<strong>de</strong> o Catecismo da Igreja (n.<br />

2563)<br />

coração 5 .<br />

[...] é a morada on<strong>de</strong> estou, on<strong>de</strong> habito (e segundo a expressão<br />

semítica ou bíblica, aon<strong>de</strong> eu “<strong>de</strong>sço”). É o nosso centro oculto,<br />

inapreensível, quer para a nossa razão quer para a dos outros: só o<br />

Espírito <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> é que o po<strong>de</strong> sondá-lo e conhecê-lo. Ele é o lugar da<br />

<strong>de</strong>cisão, no mais profundo das nossas tendências psíquicas. É a se<strong>de</strong><br />

da verda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> escolhemos a vida ou a morte. É o lugar do<br />

encontro, já que, à imagem <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>, vivemos em relação: é o lugar da<br />

aliança.<br />

Se pu<strong>de</strong>rmos falar então <strong>de</strong> condição para rezar, esta é a sincerida<strong>de</strong> do<br />

1.1 A ORAÇÃO DE ANA: QUANDO É O CORAÇÃO QUE REZA<br />

Lemos, no primeiro capítulo do primeiro livro <strong>de</strong> Samuel 6 (I Samuel, 1, 9-<br />

17), a <strong>de</strong>scrição da experiência <strong>de</strong> Ana, mãe do profeta que dá nome ao livro.<br />

Rezando no templo, triste e humilhada pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar filhos, “com<br />

4 Cf. o catecismo da Igreja Católica n. 2562.<br />

5 Como gosta <strong>de</strong> afirmar o cantor e compositor Martin Valver<strong>de</strong> em suas pregações: “A oração que<br />

mais agrada <strong>Deus</strong> não é nem a curta nem a longa, mas a oração sincera”.<br />

6 Utilizamos, aqui, a tradução da Bíblia <strong>de</strong> Jerusalém.


amargura <strong>de</strong> alma” chorava, com “abundantes lágrimas”, diante do Senhor. Em sua<br />

angústia, fez um voto, dizendo: “SENHOR dos Exércitos! Se benignamente<br />

atentares para a aflição da tua serva, e <strong>de</strong> mim te lembrares, e da tua serva não te<br />

esqueceres, mas à tua serva <strong>de</strong>res um filho homem, ao SENHOR o darei todos os<br />

dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha”.<br />

Eli, sacerdote do templo, a observava <strong>de</strong> certa distância e podia ver que<br />

seus lábios se moviam, mas não podia ouvir o que ela dizia e, por isso, julgou que<br />

Ana estivesse embriagada. Ele “observava sua boca” diz o texto, “Porquanto Ana no<br />

seu coração falava; só se moviam os seus lábios, porém não se ouvia a sua voz”.<br />

“Até quando estarás tu embriagada? Disse Eli: “Aparta <strong>de</strong> ti o teu vinho”.<br />

A resposta da Mulher, porém, fez modificar o equivocado julgamento do<br />

sábio sacerdote: “Não, senhor meu, eu sou uma mulher atribulada <strong>de</strong> espírito; nem<br />

vinho nem bebida forte tenho bebido: “tenho <strong>de</strong>rramado a minha alma perante o<br />

senhor”. E continuou afirmando: “Não julgues, pois, a tua serva como uma vadia.<br />

Porque da multidão dos meus cuidados e do meu <strong>de</strong>sgosto tenho falado até agora”.<br />

A palavra final do sacerdote foi uma benção profética: “Vai em paz; e o<br />

<strong>Deus</strong> <strong>de</strong> Israel te conceda a petição que lhe fizeste”. Transformada, Ana “seguiu seu<br />

caminho”.<br />

O belo cântico <strong>de</strong> Ana 7 , que encontramos no segundo capítulo, do<br />

primeiro livro <strong>de</strong> Samuel (I Samuel 2,1-10), expressa a alegria da oração ouvida, a<br />

certeza da aliança. Revela-se, assim, com beleza e encanto o sentido da afirmação<br />

<strong>de</strong> Santa Tereza em seus Manuscritos autobiográficos o qual e escolhemos como<br />

epígrafe <strong>de</strong>ste texto: “Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples<br />

olhar lançado para o céu, é um grito <strong>de</strong> gratidão e <strong>de</strong> amor, tanto no meio da<br />

tribulação como no meio da alegria”. Na tristeza ou na alegria, somos convidados a<br />

rezar. A oração é um “Dom <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>”, repetimos, é a lembrança da eterna “Aliança”,<br />

que temos com Ele 8 . É, na sua essência, um mistério e, como tal, ela vem <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>,<br />

criador do céu e da terra. Po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r, assim, a belíssima exclamação <strong>de</strong><br />

7<br />

Observem, a título <strong>de</strong> curiosida<strong>de</strong> e pesquisa a semelhança <strong>de</strong>ste texto com o Magnificat <strong>de</strong> Maria<br />

em Lc 1, 46-55.<br />

8<br />

Cf. o Catecismo da Igreja, n. 2697 “A oração é a vida do coração novo e <strong>de</strong>ve nos animar a cada<br />

momento. Nós, porém, esquecemo-nos daquele que é nossa Vida e nosso Tudo. Por isso os Padres<br />

espirituais, na tradição do Deuteronômio e dos profetas, insistem na oração como "recordação <strong>de</strong><br />

<strong>Deus</strong>", como um <strong>de</strong>spertar freqüente da "memória do coração": "E preciso se lembrar <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> com<br />

mais freqüência do que se respira". Mas não se po<strong>de</strong> orar "sempre", se não se reza em certos<br />

momentos, por <strong>de</strong>cisão própria: são os tempos fortes da oração cristã, em intensida<strong>de</strong> e duração”<br />

2697).


santo Agostinho em suas Confissões: “Tu nos fizestes para ti, ó <strong>Deus</strong>, e o nosso<br />

coração não encontrará paz enquanto não repousar em ti’”. (Santo Agostinho, apud<br />

Martini 2000, p. 43).<br />

É preciso ressaltar, entretanto, que a oração não se reduz ao surgir<br />

espontâneo <strong>de</strong> um natural impulso interior. Para rezar é preciso querer e não são<br />

poucos os obstáculos a serem enfrentados em seu <strong>de</strong>curso. É necessário apren<strong>de</strong>r<br />

a rezar, sua prática requer ascese 9 . Estamos diante <strong>de</strong> um paradoxo: “[...]<br />

precisamos apren<strong>de</strong>r a orar e, ao mesmo tempo, só po<strong>de</strong>mos receber essa<br />

capacida<strong>de</strong> como um dom (NOUWEN, 2000).<br />

2. PARA LER A PALAVRA E PARTILHAR<br />

oração 10 :<br />

No evangelho <strong>de</strong> São Lucas encontramos três parábolas “principais” sobre a<br />

A Primeira do “amigo importuno” (Cf. Lc 11, 5-13), convida-nos a uma<br />

oração persistente: “Batei, e a porta abrir-se-vos-á”. Aquele que assim ora, o Pai<br />

celeste “dará tudo quanto necessitar” e dará, sobretudo, o Espírito Santo, que<br />

encerra todos os dons.<br />

A segunda, a da “viúva importuna” (Cf. Lc 18, 1-8), está centrada numa<br />

das qualida<strong>de</strong>s da oração: é preciso orar sem se cansar, com a paciência da fé.<br />

“Mas o Filho do Homem, quando voltar, achará porventura fé sobre a terra?”<br />

A terceira, a do “fariseu e do publicano” (Cf. Lc 18, 9-14), diz respeito à<br />

humilda<strong>de</strong> do coração orante. “Meu <strong>Deus</strong>, ten<strong>de</strong> compaixão <strong>de</strong> mim, que sou<br />

pecador”. A Igreja não cessa <strong>de</strong> fazer sua esta oração: “Kyrie, eleison!”<br />

9 Cf. Catecismo da Igreja 2754-2757, “As dificulda<strong>de</strong>s principais no exercício da oração são a distração<br />

e a ari<strong>de</strong>z. O remédio está na fé, na conversão e na vigilância do coração. Duas tentações<br />

freqüentes ameaçam a oração: a falta <strong>de</strong> fé e a acídia, que é uma forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão <strong>de</strong>vida ao<br />

relaxamento da ascese, que leva ao <strong>de</strong>sânimo. A confiança filial é posta à prova quando temos o<br />

sentimento <strong>de</strong> não ser sempre ouvidos. O Evangelho nos convida a nos interrogar sobre a<br />

conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa oração com o <strong>de</strong>sejo do Espírito. ‘Orai sem cessar’ (1 Ts 5,17). Rezar sempre<br />

é possível. É mesmo uma necessida<strong>de</strong> vital. <strong>Oração</strong> e vida cristã são inseparáveis”. Deste modo, “A<br />

Tradição da Igreja propõe aos fiéis ritmos <strong>de</strong> oração <strong>de</strong>stinados a nutrir a oração continua. Alguns<br />

são cotidianos: a oração da manhã e da tar<strong>de</strong>, antes e <strong>de</strong>pois das refeições, a Liturgia das Horas. O<br />

domingo, centrado na Eucaristia, é santificado principalmente pela oração. O ciclo do ano litúrgico e<br />

suas gran<strong>de</strong>s festas são os ritmos fundamentais da vida <strong>de</strong> oração dos cristãos” (Catecismo da<br />

Igreja, n. 2698).<br />

10 Cf. o Catecismo da Igreja.


O que po<strong>de</strong>mos apren<strong>de</strong>r com essas parábolas?<br />

À sua luz, como avaliamos nossa oração pessoal e comunitária? Temos<br />

orado como <strong>de</strong>vemos?<br />

Que pontos nos tocam mais pessoalmente?<br />

Qual a oração que você traz, hoje, em seu coração?<br />

Como encontrar a oração “do meu coração”?<br />

FONTES DA ORAÇÃO<br />

O “Espírito Santo”, afirma o Catecismo da Igreja (n. 2652), “é ‘a água viva’<br />

que, no coração orante, ‘jorra para a Vida eterna’. É Ele que nos ensina a haurir<br />

essa água na própria fonte: Cristo. Portanto, existem na vida cristã fontes em que<br />

Cristo nos espera para nos <strong>de</strong>sse<strong>de</strong>ntar com o Espírito Santo”. São elas: A “Palavra<br />

<strong>de</strong> <strong>Deus</strong>”, “a liturgia da Igreja” e as “virtu<strong>de</strong>s teologais” (Fé, Esperança e Carida<strong>de</strong>).<br />

É assim que a igreja nos exorta, insistentemente, à busca frequente da<br />

leitura orante das divinas escrituras, da presença frequente na liturgia sacramental<br />

da igreja e à vivência cotidiana das virtu<strong>de</strong>s teologais. São <strong>de</strong>ssas preciosas fontes,<br />

que tratam, respectivamente, os trechos a seguir:<br />

A Igreja exorta todos os fiéis cristãos, com veemência e <strong>de</strong> modo<br />

peculiar... a que pela freqüente leitura das divinas Escrituras<br />

aprendam 'a eminente ciência <strong>de</strong> Jesus Cristo'. Lembrem-se, porém,<br />

<strong>de</strong> que a leitura da Sagrada Escritura <strong>de</strong>ve ser acompanhada pela<br />

oração, a fim <strong>de</strong> que se estabeleça o colóquio entre <strong>Deus</strong> e o homem;<br />

pois 'a Ele falamos quando rezamos; a Ele ouvimos quando lemos os<br />

divinos oráculos”. Os Padres espirituais, parafraseando Mt 7,7,<br />

resumem assim as disposições do coração alimentado pela Palavra <strong>de</strong><br />

<strong>Deus</strong> na oração: Procurai pela leitura, e encontrareis meditando; batei<br />

orando, e vos será aberto pela contemplação (Catecismo da Igreja n.<br />

2653-2654, grifos nossos).<br />

A missão <strong>de</strong> Cristo e do Espírito Santo, que, na liturgia sacramental da<br />

Igreja, anuncia, atualiza e comunica o Mistério da salvação, prolongase<br />

no coração <strong>de</strong> quem reza. Os Padres espirituais comparam às<br />

vezes o coração a um altar. A oração interioriza e assimila a Liturgia<br />

durante e após sua celebração. Mesmo quando é vivida "no segredo"<br />

(Mt 6,6), a oração é sempre oração da Igreja, comunhão com a<br />

Santíssima Trinda<strong>de</strong> (Catecismo da Igreja, n.2655, grifos nossos)<br />

Orar nos acontecimentos <strong>de</strong> cada dia e <strong>de</strong> cada instante é um dos<br />

segredos do Reino revelados aos "pequeninos", aos servos <strong>de</strong> Cristo,


aos pobres das bem-aventuranças. É justo e bom orar para que a<br />

vinda do Reino <strong>de</strong> justiça e <strong>de</strong> paz influa na marcha da história, mas é<br />

também importante mo<strong>de</strong>lar pela oração a massa das humil<strong>de</strong>s<br />

situações do cotidiano. Todas as formas <strong>de</strong> oração po<strong>de</strong>m ser esse<br />

fermento ao qual o Senhor compara o Reino. (Catecismo da Igreja, n.<br />

2660, grifos nossos).<br />

3. SENTADOS AOS PÉS DO MESTRE: A ESCUTA DA PALAVRA<br />

A <strong>escuta</strong> é uma palavra-chave que caracteriza toda a tradição do povo<br />

hebraico. O “Shemá Israel” (“ouve Israel”), “composto <strong>de</strong> três parágrafos, Dt 6, 4-9;<br />

Dt 11, 13-21 e Nm 15, 37-41, era lido no templo, no tempo <strong>de</strong> Jesus, juntamente<br />

com o Decálogo todas as manhãs (AVRIL; LENHART, 1980, p. 12). É <strong>Deus</strong>, sempre<br />

Ele, quem toma a iniciativa... É <strong>Deus</strong> quem chama o homem para entrar em colóquio<br />

amoroso com Ele. Como <strong>de</strong>screve Karl Rahner (apud VORGRIMLER, 2006, p. 13,<br />

grifos do autor):<br />

O enorme <strong>de</strong>ssa experiência [da oração], que tudo centra em uma<br />

espécie <strong>de</strong> tremor, é o seguinte: eu posso me dirigir para esse<br />

Segredo ou Mistério que abarca tudo, que conduz e penetra tudo, que<br />

se distancia <strong>de</strong> tudo e, no entanto, assume tudo consigo. Eu posso<br />

invocá-lo, posso orar. Sei que, quando esse encontro orante se dá,<br />

isso se <strong>de</strong>ve, uma vez mais, à ação do próprio Mistério. Mais ainda,<br />

esse Mistério age <strong>de</strong> tal forma que, quando estou diante <strong>de</strong>le, sendo<br />

distinto <strong>de</strong>le, introduzido em minha própria realida<strong>de</strong>, quando me<br />

entrego a ele, não me perco, e sim, ao contrário, transformo-me em<br />

alguém que participa <strong>de</strong>sse mistério infinito. Eu experimento (através<br />

disso que nós, cristãos, chamamos <strong>de</strong> graça) que esse Mistério, para<br />

ser ele mesmo, não precisa distanciar-se <strong>de</strong> mim em uma distância<br />

infinita, mas, ao contrário, ele mesmo se entrega a nós, para nossa<br />

plenitu<strong>de</strong>.<br />

A ação, do homem e da mulher na oração, é uma resposta ao<br />

chamamento <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>. É uma resposta amorosa a um convite <strong>de</strong> amor. É <strong>Deus</strong><br />

quem, misteriosamente, toma a iniciativa... É Ele quem nos atrai e, numa linguagem<br />

muito cara ao livro do profeta Jeremias “nos seduz” (Jr 20, 7). A relação amorosa <strong>de</strong><br />

<strong>Deus</strong> com seu povo, que tem no casamento humano 11 , um <strong>de</strong> seus símbolos revela<br />

11 Vale ler, neste sentido, o livro do profeta Oséias, cujo título do primeiro capítulo é: “Israel, esposa<br />

infiel <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>” (<strong>de</strong> acordo com a Bíblia – edição Ave Maria). Outros profetas, Is 1, 21; Jr 2,2; 3,1. 3,6-<br />

12 retomam esse tema e Ezequiel <strong>de</strong>senvolve-o em duas gran<strong>de</strong>s alegorias nos capítulos 16 e 23. É<br />

interessante ver, também, as relações <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> e Israel expressas com imagens nupciais no Cântico<br />

dos Cânticos e no Salmo 45 (44).


o tipo <strong>de</strong> relação que todos nós somos convidados a efetivar com Ele (Barry;<br />

Connolly, 1999, p.202-203).<br />

3.1 A escolha <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong> Betânia<br />

Como já fizemos neste texto com o trecho extraído do primeiro livro <strong>de</strong><br />

Samuel, que trata da oração <strong>de</strong> Ana, a mãe do profeta que dá nome ao livro,<br />

trazemos para reflexão uma passagem do Evangelho <strong>de</strong> Lucas (Lc 10, 38-42), em<br />

que é <strong>de</strong>scrita a “capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>escuta</strong>” <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong> Betânia, a irmã <strong>de</strong> Marta e <strong>de</strong><br />

Lázaro, amigos íntimos <strong>de</strong> Jesus.<br />

A pequena al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Betânia, atualmente chamada <strong>de</strong> El-Azeriete, ("Vila<br />

<strong>de</strong> Lázaro"), localizava-se, no tempo a que se refere à narração bíblica, na Província<br />

da Judéia. Edificada na encosta ao su<strong>de</strong>ste do Monte das Oliveiras, a 670 metros<br />

acima do nível do mar, distava apenas três quilômetros <strong>de</strong> Jerusalém.<br />

Estrategicamente muito bem localizada, era local <strong>de</strong> passagem dos inúmeros<br />

peregrinos que se dirigiam ao templo em Jerusalém e, ainda, muito próxima da<br />

estrada para Jericó (Jo 11.1).<br />

Construída em um dos flancos do monte das oliveiras, Betânia, nos tempos<br />

antigos, era também chamada <strong>de</strong> Bete-Bara ou "Casa das Tâmaras" (Jz 7.24), pelas<br />

vastas plantações <strong>de</strong>sta fruta, além <strong>de</strong> figos, amêndoas e olivas. Tais características<br />

e o clima ameno <strong>de</strong> Betânia, faziam-na local i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> pernoite, hospedagem ou<br />

<strong>de</strong>scanso para uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viajantes que se dirigiam tanto a<br />

Jerusalém como a Jericó. Betânia não era, entre as cida<strong>de</strong>s da Judéia, das mais<br />

importantes. Desprovida <strong>de</strong> muros, Betânia era um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso, consolo, <strong>de</strong><br />

paz, como o próprio nome revela: uma casa para aflitos (Betânia = casa dos aflitos).<br />

Segundo as narrativas contidas nos quatro evangelhos, não foram poucas<br />

as vezes em que Jesus e seus discípulos, po<strong>de</strong>mos supor, ali permaneceram em<br />

retiros <strong>de</strong> formação ou em momentos <strong>de</strong> oração e convivência fraterna. Nesse<br />

acolhedor e agradável lugar – como <strong>de</strong>ve ser nossas comunida<strong>de</strong>s – Jesus e seus<br />

amigos buscavam restaurar as forças <strong>de</strong>spendidas em longas viagens sob o sol<br />

escaldante da Judéia.<br />

Em uma <strong>de</strong>ssas oportunida<strong>de</strong>s, afirma o texto, “Estando Jesus em<br />

viagem”, entrou nessa al<strong>de</strong>ia, “on<strong>de</strong> uma mulher, chamada Marta, o recebeu em sua<br />

casa. Tinha ela uma irmã, por nome Maria, que se assentou aos pés do Senhor para<br />

ouvi-lo falar.” Ao apresentar Maria, “sentada aos pés do mestre”, o evangelista


Lucas busca <strong>de</strong>ixar clara a relação <strong>de</strong> discipulado que a jovem mantinha com o<br />

Senhor. Marta, todavia, “[...] toda preocupada na lida da casa, veio a Jesus e disse:<br />

“Senhor, não te importas que minha irmã me <strong>de</strong>ixe, só a te servir? Dizer-lhe que me<br />

aju<strong>de</strong>.” Criado o impasse, um certo clima <strong>de</strong> tensão, o texto termina com uma<br />

elogiosa e, diríamos nós, enigmática resposta <strong>de</strong> Jesus: “Marta, Marta, andas muito<br />

inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária;<br />

Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada.”<br />

As atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Marta e Maria foram interpretadas secularmente como uma<br />

possível oposição entre a vida ativa (a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marta) e a vida contemplativa (a<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maria). Um sinal da “superiorida<strong>de</strong>” da vida contemplativa sobre a vida<br />

ativa. Mas todo “bom discípulo” sabe que a <strong>escuta</strong> da palavra é para a prática. É<br />

para praticá-la melhor. É preciso, então, superar essa aparente contradição, “colher<br />

as pérolas” que a passagem nos oferece sem dicotomizar ou colocar em pólos<br />

opostos as atitu<strong>de</strong>s das irmãs Marta e Maria. “Por isso”, afirma Jesus, “Todo escriba<br />

instruído [que estuda] nas [as] coisas do reino dos céus”, “[...] é comparado a um pai<br />

<strong>de</strong> família que tira <strong>de</strong> seu tesouro [<strong>de</strong> seu objeto <strong>de</strong> estudo: a palavra] coisas novas<br />

e velhas” (Mt 13, 51-52).<br />

A <strong>escuta</strong> atenta <strong>de</strong> Maria revela seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r mais<br />

profundamente o sentido último da palavra <strong>de</strong> Jesus e, à sua luz, a si mesma. A<br />

riqueza e o valor nutritivo da <strong>escuta</strong> <strong>de</strong> Jesus, vividos por Maria <strong>de</strong> Betânia, explica<br />

Martini (2000) “[...] é uma <strong>escuta</strong> que nos faz tremer, que nos arrebata porque diz<br />

respeito a nós, nos explica. Não é uma <strong>escuta</strong> passiva, um registro aborrecido como<br />

uma ata, ou uma aula sem interesse. Maria <strong>de</strong> Betânia enten<strong>de</strong>u, naquele momento,<br />

a <strong>de</strong>finição do ser humano. O que significa, <strong>de</strong> fato, ser homem ou mulher? Significa<br />

<strong>de</strong>scobrir o mistério <strong>de</strong> nós mesmos na <strong>escuta</strong> da Palavra <strong>de</strong> quem é maior do que<br />

nós, que é o mesmo que criou o nosso coração, aquele que nele <strong>de</strong>posita seus<br />

segredos”. “Deste modo”, conclui Martini (2000, p. 48),<br />

Maria é imagem da pessoa que se autocompreen<strong>de</strong>u, que chega até a<br />

autenticida<strong>de</strong>, até a clareza do processo cognitivo <strong>de</strong> si, através da<br />

<strong>escuta</strong> da palavra divina revelada para nós e que, ao mesmo tempo,<br />

nos toma por inteiro. O mistério da <strong>escuta</strong> como foi vivenciado pela<br />

mulher <strong>de</strong> Betânia, é, pois, uma revelação – revelação que nós somos<br />

chamados a aceitar – da condição humana. Quando nos abrimos para<br />

o discurso divino, gratuito e cheio <strong>de</strong> benevolência, apren<strong>de</strong>mos que<br />

nós somos <strong>escuta</strong>, dom, e que nós nos realizamos na gratuida<strong>de</strong>.


Jesus não está preocupado com as coisas ou com aquilo que po<strong>de</strong>mos<br />

oferecer ou fazer para/por Ele. Ao valorizar a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Maria, que se colocou aos<br />

seus pés para ouvi-Lo falar, para ouvir sua palavra, Jesus ensina que o <strong>de</strong>sejo mais<br />

profundo do coração <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> é ter seus amigos “bem próximos”, provando <strong>de</strong> sua<br />

Palavra, <strong>de</strong>sfrutando <strong>de</strong> sua intimida<strong>de</strong>. Sua Palavra é o verda<strong>de</strong>iro alimento. É por<br />

meio <strong>de</strong>la que <strong>Deus</strong> exprime seus anseios mais profundos a respeito do/da<br />

homem/mulher e que revela quem Ele é. A palavra, aqui entendida como a<br />

expressão íntima do ser, é aquilo que se tem <strong>de</strong> mais precioso, <strong>de</strong> mais belo. Toda<br />

palavra, assim entendida, é reveladora do ser.<br />

É, portanto, no diálogo pessoal e profundo com <strong>Deus</strong>, no estudo orante <strong>de</strong><br />

sua Palavra, que po<strong>de</strong>mos conhecê-Lo como tal. “Um dia”, como a personagem do<br />

livro do Cântico dos Cânticos, no mais íntimo do nosso coração, po<strong>de</strong>remos<br />

reconhecê-Lo e assim, pronunciar a alegre exclamação: “OH, esta é a Voz do<br />

amado! Ei-lo que aí vem”(Ct 2, 8). Com o coração ar<strong>de</strong>ndo a Ele conce<strong>de</strong>r um<br />

elogio, um louvor, expressar nosso amor e com belas palavras, enfim, <strong>de</strong>clarar:<br />

Seu paladar é a própria doçura;<br />

Tudo nele é <strong>de</strong>sejável.<br />

Tal é meu querido, tal meu companheiro,<br />

Filhas <strong>de</strong> Jerusalém! (Ct. 5,16)<br />

É preciso, <strong>de</strong>starte, cuidado para não reduzirmos nossa oração a um<br />

“espaço” para soluções <strong>de</strong> problemas, <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> uma “graça” específica. A oração<br />

não oferece soluções para todos os problemas que enfrentamos em nosso cotidiano<br />

e ao longo <strong>de</strong> nossas vidas. Como afirmam Barry e Connolly (1991, p. 202)<br />

referindo-se também à direção espiritual: “<strong>Oração</strong> e direção espiritual se interessam<br />

por um relacionamento, não por soluções mágicas, e o relacionamento com o<br />

Senhor, como qualquer outro relacionamento, é estimulado e encarecido por causa<br />

do amor do outro e não porque ofereça vantagens utilitárias [...]”.<br />

Para partilhar:<br />

O que o texto nos ensina? Qual o pleno significado ou alcance <strong>de</strong>sta<br />

afirmação: “Maria escolheu a boa parte”?<br />

Não era proce<strong>de</strong>nte ou justa a reclamação da primogênita Marta?


Qual a substância mais essencial da vida do cristão ou dos seres humanos?<br />

Afinal, o que é, para Jesus, a boa parte da vida?<br />

O que o texto fala a você pessoalmente?<br />

Para (não) concluir...<br />

“venha a nós o vosso reino”<br />

Exprimimos, na oração do “pai nosso”, com “venha a nós o teu reino”, o anseio<br />

pela manifestação daquela realida<strong>de</strong> que se con<strong>de</strong>nsa na palavra “reino”, “[...] e que<br />

po<strong>de</strong> ser expressa <strong>de</strong> mil outros modos: Justiça, fraternida<strong>de</strong>, triunfo da vida, <strong>de</strong>rrota<br />

da morte, situação em que não haverá lágrimas ou luto, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos<br />

reconhecermos e <strong>de</strong> nos amarmos a fundo, plenitu<strong>de</strong> do Corpo <strong>de</strong> Cristo realizado<br />

na Igreja, unida<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira entre as pessoas e entre todos os povos” (Martini,<br />

2000, p. 55).<br />

Com essa expressão, “venha a nós o vosso reino”, portanto, colocamo-nos<br />

à espera da realização do projeto <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> na história e, ao mesmo tempo,<br />

antecipamo-lo como nossos atos fundados no amor, com nosso trabalho e nossa<br />

ação na socieda<strong>de</strong>. “Na dinâmica entre o reino como projeto que nós construímos no<br />

dia-a-dia, e o Reino <strong>de</strong> <strong>Deus</strong> que nos é dado, e que é maior do que qualquer <strong>de</strong><br />

nossos projetos, a oração nos torna ativos (Martini. 2000, 56). Ela nos torna<br />

disponíveis para “lançarmos nossas re<strong>de</strong>s”, prepara-nos para que sejamos capazes<br />

<strong>de</strong> enfrentar os conflitos <strong>de</strong> nosso tempo, para a construção da civilização do amor.<br />

A oração, na feliz expressão do Papa Bento XVI na carta encíclica Spe Salvi,<br />

é “lugar <strong>de</strong> aprendizagem e <strong>de</strong> exercício da esperança” (p.49). Uma “escola” que<br />

proporciona o crescimento da Fé, a geração da Esperança, a vivência do Amor. Dá-<br />

nos a certeza <strong>de</strong> que não estamos, nunca estivemos e nunca estaremos sós: “Eis<br />

que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20b).<br />

Referências<br />

AVRIL, A. C.; LENHART, P. Iniciação à leitura judaica da escritura. Seminário <strong>de</strong><br />

Sion, Sion Jerusalém, 1980.<br />

BARRY, W. A.; CONNOLLY, W. J. A prática da direção espiritual. 3. Ed. São Paulo:<br />

Loyola, 1999.


CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola/Vozes/Paulinas/Ave<br />

Maria/Paulus, 1998.<br />

LÄPPLE, A. Po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> novo rezar. São Paulo: Paulinas, 1983.<br />

LARRAÑAGA, I. O silêncio <strong>de</strong> Maria. São Paulo: Paulinas, 1995.<br />

MARTINI, C. M. Reencontrando a si mesmo. São Paulo: Paulinas, 2000.<br />

MÜLLER, W. Deixar-se tocar pelo Sagrado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.<br />

NOUWEN, H. J. M. Crescer: os três movimentos da vida espiritual. São Paulo:<br />

Paulinas, 2000.<br />

SANTA TERESA DO MENINO JESUS. Manuscrit C, 25r: Manuscrits<br />

autobiographiques (Paris 1992) p. 389-390. [Santa Teresa do Menino Jesus e da<br />

Santa Face, Obras Completas (Paço <strong>de</strong> Arcos, Edições do Carmelo 1996) p. 276]<br />

Carta Encíclica Spe Salvi, São Paulo: Paulinas, 7. Ed. 2011.<br />

Bibliografia sobre o tema:<br />

BARRY, A. W. <strong>Deus</strong> e você: a oração como relacionamento pessoal. 8. Ed.São<br />

Paulo:Loyola, São Paulo, 2005. 84 p.<br />

CAFFAREL, H. Cinco encontros sobre a oração interior. (coleção temas <strong>de</strong><br />

espiritualida<strong>de</strong>, n. 17). São Paulo: Loyola, 2005.<br />

CHECHINATO, L. A missa parte por parte. Petrópolis: vozes, 1981.<br />

JARAMILLO, D. A oração. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Louva-a-<strong>Deus</strong>, 1983.<br />

MEYER, G. Orar em Espírito e verda<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: vozes, s/d.<br />

MOHANA, J. Descubra o valor do Terço. São Paulo: Loyola, 1980.<br />

NOUWEN, H. J. M. A voz íntima do Amor: uma jornada através da angústia para a<br />

liberda<strong>de</strong>. São Paulo: Paulinas, 2000.<br />

LÄPPLE, A. Po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> novo rezar: um encorajamento. São Paulo: Paulinas, 1983.<br />

RANDALL, J. A sabedoria ensina seus filhos. São Paulo: MIR, 1998.<br />

RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA – RCC, Paraná. <strong>Projeto</strong> amigos <strong>de</strong> <strong>Deus</strong>:<br />

orientações para a intimida<strong>de</strong> com o Senhor através das práticas espirituais (vários<br />

autores).<br />

ROSAGE, D. <strong>Oração</strong> diária com a Bíblia. São Paulo: Paulinas, 1979.

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