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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA<br />

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS<br />

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS<br />

NAIARANIZE PINHEIRO DA SILVA<br />

OS ALUNOS DA ESCOLA TÉCNICA FEDERAL E A<br />

PARTICIPAÇÃO NA POLÍTICA ESTUDANTIL NOS ANOS DE<br />

1979 A 1989 EM SALVADOR<br />

Dissertação <strong>de</strong> Mestrado em Ciências Sociais<br />

SALVADOR<br />

Setembro 2009<br />

15


UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA<br />

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS<br />

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS<br />

NAIARANIZE PINHEIRO DA SILVA<br />

OS ALUNOS DA ESCOLA TÉCNICA FEDERAL E A<br />

PARTICIPAÇÃO NA POLÍTICA ESTUDANTIL NOS ANOS DE<br />

BANCA EXAMINADORA:<br />

1979 A 1989 EM SALVADOR<br />

Dissertação apresentada ao <strong>Programa</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Pós</strong>-Graduação em Ciências Sociais da<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia como<br />

requisito <strong>para</strong> a obtenção do título <strong>de</strong><br />

Mestre, sob a orientação do Profº<br />

Doutor Jorge Almeida.<br />

Prof. Dra. Maria Victoria Espiñheira Gonzaléz (UFBA)<br />

Prof. Dr. Antonio Mauricio Freitas Brito (UNEB)<br />

Prof. Dr. Antonio Jorge Almeida (UFBA)<br />

SALVADOR<br />

Setembro 2009<br />

16


Dedicatória<br />

À Ana Julia, Samuel e Salomão.<br />

Dedico este trabalho aos alunos da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da<br />

Bahia que construíram esta história, em especial a todos aqueles<br />

que se dispuseram a narrar suas vivências <strong>para</strong> esta pesquisa...<br />

17


Agra<strong>de</strong>cimentos<br />

Nos últimos momentos <strong>de</strong> escrita venho pensando como tenho que agra<strong>de</strong>cer a<br />

tanta gente nesse percurso. Em primeiro lugar a Deus, pela vida. Agra<strong>de</strong>ço aos meus<br />

pais Ruy e Iara. É lugar comum dizer que sem vocês não estaria <strong>aqui</strong>, mas é verda<strong>de</strong><br />

também. Vocês são muito importantes <strong>para</strong> mim. É só o que posso lhes dizer.<br />

Aos meus filhos Salomão, Samuel e Ana Julia, que toleraram minhas ausências,<br />

meu mal humor, minha impaciência...Sim, estou terminando este trabalho, só não posso<br />

prometer que não haverão outros.<br />

Às minhas irmãs, muito especiais, sem as quais certamente eu não estaria<br />

concluindo <strong>aqui</strong> hoje. A você Naize, que é minha irmã amiga muito especial, a quem<br />

admiro muitíssimo, a Nara pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escapar do mundo acadêmico <strong>para</strong><br />

outros mundos, a Nai<strong>de</strong>, minha baixinha com suas mãos tão maravilhosas a me fazer<br />

carinho, a Nilma minha querida caçulinha e seu companheiro Antonio que se tornou<br />

meu irmão. Às minhas tias Ivone, Iraci e Isabel e seus filhos, todos muito queridos.<br />

Ao meu orientador, por ter me acolhido em seu grupo <strong>de</strong> pesquisa, pelo apoio,<br />

serieda<strong>de</strong> e cuidado <strong>de</strong>dicado na análise do meu trabalho e pela compreensão e<br />

liberda<strong>de</strong> concedida.<br />

Aos professores da <strong>Pós</strong>-Graduação, Professora Victoria Espinheira, Professora<br />

Graça Druck, Professora Mirian Rabelo, Professora Lídia Car<strong>de</strong>l, Professora Iracema<br />

Guimarães, Professora Rosário, Professor Pedro Agostinho e aos que passaram<br />

levemente por nós. De cada um <strong>de</strong> vocês levo um pedaço nas lembranças das aulas e<br />

nas reflexões intelectuais que trarei sempre comigo.<br />

Um agra<strong>de</strong>cimento especial à minha banca <strong>de</strong> qualificação Professor Maurício<br />

Brito e Professora Victoria Espinheira pelas valiosas sugestões e serieda<strong>de</strong> com que<br />

analisaram meu trabalho e por ter aceitado participar da minha <strong>de</strong>fesa.<br />

À secretaria da <strong>Pós</strong> Graduação pela atenção concedida e a Bibliotecária pela<br />

ficha catalográfica.<br />

Às minhas amigas Conceição, Izaura, Maninha, Lauren e Cristina, sempre<br />

solidárias nas lutas por que passei. Sempre ouvi dizer que não se passa incólume por<br />

um mestrado. Sim, e nesses momentos <strong>de</strong>scobrimos como temos o que agra<strong>de</strong>cer!<br />

Aos meus colegas <strong>de</strong> Mestrado: Yang, Lidiane, Ubiraneila, Soraia, Ismar, Maria<br />

das Dores, Antonio Neto e Renata. Vocês são muito especiais e moram no meu coração.<br />

Espero encontrá-los em outros caminhos.<br />

18


Ao IFBAHIA, instituição on<strong>de</strong> trabalho pelos diversos apoios recebidos, em<br />

especial aos meus colegas da Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Estudos Sociais: Cláudia, Epaminondas,<br />

Joilson, Sonia, Jorge, Wan<strong>de</strong>rley e Marco Antonio, que me conce<strong>de</strong>ram uma licença a<br />

fim <strong>de</strong> concluir este trabalho e com os quais em diversos momentos pu<strong>de</strong> discutir e<br />

dialogar sobre meus medos e inseguranças.<br />

Ao pessoal da Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Comunicação Social Lilia, Carolina, Ana e<br />

Andrea (estagiárias) em especial, que facilitaram meu trabalho me conce<strong>de</strong>ndo acesso<br />

aos documentos em fase <strong>de</strong> organização do Memorial da Escola, bem como pela infraestrutura<br />

concedida e ao Professor Josias, memória viva da história da ETFBA.<br />

Ao IFBAHIA, através da professora Aurina, sua reitora.<br />

Agra<strong>de</strong>ço especialmente a todos os ex-alunos que me conce<strong>de</strong>ram preciosos<br />

momentos <strong>de</strong> sua vida em entrevistas e conversas, por vezes bastante longas, confiando<br />

a mim suas memórias e intimida<strong>de</strong>s do tempo em que viveram a gran<strong>de</strong> aventura <strong>de</strong><br />

participar do movimento estudantil da ETFBA.<br />

Como dito no início, tenho muito que agra<strong>de</strong>cer e certamente <strong>de</strong>ixarei <strong>de</strong> fora<br />

alguém especial, que por ora a memória não trouxe <strong>aqui</strong>. Mas sei que, embora tudo que<br />

<strong>aqui</strong> está posto seja <strong>de</strong> minha inteira responsabilida<strong>de</strong>, certamente tive o apoio e a<br />

colaboração <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> pessoas muito especiais <strong>para</strong> a realização <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

19


Um ponto importante, no estudo da organização prática da<br />

escola unitária, é o que diz respeito à carreira escolar em seus<br />

vários níveis, <strong>de</strong> acordo com a ida<strong>de</strong> e com o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

intelectual e moral dos alunos e com os fins que a própria escola<br />

preten<strong>de</strong> alcançar. A escola unitária ou <strong>de</strong> formação humanista<br />

(entendido o termo humanismo, em sentido amplo e não apenas<br />

no sentido tradicional) ou <strong>de</strong> cultura geral <strong>de</strong>veria se por a tarefa<br />

<strong>de</strong> inserir os jovens na ativida<strong>de</strong> social, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tê-los levado a<br />

um certo grau <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong> e capacida<strong>de</strong>, a criação intelectual<br />

20


e prática e uma certa autonomia na orientação e na iniciativa.<br />

(GRAMSCI, 1982, p.121).<br />

RESUMO<br />

A juventu<strong>de</strong> tem sido objeto <strong>de</strong> muitos estudos na atualida<strong>de</strong>. Contudo, observamos<br />

uma lacuna na compreensão dos grupos juvenis dos anos 80, bem como da participação<br />

<strong>de</strong>stes enquanto estudantes e agentes políticos. Deste modo, nossa intenção é ampliar o<br />

<strong>de</strong>bate acerca da participação juvenil no movimento estudantil baiano, a partir <strong>de</strong> um<br />

estudo <strong>de</strong> caso: “Os Alunos da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral e a participação na política<br />

estudantil nos anos (1979-1989) em Salvador. Reconstruímos a história do movimento<br />

estudantil da ETFBA baseando nosso trabalho no diálogo entre os estudiosos do tema e<br />

as fontes <strong>de</strong>lineadas <strong>para</strong> a pesquisa empírica, pautada na leitura <strong>de</strong> documentos oficiais,<br />

jornais diversos e entrevistas. A ditadura militar impôs intensas restrições ao<br />

movimento estudantil, através <strong>de</strong> atos institucionais arbitrários, que visavam silenciar os<br />

estudantes. Entretanto, os mesmos não se abstiveram totalmente <strong>de</strong> organizar-se<br />

politicamente. Em meados dos anos 70, estes estudantes, que continuaram no país,<br />

passam a buscar outras formas <strong>de</strong> organização com o intuito <strong>de</strong> recriar o movimento.<br />

Neste con<strong>texto</strong>, i<strong>de</strong>ntificamos na Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia um importante<br />

espaço <strong>de</strong> reconstrução e resistência que se amplia na medida em que o regime militar<br />

agoniza. As formas <strong>de</strong> ação, porém, não são inicialmente <strong>de</strong> um enfrentamento direto<br />

aos militares. Usando as armas do próprio regime, os estudantes passam a produzir<br />

através <strong>de</strong> seu órgão legal <strong>de</strong> representação, o Centro Cívico, ativida<strong>de</strong>s culturais,<br />

festivais <strong>de</strong> música e teatro, criando um novo modo <strong>de</strong> falar sobre seus sentimentos e<br />

sobre as insatisfações geradas pelo silenciamento imposto a toda socieda<strong>de</strong>. A<br />

experiência vivenciada no movimento estudantil cria um novo estilo <strong>de</strong> vida <strong>para</strong> estes<br />

jovens, os quais na vida adulta acabam por assumir outros espaços <strong>de</strong> atuação que<br />

extrapolam o ambiente do trabalho industrial <strong>para</strong> o qual foram pre<strong>para</strong>dos, embora da<br />

escola surjam importantes referências ao movimento sindical baiano. Os alunos da<br />

ETFBA assumem um papel <strong>de</strong> vanguarda na reconstrução do movimento estudantil<br />

baiano, integrando-se paulatinamente às <strong>de</strong>mandas mais gerais da socieda<strong>de</strong>,<br />

aglutinadas em torno das tendências políticas que buscam a hegemonia do ME e dos<br />

movimentos sociais, que ganha maior evidência no período. Em meados dos anos 80<br />

com a aprovação da Lei Aldo Arantes, o grêmio estudantil volta a ser o espaço <strong>de</strong><br />

representação autônoma no ambiente escolar, impondo novas <strong>de</strong>mandas e exigindo<br />

novos modos <strong>de</strong> organização do movimento.<br />

21


Palavras chave: movimento estudantil, estudantes secundaristas, juventu<strong>de</strong>.<br />

ABSTRACT<br />

Youth has presently been object of many studies. However, we observe a gap in the<br />

un<strong>de</strong>rstanding of the youthful groups of the 80s, as well as their participation as stu<strong>de</strong>nts<br />

and political agents. Therefore, it is our intention to expand the <strong>de</strong>bate concerning the<br />

participation of the youth in Bahian stu<strong>de</strong>nt movement from a case study: “The Stu<strong>de</strong>nts<br />

from Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral and their Participation in the Stu<strong>de</strong>nt Politics in the years<br />

from 1979 to 1989 in Salvador. We rebuild the history of the stu<strong>de</strong>nt movement at<br />

ETFBA, basing our work in the dialogue between the thinkers of the subject and the<br />

sources <strong>de</strong>lineated for the empirical research, from the reading of official documents,<br />

different newspapers and interviews. The military rule imposed severe restrictions to the<br />

stu<strong>de</strong>nt movement, through arbitrary institutional acts, which aimed at preventing the<br />

stu<strong>de</strong>nts from voicing their opinions. However, the stu<strong>de</strong>nts did not totally abstain to<br />

organize themselves politically. In the mid 70s, these stu<strong>de</strong>nts, who had remained in the<br />

country, started searching for different forms of organization, intending to recreate the<br />

movement. In this context, we un<strong>de</strong>rstand the Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia as an<br />

important place for expanding reconstruction and resistance as the military rule<br />

agonizes. The actions taken, however, are not initially of a direct confrontation to the<br />

military. Using the same tactics of the military rule, the stu<strong>de</strong>nts start, through its legal<br />

agency of representation, the Centro Cívico (Civic Center), to produce cultural<br />

activities, music and theater festivals, creating a new way of expressing feelings and<br />

dissatisfactions towards the silencing imposed to all the society. The experience<br />

gathered in the stu<strong>de</strong>nt movement creates a new lifestyle for these youngsters, who, in<br />

the adult life, end up finding other spaces for acting which surpass the industrial work<br />

environment for which they were prepared, even though important references to the<br />

Bahian syndical movement have arisen from schools. The stu<strong>de</strong>nts of the ETFBA take a<br />

forefront role in the reconstruction of the Bahian stu<strong>de</strong>nt movement, integrating<br />

themselves gradually to the broa<strong>de</strong>st <strong>de</strong>mands of the society, agglutinated around the<br />

political trends which search for the hegemony of stu<strong>de</strong>nt movement and the social<br />

movements, more evi<strong>de</strong>ntly in this period. In the mid 80s, with the approval of the Aldo<br />

Arantes Law, the stu<strong>de</strong>nt union once again becomes the space for in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<br />

22


epresentation in schools, imposing new requirements and <strong>de</strong>manding new ways of<br />

organizing the movement.<br />

AC<br />

ACM<br />

AI-5<br />

ALCA<br />

ALN<br />

AP<br />

APML<br />

ARENA<br />

BIRD<br />

CCQ<br />

CCSD<br />

CEB<br />

CEFET<br />

CENTEC<br />

CLT<br />

CNBB<br />

CNI<br />

CONCLAT<br />

CPC<br />

CUT<br />

DCE<br />

DE<br />

DRC<br />

DS<br />

EJA<br />

EMC<br />

Key words: stu<strong>de</strong>nt movement, high school stu<strong>de</strong>nts, youth.<br />

ABREVIATURAS E SIGLAS<br />

Ação Católica<br />

Antonio Carlos Magalhães<br />

Ato Institucional Nº 05<br />

Área <strong>de</strong> Livre Comércio das Américas<br />

Aliança Nacional Libertadora<br />

Ação Popular<br />

Ação Popular Marxista – Leninista<br />

Aliança Renovadora Nacional<br />

Banco Internacional <strong>para</strong> Reconstrução e Desenvolvimento<br />

Círculo <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Qualida<strong>de</strong><br />

Centro Cívico Santos Dumont<br />

Comunida<strong>de</strong> Eclesial <strong>de</strong> Base<br />

Centro Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação Tecnológica<br />

Centro <strong>de</strong> Educação Tecnológica da Bahia<br />

Consolidação das Leis do Trabalho<br />

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil<br />

Confe<strong>de</strong>ração Nacional da Indústria<br />

Conferência Nacional da Classe Trabalhadora<br />

Centro Popular <strong>de</strong> Cultura<br />

Central Única dos Trabalhadores<br />

Diretório Central dos Estudantes<br />

Departamento <strong>de</strong> Ensino<br />

Diretoria <strong>de</strong> Relações Empresariais<br />

Democracia Socialista<br />

Educação <strong>de</strong> Jovens e adultos<br />

Educação Moral e Cívica<br />

23


ETFBA<br />

FIESP<br />

FMI<br />

IAB<br />

IFBAHIA<br />

LDB<br />

LIBELU<br />

MCC<br />

MDB<br />

ME<br />

MEC<br />

MEP<br />

MNU<br />

MR-8<br />

MS<br />

MST<br />

OAB<br />

OCDR<br />

ORM-POLOP<br />

OSPB<br />

PC DO B<br />

PCB<br />

PDS<br />

PFL<br />

PMDB<br />

POLOP<br />

PP<br />

PRN<br />

PSTU<br />

PT<br />

REDITEC<br />

SEPS<br />

Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia<br />

Fe<strong>de</strong>ração das Indústrias do Estado <strong>de</strong> São Paulo<br />

Fundo Monetário Internacional<br />

Instituto dos Arquitetos<br />

Instituto Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia<br />

Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases<br />

Liberda<strong>de</strong> e Luta<br />

Movimento contra a carestia<br />

Movimento Democrático Brasileiro<br />

Movimento Estudantil<br />

Ministério da Educação e Cultura<br />

Movimento <strong>de</strong> Emancipação do Proletariado<br />

Movimento Negro Unificado<br />

Movimento Revolucionário 8 <strong>de</strong> outubro<br />

Movimento dos secundaristas<br />

Movimento dos Sem terra<br />

Or<strong>de</strong>m dos advogados do Brasil<br />

Organização Comunista Democracia Revolucionária<br />

Organização Revolucionária Marxista - Política Operária<br />

Organização Social e Política do Brasil<br />

Partido Comunista do Brasil<br />

Partido Comunista Brasileiro<br />

Partido Democrático Social<br />

Partido da Frente Liberal<br />

Partido Movimento Democrático Brasileiro<br />

Política Operária<br />

Partido Popular<br />

Partido da Reconstrução Nacional<br />

Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado<br />

Partido dos Trabalhadores<br />

Reunião dos Dirigentes das Instituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Educação<br />

Tecnológica<br />

Secretaria <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Primeiro e Segundo Graus<br />

24


SNI<br />

SOE<br />

UBES<br />

UDR<br />

UEB<br />

UEE<br />

UFBA<br />

UJS<br />

UMES<br />

UNE<br />

UNEB<br />

UNESCO<br />

UNETI<br />

Serviço Nacional <strong>de</strong> Inteligência<br />

Serviço <strong>de</strong> Orientação Educacional<br />

União Brasileira dos Estudantes Secundaristas<br />

União Democrática Ruralista<br />

União dos Estudantes Brasileiros<br />

União Estadual dos Estudantes<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia<br />

União da Juventu<strong>de</strong> Socialista<br />

União Metropolitana <strong>de</strong> Estudantes Secundaristas<br />

União Nacional dos Estudantes<br />

Universida<strong>de</strong> do Estado da Bahia<br />

Organização das Nações Unidas <strong>para</strong> a Educação, a Ciência e a<br />

Cultura<br />

União Nacional dos Estudantes Técnicos Industriais<br />

25


SUMARIO<br />

I- INTRODUÇÃO<br />

A ETFBA: uma breve visão da escola<br />

Organização da pesquisa:<br />

II- Metodologia: Caminhos percorridos<br />

III- A memória: aspectos subjetivos enlaçados nas narrativas dos<br />

indivíduos.<br />

IV- Documentos<br />

1. CONJUNTURA POLÍTICA: ABERTURA LENTA E GRADUAL<br />

1.1. O processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização brasileiro: a abertura lenta e<br />

gradual<br />

1.2. Conjuntura política, econômica e social dos anos 1979 a 1989.<br />

1.3. A “abertura” na Bahia<br />

1.4. A conjuntura econômica da Bahia<br />

2. MOVIMENTO ESTUDANTIL E JUVENTUDE COMO<br />

CATEGORIA DE ANÁLISE DAS CIÊNCIAS SOCIAIS.<br />

2.1 Movimento estudantil no Brasil: uma breve reflexão.<br />

2.2 O movimento estudantil secundarista.<br />

2.3 Grêmio, centro cívico e grêmio novamente...<br />

3. ARTE, POLÍTICA E MOVIMENTO ESTUDANTIL: AS<br />

MUITAS FORMAS DE RESISTÊNCIA AO AUTORITARISMO<br />

3.1 O Centro Cívico Santos Dumont<br />

3.2 Como a li<strong>de</strong>rança do movimento estudantil da ETFBA era<br />

constituída?<br />

Página<br />

15<br />

20<br />

22<br />

24<br />

29<br />

31<br />

33<br />

36<br />

38<br />

47<br />

48<br />

54<br />

63<br />

77<br />

80<br />

86<br />

90<br />

93<br />

26


3.3 Os professores e a resistência silenciosa<br />

3.4 O partido na escola<br />

4- A AÇÃO DOS ESTUDANTES: ENFRENTAMENTO,<br />

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E GREVE<br />

4.1 A greve da cantina<br />

4.2 O quebra-quebra dos ônibus em salvador<br />

4.3 O comitê pró-diretas da técnica<br />

4.4 Diretas <strong>para</strong> diretor: conquistas e alianças entre estudantes,<br />

professores e funcionários técnicos administrativos<br />

4.5. A Restauração do Grêmio Estudantil<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

REFERENCIAS<br />

ANEXOS<br />

99<br />

102<br />

110<br />

110<br />

112<br />

116<br />

123<br />

128<br />

136<br />

141<br />

149<br />

27


_____________________________________________________________________<br />

___<br />

Silva, Naiaranize Pinheiro da<br />

S586 Os alunos da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral e a participação na política estudantil<br />

nos anos <strong>de</strong> 1979 a 1989 em Salvador. -- Salvador, 2009.<br />

168 f.: il.<br />

Orientador: Profº. Drº. Jorge Almeida<br />

Dissertação (mestrado) - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Filosofia e Ciências Humanas, 2009.<br />

1. Movimentos estudantis – Salvador (BA). 2. Juventu<strong>de</strong>. 3. Estudante –<br />

Ativida<strong>de</strong> política. 4. Movimento da juventu<strong>de</strong>. 5. Jovens – Ativida<strong>de</strong>s<br />

políticas – 1979 – 1989. I. Almeida. Jorge. II. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia,<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.<br />

28


CDD – 305.23<br />

_____________________________________________________________________<br />

___<br />

INTRODUÇÃO<br />

Este trabalho investiga a participação política dos estudantes da Escola Técnica<br />

Fe<strong>de</strong>ral da Bahia entre os anos <strong>de</strong> 1979 a 1989 em Salvador. Ele se justifica, em primeiro<br />

lugar, <strong>de</strong>vido à existência <strong>de</strong> poucas pesquisas acerca do Movimento Estudantil<br />

Secundarista <strong>de</strong> Salvador neste programa <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-Graduação, prevalecendo na Universida<strong>de</strong><br />

o estudo do movimento estudantil universitário.<br />

Sendo voltado <strong>para</strong> o estudante secundarista, permite ainda que <strong>de</strong> forma parcial,<br />

conhecer o movimento estudantil no âmbito do ensino secundário. Consi<strong>de</strong>ramos ainda que<br />

há uma lacuna acerca dos estudos referentes à escola técnica, a qual tem sua trajetória<br />

permanentemente modificada, sem que tais mudanças sejam objeto <strong>de</strong> estudo,<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando sua importância <strong>para</strong> a educação e a socieda<strong>de</strong> baiana.<br />

O objetivo geral <strong>de</strong>sta pesquisa foi investigar o movimento estudantil da ETFBA<br />

durante os anos <strong>de</strong> 1979 a 1989, período reconhecido <strong>de</strong> transição política do regime militar<br />

<strong>para</strong> governo civil no Brasil. Este objetivo geral <strong>de</strong>bruçou-se em quatro objetivos<br />

específicos que foram perseguidos durante todas as fases do trabalho.<br />

a) I<strong>de</strong>ntificar as principais ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> luta dos estudantes no período proposto, ou<br />

seja, enten<strong>de</strong>r que <strong>de</strong>mandas mobilizavam os estudantes. Quais suas necessida<strong>de</strong>s, como se<br />

manifestavam frente ao con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> regime militar? As <strong>de</strong>mandas eram <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong><br />

questões internas ou refletiam os problemas mais gerais da socieda<strong>de</strong>;<br />

b) Investigar a forma <strong>de</strong> organização <strong>de</strong>finida pelo ME e sua relação com outros<br />

organismos e instituições, significa questionar a existência dos grupos acima citados.<br />

Enten<strong>de</strong>r a relação dos estudantes com outras instituições (partidos, empresa, movimentos<br />

sociais, igreja etc.). Consi<strong>de</strong>rando este período rico <strong>de</strong> realizações da socieda<strong>de</strong> civil<br />

questionamos a existência <strong>de</strong> um envolvimento ou não dos estudantes com tais eventos.<br />

29


c) Conhecer o modo <strong>de</strong> constituir a li<strong>de</strong>rança do ME na ETFBA, ou seja, i<strong>de</strong>ntificar<br />

os mecanismos <strong>de</strong> organização dos estudantes e a forma como as li<strong>de</strong>ranças eram<br />

constituídas. Nossa questão inicial era saber se os lí<strong>de</strong>res eram formados no interior da<br />

instituição ou havia grupos atuando no sentido <strong>de</strong> fomentar estas li<strong>de</strong>ranças.<br />

d) Analisar a conjuntura política, social, cultural e econômica e suas implicações no<br />

movimento estudantil da ETFBA. Preten<strong>de</strong>mos estabelecer uma relação entre esta<br />

conjuntura e o movimento dos estudantes, visto que não compreen<strong>de</strong>mos a escola como um<br />

espaço isolado da socieda<strong>de</strong>, mas sim como um importante mediador <strong>de</strong> diversas questões<br />

que emergem da socieda<strong>de</strong>, ao tempo em que ela atua contraditoriamente conservando e<br />

propondo questões e mudanças. .<br />

A partir da <strong>de</strong>finição dos objetivos acima especificados enten<strong>de</strong>mos que o problema<br />

<strong>de</strong>sta pesquisa refletiu sobre os seguintes questionamentos. Impedido legalmente <strong>de</strong> atuar<br />

nos anos da ditadura militar quais as principais ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> lutas dos estudantes no período<br />

proposto? Como se organizou o ME da ETFBA entre os anos <strong>de</strong> 1979 a 1989 em meio ao<br />

processo <strong>de</strong> transição política e <strong>de</strong> legalização do grêmio estudantil? Qual a forma <strong>de</strong><br />

organização <strong>de</strong>finida pelo ME e sua relação com outros organismos e instituições? Como se<br />

constituíram as li<strong>de</strong>ranças do ME na ETFBA? Como se <strong>de</strong>finia a conjuntura política, social,<br />

cultural e econômica e quais suas implicações no movimento estudantil da ETFBA?<br />

Assim, a problemática ora explicitada nos permitiu compreen<strong>de</strong>r uma série <strong>de</strong><br />

questões referentes à história da escola, bem como também da própria história da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Salvador nos anos 1980. Entretanto, não sendo este trabalho historiográfico, nos permitiu<br />

ampliar a análise <strong>para</strong> as diversas relações que se fizeram no período em foco, do ponto <strong>de</strong><br />

vista <strong>de</strong> suas relações políticas e conjunturais, enten<strong>de</strong>ndo conjuntura como um movimento<br />

que se distingue dos movimentos orgânicos, ou seja, dos relativamente permanentes.<br />

Para Gramsci, quando estudamos um período histórico, esta distinção entre o<br />

conjuntural e o orgânico é importante na medida em que po<strong>de</strong>mos observar as contradições<br />

existentes na estrutura e as forças políticas que atuam no sentido <strong>de</strong> manter e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r sua<br />

própria hegemonia, bem como o modo como se organizam as forças antagônicas, seja nas<br />

polêmicas i<strong>de</strong>ológicas, religiosas, filosóficas, políticas, jurídicas etc. Deste modo, buscamos<br />

uma análise que não se <strong>de</strong>tenha apenas nas causas imediatas, mas que veja a socieda<strong>de</strong> em<br />

sua amplitu<strong>de</strong> (GRAMSCI, 2007).<br />

A escolha temporal está inserida em um período bastante diverso que se inicia em<br />

plena ditadura militar e finaliza com a eleição do primeiro presi<strong>de</strong>nte civil em 1989.<br />

Reconhecemos, entretanto, que as décadas anteriores e posteriores (1970 e 1990),<br />

30


apresentam questões políticas, históricas e sociais bastante amplas e nossa opção reflete em<br />

primeiro lugar a relevância do ME por sua riqueza e evidência, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> um con<strong>texto</strong><br />

<strong>de</strong> organização da socieda<strong>de</strong> civil <strong>de</strong> modo mais geral em toda a socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

Consi<strong>de</strong>ramos ainda o fato <strong>de</strong> a literatura sobre movimento estudantil não haver se<br />

<strong>de</strong>dicado <strong>de</strong> modo mais profundo a análise do movimento estudantil nos anos oitenta. Deste<br />

modo, os anos sessenta e, mais recentemente, episódios específicos como o “Fora Collor”<br />

em 1992 e a atuação dos “caras pintadas”, nacionalmente, e a “Revolta do Buzú” no caso <strong>de</strong><br />

Salvador, em 2003, são objetos <strong>de</strong> um número maior <strong>de</strong> análises em <strong>de</strong>trimento do período<br />

proposto em nosso estudo.<br />

É importante ressaltar que, ao consi<strong>de</strong>rarmos a década <strong>de</strong> 80 como nosso limite<br />

temporal, não <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ramos as relações entre este período e as décadas que lhe<br />

antece<strong>de</strong>m e suce<strong>de</strong>m, tendo em vista a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão <strong>de</strong> aspectos<br />

importantes quando se discute a juventu<strong>de</strong> brasileira e o Movimento Estudantil, bem como<br />

a compreensão <strong>de</strong> que o tempo histórico não se restringe a calendários fixos ou<br />

convencionais.<br />

Discordamos <strong>de</strong> certos posicionamentos presentes na socieda<strong>de</strong> atual que tomam o<br />

jovem como apático e não participativo, que parecem dominar o senso comum e mesmo<br />

alguns trabalhos acadêmicos. Apenas nos últimos anos, a década <strong>de</strong> 1980 tem se tornado<br />

objeto <strong>de</strong> pesquisas sobre o estudante e o jovem no que se refere à sua participação política,<br />

evi<strong>de</strong>nciando um novo modo <strong>de</strong> ação e organização tanto nas escolas quanto em outros<br />

espaços <strong>de</strong> participação. Concordamos assim, com a posição <strong>de</strong> Botelho (2006), que aponta<br />

o ressurgimento do movimento estudantil secundarista, o qual assume uma posição <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>staque e indica um papel significativo e mais ativo nos anos oitenta, <strong>de</strong>stacando-se do ME<br />

universitário. De outro lado, achamos pertinente pensar este con<strong>texto</strong> dito <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>smobilização, buscando compreen<strong>de</strong>r como se <strong>de</strong>u tal problemática e se <strong>de</strong> fato é correta<br />

esta afirmação.<br />

A discussão acerca do movimento estudantil (ME) implica em uma reflexão sobre<br />

ser estudante e ser jovem, perpassando o campo das Ciências Sociais, dos estudos da<br />

Sociologia da Juventu<strong>de</strong> e dos Movimentos Sociais, entendido como um locus <strong>de</strong><br />

organização e luta política na disputa por espaços <strong>de</strong> ação e inserção social do jovem na<br />

socieda<strong>de</strong>.<br />

A socieda<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal trata o período <strong>de</strong> estudos como um momento <strong>de</strong> formação do<br />

indivíduo, <strong>de</strong> pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> vida e <strong>para</strong> o mundo do trabalho. Ela é o espaço legítimo no<br />

importante papel <strong>de</strong> socialização dos jovens. Conforme salienta Gramsci, a escola, a igreja e<br />

a imprensa são as maiores organizações culturais <strong>de</strong> um país, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> alcançarem um<br />

31


número gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas (GRAMSCI, 2006). Daí influenciarem uma parcela significativa<br />

da população, fato que vem se ampliando na socieda<strong>de</strong> atual.<br />

Compreen<strong>de</strong>mos ainda que, no caso <strong>de</strong> uma escola profissionalizante, há um<br />

con<strong>texto</strong> específico <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das lutas estudantis. A Escola Técnica, uma<br />

instituição voltada <strong>para</strong> a formação <strong>de</strong> trabalhadores, é, portanto, um espaço on<strong>de</strong> se<br />

concentra uma parcela da socieda<strong>de</strong> bastante específica: os filhos da classe trabalhadora.<br />

Deste modo, não é <strong>de</strong> todo comparável a uma análise do movimento estudantil<br />

universitário, on<strong>de</strong> encontramos um confronto <strong>de</strong> interesses que origina uma série <strong>de</strong><br />

contradições entre as diversas frações <strong>de</strong> classe ali i<strong>de</strong>ntificadas.<br />

Os estudos sobre o movimento estudantil na universida<strong>de</strong> enfatizam o estudante<br />

universitário como um representante da pequena burguesia 1 . Em uma escola técnica<br />

profissionalizante <strong>de</strong> nível médio se pressupõe a formação dos futuros trabalhadores <strong>para</strong><br />

outras áreas <strong>de</strong> inserção profissional, como as fábricas, indústrias etc.<br />

O estudo do ambiente escolar não nos permite muitos particularismos. É um espaço<br />

dialético, mediado por relações diversas, tanto numa perspectiva estrutural, quanto no<br />

âmbito da superestrutura, em sua i<strong>de</strong>ologia, em sua perspectiva <strong>de</strong> ser ao mesmo tempo<br />

hegemônica e contra-hegemônica, visto que o espaço estudantil é um espaço contraditório,<br />

bastante dinâmico e em permanente transformação.<br />

Consi<strong>de</strong>rando-se ainda as contradições do período estudado, as quais refletem os<br />

<strong>para</strong>doxos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> em mudança; a escola, neste con<strong>texto</strong>, apresenta em seu<br />

interior tanto os novos intelectuais, responsáveis pela substituição das velhas formas <strong>de</strong><br />

pensar, quanto os que permanecem “cristalizados” conservadores e reacionários,<br />

acreditando ainda po<strong>de</strong>rem se ligar ao passado (GRAMSCI, 2006).<br />

A escola é o ambiente da multiplicida<strong>de</strong>, perpassada por valores, atitu<strong>de</strong>s,<br />

personalida<strong>de</strong>s e problemas que emergem e refletem um con<strong>texto</strong> mais amplo que é a<br />

socieda<strong>de</strong>. Em uma escola técnica profissionalizante, esta multiplicida<strong>de</strong> se faz ainda mais<br />

profunda na medida em que ela converge questões relativas ao mundo do trabalho e das<br />

relações capitalistas voltadas ao capital empresarial em sua expectativa <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />

mão-<strong>de</strong>-obra (economia, emprego, tecnologia etc.).<br />

A este aspecto soma-se ainda a problemática inerente à educação brasileira <strong>de</strong> modo<br />

mais geral e a discussão em torno da qualida<strong>de</strong> do ensino, da formação do professor, da<br />

1 Embora a autora em questão afirme que em pesquisa realizada na USP em 1963 tenha encontrado menos<br />

alunos representantes <strong>de</strong> famílias “quatrocentas” do que os oriundos da classe média, especialmente os <strong>de</strong><br />

ascendência estrangeira. Neste sentido, o ingresso na universida<strong>de</strong> ten<strong>de</strong>ria a uma busca <strong>de</strong> ascensão sociais<br />

sendo muitos estudantes pertencentes à primeira geração <strong>de</strong> universitários em suas famílias (FORACHI,<br />

1982:53).<br />

32


organização do processo didático, da gestão da escola, entre outras questões que se fazem<br />

presentes na teoria educacional do país.<br />

É espaço <strong>de</strong> expectativas diversas: ascensão social pelo alcance <strong>de</strong> um capital<br />

cultural reconhecido socialmente, que lhe permite acesso tanto ao mundo do trabalho como<br />

ao ensino superior 2 . Espaço <strong>de</strong> emancipação ou reprodução <strong>de</strong> relações sociais inerentes a<br />

estrutura <strong>de</strong> classes e observada nos <strong>texto</strong>s da sociologia da educação, a partir da concepção<br />

da escola, como reprodutora da estrutura social vigente (ALTHUSSER, 2001) e<br />

(BOURDIEU, 2004), formadora orgânica hegemônica das classes dirigentes, mas que traz<br />

em seu cerne a existência <strong>de</strong> uma parcela atuante que se opõe criticamente aos postulados<br />

hegemônicos culturalmente postos pelos grupos dirigentes.<br />

É o estudo <strong>de</strong> um espaço em crise. Crise bem explicitada na dicotomia analisada por<br />

Mèszaros (2005) ao pensar uma “educação <strong>para</strong> além do capital”, tão pertinente à reflexão<br />

<strong>de</strong>ste espaço <strong>de</strong> formação técnica profissional. Uma escola i<strong>de</strong>ologicamente concebida em<br />

sua gênese como formadora das classes subalternas, mas que, <strong>de</strong> certa forma subverte ou<br />

converge <strong>para</strong> um caminho mais amplo que o <strong>de</strong> mera produtora <strong>de</strong> força <strong>de</strong> trabalho. Que<br />

busca <strong>de</strong> algum modo aproximar-se <strong>de</strong> uma concepção <strong>de</strong> homem humanizado, que se autoproduz<br />

pelo trabalho, na medida em que compreen<strong>de</strong> as contradições inerentes a uma<br />

socieda<strong>de</strong> que nem do ponto <strong>de</strong> vista prático, nem do ponto <strong>de</strong> vista teórico metodológico,<br />

consegue romper com o <strong>para</strong>digma da exploração do homem pelo homem.<br />

Esta diversida<strong>de</strong> por nós <strong>de</strong>scrita é vasta também do ponto <strong>de</strong> vista do estudante.<br />

São meninos e meninas, jovens oriundos <strong>de</strong> diversos bairros, com culturas, vínculos,<br />

representações diferenciadas do mundo e da vida. Provenientes do interior, das diversas<br />

regiões do estado e, portanto, ainda mais diversos em sua visão <strong>de</strong> mundo, suas relações<br />

familiares, sua condição econômica. Os <strong>de</strong> fora, os que habitam as casas dos parentes, as<br />

residências estudantis, as repúblicas e pensões ao redor do Barbalho 3 .<br />

Diversida<strong>de</strong> que se mostra mais objetiva do ponto <strong>de</strong> vista econômico. Sendo que<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 1970 é observada sua evidência cada vez mais acentuada. Para os alunos, um<br />

dos primeiros elementos que indica a varieda<strong>de</strong>, a diferença entre esta escola e as <strong>de</strong>mais<br />

está na percepção <strong>de</strong> uma convivência mais variada, distante do mo<strong>de</strong>lo da escola <strong>de</strong> bairro,<br />

2 Des<strong>de</strong> os anos 1970, Cunha (1973), já i<strong>de</strong>ntificava a presença <strong>de</strong> um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> alunos nas<br />

escolas técnicas do país que pretendiam ingressar na universida<strong>de</strong>, sendo favorecidos pela excelente qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>stas escolas.<br />

3 A ETFBA localiza-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 1926 no bairro do Barbalho, em Salvador. É um bairro relativamente<br />

central, fazendo divisa porém com vários bairros populares como a Liberda<strong>de</strong>, a Lapinha, e o IAPI. Além <strong>de</strong><br />

possuir também o ICEIA (Instituto Central <strong>de</strong> Educação Isaias Alves) tradicional colégio público da cida<strong>de</strong>,<br />

on<strong>de</strong>, em épocas passadas eram formadas as normalistas, mas que no período estudado já possuía o ensino<br />

secundário ginasial, sendo muitos alunos da ETFBA dali oriundos.<br />

33


ou da escola que aproxima os iguais por renda, por condição social ou por localização<br />

geográfica.<br />

De outro lado, é um espaço <strong>de</strong> afastamento do ambiente familiar. Seja pela<br />

exigência do estudo permanente, do qual os passos <strong>de</strong> física 4 são a memória mais efetiva do<br />

grau <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> e exigência a que estavam submetidos os estudantes, como na sua<br />

inclusão no conteúdo das discussões pedagógicas e administrativas, tornando-os<br />

responsáveis por resolver problemas do cotidiano, sem necessariamente recorrer à presença<br />

dos pais.<br />

O mundo do trabalho, vivenciado na sirene, no guarda-pó, no crachá, nos<br />

laboratórios, muitas vezes montados pelas empresas, a fim <strong>de</strong> qualificar ali <strong>de</strong>ntro os futuros<br />

funcionários. A possibilida<strong>de</strong> dada pelo ensino técnico <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r todo o processo<br />

produtivo, fugindo da dimensão taylorista-fordista da especialização e permitindo o acesso<br />

ao todo e às partes. Este fenômeno característico das escolas técnicas é acentuado em<br />

virtu<strong>de</strong> do lugar ocupado pelo técnico no interior do processo produtivo. Embora não seja<br />

um graduado, sua posição também não se confun<strong>de</strong> com a do operário sem qualificação 5 . A<br />

nosso ver este é um dos elementos que impulsiona o egresso a avançar nos estudos até a<br />

universida<strong>de</strong>, passando do papel <strong>de</strong> execução <strong>para</strong> o <strong>de</strong> concepção do processo produtivo.<br />

Traz ainda como conseqüência a insatisfação com o trabalho fabril e a luta por<br />

melhores condições <strong>de</strong> vida e trabalho, seja através <strong>de</strong> uma prática coletivista, crítica da<br />

socieda<strong>de</strong> atual, manifesta, por exemplo, na atuação sindical, seja numa prática mais<br />

individualista, característica das socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, <strong>de</strong> busca da melhoria individual pelo<br />

mérito pessoal, que dá ao egresso a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “vencer na vida” e se consubstancia na<br />

teoria do Capital Humano, <strong>de</strong>senvolvida na escola <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 1970, conforme<br />

i<strong>de</strong>ntificado em estudo <strong>de</strong> Vera Fartes (1994).<br />

Estas reflexões iniciais <strong>de</strong>correm da percepção do imenso trabalho a que fomos<br />

lançados no <strong>de</strong>correr da pesquisa que ora apresentamos. A proposta <strong>de</strong> estudar o movimento<br />

estudantil na transição ditadura militar/governo civil torna o tema também abrangente, na<br />

medida em que o cenário se transforma continuamente e as condições, as <strong>de</strong>mandas e a<br />

forma <strong>de</strong> organização do movimento acompanham estas transformações mais gerais da<br />

socieda<strong>de</strong> brasileira.<br />

4 No primeiro período do nosso estudo não havia aulas <strong>de</strong> Física, mas etapas que os alunos <strong>de</strong>viam cumprir<br />

através <strong>de</strong> avaliações, <strong>para</strong> as quais estudava in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente. A partir <strong>de</strong> 1986, com a eleição do novo<br />

diretor, legitimado pela comunida<strong>de</strong>, os estudantes garantem o fim dos passos <strong>de</strong> física.<br />

5 “(...) técnicos <strong>de</strong> nível médio <strong>de</strong>sempenham funções peculiares nas indústrias <strong>de</strong> processo: operar, re<strong>para</strong>r e<br />

monitorar o equipamento e o processo produtivo. (...) longe <strong>de</strong> constituir um outro ofício operário, a ativida<strong>de</strong><br />

do operador é <strong>de</strong>finida como uma profissão: ativida<strong>de</strong> permanente <strong>de</strong> caráter técnico e mental, dotada <strong>de</strong> uma<br />

carreira, ou seja, <strong>de</strong> uma gradação <strong>de</strong> funções e cargos que só po<strong>de</strong>m ser exercidos pelos titulares do diploma<br />

(AGIER e GUIMARAES, 1995, p.42).<br />

34


A seguir, faremos um breve relato da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia e suas<br />

principais características e mudanças.<br />

A ETFBA: uma breve visão da escola<br />

A trajetória da Escola Técnica sofreu intensas transformações não apenas em sua<br />

nomenclatura como na filosofia e missão. Constituiu-se como a principal escola <strong>de</strong> ensino<br />

técnico profissionalizante do Estado da Bahia. Enquanto ETFBA oferecia basicamente o<br />

ensino técnico profissionalizante, e, atualmente, já transformada em IFBAHIA, conta com<br />

diversos cursos <strong>de</strong> nível médio, nível técnico profissionalizante (dividido nas modalida<strong>de</strong>s<br />

Médio Integrado ao Tecnico e Subseqüente), EJA (Educação <strong>de</strong> Jovens e Adultos), curso<br />

superior tecnológico em nível <strong>de</strong> Graduação e <strong>Pós</strong>-Graduação. Tendo como característica<br />

marcante e singular oferecer ao mesmo tempo educação tecnológica em todos os níveis.<br />

Sua história se inicia em 1910 como “Escola <strong>de</strong> Aprendizes e Artífices da Bahia”,<br />

situada na Avenida Sete, on<strong>de</strong> oferecia cursos nas oficinas <strong>de</strong> alfaiataria, ferraria, sapataria<br />

e marcenaria. Estas escolas <strong>de</strong> aprendizes e artífices foram concebidas no governo do<br />

Presi<strong>de</strong>nte Nilo Peçanha com objetivos mais voltados a retirar da rua as crianças<br />

marginalizadas, ou que po<strong>de</strong>riam “cair na marginalida<strong>de</strong>” como era o discurso da época.<br />

Em acervo fotográfico existente na escola, originário das décadas <strong>de</strong> 1930 e 1940,<br />

quando ainda era conhecida como Escola <strong>de</strong> Aprendizes Artífices ou posteriormente, Liceu<br />

<strong>de</strong> Artes e Ofícios, fica evi<strong>de</strong>nte a presença marcante da clientela constituída <strong>de</strong> meninos<br />

negros, em que pese a maioria dos professores i<strong>de</strong>ntificados nas fotografias sejam brancos.<br />

Esta percepção nos leva a supor que esta escola, no caso da Bahia, atendia especialmente às<br />

crianças negras.<br />

Nos documentos da época se atribuía a estes alunos a pecha <strong>de</strong> “<strong>de</strong>svalidos da sorte”<br />

entre outros atributos que <strong>de</strong>notam a condição social e o estigma a que estavam submetidos.<br />

Há mesmo a afirmação que não se preten<strong>de</strong> formar doutores, mas sim possibilitar que<br />

possam penetrar no mundo do trabalho com dignida<strong>de</strong> (CUNHA, 1973).<br />

À medida que a socieda<strong>de</strong> brasileira caminha <strong>para</strong> um processo <strong>de</strong> industrialização,<br />

a escola vai sofrendo importantes modificações, inclusive na clientela. O que gera a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exigir, por exemplo, o uso <strong>de</strong> farda obrigatória a todos os alunos a fim <strong>de</strong><br />

evitar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> das roupas entre os mesmos, indicativo da presença <strong>de</strong> jovens <strong>de</strong><br />

diferentes classes sociais, embora tal <strong>de</strong>terminação indique também a organização do<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> homogeneização que é aplicado <strong>de</strong> forma contun<strong>de</strong>nte durante a década <strong>de</strong> 1970,<br />

a fim <strong>de</strong> moldar os alunos <strong>para</strong> a vivência fabril.<br />

35


A partir dos documentos levantados nos arquivo da instituição e <strong>de</strong> entrevistas com<br />

professores, concluímos que é a partir dos anos 40 que a presença feminina vai ser<br />

introduzida na escola. Entretanto, não era permitido às alunas ingressar em todos os cursos.<br />

Inicialmente elas só podiam estudar Enca<strong>de</strong>rnação, Fototécnica, Tipografia e Pautação 6 .<br />

A escola foi transferida <strong>para</strong> o bairro do Barbalho, sua atual se<strong>de</strong>, em 1926, on<strong>de</strong><br />

passou a contar com oficinas <strong>de</strong> Tipografia, Pautação, Enca<strong>de</strong>rnação e Fototécnica, na seção<br />

<strong>de</strong> artes gráficas. Em 1937 passou a ser chamado Liceu Industrial <strong>de</strong> Salvador. Em 1942<br />

recebe a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Escola Técnica <strong>de</strong> Salvador, conforme a Lei 4.127/42 que<br />

estabelecia as bases da organização da re<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> estabelecimentos <strong>de</strong> ensino industrial.<br />

Nesse período se implantaram seus primeiros cursos técnicos.<br />

Em 1959 passou a ser uma autarquia educacional e com a Lei Nº. 4.759/65 foi<br />

<strong>de</strong>nominada Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, ETFBA. Assim permaneceu até 1993,<br />

quando é unida ao CENTEC e se constitui o CEFET (Centro Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação<br />

Tecnológica da Bahia) por força da Lei Nº. 8.711/93, dando-lhe uma nova dimensão<br />

administrativa, institucional e acadêmica.<br />

Em 1996, a Lei Nº 9.394 <strong>de</strong> 20/12/1996, conhecida como a nova LDB (Lei <strong>de</strong><br />

Diretrizes e bases da Educação Nacional), promove outras mudanças significativas na<br />

educação tecnológica profissional e se introduz o Ensino Médio <strong>de</strong>svinculado <strong>de</strong> uma<br />

formação técnica profissionalizante. Esta lei, entretanto, foi novamente reformulada, tendo<br />

como conseqüência o fim do Ensino Médio exclusivo no âmbito do CEFET, e a introdução<br />

<strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Ensino Médio integrado ao Técnico, reafirmando sua vocação<br />

técnico-profissionalizante.<br />

Em 29 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008 os CEFETs foram transformados em Institutos<br />

Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Educação, Ciência e Tecnologia, sendo agora IFBAHIA (Instituto Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia). Esta mudança coinci<strong>de</strong> com um processo <strong>de</strong><br />

expansão do ensino técnico no país <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> estado <strong>de</strong>senvolvidas no<br />

governo do atual Presi<strong>de</strong>nte da República, Luis Inácio Lula da Silva. Sua estrutura<br />

organizacional passa a ser constituída <strong>de</strong> uma reitoria, assumindo uma feição cada vez mais<br />

próxima das instituições fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> ensino superior, embora continue oferecendo cursos <strong>de</strong><br />

nível médio profissionalizante.<br />

Organização da pesquisa<br />

6 A observação dos álbuns fotográficos e <strong>de</strong>mais documentos <strong>de</strong>ste período foi feita em companhia do<br />

professor Josias que ingressou na escola na década <strong>de</strong> 40 e fez o reconhecimento do material.<br />

36


O acesso aos documentos e entrevistas a partir <strong>de</strong> uma pesquisa exploratória, ainda<br />

na fase inicial do mestrado, <strong>de</strong>monstrou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reformulação do objeto a fim <strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>quar condições <strong>de</strong> tempo. Sendo assim, a dissertação foi organizada em quatro capítulos<br />

<strong>de</strong> modo a orientar o trabalho da melhor forma possível.<br />

Ainda na introdução, organizamos uma explanação apresentando nosso campo <strong>de</strong><br />

pesquisa, bem como uma discussão acerca da metodologia <strong>de</strong>finida <strong>para</strong> o estudo, dos<br />

caminhos metodológicos, da utilização <strong>de</strong> referências extraídas <strong>de</strong> outras áreas <strong>de</strong> estudo<br />

como a História e a Antropologia a fim <strong>de</strong> fornecer um material mais sólido na análise dos<br />

documentos e das entrevistas. Acreditamos que a fronteira entre a Sociologia, a<br />

Antropologia, a Ciência Política e a História por vezes mostra-se muito tênue em um estudo<br />

que se <strong>de</strong>dica a discutir questões das Ciências Sociais fundadas em um espaço histórico,<br />

constituído por i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, con<strong>texto</strong>s culturais e econômicos diversos e ricos em suas<br />

nuanças.<br />

No primeiro capítulo, “Conjuntura Política: Abertura lenta e gradual e<br />

<strong>de</strong>mocratização no Brasil” nos <strong>de</strong>dicamos, como o título sugere, a indicar os principais<br />

acontecimentos, os temas em <strong>de</strong>bate no âmbito da Ciência Política, bem como as questões<br />

relativas ao cenário baiano em que estava imerso o movimento estudantil. Assim, o<br />

subdividimos em cinco partes a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar um aspecto principal <strong>de</strong> cada tema. A<br />

conjuntura política, econômica e social nos dá uma visão ampla do período do ponto vista<br />

mais geral, em sua dimensão nacional. Do mesmo modo, analisamos alguns aspectos<br />

relativos ao processo <strong>de</strong> “abertura política”, como se <strong>de</strong>u a chamada “transição” e uma<br />

breve digressão das contradições inerentes a este processo, chegando até a “Nova<br />

República” como se convencionou <strong>de</strong>nominar o primeiro governo civil pós-ditadura.<br />

Ao discutir “a abertura” na Bahia elencamos alguns episódios ocorridos e que estão<br />

relacionados à reorganização da socieda<strong>de</strong> civil no estado e da sua relação direta com a<br />

reorganização do movimento estudantil baiano, em especial o movimento dos secundaristas.<br />

Em seguida discutimos rapidamente a “Conjuntura Econômica da Bahia” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos<br />

setenta e a importância do processo <strong>de</strong> industrialização no interior da escola técnica e do<br />

ME.<br />

No segundo capítulo estabelecemos uma discussão acerca do significado ser jovem<br />

na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, e <strong>de</strong> como a juventu<strong>de</strong> transforma-se em categoria <strong>de</strong> estudo das<br />

Ciências Sociais. Esta discussão volta-se ainda <strong>para</strong> a reflexão do jovem estudante e do<br />

movimento estudantil no âmbito <strong>de</strong> estudo da política. Pensamos a relação entre ser<br />

estudante e fazer política estudantil em uma busca <strong>de</strong> reconstrução da trajetória do<br />

movimento no país. Assim, abordamos o percurso histórico partindo do referencial<br />

37


ibliográfico que se <strong>de</strong>dicou ao estudo dos estudantes no período <strong>de</strong> ocorrência do golpe<br />

militar e na sua ação <strong>de</strong> <strong>de</strong>smobilização, bem como nas formas <strong>de</strong> enfrentamento<br />

encontradas por estes, buscando i<strong>de</strong>ntificar as relações que se estabeleceram entre eles e as<br />

<strong>de</strong>mais instituições da socieda<strong>de</strong> civil.<br />

A presença <strong>de</strong> organizações partidárias é analisada consi<strong>de</strong>rando as diversas<br />

tendências que se fizeram presentes no movimento estudantil e sua atuação no sentido <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>marcar os espaços <strong>de</strong> luta e a introdução <strong>de</strong> novas ban<strong>de</strong>iras, bem como as divergências<br />

que eram produzidas a partir <strong>de</strong>stas diferentes perspectivas políticas.<br />

O terceiro capítulo passa a relatar os resultados <strong>de</strong> nossa pesquisa <strong>de</strong> campo. Arte e<br />

Movimento Estudantil no âmbito do Centro Cívico, como um espaço <strong>de</strong> construção da<br />

resistência à ditadura. Nele são analisados os documentos oficiais que indicam a ETFBA<br />

como um lócus <strong>de</strong> organização estudantil, ainda que, em um primeiro momento esta<br />

movimentação não seja evi<strong>de</strong>nciada fora dos muros da instituição. As ações internas <strong>de</strong> luta<br />

pela solução <strong>de</strong> problemas do cotidiano, a rebeldia e a insatisfação com o regime<br />

camufladas nos poemas e no teatro e a Semana da Cultura como importante espaço <strong>de</strong><br />

expressão <strong>de</strong>sta insatisfação com o con<strong>texto</strong> político nacional.<br />

No quarto capítulo, analisamos as ações <strong>de</strong> enfrentamento entre os discentes e a<br />

instituição. Para tanto, partimos da contraposição entre as entrevistas e os documentos<br />

oficiais, on<strong>de</strong> são i<strong>de</strong>ntificados os embates entre os estudantes e a direção da escola, cada<br />

vez mais constantes a partir do início dos anos 1980, em <strong>de</strong>corrência do alargamento das<br />

possibilida<strong>de</strong>s geradas pela “abertura política”. Ação imersa pela contradição evi<strong>de</strong>nte no<br />

con<strong>texto</strong> político daquele momento, on<strong>de</strong> as “sístoles” e “diástoles” na linguagem do<br />

General Golbery, indicavam que as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia ainda eram incertas, e que<br />

a escola, muitas vezes representa os setores mais atrasados quanto à reformulação <strong>de</strong> suas<br />

legislações.<br />

O primeiro governo civil encontra a escola mobilizada e em busca <strong>de</strong><br />

transformações mais radicais que se evi<strong>de</strong>nciam no “Fora Ruy” 7 e nos movimentos <strong>de</strong><br />

crítica à política <strong>de</strong> estado que caminha no sentido do sucateamento da instituição. Os<br />

estudantes assumem papel <strong>de</strong> protagonistas em diversas ações <strong>de</strong> protesto e manifestações<br />

voltadas à garantia da educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> oferecida pela ETFBA, bem como expressam<br />

críticas à política econômica <strong>de</strong> arrocho salarial do governo Sarney.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista mais geral, o ME enfrenta um período <strong>de</strong> fortes polarizações<br />

político-i<strong>de</strong>ológicas, que refletem internamente no espaço construído no grêmio estudantil<br />

recém conquistado. As disputas internas e externas do movimento estudantil pela direção do<br />

7 Este movimento ocorrido em 1986, é <strong>de</strong>senvolvido no capitulo 4.<br />

38


movimento secundarista municipal e estadual, confundindo-se, muitas vezes, com as lutas<br />

dos partidos políticos.<br />

Metodologia: Os Caminhos Percorridos<br />

Os principais “instrumentos” do progresso científico são <strong>de</strong> natureza intelectual<br />

(bem como política), metodológica; e Engels, com justeza escreveu que “os<br />

instrumentos intelectuais” não nasceram do nada, não são inatos no homem, mas<br />

são adquiridos e se <strong>de</strong>senvolveram historicamente (GRAMSCI, 2006, p. 139).<br />

A pesquisa realizada contou com um material variado. Muitas pessoas contribuíram<br />

na coleta dos dados. Nosso estudo coincidiu com a organização do memorial comemorativo<br />

do centenário do ensino técnico no país. Está havendo um trabalho <strong>de</strong> reconstrução da<br />

memória <strong>de</strong>stas escolas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua fundação, quando eram Escolas <strong>de</strong> Aprendizes e<br />

Artífices. Deste modo, pu<strong>de</strong>mos contar com um importante apoio da escola, através<br />

especialmente da Comunicação Social, responsável pela organização do memorial e do<br />

setor áudio-visual que viabilizou a filmagem <strong>de</strong> algumas entrevistas realizadas.<br />

Este material é composto <strong>de</strong> atas, portarias, documentos diversos, recortes <strong>de</strong><br />

jornais, publicações oficiais da escola, fotografias, ví<strong>de</strong>os, panfletos e propagandas das<br />

campanhas <strong>para</strong> o grêmio e também <strong>para</strong> direção da escola, além <strong>de</strong> telegramas e outros<br />

tipos <strong>de</strong> documentos como os regimentos escolares, documentos do MEC e das legislações<br />

educacionais em vigor, etc.<br />

Por estar o material do arquivo ainda em fase <strong>de</strong> organização enfrentamos algumas<br />

dificulda<strong>de</strong>s. A primeira dificulda<strong>de</strong> foi selecionar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um quadro tão diverso e ainda<br />

sem um arquivamento a<strong>de</strong>quado quais os documentos que serviriam <strong>para</strong> nossa pesquisa.<br />

Em segundo lugar, foi necessário um forte controle <strong>para</strong> não fugir do interesse inicial tendo<br />

em vista a amplitu<strong>de</strong> das fontes existentes. A maior parte <strong>de</strong>sta documentação ainda está<br />

sendo organizada, sendo necessário um trabalho <strong>de</strong> garimpagem <strong>para</strong> o qual o auxílio das<br />

estagiárias <strong>de</strong> história e arquivologia foram <strong>de</strong> fundamental importância.<br />

Dentre os documentos inicialmente encontrados e i<strong>de</strong>ntificados, as atas das reuniões<br />

do Conselho Técnico Consultivo e das Reuniões dos Órgãos Superiores, forneceram um<br />

direcionamento <strong>para</strong> a pesquisa em dois aspectos: em primeiro lugar na <strong>de</strong>finição do<br />

problema da pesquisa uma vez que o mesmo foi reelaborado a partir dos fatos narrados nos<br />

documentos, os quais indicaram os eventos <strong>de</strong> maior enfrentamento entre escola e alunos,<br />

especialmente durante o exercício do centro cívico, bem como o con<strong>texto</strong> da escola nas suas<br />

relações com a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> modo geral, evi<strong>de</strong>nciando a conjuntura social em que a mesma<br />

estava imersa.<br />

39


Num segundo momento, as atas e <strong>de</strong>mais documentos <strong>de</strong>monstraram a forma como<br />

os espaços <strong>de</strong> ação dos alunos eram construídos no cotidiano da escola, segundo a ótica da<br />

direção. A organização do centro cívico, os embates entre direção e alunos, além da<br />

inserção da escola no con<strong>texto</strong> da economia local, observados através das referências nas<br />

reuniões (convênios, associações presentes na instituição, o contato da escola com o mundo<br />

exterior, com o governo, com as empresas), e a visão <strong>de</strong> educação profissional vigente. Os<br />

problemas do dia a dia bem como a i<strong>de</strong>ologia presente na instituição e observada no<br />

discurso dos seus dirigentes.<br />

É necessário enfatizar que não utilizamos a análise <strong>de</strong> discurso enquanto método <strong>de</strong><br />

pesquisa. Enten<strong>de</strong>mos, porém, que no campo das Ciências Sociais a fala do atores não se<br />

faz isolada <strong>de</strong> uma perspectiva i<strong>de</strong>ológica, e das perspectivas contidas na percepção que<br />

<strong>de</strong>terminado sujeito possui do mundo em que vive. O lugar que ocupa na socieda<strong>de</strong>, suas<br />

representações sociais, sua posição <strong>de</strong> classe, etc. Muitas vezes a linguagem é expressa<br />

através <strong>de</strong> metáforas e seus significados e conteúdos não são <strong>de</strong> simples compreensão<br />

(GRAMSCI, 2006).<br />

Contraditoriamente, o período tido como <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia, após a conquista da<br />

aprovação da lista tríplice com consulta à comunida<strong>de</strong> na escolha do diretor, possui uma<br />

gran<strong>de</strong> lacuna quanto aos documentos oficiais. Até o presente momento estas atas <strong>de</strong> 1986 a<br />

1989 não foram localizadas. Isto gerou algumas dificulda<strong>de</strong>s <strong>para</strong> nossa pesquisa, sendo<br />

esta fase conduzida em uma direção um pouco diferente da anterior, que versa sobre o<br />

período <strong>de</strong> 1979 a 1986.<br />

A partir <strong>de</strong> 1986, entretanto, outras fontes se tornaram mais abundantes: os<br />

documentos produzidos pelos próprios estudantes, sua presença nos jornais, bem como<br />

publicações institucionais impressas, documentos entre o grêmio estudantil e a direção da<br />

escola. Cartas, documentos <strong>de</strong> apoio aos estudantes, <strong>de</strong> repúdio à direção da escola por<br />

ações consi<strong>de</strong>radas arbitrárias e autoritárias pelos discentes e por organismos da socieda<strong>de</strong><br />

civil, etc. que permitiram uma reconstituição histórica da escola naquele período.<br />

Outra importante fonte <strong>de</strong> informação e reconstituição do movimento estudantil da<br />

ETFBA foram as entrevistas. Recorrer à oralida<strong>de</strong> nos permitiu assim reconstruir o<br />

movimento e suas principais características.<br />

As atas e os panfletos <strong>de</strong> propaganda, bem como conversas informais com<br />

professores da escola nos <strong>de</strong>ram o direcionamento inicial <strong>para</strong> escolha dos entrevistados 8 . A<br />

Internet foi extremamente útil na tarefa <strong>de</strong> localização dos mesmos. Os primeiros nomes<br />

8 Em anexo disponibilizamos a lista com os entrevistados, bem como o roteiro da entrevista.<br />

40


i<strong>de</strong>ntificados na leitura das atas foram lançados no Google e seus e-mails 9 encontrados com<br />

facilida<strong>de</strong>. O fato <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte dos lí<strong>de</strong>res do ME da ETFBA serem atualmente<br />

professores universitários, ou ocuparem posições <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque em órgãos governamentais,<br />

tornando-se, portanto, pessoas públicas na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> computadores, foi fator <strong>de</strong>cisivo no<br />

acesso aos mesmos.<br />

O Orkut 10 também auxiliou. Há várias comunida<strong>de</strong>s da ETFBA e alguns estudantes<br />

pu<strong>de</strong>ram ser contatados através <strong>de</strong>sta re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relacionamentos. No Orkut é possível<br />

i<strong>de</strong>ntificar os alunos pelo curso, às vezes pelo ano, além <strong>de</strong> saber inclusive qual sua<br />

ocupação atual. O Orkut permitiu ainda i<strong>de</strong>ntificar comunida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> os ex-alunos relatam<br />

experiências vividas na escola, memórias dos professores e eventos marcantes.<br />

A partir <strong>de</strong>stas localizações iniciais, os informantes indicavam os próximos da lista<br />

ou nos auxiliavam na localização dos mesmos por manterem laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> com seus<br />

antigos colegas <strong>de</strong> escola. A maior parte dos entrevistados se mostrou solícito e saudoso ao<br />

participar das entrevistas. Não havia, mesmo entre os que conviveram com a escola no<br />

período da ditadura, nenhum tipo <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> que <strong>de</strong>monstrasse algum trauma,<br />

constrangimento ou infelicida<strong>de</strong>. Suas experiências foram revividas com alegria e em geral<br />

buscamos evocar suas memórias da forma mais livre possível a fim <strong>de</strong> que os mesmos<br />

relatassem suas experiências estudantis na ETFBA. Apenas um se mostrou mais crítico em<br />

relação à escola e seus métodos <strong>de</strong> ensino, bem como acerca das relações <strong>de</strong> classe<br />

<strong>de</strong>correntes, segundo ele, da presença marcante da classe média na instituição.<br />

Poucos, no entanto, guardam algum tipo <strong>de</strong> material da época. Apenas dois<br />

disponibilizaram este material, sendo que um <strong>de</strong>les nos doou seus arquivos pessoais, a fim<br />

<strong>de</strong> contribuir <strong>para</strong> o memorial da escola e uma aluna permitiu que fosse reproduzido.<br />

As entrevistas seguiram dois caminhos. Ainda no início da pesquisa <strong>de</strong> campo, em<br />

abril, maio e junho <strong>de</strong> 2008, permitiram a exploração do objeto a fim <strong>de</strong> melhor situá-lo.<br />

Estas entrevistas foram gravadas em mp3. Nesta primeira fase foram entrevistados 8 (oito)<br />

ex-alunos, sendo <strong>de</strong>scartada uma entrevista, por problemas técnicos. No segundo momento,<br />

<strong>de</strong> abril a julho <strong>de</strong> 2009 foram feitas 13 (treze) entrevistas filmadas com ex-alunos e mais<br />

uma em mp3, contando com colaboração do setor áudio-visual da escola <strong>para</strong> sua gravação<br />

em DVD. Nesta segunda fase, foram <strong>de</strong>scartadas duas entrevistas também por problemas<br />

9 Cinco entrevistados são professores universitários e foram localizados pelo Currículo Lattes, através do email<br />

ou da instituição on<strong>de</strong> atuam. Dois foram localizados pelo Orkut. Os outros foram i<strong>de</strong>ntificados e<br />

indicados pelos próprios colegas. Dois <strong>de</strong>les são professores atualmente no IFBAHIA.<br />

10 O Orkut é uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relacionamentos da Internet.<br />

41


técnicos. Dois estudantes, que moram em outras cida<strong>de</strong>s foram entrevistados através do<br />

skype. 11 E um último, respon<strong>de</strong>u ao roteiro enviado através <strong>de</strong> email.<br />

Tivemos acesso ainda a gravações <strong>de</strong> um ví<strong>de</strong>o documentário “100 Anos – IFBA”<br />

comemorativo do centenário da escola, on<strong>de</strong> são entrevistados, pela cineasta Monica<br />

Simões, vários ex-professores, ex-alunos, diretora e ex-diretores e outras pessoas<br />

significativas à história da instituição. Autorida<strong>de</strong>s governamentais, <strong>de</strong>putados e artistas que<br />

passaram pela escola.<br />

Além dos ex-alunos, tendo em vista a recorrência nas entrevistas da importância do<br />

papel <strong>de</strong> alguns professores e técnicos na formação dos estudantes, optamos por convidar<br />

três <strong>de</strong>les <strong>para</strong> uma entrevista. Assim foi escolhida uma pedagoga, que ocupava o cargo <strong>de</strong><br />

orientadora educacional do SOE (Serviço <strong>de</strong> Orientação Educacional) nos anos 80, atuando<br />

hoje como professora da UNEB. Um professor do Curso <strong>de</strong> Eletrônica em exercício na<br />

instituição (membro do Conselho Técnico Consultivo em 1986 e ex-aluno do curso <strong>de</strong><br />

Eletrotécnica na década <strong>de</strong> 1970) e buscamos contatar, por telefone, com um professor <strong>de</strong><br />

História e EMC (Educação Moral e Cívica), bastante citado pelos alunos e já aposentado,<br />

que não respon<strong>de</strong>u a nosso convite <strong>para</strong> a entrevista. Muitos alunos afirmaram ter sido este<br />

professor o principal incentivador do grêmio estudantil, ficando, infelizmente uma lacuna<br />

no trabalho, pelas possíveis contribuições que o mesmo po<strong>de</strong>ria fornecer acerca do papel<br />

exercido por ele e seus pares no processo da transição <strong>de</strong>mocrática da escola.<br />

Entre os ex-alunos entrevistados há dois professores da escola, os quais, entretanto,<br />

foram escolhidos pela atuação no movimento estudantil. Consi<strong>de</strong>ramos, porém, que à<br />

memória do movimento soma-se um olhar mais atual sobre a instituição, fato que não<br />

per<strong>de</strong>mos <strong>de</strong> vista na observação <strong>de</strong> suas falas. Entre os ex-alunos, o critério <strong>de</strong> escolha dos<br />

entrevistados se <strong>de</strong>u pela sua visibilida<strong>de</strong> nos documentos e nas entrevistas que<br />

compuseram a pesquisa exploratória.<br />

Foram escolhidos porque eram membros da direção do centro cívico ou do grêmio<br />

estudantil, à exceção <strong>de</strong> um muito citado pela sua atuação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e crítica, que se<br />

fazia por meio da música, sendo hoje membro <strong>de</strong> uma banda <strong>de</strong> rock que iniciou sua<br />

trajetória durante passagem pela escola. Também entrevistamos um membro da atual<br />

reitoria do IFBAHIA, que foi aluna nos anos 1970 e atua como professora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua<br />

formatura, estando na escola há mais <strong>de</strong> 30 anos, tendo, portanto vivenciado todos os<br />

períodos por nós analisados neste estudo.<br />

Paralelo às entrevistas buscamos encontrar nos jornais alguma referência ou<br />

informação sobre a escola. Contudo, embora seja uma fonte bastante rica <strong>para</strong> análise da<br />

11 Um programa <strong>de</strong> Internet que permite conversar a distância via web.<br />

42


socieda<strong>de</strong>, dos principais temas em <strong>de</strong>bate que compunham a conjuntura do período em<br />

análise, ofereceu pouca informação acerca do cotidiano da escola. A ETFBA estava<br />

presente nos jornais quando ocorrências significativas mobilizavam <strong>de</strong> forma marcante,<br />

ecoando fora dos muros da escola, mas não parece ser um assunto importante <strong>para</strong> a<br />

imprensa baiana.<br />

A leitura dos jornais foi direcionada pelos eventos i<strong>de</strong>ntificados nas entrevistas e<br />

outros documentos. Não <strong>de</strong>finimos um jornal específico ou uma pauta <strong>de</strong>finida. O critério<br />

foi a disponibilida<strong>de</strong> do exemplar <strong>de</strong> acordo com a data a ser investigada. Por isso nos<br />

utilizamos do jornal A Tar<strong>de</strong>, Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, e Correio da Bahia,<br />

sempre consi<strong>de</strong>rando a data em que <strong>de</strong>terminado evento havia ocorrido na escola. Entre os<br />

recortes encontrados no arquivo da escola encontramos ainda uma nota do Jornal do Brasil<br />

noticiando um acontecimento ocorrido na ETFBA que repercutiu nacionalmente 12 .<br />

A importância dos jornais em nosso trabalho resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> que muitos eventos<br />

por nós pontuados acerca do ME da ETFBA acabaram tornando-se públicos. Porém, em um<br />

período com tantos acontecimentos no campo educacional, a escola técnica não parecia<br />

<strong>de</strong>spertar gran<strong>de</strong>s interesses da mídia escrita, salvo nos momentos <strong>de</strong> intensos conflitos,<br />

on<strong>de</strong> a direção e os opositores se faziam ouvir através dos jornais.<br />

Em relação aos jornais, outro aspecto é a falta <strong>de</strong> um arquivo em local específico<br />

on<strong>de</strong> possamos encontrar todos os números em bom estado <strong>de</strong> conservação. Embora os<br />

funcionários do Arquivo Público fossem bastante gentis e solícitos, sentimos a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma ampliação do acervo dos documentos, bem como <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> técnicas mais mo<strong>de</strong>rnas<br />

como a microfilmagem <strong>para</strong> sua melhor conservação.<br />

Por fim, na fase final da pesquisa, contamos ainda com a novida<strong>de</strong> da revista Veja<br />

ter lançado um arquivo online com suas edições <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1968, o qual também serviu como<br />

referência <strong>para</strong> a reconstituição social do período, bem como nas lutas mais amplas da<br />

escola técnica nacionalmente e dos eventos que ganharam repercussão nacional havidos na<br />

cida<strong>de</strong> do Salvador. A revista traz ainda alguns editoriais acerca da reorganização do<br />

movimento estudantil.<br />

No uso dos jornais e revistas não <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ramos o fato <strong>de</strong> durante a ditadura<br />

haver uma censura em vigência no país que <strong>de</strong>terminava as pautas das notícias. Deste<br />

modo, conforme Carlos Fico (2009) nos adverte, a imprensa sofreu uma série <strong>de</strong> restrições<br />

durante a ditadura e se viu muitas vezes impossibilitada <strong>de</strong> noticiar ou divulgar informações<br />

12<br />

A suspensão dos estudantes em <strong>de</strong>corrência da sua participação na passeata das diretas com o uniforme da<br />

escola em 1984.<br />

43


acerca <strong>de</strong> acontecimentos, especialmente vinculados aos que resistiam ou criticavam o<br />

regime.<br />

A Memória: Aspectos Subjetivos Enlaçados nas Narrativas dos Indivíduos<br />

O trabalho com entrevistas preten<strong>de</strong> evocar a lembrança e a memória dos<br />

informantes, dando-lhes status <strong>de</strong> sujeito. Embora seja reconhecido no âmbito das Ciências<br />

Sociais como uma importante ferramenta não apenas <strong>para</strong> reconstrução do passado, como<br />

também <strong>para</strong> uma busca <strong>de</strong> elementos simbólicos e representações, esta técnica <strong>de</strong>ve ser<br />

realizada a partir <strong>de</strong> uma perspectiva crítica. Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar que traz em si<br />

alguns problemas conforme avalia Mirian Santos:<br />

A compreensão <strong>de</strong> que a memória é resultado <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> interação social,<br />

e que ela tanto está em nós quanto é exterior a nós, não supera o fato <strong>de</strong> que a<br />

memória como relato do passado é falha e incompleta. Por que esse interesse tão<br />

gran<strong>de</strong> pela memória nas Ciências Sociais? Sem dúvida lidamos com a memória<br />

porque conhecemos, em parte, suas limitações e acreditamos que po<strong>de</strong>mos fazer<br />

<strong>de</strong>la uma forma <strong>de</strong> conhecimento (SANTOS, 2003, p.274).<br />

Esta técnica permite penetrar limitadamente na memória das pessoas, dando-lhes <strong>de</strong><br />

antemão a posição <strong>de</strong> sujeito, tendo em vista que a partir <strong>de</strong>les se reconstitui a história. Para<br />

os historiadores, porém, memória e história não se confun<strong>de</strong>m.<br />

(...) a memória coletiva ou social não se confun<strong>de</strong> com a história. Pelo contrário,<br />

a história começa on<strong>de</strong> a memória social acaba e não tem mais como suporte um<br />

grupo. Ou seja, a memória social é sempre vivida, física ou afetivamente.<br />

(D’ALLESIO, 1993, p.98).<br />

A memória é um fenômeno coletivo constituído por acontecimentos vividos<br />

pessoalmente ou pelo grupo. Ela se constitui ainda <strong>de</strong> projeções e transferências, <strong>de</strong><br />

“vestígios dotados <strong>de</strong> memórias, ou seja, <strong>aqui</strong>lo que fica gravado como data precisa <strong>de</strong> um<br />

acontecimento” (POLLAK, 1992, p.202). As datas são gravadas em função das experiências<br />

vividas pelas pessoas, ora em sua memória da vida privada, ora na memória da sua vida<br />

pública. Assim, ao lidar com entrevistas nos pomos frente a alguns problemas, entre eles<br />

está o fato da interpretação das mesmas.<br />

Os acontecimentos po<strong>de</strong>m ser relatados a partir das experiências pessoais<br />

(nascimento dos filhos, namoros, etc.). Ao se evocar a memória da juventu<strong>de</strong>, encontramos<br />

tanto questões relativas à vida pessoal, <strong>de</strong> foro íntimo, como situações públicas e coletivas:<br />

44


o envolvimento político, os gran<strong>de</strong>s acontecimentos políticos vividos em <strong>de</strong>terminado<br />

período etc. Assim, <strong>para</strong> alguns, especialmente os membros do centro cívico <strong>de</strong> 1979, a<br />

lembrança da vinda <strong>de</strong> Prestes à Bahia se constitui num acontecimento significativo e<br />

lembrado por praticamente todos os que coletivamente vivenciaram sua chegada ao país,<br />

numa expectativa da expansão das liberda<strong>de</strong>s individuais.<br />

De outro lado, as datas da vida privada são rememoradas no primeiro beijo, nas<br />

primeiras experiências afetivo sexuais, nas práticas relativas às artes, ao uso <strong>de</strong> bebidas<br />

alcoólicas, maconha etc. O nascimento do primeiro filho ainda sem uma estrutura<br />

econômica organizada, coincidindo com as ativida<strong>de</strong>s políticas, com a mudança <strong>de</strong> bairro a<br />

fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas do partido, a vivência nos movimentos sociais, as primeiras<br />

experiências no campo profissional, também são elementos significativos que garantem o<br />

elo entre a memória passada e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recordar na atualida<strong>de</strong>.<br />

Por ser um tempo recente, um tempo presente, e que tem sido objeto <strong>de</strong><br />

reconstruções por parte da mídia <strong>de</strong> forma recorrente, corremos o risco <strong>de</strong> ter essas<br />

memórias construídas pela representação que hoje se faz daquele período. A “década<br />

perdida”, os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>, a moda, os padrões <strong>de</strong> comportamento po<strong>de</strong>m ser<br />

objetos <strong>de</strong> transferências, no sentido em que as experiências da geração embora não tenham<br />

sido experimentadas por todos se reconstitui numa memória coletiva que homogeneíza <strong>de</strong><br />

certa forma tudo que foi vivido. Segundo Pollak<br />

A rigor, po<strong>de</strong>-se dizer que, além da transferência entre datas oficiais, há também<br />

o predomínio da memória sobre <strong>de</strong>terminada cronologia política, ainda que esta<br />

última esteja mais fortemente investida pela retórica, até mesmo pela<br />

reconstrução historiográfica (POLLAK, 1992, p. 203).<br />

A memória é um processo vivido e em evolução permanente, conduzido por grupos<br />

vivos e que é vulnerável a várias formas <strong>de</strong> manipulação. “Aberta à dialética da lembrança e<br />

do esquecimento, inconsciente <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>formações sucessivas, vulnerável a todos os usos”.<br />

(NORA, 1993. p. 09). Reconhecemos que uma reconstrução é sempre problemática e<br />

incompleta, traz em si uma representação do passado e <strong>de</strong>manda análises e críticas. Não<br />

po<strong>de</strong> ser tomada como um recurso objetivo, mas que é objetivado na medida em que<br />

contrapomos dados e informações. Sem, entretanto esquecer que “a memória emerge <strong>de</strong> um<br />

grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias<br />

quantos grupos existem; que ela é por natureza, múltipla e <strong>de</strong>sacelerada, coletiva, plural e<br />

individualista” (NORA, 1995. p. 09).<br />

A memória ainda po<strong>de</strong> ser analisada como a constituição <strong>de</strong> narrativas do presente<br />

que resultam <strong>de</strong> experiências acumuladas ao longo do tempo. Embora ela sempre resulte <strong>de</strong><br />

45


um processo interativo, há casos on<strong>de</strong> o processo individual prevalece sobre o coletivo e<br />

outros on<strong>de</strong> as <strong>de</strong>terminações coletivas <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas com mais ênfase. Os<br />

indivíduos guardam fragmentos <strong>de</strong> experiências vivenciadas e precisam das construções<br />

coletivas <strong>para</strong> que possam correlacionar e dar sentido aos diversos fragmentos que<br />

rememoram (SANTOS, 2003, p. 276).<br />

Os Documentos<br />

Os documentos <strong>de</strong> arquivo são testemunhas da vida institucional. Neles encontramos<br />

informações acerca da competência, atribuições, funções, operações e atuações realizadas<br />

por uma entida<strong>de</strong> durante sua existência. Permitem também conhecer<br />

(...) como <strong>de</strong>correm – e <strong>de</strong>correram - as relações administrativas, políticas e<br />

sociais por ela mantidas, tanto no âmbito interno como no externo, sejam com<br />

outras entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seu mesmo nível, ou com as que lhe são, hierarquicamente,<br />

superiores ou inferiores. Estão na raiz <strong>de</strong> todos os atos <strong>de</strong> causa, efeito e resultado<br />

do <strong>para</strong> quê, do como, do por que, do quando e do quanto, sob todos os pontos <strong>de</strong><br />

vista, do ser e do existir <strong>de</strong>ssa entida<strong>de</strong> (BELLOTO, 2002, p.09).<br />

Servem, quando preservados <strong>para</strong> fins <strong>de</strong> pesquisa científica, herança cultural e<br />

testemunho social, e configuram-se como um “corpo material <strong>de</strong> memória, a ser apreendida,<br />

entendida, estudada e difundida” (BELLOTO, 2002, p.10). O uso dos documentos<br />

possibilita ao pesquisador compreen<strong>de</strong>r as tendências políticas, sociais, religiosas,<br />

educacionais, literárias e técnico-científicas.<br />

O documento é um discurso sobre a realida<strong>de</strong> ao qual são acrescentados pelo<br />

pesquisador os envolvimentos e inquietações do presente. A problematização do documento<br />

implica em apreen<strong>de</strong>r sua historicida<strong>de</strong>, permitindo uma concepção alargada do documento<br />

educacional. Segundo Moraes,<br />

Enquanto “prática or<strong>de</strong>nadora e instituidora, voltada <strong>para</strong> as relações sociais”, o<br />

documento legal apresenta, como enfatiza Faria Filho (1998), “tanto o caráter <strong>de</strong><br />

intervenção social subjacente à produção e realização da legislação escolar”<br />

quanto constitui “em seus diversos momentos e movimentos, lugar <strong>de</strong> expressão<br />

e construção <strong>de</strong> conflitos e lutas sociais”. Nessa perspectiva, segundo o autor, a<br />

lei expressa <strong>de</strong>terminadas concepções <strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> escola que são<br />

produzidas em diferentes instâncias do Estado, mas apropriadas, <strong>de</strong> diversas<br />

maneiras, pelos diferentes sujeitos ligados à produção e realização da legislação<br />

(MORAES, 2002, p.25-26).<br />

46


Ao caráter legal dos documentos, soma-se uma série <strong>de</strong> contradições referentes às<br />

lutas e disputas no interior <strong>de</strong> uma instituição bem como a interpretação dada pelo seu<br />

dirigente e até mesmo por quem redige <strong>de</strong>terminado documento ou ata. Para Gramsci “é<br />

sempre necessário recorrer a fontes culturais <strong>para</strong> <strong>de</strong>terminar o valor exato dos conceitos, já<br />

que, sob um mesmo chapéu, po<strong>de</strong>m estar diferentes cabeças” (GRAMSCI, 2006, p.129). O<br />

uso dos documentos legais implica, assim, na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidado frente aos conceitos<br />

encontrados em seus escritos, uma vez que as palavras passam por resignificações ao longo<br />

do tempo.<br />

O arquivo com que nos <strong>de</strong><strong>para</strong>mos estava em transição <strong>de</strong> “arquivo morto” ou<br />

“massa documental acumulada”, conforme dissemos anteriormente, <strong>para</strong> a organização a<br />

fim <strong>de</strong> selecionar e preservar em um arquivo permanente e <strong>de</strong>finitivo que será aberto ao<br />

acesso <strong>de</strong> pesquisadores. MORAES e ALVES (2002) indicam que, há uma precária<br />

condição na conservação e dispersão dos acervos documentais das escolas técnicas,<br />

problema com que também nos <strong>de</strong><strong>para</strong>mos durante nossa pesquisa e, <strong>de</strong> certo modo,<br />

dificultou e retardou nossa pesquisa <strong>de</strong> campo, como já foi mencionado.<br />

47


1 CONJUNTURA POLÍTICA: ABERTURA LENTA E GRADUAL<br />

A história recente do Brasil oferece um importante espaço <strong>de</strong> discussão, que vai se<br />

segmentando na década <strong>de</strong> 80, por parte não apenas dos intelectuais, mas <strong>de</strong> toda a<br />

socieda<strong>de</strong>, sobre o real conteúdo da <strong>de</strong>mocracia que buscamos alcançar e sobre a<br />

importância da participação da socieda<strong>de</strong> civil nos espaços <strong>de</strong>liberativos. Estes temas<br />

refletem uma tendência internacional, tendo em vista a profusão <strong>de</strong> trabalhos publicados<br />

acerca <strong>de</strong>sta temática.<br />

Mesmo entre os marxistas, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram a revolução como um espaço concreto<br />

<strong>de</strong> transformações sociais, <strong>de</strong>correntes da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras soluções à luta <strong>de</strong><br />

classes, esta temática ganhou novos contornos. Assim, embora a <strong>de</strong>mocracia não tenha sido<br />

durante muito tempo um conceito caro à esquerda marxista, as <strong>de</strong>silusões produzidas pelas<br />

experiências socialistas mundo afora, <strong>de</strong> certo modo contribuíram <strong>para</strong> uma releitura dos<br />

<strong>texto</strong>s <strong>de</strong> Marx e seus intérpretes, com a intenção <strong>de</strong> alcançar uma <strong>de</strong>mocracia posta noutros<br />

termos. Neste sentido, a <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> cunho liberal que prevaleceu durante muito tempo,<br />

recebendo críticas diversas, permanece rejeitada pelos teóricos marxistas, os quais buscam<br />

apresentar outra <strong>de</strong>mocracia cujo conteúdo seja “mais real” (BORON, 2004; ANDERSON,<br />

2004)<br />

A política do nosso país tem assim, após a experiência <strong>de</strong> ditadura militar, uma<br />

crescente valorização da <strong>de</strong>mocracia enquanto i<strong>de</strong>al almejado. Devendo, portanto, ser<br />

permanentemente perseguido. É neste con<strong>texto</strong> que as discussões apresentadas pelos<br />

estudiosos da política nacional compõem um rico <strong>de</strong>bate durante o processo <strong>de</strong> transição<br />

política. A própria noção <strong>de</strong> “re<strong>de</strong>mocratização” ou <strong>de</strong> “distensão” é ilustrativa do conteúdo<br />

dos <strong>de</strong>bates e das contradições em que se encontrou (e encontra-se) a socieda<strong>de</strong> brasileira<br />

no quesito regime <strong>de</strong>mocrático.<br />

48


Neste ponto, a opção por estabelecer critérios que indique a existência <strong>de</strong> uma<br />

cultura política <strong>de</strong>mocrática permeou vários trabalhos que buscavam elementos comuns,<br />

estabelecidos cientificamente, que <strong>de</strong>monstrassem a presença entre os brasileiros <strong>de</strong> uma<br />

cultura voltada à existência <strong>de</strong> valores, atos e atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticos em nosso povo.<br />

Moisés (1995) aponta <strong>para</strong> o grau <strong>de</strong> incerteza em que estava inserida a transição<br />

além <strong>de</strong> apresentar em seu estudo as contradições acerca da noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia entre a<br />

população brasileira. Segundo o autor, o processo <strong>de</strong> transição não <strong>de</strong>monstrava, até a<br />

década <strong>de</strong> 90, garantias <strong>de</strong> consolidação do regime <strong>de</strong>mocrático no país. Assim, ele<br />

apontava que<br />

O quadro tem, portanto, algo <strong>de</strong> perturbador. Acena com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

interrupção dos processos <strong>de</strong> mudança política iniciados nos anos 70 e 80; e,<br />

embora sem configurar um cenário imediato ou irreversível <strong>de</strong> retorno ao<br />

autoritarismo, ao gerar um quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio político crônico, po<strong>de</strong> vir a<br />

constituir-se em ponto <strong>de</strong> partida do fracasso da <strong>de</strong>mocratização iniciada uma<br />

década e meia atrás (MOISES, 1995).<br />

Desta forma, o autor apresenta um cenário marcado pela incerteza em que se<br />

configurou a chamada transição. Não havia nada que garantisse que os militares não<br />

retornariam ao po<strong>de</strong>r, ou que outros golpes não seriam efetivados assim como ocorrera no<br />

Peru e no Haiti, além <strong>de</strong> ameaças à or<strong>de</strong>m instituída na Guatemala e na Venezuela. É<br />

perceptível nos meios <strong>de</strong> comunicação, especialmente nos jornais a permanente condição <strong>de</strong><br />

alertar <strong>para</strong> os males das transformações radicais da socieda<strong>de</strong> e da tomada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A<br />

idéia <strong>de</strong> que o povo não tem condições <strong>de</strong> administrar, vigora nas entrelinhas da imprensa<br />

numa indisfarçada teoria das elites justificada na construção histórica brasileira que sempre<br />

privilegiou <strong>de</strong>terminadas frações <strong>de</strong> classe da socieda<strong>de</strong> e fez questão <strong>de</strong> manter os <strong>de</strong>mais<br />

grupos fora dos espaços <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

A discussão sobre a <strong>de</strong>mocracia parece, assim, envolta em uma batalha <strong>de</strong> idéias,<br />

on<strong>de</strong> diferentes forças sociais buscam encontrar um conteúdo real <strong>para</strong> o que seja <strong>de</strong> fato<br />

uma nação <strong>de</strong>mocrática. Embora nunca como hoje, tantos intelectuais <strong>de</strong> correntes teóricas<br />

tão diversas se posicionem como <strong>de</strong>mocratas. O fato é que após a segunda guerra,<br />

basicamente não houve quem não se postulasse favorável, em que pese as contradições com<br />

que cada um entendia o termo. Segundo Coutinho<br />

Há algumas décadas, o pensamento explicitamente <strong>de</strong> direita – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

catolicismo ultramontano até os diferentes fascismos – combatia abertamente a<br />

<strong>de</strong>mocracia; até mesmo o liberalismo, em boa parte <strong>de</strong> sua história, apresentou-se<br />

explicitamente como alternativa à <strong>de</strong>mocracia. Esta situação se alterou a partir da<br />

segunda meta<strong>de</strong> do século XX. Por um lado, o fascismo praticamente<br />

<strong>de</strong>sapareceu como força atuante no cenário político mundial; e, por outro,<br />

sobretudo a partir dos anos 1930, o liberalismo assumiu a <strong>de</strong>mocracia e passou a<br />

49


<strong>de</strong>fendê-la, ainda que não sem antes minimizá-la, empobrecendo suas<br />

<strong>de</strong>terminações, concebendo-a <strong>de</strong> modo claramente redutivo. Assim, pelo menos<br />

nominalmente, hoje são todos <strong>de</strong>mocratas (COUTINHO, 2006:13-14).<br />

A generalização e a compreensão <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>mocracia seja reconhecida como<br />

virtu<strong>de</strong> não exclui a hipocrisia ou ausência <strong>de</strong> um entendimento a<strong>de</strong>quado do termo.<br />

Recorrendo à história encontramos o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia no liberalismo <strong>de</strong> Rousseau,<br />

em meados do século XVIII, quando o mesmo elabora uma crítica radical da socieda<strong>de</strong> e<br />

aponta os limites i<strong>de</strong>ológicos contidos no liberalismo, além <strong>de</strong> formular uma proposta <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong> alternativa, <strong>de</strong>mocrática e popular (COUTINHO, 2006, p.14). Suas idéias<br />

orientam a ação <strong>de</strong> revolucionários franceses e se <strong>de</strong>sdobram em outros pensadores, como<br />

os primeiros comunistas, a exemplo <strong>de</strong> Grachus Babeuf, lí<strong>de</strong>r da Conjuração dos Iguais.<br />

Entre os críticos <strong>de</strong> Rousseau encontramos Benjamim Constant, que escreve em<br />

1919 um <strong>texto</strong> on<strong>de</strong> afirma que a liberda<strong>de</strong> proposta por Rousseau<br />

Seria a liberda<strong>de</strong> do mundo antigo, ou seja, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar na formação<br />

do governo, o que implica a criação <strong>de</strong> uma esfera pública na qual todos<br />

participam, on<strong>de</strong> todos cidadãos são plenos. Em suma, on<strong>de</strong> todos são, ao mesmo<br />

tempo, governantes e governados. Essa forma <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, afirma Constant, não<br />

é a que caracteriza os tempos mo<strong>de</strong>rnos. A liberda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, ao contrário,<br />

consistiria em fruir na esfera privada os bens que os indivíduos obtém graças a<br />

seus méritos pessoais; <strong>para</strong> tanto, os indivíduos livres nomeiam “representantes”<br />

que se ocupam do governo e, <strong>de</strong>sse modo, são tantos mais livres quanto menos<br />

participam da esfera pública (COUTINHO, 2006:15).<br />

Vê-se expresso <strong>aqui</strong> uma distinção entre a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática e a liberda<strong>de</strong><br />

liberal, enten<strong>de</strong>ndo a segunda como o direito <strong>de</strong> usufruir na esfera privada os bens<br />

construídos privadamente. No século XIX, Alexis <strong>de</strong> Tocqueville formula teoria on<strong>de</strong> a<br />

afirma como um fenômeno irreversível do mundo mo<strong>de</strong>rno. Destaca, entretanto, os riscos<br />

da tirania da maioria e vê no liberalismo a condição necessária <strong>para</strong> se evitar os males da<br />

<strong>de</strong>mocracia, com o fortalecimento do direito privado e da liberda<strong>de</strong> individual.<br />

No início do século XX Gaetano Mosca formula sua teoria das elites. Este autor<br />

entendia que as maiorias não existem como sujeitos políticos, diferindo <strong>de</strong> Tocqueville.<br />

Para ele, a política é feita por elites, minorias, chamadas <strong>de</strong> “classes dirigentes”, sendo<br />

assim, a soberania popular “seria apenas uma i<strong>de</strong>ologia que a elite dirigente usa <strong>para</strong> se<br />

legitimar” (COUTINHO: 2006:17).<br />

Para Chantal Mouffe, quanto mais se coinci<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia e liberalismo, menos é<br />

possível compreen<strong>de</strong>r seu real significado. Em seu <strong>de</strong>bate com/contra Schmitt, ao analisar<br />

as críticas que ele faz a <strong>de</strong>mocracia liberal parlamentarista ela discute sobre o tema.<br />

50


Sem que aceitemos a tese <strong>de</strong> Schmitt sobre a existência <strong>de</strong> uma contradição<br />

insuperável entre o liberalismo e a <strong>de</strong>mocracia, <strong>de</strong>veríamos, no entanto, levar a<br />

sério o fato <strong>de</strong> que ele coloca em evidência as <strong>de</strong>ficiências da <strong>de</strong>mocracia liberal<br />

parlamentar e a sua ausência <strong>de</strong> "fundamentos teóricos". Essa ausência <strong>de</strong><br />

elaboração satisfatória dos "princípios políticos" da <strong>de</strong>mocracia representativa<br />

não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> acarretar consequências nefastas <strong>para</strong> o regime liberal<br />

<strong>de</strong>mocrático. Na medida em que suas instituições são percebidas como simples<br />

técnicas instrumentais <strong>para</strong> a escolha <strong>de</strong> governantes, é pouco provável que<br />

pu<strong>de</strong>ssem ser asseguradas com um tipo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são popular que garantisse uma<br />

efetiva participação na vida <strong>de</strong>mocrática. O que falta em tais condições é aquela<br />

"virtu<strong>de</strong> política" que Montesquieu consi<strong>de</strong>rava indispensável à <strong>de</strong>mocracia e que<br />

i<strong>de</strong>ntificava com o "amor às leis e à pátria". O <strong>de</strong>smoronamento da vida<br />

<strong>de</strong>mocrática e a crescente <strong>de</strong>scrença na ação política que constatamos atualmente<br />

são, sem dúvida, o preço que pagamos por termos negligenciado o domínio da<br />

reflexão ética e filosófica sobre a <strong>de</strong>mocracia, e por termos dado algum crédito à<br />

pretensa neutralida<strong>de</strong> da ciência política (MOUFFE, 1994).<br />

Destarte, o <strong>de</strong>bate acerca da participação não po<strong>de</strong> se limitar ao voto, como ficou <strong>de</strong><br />

certa forma caracterizado na <strong>de</strong>mocracia brasileira, embora naquele momento, mesmo<br />

sendo o voto restritivo, ele tenha sido alcançado através <strong>de</strong> intensas lutas <strong>de</strong> vários<br />

segmentos da socieda<strong>de</strong>.<br />

Entre os estudiosos da política brasileira, encontramos uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

concepções que <strong>de</strong> certa forma refletem a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia como participação popular.<br />

Entretanto, a <strong>de</strong>mocracia na história brasileira sempre se contrapôs a uma concepção<br />

autoritária <strong>de</strong> fazer política que predominou nas classes dirigentes do estado nacional, que<br />

se caracterizou pela <strong>de</strong>svalorização da participação popular e pela criminalização dos<br />

movimentos populares. Deste modo, não há até o final dos anos 80 uma certeza firmada que<br />

houve <strong>de</strong>mocracia no Brasil, mas períodos menos autoritários ou <strong>de</strong> cunho mais populista.<br />

O tema da participação ganha uma evidência nos anos 80 em <strong>de</strong>corrência dos<br />

conflitos ocorridos entre a população e o estado, muitos dos quais sem uma participação<br />

direta dos partidos políticos, mas que indicavam o grau <strong>de</strong> insatisfação social <strong>de</strong>corrente da<br />

crise econômica, do <strong>de</strong>semprego e dos escândalos políticos que passam a dominar os<br />

noticiários jornalísticos.<br />

1.1 O Processo <strong>de</strong> Democratização Brasileiro: A abertura lenta e gradual.<br />

No início da década <strong>de</strong> 80, a crise econômica traz à tona um clima <strong>de</strong><br />

perplexida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> as manifestações <strong>de</strong> ação direta e a incapacida<strong>de</strong> do estado <strong>de</strong><br />

dar respostas rápidas às <strong>de</strong>mandas dos setores mais <strong>de</strong>serdados e afetados pela<br />

recessão, tornam manifesta a insignificância das medidas adotadas. As situações<br />

<strong>de</strong> possível explosão social provocam um clima <strong>de</strong> inquietação nas metrópoles,<br />

com <strong>de</strong>staque <strong>para</strong> São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro, que se convertem em palco <strong>de</strong><br />

invasões coletivas <strong>de</strong> terras, saques, <strong>de</strong>predações <strong>de</strong> ônibus e trens em<br />

<strong>de</strong>corrência da crescente <strong>de</strong>terioração das condições <strong>de</strong> vida urbana e das reações<br />

dos que são mais afetados nos seus padrões mínimos <strong>de</strong> sobrevivência. Estas<br />

51


manifestações ocorreram principalmente pela incapacida<strong>de</strong> dos governos <strong>de</strong><br />

oposição <strong>de</strong> posicionarem-se contra a política do governo Figueiredo e em dar<br />

respostas efetivas ao problema do <strong>de</strong>semprego, ou <strong>de</strong> substituir a ausência <strong>de</strong><br />

canais institucionais, criando condições <strong>para</strong> a construção <strong>de</strong> mecanismos<br />

efetivos <strong>de</strong> participação dos setores afetados (SADER, 1987: 12).<br />

O con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> crise em que se encontrava o país forjou, <strong>de</strong> certo modo, a<br />

mobilização popular. Não eram apenas os estudantes como nos anos sessenta que tomavam<br />

à frente nas manifestações, embora ainda se fizessem presentes, mas os trabalhadores do<br />

modo geral, movidos pela situação <strong>de</strong> insegurança, <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego e da iminente<br />

consciência da injustiça social retornavam à rua, reascen<strong>de</strong>ndo o sentimento <strong>de</strong> participação<br />

e a expectativa <strong>de</strong> uma transformação social mais efetiva.<br />

Em obra publicada em 1984, ao analisar o processo <strong>de</strong> transição política que ocorria<br />

no país, Francisco Weffort nos propõe a seguinte questão: por que <strong>de</strong>mocracia e não<br />

revolução? Ao <strong>de</strong>nominar a transição <strong>de</strong> inverossímil, ele aponta <strong>para</strong> a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratar<br />

a situação política do Brasil no período que se inicia em 1974. Assim diz ele:<br />

O que chamamos <strong>de</strong> transição política começou em 1974, com a política <strong>de</strong><br />

“distensão” do governo Geisel. Antes disso – <strong>de</strong> 1968 a 1974 – foi o período do<br />

“milagre econômico” e também da ditadura mais violenta e criminosa <strong>de</strong> nossa<br />

história. Uma lógica política inspirada no senso comum diria que o melhor<br />

momento <strong>para</strong> uma abertura política seria aquele em que a economia se expan<strong>de</strong>.<br />

Com a transição brasileira ocorre o contrário. Tivemos “fechadura” política na<br />

época <strong>de</strong> expansão e a distensão política começando com a <strong>de</strong>pressão econômica<br />

(WEFFORT, 1984: 15).<br />

Para Weffort, há uma aparente contradição no fato da “abertura” ocorrer no<br />

momento <strong>de</strong> maior crise econômica e não durante o milagre econômico, quando havia uma<br />

perspectiva positiva <strong>para</strong> a economia nacional. Consi<strong>de</strong>rando-se que as crises que<br />

ocasionaram a queda dos regimes <strong>de</strong>mocráticos em períodos anteriores apresentarem uma<br />

relação direta com as crises por que passava a socieda<strong>de</strong>. Neste sentido, analisar as<br />

possibilida<strong>de</strong>s da <strong>de</strong>mocracia brasileira nos anos 1980 significa enfatizar seu estado <strong>de</strong> crise<br />

econômica. Um fator relevante no cenário <strong>de</strong> incertezas quanto ao <strong>de</strong>sfecho da distensão<br />

política arquitetada pelos militares. Tornava-se difícil estabilizar a <strong>de</strong>mocracia em um<br />

con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> empobrecimento como o que se vivia naquele período. Desta forma, a<br />

<strong>de</strong>mocracia não se consolidaria, embora estivesse em fase <strong>de</strong> implantação em toda a<br />

América Latina (WEFFORT, 1988).<br />

Florestan Fernan<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>ra que o período <strong>de</strong> ditadura impediu a população <strong>de</strong><br />

perceber as transformações porque passava o país do ponto <strong>de</strong> vista do capital e da nova<br />

configuração das classes sociais.<br />

52


A incorporação ao núcleo do capitalismo monopolista, a industrialização maciça<br />

e o aprofundamento da penetração do <strong>de</strong>senvolvimento capitalista no campo,<br />

principalmente, modificaram substancialmente os números, a forma e os<br />

dinamismos do regime <strong>de</strong> classes sociais. A opressão policial-militar e política<br />

impediu que tais transformações se tornassem notórias, <strong>de</strong> imediato e diluiu o<br />

impacto que elas tiveram na imaginação, nas insatisfações, e nas realizações dos<br />

oprimidos (FERNANDES, 2007: 180).<br />

Vemos assim entre os intelectuais, que naquele momento se posicionavam mais à<br />

esquerda, um posicionamento crítico e até mesmo pessimista frente ao processo <strong>de</strong> abertura<br />

que se consolidava. Mesmo nos trabalhos produzidos após 1988, quando já estava<br />

promulgada a nova constituição, ainda percebe-se um sentimento que as lutas ocorridas<br />

durante o período <strong>de</strong> autoritarismo não alcançaram o nível <strong>de</strong>sejado <strong>de</strong> mudanças por que<br />

ansiava parte da população brasileira. Entre os fatores mais <strong>de</strong>stacados da insatisfação está a<br />

permanência <strong>de</strong> políticos que durante o regime militar tiveram <strong>de</strong>stacada atuação<br />

sustentando o partido do governo, a exemplo <strong>de</strong> Sarney e Maluf, bem como a permanência<br />

<strong>de</strong> políticas públicas e econômicas cada vez mais restritivas, impondo a população os<br />

ditames do FMI e as primeiras investidas neoliberais que terão seu auge no governo <strong>de</strong><br />

FHC.<br />

Entretanto, não há como negar o fenômeno <strong>de</strong> uma maior participação da população<br />

nos processos <strong>de</strong> reivindicação como assinala Sa<strong>de</strong>r (1987) em trecho acima citado. Sendo<br />

assim, herdamos uma série <strong>de</strong> equívocos conforme nos adverte Weffort, os quais dizem<br />

respeito ao próprio sentido da política, que não se tornou <strong>de</strong> fato <strong>de</strong>mocrática.<br />

(...) São resultado <strong>de</strong> uma história em que a política tem sido, quase sempre, o<br />

privilégio <strong>de</strong> uns quatro oligarcas e assemelhados. Uma história que, até <strong>aqui</strong>,<br />

mal conseguiu constituir um espaço público on<strong>de</strong> a ativida<strong>de</strong> política, quase<br />

sempre limitada às classes dominantes, pu<strong>de</strong>sse se diferenciar das ativida<strong>de</strong>s<br />

privadas <strong>de</strong>ssas mesmas classes dominantes. Uma história, enfim, em que os<br />

conservadores tem sido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, vitoriosos (WEFFORT, 1984, p. 25).<br />

Florestan Fernan<strong>de</strong>s, em sua crítica do processo <strong>de</strong> transição afirma que ela se<br />

caracterizou pela existência <strong>de</strong> um “pacto conservador” entre o PMDB e os setores<br />

dissi<strong>de</strong>ntes do PDS. Neste sentido, embora houvesse uma alteração na luta <strong>de</strong> classes, as<br />

classes dominantes mantiveram seu domínio, superando “os obstáculos que minavam a<br />

sobrevivência da ditadura e retiravam suas condições <strong>de</strong> se reproduzir” (Fernan<strong>de</strong>s, 2007).<br />

Era uma situação marcante na história brasileira e que permitiria enten<strong>de</strong>r melhor<br />

os rumos da história. A qualida<strong>de</strong> da luta <strong>de</strong> classes havia se alterado. Nestes<br />

últimos vinte anos, principalmente a partir <strong>de</strong> 1968, o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico acelerado contribuiu <strong>para</strong> modificar tanto a composição quanto os<br />

dinamismos <strong>de</strong> classe no Brasil. A classe trabalhadora urbana cresceu muito e se<br />

diferenciou também com o processo <strong>de</strong> industrialização massivo (...) foram<br />

53


criadas novas condições <strong>de</strong> concentração e <strong>de</strong> manifestação dos trabalhadores em<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> classe, <strong>de</strong> seus interesses coletivos. Apesar <strong>de</strong> a<br />

ditadura reprimir os movimentos políticos dos trabalhadores, ela não po<strong>de</strong><br />

impedir que estas transformações explodissem na cena histórica (FERNANDES,<br />

2007, p.116-117).<br />

Estas explosões, como veremos mais à frente, ocorreram tanto nas organizações<br />

dos trabalhadores, cujo marco simbólico é a greve do ABC em 1978, como nas<br />

organizações populares, que se multiplicaram pelo país e na expansão dos grupos sociais<br />

que passaram a manifestar uma série <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>iras e outras dinâmicas <strong>de</strong> ação, a exemplo<br />

do movimento <strong>de</strong> mulheres, movimento negro etc.<br />

1.2 Conjuntura Política, Econômica e Social dos Anos 1979 a 1989<br />

A compreensão <strong>de</strong> qualquer categoria <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> pressupõe a busca das<br />

relações que <strong>de</strong>terminado grupo possui em um con<strong>texto</strong> mais amplo, isto não é diferente no<br />

caso do movimento estudantil. A reflexão sobre um período histórico nos impõe a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as mediações entre estes e os <strong>de</strong>mais setores da socieda<strong>de</strong>. Isto<br />

se torna ainda mais importante na medida em que a escola na socieda<strong>de</strong> capitalista não po<strong>de</strong><br />

ser compreendida <strong>de</strong>svinculada da política e do setor produtivo. Neste sentido, a década em<br />

estudo <strong>de</strong>ve ser analisada como um período rico em tessituras que influenciaram <strong>de</strong> modo<br />

efetivo a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões por parte dos legisladores, em especial no que se refere à<br />

educação (FRIGOTTO, 2006). A compreensão das relações entre a estrutura e a<br />

superestrutura, a fim <strong>de</strong> que seja realizada uma análise das forças sociais que atuam na<br />

história <strong>de</strong> um período <strong>de</strong>terminado (GRAMSCI, 2007)<br />

Enten<strong>de</strong>mos que os anos 1980 se constituíram na história recente do país como um<br />

momento marcado por importantes acontecimentos. O processo <strong>de</strong> transição política do<br />

regime militar <strong>para</strong> um governo civil, a promulgação <strong>de</strong> uma nova constituição, e,<br />

posteriormente, a eleição direta <strong>para</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República, promoveram uma série <strong>de</strong><br />

conseqüências na história política da nação cujos reflexos ainda hoje se fazem presentes.<br />

Neste con<strong>texto</strong>, a participação da socieda<strong>de</strong> civil, constituiu-se como um marco no<br />

sentimento <strong>de</strong> construir a <strong>de</strong>mocracia e no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma consciência cidadã.<br />

Deste modo, o período proposto tem um espaço temporal que po<strong>de</strong> ser dividido em<br />

dois momentos distintos, embora complementares: o primeiro, tomando por base a<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Araújo (2007), pertence ainda à fase <strong>de</strong> “resistência e luta <strong>de</strong>mocrática”, tendo<br />

em vista que os anos <strong>de</strong> 1979 à 1985 compõem uma conjuntura política on<strong>de</strong> se<br />

54


Incluía uma plataforma <strong>de</strong> luta pelas liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas e uma política <strong>de</strong><br />

alianças que ia na direção <strong>de</strong> setores mais mo<strong>de</strong>rados da oposição, tendo como<br />

objetivo ampliar o movimento da socieda<strong>de</strong> civil contra a ditadura militar<br />

(ARAÚJO, 2007, p.323).<br />

O segundo momento, a partir <strong>de</strong> 1985, configura o primeiro governo civil após a<br />

ditadura e significa, <strong>de</strong> certo modo, uma ruptura com os pressupostos autoritários que<br />

vigoraram antes, embora do ponto <strong>de</strong> vista do capital, mantenha-se incólume.<br />

A primeira fase é caracterizada pela mudança <strong>de</strong> ação por parte da esquerda, on<strong>de</strong> a<br />

luta armada <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> estar presente nas ações mais imediatas, e pela introdução <strong>de</strong> novos<br />

projetos políticos, on<strong>de</strong> os grupos buscam a construção <strong>de</strong> um espaço institucionalizado <strong>de</strong><br />

propostas políticos e <strong>de</strong> conquistas <strong>de</strong>mocráticas, embora ainda se i<strong>de</strong>ntifique por parte do<br />

regime uma série <strong>de</strong> ações repressivas, com a atuação inclusive <strong>de</strong> grupos <strong>para</strong>militares, <strong>de</strong><br />

direita, promovendo um clima <strong>de</strong> terror entre a população.<br />

O assassinato <strong>de</strong> dois militantes da APML em 1974 em São Paulo, o sequestro <strong>de</strong><br />

membros do PCB em 1975, o assassinato <strong>de</strong> Wladimir Herzog e do operário Manoel Fiel<br />

filho em 1976 assim como a morte “mal explicada” da estilista Zuzu Angel; a invasão do<br />

PCB na Lapa, Rio <strong>de</strong> Janeiro e o assassinato <strong>de</strong> todos os seus dirigentes, a morte <strong>de</strong> um<br />

operário na realização <strong>de</strong> um piquete durante a greve dos metalúrgicos em São Paulo<br />

(ARAUJO, 2007). Todos estes crimes dão a percepção <strong>de</strong> que o projeto <strong>de</strong> abertura era<br />

repleto <strong>de</strong> incertezas e ambigüida<strong>de</strong>s. Criando <strong>de</strong>ntro da esquerda um campo aberto as<br />

divergências.<br />

A partir <strong>de</strong> 1979 inicia-se um movimento <strong>de</strong> retorno dos políticos cassados pela<br />

ditadura, com a Anistia Política, cuja Lei Nº 6.683 <strong>de</strong> 28/08/1979 13 conce<strong>de</strong>u a muitos<br />

presos e exilados políticos o direito <strong>de</strong> retornarem ao país ou serem libertos das prisões.<br />

Criam-se melhores condições <strong>para</strong> as mobilizações que culminarão em 1989 na primeira<br />

eleição presi<strong>de</strong>ncial direta no Brasil, após mais <strong>de</strong> 20 anos <strong>de</strong> regime ditatorial.<br />

Po<strong>de</strong>mos assumir a visão <strong>de</strong> que a década <strong>de</strong> 1980 foi uma dura travessia da<br />

ditadura à re<strong>de</strong>mocratização em que se explicitou, com mais clareza, os embates<br />

entre as frações <strong>de</strong> classe da burguesia brasileira (industrial, agrária e financeira)<br />

e seus vínculos com a burguesia mundial e <strong>de</strong>stas em confronto com a<br />

heterogênea classe trabalhadora e os movimentos sociais que se <strong>de</strong>senvolverem<br />

em seu interior. A questão <strong>de</strong>mocrática assume centralida<strong>de</strong> nos <strong>de</strong>bates e nas<br />

lutas em todos os âmbitos da socieda<strong>de</strong> ao longo <strong>de</strong>ssa década (FRIGOTTO,<br />

2006, p.34).<br />

Bolivar Lamounier, ao apresentar os eixos do <strong>de</strong>bate vigente na época consi<strong>de</strong>ra que<br />

13 Disponível em: http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1979/6683.htm acesso em 05/04/2008.<br />

55


(...) em termos substantivos, pelos menos três contrastes foram importantes<br />

durante os anos 80: uma forte expectativa <strong>de</strong> mudança do início da década,<br />

exponenciada pela campanha das diretas-já, contra a dura realida<strong>de</strong> do governo<br />

Sarney; a morosida<strong>de</strong> e as ambiguida<strong>de</strong>s da nossa abertura “lenta e gradual”<br />

contra a “boa” transição dos nossos vizinhos argentinos e uruguaios (ou Espanha<br />

e Portugal...); e um entendimento algo restritivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia (como subsistema<br />

político) contra outro talvez <strong>de</strong>masiado amplo (a idéia <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática, que por <strong>de</strong>finição teria <strong>de</strong> ser muito mais igualitária e praticamente<br />

sem vestígios <strong>de</strong> autoritarismo na cultura e nas relações sociais <strong>de</strong> modo geral<br />

(LAMOUNIER, 1990, p.03).<br />

A percepção <strong>de</strong>stes contrastes está, por exemplo, nas análises <strong>de</strong> conjuntura<br />

efetuadas pelos estudantes, diretores do Centro Cívico Santos Dumont (CCSD), ainda em<br />

1981 na ETFBA. Por influência <strong>de</strong> sua formação político-partidária ou por assumir uma<br />

posição mais crítica da realida<strong>de</strong>, eles manifestam uma compreensão daquele momento nos<br />

documentos divulgados à comunida<strong>de</strong> e um questionamento acerca do conteúdo da<br />

<strong>de</strong>mocracia proposta pelo governo Figueiredo.<br />

A cada instante é evi<strong>de</strong>nciada a contradição que há entre o sentimento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocracia do povo e os limites impostos pelos governantes a este avanço.<br />

Enquanto fala-se em diálogo, ao mesmo tempo é acionada a Lei <strong>de</strong> Segurança<br />

Nacional contra sindicalistas, estudantes e populares. Enquanto a palavra<br />

Democracia é uma constante na Re<strong>de</strong> Globo, nas bases da socieda<strong>de</strong> vê-se<br />

violência Policial, Insensibilida<strong>de</strong> ao diálogo e força (ETFBA, Unida<strong>de</strong> e<br />

Democracia, 10/09/81).<br />

O documento dos estudantes, ainda em 1981, portanto na vigência da LSN (Lei <strong>de</strong><br />

Segurança Nacional), indica que o espaço <strong>de</strong> abertura e mobilização já estava aberto. Na<br />

verda<strong>de</strong>, o movimento estudantil já vinha <strong>de</strong> uma ação <strong>de</strong> enfrentamento que antece<strong>de</strong> o ano<br />

<strong>de</strong> 1979. Os estudantes baianos já haviam realizado a greve contra o jubilamento em 1975.<br />

Segundo Oliveira, a partir da segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 70 há um ressurgimento<br />

do ME.<br />

O movimento estudantil se reorganizou. Em 1975 foram realizadas greves no Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, São Paulo, Brasília, Minas Gerais, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Bahia e<br />

Pernambuco. A primeira e mais importante foi <strong>de</strong>flagrada no dia 16 <strong>de</strong> abril na<br />

Escola <strong>de</strong> Comunicação e Artes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (ECA), contra a<br />

<strong>de</strong>cisão do diretor <strong>de</strong> <strong>de</strong>mitir quatro professores. A greve durou três meses e<br />

significou o ponto <strong>de</strong> partida <strong>para</strong> a formação <strong>de</strong> uma comissão universitária que<br />

se tornaria o embrião do DCE-livre da USP (OLIVEIRA 2002, p. 45).<br />

O encontro <strong>de</strong> refundação da UNE em 1979 é resultado <strong>de</strong>sta mobilização que já<br />

vinha sendo realizada nos anos anteriores. Do ponto <strong>de</strong> vista da reorganização da vida<br />

política no país, os anos oitenta se apresentam <strong>de</strong> forma peculiar, tendo em vista a forma<br />

56


contraditória como tal processo se dá. Para Frigotto, a importância <strong>de</strong>ste período está no<br />

rearranjo <strong>de</strong> forças em disputa por projetos societários e <strong>de</strong> educação. Deste modo, a<br />

educação profissional podia ser analisada <strong>de</strong> forma clara na medida em que o autor se<br />

aprofundava “na compreensão das mudanças <strong>de</strong> posicionamento das forças sociais em<br />

disputa” (FRIGOTTO, 2006, p.34).<br />

Roberto Leher afirma que<br />

O fim dos regimes militares no Cone Sul criou uma onda <strong>de</strong> otimismo em relação<br />

à <strong>de</strong>mocratização da socieda<strong>de</strong>, em especial, por meio do aprofundamento do<br />

caráter público do Estado, após o longo inverno da violência institucional. Mas a<br />

chamada transição não caminhou inexoravelmente <strong>para</strong> a <strong>de</strong>mocracia, como,<br />

aliás, a correlação <strong>de</strong> forças já indicava na época (LEHER, 2000, p.145).<br />

Esta época se <strong>de</strong>fine então como uma conjuntura em que, ao mesmo tempo, se tenta<br />

romper com o regime <strong>de</strong> ditadura e seu mo<strong>de</strong>lo econômico-social e se acumulam condições,<br />

assinalam <strong>de</strong>rrotas ou vitórias parciais no caminho da ruptura <strong>de</strong>ssa situação histórica <strong>para</strong><br />

uma transição que o tempo nos mostrou ter sido restrita.<br />

Frigotto consi<strong>de</strong>ra que a década se inicia em 1979, com o reaparecimento da classe<br />

trabalhadora e se encerra em 1989, com a queda do Muro <strong>de</strong> Berlin, como parte dos ditames<br />

estabelecidos no credo das políticas neoconservadoras ou neoliberais do Consenso <strong>de</strong><br />

Washington e na eleição <strong>de</strong> Fernando Collor.<br />

Os embates entre os operários do ABC paulista e o governo militar se acentuam a<br />

partir <strong>de</strong> 1978 e, gradualmente ocorrem mudanças significativas e <strong>para</strong>doxais <strong>de</strong>ntro da<br />

socieda<strong>de</strong> civil. Em uma conjuntura que caminhava <strong>para</strong> o maior equilíbrio entre o estado e<br />

a socieda<strong>de</strong> civil, embora a complexida<strong>de</strong> e o alargamento das classes e frações <strong>de</strong> classe<br />

fossem cada vez mais evi<strong>de</strong>ntes.<br />

O capital se reestrutura mediante “po<strong>de</strong>rosos aparelhos <strong>de</strong> hegemonia e instituições<br />

políticas” (FRIGOTO, 2006, p.34) como, por exemplo, a Re<strong>de</strong> Globo, além do<br />

fortalecimento dos organismos <strong>de</strong> classe do capital (CNI, FIESP etc.) e a UDR como<br />

expressão da resistência à Reforma Agrária se ramificando nos novos partidos com perfil <strong>de</strong><br />

direita (PP, PFL) e em um judiciário e executivo comprometido com o latifúndio.<br />

Entre as forças vinculadas à classe trabalhadora e seus interesses e <strong>de</strong>mandas,<br />

emergem novos sujeitos políticos como as CEBs (Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base), que<br />

assumem importante papel no início dos anos 1980. Há ainda a fundação do PT, cujo<br />

manifesto <strong>de</strong> criação é divulgado em 10/02/1980 e a criação da CUT (Central Única dos<br />

Trabalhadores), em julho <strong>de</strong> 1983, expressão do novo sindicalismo brasileiro. 1984 é o ano<br />

da organização oficial do MST (Movimento dos Sem-Terra),<br />

57


(...) que expressa o surgimento <strong>de</strong> um novo sujeito social, que coloca como pauta<br />

<strong>de</strong> luta o direito à terra e um novo projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das relações <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> no campo. A luta pela reforma agrária é a pedra angular, mas com a<br />

clareza <strong>de</strong> que ela, por si só, não representa uma ruptura com o capitalismo. O<br />

projeto do MST vai além das reformas <strong>para</strong> manter a or<strong>de</strong>m do capital e busca<br />

outras que promovam, no campo e na cida<strong>de</strong>, forças <strong>para</strong> um projeto que vise a<br />

superação (FRIGOTTO, 2006, p.36).<br />

O campo da cultura e da educação, embora inicialmente “incipientes” ganham<br />

priorida<strong>de</strong> e centralida<strong>de</strong> no final da década, muito em função das greves que se alastram e<br />

são amplamente noticiadas na mídia local e nacional naquele período. A primeira meta<strong>de</strong><br />

caracterizada por lentos movimentos <strong>de</strong> conquista <strong>de</strong>mocrática “e <strong>de</strong> clara resistência das<br />

forças da direita que estavam instaladas na força bruta da ditadura no tecido social amplo”<br />

(FRIGOTTO, 2006, p.36).<br />

Sinais da <strong>de</strong>mocratização se faziam presentes no final da censura oficial (fevereiro<br />

<strong>de</strong> 1980); no retorno dos exilados a partir <strong>de</strong> 1979; nas eleições diretas <strong>para</strong> governador em<br />

1982, com importante vitória do MDB, partido da oposição (ainda que “consentida”); na 1ª<br />

greve geral convocada pela CUT em julho <strong>de</strong> 1983; na apresentação da emenda das diretas<br />

pelo <strong>de</strong>putado Dante <strong>de</strong> Oliveira em 1984, embora a emenda tenha sido <strong>de</strong>rrotada em abril<br />

<strong>de</strong> 1984 e nos vários espaços forjados na luta cotidiana das associações <strong>de</strong> moradores, das<br />

organizações <strong>de</strong> bairros, na <strong>de</strong>manda por eleição <strong>para</strong> diretores das escolas públicas, no<br />

revigoramento do movimento estudantil em diversas cida<strong>de</strong>s do país, os quais passam a<br />

exigir uma gestão mais <strong>de</strong>mocrática no interior das escolas, bem como um re-or<strong>de</strong>namento<br />

econômico da socieda<strong>de</strong>.<br />

Estes sinais <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização são analisados pelos estudantes no documento acima<br />

citado como conseqüência das <strong>de</strong>rrotas seqüenciais que o regime vinha sofrendo. A<br />

primeira <strong>de</strong>las é a vitória esmagadora da oposição em 1974, a qual, inclusive, tem como<br />

resposta a edição do chamado “Pacote <strong>de</strong> Abril,” 14 que fechou o Congresso Nacional por<br />

14 dias e baixou uma série <strong>de</strong> medidas objetivando manter uma maioria governista no<br />

senado.<br />

14 (...) uma das "novida<strong>de</strong>s" do chamado "Pacote <strong>de</strong> Abril" foi a criação da eleição indireta <strong>para</strong> 1/3 dos<br />

senadores, logo <strong>de</strong>nominados pejorativamente <strong>de</strong> "biônicos". Composto <strong>de</strong> 14 emendas e três artigos novos,<br />

além <strong>de</strong> seis <strong>de</strong>cretos-leis, o "Pacote" <strong>de</strong>terminou ainda, entre outras medidas: Eleições indiretas <strong>para</strong><br />

governador, com ampliação do Colégio Eleitoral; instituição <strong>de</strong> sublegendas, em número <strong>de</strong> três, na eleição<br />

direta dos senadores, permitindo à Arena recompor as suas bases e aglutiná-las sob o mesmo teto; ampliação<br />

das bancadas que representavam os estados menos <strong>de</strong>senvolvidos, nos quais a Arena costumava obter bons<br />

resultados eleitorais; extensão às eleições estaduais e fe<strong>de</strong>rais da Lei Falcão, que restringia a propaganda<br />

eleitoral no rádio e na televisão e fora criada <strong>para</strong> garantir a vitória governista nas eleições municipais <strong>de</strong> 1976;<br />

alteração do quorum - <strong>de</strong> 2/3 <strong>para</strong> maioria simples - <strong>para</strong> a votação <strong>de</strong> emendas constitucionais pelo Congresso;<br />

ampliação do mandato presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> cinco <strong>para</strong> seis anos (MOTA, 2009).<br />

58


Mas não é apenas no movimento estudantil que a participação juvenil será<br />

<strong>de</strong>stacada. Percebemos a inserção da juventu<strong>de</strong> em espaços diversos <strong>de</strong> participação. Sobre<br />

a atuação dos jovens em outras instâncias Castro e Abramovay indicam que<br />

A partir dos anos 70, acentua-se a visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representações juvenis em<br />

setores populares, como nos movimentos camponeses e nos agrupamentos<br />

políticos <strong>de</strong> esquerda, o que também provocou forte reação <strong>de</strong> controle por parte<br />

dos Estados. Nos anos 80, em muitos países da América Latina surgem novos<br />

movimentos juvenis <strong>de</strong> cunho popular e manifestações urbanas e rurais<br />

(CASTRO e ABRAMOVAY, 2002, p.5).<br />

Estas novas formas <strong>de</strong> participação coinci<strong>de</strong>m com importantes acontecimentos<br />

nacionais on<strong>de</strong> os jovens estarão diretamente ligados. Em 1982 ocorrem eleições <strong>para</strong><br />

governadores dos estados, havendo uma vitória maciça do PMDB, na época o principal<br />

partido <strong>de</strong> oposição. O PMDB contava com uma significativa participação dos jovens,<br />

principalmente os oriundos do Partido Comunista do Brasil, que buscavam no partido uma<br />

forma <strong>de</strong> participar do jogo <strong>de</strong>mocrático legalmente. No caso <strong>de</strong> Salvador, muitos<br />

candidatos originados no partido comunista chegam até a Câmera <strong>de</strong> Vereadores através do<br />

MDB e sua “ala jovem”.<br />

Em 1984, O movimento “Diretas já”, uma gran<strong>de</strong> mobilização dos mais variados<br />

setores da socieda<strong>de</strong> civil, e <strong>de</strong>mais setores da socieda<strong>de</strong> (Igreja, sindicatos, associações <strong>de</strong><br />

classe e partidos), unidos em um sentimento <strong>de</strong> construção da <strong>de</strong>mocracia, teve seu <strong>de</strong>sejo<br />

frustrado, com a <strong>de</strong>rrota da Emenda do <strong>de</strong>putado Dante <strong>de</strong> Oliveira pelo parlamento.<br />

Entretanto, a luta pelas eleições permanece durante todo o período especialmente a partir do<br />

governo Sarney, quando foi promulgada a nova constituição brasileira.<br />

A eleição <strong>de</strong> Tancredo Neves, em janeiro <strong>de</strong> 1985, foi proclamada como o<br />

nascimento da Nova República 15 . Contudo, a vitória <strong>de</strong> Tancredo não expressou a força das<br />

mobilizações populares, produzindo em muitas pessoas, especialmente da esquerda, um<br />

sentimento <strong>de</strong> retrocesso e frustração. Ficou ali explicitada a forma negociada como se <strong>de</strong>u<br />

transição. A morte <strong>de</strong> Tancredo, que não chegou a dirigir o país e foi sucedido por José<br />

Sarney, lí<strong>de</strong>r do governo durante a ditadura, aumentou a insatisfação.<br />

15 A este respeito publicou a folha <strong>de</strong> São Paulo em 16/01/1985:<br />

“Que seja uma <strong>de</strong>mocracia melhor<br />

A eleição <strong>de</strong> Tancredo Neves <strong>para</strong> a Presidência da República marca o fim <strong>de</strong> um ciclo na vida política brasileira. Se o<br />

momento é o da valorização da <strong>de</strong>mocracia, e da esperança <strong>de</strong> implantá-la em breve, não se trata contudo <strong>de</strong> simplesmente<br />

virar uma página na História do País, na recusa a encarar <strong>de</strong> frente o que foi o período autoritário e a avaliá-lo com<br />

maturida<strong>de</strong>. Sua memória não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer na cômoda impressão <strong>de</strong> que, hoje, os <strong>de</strong>smandos e práticas con<strong>de</strong>náveis<br />

que o caracterizaram não seriam mais concebíveis, ou <strong>de</strong> que são felizmente coisa do passado”. Não pretendo discutir por<br />

ora a morte <strong>de</strong> Tancredo e o fato do principal lí<strong>de</strong>r do governo militar, José Sarney, assumir a presidência.<br />

59


Enfim, a instauração da chamada Nova República se <strong>de</strong>u por meio <strong>de</strong> uma<br />

reorganização das forças políticas dominantes no país, num processo que<br />

manteve no po<strong>de</strong>r as velhas classes políticas que apoiaram o regime ditatorial,<br />

sem incluir as reivindicações das classes populares, a não ser na medida mínima<br />

necessária. Foi uma “transição <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>”, meramente formal, pois não<br />

trazia mudanças efetivas na socieda<strong>de</strong> brasileira no que se refere à sua estrutura<br />

<strong>de</strong>sigual, à pobreza, à miséria, à falta <strong>de</strong> acesso à educação etc. A rigor, a<br />

transição <strong>para</strong> a <strong>de</strong>mocracia foi, sob muitos aspectos, uma ilusão (MINTO, 2006,<br />

p.08).<br />

Assim, o primeiro governo civil, se caracterizou pela presença <strong>de</strong> um presi<strong>de</strong>nte que<br />

não foi eleito e por um ministério on<strong>de</strong> muitos membros haviam ocupado <strong>de</strong>staque no<br />

regime militar, numa clara <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>. A presença baiana teve como<br />

principal representante Antonio Carlos Magalhães, que ocupou o Ministério das<br />

Comunicações, além <strong>de</strong> indicar outros membros do Executivo, ocupantes <strong>de</strong> cargos<br />

menores.<br />

Mas a inserção <strong>de</strong> ACM na política nacional vinha ganhando <strong>de</strong>staque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

regime militar. A revista “Veja” 16 em sua edição <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1979 traz uma entrevista com<br />

o político baiano, discutindo entre outras questões sobre as dificulda<strong>de</strong>s que esperam o<br />

governo Figueiredo, recém empossado e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entendimento entre o MDB<br />

(Movimento Democrático Brasileiro) e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional).<br />

A presença <strong>de</strong> ACM na revista não se dará apenas nesta questão. Em 1981 ele volta<br />

a ocupar as páginas da revista por conta do “quebra-quebra dos ônibus na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Salvador. Na edição <strong>de</strong> 09/09/1981 a “Veja” traz um reportagem sobre os tumultos<br />

ocorridos na cida<strong>de</strong> e, ao lado da sua foto aparece a seguinte frase: “or<strong>de</strong>m é indispensável”,<br />

evi<strong>de</strong>nciando a sua concepção <strong>de</strong> gestão da cida<strong>de</strong>. Este tema será retomado no capítulo em<br />

que discutimos os eventos ocorridos na escola <strong>de</strong> forma mais efetiva.<br />

Em 1987, a Assembléia Nacional Constituinte reúne-se <strong>para</strong> elaborar uma nova<br />

constituição <strong>para</strong> o país, a qual é promulgada em 1988 e que, em vários aspectos apresentou<br />

significativos avanços sociais, trabalhistas etc. superando inclusive países do “primeiro<br />

mundo” por sua garantia <strong>de</strong> direitos a todos os cidadãos. Embora muitos direitos<br />

assegurados não tenham saído do papel e hoje tenham retrocedido, sendo revistos e<br />

alterados em emendas à Constituição, principalmente no que tange aos direitos dos<br />

trabalhadores.<br />

Em que pese os avanços obtidos com a constituição <strong>de</strong> 1988, se tornou insolúvel ao<br />

olhar do cientista político a equação entre liberda<strong>de</strong> política e igualda<strong>de</strong> social. Embora a<br />

socieda<strong>de</strong> avançasse nos rumos <strong>de</strong> uma abertura que permitia a ampliação das esferas<br />

16 Disponível em http://www.veja.com.br/acervodigital/home.aspx acesso em 20/06/2009.<br />

60


públicas <strong>de</strong> participação, isto não significou que a questão da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social fosse<br />

equacionada. Pelo contrário, ampliava-se a pobreza e a miséria entre a população.<br />

Esta <strong>de</strong>sarticulação entre liberda<strong>de</strong> política e igualda<strong>de</strong> social nas votações da<br />

constituição é analisada por Weffort sob três aspectos:<br />

(...) a nova constituição é a expressão política <strong>de</strong> uma conjunção <strong>de</strong> forças –<br />

resultante da aliança entre “mo<strong>de</strong>rados” da oposição e “liberalizantes” do regime<br />

militar – que dirigiu a transição <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1984. (...) a nova constituição<br />

<strong>de</strong>fine instituições políticas cujas características pressupõem uma or<strong>de</strong>m política<br />

<strong>de</strong>mocrática liberal. (...) nesta nova or<strong>de</strong>m político institucional as “questões<br />

sociais” foram acrescentadas à margem. (WEFFORT, 1988, p.17-18).<br />

Entre as polêmicas relativas à nova Constituição uma das principais diz respeito “à<br />

legitimida<strong>de</strong> das formas <strong>de</strong> Assembléia Constituinte propostas pelas diversas correntes<br />

políticas e pelo governo” (LIRA, p. 01). Segundo Rubens Pinto Lira, estas questões<br />

fundamentais <strong>para</strong> o exercício <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong>ixaram à mostra as cisões no âmbito da<br />

esquerda nacional que se dividiu mediante as propostas <strong>de</strong> estruturação da nova<br />

Constituição.<br />

O que reflete diferentes concepções <strong>de</strong> transição <strong>de</strong>mocrática, em gran<strong>de</strong> parte<br />

fundadas em divergências profundas sobre a importância dos espaços <strong>de</strong> atuação<br />

institucional, sobre a contribuição dos movimentos sociais à construção<br />

<strong>de</strong>mocrática e a intervenção popular no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão política (LIRA, p.<br />

19) 17 .<br />

Os impasses 18 relativos refletem ainda, segundo Com<strong>para</strong>to, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

legitimação do po<strong>de</strong>r estabelecido após o fim do governo militar, mantendo, contudo, a<br />

mesma lógica que tinha como pressuposto a idéia <strong>de</strong> uma “transição lenta gradual e segura”,<br />

17 O <strong>texto</strong> não possui data, e está disponível em:<br />

http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/in<strong>de</strong>x.php/sequencia/article/viewFile/940/936 acesso em 02/07/2009.<br />

18 Florestan Fernan<strong>de</strong>s em sua coluna no jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo, publicou em 11/06/1986 o artigo “A<br />

esquerda e a Constituição” on<strong>de</strong> expressava estes impasses envolvendo a esquerda brasileira e do qual<br />

transcrevemos o trecho a seguir:<br />

“Dirijo estas reflexões aos meus companheiros da esquerda, <strong>de</strong> todas as correntes político-i<strong>de</strong>ológicas, e aos<br />

representantes da chamada esquerda parlamentar do radicalismo burguês que, finalmente, começa a emergir,<br />

especialmente no PMDB. Porém meu diálogo se volta <strong>para</strong> a CUT, a CGT, a oposição Sindical, a Contag, o<br />

PT, o PDT, o PSB, o PC do B, o MR-8 e os vários agrupamentos anarquistas, socialistas “<strong>de</strong>mocráticos”,<br />

trotskistas, comunistas, basistas radicais ou marxistas etc., ainda abrigados em partidos legais. A esquerda<br />

<strong>de</strong>vora a esquerda; ela não parte <strong>de</strong> um equacionamento objetivo das tarefas políticas das classes trabalhadoras<br />

da cida<strong>de</strong> e do campo, no momento atual, mas <strong>de</strong> fantasmas que rondam a imaginação infantil do sectarismo<br />

doutrinário. Na maioria das vezes, esses fantasmas proce<strong>de</strong>m das gran<strong>de</strong>s revoluções proletárias da nossa época<br />

e das modas que circulam nos centros culturais imperiais. Outras vezes, eles nascem <strong>de</strong> motivos “táticos”, que<br />

não possuem realida<strong>de</strong> proletária (socialista ou comunista), <strong>de</strong>itando suas raízes em conciliações com os <strong>de</strong><br />

cima, que traem os interesses das classes trabalhadoras. Ora, é urgente que se enterrem tais fantasmas e que<br />

uma união à esquerda, ainda que “tática” e “provisória” prevaleça no campo político, particularmente durante a<br />

eleição dos representantes dos movimentos operários e sindicais no próximo congresso Constituinte e, com<br />

maior razão, durante a elaboração da nova Carta Constitucional” (FERNANDES, 2007, p. 32).<br />

61


assim como já havia sido a primeira eleição <strong>de</strong> um civil no pós-golpe. Deste modo ele<br />

afirma que<br />

O que se quer é a legitimação do mesmo sistema <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, que vigorou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 64<br />

e que agora conheceu uma espécie <strong>de</strong> “make up”, no sentido <strong>de</strong> tirar da sua<br />

aparência os traços mais aberrantes, menos capazes <strong>de</strong> serem absorvidos pelo<br />

povo (BENEVIDES e COMPARATO, 1986, p. 84).<br />

Esta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> legitimação do po<strong>de</strong>r era evi<strong>de</strong>nte <strong>para</strong> o autor que exemplifica<br />

com três questões: em primeiro lugar, o presi<strong>de</strong>nte que assumira o po<strong>de</strong>r, José Sarney, não<br />

foi escolha dos militares; não foi eleito pelo voto direto, do qual, aliás, foi um dos<br />

opositores, recusando-se, junto com sua bancada no congresso em votar a emenda das<br />

diretas; não foi também eleito pelo colégio eleitoral, ocupando a presidência em virtu<strong>de</strong> da<br />

morte do Presi<strong>de</strong>nte eleito pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves. Sua situação gerava<br />

<strong>de</strong>sconfortos a ponto <strong>de</strong> políticos da oposição como, por exemplo, Leonel Brizola<br />

questionarem sobre a sua permanência no cargo após a promulgação da Constituição. De<br />

outro lado, o próprio congresso necessitava <strong>de</strong> uma legitimação jurídica<br />

A nova constituição é importante <strong>para</strong> o congresso porque sobre ele pesa um<br />

processo <strong>de</strong> corrosão paulatina, sua autorida<strong>de</strong> política e sua autorida<strong>de</strong> moral<br />

vêem-se contestadas, e uma nova constituição, feita justamente pelo próprio<br />

congresso, daria a ele (segundo o pensamento dos autores <strong>de</strong>ssa proposta) um<br />

novo alento (COMPARATO, 1986, p. 85).<br />

Na posição contrária aos homens do po<strong>de</strong>r, contudo, ou o “nosso objetivo”, como<br />

afirma Com<strong>para</strong>to (1986), a eleição da Assembléia Constituinte busca uma ruptura, quer<br />

marcar o fim do regime exaurido em suas propostas políticas, econômicas e sociais,<br />

tornando-se o marco inicial <strong>de</strong> um novo esquema <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

Embora houvesse certa <strong>de</strong>sconfiança sobre os rumos <strong>de</strong>sta nova constituição, houve<br />

neste período uma significativa participação popular. O povo permaneceu mobilizado,<br />

atuando diretamente na elaboração <strong>de</strong> emendas populares, sendo as praças públicas um<br />

espaço efetivo <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> assinaturas <strong>para</strong> as mais variadas <strong>de</strong>mandas. O que não significa<br />

que a palavra lobby não tenha sido introduzida no jargão popular, indicando a presença <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>rosos grupos econômicos, representados pelos <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais, cujas campanhas<br />

foram por estes financiadas.<br />

O ano <strong>de</strong> 1989 é marcado pela primeira eleição presi<strong>de</strong>ncial direta no Brasil após o<br />

golpe, cuja disputa foi bastante acirrada. O segundo turno concentra-se entre o candidato da<br />

direita, Fernando Collor, apoiado pelas forças conservadoras, que apresentava um discurso<br />

62


<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e foi apelidado “o caçador <strong>de</strong> marajás” (imagem midiática produzida<br />

principalmente pela Re<strong>de</strong> Globo) e o candidato Luís Inácio da Silva, concentrando ao seu<br />

redor a maior parte dos partidos <strong>de</strong> esquerda. Collor venceu a eleição após uma campanha<br />

que levantou muitas polêmicas acerca da ética na política e nos meios <strong>de</strong> comunicação.<br />

1.1 A “Abertura” na Bahia<br />

Durante o período <strong>de</strong> 1979 a 1988, ocorreram inúmeras manifestações na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Salvador, cujas mobilizações eram organizadas e conjugadas com ações coletivas<br />

caracterizadas pelo radicalismo e violência tanto por parte do estado, como da própria<br />

população. Um período em que a relação do estado com a socieda<strong>de</strong> civil implicou na<br />

criação <strong>de</strong> novos espaços <strong>de</strong> interlocução e intervenção social, “com um comportamento<br />

mais flexível face às <strong>de</strong>mandas e pressões por parte dos diferentes setores”, embora o<br />

estado em certos momentos se apresentasse ainda como inflexível e autoritário e a<br />

socieda<strong>de</strong> civil conflitiva, dinâmica e violenta (CARVALHO, 1991, p. 22).<br />

Para Carvalho, os anos 1979 a 1988<br />

(...) tem uma notável importância histórica por dois motivos principais: o<br />

primeiro, por significar a intensificação da dinâmica histórica dos movimentos<br />

sociais na construção da história contemporânea, reafirmando a importância da<br />

trajetória dos sujeitos na caracterização das conjunturas mais marcantes. (...)<br />

aquela conjuntura que se distingue pelo <strong>de</strong>smonte do regime militar e a<br />

implantação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>mocracia política, ou a transição do regime. O segundo<br />

motivo relevante diz respeito ao papel <strong>de</strong>sempenhado pelos movimentos sociais<br />

nesta reconstrução (CARVALHO, 1991, p. 124).<br />

Salvador se caracterizava como uma cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o contingente <strong>de</strong> pobreza assumia<br />

índices alarmantes. Em julho <strong>de</strong> 1980, o <strong>de</strong>semprego era <strong>de</strong> quase 10%, sendo que a<br />

indústria absorvia uma quantida<strong>de</strong> pequena <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra. Esta pobreza se acentuava, na<br />

medida em que ocorria a expansão da Região Metropolitana <strong>de</strong> Salvador. Para a autora, é na<br />

supressão das condições <strong>de</strong> cidadania tanto civil quanto social que os movimentos sociais<br />

vão incidir <strong>de</strong> forma mais efetiva (CARVALHO, 1991).<br />

Vários elementos contribuem <strong>para</strong> afirmar que a cida<strong>de</strong> estava mobilizada e<br />

<strong>de</strong>cidida a forjar a participação popular. Des<strong>de</strong> os anos 70, várias entida<strong>de</strong>s organizadas em<br />

conjunto com a Igreja Católica criam o Trabalho Conjunto da Cida<strong>de</strong> do Salvador. Segundo<br />

Espiñera<br />

63


(...) com uma composição social das mais amplas, consistindo uma espécie <strong>de</strong><br />

“pronto-socorro comunitário”, diante das ameaças cada vez mais freqüentes <strong>de</strong><br />

moradores <strong>de</strong> locais públicos: “os bairros viam-no, muitas vezes como agência <strong>de</strong><br />

prestação <strong>de</strong> serviços” (ESPIÑERA, 1997, p.49).<br />

O Trabalho Conjunto, embora não fosse registrado como uma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong><br />

pública possuía uma carta <strong>de</strong> princípios, on<strong>de</strong> apresentava suas mais importantes<br />

preocupações 19 ·. Era dirigido por uma coor<strong>de</strong>nação composta <strong>de</strong> representantes <strong>de</strong> vários<br />

setores profissionais, profissionais liberais, bairros, grupos religiosos, culturais, artistas,<br />

jornalistas e intelectuais que se reuniam toda semana no Mosteiro <strong>de</strong> São Bento.<br />

Muitos eventos políticos ocorridos em Salvador neste período tiveram participação<br />

direta do Trabalho Conjunto como, por exemplo, a passeata em repúdio à invasão da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília em 1977 com cinco mil estudantes baianos. O apoio à greve dos<br />

estudantes da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Agronomia da UFBA em 1978, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> atos<br />

relativos à moradia e a criação do MCC (Movimento Contra a Carestia), trazido <strong>de</strong> São<br />

Paulo. O Trabalho Conjunto se extingue em 1981, <strong>de</strong>vido a um racha no PC do B, e um<br />

esvaziamento dos quadros do partido, o qual se mantém a partir daí com maior <strong>de</strong>staque no<br />

Movimento Estudantil (ESPIÑERA, 1997, p.53).<br />

Ainda em 1979 surge a FABS (Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Associações <strong>de</strong> Bairro <strong>de</strong> Salvador),<br />

estimulada por partidos políticos e militantes da Igreja, ligados a Teologia da Libertação.<br />

Surgem também novos atores sociais que passam a expressar sua voz como o MNU<br />

(Movimento Negro Unificado) e o Movimento <strong>de</strong> Mulheres Brasil Mulher. Em 1980, ocorre<br />

o Primeiro <strong>de</strong> Maio Unificado e In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, on<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cinco mil pessoas se reúnem<br />

na Praça do Campo Gran<strong>de</strong>, com as forças sindicais ganhando visibilida<strong>de</strong>.<br />

Neste processo intitulado <strong>de</strong> “abertura política”, temos como dito antes, o<br />

ressurgimento do movimento estudantil, cujas manifestações sofriam censuras e limitações<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a lei Suplicy <strong>de</strong> Lacerda 20 e do AI-5 21 . Junto a outros movimentos sociais e políticos,<br />

como o MCC, o movimento das “diretas já” ou <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, a UNE e os<br />

estudantes secundaristas, pouco a pouco voltam a atuar politicamente. É realizado em<br />

Salvador o primeiro congresso da UNE em 1979 e os estudantes secundaristas também se<br />

19 Luta pelo direito <strong>de</strong> greve; pelo direito <strong>de</strong>, sem interferência do governo, serem formadas associações <strong>de</strong><br />

bairros, sindicatos urbanos e rurais, comissões <strong>de</strong> fábrica, centro estudantil; pela livre manifestação do<br />

pensamento; contra o aumento do custo <strong>de</strong> vida, contra a falta <strong>de</strong> emprego; contra a expulsão dos camponeses<br />

<strong>de</strong> suas terras e dos moradores das invasões da cida<strong>de</strong>; pela participação <strong>de</strong> todos os setores preservando a<br />

autonomia <strong>de</strong> cada um (ESPIÑERA, 1997, P.49).<br />

20 Disponível em : acesso em 08/05/2009.<br />

21 Disponível em: http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_6.htm acesso em 08/05/2009.<br />

64


eúnem em Curitiba, refundando a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas)<br />

em 1980. (BENEVIDES, 1999).<br />

1.2 Conjuntura Econômica Baiana<br />

“Década perdida”, é o modo como muitos autores se referem aos anos 80,<br />

especialmente consi<strong>de</strong>rando a crise econômica que alastrou o país naquele período. O fim<br />

do “Milagre Econômico” <strong>de</strong>tona um aprofundamento da crise econômica que se reflete em<br />

todos os setores da socieda<strong>de</strong>. Um fraco <strong>de</strong>sempenho econômico se com<strong>para</strong>rmos com as<br />

décadas anteriores e poucas realizações. Mas, contraditoriamente, um período rico na<br />

amplitu<strong>de</strong> da participação popular, em parte creditadas a uma carência realmente<br />

consi<strong>de</strong>rável, <strong>de</strong>corrente do <strong>de</strong>semprego e do constante aumento dos preços. E também a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reversão do quadro <strong>de</strong> autoritarismo a que todos estavam sujeitos.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista das relações <strong>de</strong> trabalho, os anos 1980 são reconhecidos como o<br />

momento <strong>de</strong> consolidação e difusão da Terceira Revolução Industrial, caracterizada pela<br />

crescente informatização e automação e pela introdução <strong>de</strong> novas práticas <strong>de</strong> gestão e<br />

organização do trabalho, baseadas no mo<strong>de</strong>lo japonês.<br />

Segundo Druck (1999, p. 31)<br />

No último quartel <strong>de</strong>ste século, ocorre a Terceira Revolução Industrial, em que a<br />

base tecnológica – através da microeletrônica – revoluciona as práticas <strong>de</strong><br />

produção, comunicação e organização do trabalho. A velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas<br />

mudanças, em cem anos, e suas implicações sobre a vida social é uma das<br />

diferenças fundamentais presentes no século XX em relação ao século XIX.<br />

Mudanças qualitativas e quantitativas ocorrem também na economia <strong>de</strong> mercado,<br />

com o superdimensionamento do mercado financeiro<br />

(...) e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta tendência do capitalismo mundial, que aponta <strong>para</strong><br />

um contínuo crescimento do capital produtivo, à medida que o retorno<br />

proveniente da especulação não só é maior, como é muito mais rápido. Isto tem<br />

implicado, no plano mais geral do sistema, uma redução <strong>de</strong> investimentos na<br />

produção e, <strong>de</strong>sta forma, a lógica financeira vai se sobrepondo à lógica produtiva<br />

(DRUCK, 1999, p. 32).<br />

A principal conseqüência <strong>de</strong>stas políticas econômicas é o <strong>de</strong>semprego estrutural e o<br />

aprofundamento da exclusão, o que significa, nos países periféricos, uma regressão. Do<br />

ponto <strong>de</strong> vista do ensino industrial, segundo Druck, houve, ainda na primeira fase <strong>de</strong><br />

industrialização nacional, por parte dos empresários um incentivo à sua expansão, pautado<br />

65


na preocupação <strong>de</strong> qualificação da mão-<strong>de</strong>-obra <strong>para</strong> que pu<strong>de</strong>sse substituir operários<br />

estrangeiros, fonte <strong>de</strong> efervescência política e lutas sindicais.<br />

Este fenômeno ocorre ainda na primeira fase <strong>de</strong> implantação do taylorismo no país,<br />

expressando o <strong>de</strong>senvolvimento do capitalismo, o esgotamento do mo<strong>de</strong>lo primárioexportador<br />

e o surgimento da burguesia industrial. A criação das escolas <strong>de</strong> engenharia,<br />

cujo perfil e conteúdo dos cursos propunham formar o engenheiro <strong>para</strong> assumir a mediação<br />

entre a tecnologia e o capital/trabalho, é exemplar da i<strong>de</strong>ologia dominante no período. A<br />

implantação do mo<strong>de</strong>lo fordista obe<strong>de</strong>ce a um padrão autoritário, o qual nunca se<br />

consolidou por <strong>completo</strong>.<br />

No final dos anos 1970 há um aprofundamento da crise estrutural e o esgotamento<br />

do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> importações. Deste modo, na década seguinte a economia é<br />

gestada sem esforços <strong>para</strong> a criação <strong>de</strong> condições ou proposição <strong>de</strong> mudanças estruturais e<br />

os governos não rompem com o mo<strong>de</strong>lo anterior. São políticas econômicas voltadas ao<br />

atendimento dos credores externos, com sucessivos reajustes, altos juros <strong>para</strong> rolagem da<br />

dívida interna, recorrentes planos <strong>de</strong> estabilização a fim <strong>de</strong> combater a inflação aten<strong>de</strong>ndo<br />

aos ditames dos organismos financeiros internacionais (FMI e BIRD).<br />

Para Druck, a estrutura produtiva não apresenta nenhuma política cientifica ou<br />

tecnológica, tendo como marca a “estagnação tecnológica, con<strong>de</strong>nando vários setores<br />

industriais a perdas crescentes <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong>” (DRUCK, 2006, p.65). A autora i<strong>de</strong>ntifica<br />

assim a ausência <strong>de</strong> um projeto nacional alternativo e o aprofundamento da crise <strong>de</strong><br />

hegemonia do país, com importantes manifestações <strong>de</strong>sta crise na ação dos movimentos<br />

sociais, no fortalecimento do novo sindicalismo e no surgimento das centrais sindicais e das<br />

conquistas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> partidária.<br />

De outro lado, a implementação das políticas <strong>de</strong>finidas pelo chamado Consenso <strong>de</strong><br />

Washington, não ocorreu da mesma forma em todos os países. No caso dos países<br />

periféricos ela variou em <strong>de</strong>corrência da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência interna <strong>de</strong> cada país. O<br />

caso brasileiro é exemplar, segundo Druck<br />

O Brasil é um exemplo <strong>de</strong>stas diferenças. É possível afirmar que foi um dos<br />

últimos países a se subordinarem ao Consenso <strong>de</strong> Washington, o que aconteceu<br />

<strong>de</strong> forma mais completa com o plano real e a eleição <strong>de</strong> Fernando Henrique<br />

Cardoso <strong>para</strong> a presidência da República (DRUCK, 1999, p. 28).<br />

Para a autora, havia ainda um “atraso na constituição <strong>de</strong> uma cultura política com<br />

fortes representações sindicais” (I<strong>de</strong>m, p. 58), <strong>de</strong> modo que não se formou <strong>de</strong> imediato uma<br />

66


organização sindical que acompanhasse o <strong>de</strong>senvolvimento da indústria, tal como ocorrera<br />

em outros países.<br />

Guimarães aponta a redução da compulsão i<strong>de</strong>ológica e política dos trabalhadores, a<br />

qual se dava pela “ausência <strong>de</strong> uma tradição local e <strong>de</strong> uma cultura operária suficientemente<br />

internalizada pelos trabalhadores”, inibindo que as suas aspirações operárias fossem<br />

reproduzidas (CASTRO e GUIMARAES, 1995, p.20). O investimento proletário é então<br />

transitório, e embora essa classe operária tenha se consolidado e fosse politicamente<br />

mobilizada por um discurso socialista, poucos trabalhadores internalizavam o projeto<br />

operário como horizonte necessário dos seus <strong>de</strong>stinos pessoais. Ou seja, em médio prazo,<br />

suas carreiras seriam re<strong>de</strong>finidas tendo em vista o caráter transitório da sua condição <strong>de</strong><br />

operário.<br />

Este fato po<strong>de</strong> ser comprovado empiricamente através dos nossos entrevistados, os<br />

quais embora tenham a<strong>de</strong>ntrado a vida na fábrica durante um <strong>de</strong>terminado período, acabam<br />

ampliando sua formação na universida<strong>de</strong> e ocupam postos <strong>de</strong> trabalho em outros espaços,<br />

afastando-se paulatinamente do trabalho técnico <strong>para</strong> o qual foram pre<strong>para</strong>dos na escola<br />

técnica.<br />

Apesar da crise que atingia toda a socieda<strong>de</strong> e, especialmente, o mercado <strong>de</strong><br />

trabalho, alguns setores procuraram respon<strong>de</strong>r a estas condições históricas, às exigências <strong>de</strong><br />

uma nova re<strong>de</strong>finição internacional do trabalho e das bases <strong>de</strong> competitivida<strong>de</strong> do mercado<br />

internacional. Mas as mudanças mais significativas só ocorrem <strong>de</strong> fato a partir dos anos 90<br />

com a implantação do mo<strong>de</strong>lo japonês, embora os estudos já apontem uma gran<strong>de</strong><br />

heterogeneida<strong>de</strong> nas indústrias e uma difusão gradual <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> gestão do trabalho<br />

e da produção. A prática do CCQ 22 , por exemplo, é um dos modos <strong>de</strong> inovação da estrutura<br />

organizacional das fábricas.<br />

Esta tática surge como resposta a uma situação econômica recessiva, principalmente<br />

no inicio da década <strong>de</strong> 80, ao mesmo tempo em que é uma resposta à mobilização intra e<br />

extra-fabril, por uma maior participação e <strong>de</strong>mocracia (DRUCK, 1999, p.102). Embora a<br />

autora indique que a implantação do CCQ não foi adiante, sendo substituído posteriormente<br />

por outras práticas <strong>de</strong> gerenciamento. A oposição dos sindicatos e a resistência das próprias<br />

empresas, através dos seus gerentes e supervisores, são apontadas como razões, além da<br />

cultura autoritária vigente na indústria nacional, <strong>para</strong> o insucesso <strong>de</strong> tais formas <strong>de</strong><br />

organização do trabalho.<br />

22 Segundo Minayo (2004, p. 321), os CCQs se “constituem como pequenos grupos <strong>de</strong> trabalhadores que atuam<br />

ma mesma área e se reúnem regularmente <strong>para</strong> analisar questões operacionais <strong>de</strong> seu local <strong>de</strong> trabalho e no seu<br />

nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, visando solucionar problemas a partir da experiência dos operários”.<br />

67


Em meados dos anos 80, com a retomada do crescimento econômico, são difundidas<br />

novas práticas como o “Just in Time”, o programa <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> total e o controle estatístico<br />

do processo. Também estas aplicações do mo<strong>de</strong>lo japonês se concentram no setor<br />

automobilístico, lí<strong>de</strong>r na adoção <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> organização e gestão do trabalho e <strong>de</strong><br />

inovações tecnológicas.<br />

O cenário da indústria <strong>de</strong>sta década é pautado pelo conflito entre as mudanças<br />

tecnológicas e organizacionais e a <strong>de</strong>mocratização da socieda<strong>de</strong>, cujos sindicatos <strong>de</strong><br />

trabalhadores industriais tiveram papel fundamental. A forte <strong>de</strong>manda por bens duráveis<br />

que caracterizou os anos 70 com uma política salarial <strong>de</strong> privilégio às classes médias, apesar<br />

da alta concentração <strong>de</strong> renda é substituída na década seguinte por um alto endividamento<br />

externo, elevação das taxas <strong>de</strong> juros em <strong>de</strong>corrência dos empréstimos internacionais e em<br />

políticas que causaram o encolhimento do mercado interno, exigindo novos padrões<br />

tecnológicos e organizacionais. Assim, com<strong>para</strong>tivamente, elaboramos um quadro a partir<br />

da obra <strong>de</strong> Graça Druck (DRUCK, 1999) acerca dos anos 70 e 80.<br />

Anos 1970<br />

Uso predatório da força <strong>de</strong> trabalho;<br />

Maior rotativida<strong>de</strong> e menor qualificação;<br />

Gran<strong>de</strong> papel dos supervisores (arbitrários e<br />

autoritários);<br />

Inexistência <strong>de</strong> organização por local <strong>de</strong><br />

trabalho.<br />

Repressão ao sindicato.<br />

Elaborado pela autora, conforme Druck, 1999.<br />

Anos 1980<br />

Maior procura por trabalhadores mais<br />

qualificados;<br />

Maior estabilida<strong>de</strong> da força <strong>de</strong> trabalho;<br />

Ressurgimento das comissões <strong>de</strong> fábrica;<br />

Êxito dos programas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Criação <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> negociação<br />

coletiva entre trabalhadores e empresários.<br />

68


O con<strong>texto</strong> econômico explicitado na tabela acima <strong>de</strong>monstra a interferência do<br />

capital sobre as condições <strong>de</strong> trabalho, promovendo uma reestruturação não apenas nos<br />

espaços fabris, mas também no interior da ETFBA, cujo momento áureo ocorre nas décadas<br />

<strong>de</strong> 60 e 70 com a implantação do pólo industrial no Estado. Segundo Jeferson Bacelar 23 , a<br />

escola técnica é a motriz do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste processo no país. A única experiência<br />

bem sucedida <strong>de</strong> educação pública, criada <strong>para</strong> aten<strong>de</strong>r o mercado e cumprindo muito bem<br />

esta função, formando profissionais bem qualificados e respeitados no mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

Com a queda do processo <strong>de</strong> produção fordista, que exige outros tipos <strong>de</strong><br />

profissionais, especificamente na área <strong>de</strong> serviços, a escola não consegue acompanhar as<br />

mudanças e as <strong>de</strong>mandas do mercado. Deste modo, a crise que se abate na socieda<strong>de</strong> sobre<br />

os anos 80 repercute <strong>de</strong> forma variada na re<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> escolas técnicas. De um lado,<br />

significa a ampliação do ingresso da classe média, que busca uma forma <strong>de</strong> obter ensino <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong> com vistas ao ingresso no ensino superior ou a uma ascensão no mercado <strong>de</strong><br />

trabalho <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma condição <strong>de</strong> bons salários. De outro lado, representa a união dos<br />

estudantes e professores a fim <strong>de</strong> garantir a existência da escola, tendo em vista as<br />

constantes movimentações governamentais no sentido <strong>de</strong> estadualizar ou transformar a<br />

escolas fe<strong>de</strong>rais em institutos do tipo SENAI (Serviço Nacional da Indústria).<br />

Mas a inserção <strong>de</strong>ste ex-aluno no mercado <strong>de</strong> trabalho se expressa <strong>de</strong> forma<br />

contraditória, uma vez que a crise que afeta a indústria brasileira não o faz <strong>de</strong> igual modo<br />

em todas as regiões e a fronteira industrial nor<strong>de</strong>stina se consolida “justamente no <strong>de</strong>correr<br />

dos anos 80, por meio <strong>de</strong> incentivos fiscais e financeiros, principalmente na área <strong>de</strong><br />

influência do Pólo Petroquímico <strong>de</strong> Camaçari” (CASTRO e GUIMARAES, 1995, p.19).<br />

Isto permite, por exemplo, o surgimento <strong>de</strong> novos atores sociais no campo sindical por toda<br />

a década.<br />

Consi<strong>de</strong>rando a conjuntura econômica do período, este fenômeno po<strong>de</strong> estar<br />

associado à crise econômica e à redução dos postos <strong>de</strong> trabalho nas indústrias, mas, segundo<br />

GUIMARÃES (1985), fatores subjetivos <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados no caso do operariado<br />

baiano. Nossas investigações <strong>de</strong>monstraram que apesar da crise econômica o mercado <strong>de</strong><br />

trabalho <strong>para</strong> o aluno oriundo da Escola Técnica era favorável até meados dos anos 1980,<br />

sendo que em alguns períodos, especialmente nos anos 1970, todos eram empregados logo<br />

após a conclusão do curso, salvo os que não tinham interesse e prosseguiam seus estudos na<br />

universida<strong>de</strong>. Esta discussão permeia o trabalho, mas não é nosso foco principal.<br />

23 Entrevista concedida à cineasta Monica Simões na elaboração <strong>de</strong> filme institucional comemorativo dos 100<br />

anos do ensino técnico do Brasil, Memorial do IFBAHIA, previsto <strong>para</strong> ser exibido em setembro <strong>de</strong> 2009 como<br />

parte das comemorações.<br />

69


2 MOVIMENTO ESTUDANTIL E JUVENTUDE COMO CATEGORIA<br />

DE ANÁLISE DAS CIÊNCIAS SOCIAIS<br />

A Juventu<strong>de</strong> não é uma categoria que se explica por si mesma, portanto, não po<strong>de</strong><br />

ser tomada como auto-explicativa. Diferentes significados po<strong>de</strong>m ser atribuídos a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<br />

da configuração social que se consi<strong>de</strong>re. Ela tem sido pesquisada como categoria <strong>de</strong> análise<br />

<strong>de</strong> diversas ciências, seja discutindo saú<strong>de</strong> e reprodução, enfocando principalmente a<br />

sexualida<strong>de</strong> ou a gravi<strong>de</strong>z na adolescência, seja nos estudos referentes à violência e<br />

criminalida<strong>de</strong>, quando o jovem é tomado como um problema social. A inserção do jovem<br />

no mundo do trabalho também tem ganhado evidência nas políticas governamentais nos<br />

últimos anos, bem como nos estudos sobre cultura e lazer juvenil.<br />

70


A juventu<strong>de</strong> faz parte <strong>de</strong> uma coorte, 24 ou seja, quando as pessoas nascem, em<br />

função do momento histórico, estão fadadas a passar a vida juntas, atravessando as mesmas<br />

vicissitu<strong>de</strong>s políticas e econômicas (SINGER, 2005, p.27). Ao nascer num mesmo país e<br />

vivenciar a mesma realida<strong>de</strong> e estágios semelhantes <strong>de</strong> vida, engajamentos políticos e<br />

sociais, os jovens passam a compartilhar os valores <strong>de</strong> uma geração. O autor complementa<br />

que<br />

O mundo em que vive a atual coorte <strong>de</strong> jovens é o resultado <strong>de</strong> uma evolução<br />

histórica que as coortes <strong>de</strong> seus pais e avós construíram. A história sempre é feita<br />

por coortes. Embora elas se misturem em festas ou comemorações cívicas, nas<br />

famílias e no trabalho, a história, em cada período é o resultado <strong>de</strong> coortes <strong>de</strong><br />

adultos e velhos que <strong>de</strong>sfrutam <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r político e/ou econômico, sendo<br />

<strong>de</strong>safiadas e <strong>de</strong>nunciadas por coortes <strong>de</strong> jovens que <strong>de</strong>les <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m (SINGER,<br />

2005, p.27).<br />

Não po<strong>de</strong>mos então <strong>de</strong>terminar que certas características sejam exclusivas dos<br />

jovens ou pertençam a todos os jovens. Cada momento histórico tem sua própria juventu<strong>de</strong>,<br />

vinculada a experiências vividas pela geração anterior, bem como resulta <strong>de</strong> suas próprias<br />

interpretações.<br />

Desta forma, ser jovem é uma relação social. A transitorieda<strong>de</strong> da vida constitui-se<br />

em um dos elementos constitutivos das análises sobre o comportamento juvenil, sem que<br />

conclua daí a existência <strong>de</strong> comportamentos inatos: intenções, utopias, projetos, rebeldias<br />

ou transgressões. Embora sejam elementos encontrados entre os jovens não são explicativos<br />

das relações que envolvem e explicam a juventu<strong>de</strong>.<br />

Assim, Singer i<strong>de</strong>ntifica na geração atual uma <strong>de</strong>silusão que não era vista, nos anos<br />

sessenta. Enquanto aquela geração viveu o tempo das revoluções, esta se aproxima das<br />

<strong>de</strong>silusões <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> frustrações pelas quais a esquerda,<br />

principalmente, passou nos últimos anos do século XX. Enquanto nos anos 1960<br />

As mentes <strong>de</strong> muitos jovens se <strong>de</strong>ixava dominar pela crença <strong>de</strong> que a tomada <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r pela força, por um número muito limitado <strong>de</strong> pessoas, seria a condição<br />

indispensável e suficiente <strong>para</strong> vencer todas as resistências à mudança re<strong>de</strong>ntora<br />

das instituições (...) (Singer, 2005, p.30).<br />

24 A coorte po<strong>de</strong> ser compreendida como composta por um grupo <strong>de</strong> indivíduos que pertence a uma mesma<br />

faixa etária, ou que, no caso <strong>de</strong> estudos epi<strong>de</strong>miológicos engloba um grupo que tem em comum a uma condição<br />

comum <strong>de</strong> contaminação por <strong>de</strong>terminada doença, por exemplo. O autor citado realiza seu estudo com<strong>para</strong>ndo<br />

diferentes coortes <strong>de</strong> jovens, <strong>de</strong>finido seu foco pelo período histórico.<br />

71


Ele consi<strong>de</strong>ra que a geração seguinte vive um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>smascaramento do<br />

comunismo soviético, que se inicia em 1968 com a “Primavera <strong>de</strong> Praga”, levando muitos<br />

partidos comunistas da Europa a romper com Moscou.<br />

Os levantes populares contra o po<strong>de</strong>r pretensamente revolucionário<br />

<strong>de</strong>ixavam claro que gran<strong>de</strong> parte do povo, sobretudo os jovens, estava insatisfeita<br />

e <strong>de</strong>sesperada, disposta mesmo a morrer em protesto contra regimes pelos quais<br />

outros jovens se <strong>de</strong>ixaram matar uma geração antes (SINGER, 2005, p. 31).<br />

Esta situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença na idéia da revolução como via rápida <strong>para</strong> um mundo<br />

melhor se solidifica em uma parte da juventu<strong>de</strong>, a partir do governo <strong>de</strong> Gorbachev na<br />

Rússia e da Glasnost em 1985, como ficou conhecido o processo <strong>de</strong> abertura política<br />

iniciado por este governante. A Europa Oriental, imersa em uma série <strong>de</strong> conflitos, cujo ato<br />

simbólico mais marcante foi a queda do muro <strong>de</strong> Berlim, produz importantes conseqüências<br />

em todo o mundo, gestando uma concepção <strong>de</strong> capitalismo como a única via possível, ao<br />

que Perry An<strong>de</strong>rson <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “atitu<strong>de</strong> fanfarrona do capitalismo” (ANDERSON, 2004).<br />

Embora estas afirmações possam dar a enten<strong>de</strong>r que a partir dos anos 80/90 a<br />

juventu<strong>de</strong> encontra-se menos voltada à transformação social e à busca por um mundo<br />

melhor, o autor assinala que uma pesquisa mais recente indica que os jovens ainda afirmam<br />

o socialismo como uma alternativa <strong>para</strong> a nossa socieda<strong>de</strong>. Janice Souza, ainda nesta<br />

perspectiva das diferenças entre as gerações <strong>de</strong> 1960 e 1980/90, afirma que pensar sobre os<br />

jovens dos anos 80 e 90 implica em refletir sobre o “comportamento político <strong>de</strong> uma<br />

juventu<strong>de</strong> que vive distante das gran<strong>de</strong>s utopias transformadoras”. Neste sentido, a autora<br />

busca “superar o pensamento que orienta o senso comum, segundo o qual o jovem<br />

contemporâneo aparece conformado, <strong>de</strong>monstrando uma rebeldia insuficiente <strong>para</strong> intervir<br />

como segmento significativo da socieda<strong>de</strong>” (SOUZA, 1999, p.13).<br />

Sociólogos e psicólogos tem se <strong>de</strong>dicado ao estudo da juventu<strong>de</strong>, entretanto, a<br />

autora consi<strong>de</strong>ra que estes estudos são insuficientes, dado a profusão <strong>de</strong> questões que giram<br />

em torno do tema. Alia-se a isto toda uma tradição sociológica que introduz o jovem como<br />

tema em situações <strong>de</strong> problema social, conforme nos fala Camarano:<br />

72


Na Sociologia, os estudos sobre juventu<strong>de</strong> sempre estiveram muito influenciados<br />

pela Escola <strong>de</strong> Chicago. Abordados nos anos 1920, em meio ao surgimento <strong>de</strong><br />

gangues e do acirramento dos conflitos urbanos em território dividido por<br />

diversas etnias, os jovens foram vistos pela ótica da <strong>de</strong>sorganização social. Tal<br />

idéia caracterizou a Escola <strong>de</strong> Chicago e reverberou sobre boa parte do<br />

conhecimento acadêmico na área <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong> entre os cientistas sociais<br />

(CAMARANO, 2004 p.15).<br />

Na década <strong>de</strong> 50, em virtu<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> intensas transformações porque passava<br />

a socieda<strong>de</strong> brasileira, houve um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> estudos sobre os jovens nesta<br />

perspectiva da marginalida<strong>de</strong> ou então voltados ao jovem <strong>de</strong> classe média, o que perdurou<br />

até os anos setenta, com ênfase importante sobre o movimento estudantil. Porém, a partir<br />

dos anos 80, há um refluxo que dura até o inicio do século XXI, quando prevalecem as<br />

Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Educação como principais centros <strong>de</strong> pesquisas sobre os jovens. No<br />

momento atual estão sendo retomados os estudos sobre juventu<strong>de</strong> no âmbito das Ciências<br />

Sociais.<br />

Por muito tempo, especialmente nos anos 60, os jovens no Brasil tiveram sua<br />

visibilida<strong>de</strong> restrita basicamente aos segmentos escolarizados <strong>de</strong> classe média e na<br />

discussão sobre a condição juvenil, os movimentos estudantis, a contracultura e o<br />

engajamento em partidos políticos <strong>de</strong> esquerda. Nos últimos anos estes estudos foram<br />

<strong>de</strong>slocados <strong>para</strong> a preocupação com as crianças e jovens em situação <strong>de</strong> risco e os direitos<br />

<strong>de</strong>stes segmentos, o que <strong>para</strong> Abramo ocasionou uma compreensão <strong>de</strong> criança e adolescente<br />

que excluía o jovem e o adulto jovem do <strong>de</strong>bate sobre direitos e cidadania (ABRAMO,<br />

2004).<br />

Atualmente, segundo a mesma autora, a aca<strong>de</strong>mia tem ampliado seu foco <strong>de</strong> estudos<br />

e da percepção da juventu<strong>de</strong> <strong>para</strong> além das situações <strong>de</strong> risco dos adolescentes, associada ao<br />

aparecimento <strong>de</strong> novos atores juvenis, especialmente nos setores populares e <strong>de</strong> novos<br />

meios <strong>de</strong> expressão ligados à cultura, mas que colocam questões vinculadas aos problemas<br />

que os afetam. Em um con<strong>texto</strong> que, ao contrário das gerações prece<strong>de</strong>ntes, traz à baila a<br />

valorização da formulação <strong>de</strong> políticas específicas <strong>para</strong> este grupo. Este fenômeno <strong>de</strong>corre<br />

da compreensão que os problemas da vulnerabilida<strong>de</strong> e risco não terminam aos 18, po<strong>de</strong>ndo<br />

inclusive se intensificar e, <strong>de</strong> outro lado, pelo aparecimento <strong>de</strong> expressões culturais como o<br />

“hip hop”, por exemplo, expondo questões como sua origem social, raça, gênero etc., mas<br />

que trazem um conteúdo político abordado <strong>de</strong> forma crítica e criativa (ABRAMO, 2004).<br />

Outro aspecto dos estudos é o que interpreta a juventu<strong>de</strong> a partir da concepção <strong>de</strong><br />

período <strong>de</strong> transição. Uma posição <strong>de</strong> transição não apenas no sentido biológico, mas<br />

também por estar mediando os limites entre dois espaços temporais diversos. O tempo dos<br />

seus pais, dos adultos, já institucionalizados por estes e o tempo do futuro, quando a partir<br />

73


das suas experiências novos valores se cristalizarão e serão eles os adultos<br />

institucionalizados. Assim po<strong>de</strong>mos afirmar que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a antiguida<strong>de</strong>, se percebia a<br />

existência <strong>de</strong> um limite entre o mundo do jovem e o mundo do adulto, no qual a educação<br />

sempre teve papel prepon<strong>de</strong>rante. Educação <strong>aqui</strong> entendida como o processo <strong>de</strong><br />

socialização dos jovens e das crianças inerentes a todas as culturas.<br />

Souza propõe que o estudo da juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar a sua dupla relação: <strong>de</strong><br />

transição <strong>de</strong> uma faixa etária a outra, sem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar outros elementos constitutivos da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> juvenil (classe, gênero, etnia etc.) e como elo <strong>de</strong> um tempo a outro: presente,<br />

passado e futuro (op.cit.).<br />

Reflete ainda um estado <strong>de</strong> transitorieda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> crise relativa aos problemas<br />

existenciais (DAYRREL, 2003). Abramo, entretanto, nos adverte ao fato <strong>de</strong> que, mesmo<br />

que pareça repetitivo lembrar, os conteúdos, a duração e a significação social <strong>de</strong>stes<br />

atributos das fases da vida são culturais e históricos, e que a juventu<strong>de</strong> nem sempre<br />

apareceu como etapa singularmente <strong>de</strong>marcada (ABRAMO, 2005, p 41).<br />

Ainda acerca <strong>de</strong>sta noção <strong>de</strong> transitorieda<strong>de</strong> Dayrrel nos alerta <strong>para</strong> o fato <strong>de</strong> que<br />

<strong>de</strong>vemos ter cuidado com<br />

(...) a criação <strong>de</strong> imagens e preconceitos sobre a juventu<strong>de</strong> contemporânea,<br />

principalmente pelas mídias, que interferem na nossa maneira <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r os<br />

jovens. Uma das mais arraigadas é a juventu<strong>de</strong> vista na sua condição <strong>de</strong><br />

transitorieda<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> o jovem é um “vir a ser”, tendo, no futuro, na passagem<br />

<strong>para</strong> a vida adulta, o sentido das suas ações no presente. (DAYRREL, 2009, 25).<br />

O jovem vive e é reflexo das relações presentes no momento histórico exato, com<br />

suas crises, suas solicitações, suas questões imediatas e não como algo a ser alcançado em<br />

um futuro que ainda vai chegar. Ele é parte <strong>de</strong>ste presente e como tal <strong>de</strong>ve ser entendido. A<br />

escola ten<strong>de</strong> a reproduzir esta concepção <strong>de</strong> jovem como um “vir a ser”, como se apenas a<br />

partir do diploma ele pu<strong>de</strong>sse tornar-se, sempre na perspectiva do que está por vir e<br />

(...) ten<strong>de</strong> a negar o presente vivido dos jovens como espaço válido <strong>de</strong> formação,<br />

bem como as questões existenciais que eles expõem, as quais são bem mais<br />

amplas do que apenas o futuro. Quando imbuídos por esta concepção, os projetos<br />

educativos per<strong>de</strong>m a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dialogarem com as <strong>de</strong>mandas e<br />

necessida<strong>de</strong>s reais do jovem, distanciando-se dos seus interesses do presente,<br />

diminuindo as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um envolvimento efetivo nas suas propostas<br />

educativas (op. Cit.).<br />

A escola foi criada na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna como um tempo maior <strong>de</strong> pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong><br />

o trabalho, uma segunda socialização. Ela é assim uma instituição voltada a especializar os<br />

74


indivíduos em <strong>de</strong>corrência da maior complexida<strong>de</strong> que a produção assume na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />

bem como da sofisticação das relações sociais. Ser pre<strong>para</strong>do em uma instituição<br />

especializada implica na suspensão do mundo produtivo, <strong>de</strong>ixando o jovem livre das<br />

obrigações do trabalho, um dos elementos centrais que constituem a condição juvenil<br />

(ABRAMO, 2005, p.41).<br />

Mas ser jovem é também uma situação <strong>para</strong>doxal. Angústia frente às incertezas da<br />

socieda<strong>de</strong> capitalista (emprego, liberda<strong>de</strong>, autonomia) e, <strong>de</strong> outro lado, é o que todos<br />

almejam. Ser belo, alcançar a “eterna juventu<strong>de</strong>”, gozar dos privilégios <strong>de</strong> pertencer a um<br />

momento <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong> do corpo, da beleza e on<strong>de</strong> ainda não se tem toda as obrigações<br />

<strong>de</strong>correntes da entrada na vida adulta. Não é necessário discutir a relativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta questão.<br />

Uma vez que tudo que se fala sobre juventu<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser generalizado. Não é sem motivo<br />

que muitos autores falam em juventu<strong>de</strong>s, expressando a diversida<strong>de</strong> intrínseca ao termo.<br />

Mas o que é ser jovem? Partimos da idéia que a juventu<strong>de</strong> é, ao mesmo tempo,<br />

uma condição social e um tipo <strong>de</strong> representação. De um lado há um caráter<br />

universal dado pelas transformações do indivíduo numa <strong>de</strong>terminada faixa etária.<br />

De outro, há diferentes construções históricas e sociais relacionadas a esse<br />

tempo/ciclo da vida. De maneira geral, po<strong>de</strong>mos dizer que a entrada da juventu<strong>de</strong><br />

se faz pela fase que chamamos <strong>de</strong> adolescência e é marcada por transformações<br />

biológicas, psicológicas e <strong>de</strong> inserção social. É nesta fase que fisicamente se<br />

adquire o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> procriar, quando a pessoa dá sinais <strong>de</strong> ter necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

menos proteção por parte da família, quando começa a assumir<br />

responsabilida<strong>de</strong>s, a buscar a in<strong>de</strong>pendência e a dar provas <strong>de</strong> auto-suficiência,<br />

<strong>de</strong>ntre outros sinais corporais e psicológicos. (DAYRREL e GOMES, p. 03).<br />

Embora a polissemia referente ao termo imponha a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situá-lo <strong>de</strong> forma<br />

clara, qualquer corte etário implica numa arbitrarieda<strong>de</strong>. Nós optamos por caracterizar a<br />

juventu<strong>de</strong> como um período que se inicia na adolescência, por volta dos treze anos, até em<br />

torno dos vinte e quatro anos. Seguindo o que foi estabelecido pela UNESCO, visto que<br />

correspon<strong>de</strong> em geral a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingresso dos estudantes da ETFBA 25 . Consi<strong>de</strong>ramos,<br />

entretanto que há na socieda<strong>de</strong> atual um prolongamento do período vivido pelo jovem sob<br />

sustento econômico dos pais, nos casos das famílias mais ricas e, <strong>para</strong>doxalmente, tem-se<br />

outra parcela da população que ingressa muito cedo no mercado <strong>de</strong> trabalho, através <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s que exigem pouca qualificação.<br />

Ainda sobre este fenômeno po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar o fato <strong>de</strong> um número significativo <strong>de</strong><br />

jovens formar mais cedo uma nova família, dado que po<strong>de</strong> ser observado empiricamente em<br />

estudos relativos à sexualida<strong>de</strong> e gravi<strong>de</strong>z na adolescência (OTERO, 2002). Há no Brasil<br />

25 Helena Abramo usa como referência grupos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> dos 15 aos 24 anos, entretanto em nossa pesquisa<br />

i<strong>de</strong>ntificamos o ingresso dos alunos com ida<strong>de</strong> inferior a 14 anos, por isso, aliado ao fato <strong>de</strong> haver no<br />

movimento estudantil secundarista a presença <strong>de</strong> adolescentes com faixa etária inferior a 15 anos mantemos<br />

esse posicionamento.<br />

75


uma expectativa que a sexualida<strong>de</strong> surja na adolescência, com ampla aceitação <strong>de</strong> que<br />

adolescentes e jovens sejam sexuados, visto como uma questão histórica e cultural, mas que<br />

traz impactos, sendo a sexualida<strong>de</strong> juvenil tratada então como um <strong>de</strong>svio ou uma conduta <strong>de</strong><br />

risco (CALAZANS, 2004).<br />

De outro lado também consi<strong>de</strong>ramos que<br />

A mesma socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> produzir tipos <strong>de</strong> jovens bastante diversos, pois<br />

originados <strong>de</strong> diferentes extrações sociais, inserindo-se em posições distintas e<br />

apropriando-se <strong>de</strong> hábitos e valores específicos <strong>de</strong> acordo com essa inserção, as<br />

maneiras <strong>de</strong> ser que lhes são impostas- ou que tem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituir –<br />

não são as mesmas <strong>para</strong> todos. Na distribuição diferencial que forçosamente<br />

ocorre, uns são mais privilegiados que outros. Desse modo, fica que a juventu<strong>de</strong><br />

não é uma, e que a diferenciação social e a diversida<strong>de</strong> econômica tem peso<br />

importante na configuração das distintas “maneiras <strong>de</strong> ser” impostas aos jovens<br />

(OLIVA, 2005: 20).<br />

Esta ausência <strong>de</strong> unanimida<strong>de</strong> ao se falar do jovem ou da juventu<strong>de</strong>, também é<br />

assinalada por Margulys e Urresti 26<br />

En relación a esta concepción se ha llegado a consi<strong>de</strong>rar a la juventud<br />

como mero signo, uma construcción cultural <strong>de</strong>sgajada <strong>de</strong> otras condiciones, un<br />

sentido socialmente constituido, relativamente <strong>de</strong>svinculado <strong>de</strong> las condiciones<br />

materiales e históricas que condicionan a su significante. Cuando Bourdieu titula:<br />

“La juventud no es más que una palabra”, parece exasperar la condición <strong>de</strong> signo<br />

atribuida a la juventud. Claro está que presenta en sus análisis la polisemia <strong>de</strong><br />

esta palabra, su distinto sentido según el con<strong>texto</strong> social en que es usada<br />

(profesión, gobierno, atletismo) y también su papel em las disputas por la riqueza<br />

y el po<strong>de</strong>r, tratando <strong>de</strong> evitar el naturalismo espontáneo que surge alre<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> la<br />

noción en una primera aproximación por parte <strong>de</strong>l sentido común. Sarlo da cuenta<br />

<strong>de</strong> cómo “la juventud” se presenta en escena en la cultura actual, privilegiando su<br />

aspecto imaginario y representativo: la juventud no aparece como una edad sino<br />

como una estética <strong>de</strong> la vida cotidiana (MARGULIS e URRESTI, 2000, p. 16).<br />

26 Do ponto <strong>de</strong> vista das ações políticas e sociais, embora uma parte da juventu<strong>de</strong> tenha optado por ações <strong>de</strong><br />

direita, participação em grupos neonazistas e até formando quadrilhas e atentado contra as pessoas <strong>de</strong> grupos<br />

mais pobres, contra gays, índios e empregadas domésticas, como foi recentemente relatado pela mídia,<br />

consi<strong>de</strong>ro apenas os movimentos que ganham evidência a partir <strong>de</strong> contestações inscritas em um sentido<br />

político e contestatório que não esteja relacionado ao <strong>de</strong>srespeito dos direitos humanos e da vida, uma vez que<br />

não i<strong>de</strong>ntificamos no âmbito da ETFBa a presença <strong>de</strong> jovens envolvidos com grupos neonazistas ou quadrilhas,<br />

etc. .<br />

76


A juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve então ser analisada não apenas consi<strong>de</strong>rando sua dimensão<br />

simbólica, mas também outras dimensões materiais, históricas, e políticas, on<strong>de</strong> a produção<br />

social se <strong>de</strong>senvolve. Mas é preciso ainda consi<strong>de</strong>rar as mudanças históricas, o que implica<br />

em ampliar o foco <strong>de</strong> análise, levando em conta as inúmeras mudanças ocorridas no<br />

<strong>de</strong>correr do século XX, e, <strong>de</strong> modo mais acelerado nos últimos anos <strong>de</strong>ste século, trazidas<br />

por transformações econômicas, sociais, no mundo do trabalho, nos direitos (escolarida<strong>de</strong>,<br />

proibição do trabalho infantil etc.) e na cultura. Aliada a estas mudanças vemos também a<br />

construção <strong>de</strong> novas experiências <strong>de</strong> ação elaboradas pelos próprios jovens e não mais<br />

apenas pelos jovens da burguesia.<br />

Abramo ressalta que tem surgido nos últimos anos<br />

uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instâncias <strong>de</strong> socialização, não mais só a família<br />

e a escola; a importância dos campos do lazer e da cultura, principalmente na<br />

constituição da sociabilida<strong>de</strong>, das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e da formação <strong>de</strong> valores. Em<br />

<strong>de</strong>corrência surgem muitas modificações no conteúdo da moratória: não mais só<br />

adiamento e suspensão, mas variados processos <strong>de</strong> inserção em várias dimensões<br />

da vida pessoal e social, como sexualida<strong>de</strong>, trabalho, participação cultural e<br />

política etc. A vivência da experiência juvenil passa a adquirir sentido em si<br />

mesma e não mais somente como pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> a vida adulta (ABRAMO,<br />

2005, p. 43).<br />

Entre as novas formas <strong>de</strong> socialização i<strong>de</strong>ntificadas nos estudiosos do tema,<br />

temos a atuação dos jovens e adolescentes nos movimentos sociais. A relação entre<br />

movimentos sociais e juventu<strong>de</strong> tem sido objeto <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> diversos autores<br />

(MELUCCI, 2002; SOUZA, 2002, OTERO, 2003; KRISCHKE, 2000, 2004; MUXELL,<br />

1997; DAYRREL, 2003 etc.), os quais, mesmo partindo <strong>de</strong> perspectivas teóricas<br />

diferentes apresentam um quadro aproximado <strong>de</strong> algumas questões acerca da temática.<br />

Estes trabalhos apresentam em primeiro lugar um questionamento sobre os<br />

jovens, a política e as formas como esta participação vem se dando atualmente. Embora<br />

exista certa ênfase e uma crítica à juventu<strong>de</strong> das décadas posteriores aos anos sessenta,<br />

como não envolvida com a política, torna-se necessário observar qual o significado da<br />

palavra política, e em que sentido se faz esta afirmação. Pois os estudos realizados pelos<br />

autores acima citados têm evi<strong>de</strong>nciado que embora o jovem não faça da política<br />

77


institucional, compreendida como os espaços formais <strong>de</strong> organização política (partidos<br />

políticos, grêmios estudantis etc.), um elemento primordial da sua vida, tem construído<br />

diversas práticas e ações coletivas que po<strong>de</strong>mos também caracterizar como ações<br />

políticas. (MUXELL,1997; PERALVA, 1997; SPOSITO, 2000; SOUZA, 2002;<br />

ABRAMO, 2004). 27<br />

A atuação em movimentos altermundistas, movimentos <strong>de</strong> preservação do meio<br />

ambiente, re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> discussões sociais via Internet, além <strong>de</strong> predominarem nos<br />

movimentos sociais <strong>de</strong> luta pela terra são ilustrativos da sua participação em múltiplos<br />

espaços <strong>de</strong> luta política não institucionais.<br />

Ocorre na América Latina o crescimento do interesse pelo tema da juventu<strong>de</strong><br />

associado à noção <strong>de</strong> participação como um indicador que o jovem atual busca construir<br />

a sua história <strong>de</strong> forma ativa e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Sobre o <strong>de</strong>sinteresse e apatia que tem sido<br />

impetrado a estes, ele po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>mocracia que não consegue ser<br />

efetiva, on<strong>de</strong> os regimes políticos são incapazes <strong>de</strong> honrar suas promessas, gerando a<br />

<strong>de</strong>silusão <strong>de</strong> uma falsa polis <strong>de</strong>mocrática (BORON, 2006; ROSEMANN, 2006;<br />

ANDERSON, 2004; SEOANE, 2006), que não convence nem os mais velhos, nem os<br />

mais jovens.<br />

Entretanto, Helena Abramo i<strong>de</strong>ntifica a existência <strong>de</strong> novos focos <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate<br />

sobre o jovem brasileiro, os quais não se concentram apenas nas análises dos jovens <strong>de</strong><br />

classe média, como ocorria nos anos 60, mas que trazem os jovens das classes populares<br />

como atores sociais. Deste modo, <strong>para</strong> a autora<br />

Diversos têm sido os pontos <strong>de</strong> partida <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>bate: um <strong>de</strong>les é o que se<br />

foca nas condições e possibilida<strong>de</strong>s da participação dos jovens na conservação ou<br />

transformação da socieda<strong>de</strong> e seus traços dominantes, examinando seus valores,<br />

opiniões e atuação social e política que <strong>de</strong>senvolvem <strong>para</strong> avaliar como os jovens<br />

po<strong>de</strong>m vir a interferir no <strong>de</strong>stino do país e também nas questões singulares que os<br />

afetam. Outro é o que toma a juventu<strong>de</strong> como contingente <strong>de</strong>mográfico (...).<br />

outro ainda, é o que partindo da postulação do jovem como sujeito <strong>de</strong> direitos,<br />

busca examinar o que constitui a singularida<strong>de</strong> da condição juvenil e quais são os<br />

27 A política partidária assim como o próprio movimento estudantil tem sido alvo <strong>de</strong> críticas <strong>de</strong> uma parcela<br />

significativa dos jovens. Entretanto po<strong>de</strong>mos encontrá-los em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cunho político social, nos<br />

movimentos sociais altermundistas, movimento ecológico, questões i<strong>de</strong>ntitárias, <strong>de</strong> gênero etc. (SILVA, 2002),<br />

(CASTELLS, 2003 ).<br />

78


direitos que <strong>de</strong>la emergem, e que <strong>de</strong>vem ser garantidos por meio <strong>de</strong> políticas<br />

públicas ( ABRAMO, 2005, p.40).<br />

A diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abordagens não implica em contradição, mas em<br />

complementarida<strong>de</strong>, na medida em que permitem uma visão mais abrangente do tema. O<br />

movimento estudantil se insere então, a nosso ver, no primeiro tipo <strong>de</strong> abordagem, visto que<br />

pensa o jovem como um sujeito histórico capaz <strong>de</strong> intervir na socieda<strong>de</strong>. Esta atuação,<br />

entretanto não é generalizada ou permanente, da mesma forma como outros movimentos<br />

sociais possuem maior ou menor evidência em épocas distintas. No movimento estudantil<br />

po<strong>de</strong>mos observar uma multiplicida<strong>de</strong> organizativa, bem como a não presença <strong>de</strong> todos os<br />

estudantes, fenômeno já observado em épocas passadas<br />

A introdução do movimento estudantil no campo dos movimentos sociais não é,<br />

porém, uma tarefa fácil. Oliveira chama a atenção <strong>para</strong> o fato que<br />

Uma das dificulda<strong>de</strong>s analíticas na abordagem <strong>de</strong>sta temática diz respeito ao<br />

entendimento do significado do movimento, sobretudo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1968. Embora<br />

se tratasse <strong>de</strong> uma ação coletiva por vezes inovadora tanto em relação à prática<br />

quanto aos valores, era diferente dos chamados novos movimentos sociais<br />

(movimento ecológico, mulheres, gays, etc.), que se inseriam nos anos setenta.<br />

Contrariamente, a militância estudantil estava imbricada com a política,<br />

envolvendo disputas pelo po<strong>de</strong>r, com no caso do maio francês, ou nas ditaduras<br />

militares, como era o caso da América Latina (OLIVEIRA, 2002, p. 22).<br />

Esta dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise do movimento <strong>de</strong>corre ainda <strong>de</strong> que, a partir dos anos<br />

setenta, com a ampliação <strong>de</strong> novos espaços e atores na luta por transformações na<br />

socieda<strong>de</strong>, um número significativo <strong>de</strong> jovens passou a militar em outros espaços, nos<br />

chamados novos movimentos sociais; ou ainda no fato do movimento estudantil assimilar<br />

ban<strong>de</strong>iras conjuntamente com estes grupos, o que implica na presença <strong>de</strong> jovens estudantes<br />

em movimentos <strong>de</strong> bairros, sindicatos, ocupações e protestos que incluem estes novos<br />

sujeitos.<br />

Outro aspecto relevante no estudo sobre o ME diz respeito à análise da condição <strong>de</strong><br />

estudante. Eles são, <strong>de</strong> certo modo, favorecidos pela sua condição no que tange a<br />

participação política, visto que não possuem uma obrigação profissional no mesmo nível <strong>de</strong><br />

importância <strong>de</strong> alguém que já concluiu o curso. Oliveira afirma que<br />

79


Com a práxis no movimento estudantil os jovens, mesmo sem a permissão <strong>para</strong><br />

serem totalmente adultos, têm a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interferir em questões políticas<br />

mais complexas, que não são acompanhadas pela maioria da população adulta.<br />

(...) o hábito da política não está relacionado somente com o ativismo, mas, sim,<br />

com a atitu<strong>de</strong> valorativa da política como elemento explicativo da realida<strong>de</strong>, e<br />

com as conexões estabelecidas entre a iniciativa própria e a disposição <strong>para</strong> agir<br />

politicamente (OLIVEIRA, 2002, p. 23).<br />

O trecho acima vem acompanhado <strong>de</strong> uma ressalva e, segundo ele, refere-se a uma<br />

circunstância bastante específica: antece<strong>de</strong> as explosões estudantis que sacudiram a Europa<br />

e o mundo em maio <strong>de</strong> 68. Explosões que traziam em seu cerne a contestação e a crítica,<br />

com uma radicalida<strong>de</strong> vinculada a não aceitação do opressor que caracterizou muitos jovens<br />

do pós-guerra.<br />

A visão dos estudantes como pertencentes a um estágio pleno <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

humano e não mais como <strong>de</strong> pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> a vida adulta possibilita a criação <strong>de</strong> “ uma<br />

cultura juvenil que se expressa na expansão do mercado <strong>de</strong> consumo. I<strong>de</strong>ntificando-se não<br />

mais como uma promessa do futuro, mas como o presente, a juventu<strong>de</strong> passa a ser encarada<br />

a partir <strong>de</strong> suas características específicas” (OLIVEIRA, 2002, p.25).<br />

O movimento estudantil reflete assim uma posição <strong>de</strong> contestação da estrutura<br />

educacional, das normas <strong>de</strong> comportamento, dos padrões morais e até da estrutura <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

político, mas o jovem e o adolescente são também consumidores em potencial, fenômeno<br />

que se intensifica com a globalização e o avanço tecnológico, especialmente a partir da<br />

difusão da Internet. 28<br />

Mas este movimento apresenta ainda peculiarida<strong>de</strong>s em relação às <strong>de</strong>mais<br />

organizações sociais em virtu<strong>de</strong> da transitorieda<strong>de</strong> a que está sujeito. A condição <strong>de</strong><br />

estudante é provisória, ocorrendo uma permanente renovação dos grupos e li<strong>de</strong>ranças, assim<br />

como as ações por eles impetradas também estão sujeitas a períodos <strong>de</strong> maior efervescência<br />

e outros com relativa invisibilida<strong>de</strong>. Antonio Eduardo Oliveira enfatiza esta inconstância<br />

ao afirmar que<br />

(...) existem momentos <strong>de</strong> forte agitação seguidos por períodos <strong>de</strong> calmaria,<br />

quando até mesmo a existência <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> estudantes passa a ser<br />

questionada. Neste sentido, é importante assinalar que o simples fato <strong>de</strong><br />

freqüentar uma universida<strong>de</strong> ou uma escola não cria uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> em relação<br />

ao movimento estudantil, uma vez que o universo estudantil é muito heterogêneo.<br />

O agir diferenciado <strong>de</strong>sses jovens relaciona-se com a sua própria capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

contraposição e contestação (OLIVEIRA, 2002, p. 26).<br />

Ser estudante e participar do movimento estudantil não são situações <strong>de</strong>finitivas.<br />

28 É importante frisar que este consumo diz respeito tanto a o consumo <strong>de</strong> bens culturais, cinema, música, livros,<br />

como do ponto <strong>de</strong> vista econômico, na ampliação da importância dos adolescentes e jovens no mercado <strong>de</strong> bens<br />

duráveis, <strong>de</strong> vestuário, alimentação etc., interferindo nas escolhas dos adultos.<br />

80


Muitos estudantes nunca partici<strong>para</strong>m ou apenas participam <strong>de</strong> forma ocasional em eventos<br />

mais significativos. De outro lado, entre aqueles que militam também não há uma pauta<br />

<strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> reivindicações po<strong>de</strong>ndo ir do questionamento <strong>de</strong> situações específicas do<br />

ambiente escolar, tais como autoritarismo <strong>de</strong> um professor, condições materiais da sala <strong>de</strong><br />

aula e da escola, passe livre, até o engajamento em lutas mais gerais da socieda<strong>de</strong> sejam <strong>de</strong><br />

cunho nacional (“o petróleo é nosso”, não à dívida externa etc.) ou <strong>de</strong> caráter internacional<br />

(contra a ALCA, contra a guerra do Vietnã etc.).<br />

2.1 Movimento Estudantil no Brasil: Uma Breve Reflexão<br />

A participação dos estudantes brasileiros na política remonta ao período colonial.<br />

Segundo Janice Souza, é possível encontrar relatos da participação política dos jovens no<br />

Brasil Colonial e no Império.<br />

Sua presença social se dá como segmento mo<strong>de</strong>rno, principalmente na condição<br />

<strong>de</strong> estudante e militante engajado. Uma presença que foi elo na recusa da or<strong>de</strong>m<br />

colonial e na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> pautas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> trazidas com o século XIX.<br />

Ainda que <strong>de</strong> modo individual, os jovens brasileiros se fizeram presentes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

período imperial. A política foi um meio pelo qual a juventu<strong>de</strong> se expressou, e<br />

sua intervenção é notória no plano i<strong>de</strong>ológico e os movimentos revolucionários<br />

anteriores a in<strong>de</strong>pendência, inspirada nas idéias <strong>de</strong> Voltaire, Rousseau,<br />

Montesquieu, trazidas da Europa pelos filhos da aristocracia e propagadas por<br />

intermédio <strong>de</strong> suas socieda<strong>de</strong>s e clubes secretos (SOUZA, 1999 p.31-32).<br />

Poerner (2004:60) nos diz que “ainda que nem sempre seja registrada no plano<br />

físico, é notória a participação estudantil no plano i<strong>de</strong>ológico dos movimentos<br />

revolucionários brasileiros anteriores à in<strong>de</strong>pendência”. O referido autor traça um elenco <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s em que os estudantes partici<strong>para</strong>m <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a colônia. Algumas com maior <strong>de</strong>staque<br />

<strong>para</strong> a condição <strong>de</strong> estudante e, outras, on<strong>de</strong> transparecia o caráter juvenil 29 , no sentido <strong>de</strong><br />

ações características dos jovens, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da sua condição <strong>de</strong> estudante, como fator que<br />

impulsionava à participação.<br />

Entre os fatos narrados por Poerner que mais chamam a atenção está a criação da<br />

socieda<strong>de</strong> “Dois <strong>de</strong> Julho”, uma associação estudantil <strong>de</strong>stinada a alforriar escravos,<br />

envolvida com a campanha abolicionista. Houve ainda a campanha republicana, a qual<br />

contou, inclusive com a participação dos estudantes do Colégio Militar do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

29 Entendo que a diferença entre caráter estudantil e juvenil <strong>de</strong>rive <strong>para</strong> o autor da i<strong>de</strong>ntificação do movimento<br />

ora com o estudante, ora com uma ação “própria dos jovens” no sentido <strong>de</strong> pensar <strong>de</strong>terminadas contestações a<br />

partir da ótica do jovem como contestador, como rebel<strong>de</strong>, embora socialmente aceitos.<br />

81


Nesta época partici<strong>para</strong>m ainda da “Revolta do Vintém” contra o aumento das passagens<br />

dos bon<strong>de</strong>s. O autor faz uma breve análise do estudante da primeira República. Segundo ele<br />

As organizações universitárias anteriores a agosto <strong>de</strong> 1937 pecavam todas, pela<br />

transitorieda<strong>de</strong>, visando apenas a problemas específicos e <strong>de</strong>terminados, em<br />

função <strong>de</strong> cuja duração nasciam e morriam. Assim foi, como vimos, com o clube<br />

secreto dos estudantes brasileiros da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Coimbra e o problema da<br />

libertação do julgo português; com a socieda<strong>de</strong> Dois <strong>de</strong> Julho e a alforria dos<br />

escravos; com a libertadora, dos ca<strong>de</strong>tes, e a campanha Abolicionista; com os<br />

clubes republicanos acadêmicos e a campanha antimonarquista; com os<br />

“batalhões escolares” e o nacionalismo <strong>de</strong> Floriano e a malograda campanha<br />

presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> José Américo (i<strong>de</strong>m: 119).<br />

Enquanto organização institucionalizada, a criação da UNE nos anos 30, é tomada<br />

como marco da organização estudantil <strong>para</strong> a maioria dos autores, assim como a informação<br />

<strong>de</strong> que os estudantes secundaristas organizaram nos anos seguintes seu órgão<br />

representativo. Uma representação ainda concentrada nos segmentos <strong>de</strong> classe média,<br />

inexistindo sentimentos <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> interclasses (SOUZA, 1999).<br />

A leitura <strong>de</strong> Poerner <strong>de</strong>monstra, ainda que não seja seu objetivo principal, que os<br />

estudantes baianos tiveram um papel <strong>de</strong> vanguarda. Po<strong>de</strong>mos perceber e <strong>de</strong>stacar, entre<br />

outros fatos, o Manifesto dos Acadêmicos <strong>de</strong> Direito da Bahia contra as atrocida<strong>de</strong>s<br />

militares em Canudos no final do século XIX. Em 1934 se registrou no Rio <strong>de</strong> Janeiro o 1º<br />

Congresso da Juventu<strong>de</strong> Operária Estudantil. A partir <strong>de</strong>ste encontro os estudantes se<br />

sentiram mobilizados a organizar-se nos estados. Um dos núcleos <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque foi o<br />

da Bahia <strong>de</strong> cuja direção fazia parte Edson Carneiro e Aydano Couto Ferraz. Este grupo se<br />

caracterizava pela luta antifascista que preocupava os estudantes <strong>de</strong>mocratas, especialmente<br />

os da esquerda (POERNER, 2004).<br />

Para Souza, o 1º Congresso da Juventu<strong>de</strong> Operária é a primeira iniciativa estudantil<br />

<strong>de</strong> caráter classista. A autora afirma que<br />

No 1º Congresso da Juventu<strong>de</strong> Operária-estudantil, em 1934, a juventu<strong>de</strong><br />

comunista procurou fortalecer a resistência contra a ascensão do nazismo e do<br />

integralismo. Na direção inversa dos jovens italianos e alemães, a gran<strong>de</strong> maioria<br />

encontrava condições sociais favoráveis <strong>para</strong> fazer da participação política um<br />

instrumento <strong>de</strong> autonomia e organização do movimento juvenil (SOUZA,<br />

1999:32).<br />

Uma parte dos estudantes assumiu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final da segunda guerra uma posição<br />

pacifista, contrária ao nazi-fascismo e contra o Estado Novo. A criação da UNE lhes<br />

permitiu uma atuação mais específica e a partir dos congressos seguintes a organização<br />

passa a ter uma pauta social mais ampla, com maior conotação política <strong>para</strong> as questões<br />

82


nacionais. Luta contra o analfabetismo, implantação <strong>de</strong> si<strong>de</strong>rurgias, anti-imperialismo, além<br />

<strong>de</strong> ter produzido, durante a guerra uma influência sobre a opinião pública, sendo seus<br />

representantes recebidos nos principais jornais do país.<br />

Nos anos 50, período <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> polarização i<strong>de</strong>ológica em <strong>de</strong>corrência da guerra<br />

fria, a UNE ficou sob comando <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> direita. Poerner aponta a existência <strong>de</strong> uma<br />

infiltração norte-americana, a qual, porém, não conseguiu impedir que os estudantes<br />

participassem ativamente da campanha “O petróleo é nosso”, por exemplo, dado o processo<br />

<strong>de</strong> institucionalização em que se encontrava a organização.<br />

Martins Filho retoma as mudanças que ocorrem no país a partir dos anos 50 a fim <strong>de</strong><br />

explicar o quadro político e i<strong>de</strong>ológico das esquerdas do país antes do golpe. De um lado, a<br />

ampliação do ensino superior e, conseqüentemente, a entrada <strong>de</strong> uma parcela cada vez<br />

maior <strong>de</strong> estudantes oriundos das classes médias na universida<strong>de</strong> e, <strong>de</strong> outro, a influência da<br />

Igreja Católica entre a juventu<strong>de</strong> brasileira que posteriormente dará origem a AP (Ação<br />

Popular). Para o autor<br />

o surgimento <strong>de</strong> um movimento vinculado a Igreja Católica, introduziu as idéias<br />

do personalismo cristão, principalmente a da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprometimento<br />

do jovem com os problemas da comunida<strong>de</strong>, em setores estudantis masculinos e<br />

femininos infensos ao discurso mais radical do ateísmo comunista (MARTINS<br />

FILHO, 2007 p.187).<br />

O clima dos anos 1950, <strong>de</strong>corrente do processo <strong>de</strong> urbanização e industrialização da<br />

socieda<strong>de</strong> brasileira, da presença política da classe operária urbana e da eclosão das ligas e<br />

sindicatos camponeses, com a Igreja Católica apresentando “uma terceira via ao choque<br />

entre o comunismo e o capitalismo norte-americano, num quadro em que o nacionalismo,<br />

em suas várias vertentes passou a gozar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> apoio” foi o pano <strong>de</strong> fundo <strong>para</strong> o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento entre muitos jovens <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> mais afeita à participação política<br />

(MARTINS FILHO, 2007, p.188).<br />

Os anos 60 são reconhecidos pelos estudiosos como um momento em que o<br />

engajamento político e cultural dos jovens “foi uma experiência incontestável e reveladora<br />

da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu compromisso social” (SOUZA, 1999, p.34). Ser estudante naquele<br />

período permitia a vivência <strong>de</strong> experiências diversificadas por parte do estudante. O<br />

impacto das mudanças promovidas por esta geração inspirou o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma<br />

Sociologia da Juventu<strong>de</strong> no Brasil que se voltava à compreensão do caráter <strong>de</strong><br />

transformação social promovido por estes jovens. Nesta linha está, por exemplo, o trabalho<br />

<strong>de</strong> Marialice Foracchi (1982), sobre a juventu<strong>de</strong> no final dos anos sessenta.<br />

83


É um período em que os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> muitos jovens se confundiam com a perspectiva<br />

da revolução socialista como alternativa real <strong>de</strong> transformação da socieda<strong>de</strong>. Desejosos <strong>de</strong><br />

construir um outro mundo, ao tempo em que assistiam a uma série <strong>de</strong> revoluções em todos<br />

os continentes, exceto na Oceania: China em 1949, em Cuba 1959, Argel em 1962, Vietnã<br />

entre 1965 a 1975, a dos Cravos em 1974 e da Nicarágua em 1979.<br />

Havia ainda uma efervescência cultural em geral (literatura, teatro, cinema e<br />

música). O con<strong>texto</strong> político do final da década marcado pela guerra fria, pela revolução<br />

cubana e, em consequência <strong>de</strong>sta, por uma preocupação dos Estados Unidos com a América<br />

Latina, foram o pano <strong>de</strong> fundo <strong>para</strong> os acontecimentos que culminaram no golpe civil<br />

militar em 1964. Segundo Daniel Aarão Reis<br />

Viviam-se então os tempos da guerra fria entre os EUA e a URSS. As duas<br />

superpotências empenhavam todos os recursos no sentido da polarização das<br />

contradições existentes em escala mundial em torno <strong>de</strong> seus interesses<br />

universalistas e expansionistas. Tentavam, com seus aliados em cada país, fazer<br />

<strong>de</strong> cada área <strong>de</strong> tensão, <strong>de</strong> cada conflito, um momento do choque maior <strong>de</strong> dois<br />

projetos civilizacionais (REIS, 2004, p.33).<br />

O Brasil tinha simpatizantes dos dois grupos. A burguesia, apoiada por uma parcela<br />

da classe média, <strong>de</strong>fensoras das idéias capitalistas, da livre iniciativa, dos valores liberais <strong>de</strong><br />

um lado, e, <strong>de</strong> outro, a existência <strong>de</strong> vários setores <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os militares até profissionais <strong>de</strong><br />

diversas áreas e os estudantes, favoráveis a uma mudança <strong>de</strong> orientação política que<br />

caminhasse <strong>para</strong> o comunismo. A influência i<strong>de</strong>ológica americana prevalecia nos setores da<br />

classe média, através da mídia (especialmente o jornal O Globo, programas <strong>de</strong> rádio e as<br />

revistas <strong>de</strong> circulação nacional) 30 <strong>de</strong> modo que o medo da “ameaça vermelha” permeava as<br />

cabeças <strong>de</strong> uma boa parcela da população.<br />

Deste modo, po<strong>de</strong>mos perceber que os que apoiaram o golpe tinham gran<strong>de</strong>s<br />

expectativas que sua concretização fosse o caminho <strong>para</strong> uma reorganização da socieda<strong>de</strong>.<br />

Uma socieda<strong>de</strong> que passava por uma forte crise econômica e um consi<strong>de</strong>rável processo<br />

inflacionário. Denúncias <strong>de</strong> corrupção, associadas a uma série <strong>de</strong> ações do presi<strong>de</strong>nte João<br />

Goulart, que traziam aos setores dominantes a suspeita <strong>de</strong> que uma revolução comunista se<br />

aproximava.<br />

30 Alfredo Sirkis, em seu já clássico “Os carbonários,” comenta sobre sua própria formação e os conflitos a que,<br />

enquanto menino, estava submetido. “Permaneci em silêncio. Não grito palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m comunistas, pensei.<br />

Eu até admirava a coragem do Che, que acabava <strong>de</strong> morrer, dias antes na Bolívia. Mas achava que isso <strong>de</strong> gritar<br />

Gue-va-ra! Era coisa <strong>de</strong> comunista e eu era não comunista. Era <strong>de</strong>mais <strong>para</strong> minha formação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança a<br />

cargo <strong>de</strong> O Globo, do Rea<strong>de</strong>rs Digest e, as sextas-feiras , ao colo do papai, daquele programa <strong>de</strong> rádio do<br />

IBAD” (SIRKIS, 2007 p.51)<br />

84


Motta (2004) consi<strong>de</strong>ra que as interpretações sobre o golpe são complexas e que a<br />

crise que o antece<strong>de</strong>u teve graves dimensões. O golpe teria sido uma reação insuflada pelo<br />

medo e insegurança que havia sob significativas parcelas da população brasileira,<br />

especialmente nos setores <strong>de</strong> classe média e alta. Dúvidas sobre o futuro da economia, com<br />

altos índices <strong>de</strong> inflação, greves sucessivas nos setores públicos, temor <strong>de</strong> uma revolução<br />

social em virtu<strong>de</strong> da radicalização dos movimentos sociais, inclusive no campo e medo <strong>de</strong><br />

que o Presi<strong>de</strong>nte João Goulart apoiasse estes movimentos revolucionários, principalmente<br />

os <strong>de</strong> esquerda. O ecletismo presente entre os diversos grupos que apoiaram o golpe<br />

concorreu <strong>para</strong> que logo após sua efetivação já houvessem insatisfeitos entre seus<br />

<strong>de</strong>fensores. Isso, entretanto, não impediu que a ditadura permanecesse durante 20 anos e<br />

terminasse <strong>de</strong> forma negociada.<br />

Somente a partir do endurecimento do regime e das <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> assassinatos e<br />

torturas é que uma parte <strong>de</strong>stes, especialmente entre os estudantes, sentirá as conseqüências<br />

mais funestas do regime, mudando inclusive <strong>de</strong> posição frente à ditadura.<br />

Martins Filho (2007) acrescenta que o momento que antece<strong>de</strong>u o golpe era<br />

caracterizado por uma socieda<strong>de</strong> dividida, on<strong>de</strong> “não foram poucos os estudantes que<br />

apoiaram o golpe”, além da intensa mobilização <strong>de</strong> setores médios da socieda<strong>de</strong> que temiam<br />

a “ameaça comunista”. A <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> ditadura civil-militar <strong>de</strong>corre <strong>de</strong>ste fato: o apoio<br />

que os militares receberam da população civil. Não apenas as elites econômicas (industriais,<br />

latifundiários etc.) apoiaram o golpe.<br />

Para os estudantes favoráveis ao regime, a subida dos militares ao po<strong>de</strong>r tinha entre<br />

outros objetivos, a intenção <strong>de</strong> “resgatar a ação dos verda<strong>de</strong>iros estudantes”, <strong>de</strong><br />

reconstruírem as entida<strong>de</strong>s estudantis e <strong>de</strong>spolitizar as escolas e universida<strong>de</strong>s.<br />

O “estudante autêntico” <strong>de</strong>veria assumir o primeiro plano e impor a verda<strong>de</strong>ira<br />

vocação do estudantado: o patriotismo, a <strong>de</strong>dicação aos estudos e o afastamento<br />

da política. Os “estudantes profissionais” seriam isolados e, em seguida,<br />

controlados (MARTINS FILHO, 2007 p. 189).<br />

Marcelo Ri<strong>de</strong>nti complementa que<br />

Por outro lado, militantes mais velhos, mesmo no universo estudantil, lembram<br />

que calou fundo a falta <strong>de</strong> resistência ao golpe <strong>de</strong> 1964, que fez <strong>de</strong>les motivo <strong>de</strong><br />

chacota dos colegas da direita. Recordam-se bem da <strong>de</strong>cepção que foi a <strong>de</strong>rrota<br />

com o golpe, após alguns anos <strong>de</strong> intensa aposta na revolução brasileira, nacional<br />

<strong>de</strong>mocrática ou socialista. Hoje, ao que tudo indica, esses ex-militantes jamais<br />

aceitarão que sua luta não tenha sido essencialmente <strong>de</strong> resistência <strong>de</strong>mocrática<br />

(RIDENTI, 2007 p. 48).<br />

85


Para este autor, os grupos armados não tinham condições <strong>de</strong> enfrentar o po<strong>de</strong>r da<br />

ditadura, nem do ponto <strong>de</strong> vista social, nem político, econômico ou militar. Neste sentido,<br />

ele contesta o discurso mistificador da resistência <strong>de</strong>mocrática, afirmando que escon<strong>de</strong>r a<br />

radicalida<strong>de</strong> política daquela época tem como objetivo “justificar e legitimar opções<br />

políticas posteriores <strong>de</strong> ex-guerrilheiros, já inseridos no processo institucional” (RIDENTI,<br />

2007, p. 49).<br />

A partir do golpe, várias medidas foram tomadas no sentido <strong>de</strong> atingir as<br />

organizações estudantis, on<strong>de</strong> predominava um posicionamento político e i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong><br />

esquerda. Entre estas medidas, a Lei Suplicy <strong>de</strong> Lacerda, imposta pelo governo como parte<br />

do projeto <strong>de</strong> mudanças que atingiriam as representações estudantis. Entretanto, muitos<br />

autores concordam que ela favoreceu a reorganização dos estudantes, mesmo daqueles que<br />

se mostravam favoráveis ao regime. A reação estudantil surpreen<strong>de</strong>u o governo Castelo<br />

Branco. Entre outras conseqüências, estas leis produziram modificações importantes na<br />

esquerda estudantil. A AP se radicalizou, aproximando-se da linha política chinesa maoísta,<br />

com seus lí<strong>de</strong>res, inclusive, visitando a China. Ela constituía “a chamada ”primeira posição”<br />

e se caracterizava por duas palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m: a luta contra a ditadura e a solidarieda<strong>de</strong> a<br />

resistência antiimperialista do Vietnã do Norte contra os Estados Unidos no su<strong>de</strong>ste<br />

asiático” (MARTINS FILHO, 2007, p. 191).<br />

Segundo Ciambarella (2007), a trajetória da AP foi singular. Fundada em 1960 sob<br />

influência dos i<strong>de</strong>ais católicos, a<strong>de</strong>riu ao guevarismo e ao maoísmo. Em 1968 a<strong>de</strong>re ao<br />

marxismo-leninismo e, posteriormente, em 1973, uma parte dos seus membros se integrou<br />

ao PC do B, enquanto outra parte permanece adotando a sigla <strong>de</strong> APML (Ação Popular<br />

Marxista- Leninista). Nos anos 80 gran<strong>de</strong> parte dos seus quadros se integrou ao recém<br />

fundado PT (Partido dos Trabalhadores), extinguindo-se oficialmente em 1981. A<br />

permanente reconstrução da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> foi sempre acompanhada <strong>de</strong> amplos <strong>de</strong>bates e<br />

cisões. Conforme esta autora,<br />

A fusão com o PC do B significou <strong>para</strong> a AP a saída <strong>de</strong> muitos dos seus membros<br />

e a formação da Ação Popular Marxista Leninista, que existiu até o inicio dos<br />

anos 1980, quando gran<strong>de</strong> parte das organizações então existentes <strong>de</strong>cidiu filiarse<br />

ao Partido dos Trabalhadores (PT). Em torno <strong>de</strong>stas últimas questões a<br />

memória dos militantes atualmente ainda apresenta questões controversas<br />

(CIAMBARELLA, 2007, p. 102).<br />

Segundo Jorge Almeida, em entrevista a Harnecker (1995)<br />

Acción Popular fue fundada a comienzos <strong>de</strong> la década <strong>de</strong> los 60, y tuvo su origen<br />

en lãs organizaciones juveniles <strong>de</strong> la Iglesia, principalmente la Juventud<br />

86


Estudiantil Católica y la Juventud Universitaria Católica. En esa época creció<br />

bastante, principalmente entre los medios juveniles, pero también <strong>de</strong>sarrolló<br />

importantes relaciones con otros sectores y movimientos sociales. Tenía una<br />

política radicalizada <strong>de</strong> lucha por reformas sociales y políticas, pero no se asumía<br />

como marxista ni tenía una estrategia global más <strong>de</strong>finida. Uno <strong>de</strong> sus<br />

principales fundadores fue Hebert <strong>de</strong> Souza, Betinho7.<br />

Después <strong>de</strong>l golpe <strong>de</strong>l 64, AP pasó a la clan<strong>de</strong>stinidad y <strong>de</strong>sarrolló una mayor<br />

discusión sobre el marxismo, La realidad nacional y la estrategia, ampliando sus<br />

contactos con la izquierda a nivel nacional e internacional. Con una visión muy<br />

crítica <strong>de</strong> la política interna y externa <strong>de</strong>l PCUS, evolucionó hacia posiciones<br />

revolucionarias, y optó por estudiar, prioritariamente, las experiencias china y<br />

cubana, y <strong>de</strong>splazó cuadros <strong>para</strong> diversos países con el objetivo <strong>de</strong> estudiar esas y<br />

otras experiencias.<br />

En esa época, ya había una crítica bastante contun<strong>de</strong>nte a las experiencias <strong>de</strong><br />

Europa <strong>de</strong>l Ese y <strong>de</strong>l socialismo burocrático, que ya era valorado como un<br />

proyecto que no planteaba una propuesta revolucionaria a nível internacional.<br />

Inicialmente hubo simpatías por Cuba, pero terminó prevaleciendo una línea <strong>de</strong><br />

mayor Marxista—Leninista <strong>de</strong> Brasil (ALMEIDA, 1995, p.217).<br />

A AP, juntamente com a ORM-POLOP (Organização Política Revolucionária<br />

Marxista – Política Operária), buscou firmar-se como uma “alternativa à política<br />

predominante ao PCB no interior das esquerdas, atraindo, sobretudo, uma juventu<strong>de</strong> que<br />

militava nas universida<strong>de</strong>s e em outros centros estudantis, além <strong>de</strong> operários e outros<br />

grupos” (CIAMBARELLA, 2007, p.102) Tendo ampla influência no meio estudantil<br />

controlou sucessivas diretorias da UNE, sendo os estudantes o setor mais numeroso, embora<br />

atraísse intelectuais <strong>de</strong> várias categorias, além <strong>de</strong> setores das classes populares.<br />

Com a fundação do PT, em 1980, muitas organizações clan<strong>de</strong>stinas, com exceção<br />

do PCB, PC do B, PCBR e MR-8, se incorporam ao PT, embora mantendo ainda uma parte<br />

<strong>de</strong> sua autonomia e estrutura original, o que ficou conhecido como uma “dupla militância”.<br />

O PCB, Partido Comunista Brasileiro, fundado em 1922, divergiu basicamente <strong>de</strong><br />

toda a esquerda brasileira por sua posição <strong>de</strong> reforma e busca <strong>de</strong> um caminho pacífico <strong>para</strong><br />

a revolução, no imediato pós-golpe e sofreu com a dura repressão do regime, bem como<br />

com as lutas internas, contrariando gran<strong>de</strong> parte da esquerda nacional e provocando a saída<br />

<strong>de</strong> muitos dos seus membros que optaram pela luta armada.<br />

Em maio <strong>de</strong> 65, um ano após o golpe, o Comitê Central fez sua primeira reunião<br />

<strong>para</strong> analisar a situação política do país. Os dirigentes não tinham uma visão<br />

unitária acerca do processo que culminou com a instalação do regime ditatorial.<br />

Para uns, o partido tinha incorrido em graves “<strong>de</strong>svios <strong>de</strong> direita”: havia<br />

alimentado ilusões nas massas, sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar uma aliança do<br />

proletariado com a burguesia, uma reforma estrutural <strong>de</strong> base, <strong>de</strong>ntro dos marcos<br />

estritamente legais. Para outros, os erros eram resultado dos “<strong>de</strong>svios <strong>de</strong><br />

esquerda”. Os comunistas haviam abandonado a ban<strong>de</strong>ira da legalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática, superestimando a correlação <strong>de</strong> forças, propondo medidas além das<br />

condições objetivas da realida<strong>de</strong> brasileira. Esta última avaliação, encampada por<br />

Prestes, viria a ser a oficialmente adotada pelo partido. Entretanto, conforme<br />

veremos adiante, <strong>para</strong> aqueles que no pós-64 iriam romper com o PCB, os<br />

<strong>de</strong>svios <strong>de</strong> “direita” e a conciliação com as classes dominantes <strong>de</strong>ram o tom da<br />

política ao longo do governo Jango. (PANDOLFI, 1994, p. 88).<br />

87


O <strong>de</strong>bate sobre a postura reformista do PCB domina a cena política <strong>de</strong> esquerda dos<br />

anos setenta, sendo objeto <strong>de</strong> auto-análise <strong>de</strong> muitos dos seus membros e produzindo novas<br />

forças políticas no país.<br />

Uma das forças da política estudantil surgida após o golpe foi formada nas bases do<br />

Partido Comunista Brasileiro: o MR-8 remonta às divergências internas da juventu<strong>de</strong><br />

comunista universitária do PCB na Guanabara, anteriores ao golpe. Após o golpe uma<br />

fração <strong>de</strong>stes divergentes passa a se agrupar e <strong>de</strong>finir seus próprios rumos. Em 1965, no<br />

embalo do crescimento do movimento estudantil, o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 <strong>de</strong><br />

Outubro) se amplia <strong>para</strong> outras universida<strong>de</strong>s e outros estados. Em 1969 se integrou à luta<br />

armada, tendo como maior êxito o seqüestro do embaixador norte-americano, numa ação<br />

conjunta com a ALN (Ação Libertadora Nacional) <strong>de</strong> Carlos Marighella. Após esta ação<br />

seus militantes foram duramente perseguidos e muitos tiveram que se exilar, foram presos<br />

ou mortos pelos militares<br />

Outro grupo político que atuou no ME foram os trotskistas. Inspirados na IV<br />

Internacional, fundada em Paris em 1938. Cujo <strong>texto</strong> <strong>de</strong> fundação contempla:<br />

(...) as condições objetivas do capitalismo na fase imperialista; um balanço da<br />

experiência acumulada pelo proletariado e <strong>de</strong> suas direções políticas; a diferença<br />

entre um programa mínimo e um programa <strong>de</strong> transição; o lugar dos sindicatos e<br />

dos comitês <strong>de</strong> fábrica; o controle operário da produção, a expropriação dos<br />

bancos privados e a estatização do sistema <strong>de</strong> crédito; a aliança operária<br />

camponesa; a luta contra imperialismo e contra a guerra; o governo operário<br />

camponês... (MARQUES, 2007, p. 151).<br />

No Brasil, a história dos trotskistas se inicia em 1929, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, tendo<br />

passado por diversas cisões e unificações em sua trajetória. Um dos principais grupos<br />

trotskistas com atuação no movimento estudantil, a Convergência Socialista originou-se <strong>de</strong><br />

militantes exilados no Chile, os quais formaram um grupo <strong>de</strong>nominado “Ponto <strong>de</strong> Partida”<br />

em 1972. Após o golpe que <strong>de</strong>rrubou Allen<strong>de</strong>, o grupo se dispersou, sendo que alguns dos<br />

seus membros fugiram <strong>para</strong> a Argentina on<strong>de</strong> fundaram a Liga Operária (LO) e editaram o<br />

jornal In<strong>de</strong>pendência Operária, publicado até 1978.<br />

Retornando ao Brasil em 1974, momento <strong>de</strong> ascensão do ME, passam a priorizar<br />

uma ação junto à juventu<strong>de</strong>, assumindo como tarefa prioritária o movimento estudantil e o<br />

trabalho junto ao movimento operário. Deslocaram <strong>para</strong> as fábricas seus militantes <strong>de</strong><br />

origem estudantil e, na política, apoiaram candidatos que concorriam às eleições pelo MDB.<br />

Em 1978 foi lançado o Movimento Convergência Socialista <strong>para</strong> a formação <strong>de</strong> um partido<br />

socialista. Adotou-se o nome <strong>de</strong> Alicerce da Juventu<strong>de</strong> Socialista em 1983 em <strong>de</strong>corrência<br />

88


do crescimento entre os jovens, especialmente no ME secundarista (Marques, 2007: 158).<br />

Partici<strong>para</strong>m do PT até 1992 quando foram expulsos. Em 1993 foi criado o PSTU (Partido<br />

Socialista dos Trabalhadores Unificado).<br />

O terceiro grupo <strong>de</strong> trotskistas é a DS (Democracia Socialista). Foi formada em<br />

1979 a partir da união dos militantes mineiros da tendência estudantil Centelha e membros<br />

da oposição metalúrgica <strong>de</strong> Belo Horizonte, dos militantes do Partido Operário Comunista<br />

(POC), fundado em 1968, fruto da união entre a Dissidência Leninista com a Organização<br />

Revolucionária ORM-POLOP, junto com outros grupos menores.<br />

Brito chama a atenção <strong>para</strong> a importância dada pelas diversas correntes a direção<br />

das entida<strong>de</strong>s estudantis e salienta que, ao contrário dos outros estados, o peso do PCB no<br />

ME da Bahia era importante e que este dirigiu a UEB (União dos Estudantes da Bahia)<br />

durante os anos <strong>de</strong> 1965 e 1968 (BRITO, 2008, p. 171). O PC do B foi outra corrente com<br />

pouco peso no ME nacional, mas que possuía evidência no movimento estudantil baiano.<br />

Estes grupos são uma pequena <strong>de</strong>monstração da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> posicionamentos<br />

presentes no ME. Convém ressaltar que, nos chamados “anos <strong>de</strong> chumbo” on<strong>de</strong> a maior<br />

parte <strong>de</strong>stes grupos atuou clan<strong>de</strong>stinamente, foram submetidos a duras perseguições. Para<br />

Martins Filho, o ME já acumulava em 1968 quase uma década <strong>de</strong> experiência, <strong>de</strong>stacandose<br />

pela sua longevida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros movimentos como os da França, México, Estados Unidos<br />

e Itália.<br />

Nesse sentido, o 1968 brasileiro não foi um raio em dia <strong>de</strong> céu azul, mas o ápice<br />

da mobilização política <strong>de</strong> uma categoria social vinculada aos setores médios da<br />

socieda<strong>de</strong> brasileira, e não apenas se organizou em escala nacional, mas se<br />

mostrou capaz <strong>de</strong> superar mais rapidamente que os outros movimentos sociais o<br />

choque causado pela mudança do regime político. (MARTINS FILHO, 2007,<br />

p.185).<br />

O autor nos chama a atenção <strong>para</strong> o risco do mito da juventu<strong>de</strong> e do estudante. Em<br />

uma crítica a Poerner, consi<strong>de</strong>rado por ele o autor da “história oficial da UNE”, nos adverte<br />

que os estudantes em vários momentos se posicionaram <strong>de</strong> forma conservadora.<br />

Para ficar apenas no século XX, é difícil imaginar como os estudantes das<br />

oligarquias brasileiras da República velha po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>sempenhar o papel<br />

progressista que a eles se atribui genericamente. Basta lembrar o episódio não<br />

muito conhecido dos acadêmicos <strong>de</strong> direito da faculda<strong>de</strong> paulistana do Largo São<br />

Francisco oferecendo-se <strong>para</strong> substituir os motorneiros do bon<strong>de</strong> em greve, na<br />

histórica <strong>para</strong>lisação operária <strong>de</strong> 1917, ou o antivarguismo elitista dos jovens da<br />

mesma escola em meados dos anos 1940 (MARTINS FILHO, 2007, p.186).<br />

A evidência do ME dos anos 60 <strong>de</strong>corre, <strong>para</strong> este autor, do fato <strong>de</strong> terem sido os<br />

estudantes a principal força <strong>de</strong> oposição ao regime militar. Outro aspecto apontado pelo<br />

89


mesmo é que somente a partir dos anos sessenta é possível pensar em um movimento<br />

estudantil não elitizado. Conseqüência da ampliação das vagas nas universida<strong>de</strong>s que<br />

permite a entrada cada vez <strong>de</strong> um contingente maior <strong>de</strong> alunos dos setores médios da<br />

população e do predomínio da esquerda na li<strong>de</strong>rança do movimento.<br />

Na verda<strong>de</strong>, as mobilizações estudantis só começam a per<strong>de</strong>r seu caráter <strong>de</strong> elite<br />

no começo dos anos 1960, e a própria expressão “movimento estudantil” não<br />

parece a<strong>de</strong>quada antes <strong>de</strong>ssa data. Evi<strong>de</strong>ntemente, sempre houve dirigentes e<br />

militantes <strong>de</strong> esquerda no meio estudantil, mas o que interessa é enten<strong>de</strong>r a<br />

orientação mais geral dos gran<strong>de</strong>s contingentes universitários capazes <strong>de</strong> gerar<br />

um verda<strong>de</strong>iro “movimento” (i<strong>de</strong>m: 186).<br />

A nossa breve reflexão sobre a história do ME nos anos sessenta tem por objetivo<br />

explicitar a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos presentes no ME. Cabe ressaltar que estes estudantes foram<br />

submetidos a várias formas <strong>de</strong> violência, a tentativas permanentes <strong>de</strong> <strong>de</strong>smobilização do<br />

movimento durante todo o período <strong>de</strong> ditadura militar, especialmente no final dos anos<br />

sessenta até meados dos anos setenta.<br />

A ditadura <strong>de</strong>rrotara o ME sufocando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma resistência aberta e<br />

<strong>de</strong> massas. Mesmo as ações <strong>de</strong> vanguarda ficaram limitadas. O AI-5 inaugurou<br />

uma nova fase da ditadura militar no plano da sua relação com a oposição<br />

política. A nacionalização da repressão aperfeiçoada em 1969/1970 junto com os<br />

primeiros sintomas do milagre econômico contribuiriam significativamente <strong>para</strong><br />

a consolidação da ditadura militar e <strong>para</strong> o isolamento da resistência ao regime<br />

(BRITO, 2008, p. 186).<br />

Desta forma, po<strong>de</strong>mos afirmar que os anos setenta se iniciam com uma forte<br />

repressão sobre os estudantes com muitos mortos e <strong>de</strong>saparecidos. Medidas legais são<br />

tomadas pelo governo a fim <strong>de</strong> reprimir ainda mais as organizações estudantis. Estes<br />

fatores, a nosso ver, terão importante influência sobre o posicionamento político dos jovens<br />

dos anos 80 e 90 e sobre seu comportamento que se distancia da geração <strong>de</strong> 1960. São<br />

inúmeras as leis e os <strong>de</strong>cretos que atingem a socieda<strong>de</strong> como um todo e, especialmente, os<br />

estudantes. O mais importante em <strong>de</strong>corrência dos impactos que produziu foi, certamente, o<br />

AI-5, o qual dava ao executivo o po<strong>de</strong>r <strong>para</strong> fechar o congresso, assembléias legislativas<br />

estaduais e municipais, cassar mandatos, suspen<strong>de</strong>r direitos políticos, <strong>de</strong>mitir ou remover<br />

juízes, <strong>de</strong>cretar estado <strong>de</strong> sítio etc. e que foi complementado por diversos atos, leis e<br />

<strong>de</strong>cretos que atingiram em cheio as representações estudantis.<br />

(...) os Atos do Comando Supremo da Revolução, que cassavam os direitos<br />

políticos, civis e militares oposicionistas; a Lei nº 4.464/64 (Lei Suplicy), que<br />

proibia a organização política estudantil; a Lei nº 4.341/64, responsável pela<br />

criação do Serviço Nacional <strong>de</strong> Informação (SNI); o Decreto-Lei nº 314/67, que<br />

90


<strong>de</strong>finia os crimes contra a segurança nacional e a or<strong>de</strong>m política e social; a Lei <strong>de</strong><br />

Imprensa, <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1967, que regulava a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação do<br />

pensamento e <strong>de</strong> informação; o Decreto-Lei nº 359 /68, que instituía a Comissão<br />

Geral <strong>de</strong> Investigações; O Decreto-Lei nº 459/69, que criou a Comissão Geral <strong>de</strong><br />

Inquérito Policial- Militar; o Decreto-Lei 477/69, que dispunha sobre infrações<br />

disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados <strong>de</strong><br />

estabelecimentos <strong>de</strong> ensino; o Decreto-Lei nº 1.007/70, o qual estipulava a<br />

censura prévia <strong>de</strong> livros e periódicos, <strong>de</strong>ntre outras arbitrarieda<strong>de</strong>s (MOREIRA<br />

ALVES, 1984, p.131).<br />

A <strong>de</strong>cretação do AI-5 em 1968 e do <strong>de</strong>creto 477 endurecem a perseguição aos<br />

opositores do regime e, em especial liquida com organizações estudantis.<br />

O AI-5 e o <strong>de</strong>creto 477, que visava controlar e impedir a ação política dos<br />

estudantes, restauraram o recuo massivo, tornando o movimento exposto e<br />

vulnerável. O distanciamento entre a “vanguarda” e as “bases” era conseqüência<br />

da disposição das li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> canalizar as “massas” <strong>para</strong> manifestações<br />

passivas e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “ações exemplares”, levando a um comportamento<br />

militarista que “arrastava a tudo e a todos” (<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Jean Marc Von Der<br />

Weid apud Santos, 1980, p.83). 31<br />

Este tema tem sido bastante explorado recentemente pela literatura nacional, com<br />

<strong>de</strong>staque <strong>para</strong> os anos <strong>de</strong> 2004 e 2008 quando se comemoraram os 40 anos do golpe e do<br />

maio <strong>de</strong> 1968, respectivamente. De um modo geral, o que se percebe é que naquele<br />

momento, os jovens estudantes que estavam envolvidos com o movimento estudantil<br />

tinham duas alternativas: assumiam o abandono da luta política, frente ao medo da<br />

repressão, avaliando a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucesso naquele momento, ou, inspirando-se em<br />

Guevara, Mao e outros ídolos da maior parte <strong>de</strong>stes jovens da esquerda dos anos sessenta,<br />

optavam pela luta armada e o enfrentamento nas guerrilhas urbanas ou nas áreas rurais, cuja<br />

mais famosa foi a Guerrilha do Araguaia. Observamos em nosso estudo, entretanto, que<br />

outras ações foram implementadas no sentido <strong>de</strong> resistência ao golpe, as quais não se<br />

coadunam com nenhuma das perspectivas acima. Muitos estudantes resistiram sem pegar<br />

em armas, mas através <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> ação como, por exemplo, as reflexões críticas<br />

construídas nas manifestações artísticas <strong>de</strong> forma geral, encontradas entre os estudantes da<br />

ETFBA.<br />

A década <strong>de</strong> 70 caracterizou-se por ser um momento <strong>de</strong> endurecimento do regime e,<br />

<strong>de</strong> outro, foi o cenário do processo <strong>de</strong> abertura política. Maria Paula Araújo (2004, p.161)<br />

afirma que<br />

31 Este trecho, com suas aspas é uma citação <strong>de</strong> Souza (1999:40)<br />

91


O con<strong>texto</strong> da luta <strong>de</strong>mocrática se <strong>de</strong>finiu após a <strong>de</strong>rrota política e militar da<br />

experiência da luta armada quando as esquerdas brasileiras se reorganizaram em<br />

torno <strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong> luta pelas liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas, ajudando a<br />

constituir e, em muitos casos a li<strong>de</strong>rar, um amplo campo <strong>de</strong> oposição política a<br />

ditadura militar.<br />

Por um lado, em meados da década <strong>de</strong> 1970, o próprio regime buscava ampliar<br />

sua base <strong>de</strong> institucionalida<strong>de</strong>, iniciando durante o governo do general Geisel, a<br />

chamada “distensão” política. O governo começava a acenar com seu projeto <strong>de</strong><br />

“abertura lenta, gradual e segura” (ARAÚJO, 2004, p. 161).<br />

Esta autora consi<strong>de</strong>ra que o momento se caracterizava por uma conjuntura marcada<br />

por dois pólos: <strong>de</strong> um lado, a abertura proposta pelo governo e, do outro, a atuação da<br />

oposição, buscando alternativas ao regime militar. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong>finição em<br />

<strong>de</strong>corrência da <strong>de</strong>rrota da luta armada era uma imposição à esquerda. A autocrítica da luta<br />

armada, principalmente após o golpe no Chile, propiciado pelos <strong>de</strong>bates entre militantes<br />

exilados <strong>de</strong> várias organizações diferentes, extrapola <strong>para</strong> diversos países, concentrando-se<br />

mais fortemente na França. 32<br />

Surgem várias publicações voltadas ao <strong>de</strong>bate e a auto-avaliação dos militantes,<br />

como, por exemplo, a revista Brasil Socialista. Estas publicações apresentavam editoriais<br />

com críticas ao reformismo, autocrítica da luta armada e da conjuntura <strong>de</strong> distensão política,<br />

a qual na visão <strong>de</strong> alguns institucionalizava a ditadura. O ambiente <strong>de</strong> abertura, entretanto,<br />

levou alguns dos seus editores à proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da <strong>de</strong>mocracia a partir da luta pela<br />

conquista dos direitos <strong>de</strong>mocráticos, das liberda<strong>de</strong>s políticas e sindicais e <strong>de</strong> organização e<br />

expressão.<br />

O <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong>stas reflexões é marcado pela entrada <strong>de</strong> novas organizações<br />

que até então <strong>de</strong>fendiam a luta armada, como por exemplo, o MR-8 e outros grupos<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que existiam <strong>de</strong>ntro do movimento estudantil, que passam a aceitar a luta<br />

política como alternativa <strong>de</strong> mudança. Segundo esta autora<br />

(...) entre 1975 e 1976, <strong>texto</strong>s e documentos do Movimento Estudantil passaram a<br />

circular nas universida<strong>de</strong>s acompanhando as posições preconizadas pelo Brasil<br />

Socialista. O grupo Refazendo, do movimento estudantil paulista, li<strong>de</strong>rança do<br />

Diretório Central dos Estudantes da USP lançava, no final <strong>de</strong> 1978, sua Proposta<br />

<strong>para</strong> o Movimento Estudantil. A plataforma <strong>de</strong> lutas apresentada pelos – e <strong>para</strong> –<br />

os estudantes era uma plataforma <strong>de</strong> lutas <strong>de</strong>mocráticas: anistia ampla, geral e<br />

irrestrita; fim do aparelho e da legislação repressiva; eleições livres e diretas;<br />

direito <strong>de</strong> greve; liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização, expressão e manifestação política etc.<br />

(ARAÚJO, 2004 p. 165).<br />

32 Sobre este aspecto a autora expõe em artigo intitulado “A luta <strong>de</strong>mocrática contra o regime militar na década<br />

<strong>de</strong> 70” algumas dos principais grupos que compunham esta oposição, bem como cita a “Revista Brasil<br />

Socialista” produzida na França e que chegava clan<strong>de</strong>stinamente ao país, como um importante espaço <strong>de</strong><br />

formulação <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>bate. Desta revista faziam parte o MR-8, a POLOP, APML, MEP entre outros, bem como<br />

organizações latino americanas, cujo objetivo também era voltado <strong>para</strong> uma revolução socialista, como o MIR<br />

chileno, e o MIR boliviano.<br />

92


Na segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 70 predomina a chamada “Esquerda<br />

Revolucionária”, conforme <strong>de</strong>screvemos acima. Uma articulação entre vários grupos à<br />

esquerda, os quais criam um amplo campo <strong>de</strong> ação, coesos em torno da luta <strong>de</strong>mocrática.<br />

Embora houvesse diferentes concepções no interior do bloco, esta articulação permitiu que<br />

o movimento civil contrário a ditadura fosse se somando a outros setores e ganhasse<br />

expressão.<br />

Entre os atores que ganham <strong>de</strong>staque nesta nova cena política está o MDB, vitorioso<br />

nas eleições <strong>de</strong> 1974, a Igreja Católica, com importante papel na <strong>de</strong>fesa dos direitos<br />

humanos e o Movimento Estudantil, o qual, segundo Araújo, “foi um dos gran<strong>de</strong>s<br />

responsáveis pela retomada das mobilizações políticas, inclusive recuperando o espaço das<br />

ruas” (ARAUJO, 2004, p. 167).<br />

O ME estava assim envolvido em uma dupla luta: pela reconstrução <strong>de</strong> sua entida<strong>de</strong><br />

representativa e, acompanhando as organizações <strong>de</strong> esquerda, na luta pelas liberda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>mocráticas. Em 1977 os estudantes do Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo retornam às ruas,<br />

contra as prisões dos estudantes militantes do MEP (Movimento <strong>de</strong> Emancipação do<br />

Proletariado) e participam da criação do Comitê 1º <strong>de</strong> maio, respectivamente.<br />

A esta altura, setores da socieda<strong>de</strong> civil se unem ao MDB, a Igreja e ao ME. OAB,<br />

ABI, Sindicato dos Professores, IAB passam a expressar publicamente seu repúdio ao<br />

regime militar. Há uma ampliação do espaço <strong>de</strong> ação das associações <strong>de</strong> moradores 33 e os<br />

movimentos sociais vinculados às questões como moradia, transporte coletivo e cidadania,<br />

tendo em comum o combate à ditadura militar. O movimento sindical ganhava corpo no<br />

ABC paulista. Chamado <strong>de</strong> novo sindicalismo, era beneficiado pela nova conjuntura e pelo<br />

espaço criado pela oposição, voltando a realizar campanhas salariais e greves.<br />

Por outro lado, este foi um período marcado por uma mo<strong>de</strong>rnização, que modificou<br />

o or<strong>de</strong>namento das classes, ocorrendo uma relativa autonomia do voto das classes<br />

subalternas, a ampliação do sindicalismo rural e a ruptura do sindicalismo industrial com a<br />

CLT. Outro aspecto importante na visão <strong>de</strong> Janice Souza é o papel do trabalho como<br />

realida<strong>de</strong> na vida <strong>de</strong> muitos jovens estudantes.<br />

Até o final da década <strong>de</strong> 60 e início da <strong>de</strong> 70, os jovens estudantes, ginasianos,<br />

secundaristas ou universitários, incorporados ao sistema educacional, e os jovens<br />

trabalhadores, subocupados ou <strong>de</strong>socupados, pertenciam a setores sociais<br />

distintos. Os primeiros pertenciam aos setores médio e alto; os segundos, aos<br />

setores populares e pobres. Isso <strong>de</strong>monstra o caráter mais afunilado da pirâmi<strong>de</strong><br />

33 È necessário dizer que nem todas as associações <strong>de</strong> bairro estavam vinculadas aos partidos <strong>de</strong> esquerda.<br />

Muitas <strong>de</strong>las agiam segundo parâmetros da or<strong>de</strong>m estabelecida e não assumiam como ban<strong>de</strong>ira a luta pelas<br />

conquistas <strong>de</strong>mocráticas, mas sim, a solução <strong>de</strong> seus problemas mais imediatos.<br />

93


educacional do período. Gradativamente, porém, quando aproximavam-se da<br />

escola, o trabalho passava a ser uma necessida<strong>de</strong>, uma vez que, <strong>para</strong> permanecer<br />

no sistema educativo eles precisavam exercer conjuntamente uma ativida<strong>de</strong><br />

remunerada (SOUZA, 1999 p.47).<br />

Neste cenário, nos perguntamos, assim como Souza, quem foram os estudantes<br />

militantes que atuaram neste período <strong>de</strong> “abertura política” e <strong>de</strong> luta contra a ditadura? A<br />

autora afirma que, historicamente, a militância organizada sempre contou com um número<br />

restrito <strong>de</strong> ativistas, a não ser nos momentos <strong>de</strong> maior efervescência, como nos anos 30 e<br />

60. Deste modo, o ressurgimento do movimento a partir do primeiro congresso da UNE<br />

ocorrido em 1979 em Salvador não possuía mais o mesmo ímpeto e a mesma força dos que<br />

ocorreram nos anos 60. A militarização da vida social que havia atingido os estudantes, não<br />

permitiu uma recuperação do ME durante a “abertura” e os jovens seguiram o caminho<br />

possível na tímida reorganização do movimento e na participação em outros movimentos<br />

sociais.<br />

A “abertura política”, <strong>para</strong> Souza, estava traçada <strong>para</strong> a geração seguinte, a qual<br />

levaria em si “as marcas <strong>de</strong> uma sociabilida<strong>de</strong> fragmentada e repleta <strong>de</strong> inseguranças”<br />

(SOUZA, 1999, p.45). Deste modo, a situação <strong>de</strong> autoritarismo vigente neste período<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou uma brutalida<strong>de</strong> em todos os níveis da vida social. On<strong>de</strong> o público se<br />

constituiu disseminando o individualismo e a falta <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> na vida cotidiana, na<br />

escola, no trabalho, e nas <strong>de</strong>mais relações pessoais.<br />

Três razões são apontadas por Souza <strong>para</strong> a impossibilida<strong>de</strong> do ME se estruturar nos<br />

mol<strong>de</strong>s anteriores. Em primeiro lugar, a mudança em curso na socieda<strong>de</strong> e nos próprios<br />

estudantes, buscando junto às classes populares novas formas <strong>de</strong> organização, como nos<br />

movimentos populares urbanos, por exemplo. Em segundo lugar, a fragmentação impedia o<br />

estudante <strong>de</strong> se reconhecer como categoria social. Ele se torna alguém em busca <strong>de</strong> um<br />

futuro profissional e o estudo como uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ascensão social. Em terceiro<br />

lugar, o ME não po<strong>de</strong>ria ser mais dirigido nos mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> 1960, a socieda<strong>de</strong> mudou, e as<br />

experiências vividas na ditadura fizeram com que todos mudassem também.<br />

Não nos cabe <strong>aqui</strong> julgar ou apresentar juízos <strong>de</strong> valor acerca <strong>de</strong>stes jovens. O que<br />

nos importa é refletir que o modo como a ditadura agiu sobre os estudantes durante estes 20<br />

anos <strong>de</strong> regime militar, não po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rado na análise da juventu<strong>de</strong><br />

imediatamente posterior ao período ditatorial. Em que pese o senso comum avaliar o jovem<br />

pós 64, como passivo e não dado as discussões políticas, compreen<strong>de</strong>mos que esta postura é<br />

uma construção social, e que este comportamento resulta das suas leituras <strong>de</strong> vida. Estes<br />

94


que nasceram e tiveram parte da sua infância e adolescência sob os auspícios “invisíveis” da<br />

censura e do pensamento único.<br />

Segundo a professora Janice Souza (1999), os jovens dos anos 80 e 90 viveram uma<br />

juventu<strong>de</strong> distante das gran<strong>de</strong>s utopias transformadoras, neste sentido, é preciso rever as<br />

opiniões do senso comum <strong>de</strong> que ele “aparece conformado, <strong>de</strong>monstrando uma rebeldia<br />

insuficiente <strong>para</strong> intervir como segmento significativo da socieda<strong>de</strong>”. Concordamos com a<br />

autora que, a partir da realida<strong>de</strong> concreta que lhe foi dada, construiu seus valores na<br />

interação com esta socieda<strong>de</strong>, com o universo cultural, social e econômico em que foi<br />

gestado.<br />

O fenômeno <strong>de</strong> ampliação dos movimentos sociais, a partir dos anos setenta<br />

estabelece uma série <strong>de</strong> novas instâncias <strong>de</strong> luta, on<strong>de</strong> além da questão da classe e da<br />

organização dos trabalhadores, aponta <strong>para</strong> outras questões como a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, o gênero, a<br />

etnia e a própria exclusão social evi<strong>de</strong>nciada pelos sem terra, sem teto, sem educação etc. os<br />

quais terão presença maciça <strong>de</strong> muitos jovens.<br />

Para Mesquita, o movimento estudantil que antes aparecia como principal espaço <strong>de</strong><br />

participação política dos jovens vem sendo substituído por novas formas <strong>de</strong> ação política e,<br />

por isso,<br />

(...) <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar que, diferentemente das décadas passadas – on<strong>de</strong> o<br />

movimento estudantil era o único canal <strong>de</strong> expressão política dos jovens –,<br />

atualmente, os estudantes contam com múltiplos e diferenciados canais. Muitos<br />

<strong>de</strong>les sinalizam a emergência <strong>de</strong> novos atores juvenis que atuam nos mais<br />

diversos campos, discutindo e construindo coletivamente políticas públicas que<br />

atendam as suas necessida<strong>de</strong>s. As ONG’s, os movimentos juvenis <strong>de</strong> cunho<br />

cultural, etc., são espaços outros <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong>stes jovens no cenário que se<br />

apresenta (MESQUITA, 2003, p.2).<br />

Este autor consi<strong>de</strong>ra que o movimento estudantil atual absorveu uma série <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mandas dos novos movimentos sociais e, portanto, <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado em sua<br />

pluralida<strong>de</strong>.<br />

Além do aparecimento das diversas expressões estudantis, surgem também <strong>de</strong><br />

maneira expressiva temas mais amplos como a discussão da cultura, do meio<br />

ambiente, da paz, dos movimentos <strong>de</strong> minoria, entre outros. Porém, apesar disso,<br />

o movimento estudantil não consegue aglutinar boa parte dos estudantes, seja na<br />

realização <strong>de</strong> suas assembléias, seja nas passeatas etc.<br />

O movimento passa assim, por uma crise <strong>de</strong> representativida<strong>de</strong> e organicida<strong>de</strong><br />

que se manifesta na sua intervenção fragmentada e na pouca expressivida<strong>de</strong> entre<br />

os estudantes. Existem momentos em que esta crise se põe mais em evidência que<br />

outros (MESQUITA, 2003, p.05).<br />

95


Os secundaristas soteropolitanos têm sido protagonistas <strong>de</strong> vários eventos como<br />

dissemos antes, <strong>de</strong>ste modo, embora em ações pontuadas, mostram uma força <strong>de</strong><br />

aglutinação não apenas nas lutas pela redução dos valores das passagens como também<br />

pela conquista <strong>de</strong> um ensino <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e por professores nas salas <strong>de</strong> aula.<br />

2.2 O Movimento Estudantil Secundarista<br />

Pensar o ME brasileiro não é uma novida<strong>de</strong> na aca<strong>de</strong>mia. Entretanto, ao buscar<br />

refletir sobre o estudante secundarista nos <strong>de</strong><strong>para</strong>mos com algumas dificulda<strong>de</strong>s. Em<br />

primeiro lugar, gran<strong>de</strong> parte dos estudos realizados se refere ao estudante universitário e ao<br />

período <strong>de</strong> 1960 a 1968, voltando-se principalmente <strong>para</strong> o con<strong>texto</strong> que antece<strong>de</strong> os<br />

acontecimentos ocorridos durante o período do regime militar. Con<strong>texto</strong> este em que o<br />

estudante universitário assume um papel <strong>de</strong> protagonista, reivindicando uma série <strong>de</strong><br />

mudanças na socieda<strong>de</strong> brasileira, em especial na estrutura da universida<strong>de</strong>. A Reforma<br />

Universitária é o gran<strong>de</strong> tema do período, associada à influência que os partidos <strong>de</strong> esquerda<br />

vinham exercendo sobre o movimento, <strong>de</strong> proposta <strong>de</strong> uma transformação mais radical na<br />

própria socieda<strong>de</strong>.<br />

Em segundo lugar, embora muitos estudos afirmem a importância e a presença do<br />

estudante secundarista, não encontramos muitas análises do que significou <strong>de</strong> fato esta<br />

presença. Salvo raros estudos em sua maioria acerca do CAP (Colégio <strong>de</strong> Aplicação da<br />

UFRJ) e do Pedro II, também no Rio <strong>de</strong> Janeiro, há poucas pesquisas que indiquem a forma<br />

como a UMES (União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas) e a UBES (União<br />

Brasileira dos Estudantes Secundaristas) se organizaram naquele período enquanto<br />

instituição representativa dos estudantes.<br />

A UBES foi posta na ilegalida<strong>de</strong> em 1968, após a promulgação do AI-5. Desta<br />

forma, os estudantes tiveram que criar alternativas seguras <strong>para</strong> a realização dos seus<br />

congressos assim como ocorreu com a UNE e as entida<strong>de</strong>s estudantis estaduais e<br />

municipais.<br />

A UMES, como todas as entida<strong>de</strong>s estudantis daquele tempo, funcionava na<br />

ilegalida<strong>de</strong>. O golpe militar tinha proibido a UNE, a UBES e toda a estrutura que<br />

vinha por baixo <strong>de</strong>ssas entida<strong>de</strong>s gerais. Então, ela era uma ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> luta, e<br />

tinha uma base <strong>de</strong> simpatia <strong>de</strong>ntro das escolas e <strong>de</strong>ntro da opinião pública. 34<br />

34 Entrevista concedida por Bernardo Joffily, militante estudantil secundarista no Rio <strong>de</strong> Janeiro, Colégio André<br />

Maurois, período <strong>de</strong> 1964 a 1974.. Disponível em< http://www.memoriaestudantil.org.br><br />

96


Bernardo Joffily, militante estudantil secundarista em 1968, em entrevista concedida<br />

ao projeto <strong>de</strong> memória da UNE falou sobre as questões que moviam os estudantes<br />

secundaristas naquele período.<br />

Havia uma porção <strong>de</strong> questões, mas, sem sombra <strong>de</strong> dúvida, avultava uma, que<br />

era o problema da ditadura militar. A questão da liberda<strong>de</strong>, da <strong>de</strong>mocracia era<br />

muito forte entre nós. Lembro que, na época, o presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> plantão era o<br />

general Costa e Silva. Eu tinha 16 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, mas me lembro que arrumei um<br />

retrato, um pôster enorme do general Costa e Silva – que ele dava a todo mundo,<br />

<strong>para</strong> botar nas repartições públicas –, que preguei na porta do meu quarto <strong>para</strong><br />

aquela brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> setinha, <strong>de</strong> jogar dardo. Era esse um pouco o espírito <strong>de</strong><br />

toda uma geração, da minha geração, que não gostava da ditadura.<br />

Sobre a organização da UMES Joffily afirma que<br />

Ela tinha sido uma entida<strong>de</strong> legal antes <strong>de</strong> 1964, e havia perdido essa legalida<strong>de</strong><br />

por causa <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão truculenta do ministro da Educação, logo <strong>de</strong>pois do<br />

golpe. Era uma porção <strong>de</strong> secundaristas, como eu, que queriam lutar contra a<br />

ditadura e que mantinham contato com um certo número <strong>de</strong> colégios – não todos,<br />

certamente nem a maioria, mas os gran<strong>de</strong>s colégios do Rio. O André Maurois era<br />

um gran<strong>de</strong> colégio, o Pedro II, o Colégio <strong>de</strong> Aplicação, a Escola Técnica<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Os colégios maiores sempre tinham uma turma que agitava e levantava<br />

essas ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> luta e que, acredito, gozava pelo menos da simpatia da gran<strong>de</strong><br />

massa <strong>de</strong> estudantes e do povo da cida<strong>de</strong>, em geral.<br />

Gran<strong>de</strong> parte das informações obtidas na bibliografia sobre a organização do ME<br />

secundarista é através <strong>de</strong> fontes secundárias: observações e comentários feitos por<br />

estudiosos do ME universitário. Exceção feita aos trabalhos <strong>de</strong> (BOTELHO, 2006),<br />

(PATRÍCIO, 2007), (CARLOS, 2006), (HAUER, 2007), que dirigem seus estudos<br />

diretamente aos secundaristas.<br />

No entanto, a idéia <strong>de</strong> uma forte presença juvenil, com baixa ida<strong>de</strong>, indicada em<br />

alguns autores, nos permite afirmar a importância do secundarista <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento anterior<br />

ao golpe, seu enfrentamento e sua ação mais efetiva no período da transição e,<br />

posteriormente, no início século XXI. 35<br />

Não surpreen<strong>de</strong> que, a exceção <strong>de</strong> alguns gran<strong>de</strong>s lí<strong>de</strong>res (quadros mais maduros<br />

oriundos da hierarquia do PCB), a maioria dos militantes das organizações<br />

armadas fosse bastante jovem, quase toda ainda em ida<strong>de</strong> escolar (curso<br />

secundário ou universitário). Muito a propósito, a historiadora Alzira Alves <strong>de</strong><br />

Abreu realizou uma pesquisa sobre a geração <strong>de</strong> 1968 “que tinha entre 14 e 25<br />

anos ao optar por uma atuação política em que predominava a ação armada, com<br />

o fim <strong>de</strong> promover a revolução socialista no Brasil”, a partir do colégio <strong>de</strong><br />

Aplicação da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRJ) (ARAUJO, 2007,<br />

p.329-330).<br />

35<br />

Também o Sirkis, em obra já citada, apresenta a sua vivência <strong>de</strong> secundarista do Pedro II e o envolvimento<br />

com estudantes <strong>de</strong> outros colégios.<br />

97


Em terceiro lugar, a maior parte dos estudos divulgados nacionalmente enfatiza o<br />

ME no eixo Rio-São Paulo, ignorando o engajamento em outras regiões do país. Exceção<br />

<strong>para</strong> os estudos locais realizados pela pós-graduação da FFCH/UFBA <strong>de</strong>sconhecemos<br />

referências ao ME baiano a nível nacional. 36 Entre os estudiosos do tema em Salvador,<br />

Brito relata que um dos seus entrevistados comentou que:<br />

(...) os estudantes secundaristas eram mais “porraloucas” e, quando tomavam<br />

fôlego, passavam à frente dos universitários e dos partidos. Isso era resultado,<br />

segundo o entrevistado, do seu <strong>de</strong>scomprometimento com objetivos formais –<br />

como, por exemplo, a entrada no mercado <strong>de</strong> trabalho. Deste modo, eles seriam<br />

mais livres e teriam <strong>de</strong>senvolvido protestos contra uma medida muito mais<br />

próxima do cotidiano e que <strong>de</strong>spertou imensa energia militante, como foi a luta<br />

contra a Lei Orgânica <strong>de</strong> 1967 (BRITO, 2008, p. 194).<br />

Por fim, um fato diretamente relativo a este estudo. A justificativa <strong>de</strong> alguns autores<br />

que os anos 80 foram <strong>de</strong> refluxo do ME e, portanto, não houve gran<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> estudantil<br />

neste período. Para nós também <strong>aqui</strong> há divergências: o refluxo a nosso ver, não é do<br />

movimento estudantil secundarista, mas do ME universitário. Neste período, a mobilização<br />

<strong>de</strong> maior peso diz respeito aos estudantes secundaristas que travaram, embora<br />

especialmente a nível local, uma gran<strong>de</strong> batalha a fim <strong>de</strong> fazer valer a implantação dos<br />

grêmios em suas escolas, visto que em meados dos anos 80 foi aprovada a lei do grêmio.<br />

A partir <strong>de</strong> meados dos anos 70 se intensifica a luta pela implantação dos grêmios<br />

livres, e, mesmo após a aprovação da lei os estudantes se vêem impedidos <strong>de</strong> avançar na sua<br />

organização. Botelho (2006) enfatiza que a luta pela reativação dos grêmios estudantis não<br />

ocorreu sem conflitos e, inclusive, cabia à direção das escolas propiciar as condições a fim<br />

<strong>de</strong> que o alunado refundasse os grêmios sem a tutela existente nos centros cívicos. Ainda<br />

neste período, se <strong>de</strong>senvolveu um movimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização das escolas e os<br />

secundaristas também se mobilizaram <strong>para</strong> conquistar o direito <strong>de</strong> eleger os diretores. No<br />

caso das escolas técnicas esta luta ocorreu através da união <strong>de</strong> estudantes, professores e<br />

funcionários.<br />

Além da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> cunho mais interno referente aos grêmios<br />

estudantis, o estudante secundarista esteve à frente <strong>de</strong> outras mobilizações, relativas às<br />

36 Na UFRN (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Norte) tem havido nos últimos anos uma gran<strong>de</strong><br />

produção acerca do ME daquele estado, bem como há um grupo <strong>de</strong> estudos na UFS (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Sergipe). Estes trabalhos <strong>de</strong> pós-graduação são citados e encontram-se na referência no final <strong>de</strong>ste trabalho. O<br />

site da UNE apresenta <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> vários ex-presi<strong>de</strong>ntes. Muitos baianos presidiram a União, sendo,<br />

inclusive uma baiana a primeira mulher a assumir a direção da organização.<br />

98


questões da socieda<strong>de</strong> como um todo. Assim é, por exemplo, sua atuação permanente na<br />

discussão sobre as tarifas <strong>de</strong> ônibus. O aumento das passagens (dos bon<strong>de</strong>s) é uma questão<br />

que remonta a época imperial (POERNER, 2004).<br />

Entre 1987 e 1989, com a UNE esvaziada e <strong>para</strong>lisada por gran<strong>de</strong>s divisões<br />

internas, o cenário <strong>de</strong> lutas estudantis foi tomado pelos secundaristas, que, com<br />

seus jingles roqueiros e suas mochilas, saíram às ruas das gran<strong>de</strong>s capitais <strong>para</strong><br />

exigir a redução das mensalida<strong>de</strong>s e a melhoria do nível <strong>de</strong> ensino. Com ida<strong>de</strong>s<br />

entre 12 a 18 anos, a chamada “geração-mochila” queria, ainda, o fim das<br />

restrições a atuação e a existência nos seus grêmios – restrições que persistia,<br />

apesar da Lei do Grêmio livre, <strong>de</strong> 1985, também do <strong>de</strong>putado Aldo Arantes –<br />

meia passagem nos ônibus, reformas nas escolas e professores nas salas <strong>de</strong> aula<br />

(POERNER, 2004 p. 296).<br />

No caso <strong>de</strong> Salvador, a presença dos estudantes secundaristas à frente das passeatas<br />

em prol <strong>de</strong> soluções <strong>para</strong> o problema do transporte coletivo sempre foi bastante significativa<br />

e, muitas vezes li<strong>de</strong>rada por estes estudantes. Sua visibilida<strong>de</strong> também se expressa nos<br />

jornais da época, que passam a trazer reportagens acerca dos adolescentes, conforme<br />

verificamos no Jornal da Bahia (FORTES, 1989, P.09) enfatizando os novos valores que<br />

mobilizavam os jovens e apresentando Adélia Andra<strong>de</strong>, lí<strong>de</strong>r estudantil do Colégio Central<br />

e presi<strong>de</strong>nte da UMES naquele período, como a “lí<strong>de</strong>r dos tempos do rock”.<br />

Outro aspecto a ser ressaltado na reportagem é o caráter <strong>de</strong> gênero e a presença<br />

feminina, articulado à discussão sobre valores e comportamento juvenil que acrescenta à<br />

dimensão política outros elementos característicos da vida adolescente tais como a cultura e<br />

a sexualida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar aspectos relativos a presença do partido no movimento.<br />

2.3 Grêmio, Centro Cívico e Grêmio Novamente...<br />

A instituição do Centro Cívico escolar foi promulgada pelo Decreto Fe<strong>de</strong>ral nº<br />

68.065/71, que especifica em seu artigo 32:<br />

(...) nos estabelecimentos <strong>de</strong> qualquer nível <strong>de</strong> ensino, públicos e particulares será<br />

estimulada a criação do Centro Cívico, o qual funcionará sob assistência <strong>de</strong> um<br />

orientador, elemento docente <strong>de</strong>signado pelo diretor do estabelecimento e com<br />

diretoria eleita pelos alunos, no âmbito escolar, e a irradiação na comunida<strong>de</strong><br />

local das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> educação moral e cívica, e a cooperação na formação ou<br />

aperfeiçoamento do caráter do educando (CARLOS, 2006 p.14).<br />

O centro cívico, conforme po<strong>de</strong>mos observar foi criado durante o regime militar em<br />

substituição aos grêmios estudantis. Desta forma, os estudantes ficavam subordinados a um<br />

99


tutor que, como estabelecia o <strong>de</strong>creto, era <strong>de</strong>signado pela direção e tinha como função <strong>de</strong><br />

manter os alunos obedientes a lei.<br />

A organização das representações estudantis das escolas <strong>de</strong> Ensino Fundamental e<br />

Médio passou por profundas intervenções do estado, especialmente durante a ditadura<br />

militar. No período que antece<strong>de</strong> ao golpe, os estudantes secundaristas participavam do ME<br />

juntamente com os estudantes universitários. Segundo Aparecida Carlos eles tiveram forte<br />

atuação no cenário político nacional e também no CPC (Centro <strong>de</strong> Cultura Popular) da<br />

UNE, além <strong>de</strong> outros espaços e grupos<br />

(...) que eram compostos pela juventu<strong>de</strong> socialista e comunista ou envolvendo-se<br />

em programas <strong>de</strong> alfabetização, núcleos populares, praças <strong>de</strong> cultura, artes<br />

plásticas, cinema, música, publicações, festivais <strong>de</strong> cultura e outras ativida<strong>de</strong>s.<br />

Outro exemplo do movimento <strong>de</strong> estudantes secundaristas era a Ação Católica<br />

(AC) (CARLOS, 2006, p.29).<br />

Segundo a autora, os alunos eram convidados a participar <strong>de</strong>stes grupos quando se<br />

<strong>de</strong>stacavam como li<strong>de</strong>ranças em sala <strong>de</strong> aula ou na escola, <strong>de</strong>monstravam facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comunicação, disponibilida<strong>de</strong> e interesse <strong>para</strong> realizar tarefas extra-escolares. A Ação<br />

Católica possuía um grupo, a JEC (Juventu<strong>de</strong> Estudantil Católica), voltada a juventu<strong>de</strong> com<br />

ida<strong>de</strong> entre 12 a 16 anos, principalmente os que estudavam em escolas religiosas. Além<br />

disso, as <strong>de</strong>mais escolas (públicas e privadas), cuja organização estudantil era mediada<br />

pelos grêmios podiam se vincular a UBES, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas,<br />

fundada em 1948, e as organizações estaduais. Na Bahia, eram representados pela UMES<br />

(União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas).<br />

A UBES <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação lutou por melhores condições <strong>de</strong> estudos <strong>para</strong> os<br />

alunos carentes, reivindicando mais bolsas <strong>de</strong> ensino, <strong>de</strong>sconto no material<br />

didático, meio ingresso em eventos culturais e foi <strong>para</strong> as ruas, na década <strong>de</strong><br />

1950, junto com a UNE, AMES, UME e outras entida<strong>de</strong>s, na campanha do<br />

“Petróleo é Nosso”, mesmo a contragosto da direção da UNE, naquele período <strong>de</strong><br />

“domínio direitista” (HAUER,2007, p.93).<br />

Durante os anos 50 e 60 a UBES esteve em muitos movimentos. Em 1956 os<br />

estudantes <strong>de</strong> diversos colégios do Rio <strong>de</strong> Janeiro, como o Pedro II e a Escola Técnica<br />

fizeram a greve dos bon<strong>de</strong>s que <strong>para</strong>lisou a cida<strong>de</strong> por dois dias. Esse movimento coincidiu<br />

com a renúncia <strong>de</strong> Jânio Quadros, no dia 25 <strong>de</strong> agosto, o que fez o movimento mudar <strong>de</strong><br />

rumo e se relacionar à política nacional, levando à participação dos secundaristas,<br />

juntamente com a UNE, na Campanha da Legalida<strong>de</strong> que garantiu a posse do vicepresi<strong>de</strong>nte<br />

João Goulart após a renúncia <strong>de</strong> Jânio Quadros, em agosto <strong>de</strong> 1961 (HAUER,<br />

100


2007, p.94). Havia ainda a UNETI (União dos Estudantes Técnicos Industriais) que<br />

organizava o movimento estudantil das escolas técnicas 37 .<br />

Nesse momento há ascensão da AP e do Partido Comunista Brasileiro no ME,<br />

conforme mencionamos anteriormente. A luta pela reforma universitária atinge também as<br />

principais escolas secundárias do país e se <strong>de</strong>flagra uma greve estudantil, em 1962, que<br />

exigia a participação dos estudantes nos órgãos colegiados da Universida<strong>de</strong>, na base <strong>de</strong> um<br />

terço do colegiado, com direito a voz e voto. Os alunos e professores do Colégio Pedro II<br />

também iniciam reivindicações nesse sentido, visto que apenas os professores catedráticos<br />

podiam <strong>de</strong>liberar nas assembléias da escola.<br />

A partir <strong>de</strong> 1964, com a Lei Fe<strong>de</strong>ral 4464/64, conhecida como lei Suplicy <strong>de</strong><br />

Lacerda, as representações estudantis são modificadas, cria-se o Diretório Nacional em<br />

substituição a UNE e os Diretórios Estaduais substituindo a UEE (União Estadual dos<br />

Estudantes) e em 1967 com o Decreto-Lei Nº 228 <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1967 tornam-se<br />

ilegais a UNE e a UEE. Entretanto, o <strong>de</strong>creto que impõe um grau ainda maior <strong>de</strong><br />

endurecimento é o Decreto-Lei 477, diretamente relacionado ao AI-5. Este <strong>de</strong>creto marca o<br />

controle sobre os estudantes, professores e funcionários das escolas, bem como sobre a vida<br />

acadêmica dos estudantes.<br />

Art 1 o Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado<br />

<strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong> ensino público ou particular que:<br />

I - Alicie ou incite a <strong>de</strong>flagração <strong>de</strong> movimento que tenha por finalida<strong>de</strong> a<br />

<strong>para</strong>lização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> escolar ou participe nesse movimento;<br />

II - Atente contra pessoas ou bens, tanto em prédio ou instalações, <strong>de</strong> qualquer<br />

natureza, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> estabelecimentos <strong>de</strong> ensino, como fora <strong>de</strong>le;<br />

III - Pratique atos <strong>de</strong>stinados à organização <strong>de</strong> movimentos subversivos,<br />

passeatas, <strong>de</strong>sfiles ou comícios não autorizados, ou <strong>de</strong>le participe;<br />

IV - Conduza ou realiza, confeccione, imprima, tenha em <strong>de</strong>pósito, distribua<br />

material subversivo <strong>de</strong> qualquer natureza;<br />

V - Seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro do corpo<br />

docente, funcionário ou empregado <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong> ensino, agente <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong> ou aluno;<br />

VI - Use <strong>de</strong>pendência ou recinto escolar <strong>para</strong> fins <strong>de</strong> subversão ou <strong>para</strong> praticar<br />

ato contrário à moral ou à or<strong>de</strong>m pública.<br />

O controle alcançado com este <strong>de</strong>creto torna ilegal praticamente toda e qualquer<br />

ativida<strong>de</strong> política realizada pelos estudantes e <strong>de</strong>mais membros da instituição escolar. Além<br />

disso, em todas as instituições escolares haviam pessoas vinculadas ao regime com a função<br />

<strong>de</strong> indicar e <strong>de</strong>nunciar quem realizasse ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cunho subversivo.<br />

37 A informação acerca da UNETI foi dada por um dos entrevistados. Encontrei maiores referências a<br />

esta organização, em uma entrevista realizada com o Padre Sérgio Palombo em Belo Horizonte. Nos<br />

documentos do estudante da ETFBa também há como uma das ban<strong>de</strong>iras no início dos anos 80 a reconstrução<br />

da UNETI (Unida<strong>de</strong> e Democracia, 1981)<br />

101


Mas o controle não se dava apenas sobre a forma <strong>de</strong> organização estudantil ou da<br />

representação sindical, no caso dos professores e funcionários. O regime impôs as<br />

disciplinas Educação Moral e Cívica e OSPB (Organização Social e Política Brasileira),<br />

cujo programa era elaborado pela Comissão Nacional <strong>de</strong> Moral e Civismo (CNMC), a fim<br />

<strong>de</strong> manter um controle i<strong>de</strong>ológico sob os estudantes. Estas disciplinas substituíram a<br />

Sociologia e a Filosofia no currículo das escolas secundárias. Também foi introduzida a<br />

disciplina EPB (Estudo dos Problemas Brasileiros) no ensino superior, apelidada <strong>de</strong> “pra<br />

frente Brasil” pelos alunos, numa referência a propaganda i<strong>de</strong>ológica veiculada pelos<br />

dirigentes do regime. Estas disciplinas serão retiradas do currículo em 1993.<br />

Em 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1979 foi <strong>de</strong>cretada a lei fe<strong>de</strong>ral Nº 6680, que permitia que os<br />

grêmios fossem organizados, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que obe<strong>de</strong>cessem as legislações vigentes e mantivesse a<br />

presença <strong>de</strong> um membro do corpo docente <strong>para</strong> assisti-los. Segundo Angelina Bulcão<br />

(2007), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1964 as entida<strong>de</strong>s estudantis foram pulverizadas em suas representações. A<br />

UBES (nacional) e a UPES (estadual) sempre manteve os estudantes secundaristas<br />

mobilizados, somando-se aos universitários.<br />

Entretanto, ambas as representações estudantis sofreram um processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>smobilização e enfrentaram uma propaganda muito difundida nas escolas e universida<strong>de</strong>s<br />

que estudante tinha que estudar e não fazer política, sem falar dos efeitos dramáticos que a<br />

repressão causou em toda a geração estudantil <strong>de</strong>ste período. Mas em 1978 ocorre a<br />

primeira greve nacional dos professores durante a ditadura e uma <strong>para</strong>lisação <strong>de</strong> três dias<br />

pelos 12% na educação, mobilizando cerca <strong>de</strong> um milhão <strong>de</strong> estudantes, impulsionando a<br />

criação da UMES em Salvador, assim como <strong>de</strong> outras representações estudantis em vários<br />

estados da união.<br />

A análise do movimento secundarista no período proposto apresenta duas questões<br />

problemáticas diversas, mas que se complementam. De um lado, o regime autoritário impõe<br />

aos estudantes no interior das escolas uma legislação limitadora das ações e que impe<strong>de</strong> os<br />

estudantes <strong>de</strong> se manifestarem livremente. De outro lado, as divergências internas ao<br />

movimento estudantil, oriundas ainda do período anterior ao golpe também se acentuam na<br />

medida em que o movimento ganha mais liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação, por conta do processo <strong>de</strong><br />

abertura. Assim a reorganização o MS é caracterizada por uma disputa permanente <strong>de</strong><br />

espaço entre as diversas tendências que resistiram ao golpe e que se mantiveram no<br />

movimento estudantil <strong>de</strong> um modo mais geral.<br />

A reconstrução da entida<strong>de</strong> veio a partir <strong>de</strong> 1977. Algumas entida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> base conseguiram fortalecer-se nos chamados centros cívicos <strong>de</strong> algumas<br />

cida<strong>de</strong>s e começaram a reaparecer alguns grêmios e um movimento nacional pelo<br />

renascimento da UBES. A consolidação aconteceu com em 1981, em Curitiba.<br />

102


Numa situação precária e sem recursos, os estudantes iniciarão os <strong>de</strong>bates. A<br />

polícia chegou a invadir o Congresso com a cavalaria.<br />

“Diretas Já” e “Fora Collor”<br />

Em 1984, a UBES participou ativamente da campanha Diretas Já e apoiou<br />

a eleição <strong>de</strong> Tancredo Neves. O então presi<strong>de</strong>nte da entida<strong>de</strong> Apolinário Rebelo<br />

foi o primeiro a discursar no famoso Comício da Can<strong>de</strong>lária que reuniu um<br />

milhão <strong>de</strong> pessoas. Os estudantes pintaram o rosto <strong>de</strong> ver<strong>de</strong> e amarelo e foram<br />

<strong>para</strong> as ruas exigir a <strong>de</strong>mocracia <strong>de</strong> volta no país.<br />

Pouco tempo <strong>de</strong>pois, em 1992, ainda em fase <strong>de</strong> reestruturação, a UBES<br />

participou do movimento que ficou conhecido como o Fora Collor, com<br />

participação <strong>de</strong> vários seguimentos da socieda<strong>de</strong>. Os secundaristas eram maioria<br />

nas manifestações que ocorriam por todo país exigindo o impeachment do<br />

presi<strong>de</strong>nte 38 .<br />

Apenas em 1985 vai ser aprovada a Lei Nº 7398, conhecida como lei do grêmio<br />

livre 39 <strong>de</strong> 04 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1985, <strong>de</strong> autoria do <strong>de</strong>putado Aldo Arantes, lí<strong>de</strong>r estudantil<br />

cassado em 1968, que permitirá a livre organização dos estudantes sem a tutela <strong>de</strong> um<br />

professor. Entretanto, como dito anteriormente, cabia a escola propiciar o espaço <strong>de</strong><br />

organização dos estudantes, e muitos diretores, ainda vinculados ao regime, ou temerosos<br />

em virtu<strong>de</strong> dos anos <strong>de</strong> repressão e censura, dificultavam aos estudantes esta organização.<br />

Aparecida Carlos diferencia a Lei Nº 7398 da LDB <strong>de</strong> 1996. Segundo ela, enquanto<br />

a Lei <strong>de</strong> 1985 trata o grêmio como uma entida<strong>de</strong> representativa dos estudantes, a Lei Nº<br />

9493/96 refere-se ao grêmio como uma instituição. Assim chama a atenção <strong>para</strong> o fato que<br />

Embora instituição e entida<strong>de</strong> tratem <strong>de</strong> organizações sociais, com relação a<br />

palavra entida<strong>de</strong>, refere-se a uma união <strong>de</strong> pessoas, mas <strong>de</strong> maneira mais<br />

específica, pressupondo ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> indivíduos com objetivos<br />

comuns, envolvidos num processo <strong>de</strong> interação mais ou menos contínuo, que<br />

po<strong>de</strong>m fazer parte <strong>de</strong> organizações chamadas <strong>de</strong> “grupos <strong>de</strong> pressão” (CARLOS,<br />

2006, p.22).<br />

No caso dos grêmios estudantis esta autora consi<strong>de</strong>ra que eles po<strong>de</strong>m atuar como<br />

grupos <strong>de</strong> pressão <strong>de</strong>senvolvendo lutas que se manifestam em diversas instâncias, forçando<br />

as instituições escolares a reconhecer seus espaços legítimos <strong>de</strong> luta e confronto necessários<br />

as mudanças, como também atuar enquanto instituição, no sentido <strong>de</strong> reproduzir hierarquias<br />

sociais.<br />

Aparecida Carlos (2006) relata que as muitas resistências por parte das escolas<br />

abortaram o espírito inicial da atuação política dos grêmios, <strong>de</strong> modo que em seu trabalho<br />

acerca dos estudantes <strong>de</strong> Itapevi e Jandira, com escolas da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> São<br />

Paulo na década <strong>de</strong> 90, a autora levanta a hipótese <strong>de</strong> que o papel do grêmio atualmente tem<br />

servido mais <strong>para</strong> controlar, adaptar e conformar os indivíduos do que estimular o potencial<br />

38<br />

Estes informações foram extraídas do site da UNE.<br />

39<br />

Em anexo.<br />

103


crítico das entida<strong>de</strong>s escolares. Ela consi<strong>de</strong>ra que a partir do momento em que o grêmio é<br />

legalizado a organização passa a ser manipulada por diretores e professores, como algo à<br />

parte do sistema escolar e os alunos ficam a mercê da direção da escola ou <strong>de</strong> professores<br />

que possam lhes esclarecer sobre como proce<strong>de</strong>r na organização da entida<strong>de</strong>.<br />

Os secundaristas têm protagonizado diversas ações nos últimos anos sendo que<br />

Poerner <strong>de</strong>staca os estudantes soteropolitanos e os do Rio <strong>de</strong> Janeiro, como os que mais<br />

freqüentemente <strong>para</strong>lisam a cida<strong>de</strong> na luta por melhores condições <strong>de</strong> estudo e transporte.<br />

Além da participação dos “cara pintadas” no processo <strong>de</strong> “impeachment” do presi<strong>de</strong>nte<br />

Fernando Collor <strong>de</strong> Melo em 1992, que abrange praticamente todas as capitais dos estados e<br />

algumas importantes cida<strong>de</strong>s do interior.<br />

A UBES, assim como a UNE, apresenta uma trajetória <strong>de</strong> conflitos internos e<br />

disputa política permanente, chegando a ter no período <strong>de</strong> 1987 a 1992 dois órgãos<br />

representativos em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> um racha entre os militantes do MR-8 e da chapa<br />

majoritária da UJS em que o PC do B tinha maioria.<br />

Atualmente muitas uniões estaduais ou municipais apresentam páginas na Internet<br />

on<strong>de</strong> divulgam informações a fim <strong>de</strong> contribuir <strong>para</strong> organizar os grêmios escolares. Uma<br />

<strong>de</strong>stas contribuições é a Cartilha do Grêmio, que orienta os estudantes sobre como organizar<br />

suas representações, elaboração dos estatutos e <strong>de</strong>mais informações referentes à<br />

organização estudantil. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> estatuto proposto apresenta os seguintes objetivos ao<br />

seu funcionamento:<br />

1º- Congregar os estudantes da referida escola;<br />

2º- Defen<strong>de</strong>r os interesses individuais e coletivos dos estudantes;<br />

3º- Incentivar a cultura literária, artística, <strong>de</strong>sportiva e <strong>de</strong> lazer, bem como festas e<br />

excursões <strong>de</strong> seus membros;<br />

4º- Realizar intercâmbio e colaboração <strong>de</strong> caráter cultural, educacional, político,<br />

<strong>de</strong>sportivos e social com entida<strong>de</strong>s congêneres;<br />

5º- Pugnar pela a<strong>de</strong>quação do ensino às reais necessida<strong>de</strong>s da juventu<strong>de</strong> e do<br />

povo, bem como pelo ensino público, gratuito e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>para</strong> todos;<br />

6º- Lutar pela <strong>de</strong>mocracia permanente <strong>de</strong>ntro e fora da escola, através do direito<br />

<strong>de</strong> participação nos fóruns <strong>de</strong>liberativos a<strong>de</strong>quados. 40<br />

Neste mesmo site é possível conhecer a estrutura organizacional da entida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>finida nas seguintes instâncias <strong>de</strong>liberativas: A assembléia geral, o conselho <strong>de</strong><br />

representantes <strong>de</strong> turma e a diretoria do grêmio.<br />

40 Disponível no site da UNE/UBES <br />

acesso em 22/12/2007. Em anexo o Estatuto do grêmio<br />

livre.<br />

104


3 ARTE, POLÍTICA E MOVIMENTO ESTUDANTIL: AS MUITAS<br />

FORMAS DE RESISTÊNCIA AO AUTORITARISMO<br />

Embora durante a ditadura militar que vigorou no Brasil durante os anos <strong>de</strong> 1964 a<br />

1985 houvesse um processo <strong>de</strong> intensas restrições ao movimento estudantil, <strong>de</strong>correntes dos<br />

atos institucionais arbitrários a ele impostos, vimos que os estudantes não se abstiveram<br />

totalmente <strong>de</strong> organizar-se politicamente.<br />

Após suas instituições representativas serem postas na ilegalida<strong>de</strong>, uma parte <strong>de</strong>stes<br />

foi obrigada a exilar-se enquanto outros permaneceram no país optando pela luta armada ou<br />

eximindo-se <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> ação política. Em meados dos anos 70, estes estudantes,<br />

que continuaram no país, passam a buscar outras formas <strong>de</strong> organização com o intuito <strong>de</strong><br />

recriar o movimento.<br />

Neste con<strong>texto</strong>, i<strong>de</strong>ntificamos na Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia um importante<br />

espaço <strong>de</strong> reconstrução das representações estudantis e <strong>de</strong> resistência, que se amplia na<br />

medida em que o regime militar agoniza. As formas <strong>de</strong> ação, porém, não são inicialmente<br />

<strong>de</strong> um enfrentamento direto aos militares. Usando as armas do próprio regime, os estudantes<br />

passam a produzir através <strong>de</strong> seu órgão legal <strong>de</strong> representação, o Centro Cívico, ativida<strong>de</strong>s<br />

culturais, festivais <strong>de</strong> música e teatro, criando um novo modo <strong>de</strong> falar sobre seus<br />

sentimentos, e sobre as insatisfações geradas pelo silêncio imposto a toda a socieda<strong>de</strong>.<br />

A maneira pela qual os estudiosos passam a analisar o movimento <strong>de</strong>monstra a<br />

percepção que este sofre mudanças a fim <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar-se ao momento histórico e às<br />

condições permitidas da luta estudantil.<br />

Mesquita (2008), por exemplo, <strong>de</strong>fine o movimento pela sua pluralida<strong>de</strong>, pela<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressar-se nos vários grupos que potencializam o cotidiano dos estudantes.<br />

Deste modo,<br />

(...) não se limita as suas organizações estudantis e formais, mas se manifesta na<br />

própria dinâmica <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> interesses e pautas que – transformadas<br />

diariamente pela realida<strong>de</strong> estudantil – po<strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong> mobilizar os estudantes<br />

(MESQUITA, 2008).<br />

105


Enten<strong>de</strong>mos assim, que o movimento estudantil da ETFBA existiu durante todo o<br />

período <strong>de</strong> vigência do regime militar, embora nem sempre este movimento fosse visível a<br />

totalida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong>. Ele atuou objetivando alcançar a solução <strong>de</strong> problemas relativos a<br />

diversas questões inerentes ao ambiente escolar e suas <strong>de</strong>mandas internas, como a melhoria<br />

das condições <strong>de</strong> ensino, questionando o autoritarismo docente, utilizando-se <strong>de</strong><br />

manifestações artísticas. Posteriormente, quando se estabeleceu um vínculo entre o<br />

movimento dos estudantes e as questões sociais que estavam na pauta da socieda<strong>de</strong><br />

soteropolitana e brasileira, muitos estudantes passaram a incorporar as lutas da cida<strong>de</strong> em<br />

seus projetos políticos.<br />

Nossa percepção coaduna com a posição <strong>de</strong> Teixeira (1997) ao indicar que as<br />

formas <strong>de</strong> participação política, tem se efetivado <strong>de</strong> maneiras muito diversas, po<strong>de</strong>ndo<br />

variar em suas formas <strong>de</strong> ação.<br />

De outro lado, este movimento caracteriza-se pela forte presença do partido político<br />

em seu interior, passando a constituir-se em espaço privilegiado <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças<br />

<strong>para</strong> o movimento sindical ascen<strong>de</strong>nte no estado da Bahia. Conforme po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar<br />

na fala <strong>de</strong> um dos nossos entrevistados, membro do PC do B em 1979, acerca da sua<br />

presença no Partido Comunista do Brasil e do modo como estes estudantes eram vistos pelo<br />

mesmo no final dos anos 1970:<br />

O cara, estudante da escola técnica, que era o alvo do movimento sindical, que<br />

era d<strong>aqui</strong> que iam sair os operários do pólo e do Cia, e que era on<strong>de</strong> os partidos<br />

<strong>de</strong> esquerda queriam <strong>de</strong>positar suas reservas <strong>para</strong> po<strong>de</strong>r efetuar o movimento<br />

sindical, e respon<strong>de</strong>r aos problemas nacionais da ditadura militar. Então <strong>aqui</strong> era<br />

muito bem visto nessa história toda. E aí nesse processo <strong>de</strong> 78/79 houve essa<br />

procura maior... (estudante <strong>de</strong> Mecânica 1978/1981).<br />

Deste modo, os alunos da ETFBA assumem um importante papel na reconstrução<br />

do movimento estudantil secundarista baiano, integrando-se paulatinamente as <strong>de</strong>mandas<br />

mais gerais da socieda<strong>de</strong>, aglutinadas em torno dos movimentos sociais que ganha maior<br />

evidência no período, como os movimentos <strong>de</strong> luta pela moradia, contra a carestia,<br />

discriminação racial, dos direitos das mulheres e contra a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e a injustiça social e<br />

pelas “Diretas-Já” <strong>para</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />

Porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> este período já se i<strong>de</strong>ntifica no ME da ETFBA um grupo <strong>de</strong><br />

estudantes críticos à presença dos partidos políticos na escola. Alguns apresentam chapas<br />

alternativas a fim <strong>de</strong> concorrerem à li<strong>de</strong>rança do centro cívico, enquanto outros alegam não<br />

participar do ME por causa disso, são os in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que cada vez terão um papel mais<br />

106


significativo no interior do ME. Este fenômeno não é exclusivo da escola técnica e à<br />

medida que a década avança, vai englobar um número maior <strong>de</strong> estudantes.<br />

A arte foi inicialmente um dos principais espaços <strong>de</strong> protesto dos alunos. Embora<br />

nem sempre este protesto fosse claro às autorida<strong>de</strong>s escolares. Uma vez que o conteúdo das<br />

apresentações, das poesias e das músicas fosse carregado <strong>de</strong> simbolismos, muitas vezes <strong>de</strong><br />

compreensão acessível a poucos. A semana da cultura, realizada na escola anualmente, a<br />

partir do ano <strong>de</strong> 1975, constituiu-se em um dos principais eventos que oportunizava este<br />

tipo <strong>de</strong> ação. Embora, nem sempre fosse muito fácil burlar o sistema, uma vez que havia<br />

uma programação oficial da escola bastante organizada, no sentido <strong>de</strong> controlar o tipo <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong> que os alunos po<strong>de</strong>riam ou não <strong>de</strong>senvolver.<br />

A escola, <strong>de</strong> forma consciente ou não abarcava em seu interior as discussões que<br />

regiam o campo da sociologia da educação e do trabalho. Em seu cotidiano inseriu um<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> educação que po<strong>de</strong>ria ser compreendida no sentido da Politecnia 41 . A<br />

organização da escola com a presença <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> alto gabarito no campo do teatro,<br />

das artes plásticas e da música, <strong>de</strong> certa forma se contrapunha ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ensino<br />

tecnicista que vigorava no país a partir da Lei 5.692/71.<br />

Mas os alunos não participavam apenas dos grupos oficiais, que eram dirigidos por<br />

esses profissionais, como também criavam grupos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, os quais tinham como<br />

objetivo se contrapor à programação oficial e trazer ao alunado um <strong>texto</strong> mais próximo da<br />

realida<strong>de</strong> e das reflexões feitas. Ainda sob influência do ME dos anos sessenta, eles<br />

reproduziam o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> arte engajada que vigorou na esquerda brasileira, como o CPC<br />

(Centro <strong>de</strong> Cultura Popular) da UNE, por exemplo. Utilizando conteúdo da arte popular,<br />

mas atuando <strong>de</strong> modo a criticar o sistema social vigente, especialmente no interior da<br />

escola.<br />

O conteúdo dos poemas ia da insatisfação com a condição social, a repressão, o<br />

amor e as dúvidas pertinentes à juventu<strong>de</strong>. Temas do cotidiano aparecem nas poesias<br />

apresentadas pelos estudantes. Nossa observação é <strong>de</strong> que o estudante refletia também o<br />

con<strong>texto</strong> da arte popular em evidência no país a partir dos anos 60 e 70, on<strong>de</strong> novos<br />

conteúdos passam a constituir a música popular, o teatro e a literatura nacional. Aspectos<br />

que são relatados nas entrevistas e nos poemas, conforme vemos a seguir:<br />

41 José Rodrigues consi<strong>de</strong>ra que educação politécnica po<strong>de</strong> ser vista como concepção marxista <strong>de</strong> educação.<br />

Uma educação que envolve três princípios fundamentais: Educação intelectual, Educação corporal , através da<br />

prática <strong>de</strong> esportes e Educação tecnológica, que recolhe os princípios gerais e <strong>de</strong> caráter científico <strong>de</strong> todo o<br />

processo <strong>de</strong> produção e, ao mesmo tempo, inicia as crianças e os adolescentes no manejo <strong>de</strong> ferramentas<br />

elementares dos diversos ramos industriais.<br />

107


De mãos dadas 42<br />

Ailton Moreira<br />

Quando por fim levantares da tua cova imunda<br />

E chegar a ver on<strong>de</strong> te encontravas,<br />

Talvez venha a chegar a conclusão que na tua morte vegetavas<br />

Um olhar trôpego e vesgo é lançado sobre o teu sepulcro<br />

Pensam que éreis o máximo em vida e o olham na morte como mártir.<br />

Hipócritas que são. Não têem coragem <strong>de</strong> assumirem suas fraquezas<br />

E as refletem em seus atos inconseqüentes<br />

“Trabalhar.... Organizar!....<br />

Multidões amorfas trocam <strong>de</strong>satentas os calçados sujos,<br />

E as favelas, pense nela.... a favela!<br />

Querias uma forma <strong>de</strong> libertação, <strong>de</strong>fendidas a livre expressão,<br />

Brigaste muito, outrem achou que em vão<br />

Mas, mostraste-te ávido <strong>de</strong> sabedorias e lógicas e que dirigia as tuas ações.<br />

Capazes, fortes , <strong>de</strong>cididos, irrelutos!<br />

Trilhaste as sendas esparsas e mofaste numa vil escuridão<br />

Abocanhaste intrepidamente os teus i<strong>de</strong>ais,<br />

E os <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ste até extirpar a última<br />

Sílaba... sílaba... sílaba... sí-la-ba...<br />

Segundo Furtado (2004), ocorrem importantes mudanças na arte popular nacional,<br />

as quais sinalizam um percurso marcado por uma forma <strong>de</strong> fazer política que tem na arte<br />

um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> engajamento diferenciado do CPC da UNE, embora seja por este<br />

influenciado. A retomada das mobilizações <strong>de</strong> massa no final da década não ocorreu por<br />

geração espontânea tendo em vista que:<br />

Des<strong>de</strong> o início dos anos 70, na verda<strong>de</strong>, parecem acontecer alguns realinhamentos<br />

expressivos, a exemplo do que ocorre com importantes expoentes do outrora<br />

engajado “cinemanovista”, em suas relações com o regime militar e a<br />

Embrafilme, bem como surgem novos atores políticos e que expressam novas<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s urbanas, ainda que periféricas, e relativamente pouco exploradas pela<br />

historiografia até então (FURTADO, 2004, p.230).<br />

Este autor i<strong>de</strong>ntifica no sistema industrial em expansão uma nova expressão na<br />

música popular <strong>de</strong> temas como o individualismo, a competitivida<strong>de</strong> e a busca <strong>de</strong> realização<br />

através do trabalho, revelados como temas centrais da existência humana, embora<br />

insuficientes à plena realização do indivíduo. São exemplares <strong>de</strong>sta reflexão, o <strong>para</strong>lelo<br />

feito por Furtado entre a música “Capitão da Indústria” <strong>de</strong> 1972 e “Comida” <strong>de</strong> 1987 43 .<br />

42 Este poema faz parte do Ca<strong>de</strong>rno Literário da V Semana da Cultura da ETFBA , 24/09/1979.<br />

43 Ambas refletem a “necessida<strong>de</strong>” como algo que extrapola a solução dos problemas cotidianos, mas amplia as<br />

necessida<strong>de</strong>s <strong>para</strong> um campo mais subjetivo, <strong>de</strong> realização do individuo. “Necessida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sejo, vonta<strong>de</strong>” (Titãs,<br />

Comida, 1987). Para Furtado, esta mudança se verifica ainda na introdução <strong>de</strong> “personagens como o<br />

trabalhador <strong>de</strong> baixa qualificação, a empregada doméstica, o ambulante e o menor <strong>de</strong> rua” os quais parecem<br />

ganhar uma nova dimensão na cena pública, expressa, entre outros espaços, na produção cultural do período”<br />

(FURTADO, 2004, P.230).<br />

108


Por que trazemos <strong>aqui</strong> esta discussão? Porque durante a leitura dos poemas feitos<br />

<strong>para</strong> a Semana <strong>de</strong> Cultura pelos estudantes, bem como na peça “Joões e Patrões”,<br />

encontramos este elemento <strong>de</strong> arte popular narrado pelo autor, que confere ao trabalhador a<br />

consciência <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> explorado, bem como a expectativa <strong>de</strong> transformações<br />

sociais i<strong>de</strong>ntificada na poesia juvenil dos alunos da ETFBA.<br />

Além <strong>de</strong> manifestações artísticas, muitas vezes os estudantes <strong>de</strong>senvolveram<br />

características simbólicas que refletiam um espaço altamente criativo frente as ações<br />

arbitrárias dos gestores. Desta forma, a “Praça Vermelha” como é conhecido o pátio central,<br />

simbolizou ( e ainda simboliza), muito da atitu<strong>de</strong> contestatória gestada nos anos <strong>de</strong> regime<br />

militar.<br />

Sobre estes espaços simbólicos um aluno nos relatou que<br />

A Praça Vermelha. O chão vermelho. Quando eu cheguei já era Praça Vermelha.<br />

Os espaços eram consagrados. Em 86 consagrou a “aranha”, que as assembléias<br />

eram feitas ali, no movimento “Fora Rui Santos”, mas aquele auditório lá do<br />

segundo pavilhão era on<strong>de</strong> a gente fazia as assembléias, e a Praça Vermelha era<br />

quando a gente queria fazer agitação. Então armava essas bandas “Cascadura”,<br />

“Os feios”... Quando a gente queria fazer “esculhambação” a gente armava uma<br />

caixa <strong>de</strong> som, ali na frente com o microfone e cantava ali. O grêmio também fez<br />

algumas coisas na Praça Vermelha. E era <strong>aqui</strong> do lado, a saída <strong>de</strong> alunos era <strong>aqui</strong><br />

do lado. Botava o carro <strong>de</strong> som <strong>aqui</strong> e <strong>de</strong>scia todo mundo em passeata até a Praça<br />

Municipal ou Campo Gran<strong>de</strong> (Estudante <strong>de</strong> química. 1985/1990).<br />

.<br />

Consagrar espaços a contestação permitiu que em momentos muito diversos os<br />

estudantes ocupassem e dali fosse em direção aos eventos em que se integravam a outros<br />

estudantes ou manifestassem <strong>de</strong>sagrado por algum fato diretamente ligado à ETFBA.<br />

3.1 O Centro Cívico Santos Dumont (CCSD)<br />

Inicialmente, nos propomos a traçar um quadro explicativo da organização oficial<br />

dos estudantes, o Centro Cívico. Conforme exposto no capítulo 2, o Centro Cívico foi<br />

criado em substituição aos grêmios estudantis através do Decreto Fe<strong>de</strong>ral nº 68.065/71, que<br />

estabelece em seu artigo 32 que os centros cívicos serão criados em todas as escolas,<br />

funcionando sob assistência <strong>de</strong> um orientador, <strong>de</strong>signado pelo estabelecimento <strong>de</strong> ensino.<br />

Vinculado à legislação gerada durante o período repressivo <strong>de</strong> ditadura militar,<br />

prevaleceu na escola técnica até 1986, embora a Lei do Grêmio Livre tenha sido aprovada<br />

109


em 1985, pois os estudantes estavam envolvidos, segundo os entrevistados, com a luta pela<br />

saída do diretor no cargo há mais <strong>de</strong> 10 anos.<br />

O centro cívico, como o próprio nome indica, tem como prerrogativa principal dar<br />

continuida<strong>de</strong> à i<strong>de</strong>ologia vigente <strong>de</strong> estímulo ao patriotismo e <strong>de</strong> exacerbação da<br />

valorização aos símbolos nacionais. Além <strong>de</strong> reprimir o mo<strong>de</strong>lo anterior <strong>de</strong> organização<br />

estudantil, que atuava <strong>de</strong> forma mais autônoma e envolvida com a política da socieda<strong>de</strong>.<br />

Sendo assim, há uma expectativa que suas ações se <strong>de</strong>stinem à promoção <strong>de</strong> eventos<br />

cívicos, participação nas festivida<strong>de</strong>s da pátria, on<strong>de</strong> todo “conteúdo político” 44 seja<br />

abolido, bem como quaisquer referências a partidarismos. Dentro da escola estas ativida<strong>de</strong>s<br />

po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>scritas como hastear a ban<strong>de</strong>ira, participar do <strong>de</strong>sfile cívico da in<strong>de</strong>pendência,<br />

ou outras ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cunho cívico em que a instituição estivesse envolvida. Englobam<br />

ainda ativida<strong>de</strong>s esportivas estabelecidas por <strong>de</strong>creto do então ministro da educação<br />

conforme po<strong>de</strong>mos observar:<br />

O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, no uso <strong>de</strong> suas<br />

atribuições e consi<strong>de</strong>rando o que consta no Oficio nº 000.517-174 do<br />

Departamento <strong>de</strong> Ensino Médio e tendo em vista a competência do Departamento<br />

<strong>de</strong> Educação Física e Desportos, quanto à realização, às diretrizes e à<br />

regulamentação <strong>de</strong> jogos estudantis,<br />

RESOLVE:<br />

Recomendar a participação das Escolas Técnicas Fe<strong>de</strong>rais nos Jogos promovidos<br />

pelo Departamento <strong>de</strong> Educação Física e Desportos <strong>de</strong>ste Ministério, não mais<br />

sendo realizados, a partir do próximo exercício letivo, no âmbito dos referidos<br />

Estabelecimentos, os Jogos Estudantis Brasileiros <strong>de</strong> Ensino Médio – JEBEM<br />

(Diário Oficial da União, 19/02/1974). 45<br />

Em <strong>para</strong>lelo às ativida<strong>de</strong>s cívicas propriamente ditas, observamos um espaço <strong>para</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s esportivas, torneios, festivais <strong>de</strong> poesia, também voltadas à<br />

mesma função. O jornal JUVENTEC, <strong>de</strong> abril/junho <strong>de</strong> 1978, traz uma coluna intitulada<br />

“Momento Cívico” assinada pelo Professor José <strong>de</strong> Oliveira Coelho 46 , supervisor do Centro<br />

Cívico Santos Dumont (CCSD), da qual extraímos o seguinte trecho:<br />

Existem os preceitos legais normativos e institucionais dos Centros Cívicos, os<br />

quais, por sua ação altamente integradora, se constituem em instrumentos<br />

indispensáveis a uma eficiente administração do estabelecimento <strong>de</strong> ensino.<br />

44 A expectativa era <strong>de</strong> uma participação meramente cultural, como se fosse possível excluir a política da<br />

escola, ou política não fosse assunto <strong>de</strong> estudante.<br />

45 Disponível em <<br />

http://www.prolei.inep.gov.br/pesquisar.do?anoinicial=&anofinal=&indinicial=1430&indfinal=1439&mais=tru<br />

e&manter<strong>de</strong>limitador=349&<strong>de</strong>scricao=&tipodocumento=>. Acesso em 20/07/2009).<br />

46 Cabe ressaltar que o Professor Coelho, como se referem os alunos, era um militar, cuja função na escola era<br />

supervisionar as ativida<strong>de</strong>s do CCSD.<br />

110


Ao promover a aproximação mais direta entre alunos, professores e corpo<br />

administrativo se verifica a dimensão do clima <strong>de</strong> perfeito entendimento em que a<br />

disciplina é o resultado do estado <strong>de</strong> satisfação geral, todos conscientes dos seus<br />

<strong>de</strong>veres. Neste ponto aí está, senão o maior <strong>de</strong> todos os objetivos dos centros<br />

cívicos – porque o culto a Pátria <strong>de</strong>ve levar a palma, no <strong>de</strong>spertar do interesse<br />

pelas suas tradições mais caras e fatos que enobrecem e dignificam a História – o<br />

reconhecimento do valor <strong>de</strong> quão valioso é o clima do bom relacionamento entre<br />

os integrantes da unida<strong>de</strong> escolar. Ele dita a satisfação da convivência,<br />

produzindo a disciplina consciente. E já agora – não é por uma euforia vazia nem<br />

um ufanismo inócuo – muito nos orgulhamos da Pátria, da posição que ela<br />

<strong>de</strong>sfruta no cenário internacional (ETFBA, JUVENTEC, 1978, p.07). 47<br />

O espírito patriótico do artigo correspon<strong>de</strong> à i<strong>de</strong>ologia vigente. Um militar,<br />

supervisor do centro cívico, que traz com clareza os “preceitos normativos e institucionais<br />

do Centro Cívico”; “integração”, “clima <strong>de</strong> perfeito entendimento” e “disciplina” compõem<br />

o quadro da pátria orgulho, do nacionalismo exigido dos estudantes durante a ditadura.<br />

De modo <strong>para</strong>doxal, no caso da ETFBA, é exatamente na formação da direção do<br />

Centro Cívico e no modo como essa li<strong>de</strong>rança era constituída, que i<strong>de</strong>ntificamos um espaço<br />

que permitiu a construção do espaço <strong>de</strong> resistência dos estudantes, os quais, mesmo após os<br />

inúmeros <strong>de</strong>cretos que restringiam a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação dos estudantes, não foram<br />

completamente impedidos <strong>de</strong> permanecer lutando a fim <strong>de</strong> retomar os espaços perdidos da<br />

organização estudantil. Nos relatos dos estudantes entrevistados encontramos a seguinte<br />

afirmação:<br />

Não havia espaço <strong>para</strong> a gente se insurgir. (...) O foco <strong>de</strong> reunião política era o<br />

centro cívico, o centro cívico era o pessoal mais politizado, o pessoal da<br />

militância mesmo. Mas <strong>aqui</strong> tinha muitas tribos, tinha o pessoal dos esportes, a<br />

esquadrilha da fumaça. Mas naquela época era só maconha que se usava... Dentro<br />

da escola só a esquadrilha da fumaça que fumava... (Estudante <strong>de</strong> Geologia,<br />

1976/1980).<br />

O centro cívico da escola era então o espaço <strong>de</strong> construção da resistência e do<br />

protesto. Embora no primeiro momento este protesto se apresentasse <strong>de</strong> forma mais lúdica e<br />

artística, do que com elementos <strong>de</strong> conteúdo <strong>de</strong>claradamente político.<br />

47 JUVENTEC, ETFBA, abril-junho, ano 02, n.06, 1978<br />

O centro cívico era completamente baseado na eleição dos li<strong>de</strong>res <strong>de</strong> turma. Era<br />

a gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> referência <strong>para</strong> diretoria do centro cívico numa eleição<br />

indireta. Passei a ter contato com a li<strong>de</strong>rança do PCB que havia <strong>aqui</strong> na escola:<br />

Josias Pires, Almerico Lima etc. Meu contato com a política foi esse. O conselho<br />

<strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res era responsável pela eleição da diretoria do centro cívico. As<br />

ban<strong>de</strong>iras eram muito voltadas <strong>para</strong> <strong>de</strong>ntro da escola, a vivência era <strong>de</strong>ntro da<br />

escola. Na verda<strong>de</strong> o centro cívico era o gran<strong>de</strong> catalisador <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

111


culturais, então era o CC que organizava os festivais <strong>de</strong> teatro e dança o que era<br />

uma coisa mais ou menos típica daquela época que nós estamos falando do final<br />

da ditadura e isso não foi privilégio da gente, em outras escolas, na arte as<br />

pessoas <strong>de</strong>monstravam sua insatisfação através da arte ( Estudante <strong>de</strong> Mecânica,<br />

19 )<br />

É importante notar ainda que, inicialmente, o diálogo dos estudantes com as <strong>de</strong>mais<br />

instituições <strong>de</strong> ensino da cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> existia um movimento estudantil já instalado antes <strong>de</strong><br />

1964, não se dava rotineiramente. Muitos estudantes só reconheciam os militantes, quando<br />

ingressavam nos partidos proscritos e participavam das reuniões nas células (sempre<br />

clan<strong>de</strong>stinas e resguardadas por todo um sistema <strong>de</strong> segurança). A participação em tais<br />

reuniões ou o “recrutamento” <strong>para</strong> o partido, usando um jargão da época, se dava somente<br />

após uma aproximação e observação <strong>de</strong>morada do estudante.<br />

No meu tempo a gente não sabia <strong>de</strong> nada... Principalmente o pessoal mais jovem.<br />

O primeiro contato foi <strong>aqui</strong> com o centro cívico. O primeiro contato com algum<br />

movimento reivindicatório. O primeiro contato <strong>de</strong> fato foi o 1º <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1978.<br />

Que os estudantes se organizaram <strong>de</strong> alguma forma e fizeram uma peça <strong>de</strong> teatro<br />

e que houve proibição <strong>de</strong> ser feita no centro cívico. E nós fizemos <strong>aqui</strong> no pátio<br />

da escola em frente à cantina. E como alguns alunos ficaram com medo, face à<br />

repressão, sobrou uma pontinha nessa peça pra mim, não tinha nenhuma atração<br />

por teatro nem nada... Mas, como achei algo <strong>de</strong>safiador. Entrei pra fazer essa<br />

peça e foi a minha introdução no movimento, na política... Foi aí que tudo<br />

começou... (Estudante <strong>de</strong> Mecânica, 1978/1981).<br />

Sobre os <strong>de</strong>mais alunos, que não participavam do centro cívico mais diretamente,<br />

i<strong>de</strong>ntificamos nas entrevistas a existência dos que, embora à distância, apoiavam as ações<br />

dos lí<strong>de</strong>res, sendo solidários nos momentos <strong>de</strong> maior dificulda<strong>de</strong>, assim os músicos tinham<br />

um papel prepon<strong>de</strong>rante no sentido atrair os <strong>de</strong>mais estudantes <strong>para</strong> o movimento. Ele cita o<br />

exemplo <strong>de</strong> uma aluna e cantora<br />

(...) que fazia um sonzinho e violão. Essa figurinha era assim... Ela não era<br />

li<strong>de</strong>rança do movimento estudantil, mas era uma pessoa que estava dando apoio.<br />

Cantava quando a gente precisava <strong>de</strong> uma pessoa que cantasse e que tocasse pra<br />

po<strong>de</strong>r mobilizar o pessoal estava lá disponível (Estudante <strong>de</strong> Mecânica,<br />

1978/1981).<br />

Havia ainda aqueles que não participavam e se mantinham distantes, assumindo um<br />

posicionamento acrítico frente ao regime e ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão que vigorava na escola,<br />

112


fenômeno <strong>de</strong> certo modo esperado em um con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> repressão, conforme verificado nas<br />

entrevistas 48 .<br />

A escola refletia um espaço social mais amplo, <strong>de</strong>ste modo, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

opiniões e posicionamentos vigorou <strong>de</strong> forma natural. Aliado a este fato, a ida<strong>de</strong> com que a<br />

maioria dos alunos ingressava, em torno dos 15-16 anos, ainda sob domínio das famílias, e<br />

sem uma vivência política anterior, seja pela repressão, seja pela própria imaturida<strong>de</strong>,<br />

também merece ser consi<strong>de</strong>rada. Tendo em vista que algumas famílias mantinham um<br />

controle maior sobre seus filhos adolescentes. Outro aspecto a ser consi<strong>de</strong>rado é o ingresso<br />

<strong>de</strong> muitos adultos jovens entre os estudantes, os quais, embora já possuíssem o segundo<br />

grau, buscavam a escola visando uma qualificação profissional.<br />

3.2 Como a li<strong>de</strong>rança do Movimento Estudantil da ETFBA era constituída?<br />

Os lí<strong>de</strong>res estudantis da escola técnica, neste período, eram escolhidos através <strong>de</strong><br />

eleições que se iniciavam na sala <strong>de</strong> aula, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> cada turma 49 . Enquanto<br />

vigorava a Lei do Centro Cívico estes alunos, que representavam seus pares por turma, lí<strong>de</strong>r<br />

e vice-lí<strong>de</strong>r, tinham a prerrogativa <strong>de</strong> serem eleitos <strong>para</strong> diretor e vice-diretor do centro<br />

cívico, ou seja, as eleições eram indiretas e realizadas pelo colegiado <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res. Estes<br />

lí<strong>de</strong>res se reuniam ainda por cursos, promovendo encontros e discussões acerca das<br />

questões relativas a cada curso especificamente.<br />

Em documento produzido pelo SOE (Serviço <strong>de</strong> Orientação Educacional) intitulado<br />

“Eleições <strong>de</strong> Representantes <strong>de</strong> Turma” há uma orientação sobre todo o processo:<br />

Objetivando proporcionar aos alunos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolher os seus<br />

representantes <strong>de</strong> turma, <strong>de</strong> uma forma mais dinâmica e consciente, é que o<br />

Serviço <strong>de</strong> Orientação Educacional, junto aos supervisores, professores e Centro<br />

Cívico, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma linha única <strong>de</strong> ação, se propõe a efetivar a escolha, a<br />

orientação e acompanhamento <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong>stes representantes, <strong>de</strong> modo a<br />

possibilitar uma participação mais efetiva <strong>de</strong> todos os alunos na comunida<strong>de</strong><br />

escolar (sem data).<br />

Neste documento percebemos a postura da escola que se posiciona com um discurso<br />

<strong>de</strong> abertura e <strong>de</strong>mocracia, ao tempo em que fica evi<strong>de</strong>nte a tutela sob os alunos. Entretanto,<br />

48 Dentro do ME há sempre um grupo <strong>de</strong> estudantes que não participam. Em nenhum momento esta<br />

participação é <strong>de</strong> 100% dos mesmos, mesmo nos momentos <strong>de</strong> maior abertura política.<br />

49 O lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> turma estabelecia o diálogo entre sua turma e as coor<strong>de</strong>nações <strong>de</strong> curso. Tratavam dos problemas<br />

com professores, notas, discussões sobre o curso etc. reunia-se ainda em um colegiado <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res a fim <strong>de</strong><br />

discutir com os <strong>de</strong>mais lí<strong>de</strong>res os problemas do curso e da escola. Além dos lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> turma que compunham a<br />

colégio <strong>de</strong> alunos, havia ainda a figura do professor orientador, indicado por cada turma e o coor<strong>de</strong>nador do<br />

Centro Cívico que <strong>de</strong>veria estar ciente <strong>de</strong> todas as ativida<strong>de</strong>s propostas pelos alunos e encaminhá-las à diretoria<br />

quando fosse conveniente.<br />

113


conforme i<strong>de</strong>ntificado nos relatos, o SOE era um dos espaços <strong>de</strong> resistência ao<br />

autoritarismo, então sua postura <strong>de</strong> estímulo à participação não contradiz o posicionamento<br />

das orientadoras, sempre citadas como colaboradoras do movimento estudantil. Embora<br />

fique claramente expresso o caráter <strong>de</strong> tutela da instituição sobre os alunos. Mais adiante o<br />

documento apresenta:<br />

1. O que é um Representante <strong>de</strong> turma<br />

Um aluno capaz <strong>de</strong> representar os colegas perante a comunida<strong>de</strong> escolar<br />

i<strong>de</strong>ntificando, analisando e reivindicando <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong>mocrática, assuntos <strong>de</strong><br />

interesse da classe, junto aos setores competentes, propondo medidas que visem à<br />

melhoria do processo educacional.<br />

2. Qualida<strong>de</strong>s e requisitos exigidos <strong>para</strong> <strong>de</strong>sempenho da função:<br />

a) É condição imprescindível que o candidato não esteja repetindo o<br />

semestre, uma vez que este aluno necessita <strong>de</strong> maior tempo <strong>para</strong><br />

<strong>de</strong>dicação aos estudos.<br />

b) Iniciativa;<br />

c) Senso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>;<br />

d) Espírito <strong>de</strong> Grupo;<br />

e) Dinamismo;<br />

f) Comprometimento com o processo <strong>de</strong> aprendizagem <strong>de</strong> sua turma;<br />

g) Facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação.<br />

3. Atribuições dos representantes <strong>de</strong> turma<br />

a) Representar a turma quando solicitado pelos próprios colegas, por<br />

professores ou outros da escola;<br />

b) Transmitir <strong>para</strong> a classe as instruções recebidas ou comunicações<br />

afixadas nos quadros <strong>de</strong> avisos <strong>de</strong> interesse da turma;<br />

c) Criar mecanismos que favoreçam um bom relacionamento entre os<br />

colegas, bem como aluno X professor e aluno X setores;<br />

d) Encaminhar ao SOE, os colegas que necessitem <strong>de</strong> uma maior<br />

assistência por parte do setor.<br />

e) Participar das reuniões on<strong>de</strong> sejam tratados assuntos <strong>de</strong> interesse da<br />

turma, quando convocados;<br />

f) Analisar e discutir, junto aos colegas, assuntos <strong>de</strong> interesse da turma,<br />

propondo aos setores competentes, quando necessário, medidas que<br />

venham beneficiar a turma;<br />

g) Integrar o Conselho <strong>de</strong> Representantes <strong>de</strong> turma do CCSD.<br />

4. Diretrizes <strong>para</strong> a eleição <strong>de</strong> Representantes:<br />

1. Indicação por parte dos alunos, <strong>de</strong> candidatos que preencham os<br />

requisitos exigidos;<br />

2. Distribuição das cédulas;<br />

3. Realização da eleição;<br />

4. Apuração imediata na sala <strong>de</strong> aula, sendo eleito Representante, o aluno<br />

que obtiver o maior número <strong>de</strong> votos e vice-representante o 2º aluno mais<br />

votado.<br />

A escolha dos colegas legitimava a sua atuação como representante estudantil da<br />

instituição. O centro cívico era um órgão estudantil <strong>de</strong>limitado em suas ações a partir da<br />

legislação que extinguiu as antigas representações estudantis que vigoraram até 1968. O<br />

114


diretor podia vetar a chapa inscrita <strong>para</strong> eleição do centro cívico. Há pelo menos um relato<br />

<strong>de</strong> uma chapa que não pô<strong>de</strong> concorrer. Sua atuação era, portanto, limitada e impedia os<br />

estudantes <strong>de</strong> promoverem eventos com autonomia frente à direção escolar, a qual tinha<br />

inclusive um coor<strong>de</strong>nador, com a função <strong>de</strong> censurar as ações dos estudantes que<br />

porventura viessem a ser consi<strong>de</strong>radas subversivas.<br />

Fui da chapa vetada, junto com o (colega <strong>de</strong> metalurgia). Foi a primeira vez que<br />

vi Rui Santos, a segunda foi com a minha carteira assinada. Formávamos uma<br />

célula <strong>aqui</strong> na escola técnica e o objetivo do partido era qualificar a gente e a<br />

gente repercutir isso no universo do trabalho... (Estudante <strong>de</strong> Geologia,<br />

1976/1980).<br />

O coor<strong>de</strong>nador do centro cívico tinha o papel <strong>de</strong> censurar previamente todas as<br />

ativida<strong>de</strong>s propostas pelos estudantes. Todos os eventos promovidos pelo CCSD, como por<br />

exemplo, a colagem ou distribuição <strong>de</strong> panfletos, cartazes e informações. Tudo tinha que<br />

conter a assinatura do coor<strong>de</strong>nador. A passagem nas salas <strong>de</strong> aula <strong>para</strong> dar alguma<br />

informação, a promoção <strong>de</strong> eventos <strong>de</strong> qualquer or<strong>de</strong>m precisava <strong>de</strong> autorização prévia do<br />

coor<strong>de</strong>nador docente e às vezes este levava as solicitações <strong>para</strong> a diretoria, tendo em vista<br />

que sua autonomia era restrita e ele também se submetia ao órgão superior<br />

Esta característica inicial, <strong>de</strong> apenas os representantes <strong>de</strong> turma po<strong>de</strong>r ser eleitos<br />

<strong>para</strong> o CCSD, aparentemente passa ser questionada pelos alunos, conforme pu<strong>de</strong>mos<br />

verificar em ata <strong>de</strong> reunião <strong>de</strong> diretoria que discutia a reformulação do estatuto da entida<strong>de</strong>.<br />

Não encontramos documentos dos estudantes acerca da questão e entre os lí<strong>de</strong>res<br />

entrevistados, nenhum se lembrou <strong>de</strong> tal questionamento. Tendo em vista o fato <strong>de</strong> a<br />

representação estudantil ser marcadamente dominada pelos estudantes que possuíam<br />

vínculos partidários externos à escola, po<strong>de</strong>mos supor que tal reformulação favorecesse a<br />

diretoria da ETFBA no sentido <strong>de</strong> manter maior controle sobre os estudantes e, inclusive,<br />

colocar alunos que gozassem da sua confiança <strong>para</strong> participar da li<strong>de</strong>rança estudantil,<br />

retirando o foco das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cunho político <strong>para</strong> outras mais voltadas “aos verda<strong>de</strong>iros<br />

objetivos do centro cívico”.<br />

Não po<strong>de</strong>mos ignorar, entretanto, que neste momento histórico a ban<strong>de</strong>ira das<br />

eleições diretas é praticamente geral em nossa socieda<strong>de</strong>, especialmente no campo da<br />

educação on<strong>de</strong> muitas escolas passam a mobilizar-se a fim <strong>de</strong> eleger seus diretores,<br />

fenômeno que também ocorrerá na ETFBA em meados dos anos 80. Há ainda o fato <strong>de</strong><br />

outros grupos políticos estarem se organizando, <strong>de</strong> modo que havia uma disputa pela<br />

hegemonia do movimento na escola.<br />

115


O partido tinha uma estratégia. Tinha que ter o controle do aparelho. Era a época<br />

do surgimento do PT e nós taxávamos esse povo todo <strong>de</strong> “porra louca”... Um<br />

professor <strong>de</strong> letras da UFBA era ligado a LIBELU 50 . Nós taxávamos todos <strong>de</strong><br />

porra louca, esse povo ligado ao PT. (Estudante <strong>de</strong> Geologia, 1976/1980).<br />

Como relatado em pesquisa <strong>de</strong> Aparecida Carlos, os estudantes escolhidos por seus<br />

pares <strong>para</strong> li<strong>de</strong>rar suas turmas tinham algumas qualida<strong>de</strong>s que os diferenciava dos <strong>de</strong>mais.<br />

Eram alunos que se <strong>de</strong>stacavam por serem bons oradores, mantinham uma postura mais<br />

crítica e gozavam da confiança <strong>de</strong> boa parte da sua turma. Essas qualida<strong>de</strong>s posteriormente<br />

eram i<strong>de</strong>ntificadas por membros <strong>de</strong> partidos políticos que passavam a disputar o apoio<br />

<strong>de</strong>stes estudantes ou trazê-los <strong>para</strong> participar <strong>de</strong> suas reuniões, quando os mesmos<br />

<strong>de</strong>monstrassem serem dignos <strong>de</strong> confiança, uma vez que a ativida<strong>de</strong> político partidária era<br />

consi<strong>de</strong>rada uma ação subversiva.<br />

Cabe salientar que no período em que vigorou o Centro Cívico havia um gran<strong>de</strong><br />

controle sobre as ações dos estudantes, os quais, segundo relatos, precisavam realizar com<br />

cuidado suas ativida<strong>de</strong>s a fim <strong>de</strong> não incorrerem na legislação. Deste modo, ativida<strong>de</strong>s<br />

culturais marcavam as ações dos estudantes, como um espaço <strong>de</strong> resistência ao<br />

autoritarismo, tendo sido relatados diversos eventos em que o cunho artístico cultural era<br />

revertido em crítica e reflexão política.<br />

A exibição <strong>de</strong> filmes era também um dos espaços <strong>de</strong> subversão do sistema. Com a<br />

justificativa <strong>de</strong> assistir documentários e filmes educativos, os estudantes, passam a exibir no<br />

CCSD os filmes que até aquele momento eram proibidos, em <strong>de</strong>corrência da lei <strong>de</strong> censura,<br />

a qual é extinta <strong>de</strong> fato apenas em 1988, com a promulgação da nova Constituição. A<br />

exibição <strong>de</strong> filmes não era prerrogativa única dos estudantes da ETFBA. O DCE da UFBA<br />

é chamado a prestar esclarecimentos na justiça fe<strong>de</strong>ral por exibir “Je Vous Salue Marie”<br />

proibido pela censura. 51<br />

O teatro tornou-se também um espaço privilegiado <strong>de</strong> organização estudantil. Havia<br />

na escola um professor que dava formação <strong>para</strong> os alunos e, alguns estudantes acabaram por<br />

seguir o caminho artístico, <strong>de</strong>stacando-se pela sua atuação profissional. O grupo <strong>de</strong> teatro<br />

alternativo ao grupo oficial da escola, on<strong>de</strong> predominava a atuação dos membros do CCSD<br />

se chamava “Mandacaru” 52 , em alusão a planta nor<strong>de</strong>stina que sobrevive a seca. Um<br />

símbolo da resistência.<br />

50 Liberda<strong>de</strong> e Luta. Tendência presente no movimento estudantil, oriunda do ME paulista. Liberda<strong>de</strong> e Luta.<br />

51 Segundo reportagem do jornal A Tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 09 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1986, o diretor e outros membros do DCE foram à<br />

Polícia Fe<strong>de</strong>ral prestar esclarecimentos sobre a exibição do filme na se<strong>de</strong> do DCE e em outras escolas da<br />

universida<strong>de</strong>.<br />

52 Este grupo apresentou uma peça em 1980 no pátio da escola, pois embora autorizada pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral,<br />

não obtiveram permissão <strong>de</strong> fazê-la na sala do centro cívico. O original guardado por uma ex-aluna, membro<br />

116


Sobre a apresentação <strong>de</strong> uma peça <strong>de</strong>ste grupo há o seguinte relato em ata dos<br />

órgãos superiores:<br />

(...) Reportando aos comentários anteriormente feitos sobre o Grupo <strong>de</strong> Teatro,<br />

disse que convidou vários professores responsáveis pelos órgãos direcionais da<br />

escola <strong>para</strong> assistir a uma peça e dialogar com os alunos <strong>para</strong> saber por que eles<br />

usam uma linguagem agressiva falando que o grupo é muito bom e que aceita o<br />

diálogo, precisando, todavia <strong>de</strong> mais tempo <strong>para</strong> se chegar a uma conclusão sobre<br />

o assunto... (Livro <strong>de</strong> Atas <strong>de</strong> Reunião dos Órgãos Superiores, 13/05/1980, p.92).<br />

O teor da fala registrada em ata nos indica que, embora <strong>para</strong> os estudantes aquele<br />

fosse um momento <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> crítica, esta, entretanto, não era totalmente i<strong>de</strong>ntificada pela<br />

direção como uma ação política. Os alunos entrevistados, porém afirmam que todas as<br />

palavras contidas na peça eram pensadas a fim <strong>de</strong> estabelecer, simbolicamente um protesto<br />

contra a ditadura, e no caso específico <strong>de</strong>sta peça, contra a exploração da classe<br />

trabalhadora. Cada personagem era i<strong>de</strong>ntificado com um membro da diretoria, embora seus<br />

nomes fossem trocados.<br />

A Peça “Patrões e Joões” apresentada na Semana da Cultura <strong>de</strong> 1979 guarda ainda o<br />

carimbo da Polícia Fe<strong>de</strong>ral autorizando sua exibição. Nela, os alunos discutiram acerca da<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social entre os patrões e os empregados, a partir <strong>de</strong> uma criança doente cujo<br />

pai não tem apoio do patrão e que acaba por morrer.<br />

Embora as ativida<strong>de</strong>s políticas fossem bastante reprimidas pela diretoria, isto não<br />

impedia os alunos <strong>de</strong> realizarem atos bastante significativos a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar sua<br />

insatisfação com o regime. Mas até este momento a maior parte das ações se restringia ao<br />

ambiente interno da escola. Fora da mesma, os jovens em ativida<strong>de</strong>s políticas, não eram<br />

i<strong>de</strong>ntificados como estudantes da ETFBA, <strong>de</strong> modo que não havia um registro externo do<br />

ME da escola 53 . Um dos eventos que permitia tais acontecimentos era a Semana da<br />

Cultura 54 .<br />

Estas atitu<strong>de</strong>s repressoras eram gerais nas escolas da re<strong>de</strong> havendo indicações da<br />

existência <strong>de</strong> um diálogo entre os diretores das escolas técnicas a fim <strong>de</strong> obter informações<br />

sobre a melhor maneira <strong>de</strong> conduzir os estudantes. Os jornais <strong>de</strong> esquerda trazem matérias<br />

sobre esta questão:<br />

ESTUDANTES DE SC GANHAM AÇÃO NA JUSTIÇA<br />

do CCSD e do Grupo <strong>de</strong> Teatro Mandacaru possui um carimbo da Polícia Fe<strong>de</strong>ral autorizando a peça a ser<br />

apresentada.<br />

53 Entre os alunos entrevistados, um pelo menos teve sua ficha acessada posteriormente, e se surpreen<strong>de</strong>u ao<br />

saber que todos os seus passos eram acompanhados. Inclusive sua vida social, festas familiares, batizados etc.<br />

54 A semana da cultura contava com a presença <strong>de</strong> pessoas externas à escola, tais como autorida<strong>de</strong>s, pais,<br />

familiares dos alunos. A abertura ocorria com uma missa, havendo <strong>de</strong>sfile olímpico e com a banda <strong>de</strong> música e<br />

a banda marcial da escola pelo bairro do Barbalho.<br />

117


A Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina, em Florianópolis, permaneceu<br />

durante 10 anos com seu Centro Cívico – entida<strong>de</strong> dos alunos – ocupada por uma<br />

funcionária da instituição. Este ano, os alunos resolveram realizar eleições <strong>para</strong> a<br />

entida<strong>de</strong> e a chapa vencedora partiu <strong>para</strong> transformar a entida<strong>de</strong>, procurando fazêla<br />

servir aos verda<strong>de</strong>iros interesses dos estudantes. Foi realizada uma Semana<br />

Cultural e lançado um jornal – Opinião – que procurava <strong>de</strong>nunciar a catastrófica<br />

situação em que se encontra a educação, exigir e propor soluções <strong>para</strong> estes<br />

problemas. Mas o diretor da escola não gostou da mudança sofrida pela entida<strong>de</strong><br />

e resolveu punir, com <strong>de</strong>missão dos cargos, toda a diretoria do Centro. Sob<br />

alegação foi das mais arbitrarias: o jornal foi consi<strong>de</strong>rado “altamente crítico” e<br />

não <strong>de</strong>veria circular, pois o Centro cívico <strong>de</strong>stina-se a ativida<strong>de</strong>s cívicas,<br />

culturais, sociais e <strong>de</strong>sportivas.<br />

Além da <strong>de</strong>missão, duas alunas foram suspensas por três dias e o diretor resolveu<br />

chamar os pais dos responsáveis pelo jornal <strong>para</strong> explicar-lhes que: “estudante foi<br />

feito <strong>para</strong> estudar”. Com base em todas essas medidas, os estudantes resolveram<br />

entrar com um mandato <strong>de</strong> segurança na Justiça catarinense a fim <strong>de</strong> garantir o<br />

direito <strong>de</strong> manifestação dos estudantes <strong>de</strong>ntro da Escola. E conseguiram.<br />

Mas a resposta dos estudantes não parou por aí. Os acontecimentos foram levados<br />

ao <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral Walmor <strong>de</strong> Luca, que pronunciou discurso na Câmara dos<br />

Deputados, dirigindo-se ao Ministro da Educação, Eduardo Portela, on<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>nunciou a arbitrarieda<strong>de</strong> cometida pelo diretor da escola e exigindo providência<br />

por parte do titular da pasta da Educação <strong>para</strong> que acontecimentos como este não<br />

se repitam e que, neste caso, os responsáveis sejam punidos e que os alunos<br />

reintegrados ao Centro Cívico (Voz da Unida<strong>de</strong> 10/10 a 16/10/1980, página 12).<br />

Ao mesmo tempo em que ainda permanecem as atitu<strong>de</strong>s repressoras, os estudantes<br />

passam a contar com um apoio externo, até mesmo institucional <strong>para</strong> fazer valer suas<br />

reivindicações, conforme pu<strong>de</strong>mos verificar no caso acima.<br />

Havia encontros permanentes entre os diretores, o REDITEC (Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Diretores das<br />

Escolas Técnicas), oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discussão entre os mesmos a fim <strong>de</strong> tratar <strong>de</strong> problemas<br />

comuns. Nestas reuniões eles discutiam sobre a melhor forma <strong>de</strong> conduzir a escola, como<br />

manter controle sobre o Centro Cívico etc. Assim, o diretor da ETFBA, em reunião <strong>de</strong><br />

diretoria ao questionar sobre o andamento das pesquisas dos seus subordinados, comenta<br />

sobre o modo como a Escola Técnica do Maranhão conduz o seu centro cívico, vinculandoo<br />

ao Serviço <strong>de</strong> Orientação Educacional (SOE). 55<br />

Na ETFBA o SOE é <strong>de</strong>scrito pelos entrevistados, especialmente na primeira meta<strong>de</strong><br />

da década <strong>de</strong> 80, como um espaço <strong>de</strong> subversão do sistema. Era o SOE quem mediava a<br />

relação entre os estudantes e a escola (professores, direção, etc.). Gozavam <strong>de</strong> uma<br />

intimida<strong>de</strong> com os alunos e segundo relato <strong>de</strong> uma orientadora educacional da época, se<br />

contrapunha a Supervisão Educacional, que mediava os conflitos com professores.<br />

3.3 Os Professores e a resistência silenciosa<br />

55 Ao questionar a antiga orientadora do SOE do por que da ETFBA não vincular o CCSD ao SOE, ela riu e<br />

respon<strong>de</strong>u que a ETFBA não permitiria jamais este vínculo, em <strong>de</strong>corrência da posição política assumida pelas<br />

pedagogas.<br />

118


A partir dos anos setenta os professores começam também a organizar-se.<br />

I<strong>de</strong>ntificamos a ASSETEFEBA (Associação dos professores da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da<br />

Bahia) como um espaço inicial <strong>de</strong> organização dos mesmos. Segundo relato <strong>de</strong> um<br />

professor, que foi representante docente no Conselho Técnico Consultivo, esta associação<br />

foi fundamental no processo <strong>de</strong> saída do antigo diretor.<br />

Outro aspecto a ser ressaltado é o papel dos professores, especialmente os do<br />

primeiro ano (Básico I e Básico II). Embora nossas investigações não tenham se orientado<br />

<strong>para</strong> o papel dos professores i<strong>de</strong>ntificamos nas falas dos alunos uma constante referência a<br />

vários nomes que estavam fazendo a mediação entre os novos alunos e aqueles que<br />

<strong>de</strong>sempenhavam ativida<strong>de</strong>s políticas. Muitas vezes estes professores apresentavam os<br />

“calouros” que <strong>de</strong>monstravam interesse pela política aos veteranos, ou lhes indicava <strong>para</strong><br />

que fossem convidados a compor os quadros <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado grupo político <strong>de</strong>ntro da escola<br />

e, posteriormente, atuassem fora da escola.<br />

Alguns professores observavam os alunos com qualida<strong>de</strong>s políticas, a fim <strong>de</strong> serem<br />

pre<strong>para</strong>dos <strong>para</strong> assumir a li<strong>de</strong>rança do movimento, conforme relatado por um entrevistado,<br />

<strong>de</strong> modo a aproximar o aluno veterano dos recém ingressos.<br />

Há relato <strong>de</strong> que um professor pertenceu a quadro <strong>de</strong> um partido <strong>de</strong> esquerda, no<br />

caso a APML, sendo este o mais ativo na orientação e formação política <strong>de</strong>ntro da escola.<br />

É claro que existia participação dos professores (...) eu me lembro que a gente (os<br />

estudantes) fez a greve e tinha tanto a presença dos professores ... (Estudante <strong>de</strong><br />

Eletrotécnica, 1982/1986).<br />

O apoio dos professores aos estudantes passa a ser evi<strong>de</strong>nciado a partir do “quebra-<br />

quebra <strong>de</strong> ônibus” conforme relato <strong>de</strong> um aluno<br />

Então aquele movimento foi muito importante porque a partir daquele momento<br />

os professores passaram a colocar a cabeça <strong>de</strong> fora, pelo menos é o que eu<br />

percebi até então. Não havia uma movimentação muito clara <strong>de</strong> professores, mas<br />

a partir daquele instante, naquele dia, eles apoiaram o movimento dos alunos.<br />

Isso foi muito significativo... Eu não sei... Até... Só um professor que tenha<br />

vivido aquela época que po<strong>de</strong> dizer... Mas eu acho que, <strong>de</strong> uma certa forma<br />

aquele movimento estudantil influenciou a articulação dos professores (Estudante<br />

<strong>de</strong> Metalurgia, 1978/1982).<br />

Em meados dos anos 80, especialmente no período <strong>de</strong> luta pela saída do diretor, as<br />

aulas tornaram-se espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates acerca <strong>de</strong> temas como <strong>de</strong>mocratização do ensino<br />

público e eleições diretas na re<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> ensino. Em muitos entrevistados, a presença <strong>de</strong><br />

119


professores que <strong>de</strong>spertavam a indignação política do estudante, aparece como um elemento<br />

significativo. Especialmente isso ocorria nos primeiros semestres, quando os alunos tinham<br />

aulas das disciplinas propedêuticas: História, Educação Moral e Cívica, Geografia,<br />

Português. Aqui ocorre um fato interessante: embora o controle do regime fosse bastante<br />

forte também sobre os professores e se suspeitasse da existência <strong>de</strong> agentes infiltrados a fim<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>latar possíveis subversivos, alguns professores burlavam as normas, exatamente nas<br />

disciplinas impostas <strong>para</strong> manter tal controle. É o caso <strong>de</strong> Educação Moral e Cívica e<br />

OSPB.<br />

No primeiro semestre os alunos tinham contato com uma literatura bastante<br />

diferente daquela que estavam acostumados. Livros como “Veias abertas da<br />

América Latina” <strong>de</strong> Eduardo Galeano, “ História da Riqueza do Homem” <strong>de</strong> Léo<br />

Huberman... Estes livros tinham um caráter incendiário, embora fossem<br />

publicados (Estudante <strong>de</strong> Geologia, 1976/1980).<br />

O estudante que ingressava na escola tinha a opção <strong>de</strong> entrar no Básico ou<br />

diretamente no 2º ano, correspon<strong>de</strong>nte ao 3º semestre. Nossas observações nos levam a<br />

afirmar que o aluno que ingressava no 3º semestre possuía menores chances <strong>de</strong> penetrar no<br />

universo político da escola, uma vez que a gran<strong>de</strong> maioria dos lí<strong>de</strong>res estudantis<br />

entrevistados afirma ter <strong>de</strong>scoberto a política, logo em seu ingresso no Básico, em virtu<strong>de</strong><br />

das disciplinas que eram oferecidas, mais ligadas às Ciências Humanas, Artes e Língua<br />

Portuguesa e aos professores mais politizados.<br />

O fato <strong>de</strong> a escola. De professores da época <strong>de</strong> alguma forma burlar o sistema e<br />

<strong>de</strong>ntro da sala <strong>de</strong> aula e levarem a filosofia <strong>para</strong> escola e darem rapidamente o<br />

conteúdo <strong>de</strong> Educação Moral e Cívica e levava a discussão filosófica, esse foi o<br />

primeiro gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar e Jairo foi o professor que faz isso e aí você tem o<br />

primeiro <strong>de</strong>spertar (Aluno <strong>de</strong> Eletrônica. 1978/1981).<br />

Apesar da predominância dos professores <strong>de</strong> Língua Portuguesa e da área <strong>de</strong><br />

Estudos Sociais entre os que agiam <strong>de</strong> forma a estimular a reflexão crítica, havia também<br />

professores da área técnica que mantinham uma postura crítica. São citados em especial os<br />

professores dos cursos <strong>de</strong> Eletrotécnica e Geologia. O posicionamento mais crítico <strong>de</strong>stes<br />

professores da área técnica com a política fica mais evi<strong>de</strong>nte a partir do movimento pelas<br />

eleições diretas <strong>para</strong> diretor, quando os professores se mostram organizados.<br />

A participação dos professores po<strong>de</strong> ser evi<strong>de</strong>nciada ainda na forma como faziam<br />

“vista grossa” a <strong>de</strong>terminadas ações empreendidas pelos alunos. Assim, facilitavam a vida<br />

dos alunos que estavam prestes a per<strong>de</strong>r o semestre, por conta da atuação política,<br />

permitiam a entrada em sala <strong>de</strong> aula a fim <strong>de</strong> fazer convocações, avisavam sobre a<br />

120


necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter cuidado etc. sobre este tem o diretor menciona em reunião <strong>de</strong> diretoria<br />

“que chegou ao seu conhecimento, alguns professores tinham ciência do movimento e<br />

colaboraram indiretamente <strong>para</strong> o agravamento do problema” (Livro <strong>de</strong> Atas <strong>de</strong> Reunião <strong>de</strong><br />

Direção, 26/05/1981).<br />

O SOE e alguns professores tinham uma forma <strong>de</strong> expressar sua insatisfação com a<br />

censura e a or<strong>de</strong>m estabelecida na escola. Deste modo, são sempre citados como<br />

facilitadores neste processo <strong>de</strong> formação crítica dos estudantes. Sendo recorrentes entre os<br />

alunos e a orientadora, mesmo <strong>de</strong> períodos diferentes, os mesmos nomes, apresentando<br />

pouca variação.<br />

E outros professores também, além do SOE, que tínhamos assim uma aliança<br />

afetiva... Professor Lessa, Ângela Teixeira, professor Nildon Pitombo, também<br />

que teve toda uma forma <strong>de</strong> acolher o aluno, ainda na sala <strong>de</strong> aula, e com<br />

disciplinas como Física. Mas <strong>de</strong> uma forma também inteligente, compressiva e<br />

i<strong>de</strong>ntitária. Porque eles também pensavam como os alunos, só que como<br />

profissionais a gente tinha que ser mais grupo ainda, do que aluno teria que ser<br />

(Orientadora Educacional /SOE).<br />

Esta mesma orientadora, que ingressou na escola durante os anos 1970, em sua<br />

entrevista comenta que, apesar da censura e da forma fabril como a escola era organizada,<br />

os espaços <strong>de</strong> subversão foram criados.<br />

Nós estávamos todos lá com aquela cápsula <strong>de</strong> bombar<strong>de</strong>io que não podíamos<br />

quebrar. Uma disciplina... Ela era virtual e ela era ao mesmo tempo era<br />

legitimada. Ela era à força da lei. E essa or<strong>de</strong>m foi se mantendo pelo<br />

esvaziamento até do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se fazer a subversão, <strong>de</strong> se fazer a transformação,<br />

porque era arriscado. Ainda que a gente tivesse também algumas informações e<br />

possibilida<strong>de</strong>s, ainda que os partidos políticos também sutilmente ainda<br />

estivessem organizados <strong>para</strong> colocar o movimento estudantil <strong>de</strong>ntro da or<strong>de</strong>m do<br />

movimento político em si, mas se cumpria muito as or<strong>de</strong>ns da casa. E a gente<br />

tinha presente ali, na área <strong>de</strong> segurança, os representantes <strong>de</strong>sta or<strong>de</strong>m, que eram<br />

os coronéis, que a gente precisava então obe<strong>de</strong>cer. Como essa forma <strong>de</strong><br />

condução, <strong>de</strong> qualquer forma ela explo<strong>de</strong> <strong>de</strong> um lado, porque <strong>de</strong>baixo do tapete<br />

se escon<strong>de</strong> a poeira, mas ele está lá e foi possível então que a gente pu<strong>de</strong>sse<br />

dormir <strong>de</strong>baixo do tapete, algumas vezes, pra po<strong>de</strong>r fazer as mudanças sutis<br />

também (Orientadora Educacional /SOE).<br />

Nem todos, entretanto, contribuíam. 56 . Por medo ou obediência ao sistema, ou<br />

mesmo por acreditar ser aquele seu papel enquanto educador, muitos professores eram<br />

56 Estes avisos podiam ter dois sentidos, como uma ameaça, caracterizando o que hoje conhecemos como<br />

assédio moral (com a intenção <strong>de</strong> ameaça ou <strong>de</strong> produzir medo no estudante) ou , por <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />

cuidado. Há nos relatos evidências dos dois sentidos em que estes avisos eram dados. Consi<strong>de</strong>ro <strong>aqui</strong> a forma<br />

como os alunos se referem aos episódios e suas memórias sobre outras situações, aon<strong>de</strong> este professores<br />

venham a “proteger” ou “auxiliar os estudantes na iminência <strong>de</strong> serem reprovados.<br />

121


astante rigorosos e a reprovação era um medo constante entre os estudantes. O fato dos<br />

professores <strong>de</strong>monstrarem insatisfação, mas não assumirem abertamente a contestação a<br />

or<strong>de</strong>m estabelecida, foi lembrado por um aluno.<br />

Não são raros os relatos das dificulda<strong>de</strong>s e dos professores “carrascos” entre os<br />

entrevistados. “Os passos <strong>de</strong> Física” permanente lembrados por todos os entrevistados teve<br />

seu fim imediatamente após a criação do grêmio, indicando que era uma ban<strong>de</strong>ira dos<br />

estudantes, do ponto <strong>de</strong> vista pedagógico.<br />

A escola... Eu po<strong>de</strong>ria dizer (...) tinha uma pedagogia, rapaz! Terrível! Porque era<br />

o seguinte: um tal <strong>de</strong> um passo <strong>de</strong> física, e eu fazia eletrotécnica, era o curso que<br />

mais tinha passos, até o 4º semestre, então você tinha que tirar 10 (<strong>de</strong>z)... Não<br />

tinha professor pra lhe ensinar, quer dizer, ou você virava autodidata ou então<br />

você não aprendia, ou seja, a escola lhe obrigava a <strong>de</strong>senvolver habilida<strong>de</strong>s <strong>para</strong><br />

ser autodidata.<br />

Que <strong>aqui</strong>lo era o diabo pra nós! A gente entrava no banheiro, sentava no vaso<br />

sanitário com o livro na mão <strong>de</strong> Física. Eu lembro como hoje. A gente pegava<br />

Moreto ou Ramalho. Com aquele livro na mão... Saía e ficava pelos corredores<br />

<strong>de</strong>itado (...), estudando... Esse era o panorama que a escola... Que a gente via<br />

<strong>de</strong>ntro da escola (Aluno <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1982/1986).<br />

Tudo permeado por um ambiente <strong>de</strong> pre<strong>para</strong>ção <strong>para</strong> a fábrica, mas que<br />

contraditoriamente <strong>de</strong>senvolvia no estudante uma consciência do seu papel na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

não ser um mero “cidadão produtivo”.<br />

Havia na escola uma competitivida<strong>de</strong> entre os professores das disciplinas<br />

propedêuticas e das disciplinas técnicas. Em um período marcado pela ampliação da<br />

indústria a escola vive o <strong>para</strong>doxo <strong>de</strong> formar trabalhadores aptos a exercer seu papel nas<br />

fábricas sem per<strong>de</strong>r a dimensão crítica que lhes possibilitaria ser um cidadão no sentido<br />

mais amplo do termo.<br />

Freqüentemente citado pelos alunos como um espaço <strong>de</strong> apoio ao Centro Cívico, o<br />

SOE (Serviço <strong>de</strong> Orientação Educacional), além <strong>de</strong> auxiliar os alunos, proporcionou<br />

algumas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> encontro entre os estudantes e a literatura <strong>de</strong> Paulo Freire e<br />

outros teóricos, críticos <strong>de</strong> uma educação voltada exclusivamente <strong>para</strong> o mercado, buscando<br />

uma educação mais humana.<br />

Po<strong>de</strong>r ter acesso a coisas que a gente nunca tinha tido. Eu me lembro que <strong>para</strong> ler<br />

Paulo Freire pela primeira vez. Foi escondido... Maria Luiza Tapioca,<br />

coor<strong>de</strong>nadora do SOE, trouxe uma Xerox escondido <strong>para</strong> ler Paulo Freire (Aluno<br />

<strong>de</strong> Eletrônica. 1978/1981).<br />

A perspectiva crítica que vigorava neste período era da Politecnia, conforme<br />

indicamos em outro espaço <strong>de</strong>ste trabalho.<br />

122


3.4 O partido na Escola<br />

Fazendo uma leitura a partir <strong>de</strong> hoje. Eu acho que tinha uma ação coor<strong>de</strong>nada.<br />

Sistemática mesmo das pessoas que já eram ligadas a partidos, que já eram<br />

ligadas a tendências e que buscavam esses alunos novos, o apoio <strong>de</strong>les... Enfim,<br />

trazê-los <strong>para</strong> o movimento (Aluna <strong>de</strong> Química Industrial -1979/1981).<br />

A presença do partido na escola é algo evi<strong>de</strong>nte nos relatos dos entrevistados. Sua<br />

aproximação se dava principalmente através da representação estudantil, fosse o centro<br />

cívico ou, posteriormente, o grêmio estudantil, consi<strong>de</strong>rado um espaço privilegiado, no<br />

sentido <strong>de</strong> instrumentalizar a ação do sindicato. A expectativa do partido era que, ao sair da<br />

escola, o aluno politizado po<strong>de</strong>ria atuar <strong>de</strong> forma conseqüente nas bases dos sindicatos, os<br />

quais vinham ganhando cada vez mais força no período <strong>de</strong> abertura política.<br />

Sendo característica do movimento estudantil a permanente substituição <strong>de</strong> seus<br />

lí<strong>de</strong>res, em virtu<strong>de</strong> da <strong>de</strong>terminação do tempo que um indivíduo passa em média na escola,<br />

essa renovação precisa ser conduzida <strong>de</strong> maneira a manter o movimento ativo. A introdução<br />

<strong>de</strong> alunos jovens no movimento estudantil e no partido garantia que este grupo mantivesse o<br />

domínio do movimento por um tempo maior, com pessoas pre<strong>para</strong>das <strong>para</strong> garantir a<br />

continuida<strong>de</strong> do trabalho.<br />

O domínio <strong>de</strong> um grupo ou tendência em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outro variou bastante no<br />

<strong>de</strong>correr dos <strong>de</strong>z anos pesquisados. I<strong>de</strong>ntificamos nos primeiro momento o PCB, que<br />

segundo entrevistados, estava presente na escola <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados dos anos 1970, embora <strong>de</strong><br />

todos os grupos fosse o mais discreto em sua ação <strong>de</strong>liberada como partido, em virtu<strong>de</strong> do<br />

con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> repressão do governo <strong>de</strong> Geisel.<br />

Nós fomos chamados, vamos dizer assim, passamos por um processo <strong>de</strong><br />

treinamento. Era um grupo ainda do partido comunista brasileiro (PCB) e a gente<br />

tinha grupo <strong>de</strong> estudos, então a gente estudava <strong>para</strong> apren<strong>de</strong>r o que era o<br />

movimento. Na verda<strong>de</strong>, a idéia do partido comunista era pre<strong>para</strong>r operários. A<br />

gente ia pro Pólo Petroquímico. A escola formava trabalhadores <strong>para</strong> o pólo<br />

petroquímico. Era a escola que fornecia mão-<strong>de</strong>-obra qualificada (Aluno <strong>de</strong><br />

Química - 1976/1981).<br />

Apesar da presença <strong>de</strong> estudantes ligados aos partidos políticos <strong>de</strong> esquerda, que<br />

atuavam na clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> nos anos 70 e meados dos anos 80 ser comprovada pelos<br />

relatos, a memória <strong>de</strong> muitos professores da escola hoje, que foram ex-alunos em períodos<br />

anteriores é controversa quanto ao tema. Nem todos reconhecem a existência <strong>de</strong> um<br />

movimento estudantil no interior da ETFBA. Este fato se dá, a nosso ver, por terem uma<br />

123


noção <strong>de</strong> que movimento estudantil refere-se apenas a ativida<strong>de</strong> políticas <strong>de</strong>claradas.<br />

Associado ao fato <strong>de</strong> que o envolvimento com partidos políticos clan<strong>de</strong>stinos era como dito<br />

antes, algo que precisava ser feito em segredo, uma vez que a qualquer momento os<br />

envolvidos podiam ser presos por estarem infringindo a Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional.<br />

Para Gramsci, a importância do partido e o seu significado no mundo mo<strong>de</strong>rno<br />

consistem na elaboração e difusão <strong>de</strong> concepções <strong>de</strong> mundo, visto que os partidos elaboram<br />

a ética e a política a<strong>de</strong>quadas à socieda<strong>de</strong> e “funcionam quase como experimentadores<br />

históricos <strong>de</strong> tais concepções”, colaboram ainda na formação dos novos intelectuais,<br />

unificando teoria e prática em um processo histórico real (GRAMSCI, 2006).<br />

Há indicações que, na fase que correspon<strong>de</strong> ao nosso marco temporal inicial, havia a<br />

presença da APML, do PCB, do PC do B e, posteriormente do PT. Sendo que o PCB<br />

ocupava a diretoria do centro cívico <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados dos anos 70. Até o início dos anos 1980<br />

a participação como membro dos partidos comunistas não po<strong>de</strong>ria ser um fato público. Por<br />

conta da Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional e do impedimento dos mesmos, postos na ilegalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o governo <strong>de</strong> Vargas, seus membros não falavam sobre o assunto e buscavam formas<br />

seguras <strong>de</strong> mobilizar e aumentar os seus quadros <strong>de</strong>ntro da escola.<br />

Neste espaço <strong>de</strong> luta pelas liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas, o PCB apresentava como<br />

estratégia a busca pela ampliação da consciência <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong> toda a população e uma<br />

aliança com todos os setores da socieda<strong>de</strong>. Privilegiava a atuação no interior do MDB, e<br />

seus membros, recrutados no movimento estudantil, compunham boa parte da ala jovem do<br />

MDB. As referidas “organizações <strong>de</strong> esquerda, com forte presença no movimento<br />

estudantil, procuravam levar as manifestações <strong>para</strong> as ruas em atos públicos e passeatas que<br />

enfrentavam as tropas <strong>de</strong> choque do regime” (ARAÚJO, p. 333).<br />

Conforme relato <strong>de</strong> um ex-aluno membro do PCB, havia um vinculo importante na<br />

escola que refletia a atuação externa dos alunos.<br />

Nós ajudamos a eleger [um vereador] na ala jovem do MDB. [Outro membro] era<br />

o cara mais intelectual, professor <strong>de</strong> história. Nós líamos tudo <strong>aqui</strong>. Quase tudo<br />

<strong>de</strong> Marx menos o Capital. Todos aqueles livretos... Manifesto, Salário preço e<br />

lucro. (...) Eu acho que nós fomos o instrumento, mas também acho que não tinha<br />

como ser <strong>de</strong> outra forma, a gente foi massa <strong>de</strong> manobra do partido (Estudante <strong>de</strong><br />

geologia, 1976/1980).<br />

O discurso atualizado indica ainda uma <strong>de</strong>cepção, um sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>samparo<br />

encontrado em alguns dos estudantes. Ser “massa <strong>de</strong> manobra” ou ter sido abandonado pelo<br />

partido no momento <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s. Relato que aparece em pelo menos dois dos<br />

entrevistados <strong>de</strong>sse período. Na citação seguinte o aluno indica a orientação do partido e<br />

seus <strong>de</strong>sdobramentos<br />

124


Ele queria que a gente fosse ven<strong>de</strong>r a Voz da Unida<strong>de</strong> na porta da fábrica e todo<br />

mundo foi <strong>de</strong>mitido. Eu saí <strong>de</strong> férias, mas eu tinha entrado na universida<strong>de</strong> e ia<br />

passar <strong>de</strong> estágio <strong>de</strong> nível médio <strong>para</strong> estágios <strong>de</strong> nível superior. Saí <strong>de</strong> férias,<br />

quando voltei não tinha mais estágio, não tinha mais nada, os meninos já tinham<br />

sido <strong>de</strong>mitidos... Eu me senti totalmente <strong>de</strong>sam<strong>para</strong>do. Daí <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa história<br />

eu rompi com o partido comunista. Daí fiquei uns dois anos como in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

Aí fui me aproximando do PT (Estudante <strong>de</strong> geologia, 1976/1980).<br />

Embora no mesmo entrevistado seja possível i<strong>de</strong>ntificar um sentimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver<br />

cumprido, <strong>de</strong> ter feito a sua parte na função a que estava <strong>de</strong>stinado:<br />

O partidão montou uma célula numa fábrica. A única célula que o partido tinha<br />

numa unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção eu, [mais dois colegas]. Você tinha o núcleo e os<br />

simpatizantes. Era preciso três, nos tínhamos os três saídos d<strong>aqui</strong>. Recrutamos<br />

um lá. Chefe <strong>de</strong> turma, peão lá... Uma figura maravilhosa. Para você ter uma<br />

idéia o sindicato tinha 20 anos que não ia pro dissídio, em seis meses a gente<br />

convocou, se infiltrou no sindicato a gente conseguiu duas assembléias, na<br />

primeira assembléia tinha 20 pessoas, na segunda 60 e na terceira 90. Mas aí o<br />

que se passou... Para você ver como eram as coisas... (Estudante <strong>de</strong> Geologia,<br />

1976/1980).<br />

I<strong>de</strong>ntificamos também a presença da OCDP 57 (Organização Comunista Democracia<br />

Proletária). Sobre este fato, um dos nossos entrevistados nos informou que seu objetivo era<br />

o movimento sindical, sendo a escola consi<strong>de</strong>rada em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua missão <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra <strong>para</strong> as indústrias locais.<br />

Elenaldo Teixeira (1997) nos chama a atenção <strong>para</strong> a participação como um fator <strong>de</strong><br />

caráter educativo, embora não assuma tal prática como exclusiva <strong>de</strong>finidora dos conteúdos<br />

da vida prática. Ou seja, não há garantias que a experiência <strong>de</strong> participação em certos<br />

espaços como a escola, a família e o trabalho serão <strong>de</strong>terminantes <strong>para</strong> as ações futuras <strong>de</strong><br />

um indivíduo. No caso dos nossos informantes, embora na atualida<strong>de</strong> nem todos<br />

permaneçam “militantes”, apresentam vínculos políticos a partidos políticos e movimentos<br />

sociais além <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrarem uma posição crítica frente às questões sociais.<br />

Segundo Araujo, o movimento estudantil foi um dos mais importantes espaços <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>bate sobre as diferentes concepções da luta <strong>de</strong>mocrática, o qual, em suas assembléias,<br />

expunha as diferentes posições políticas, a partir dos seus representantes (CAs e Das) que<br />

travavam acirradas polêmicas em torno <strong>de</strong> palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e <strong>de</strong> propostas <strong>de</strong> ação<br />

(ARAÚJO, 2002).<br />

A presença dos partidos <strong>de</strong> esquerda no ME sempre foi um fato, porém no caso da<br />

escola técnica, há uma maior significação <strong>para</strong> as ações dos partidos em <strong>de</strong>corrência do<br />

57<br />

A OCDP foi fundada no início <strong>de</strong> 1982, a partir dos remanescentes da APML, que foi extinta em 1981 na<br />

Bahia e em outros estados do país.<br />

125


cenário <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> um operariado urbano que ganha maior importância a partir do<br />

período <strong>de</strong> abertura. Neste sentido, embora se reconheça certo refluxo do ME, as correntes<br />

<strong>de</strong> esquerda serão representadas nas escolas técnicas pelas tendências, oriundas do ME<br />

universitário, como a “Viração”, vinculada ao PC do B e “Semeando” do PT, além do PCB<br />

já citado anteriormente. Esta presença tem como objetivo programar sua política <strong>de</strong><br />

formação <strong>de</strong> quadros <strong>para</strong> a indústria e o movimento sindical.<br />

Eu saí d<strong>aqui</strong> um pouquinho atrasado, porque na verda<strong>de</strong> eu participava <strong>de</strong> uma<br />

organização que tinha <strong>de</strong>finido aquela área ali como “área <strong>de</strong> fortaleza”. Certo?<br />

Eu assumi algumas tarefas internamente (...) meu papel lá foi recrutar algumas<br />

pessoas (...) uma galera que saiu da escola e hoje são militantes (Aluno <strong>de</strong><br />

Eletrotécnica, 1982/1986).<br />

Três dos entrevistados admitiram ter perdido o semestre com o objetivo <strong>de</strong><br />

permanecer mais tempo na escola e dar continuida<strong>de</strong> ao movimento. Entretanto, a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser jubilados em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> reprovações não permitia uma<br />

permanência irrestrita.<br />

De outro lado, a experiência do movimento estudantil também possibilita ao<br />

técnico, quando assume o emprego na empresa, ter um posicionamento diferenciado. No<br />

caso do movimento sindical baiano, Guimarães indica que<br />

Na “fronteira industrial” nor<strong>de</strong>stina consolidada no <strong>de</strong>correr dos anos 80, por<br />

meio <strong>de</strong> incentivos fiscais e financeiros, principalmente na área do Pólo<br />

Petroquímico <strong>de</strong> Camaçari (Bahia), um inusitado fôlego conjuntural permitiu que<br />

a vitalida<strong>de</strong> política dos novos atores sociais sobrevivesse durante toda a década<br />

(CASTRO, GUIMARAES, 1995, p. 19).<br />

É preciso consi<strong>de</strong>rar que não eram apenas as organizações partidárias que se<br />

colocavam nesta nova conjuntura. O projeto político em vigor tinha novos sujeitos políticos,<br />

gerados no interior dos Movimentos Sociais, que traziam <strong>de</strong>mandas mais específicas e <strong>de</strong><br />

cunho imediato, na busca por soluções <strong>para</strong> problemas do cotidiano, como a moradia, o<br />

transporte coletivo, a carestia etc., nem sempre encabeçados por membros <strong>de</strong> partidos<br />

políticos, mas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> uma organização mais espontânea da socieda<strong>de</strong> ou vinculados<br />

a organizações religiosas li<strong>de</strong>radas pela Igreja Católica em especial.<br />

No caso específico <strong>de</strong> Salvador, conforme vimos no capítulo sobre conjuntura, este<br />

período se caracteriza pelo fortalecimento dos sindicatos, proliferação <strong>de</strong> organização <strong>de</strong><br />

bairros, ocupações, aumento do número <strong>de</strong> favelas, além da reorganização do ME, que<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> meados dos anos 70 já vinha se organizando em torno <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas internas como a<br />

questão do jubilamento, na UFBA. Os secundaristas se reorganizam imediatamente após a<br />

126


eorganização da UNE e realizam seu primeiro Congresso Nacional <strong>de</strong> reconstrução da<br />

UBES em 1980, em Curitiba.<br />

A partir do final <strong>de</strong> 1980 o PC do B assume li<strong>de</strong>rança do Centro Cívico e a chapa<br />

“Viração” que dominava gran<strong>de</strong> parte do movimento estudantil universitário baiano<br />

mantém a hegemonia também na ETFBA, embora o PT inicie um processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />

quadros na escola. A partir <strong>de</strong>ste momento, as características do movimento ganham uma<br />

conotação <strong>de</strong> maior enfrentamento das autorida<strong>de</strong>s, com os alunos assumindo <strong>de</strong> forma<br />

mais aberta à insatisfação e participando mais ativamente dos movimentos sociais que<br />

expandiam na Bahia.<br />

A participação dos alunos no quebra-quebra ocorreu durante a transição da li<strong>de</strong>rança<br />

do PCB <strong>para</strong> o PC do B, embora não seja possível afirmar que apenas os membros do<br />

partido estivessem na organização do movimento.<br />

A partir <strong>de</strong> meados dos anos 80, especialmente após a eleição <strong>para</strong> diretor da escola,<br />

os alunos vinculados ao PT passam a disputar com o PC do B a hegemonia do movimento<br />

estudantil da ETFBA.<br />

Participei da comissão pró-grêmio. Depois do processo <strong>de</strong> Rui Santos nós<br />

aceleramos o processo <strong>de</strong> eleição do grêmio. Basicamente eram dois grupos se<br />

enfrentaram: um grupo que era do PC do B e outra vinculada ao PT. A chapa do<br />

PT ganhou amplamente a eleição. A chapa chamava “Semeando o Movimento”.<br />

Semeando era a chapa do PT no movimento estudantil. Eu não era da diretoria,<br />

mas da provisória que organizou a eleição, fui da comissão eleitoral (Aluno <strong>de</strong><br />

Química, 1985/1990).<br />

São estes alunos que ganham a primeira eleição <strong>para</strong> o Grêmio Estudantil em 1986.<br />

Formulam o estatuto 58 e inauguram o aprendizado da política estudantil em tempos<br />

<strong>de</strong>mocráticos. Esta eleição é significativa na medida em que o grêmio da ETFBA, segundo<br />

relato dos alunos é o segundo a se organizar na Bahia 59 após o período <strong>de</strong> restrições sofridas<br />

pelo ME. Recebe o nome Grêmio Estudantil “Edson Luís”, que era uma indicação da<br />

primeira cartilha, elaborada logo após a aprovação da Lei do Grêmio Livre, em 1985, porém<br />

a atual <strong>de</strong>nominação é Grêmio Estudantil Denílson Vasconcelos.<br />

A mudança da representação estudantil <strong>de</strong> centro cívico <strong>para</strong> grêmio foi comentada<br />

por um estudante como um momento crucial <strong>para</strong> a reorganização da política partidária na<br />

escola. Segundo ele, havia uma expectativa <strong>de</strong> que os alunos que dirigiam o CCSD,<br />

58<br />

Infelizmente não conseguimos ter acesso a este estatuto, que segundo a diretoria do atual grêmio, se per<strong>de</strong>u.<br />

Também não encontramos justificativa <strong>para</strong> a mudança do nome. Sabemos que Edson Luís foi o estudante<br />

morto no restaurante Calabouço em 1968. Denílson Vasconcelos foi um militante estudantil da década <strong>de</strong> 70<br />

em Salvador e ex-aluno da escola.<br />

59<br />

O primeiro grêmio organizado foi o do Colégio Central.<br />

127


membros do PC do B, capitalizassem o fato <strong>de</strong> ter sido Aldo Arantes, membro do partido e<br />

ex-lí<strong>de</strong>r estudantil autor do projeto <strong>de</strong> lei, e, portanto, que assumissem a dianteira do<br />

processo. O que houve, porém, não foi isso<br />

estudantes.<br />

Os caras se apresentavam como do PC do B. Certo? O que nos surpreen<strong>de</strong>u no<br />

processo foi que Aldo Arantes já em 1985 entra com a lei (...) assim que entra<br />

com a lei nós esperávamos o quê? Que o PC do B tomasse a iniciativa <strong>de</strong><br />

organizar o grêmio estudantil (...) <strong>de</strong>ve ter havido uma orientação (...) mas a<br />

gente não viu essa movimentação (Aluno <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1982/1986).<br />

A estratégia <strong>de</strong>finida então é <strong>de</strong>, <strong>para</strong>lelo à luta pela saída do diretor, reorganizar os<br />

(...) a gente não viu a presença do PC do B neste processo. A gente fez porque era<br />

o seguinte: claro que houve certa, po<strong>de</strong>ria dizer, a experiência contribuiu <strong>para</strong><br />

isso. Porque era o seguinte: Você tem <strong>de</strong>z salas <strong>de</strong> calouros, certo? E tem assim...<br />

duas salas <strong>de</strong> cada semestre. Então <strong>para</strong> a gente... a gente pensou, isso foi<br />

pensado, elaborado. Interessava investir nos setores porque a gente tinha uma<br />

visão muito clara! Nós da organização [OCDP] tínhamos uma visão muito clara<br />

que era formar militantes <strong>para</strong> entrar no Pólo Petroquímico. Por isso que a gente<br />

<strong>de</strong>finiu aquela área como “área <strong>de</strong> fortaleza” (...) era o lugar que a gente<br />

concentrava nossos esforços pra extrair militantes, <strong>para</strong> dali a gente construir,<br />

viabilizar nossa estratégia <strong>de</strong> acúmulo prolongado <strong>de</strong> forças e tal. Intervenção no<br />

movimento sindical, nos outros movimentos. Tanto é que a partir dali a gente<br />

ganha o Colégio ICEIA, <strong>de</strong>pois o Colégio Central (...). junta tudo e a gente toma<br />

a UMES do PC do B. o trabalho ali <strong>de</strong>ntro foi <strong>de</strong>terminante <strong>para</strong> influenciar a<br />

organização do grêmio estudantil em outras escolas. Só existia grêmio estudantil<br />

no Central. Quer dizer, o Central foi a primeira escola a organizar o grêmio<br />

estudantil naquele período. Depois da retomada do grêmio estudantil (...) fomos<br />

nós! (Aluno <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1982/1986).<br />

A política partidária <strong>de</strong>ntro da ETFBA não produziu os frutos esperados segundo<br />

este mesmo estudante.<br />

Essa estratégia vem se mostrar estéril lá na frente. Porque a gente percebe é que<br />

os setores que nós articulamos como militantes e que foram pro pólo, <strong>de</strong>pois<br />

seguiram carreira acadêmica! Esse que era o problema! Porque vinham <strong>de</strong> setores<br />

médios (...) lá na frente ela se mostra ineficaz. Quando a gente chegou lá na<br />

frente que era <strong>de</strong> colher os frutos, como a gente colheu no grêmio estudantil... O<br />

pessoal entre no pólo, faz o estágio, pega e faz a prova da faculda<strong>de</strong>... e vai<br />

estudar, porque a gente era pre<strong>para</strong>do <strong>de</strong> tal maneira, que não precisava nem fazer<br />

esses cursos pré-vestibulares, enten<strong>de</strong>u? (Aluno <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1982/1986).<br />

As nossas observações nos levam a consi<strong>de</strong>rar outros aspectos <strong>para</strong> o não ingresso<br />

dos militantes no pólo. Em primeiro lugar, havia uma censura em vigência no país que<br />

restringia as ações estudantis. Os estudantes vinculados aos partidos clan<strong>de</strong>stinos, que<br />

fossem reconhecidos como tal, eram i<strong>de</strong>ntificados e sua ficha enviada as principais<br />

empresas do pólo e Centro Industrial <strong>de</strong> Aratu.<br />

128


Conforme relato <strong>de</strong> ex-alunos, ser diretor do centro cívico ou do grêmio po<strong>de</strong>ria ser<br />

tomado como subversão. De outro lado, a crise econômica vigente nos anos 80 cria uma<br />

limitação no número <strong>de</strong> empregos industriais. O processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva<br />

observado em outro capítulo <strong>de</strong>ste trabalho indica um <strong>de</strong>créscimo no nível <strong>de</strong> empregos, a<br />

partir dos anos 80, intensificando-se nos anos 90.<br />

O mesmo aluno confirma nossa análise mais adiante<br />

Eu tive dificulda<strong>de</strong> [<strong>de</strong> conseguir estágio]. Eu estagiei numa empresa <strong>de</strong> (...)<br />

conhecidos (...) e não concluí o estagio porque <strong>de</strong>ntro do pólo a gente não tinha<br />

(...) ele, [Rui Santos] mapeou um monte <strong>de</strong> gente! Esse fato é real (...) eu não<br />

peguei o diploma <strong>de</strong> técnico ainda porque não consegui estágio. A empresa<br />

voltou pra São Paulo e não tive como concluir o estágio. (Aluno <strong>de</strong> Eletrotécnica,<br />

1982/1986).<br />

Outra aluna, ex-presi<strong>de</strong>nte do centro cívico em 1980, também fala sobre o tema:<br />

Eu nem sei se você sabe, mas no meu caso eu nem consegui fazer estágio. Eu não<br />

consegui trabalhar, acho que eles pegaram meu nome em alguma lista e<br />

mandaram <strong>para</strong> as empresas. Eu não tinha como conseguir saber isso, mas... Eu<br />

era uma excelente aluna, tinha um excelente histórico, ia até o fim nas entrevistas<br />

e não me chamavam, não me chamavam, não me chamavam e as minhas colegas<br />

foram todas estagiar e eu não. E eu realmente precisava. Não tinha casa.<br />

Dependia disso realmente e precisava estagiar. Tanto que eu fui fazer<br />

universida<strong>de</strong> quase como uma pressão<br />

Depois eu faço essa leitura... Não tenho nenhuma prova...<br />

Era presi<strong>de</strong>nte do Centro Cívico, os caras já me pegaram com o livro <strong>de</strong> Mao Tse<br />

Tung na mão... A minha carreira foi abortada ali no começo. Daí a minha carreira<br />

mudou, eu saí da área. Eu fui expulsa da área. Eu não cheguei a me filiar, a me<br />

tornar membro <strong>de</strong> partido... (Aluna <strong>de</strong> Química Industrial -1979/1981)<br />

Embora a presença do partido seja uma constante, a existência <strong>de</strong> grupos<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes foi se tornando cada vez maior. Na escolha dos entrevistados, os próprios<br />

membros do grêmio indicaram esta presença como um fator a ser consi<strong>de</strong>rado, em virtu<strong>de</strong><br />

da visibilida<strong>de</strong> que estes grupos assumiam no interior da escola, seja pela sua irreverência,<br />

seja por apresentar temas e discussões que enriqueciam o movimento. Deste modo optamos<br />

por entrevistar um <strong>de</strong>stes estudantes. Além disso, a partir das entrevistas feitas foram<br />

enumerados vários grupos, bandas, artistas (cantores, atores, artistas plásticos) oriundos da<br />

escola e que iniciaram na escola sua vida artística. Embora não interessem pela participação<br />

política efetiva indicam a existência <strong>de</strong> um espaço eclético, ou como afirmam os<br />

entrevistados, “um cal<strong>de</strong>irão cultural” on<strong>de</strong> estavam imersos os estudantes da escola,<br />

durante todo o período <strong>de</strong> estudos, seja na gestão do centro cívico, seja do grêmio<br />

estudantil.<br />

129


O diferencial da escola técnica <strong>para</strong> os outros era que ela tinha um somatório<br />

cultural. Você encontrava gente <strong>de</strong> todas as cida<strong>de</strong>s da Bahia que iam <strong>para</strong> lá.<br />

Então esse encontro... E como a escola era seletiva e tinha um vestibular que<br />

selecionava as pessoas que vinham, e ela tinha estudantes mais pre<strong>para</strong>dos e mais<br />

antenados. Eu, por exemplo, não era “antenado”, fui tomar consciência do que<br />

estava acontecendo lá <strong>de</strong>ntro... Esse encontro dos estudantes antenados, porque<br />

tinham muitos que eram antenados com o que estava acontecendo no mundo...<br />

Outros não tinham noção <strong>de</strong> que a gente estava vivendo a ditadura (Aluno <strong>de</strong><br />

Química, 1976/1981).<br />

No próximo capítulo estaremos discutindo a forma como os estudantes agiam no<br />

interior da escola e do movimento estudantil local e nacional, bem como suas ações e<br />

principais <strong>de</strong>mandas no <strong>de</strong>correr das diferentes lutas que foram travadas.<br />

4 A AÇÃO DOS ESTUDANTES: ENFRENTAMENTO,<br />

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E GREVE<br />

Nossa pretensão a seguir é indicar alguns eventos que tornaram marcantes a ação<br />

dos estudantes da ETFBA. A escolha <strong>de</strong>stes se <strong>de</strong>ve a sua publicida<strong>de</strong> nas atas e<br />

documentos oficiais, gerando gran<strong>de</strong> repercussão. Apoiamo-nos também na memória dos<br />

alunos entrevistados. Os jornais serviram como fonte <strong>de</strong> reconstrução do movimento, mas<br />

não <strong>de</strong>finem a escolha dos fatos.<br />

A fim <strong>de</strong> tornar mais organizada nossa apresentação optamos por dividir o<br />

movimento em duas partes: a primeira refere-se ao período da ditadura em que a<br />

representação dos estudantes se <strong>de</strong>u através do centro cívico. A segunda parte, cujo ponto<br />

<strong>de</strong> ruptura interna se dá na primeira eleição <strong>para</strong> diretoria da ETFBA e no estabelecimento<br />

do Grêmio Livre, discorre sobre os acontecimentos ocorridos já na gestão do grêmio na<br />

escola até o ano <strong>de</strong> 1989. Esta divisão consi<strong>de</strong>ra que a partir da aprovação da Lei do Grêmio<br />

Livre os estudantes terão que criar um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização estudantil, além <strong>de</strong><br />

estarem em um con<strong>texto</strong> político <strong>de</strong> maior liberda<strong>de</strong> tanto na escola como na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

um modo geral.<br />

130


4.1 A Greve da Cantina<br />

A greve da cantina! Essa foi famosa! Teve até musiquinha. (Aluno <strong>de</strong> Eletrônica.<br />

1978/1981)<br />

A greve da cantina foi um dos primeiros eventos <strong>de</strong> “rebeldia” dos estudantes ainda<br />

em pleno regime militar. Deu-se por insatisfação dos discentes com a alimentação oferecida<br />

pela cantina, bem como pelos altos preços cobrados. Realizaram um boicote que teve como<br />

conseqüência a suspensão do contrato e a participação do CCSD no processo <strong>de</strong> licitação.<br />

Conforme po<strong>de</strong>mos acompanhar na leitura da ata da reunião dos órgãos superiores.<br />

(...) O Chefe do DE Ronaldo Vianna abordou o problema da rescisão do contrato<br />

da cantina como resultante do boicote estabelecido pelos alunos, em geral,<br />

acrescentando que até o momento não tinha sido encontrada uma solução <strong>para</strong> a<br />

reabertura da mesma; tendo o diretor esclarecido que já estava amadurecida a<br />

idéia <strong>de</strong> nomear uma comissão <strong>de</strong> alunos por indicação da diretoria do Centro<br />

Cívico e sob a presidência da aluna Paula presi<strong>de</strong>nte do mesmo centro <strong>para</strong><br />

elaborar com a comissão incumbida da concorrência, respectiva <strong>de</strong> maneira que<br />

os referidos estudantes se capacitassem com essa experiência das<br />

responsabilida<strong>de</strong>s que pesam sobre os ombros dos membros da administração da<br />

escola (Livro <strong>de</strong> Atas <strong>de</strong> Reunião <strong>de</strong> Diretoria, 21/10/1980, p.123).<br />

Além <strong>de</strong> não terem sido punidos, as reivindicações dos estudantes foram acatadas, o<br />

que indica uma flexibilida<strong>de</strong> da direção frente ao fato. Entretanto, em reunião posterior, no<br />

ano seguinte, quando há uma suspeita <strong>de</strong> uma nova greve dos alunos na escola, sua postura<br />

é diferente. Ele faz alusão à greve da cantina, bem como solicita novamente <strong>de</strong> seus<br />

auxiliares sugestões a fim <strong>de</strong> manter maior controle sobre o CCSD.<br />

(...) acentuou que há muito tempo vem pedindo a colaboração dos seus auxiliares<br />

mais diretos no sentido <strong>de</strong> oferecerem sugestões <strong>para</strong> uma melhor orientação e<br />

controle do Centro Cívico Santos Dumont 60 , mas até agora apenas alguns<br />

propuseram a mudança do professor orientador, o que não basta, pois o problema<br />

é <strong>de</strong> maior profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o que se está observando é um<br />

posicionamento da sua atual direção <strong>para</strong> lhes emprestar foros <strong>de</strong> diretório<br />

acadêmico, o que foge completamente a estrutura dos centros cívicos, nos termos<br />

da legislação que rege a espécie, sobre a qual passaria a comentar e analisar.<br />

Disse mais que, no ano passado, a atual diretoria do CCSD <strong>de</strong>u uma<br />

<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> força levantando todas as classes numa greve contra a cantina<br />

da escola e que, se a diretoria não tomou posição foi porque em realida<strong>de</strong>, havia<br />

falhas e abusos na estrutura da cantina, o que lhe enfraqueceria a autorida<strong>de</strong>.<br />

(Livro <strong>de</strong> Atas <strong>de</strong> Reunião <strong>de</strong> Diretoria, 26/05/1981, p.130).<br />

131


A partir <strong>de</strong>ste momento verifica-se que o movimento dos estudantes assume uma<br />

postura <strong>de</strong> enfrentamento, embora não haja nas entrevistas e nem nas atas seguintes algum<br />

indicativo da realização <strong>de</strong>sta greve. “Controle” é a palavra mais citada pelo diretor quando<br />

se refere ao centro cívico nas atas das reuniões <strong>de</strong> diretoria. Po<strong>de</strong>mos perceber que existe a<br />

consciência por parte da direção da oposição que começa a ser construída no interior da<br />

instituição <strong>de</strong> forma mais efetiva no sentido <strong>de</strong> instrumentalizar os alunos <strong>para</strong> estas ações.<br />

As ações <strong>de</strong> oposição à diretoria da ETFBA, encabeçadas pelos lí<strong>de</strong>res do CCSD, se<br />

davam no sentido <strong>de</strong> fomentar o engajamento dos alunos, estimular a crítica e a participação<br />

dos estudantes nos movimentos sociais, bem como solicitar da direção a permissão <strong>para</strong><br />

produzirem um jornal in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do JUVENTEC, consi<strong>de</strong>rado por eles, um instrumento<br />

<strong>de</strong> propaganda institucional.<br />

Agora, no entanto, acabava <strong>de</strong> saber que o CCSD está coor<strong>de</strong>nando uma<br />

<strong>para</strong>lisação geral das aulas no próximo dia 30 do corrente e, como tal, <strong>de</strong>sejava<br />

uma <strong>de</strong>finição, orientação e uma tomada <strong>de</strong> posição <strong>de</strong> todos os colaboradores,<br />

num gesto <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> solidária, caso venha a se efetivar esse ato <strong>de</strong><br />

indisciplina, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que há muito vem a diretoria do CCSD insistindo na<br />

publicação através da gráfica da escola, <strong>de</strong> um jornal estudantil (...) (i<strong>de</strong>m).<br />

Os fatos que se <strong>de</strong>senrolariam a seguir, entretanto iam ser <strong>de</strong>terminantes no sentido<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar que os alunos não estavam dispostos a retroce<strong>de</strong>r em suas conquistas.<br />

Embora a greve acima referida não tenha ocorrido, segundo pu<strong>de</strong>mos investigar, em agosto,<br />

os acontecimentos ocorridos na cida<strong>de</strong> iam colocar a escola em polvorosa.<br />

Em nossa pesquisa pu<strong>de</strong>mos observar que havia um ambiente <strong>de</strong> insatisfação no<br />

interior da escola. Todos estavam <strong>de</strong> algum modo, insatisfeitos: os alunos, pela pratica<br />

autoritária que era evi<strong>de</strong>nciada nos “passos <strong>de</strong> física”, no controle sobre o centro cívico e na<br />

presença <strong>de</strong> um diretor oriundo do regime militar, entre outras coisas. Os professores<br />

estavam insatisfeitos pelo controle a que eram mantidos, a vigilância constante e outras<br />

questões como a cobrança dos estacionamentos, o excesso <strong>de</strong> aulas, entre outras questões.<br />

4.2 O Quebra-Quebra dos Ônibus em Salvador<br />

Em agosto <strong>de</strong> 1981 ocorreu em Salvador um movimento popular que teve gran<strong>de</strong><br />

repercussão <strong>de</strong>vido ao caráter violento que assumiu. Ficou conhecido como o “quebraquebra<br />

<strong>de</strong> Salvador” 61 e noticiado em um dos jornais <strong>de</strong> esquerda da época como “Os 14<br />

61 Segundo Otto Filgueiras foi “a maior explosão popular que aconteceu em Salvador nas últimas décadas. Uma<br />

verda<strong>de</strong>ira rebelião popular que nasceu <strong>de</strong> um pequeno movimento organizado, mas que se prolongou <strong>de</strong> forma<br />

espontânea por mais <strong>de</strong> duas semanas.” (FILGUEIRAS, 1981, p.18)<br />

132


dias que abalaram Salvador”. 62 O quebra-quebra gerou muitas controvérsias tendo em vista<br />

que, mesmo entre os partidos <strong>de</strong> esquerda, não houve um consenso acerca da <strong>de</strong>fesa do<br />

movimento 63 . Uma melhor compreensão do evento po<strong>de</strong> ser feita com a dissertação <strong>de</strong><br />

E<strong>de</strong>mir Brasil Pereira (2008), <strong>de</strong>fendida recentemente no Mestrado <strong>de</strong> História da UFBA e<br />

já referenciada neste trabalho.<br />

Embora os estudantes participassem do movimento, segundo Otto Filgueiras,<br />

nenhum militante estudantil ou político foi preso. Mas o Colégio Central foi invadido pelas<br />

tropas <strong>de</strong> choque a pre<strong>texto</strong> <strong>de</strong> se procurar “agitadores” e o estudante Edno Sena que se<br />

escon<strong>de</strong>u no banheiro <strong>para</strong> não ser espancado foi ferido por um policial com um tiro no<br />

abdômen (FILGUEIRAS, 1981).<br />

Este fato tem uma importância <strong>para</strong> nosso estudo em virtu<strong>de</strong> da participação<br />

<strong>de</strong>clarada dos estudantes da ETFBA e da repercussão que tal fato tomou perante a<br />

instituição, conforme pu<strong>de</strong>mos verificar tanto na leitura das atas <strong>de</strong> diretoria da escola,<br />

como em entrevistas com ex-alunos.<br />

Sobre o movimento, encontramos na ata <strong>de</strong> reunião extraordinária <strong>de</strong> diretoria da<br />

ETFBA com os chefes dos órgãos <strong>de</strong> direção superior, havida em 31/08/1981 o seguinte<br />

relato do diretor:<br />

(...) Acrescentou que estava ciente <strong>de</strong> há muito <strong>de</strong> que um pequeno grupo, mas <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação vinha tentando aliciar toda a escola <strong>para</strong> um<br />

movimento <strong>de</strong> apoio ao Movimento Contra a Carestia, <strong>de</strong> caráter nitidamente<br />

i<strong>de</strong>ológico, o que constituía uma preocupação <strong>de</strong> profunda gravida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

nos termos das <strong>de</strong>clarações das autorida<strong>de</strong>s governamentais e policiais esse<br />

movimento é ilegal e seus atos públicos <strong>de</strong> rua, seriam rigorosamente coibidos<br />

pela polícia (Livro <strong>de</strong> Atas <strong>de</strong> Reunião <strong>de</strong> Diretoria, 26/05/1981, p.131).<br />

Segundo alunos entrevistados, que partici<strong>para</strong>m dos protestos, a insatisfação era<br />

geral. Tanto os estudantes como toda a população da cida<strong>de</strong> estava submetida a um forte<br />

arrocho econômico, em virtu<strong>de</strong> da crise econômica que assolava a todos, especialmente as<br />

camadas populares. Este acontecimento, que obrigou a escola a <strong>para</strong>lisar suas ativida<strong>de</strong>s foi<br />

assim relatado por um ex-aluno:<br />

(...) Os estudantes começaram a se revoltar pela cida<strong>de</strong>, na verda<strong>de</strong> teve um<br />

grito, na verda<strong>de</strong> engasgado em relação à permanência ainda, <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

62 Voz da Unida<strong>de</strong>, agosto <strong>de</strong> 1981.<br />

63 Vários partidos <strong>de</strong> oposição “se reúnem no auge do quebra-quebra e soltam uma nota patética:<br />

responsabilizam o governo, é verda<strong>de</strong>, “por ter sido insensível a reivindicação popular e não ter revogado o<br />

aumento”, mas ao mesmo tempo qualificam o quebra-quebra como um grito <strong>de</strong> sufoco do povo que “explo<strong>de</strong><br />

cega e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente em lamentável violência”. Exigem do governo que cesse a violência policial contra a<br />

população, e da mesma forma fazem “ao povo e aos jovens um apelo no sentido <strong>de</strong> que cessem as<br />

manifestações violentas <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontentamento” (FILGUEIRAS, 1981, p.23).<br />

133


ferramentas da ditadura e fora o fato da crise econômica etc... Enfim, a escola<br />

técnica acabou refletindo aquele tempo que houve quebra-quebra <strong>de</strong> ônibus na<br />

cida<strong>de</strong>... (Estudante <strong>de</strong> Metalurgia, 1978/1982).<br />

A posição da escola, entretanto é <strong>de</strong> tentar ao máximo evitar a participação dos<br />

alunos no movimento. Deste modo, i<strong>de</strong>ntificamos ações por parte do professor Walfrido <strong>de</strong><br />

Moraes, que ocupava o cargo interinamente em substituição ao diretor Ruy Santos que<br />

estava em viagem, no sentido <strong>de</strong> coibir a participação dos alunos da ETFBA no movimento.<br />

.(...) o Professor Walfrido Moraes discorreu sobre os acontecimentos ocorridos na<br />

escola nos dias referidos, acentuando que, tendo chegado as suas mãos um<br />

panfleto convocando uma reunião ou assembléia <strong>de</strong> alunos, resolveu antecipar-se<br />

e com a <strong>de</strong>vida autorização que lhe foi dada pelo diretor, telefonicamente, emitiu<br />

uma nota pública, inclusive publicada pela imprensa e pelo rádio, advertindo todo<br />

corpo Discente dos perigos <strong>de</strong> uma confrontação com a polícia e conclamando<br />

aos lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> classe e a diretoria do Centro Cívico Santos Dumont no sentido <strong>de</strong><br />

que colaborassem com a diretoria da escola <strong>para</strong> dissuadir os estudantes <strong>de</strong>sse<br />

movimento político, não obstante a evidência <strong>de</strong> que era exatamente do Centro<br />

Cívico que estava partindo todo processo <strong>de</strong> insuflação (Livro <strong>de</strong> Atas da 54ª<br />

Reunião <strong>de</strong> Diretoria, 26/08/1981, p. 131).<br />

A nota não interfere nos projetos dos estudantes <strong>para</strong> aquele movimento. Eles se<br />

mantém firmes no propósito <strong>de</strong> participar dos protestos. Assim como ocorreu na socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> modo geral, este movimento ganhou uma dimensão <strong>de</strong> voluntarismo popular. Não havia<br />

mais um comando geral. Embora, aparentemente, os estudantes <strong>de</strong>monstrassem ter acatado<br />

a or<strong>de</strong>m do diretor, entretanto, se organizaram as expensas da conversa tida com o mesmo.<br />

Assim o diretor interino continua<br />

Acrescentou que a nota repercutiu favoravelmente <strong>de</strong>ntro e fora da escola, mas<br />

que apesar disso (no dia) meio-dia e meio, exatamente quando as turmas do<br />

matutino estão saindo e as turmas da tar<strong>de</strong> estão chegando, houve um comício do<br />

lado <strong>de</strong> fora da escola, à Rua Professor Viegas, quando falaram vários alunos,<br />

sobretudo das áreas <strong>de</strong> Química e Metalurgia, bem como elementos do Centro<br />

Cívico Santos Dumont, a certa altura do comício um pelotão da Polícia Militar<br />

chegava ao local (Livro <strong>de</strong> atas da 54ª reunião <strong>de</strong> diretoria. 26/08/1981, p.131).<br />

Sobre este fato o estudante acima relata que a escola parou...<br />

(...) ela <strong>para</strong>lisou, lembro <strong>aqui</strong> na porta da escola, a antiga entrada <strong>de</strong> alunos, era<br />

ali que a gente fazia as assembléias que foram feitas e é uma coisa que eu não<br />

esqueço nunca porque naquele muro, eu magrinho, com 16 ou 17 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>,<br />

discursando <strong>para</strong> aqueles meninos, todo mundo sentado, eu menino discursando<br />

<strong>para</strong> uma cambada, uma porrada <strong>de</strong> gente até que chega a polícia militar...<br />

Cercando <strong>de</strong> um lado, cercando do outro, com cavalo. E vem um oficial andando<br />

pelo meio dos alunos, me chamou assim e disse: - você tem <strong>de</strong>z minutos <strong>para</strong><br />

dispersar todo mundo sem confusão. A perna tremia feito “vara ver<strong>de</strong>”...<br />

(Estudante <strong>de</strong> Metalurgia, 1978/1982).<br />

134


O <strong>de</strong>senrolar dos acontecimentos faz com que o diretor substituto convoque uma<br />

reunião com todos os professores a fim <strong>de</strong> tomar uma posição frente aos fatos.<br />

Em chegando a escola convocou então uma reunião com todo o professorado<br />

quando compareceram (quase) mais <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> membros do Corpo<br />

Docente, além dos responsáveis pelos diversos cargos <strong>de</strong> confiança Das, DAIs,<br />

acentuando que a mesma se realizou sob um clima <strong>de</strong> intenso nervosismo<br />

quando se fizeram ouvir vários pronunciamentos (livro <strong>de</strong> Atas da 54ª Reunião <strong>de</strong><br />

Diretoria, 26/08/1981, p.131).<br />

Esta reunião tomou um rumo inusitado, pois um aluno <strong>de</strong>sejava participar da<br />

mesma. Porém, ao perceber a presença do referido aluno, o diretor em exercício exigiu a<br />

saída do mesmo, o que causou certo tumulto. No final o aluno foi ouvido e manifestou-se<br />

acerca da questão.<br />

Retirado <strong>para</strong> o gabinete da diretoria ficou <strong>de</strong>cidido, por sugestão do Chefe do<br />

DE e <strong>de</strong> vários professores, que o mesmo fosse ouvido, e este, trazido ao salão,<br />

<strong>de</strong>clarou-se porta-voz do grupo que vinha levantando a ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> lutas e <strong>de</strong><br />

reivindicações, através <strong>de</strong> uma organização inter-colegial estabelecida entre os<br />

centros cívicos, enfatizando que naquele instante, em nome dos seus colegas,<br />

vinha pedir a solidarieda<strong>de</strong> e apoio do professorado <strong>para</strong> que fosse feita a<br />

passeata <strong>de</strong> apoio ao Movimento Contra a Carestia. Pela maioria absoluta do<br />

professorado ficou <strong>de</strong>liberado que as aulas seriam encerradas naquele dia,<br />

permanecendo, contudo, cada professor em sua sala mesmo com a ausência dos<br />

alunos (...) (i<strong>de</strong>m).<br />

Segundo relato <strong>de</strong>ste aluno, a intenção <strong>de</strong>le ao solicitar sua participação na referida<br />

reunião era <strong>de</strong> suspen<strong>de</strong>r a aula como forma <strong>de</strong> garantir a segurança dos alunos, uma vez<br />

que não era pru<strong>de</strong>nte manter as aulas com a cida<strong>de</strong> em verda<strong>de</strong>ira guerra civil. Mas quando<br />

as aulas foram suspensas muitos alunos foram à passeata.<br />

Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ste evento, os alunos passam a ser mais duramente controlados<br />

pela direção. O diretor passa a solicitar com mais veemência uma atitu<strong>de</strong> a fim <strong>de</strong> evitar o<br />

crescimento do movimento. Em resposta a acentuação do controle, em 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

1981, o Centro Cívico divulga um manifesto intitulado “Unida<strong>de</strong> e Democracia”. Este<br />

documento se inicia com uma análise <strong>de</strong> conjuntura do período antece<strong>de</strong>nte (1964) e afirma<br />

que os acontecimentos <strong>de</strong> 1968 estarão <strong>para</strong> sempre registrados na história do povo<br />

brasileiro. Afirma ainda o documento acerca do autoritarismo presente na escola e das<br />

dificulda<strong>de</strong>s dos estudantes em organizar o movimento, visto que a censura interna impe<strong>de</strong><br />

as ações dos estudantes. Acusa a direção da escola <strong>de</strong> ser responsável pela <strong>de</strong>smobilização e<br />

conclui apresentando uma pauta das lutas do centro cívico.<br />

135


POR UM GRÊMIO LIVRE<br />

PELAS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS<br />

FIM DA LSN<br />

CONVOCAÇÃO DE UMA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE<br />

LIVRE E SOBERANA<br />

PELA RECONSTRUÇÃO DA UNETI.<br />

Estas são as ban<strong>de</strong>iras do CCSD e correspon<strong>de</strong>m à luta dos estudantes secundaristas<br />

já em fase <strong>de</strong> reorganização, conforme dito anteriormente, mas que traduzem também o<br />

con<strong>texto</strong> interno da escola e suas especificida<strong>de</strong>s. Além <strong>de</strong>stas questões <strong>aqui</strong> <strong>de</strong>scritas o<br />

cotidiano da escola era também “perturbado” por questões menores, mas que indicavam o<br />

grau <strong>de</strong> autoritarismo e <strong>de</strong> vínculo entre a direção da escola e o regime, bem como na<br />

intenção <strong>de</strong> formar uma mão <strong>de</strong> obra disciplinada a fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas do<br />

mercado.<br />

Entre estas questões i<strong>de</strong>ntificamos um permanente questionamento acerca da<br />

organização da escola que incluía questões didáticas, organização dos semestres,<br />

funcionamento da cantina, fardamento e uso <strong>de</strong> crachá. Negativa a participar do editorial do<br />

jornal institucional “JUVENTEC”, fundado em 1976, e na tentativa <strong>de</strong> fundar um jornal do<br />

CCSD, o que não é permitido pelo diretor.<br />

A escola funcionava como uma fábrica e evi<strong>de</strong>nciava todas as formalida<strong>de</strong>s que<br />

regem o regulamento no ambiente <strong>de</strong> trabalho fabril, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o uso <strong>de</strong> crachás, controle<br />

rigoroso sobre os horários, até a sua estrutura hierárquica <strong>de</strong> administração e controle sobre<br />

os estudantes e os <strong>de</strong>mais funcionários (professores e técnico-administrativo). Tudo se<br />

assemelhava ao ambiente <strong>de</strong> uma indústria.<br />

4.3 O Comitê Pró-Diretas da Técnica<br />

O terceiro momento por nós consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> significativa atuação dos estudantes da<br />

ETFBA se <strong>de</strong>u em <strong>de</strong>corrência da participação <strong>de</strong>stes na “Campanha “Diretas-Já” em 1984.<br />

“Diretas Já” foi um movimento suprapartidário e reuniu os principais partidos <strong>de</strong> oposição<br />

em torno da ban<strong>de</strong>ira pelas eleições diretas <strong>para</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República. O PMDB, o PDT<br />

e o PT compuseram um Comitê Pró-Diretas, o qual recebeu apoio ainda do PC do B e do<br />

PCB, ainda ilegais naquele período. Aos partidos somaram-se várias organizações da<br />

socieda<strong>de</strong> civil, com <strong>de</strong>staque <strong>para</strong> a UNE, OAB, CUT, CONCLAT, CNBB, ABI,<br />

Comissão <strong>de</strong> Justiça e Paz além dos sindicatos e associações <strong>de</strong> profissionais.<br />

136


O caráter heterogêneo foi a mais importante característica do movimento<br />

(DELGADO, 2007, p. 414). Segundo esta autora<br />

Nenhum político <strong>de</strong> carreira ou lí<strong>de</strong>r partidário em particular sobressaiu na<br />

condução do movimento. Mesmo porque não era homogênea a compreensão das<br />

diferentes entida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> civil e dos partidos sobre qual seria a melhor<br />

estratégia <strong>para</strong> conduzir a relação com o governo (DELGADO, 2007, p. 415).<br />

Embora concor<strong>de</strong>mos com o caráter heterogêneo do movimento, consi<strong>de</strong>ramos que<br />

alguns políticos capitalizaram politicamente com o mesmo. Po<strong>de</strong>mos exemplificar com os<br />

nomes <strong>de</strong> Ulisses Guimarães, Lula, Tancredo Neves e Leonel Brizola.<br />

Este foi o último e principal movimento político <strong>de</strong> caráter nacional, ocorrido no<br />

Brasil ainda sob governo <strong>de</strong> militares. No âmbito da ETFBA, <strong>de</strong> todas as ações envolvendo<br />

os estudantes durante o regime foi também a que causou maior comoção, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter<br />

proporcionado uma intensa união dos estudantes além do consi<strong>de</strong>rável envolvimento da<br />

escola com representantes <strong>de</strong> diversas entida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> civil, em conseqüência do<br />

fato político que causou.<br />

A diretoria do Centro Cívico <strong>de</strong>cidiu assumir a ban<strong>de</strong>ira das diretas,<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando, entretanto, as normas do estatuto do CCSD, que estabelecia a proibição<br />

dos estudantes <strong>de</strong> participarem <strong>de</strong> manifestações públicas com a farda escolar, bem como<br />

uma conversa estabelecida entre o diretor substituto Walfrido <strong>de</strong> Moraes, e o presi<strong>de</strong>nte do<br />

CCSD on<strong>de</strong> o mesmo foi advertido das conseqüências <strong>de</strong> participar do movimento portando<br />

camisa ou faixas com o nome da ETFBA.<br />

Ignorando tais advertências, os alunos, que já haviam criado na escola um “Comitê<br />

Pró-Diretas Técnica”, assumiram o risco e pagaram o preço <strong>de</strong> tal <strong>de</strong>sacato. Os documentos<br />

oficiais nos informam que:<br />

O Presi<strong>de</strong>nte do Centro Cívico Santos Dumont, Adson Lima Leite, imbuído do<br />

propósito <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeitar, ofen<strong>de</strong>r, porque <strong>de</strong>sacatar, com palavras e atos, as<br />

normas disciplinares <strong>de</strong>sta escola, resolve juntamente com um grupo <strong>de</strong> alunos a<br />

participarem da passeata pelas diretas, saindo d<strong>aqui</strong> da escola em direção ao<br />

Bonfim, usando a camisa do uniforme, faixas com o nome da Escola, conduzindo<br />

inclusive garrafões <strong>de</strong> vinho. O aluno Saulo Carneiro <strong>de</strong> Souza e Silva, turma 027<br />

e Juvenal Melvino da Silva Neto, ex-presi<strong>de</strong>nte do Centro Cívico Santos Dumont,<br />

<strong>de</strong>senvolveram <strong>de</strong>ntro da escola, uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacatos as normas disciplinares<br />

do estabelecimento, criando um Comitê Pró Diretas Técnica (ETFBA,<br />

RELATORIO. 31/05/1984).<br />

137


A primeira atitu<strong>de</strong> do diretor em exercício é <strong>de</strong> <strong>de</strong>squalificar os estudantes.<br />

Utilizando toda a retórica <strong>de</strong>senvolvida na profissão <strong>de</strong> jornalista e atribuindo aos<br />

estudantes a condição <strong>de</strong> não respeitarem as normas institucionais, <strong>de</strong> portarem “garrafões<br />

<strong>de</strong> vinho”, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacatarem a escola. Neste con<strong>texto</strong> percebe-se uma relação que se<br />

estabelecia entre ser crítico e ser rebel<strong>de</strong>, segundo a ótica da diretoria. Alia-se a isto o fato<br />

<strong>de</strong> haver por parte dos militares uma ação <strong>de</strong> pressionar as autorida<strong>de</strong>s escolares a reprimir<br />

possíveis alunos <strong>de</strong>claradamente vinculados aos partidos políticos da cida<strong>de</strong>.<br />

O Sr. Presi<strong>de</strong>nte foi convidado pelo Comando da VI Região Militar com a<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestar esclarecimentos quanto ao comportamento do aluno Saulo<br />

Carneiro no tocante ao propósito <strong>de</strong> aliciar o corpo discente <strong>para</strong> participação<br />

maciça em prol das diretas (IDEM).<br />

O vínculo do então diretor com as autorida<strong>de</strong>s policiais mais uma vez é<br />

<strong>de</strong>monstrado. Levando-se em conta que ele possuía informações sobre os estudantes da<br />

escola, sendo consi<strong>de</strong>rado por muitos o representante do SNI na mesma, conhecia os laços<br />

familiares do aluno em questão com um partido clan<strong>de</strong>stino. Vários alunos referem-se ao<br />

Sr. Walfrido como a “eminência parda” do regime. Não i<strong>de</strong>ntificamos, entretanto, nenhum<br />

documento que confirme sua relação direta com os militares. O fato <strong>de</strong> ocupar um cargo <strong>de</strong><br />

confiança po<strong>de</strong> ser visto como o motivo <strong>de</strong> acesso a tais informações.<br />

Sobre o Comitê das Diretas Já, houve, por parte dos alunos, uma tentativa <strong>de</strong><br />

dialogo, a qual foi interpretada pelo diretor como uma provocação.<br />

O aluno Adson procurou o senhor diretor <strong>para</strong> avisá-lo <strong>de</strong> que iria ocorrer a<br />

passeata e que o corpo discente está mobilizado <strong>para</strong> participar, pois se trata <strong>de</strong><br />

uma aspiração do povo brasileiro. O diretor ressaltou que (...) como cidadãos eles<br />

po<strong>de</strong>riam participar, mas que não usassem a camisa do uniforme nem tão pouco<br />

faixas contendo o nome <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> ensino mantida pelo governo<br />

fe<strong>de</strong>ral. O presi<strong>de</strong>nte do Centro Cívico Santos Dumont disse “eu assumo o risco”.<br />

O mesmo portava um crachá escrito: “Vá ao Bonfim pelas Diretas”. Se não<br />

bastasse foi encaminhado ao diretor um agra<strong>de</strong>cimento do Comitê Pró Diretas da<br />

Técnica assinado por Saulo Carneiro 64 . Publicaram também na imprensa uma<br />

nota <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento à diretoria da escola (Livro <strong>de</strong> Atas da Reunião do<br />

Conselho Técnico Consultivo, 27/04/1984, p. 60-61).<br />

Embora tenha afirmado no início da ata que os alunos foram <strong>de</strong>srespeitosos, o que<br />

transparece não é bem isso. Os mesmos procuraram a direção e buscaram um diálogo em<br />

que não nos parece que houvesse nenhuma palavra ofensiva ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>sacato. Tendo em vista<br />

a justificativa <strong>de</strong> ser a passeata “uma aspiração do povo brasileiro”. Diversas ações<br />

64 Em anexo.<br />

138


aparentemente contribuíram <strong>para</strong> que o diretor em exercício tomasse atitu<strong>de</strong>s drásticas em<br />

relação aos alunos.<br />

Em um relatório entregue ao diretor Ruy Santos, logo após a sua chegada em<br />

31/05/1984, o diretor em exercício apresenta <strong>de</strong> forma bastante <strong>de</strong>talhada toda a trajetória<br />

dos estudantes que li<strong>de</strong>raram o Comitê Pro Diretas, bem como da diretoria do Centro Cívico<br />

Santos Dumont.<br />

Este documento é iniciado da seguinte forma:<br />

(...) cumpre-nos apresentar por escrito e <strong>de</strong> maneira circunstanciada, este relatório<br />

sobre os acontecimentos que, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados por um restrito, mas<br />

atuante grupo <strong>de</strong> alunos nossos, ofereceram a socieda<strong>de</strong> baiana um dos mais<br />

lastimáveis espetáculos, <strong>de</strong> indisciplina e <strong>de</strong>srespeito, comprometendo duramente<br />

as tradições or<strong>de</strong>iras e a reputação exemplar <strong>de</strong>ste estabelecimento <strong>de</strong> ensino<br />

profissionalizante, mantido com o sacrifício do contribuinte brasileiro (Relatório,<br />

31/05/1984).<br />

A seguir passa discorrer sobre o con<strong>texto</strong> em que ocorreram as eleições do centro<br />

cívico e da qual foi vitoriosa a chapa “União e Luta”.<br />

Primeiro eles passaram a atuar <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das normas estabelecidas no<br />

regimento escolar; em segundo lugar, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>raram a professora que era supervisora do<br />

Centro Cívico e organizaram o movimento no interior da escola. De outro lado, a<br />

repercussão da participação dos estudantes na passeata <strong>de</strong>sagradou ainda mais o diretor.<br />

Segundo Lessa 65 ,<br />

Em 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1984, o movimento nacional pela <strong>de</strong>mocratização do país<br />

resultou, em Salvador, numa <strong>de</strong>monstração e mobilização pública que reuniu<br />

“DEZ MIL NA CAMINHADA POR DIRETAS-JÁ ATÉ O BONFIM”<br />

(JORNAL DA BAHIA), on<strong>de</strong>, segundo o jornal da Bahia, a turma “Mais<br />

entusiasta, o grupo dos estudantes da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia irrompeu o<br />

largo da Calçada às 18h30min, quando a caminhada começava a dar seus<br />

primeiros passos” (LESSA, 2002, p.48).<br />

Numa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ousadia e enfrentamento, os estudantes não acataram as normas<br />

institucionais, <strong>de</strong> modo que, o diretor em exercício se viu na obrigação <strong>de</strong> tomar uma<br />

atitu<strong>de</strong> mais drástica, uma vez que era do seu conhecimento as ativida<strong>de</strong>s políticopartidárias<br />

dos envolvidos. Fato, aliás, que lhe <strong>de</strong>sagradava, conforme vemos na mesma ata<br />

ao falar sobre o resultado da eleição que elegera o aluno Adson <strong>para</strong> a presidência do<br />

CCSD.<br />

65 José Lessa foi professor da escola, tendo ocupado vários cargos e é consi<strong>de</strong>rado por muitos alunos,<br />

especialmente a partir <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> oitenta, como um dos professores responsáveis pela formação<br />

mais crítica dos estudantes. Embora tenhamos realizado varias tentativas <strong>de</strong> entrevistá-lo, não conseguimos.<br />

139


Ocorreu a nova eleição, ou seja, a eleição <strong>para</strong> nova diretoria do Centro Cívico<br />

Santos Dumont, que atuará no primeiro semestre <strong>de</strong> 1984 e a presidência ficou a<br />

cargo do aluno Adson Lima Leite, turma 731, on<strong>de</strong> já pu<strong>de</strong>mos constatar as fortes<br />

convicções políticas e i<strong>de</strong>ológicas (Livro <strong>de</strong> Atas da Reunião do Conselho<br />

Técnico Consultivo, 27/04/1984, p. 60).<br />

A medida tomada com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> punir exemplarmente os envolvidos foi a<br />

suspensão <strong>de</strong> toda a diretoria do CCSD.<br />

Depois <strong>de</strong> todos esses acontecimentos convoquei toda a diretoria da escola <strong>para</strong><br />

uma reunião on<strong>de</strong> foi discutido os últimos acontecimentos que envolveram o<br />

corpo discente com relação a passeata pelas diretas <strong>para</strong> o Bonfim e na qualida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> diretor substituto baixei a portaria Nº65/84 suspen<strong>de</strong>ndo por oito dias úteis os<br />

alunos (nomes dos alunos suspensos), pena <strong>de</strong> suspensão pelo prazo <strong>de</strong> 04 dias<br />

úteis aos responsáveis pela <strong>para</strong>lisação das aulas, laboratórios e oficinas no dia<br />

18/04/84 quando da participação da passeata com a camisa do uniforme e faixa<br />

contendo nome da escola. Os alunos suspensos recusaram assinar a presente<br />

portaria e resolveram <strong>de</strong> fazer uma greve <strong>de</strong> protesto contra a atitu<strong>de</strong> tomada.<br />

(Livro <strong>de</strong> Atas da reunião do Conselho Técnico Consultivo, 27/04/1984, p. 60).<br />

A partir da <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> suspensão ocorre uma greve na escola, greve esta que<br />

toma repercussão nacional na mídia e provoca gran<strong>de</strong> mobilização no interior da escola. O<br />

clima <strong>de</strong> constrangimento nacional, visível inclusive nos jornais da época, coloca em<br />

evidência a ação <strong>de</strong> um diretor repressor e autoritário que não percebe as mudanças em<br />

curso, e, especialmente, a participação <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> jovens que vivera sua vida na<br />

ditadura e sonhava com um país mais <strong>de</strong>mocrático. Deste modo, a mobilização em torno da<br />

suspensão, e a solicitação que tal portaria fosse revogada, não se restringiram aos muros da<br />

escola e, certamente, foi um passo importante na união dos professores ao movimento dos<br />

estudantes, e, conseqüentemente, ao movimento que viria posteriormente pela saída do<br />

Diretor Ruy Santos e que ficou conhecido como “Fora Ruy”.<br />

Um dos alunos suspensos, lí<strong>de</strong>r do Comitê Pró-diretas da Técnica, comentando<br />

sobre o fato, assim fala da sua participação:<br />

Participamos do Comício pelas Diretas na Praça Municipal, da Caminhada ao<br />

Bonfim pelas Diretas Já. No primeiro, como presi<strong>de</strong>nte do Centro Cívico<br />

discursei <strong>para</strong> uma platéia <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 40 mil pessoas. No segundo, levamos mais<br />

<strong>de</strong> seiscentos alunos da ETFBA fardados <strong>para</strong> a caminhada. Neste episódio, fui<br />

suspenso da escola por oito dias, e os colegas (...) foram suspensos por cinco dias.<br />

Daí, cerca <strong>de</strong> três mil alunos revoltados fizeram a primeira greve da época da<br />

ditadura militar, <strong>para</strong> revogação das suspensões. Foram cerca <strong>de</strong> cinco dias <strong>de</strong><br />

greve, sem que conseguíssemos a revogação da suspensão. Tivemos que recuar,<br />

pois seriamos expulsos da ETFBA (Aluno <strong>de</strong> Geologia, 1982/1984).<br />

O jornal “Jornal da Bahia” assim noticiou:<br />

140


Um grupo <strong>de</strong> estudantes da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia <strong>de</strong>cidiu impetrar um<br />

mandato <strong>de</strong> segurança contra o diretor do estabelecimento Walfrido <strong>de</strong> Moraes<br />

Neto que puniu ontem com suspensões <strong>de</strong> 4 a 8 dias oito estudantes, seis<br />

componentes do Centro Cívico e dois do Comitê Pró Diretas da Técnica – que<br />

partici<strong>para</strong>m da passeata pelas diretas até o Bonfim, no último dia 18 juntamente<br />

com outros 600 alunos da instituição. O diretor acusou os outros estudantes<br />

suspensos <strong>de</strong> incitarem os outros alunos a participarem da caminhada cívica e<br />

fazerem uso da camisa e do nome da escola em ativida<strong>de</strong> político partidária. Mas<br />

os estudantes não aceitaram a acusação, afirmando que os <strong>de</strong>mais alunos<br />

partici<strong>para</strong>m da manifestação por livre iniciativa e que só foram com a camisa da<br />

escola, os que estudavam à tar<strong>de</strong> e, portanto não pu<strong>de</strong>ram ir <strong>para</strong> casa mudar a<br />

roupa em tempo <strong>de</strong> participar da manifestação.<br />

(...) Ainda ontem na parte da tar<strong>de</strong> houve um movimento <strong>de</strong>ntro do<br />

estabelecimento, com muitos alunos abandonando as salas <strong>de</strong> aula. Eles<br />

prometem hoje pela manhã concentrarem-se nos portões da escola e <strong>de</strong>cidirem<br />

pela greve “que certamente acontecerá” (Jornal da Bahia, 26/04/1984).<br />

O conteúdo trazido pelo jornal <strong>de</strong>monstra, <strong>de</strong> certo modo, simpatia pelo movimento<br />

dos estudantes. Muitas entida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> civil se mobilizaram no intuito <strong>de</strong> reverter a<br />

suspensão. O presi<strong>de</strong>nte da Câmara <strong>de</strong> Vereadores <strong>de</strong> Salvador, a OAB, IAB, políticos<br />

locais, sindicatos, vereadores, etc. enviaram telegramas ao diretor exigindo a revogação das<br />

suspensões.<br />

O jornal Tribuna da Bahia também se mostrou solidário aos estudantes, em editorial<br />

crítico com relação à postura do diretor em exercício:<br />

FORA DO TEMPO<br />

Os tempos mudaram, mas tem gente que não se acostuma a isso. O Diretor<br />

Interino da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia po<strong>de</strong> ser enquadrado como uma<br />

<strong>de</strong>ssas pessoas. Numa área como a educação <strong>de</strong> um público em formação –<br />

jovens entre 15 a 20 anos – (...) se comporta como se estivesse nos duros tempos<br />

da repressão medicista. Os jovens por formação têm um sentimento mais i<strong>de</strong>alista<br />

das coisas e <strong>de</strong>vem se observados sob esse prisma. Por que tanta inflexibilida<strong>de</strong> e<br />

rigi<strong>de</strong>z no lidar com os alunos? Que ódio move Walfrido, instigando-o sobre os<br />

estudantes? O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> eleições diretas já é <strong>de</strong> toda nação ou ele não o tem, a<br />

exemplo dos <strong>de</strong>putados do PDS? Os tempos mudaram e Figueiredo está aí <strong>para</strong><br />

confirmar, ao esten<strong>de</strong>r a mão à oposição no caminho do entendimento nacional.<br />

Os “Walfridos” da vida, porém, relutam em acompanhar a história e preferem as<br />

trevas. Ainda bem que o corpo docente da escola não apóia o diretor interino. Só<br />

não se arriscam a expor isso publicamente por causa das repressões. Afinal elas<br />

po<strong>de</strong>m ser transferidas dos alunos <strong>para</strong> os professores (Tribuna Da Bahia,<br />

04/05/1984, p.05).<br />

O acontecimento, que ganhou repercussão nacional, foi noticiado inclusive pelo<br />

Jornal do Brasil:<br />

Em Salvador, os alunos da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia entraram em greve,<br />

por tempo in<strong>de</strong>terminado, em solidarieda<strong>de</strong> a oito colegas que foram suspensos,<br />

porque partici<strong>para</strong>m fardados da caminhada até a Igreja do Bonfim, no último dia<br />

18, em <strong>de</strong>fesa das eleições diretas <strong>para</strong> Presidência da República (Jornal do<br />

Brasil, 27/04/1984).<br />

141


A mobilização da socieda<strong>de</strong> não foi suficiente <strong>para</strong> que o mesmo voltasse atrás em<br />

sua portaria. A greve terminou em 04 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1984. A suspensão foi mantida e os alunos<br />

foram impedidos <strong>de</strong> realizarem segunda chamada, sendo que alguns <strong>de</strong>les per<strong>de</strong>ram o<br />

semestre e dois foram jubilados 66 . Além disso, a diretoria da escola enviou uma nota<br />

assinada pelo diretor substituto, on<strong>de</strong> “esclarecia” as famílias dos alunos suspensos acerca<br />

dos problemas que eles estariam sujeitos se mantivessem o movimento, <strong>de</strong>monstrado uma<br />

posição <strong>de</strong>fensiva, tendo em vista a publicida<strong>de</strong> que o fato tomara.<br />

ESCOLA TÉCNICA FEDERAL DA BAHIA<br />

ESCLARECIMENTO AOS PAIS DOS SEUS ALUNOS E A<br />

COMUNIDADE<br />

Em virtu<strong>de</strong> das notícias infelizmente distorcidas <strong>de</strong> que esta diretoria teria punido<br />

oito alunos do Corpo Discente por terem comparecido a chamada Passeata<br />

promovida pela Campanha Pró-Diretas Já no dia 18 do corrente, à Colina do<br />

Bonfim, cumpre-nos esclarecer aos senhores pais dos nossos quase 4.000 alunos<br />

e à socieda<strong>de</strong> baiana em geral, os seguintes aspectos do problema <strong>para</strong> o seu<br />

sereno julgamento.<br />

(...)<br />

Acontece, porém que não se sabe se ao seu talante ou por insuflação <strong>de</strong> elementos<br />

estranhos, o recém empossado presi<strong>de</strong>nte do “Centro Cívico Santos Dumont”,<br />

numa atitu<strong>de</strong> estranhamente surpreen<strong>de</strong>nte, resolveu comparecer a o nosso<br />

gabinete <strong>para</strong> comunicar, <strong>de</strong> maneira a mais arrogante a sua <strong>de</strong>liberação e <strong>de</strong> toda<br />

diretoria do órgão (por sinal diretamente vinculada a diretoria da ETFBA) <strong>de</strong><br />

promover juntamente com o Comitê Pró Diretas Já da Técnica (Um órgão<br />

clan<strong>de</strong>stino li<strong>de</strong>rado por dois alunos que, <strong>de</strong> há muito vem tumultuando a via até<br />

então tranqüila, do estabelecimento) a arregimentação da classe estudantil <strong>para</strong><br />

em <strong>de</strong>sfile integrar publicamente o ato público notoriamente <strong>de</strong> cunho políticopartidário.<br />

(...) lançamos mão <strong>de</strong> todos os argumentos possíveis no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>movê-los do<br />

uso do processo <strong>de</strong> aliciamento do alunato em horário normal <strong>de</strong> aulas e do uso<br />

da farda, privativa da escola. E a resposta intransigente que recebemos foi <strong>de</strong> que<br />

sem a farda estaria <strong>de</strong>scaracterizada a representação da E.T.F.Ba. no movimento<br />

e <strong>de</strong> que o centro cívico e o comitê correriam quaisquer que fossem os riscos e<br />

conseqüências pois contavam com o apoio <strong>de</strong> várias instituições jurídicas e<br />

políticas, cujos nomes por um imperativo <strong>de</strong> respeito nos reservamos <strong>de</strong><br />

mencionar.<br />

(...)<br />

Em face <strong>de</strong>ssa intransigência e <strong>de</strong>sse impertinente <strong>de</strong>safio, gratuito e<br />

constrangedor, qual <strong>de</strong>veria ser porventura a posição moral <strong>de</strong>sta Diretoria?...<br />

Deixar-se <strong>de</strong>smoralizar e permitir o ostensivo <strong>de</strong>srespeito às normas<br />

regulamentares vigentes?... Omitir-se dando ensanchas a proliferação <strong>de</strong>stes<br />

tristes exemplos <strong>de</strong> indisciplina que se reflete, sobretudo na vida e no<br />

comportamento daqueles que <strong>de</strong>sejam realmente estudar e se educar (A TARDE,<br />

28/04/1984, p.16).<br />

Em razão da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar as avaliações no período <strong>de</strong> suspensão, em<br />

15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1984 foi assinada a portaria Nº99/84 GD com o jubilamento do aluno que<br />

era presi<strong>de</strong>nte do centro cívico durante o evento das diretas. Os custos <strong>de</strong>sta mobilização<br />

66 O aluno que perdia dois semestres consecutivos era excluído da escola.<br />

142


<strong>de</strong>ixaram conseqüências também <strong>para</strong> a diretoria da escola que se viu a partir <strong>de</strong> então cada<br />

vez mais questionada em sua legitimida<strong>de</strong>. O principal resultado foi à constatação <strong>de</strong> que a<br />

oposição ao diretor se tornara mais efetiva entre os professores, sendo que muitos <strong>de</strong>les<br />

apoiaram o movimento dos estudantes e discordaram da punição aos alunos, manifestandose<br />

publicamente.<br />

O momento em questão era um período <strong>de</strong> questionamento dos dispositivos legais<br />

originados no regime ditatorial, <strong>de</strong>ste modo, passíveis <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rados. Havia um<br />

<strong>de</strong>scompasso entre as transformações que ocorriam na socieda<strong>de</strong> e a legislação do regime.<br />

Este <strong>de</strong>scompasso permanece ainda por muito tempo no caso das escolas, on<strong>de</strong> embora o<br />

<strong>de</strong>creto Nº 477 67 já tivesse sido revogado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1979, seus regimentos ainda seguiam a<br />

mesma linha <strong>de</strong> conduta que o originara, provocando muitas contradições e a permanência<br />

<strong>de</strong> uma postura rígida <strong>de</strong> controle sobre os estudantes.<br />

Logo a seguir, ainda no segundo semestre <strong>de</strong> 1984, os alunos <strong>de</strong> um lado, e os<br />

professores e funcionários <strong>de</strong> outro, começam a se organizar em torno da luta por eleições<br />

<strong>para</strong> diretor da escola. Esta luta coinci<strong>de</strong> com a legalização do grêmio estudantil, o qual não<br />

foi em um primeiro momento acatado pela direção que ainda pretendia impor o mesmo<br />

controle sobre os estudantes. Desta forma, a reorganização do movimento estudantil sob a<br />

forma <strong>de</strong> grêmio estudantil coinci<strong>de</strong> com a luta <strong>para</strong> eleições do diretor ou, o que naquele<br />

momento parecia mais <strong>de</strong>mocrático, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> uma lista tríplice<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> uma consulta à comunida<strong>de</strong> escolar.<br />

Sobre este tema, um dos nossos entrevistos manifestou-se da seguinte maneira:<br />

Quando eu cheguei foi no ano seguinte (1984), ou no segundo semestre <strong>de</strong>ste<br />

momento. Foi exatamente isso... foi exatamente no segundo semestre <strong>de</strong>sse ano<br />

que eu cheguei.<br />

Essa ebulição não <strong>de</strong>morou muito tempo (...). Nesse mesmo ano teve um<br />

processo e a gente começa a exigir eleição <strong>para</strong> diretor da escola. Quando eu<br />

estava no básico, as primeiras reuniões começaram. E lembro perfeitamente (...).<br />

Os professores já <strong>de</strong>viam estar se articulando, os funcionários... Deviam estar se<br />

articulando. Eu lembro precisamente da primeira reunião do básico <strong>para</strong> discutir<br />

essa questão, <strong>de</strong> uma reunião isolada. - Por que isso? O cidadão está aí há tanto<br />

tempo, uma visão estreita <strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> gestão inclusive e não vai sair<br />

também, vai mais uma?<br />

67 “O <strong>de</strong>creto dispõe sobre – aparentemente – inofensivas infrações disciplinares praticadas por professores,<br />

alunos e funcionários <strong>de</strong> estabelecimentos <strong>de</strong> ensino públicos e privados. Mas ao <strong>de</strong>fini-las, em seu primeiro<br />

artigo, o seu caráter coercitivo torna-se muito evi<strong>de</strong>nte: comete infração disciplinar os que “aliciam” ou incitam<br />

<strong>para</strong>lisações ou que participem das mesmas. O mesmo vale <strong>para</strong> os que organizam atos, passeatas, <strong>de</strong>sfiles,<br />

comícios ou que <strong>de</strong>les participem, e <strong>para</strong> os que conduzam, elaborem, confeccionem, imprimam, guar<strong>de</strong>m ou<br />

distribuam “material subversivo <strong>de</strong> qualquer natureza”. Não satisfeito pela amplitu<strong>de</strong> da caracterização dos atos<br />

subversivos, <strong>de</strong>fine que comete infração também aqueles que usam as <strong>de</strong>pendências do estabelecimento <strong>de</strong><br />

ensino <strong>para</strong> fins <strong>de</strong> subversão ou <strong>para</strong> praticar ato contrário à moral ou à or<strong>de</strong>m pública. Enfim, tudo era<br />

passível <strong>de</strong> ser classificado como infração disciplinar.<br />

A partir <strong>de</strong>sse largo escopo o <strong>de</strong>creto estabelece as punições. A assimetria entre os possíveis fatos geradores e o<br />

rigor das punições <strong>de</strong>scumpre qualquer princípio jurídico <strong>de</strong> razoabilida<strong>de</strong>” (LEHER, 2009).<br />

143


Eu lembro com precisão do básico <strong>para</strong>r nas aulas <strong>de</strong> história a gente tinha<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>para</strong> discutir acerca <strong>de</strong>ssas questões, tínhamos oportunida<strong>de</strong> <strong>para</strong><br />

falar e lá saiu o indicativo <strong>de</strong> convocarmos outros lí<strong>de</strong>res, o que é que era e<br />

porque se dava aquela perpetuação e partindo já <strong>para</strong> uma próxima porque na<br />

avaliação <strong>de</strong>le não haveria eleição (Estudante <strong>de</strong> Química, 1984/1986) 68 .<br />

Assim se inicia o movimento <strong>de</strong> luta pelas eleições diretas <strong>para</strong> diretor. Luta que se<br />

mantém até os anos 2000, embora naquele momento em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> articulações<br />

políticas e do con<strong>texto</strong> mais geral da socieda<strong>de</strong>, o diretor empossado fosse, <strong>de</strong> fato, o mais<br />

votado.<br />

4.4 Diretas <strong>para</strong> Diretor: conquistas e alianças entre estudantes, professores e<br />

funcionários técnicos administrativos - o “Fora Ruy Santos”<br />

O governo Sarney, a partir <strong>de</strong> 1985, iniciou um período <strong>de</strong> forte mobilização na<br />

ETFBA e nas <strong>de</strong>mais escolas técnicas da re<strong>de</strong>. A este con<strong>texto</strong> mais geral <strong>de</strong> efervescência<br />

política somou-se a realização <strong>de</strong> um Seminário <strong>de</strong>nominado “Dia D da Educação”,<br />

realizado por sugestão do MEC. Uma proposta <strong>de</strong> discussão em todas as escolas do país<br />

acerca dos <strong>de</strong>stinos da educação. O dia D da Educação 69 , um dia <strong>de</strong> mobilização<br />

<strong>de</strong>terminado pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral através do MEC, promoveu uma oportunida<strong>de</strong> da escola<br />

expor suas insatisfações com o regime, que embora estivesse sendo superado ainda<br />

mantinha resquícios da ditadura. Conforme Lessa, ainda no mesmo sentimento <strong>de</strong><br />

(...) (re)<strong>de</strong>mocratização, em novembro <strong>de</strong> 1985, foi realizado em Recife, um<br />

Seminário organizado pelo MEC, <strong>de</strong>nominado Educação Para Todos – Caminho<br />

Para Mudança, com a participação das ETFs do Nor<strong>de</strong>ste no âmbito do programa<br />

“A Política da SEPS <strong>para</strong> o ensino <strong>de</strong> 1º e 2º graus e o papel do Sistema Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong> Ensino”. No mês seguinte, representante da ETFBA que havia participado do<br />

seminário, encaminha proposta <strong>de</strong> Ação das ETFs em torno no programa do<br />

MEC/SEPS, <strong>para</strong> a ETFBA, em forma <strong>de</strong> Seminário, com o tema EDUCAÇÃO<br />

PARA TODOS: DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA E DO ENSINO “(LESSA,<br />

2002, p.49).<br />

O acesso ao relatório oriundo das discussões ocorridas neste evento nos indica que<br />

<strong>de</strong>ntro da organização do mesmo havia uma mobilização em torno <strong>de</strong> mudanças mais<br />

efetivas na escola. Deste modo, o programa do referido evento <strong>de</strong>monstra uma<br />

68<br />

O aluno ingressou no segundo semestre <strong>de</strong> 1984 e a expulsão a que se refere é, na verda<strong>de</strong> o jubilamento dos<br />

estudantes Saulo e Adson.<br />

69<br />

Segundo relatório resultante das discussões ocorridas no referido <strong>de</strong>bate, este evento ocorreu a partir <strong>de</strong><br />

sugestão do MEC <strong>para</strong> a realização <strong>de</strong> um dia <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate sobre educação/escola. Foi criada uma comissão<br />

coor<strong>de</strong>nadora dos trabalhos contando com membros da diretoria, assessoria pedagógica, professores,<br />

funcionários e estudantes (Relatório “Dia D”, p.01).<br />

144


intencionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus organizadores quanto aos anseios futuros. Os temas <strong>de</strong>batidos<br />

entre estudantes, professores e corpo técnico administrativo no “Dia D” foram os seguintes:<br />

1. Ensino público em questão - escola <strong>para</strong> todos<br />

2. Escola e mudança social<br />

3. Competência técnica e conteúdo.<br />

A partir <strong>de</strong>ste relatório, pautado em referencial marxista, i<strong>de</strong>ntificamos algumas<br />

questões significativas das mudanças a que a escola estava prestes a vivenciar. O <strong>texto</strong> nos<br />

indica este caminho:<br />

A escolha dos temas seguiu uma linha <strong>de</strong> compreensão que enten<strong>de</strong> a escola e a<br />

educação <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma relação contextual dialética. Daí eles terem sido<br />

escolhidos <strong>de</strong> forma que permitissem uma visão global do processo educacional<br />

ao mesmo tempo em que as questões específicas do interior da escola não fossem<br />

marginalizadas ao processo <strong>de</strong> discussão. Isto é, ao mesmo tempo em que a<br />

proposição temática, em alguns casos, permitia a discussão partindo do geral <strong>para</strong><br />

o específico, em outros casos, o específico se projetaria no sentido do geral. Esta<br />

interação, ao nosso ver, <strong>de</strong>fine-se como dialética o que nos remete,<br />

necessariamente, a uma discussão em torno do pedagógico e a sua dimensão<br />

político-i<strong>de</strong>ológica e da prática social política e sua dimensão pedagógica<br />

((Relatório “Dia D”, 1985, p.02).<br />

O tópico 3.2 do referido documento traz um resumo das reflexões realizadas acerca<br />

da escola, <strong>de</strong> modo que percebemos a tendência a um maior posicionamento <strong>de</strong> todos os<br />

sujeitos envolvidos, no sentido <strong>de</strong> reivindicar um espaço mais <strong>de</strong>mocrático no interior da<br />

instituição.<br />

A mudança da socieda<strong>de</strong> tem feições próprias. Em nosso caso, precisamos saber<br />

que mudança é essa.<br />

O caminho da mudança está nas transformações da socieda<strong>de</strong>.<br />

A história do autoritarismo no Brasil encontra-se em processo <strong>de</strong> transformações:<br />

eleições diretas, <strong>de</strong>mocratização da Escola, maior participação das camadas<br />

populares.<br />

(...)<br />

Ausência <strong>de</strong> relações do processo educacional com os reais <strong>de</strong>mandantes da<br />

escola. A maior preocupação é com a empresa, quando <strong>de</strong>veria ser com a família,<br />

com a criança, com o jovem.<br />

Burocratização da educação.<br />

(...)<br />

A oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança está sendo oferecida: participação política, liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática etc.<br />

(...)<br />

Rompimento com o autoritarismo<br />

Resgate da autonomia da escola<br />

Mudança nos processos <strong>de</strong> planejamento e <strong>de</strong>cisões na organização dos jovens,<br />

através <strong>de</strong> grêmio, centro cívicos, etc.<br />

Fortalecimento <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> professores e funcionários.<br />

Eleições diretas (Relatório “Dia D”, 1985, p.08-09).<br />

145


Embora este documento seja <strong>de</strong> cunho institucional, e não elaborado pelos<br />

estudantes, consi<strong>de</strong>ramos pertinente a sua apresentação na medida em que indica um<br />

cenário favorável à mobilização estudantil, e até mesmo certa “insuflação” por parte <strong>de</strong><br />

alguns professores <strong>para</strong> que houvesse um posicionamento mais crítico entre os <strong>de</strong>mais<br />

membros da escola.<br />

Este seminário contou com a presença <strong>de</strong> representantes estudantis em todos os<br />

grupos <strong>de</strong> discussão e teve influência direta nas movimentações em torno das eleições <strong>para</strong><br />

diretor que se tornaram mais efetivas, tanto <strong>para</strong> os estudantes, como <strong>para</strong> os professores.<br />

Ocorreu assim a união dos professores, alunos e funcionários a fim <strong>de</strong> exigir eleições diretas<br />

<strong>para</strong> o diretor da escola 70 .<br />

Com o processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização do país, houve um movimento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

intensida<strong>de</strong> no seio das Escolas Técnicas Fe<strong>de</strong>rais, principalmente após um<br />

evento <strong>de</strong> âmbito nacional que foi coor<strong>de</strong>nado pelo Ministério <strong>de</strong> Educação e<br />

Cultura chamado ‘Dia D’, esse ‘Dia D’ mobilizou todas as instituições e todas as<br />

[...] toda sua comunida<strong>de</strong>. Professores, alunos e funcionários, e o tema principal<br />

<strong>de</strong>sse movimento foi ‘Educação e Democracia’ e isso <strong>de</strong>spertou entre a<br />

comunida<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> participar efetivamente da escolha do seu dirigente, <strong>de</strong><br />

seus dirigentes (Roberto Trípodi, Ex-Diretor, 1986/1994) 71 .<br />

Inicialmente os professores buscaram um dialogo com a direção no sentido <strong>de</strong><br />

propiciar uma saída mais tranqüila <strong>para</strong> o processo eleitoral, entretanto, embora levasse ao<br />

conselho técnico consultivo suas <strong>de</strong>mandas, o diretor não lhe <strong>de</strong>u a <strong>de</strong>vida importância.<br />

Consta em ata a entrega <strong>de</strong> um documento on<strong>de</strong> os professores buscavam uma alteração do<br />

processo eleitoral.<br />

Em seguida, o senhor diretor da escola dirigiu-se ao conselho <strong>para</strong> informar que<br />

alguns membros da comunida<strong>de</strong> lhe entregaram um documento cujo teor<br />

continha sugestões ou pontos básicos <strong>para</strong> a escolha do diretor da ETFBa (Livro<br />

<strong>de</strong> Atas <strong>de</strong> Posse do Conselho Técnico Consultivo, 11/04/1986).<br />

70 “No primeiro semestre <strong>de</strong> 1986 foi <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado um movimento na Escola, antecedido por uma série <strong>de</strong><br />

reivindicações da comunida<strong>de</strong> acadêmica <strong>de</strong>vido as resoluções do Conselho Técnico Consultivo no que se<br />

referia ao processo <strong>de</strong> escolha do dirigente máximo da instituição, apresentando propostas <strong>de</strong>sencontradas com<br />

as expectativas da maioria da população escolar, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os movimentos “Diretas Já”, “Dia D” entre outras<br />

manifestações, vinha num crescendo <strong>de</strong> conscientização e repercutiu internamente na instituição e resultou na<br />

realização da consulta à comunida<strong>de</strong> <strong>para</strong> a formação <strong>de</strong> lista com os seis nomes mais votados, a ser<br />

encaminhada ao Conselho Técnico Consultivo da instituição, com fim especifico <strong>de</strong> elaborar e encaminhar ao<br />

MEC uma lista tríplice <strong>para</strong> escolha do novo diretor da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia”(LESSA, 2002, p.49-<br />

50).<br />

71 Ví<strong>de</strong>o institucional.<br />

146


Entretanto, nesta mesma reunião foi marcada a escolha da lista sêxtupla <strong>para</strong> uma<br />

reunião seguinte e os as sugestões da comunida<strong>de</strong> não foram aceitas. Foi <strong>de</strong>finida então por<br />

parte do grupo em movimento a <strong>de</strong>flagração <strong>de</strong> uma greve. O movimento ganhou as páginas<br />

dos jornais, e tanto um grupo como o outro manifestavam suas posições na imprensa<br />

baiana.<br />

RENÚNCIA DE CARGOS NA E. TÉCNICA<br />

Motivados pela posição, que consi<strong>de</strong>raram arbitrária, tomada pelo Conselho<br />

Técnico Consultivo da ETFBa., em reunião do dia 11/04/86, quando o diretor da<br />

escola, juntamente com mais seis membros representantes da comunida<strong>de</strong> externa<br />

e alheios aos <strong>de</strong>mais anseios da comunida<strong>de</strong> escolar, ignoraram as justas<br />

propostas dos três segmentos da escola, referentes à sucessão do diretor,<br />

<strong>de</strong>fendidas naquele momento, pelo representante docente (A Tar<strong>de</strong>, 12/04/1986,<br />

p. 07).<br />

Após a renúncia coletiva dos cargos, e da greve dos estudantes, a qual, segundo<br />

nosso entrevistado, era dos estudantes por uma questão estratégica visto que eles po<strong>de</strong>riam<br />

<strong>para</strong>r a escola sem sofrer retaliações ao contrário dos professores 72 . Deste modo, fizeram a<br />

greve com apoio dos professores e <strong>de</strong> boa parte do corpo técnico administrativo. Mas<br />

conforme verificamos em ata <strong>de</strong> reunião, o diretor permaneceu inflexível, sendo necessária<br />

a presença <strong>de</strong> um representante do MEC a fim <strong>de</strong> mediar o impasse.<br />

O principal impasse diz respeito à própria função do Conselho Técnico Consultivo.<br />

Se ele acatasse o pleito dos professores, segundo um <strong>de</strong> seus conselheiros, <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser<br />

um órgão <strong>de</strong> consulta, representante do MEC na comunida<strong>de</strong> e assumiria “uma função<br />

meramente homologatória da <strong>de</strong>cisão previamente tomada pela comunida<strong>de</strong>” (Livro <strong>de</strong> Atas<br />

da Reunião Extra-ordinária do Conselho Técnico Consultivo, 24/04/1986).<br />

A estratégia da diretoria foi <strong>de</strong> <strong>de</strong>squalificar o movimento mobilizando a opinião<br />

pública através dos jornais. Acusava <strong>de</strong> ba<strong>de</strong>rna, chegando a solicitar a presença da polícia<br />

a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o patrimônio da escola conforme observamos em oficio en<strong>de</strong>reçado ao<br />

comando da polícia militar e amplamente divulgado nos jornais.<br />

TÉCNICA CHAMA POLÍCIA PARA MANTER A ORDEM<br />

“Estou inteiramente aberto ao diálogo”. A afirmação é do diretor da Escola<br />

Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, Ruy Santos, ao esclarecer as razões que o levaram a<br />

colocar policiais militares na parte interna da escola. Ele disse que anteontem a<br />

noite baixou a portaria <strong>de</strong> número 75, on<strong>de</strong> proíbe a entrada <strong>de</strong> pessoas estranhas<br />

na parte interna do colégio, uma vez que as ativida<strong>de</strong>s acadêmicas se encontram<br />

<strong>para</strong>lisadas com o movimento, e que a presença dos policiais é apenas <strong>para</strong><br />

segurança do patrimônio.<br />

72 Embora nosso entrevistado afirme a greve como feita pelos estudantes, as notícias dos jornais da época<br />

referem-se a um movimento conjunto <strong>de</strong> toda a comunida<strong>de</strong> da escola.<br />

147


Preocupado com a greve que envolve professores, alunos e funcionários <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

última segunda-feira, o diretor do estabelecimento assegurou que chamar a<br />

policia é um procedimento normal, pois, a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu cargo é muito<br />

gran<strong>de</strong>.<br />

Ele diz que “a medida é apenas <strong>para</strong> esfriar os ânimos das pessoas em greve e, até<br />

sábado, quando termina a portaria, espero que o diálogo entre as partes aconteça.<br />

(...) ao abordar o fato da colocação <strong>de</strong> militares no colégio no dia em que estava<br />

prevista uma reunião <strong>de</strong> esclarecimento entre pais, alunos e professores, o diretor<br />

alegou que o fato foi uma simples coincidência (Correio da Bahia, 18/04/1986).<br />

A chegada do representante do MEC possibilitou que se chegasse a um<br />

<strong>de</strong>nominador comum entre a comunida<strong>de</strong> e o diretor. Sobre a reunião ocorrida com<br />

presença <strong>de</strong>ste mediador um aluno relatou:<br />

O MEC mandou um representante <strong>para</strong> ver a ba<strong>de</strong>rna e daí o MEC mandou uma<br />

<strong>de</strong>legada regional. (...) primeiro falou o diretor. Primeiro ele disse que éramos<br />

(os estudantes) massa <strong>de</strong> manobra. E tinha uma proposta que a gente tinha <strong>para</strong><br />

fazer e eu pedi <strong>para</strong> apresentar essa proposta. Eu lembro bem que a fala da<br />

<strong>de</strong>legada do MEC e ela disse que fizéssemos disso um parto que fosse o mais<br />

natural. E eu pedi ainda a fala e disse a ela que haviam muitas pessoas naquela<br />

sala nascidos <strong>de</strong> parto cesárea... (Estudante <strong>de</strong> Química, 1984/1986).<br />

Assim, o movimento carregado <strong>de</strong> simbolismos, culminou com uma gran<strong>de</strong><br />

manifestação dos alunos, professores e funcionários na área externa da escola. Promoveram<br />

mostra <strong>de</strong> som no pátio da escola, <strong>de</strong>clamavam poemas, e, por fim, <strong>de</strong>ram um abraço em<br />

torno do prédio.<br />

(...) eu me lembro, a Carla Visi, essa cantora... Ela era da nossa chapa. Eu era<br />

diretor <strong>de</strong> imprensa e ela era da área cultural. Então assim... Eu me lembro que o<br />

cantar <strong>de</strong>la.. a forma como ela tinha um domínio <strong>de</strong> palco, aquela coisa toda...<br />

Tinha um outro músico também... Eu era do coral da escola (...) era tecladista da<br />

igreja. (...) a gente segurou toda a greve com a música. Teve paródia...<br />

Construímos todo o processo (Estudante <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1982/1986).<br />

Outro aluno assim narrou suas experiências:<br />

A coisa mais incrível que aconteceu na minha vida. Aquilo parou essa escola,<br />

parou tudo. Na época nós improvisamos um jornal. Eu participei, foi criação<br />

minha o jornal do movimento, teve um momento em que Rui Santos radicalizou,<br />

fechou a escola e nós fizemos assembléia no sindicato dos metalúrgicos, fizemos<br />

um forro na porta da escola, <strong>de</strong>mos um abraço na escola, teve o processo da<br />

eleição ele (Trípodi) recebeu em torno <strong>de</strong> 85% dos votos. Depois da eleição a<br />

lista foi pro MEC, o nome foi incluso na lista era outra comemoração. E a gente...<br />

tudo era uma comemoração. A gente ficava enlouquecido, nem conseguia assistir<br />

aula, queria saber o resultado da lista (Estudante <strong>de</strong> Química, 1985/1990).<br />

A saída <strong>de</strong> Ruy Santos da direção da escola foi um processo bastante complexo, e<br />

como dito antes, construído <strong>de</strong> forma gradual. Não po<strong>de</strong>mos entendê-lo isolado das<br />

148


condições políticas e sociais do país e nem tampouco <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a existência no interior<br />

da escola <strong>de</strong> um importante contingente <strong>de</strong> professores, alunos e funcionários técnicoadministrativo<br />

que percebiam as mudanças em curso, assim como eram <strong>de</strong>sfavoráveis à<br />

permanência <strong>de</strong> um diretor que teve sua gestão originada no regime militar. Novas relações<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r se costuravam no ambiente institucional, compondo-se com membros da antiga<br />

diretoria associados a outros professores e funcionários insatisfeitos com a postura<br />

autoritária do diretor.<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da postura assumida pelo diretor, sua presença era inaceitável em<br />

<strong>de</strong>corrência das mudanças e das condições que a socieda<strong>de</strong> vivia. Reivindicar eleições era<br />

uma tendência natural, ainda mais em um ambiente educacional questionador, mergulhado<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos da ditadura em uma reflexão crítica, a qual só não era expressa <strong>de</strong> forma<br />

mais acentuada, por conta da repressão, da qual o diretor foi o representante naquele<br />

estabelecimento <strong>de</strong> ensino.<br />

A gente era a<strong>de</strong>strado <strong>para</strong> entrar na indústria e cumprir <strong>aqui</strong>lo ali... Naquele<br />

período, lendo o marxismo. Todo um antagonismo, uma contradição n<strong>aqui</strong>lo lá.<br />

Então os setores mais, eu po<strong>de</strong>ria dizer, mais <strong>de</strong> movimento que estavam lá<br />

<strong>de</strong>ntro. Não só insatisfeitos, mas formulava o porquê da insatisfação. Não era só<br />

sentir na pele o problema. A gente sentia e mais, fazia inferências sobre o<br />

problema. Certo? (Estudante <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1982/1986).<br />

Um aspecto interessante <strong>de</strong>ste fato é a reivindicação <strong>de</strong> todas as categorias <strong>para</strong> o<br />

seu protagonismo na ação. De modo que um aluno, membro da comissão que elaborou a<br />

proposta <strong>de</strong> lista sêxtupla assim se refere ao fato:<br />

A gente tirou ele (o diretor) antes <strong>de</strong> fundar o grêmio. Depois da eleição a gente<br />

conseguiu estruturar o grêmio. Foi a coisa mais linda que aconteceu na escola..<br />

Nós tivemos professores, funcionários e alunos, na sua maioria, dando tudo pra<br />

organizar o movimento. Os professores nos ajudaram <strong>para</strong> dar esse caráter<br />

or<strong>de</strong>iro. Logo foi sinalizado <strong>para</strong> imprensa que era um bando <strong>de</strong> ba<strong>de</strong>rneiros.<br />

Professores <strong>de</strong> várias coor<strong>de</strong>nações partici<strong>para</strong>m. Eu acho que era um <strong>de</strong>sejo da<br />

escola enrustido e massacrado por ele e por isso que talvez todo mundo fique<br />

pensando que foi seu grupo que iniciou. Daí que <strong>de</strong>riva essa idéia que foi eu que<br />

comecei porque estava todo mundo pensando (Estudante <strong>de</strong> Química,<br />

1984/1986).<br />

O protagonismo <strong>de</strong>ste movimento não po<strong>de</strong> ser exclusivo <strong>de</strong> uma categoria. Foi<br />

necessária uma união forte a fim <strong>de</strong> fazer valer os anseios da comunida<strong>de</strong> escolar. A<br />

inauguração <strong>de</strong>sta nova fase, dita <strong>de</strong>mocrática, na escola, não significa, entretanto, a<br />

eliminação dos conflitos.<br />

149


Novos problemas surgiram, sendo que vários professores e funcionários, que<br />

apoiavam o Diretor Rui Santos, o acompanharam quando retornou à sua instituição <strong>de</strong><br />

origem (Geociências/UFBA), o que gerou sérios problemas à instituição e à nova diretoria<br />

que assumiu. Após a vitória <strong>de</strong> Roberto Trípodi, com mais <strong>de</strong> 80% dos votos entre<br />

professores, funcionários e estudantes, foi organizada a primeira eleição <strong>para</strong> o grêmio, cuja<br />

diretoria foi empossada ainda em 1986.<br />

4.5 A Restauração do Grêmio Estudantil<br />

Uma preocupação que a gente tinha, porque quando nós começamos, o<br />

movimento estudantil era polarizado <strong>aqui</strong> em Salvador entre o PC do B, que<br />

controlava tudo, esse XXXX, por exemplo, era ligado ao PC do B, e tinha gente<br />

que... Que não era, vamos dizer assim, diretamente ligado a nada. A gente fazia<br />

oposição porque era contra o PC do B. Nós fazíamos parte <strong>de</strong> um grupo em que<br />

uma parte das pessoas era do PT. Eu, por exemplo, não era do PT. Não gostava<br />

do PT. Mas o pessoal que estava ali era próximo ao PT e nós começamos a<br />

organizar as turmas (Aluno <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1984/1988).<br />

Na transição entre o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> organização gestada na ditadura, o centro cívico,<br />

<strong>para</strong> o grêmio livre, possibilitado a organizarem-se com o estabelecimento da “Nova<br />

República”, os estudantes da ETFBA vivenciaram, conforme <strong>de</strong>scrito anteriormente, a<br />

experiência da mobilização interna que lhes conferiu a perspectiva <strong>de</strong> recriação do grêmio<br />

com mais liberda<strong>de</strong> e autonomia que a maioria das instituições estudantis. Neste sentido, os<br />

alunos passam a buscar novas formas <strong>de</strong> organização, conscientes da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

criarem um mo<strong>de</strong>lo próprio, diferenciado do centro cívico.<br />

O ME tinha que ter também outros elementos. A nossa tese era que a gente tinha<br />

que fazer um movimento estudantil diferente. Nós achávamos que o movimento<br />

estudantil tinha que ter ban<strong>de</strong>iras específicas (Aluno <strong>de</strong> Eletrotécnica,<br />

1984/1988).<br />

O grêmio se estruturou logo após a posse do novo diretor, eleito em consonância<br />

com os <strong>de</strong>sejos da comunida<strong>de</strong> docente e discente. Esta condição especial faz com que em<br />

um primeiro momento as divergências político-partidárias presentes na escola fossem<br />

menos evi<strong>de</strong>ntes que o projeto comum almejado pela maioria <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização da<br />

instituição.<br />

Participei da comissão pró-grêmio. Depois do processo <strong>de</strong> Rui Santos nós<br />

aceleramos o processo <strong>de</strong> eleição do grêmio. Basicamente eram dois grupos que<br />

se enfrentaram: um grupo que era do PC do B e outra vinculada ao PT. A chapa<br />

150


do PT ganhou amplamente a eleição. A chapa chamava Semeando o Movimento<br />

(Estudante <strong>de</strong> Química, 1984/1986). 73<br />

À medida, entretanto, que as conquistas são alcançadas, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões e<br />

posições político-partidárias ganham <strong>de</strong>staque, estabelecendo-se como pano <strong>de</strong> fundo das<br />

disputas internas. Este fenômeno não é exclusivo dos estudantes, manifesta-se inclusive nas<br />

disputas entre os professores e funcionários.<br />

Depois que foi implantada a diretoria, logo no segundo semestre, eu comecei a<br />

discordar. Aí eu acho que era o erro político <strong>de</strong>les, todo mundo que não<br />

concordava com o grupo eles pichavam e assumiam uma postura muito ruim.<br />

Fulano não concorda então é do PC do B. Então o pessoal do PC do B veio me<br />

procurar e a gente começou a discutir. Vamos formar uma chapa. Não era um<br />

cara do partido nem nada. Era muito falante, sou pouco falante hoje (risos). Não<br />

sei se tinha carisma não, mas tinha um tipo <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança na época, que quando<br />

tinha que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma proposta era impossível per<strong>de</strong>r. Os professores falavam: -<br />

Você fala bem pra caramba! Era uma coisa assim... (Estudante <strong>de</strong> Química,<br />

1984/1986).<br />

Em nosso trabalho, buscamos ouvir os grupos que li<strong>de</strong>raram o movimento,<br />

<strong>de</strong>monstrando suas divergências. Advertimos, entretanto, que é necessário relativizar, visto<br />

que essas falas são atualizadas pelas suas experiências posteriores.<br />

Uma preocupação que a gente tinha, porque quando nós começamos, o<br />

movimento estudantil era polarizado <strong>aqui</strong> em Salvador entre o PC do B, que<br />

controlava tudo, esse [aluno], por exemplo, era ligado ao PC do B, e tinha gente<br />

que... Que não era, vamos dizer assim, diretamente ligado a nada. A gente fazia<br />

oposição porque era contra o PC do B. Nós fazíamos parte <strong>de</strong> um grupo em que<br />

uma parte das pessoas era do PT. Eu, por exemplo, não era do PT. Não gostava<br />

do PT. Mas o pessoal que estava ali era próximo ao PT e nós começamos a<br />

organizar as turmas. Vamos fazer movimento <strong>aqui</strong> e tal... (Aluno <strong>de</strong><br />

Eletrotécnica, 1984/1988).<br />

Estas disputas refletiam um con<strong>texto</strong> mais amplo do movimento estudantil que,<br />

embora viesse se reorganizando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da década, se fortaleceu com a aprovação da<br />

Lei do Grêmio Livre em 1985. As diversas tendências existentes no ME ganham as páginas<br />

dos principais jornais do país e <strong>de</strong> revistas <strong>de</strong> circulação nacional, como a revista Veja e a<br />

Isto é, por exemplo, que passam a evi<strong>de</strong>nciar as divergências internas da esquerda que<br />

po<strong>de</strong>m ter contribuído <strong>para</strong> a <strong>de</strong>smobilização do movimento. No caso <strong>de</strong> Salvador, não foi<br />

diferente, conforme po<strong>de</strong>mos verificar nesta reportagem da Tribuna da Bahia:<br />

73 Semeando o movimento, caracterizava a presença do PT no ME através da tendência Semeando e o<br />

Movimento era uma alusão aos acontecimentos relativos à saída do diretor, cujo jornal se chamava “Jornal do<br />

Movimento”.<br />

151


POLÊMICA CERCA ENCONTRO E ESTUDANTES DA UMES<br />

Antes mesmo <strong>de</strong> começar, o encontro da UMES, União Metropolitana <strong>de</strong><br />

Estudantes Secundaristas, já virou polêmica. Uma facção dissi<strong>de</strong>nte está<br />

revoltada contra a presidência da entida<strong>de</strong> que, segundo <strong>de</strong>núncia está<br />

manipulando a realização do encontro previsto <strong>para</strong> 19 e 20 <strong>de</strong> setembro, quando<br />

<strong>de</strong>verá contar com a participação <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> trezentos <strong>de</strong>legados a serem<br />

escolhidos se não houver boicote. Também criticam a tentativa <strong>de</strong> levar o<br />

congresso <strong>para</strong> Camaçari, “é casuísmo eleitoreiro”. Ao divulgarem um panfleto,<br />

cuja autoria é atribuída ao Movimento In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da Bahia, os estudantes, na<br />

maioria do Colégio Central questionam a representativida<strong>de</strong> do atual presi<strong>de</strong>nte,<br />

con<strong>de</strong>nando-o <strong>de</strong> arbitrário e omisso aos principais problemas como a violência<br />

das escolas e a falta <strong>de</strong> uma se<strong>de</strong> própria da UMES (TRIBUNA DA BAHIA,<br />

23/08/1986).<br />

Des<strong>de</strong> então, os partidos políticos, já fortemente estabelecidos <strong>de</strong>ntro do movimento<br />

estudantil, buscavam ganhar a hegemonia e as diretorias dos grêmios das principais<br />

instituições <strong>de</strong> ensino e a Escola Técnica, era, naquele momento um dos principais espaços<br />

<strong>de</strong> organização da luta estudantil.<br />

E era uma coisa acirrada porque tinha o pessoal do PT, do PC do B, os<br />

anarquistas, gente ligada a outros partidos, como o PSB. E, na própria escola<br />

também tinha isso, na direção da escola tinham as forças que se organizavam,<br />

tinha uma rica discussão política e que disputam até hoje a direção do CEFET<br />

né? Hoje são os mesmos grupos e tinha uma rica discussão política. Quando eu<br />

cheguei, eu não era vinculado a nenhuma força política, <strong>de</strong>pois que eu me filiei<br />

ao PC do B, partido que sou filiado até hoje (Estudante <strong>de</strong> Eletrotécnica,<br />

1987/1991).<br />

Os documentos produzidos pela tendência “Semeando” indicam a existência <strong>de</strong> um<br />

posicionamento <strong>de</strong> disputa política do grêmio com fortes críticas a gestão “Alternativa”,<br />

segunda chapa a assumir o grêmio, acusada <strong>de</strong> “imobilismo” além <strong>de</strong> ocorrer à cobrança da<br />

realização do II Congresso dos Estudantes da ETFBA. As divergências internas refletem,<br />

como dito antes, a disputa da UBES e da UMES em escala nacional e estadual.<br />

A comunicação entre o grêmio e a direção da escola através <strong>de</strong> documentos e ofícios<br />

indica que o diretor tinha uma preocupação <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r as <strong>de</strong>mandas dos estudantes. A<br />

partir da campanha <strong>para</strong> eleição da nova diretoria da escola em 1990 os alunos da chapa<br />

Semeando assumem abertamente o apoio a chapa <strong>de</strong> reeleição do diretor Roberto Trípodi,<br />

enquanto a chapa “Alternativa” se posiciona ao lado da oposição, representada pela chapa<br />

“Mutirão”, encabeçada pela Professora Aurina, o Professor Elias e o Professor Almir.<br />

I<strong>de</strong>ntificamos ainda através <strong>de</strong> documentos, a realização V Congresso dos<br />

Estudantes da ETFBA no ano <strong>de</strong> 1991, período em que os estudantes estavam mobilizados<br />

em torno do “Fora Collor”.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista dos alunos, a participação <strong>de</strong>cisiva <strong>de</strong>stes no processo <strong>de</strong> saída do<br />

diretor lhes confere um status e grau <strong>de</strong> importância acentuado frente à tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões<br />

152


da escola. Segundo relatos dos estudantes, na posse do novo diretor, o lí<strong>de</strong>r dos estudantes<br />

foi o mais aplaudido, por ocasião do discurso proferido.<br />

Ainda durante o governo <strong>de</strong> José Sarney, a publicação <strong>de</strong> dois <strong>de</strong>cretos 74 voltados à<br />

redução das verbas públicas da educação, gerou uma gran<strong>de</strong> mobilização na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Escolas<br />

Técnicas Fe<strong>de</strong>rais e a ETFBA. Através do envio <strong>de</strong> telegramas <strong>para</strong> o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República e aos Deputados Fe<strong>de</strong>rais, toda a re<strong>de</strong> manifestou <strong>de</strong>sagrado com o <strong>de</strong>creto que<br />

gerou profundas dificulda<strong>de</strong>s no interior das escolas.<br />

Os estudantes participavam <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões importantes no cotidiano da escola.<br />

Demonstravam uma consciência frente aos problemas sociais e mantinham uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconfiança frente à diretoria em momentos on<strong>de</strong> ficava clara a existência <strong>de</strong> um<br />

partidarismo envolvendo a relação entre direção e os grupos <strong>de</strong> estudantes.<br />

(...) Na minha época mesmo, a gente não <strong>de</strong>ixava passar em branco um aumento<br />

<strong>de</strong> transporte em Salvador, a gente fazia movimento, participava, as coisas não<br />

aconteciam assim, não passavam ao largo do movimento. Eu lembro que quando<br />

teve um erro, a escola cometeu um erro no concurso e chamou pra cursar um<br />

monte <strong>de</strong> gente que não tinha verda<strong>de</strong>iramente passado na prova. Eles erraram o<br />

processamento da correção e aí chamou na verda<strong>de</strong> uma turma que não tinha<br />

passado em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> quem tinha passado. Quando eles verificaram o erro<br />

eles já tinham chamado o pessoal, já tinham se matriculado e tentaram corrigir o<br />

erro botando essa turma pra fora e chamando os novos. Aí foi um problemão. Aí<br />

foi o grêmio, eu era o presi<strong>de</strong>nte do grêmio na época, foi a gente que conseguiu<br />

brecar um pouco isso porque assim... Você cometeu uma injustiça com quem<br />

passou <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, colocou <strong>para</strong> <strong>de</strong>ntro pessoas que não tinham passado, mas<br />

também você cometeria uma gente injustiça gran<strong>de</strong> que seria retroce<strong>de</strong>r. Tinha<br />

gente assim que tinha vindo do interior, alugado casa, largou emprego, largou<br />

escola e aí com uma semana <strong>de</strong> aula você queria mandar ele embora? A gente<br />

conseguiu na discussão, na mobilização da galera, na discussão com a escola,<br />

abrir um prece<strong>de</strong>nte que permitiu que todo mundo estudasse. Colocar todo<br />

mundo pra <strong>de</strong>ntro. Não passava nada em branco naquela época na escola.<br />

(Estudante <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1987/1991).<br />

Logo após a posse da primeira diretoria do grêmio estudantil Edson Luis, os<br />

estudantes realizaram o I Seminário Estudantil dos Estudantes da ETFBA entre as<br />

principais ban<strong>de</strong>iras do seminário estudantil i<strong>de</strong>ntificamos a luta contra o jubilamento.<br />

Tivemos acesso em nossa pesquisa ao boletim da diretoria do grêmio que realizou o II<br />

Congresso dos Estudantes, on<strong>de</strong> há explicações sobre o significado <strong>de</strong> tal evento:<br />

VEM AÍ O II CONGRESSO INTERNO DOS ESTUDANTES 75<br />

74<br />

Decreto Nº 95682/88 e Decreto Nº 95683/88 que estabeleciam entre outras coisas a proibição <strong>de</strong> contratação<br />

<strong>de</strong> novos professores e do pagamento <strong>de</strong> horas extra <strong>para</strong> os funcionários das instituições fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> ensino.<br />

75<br />

(BOLETIM ALTERNATIVO, Gestão Alternativa – Nº 1 DE 29/02 A 13/02, s/d). Presumimos que a data<br />

<strong>de</strong>ste boletim seja 1988, pois esta é a segunda chapa a assumir a presidência do Grêmio Estudantil Edson Luís.<br />

153


O congresso interno é a instância máxima <strong>de</strong>liberativa do Grêmio Estudantil,<br />

<strong>de</strong>les participam os alunos eleitos em sala <strong>de</strong> aula (<strong>de</strong>legados) com direito a voz e<br />

voto e também todos os <strong>de</strong>mais alunos da ETFBa que estejam interessados em<br />

participar com direito apenas a voz. É um dia <strong>de</strong> discussão on<strong>de</strong> os objetivos são:<br />

elevar o nível cultural e crítico dos estudantes, discutir os problemas educacionais<br />

internos e estreitar os laços com toda a comunida<strong>de</strong> escolar. Possui o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

aprovar, vetar ou reformular o estatuto da entida<strong>de</strong>. O Grêmio promoverá uma<br />

série <strong>de</strong> seminários direcionados principalmente aos <strong>de</strong>legados, objetivando uma<br />

pre<strong>para</strong>ção a fim <strong>de</strong> que o congresso seja participativo e representativo.<br />

JUNTOS CONSTRUIREMOS UMA ETFBA VERDADEIRAMENTE<br />

DEMOCRÁTICA.<br />

A análise da conjuntura política era discutida pelos estudantes, bem como os rumos<br />

da política implementada pelo governo <strong>de</strong> José Sarney. A publicação dos <strong>de</strong>cretos Nº<br />

95682 e Nº 95683 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> 1988 <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram um novo momento <strong>de</strong> luta e<br />

união entre professores, alunos e funcionários, não apenas na ETFBA, mas em praticamente<br />

toda a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolas técnicas fe<strong>de</strong>rais.<br />

O ano <strong>de</strong> 1988 foi marcado pela Crise dos Decretos do Governo Sarney. Entre as<br />

propostas governamentais que marcavam a crise e que po<strong>de</strong>riam levar as<br />

instituições fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> ensino técnico-profissionalizante à falência, duas têm<br />

ressonâncias significativas: uma <strong>de</strong>las é a sempre lembrada (à época)<br />

estadualização das Escolas Técnicas Fe<strong>de</strong>rais - ETFs. A outra, que revela a<br />

insensibilida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> quem assim pensa, caracterizava-se pela possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> transferência da responsabilida<strong>de</strong> histórica (e jurídica) do Estado com a<br />

educação pública e gratuita <strong>para</strong> as mãos da empresa privada. Outras medidas<br />

que, mesmo não propondo eliminação imediata <strong>de</strong>stas instituições, levariam, por<br />

certo, à morte ou à inviabilização progressiva <strong>de</strong>ste sistema fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> ensino.<br />

Neste caso, as raízes <strong>de</strong>sta situação se encontram na aplicação indiscriminada dos<br />

Decretos do Governo Sarney (95682/88, 95683/88, 2423/88, 2424/88 e 2425/88)<br />

relacionados ao controle <strong>de</strong> pessoal docente e administrativo das Escolas<br />

Técnicas e a medidas <strong>de</strong> contenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas. Diante da mobilização geral <strong>de</strong><br />

todos os segmentos internos, e da comunida<strong>de</strong> externa (pais <strong>de</strong> alunos,<br />

intelectuais, políticos, imprensa, etc.) a situação foi contornada, mas, mesmo<br />

assim, os fatos terminaram trazendo alguns problemas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m administrativa e<br />

pedagógica <strong>para</strong> a vida da ETFBA (LESSA, 2009).<br />

Deste modo, os jornais noticiam amplamente a greve dos alunos pela revogação do<br />

<strong>de</strong>creto <strong>de</strong> Sarney. Nesta greve se mantém uma prática que será bastante importante <strong>para</strong> o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do movimento estudantil da escola: a união <strong>de</strong> ban<strong>de</strong>iras entre os<br />

estudantes e professores, que passa a ocorrer frequentemente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o “Fora Ruy”, sendo<br />

que o apoio discente garante ao corpo docente a legitimida<strong>de</strong> do seu movimento e<br />

<strong>de</strong>senvolve uma responsabilização política dos estudantes. Essa prática <strong>de</strong> discussão<br />

coletiva caracteriza vários momentos da escola e, inclui ainda a presença <strong>de</strong> representante<br />

discente nos órgãos consultivos da diretoria, como o Conselho Diretor, por exemplo.<br />

Os alunos da escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia iniciaram ontem um movimento<br />

em protesto contra os <strong>de</strong>cretos 95.682 e 95.683/88 do governo fe<strong>de</strong>ral que proíbe<br />

154


a contratação <strong>de</strong> pessoal e <strong>de</strong>termina o corte <strong>de</strong> verbas <strong>para</strong> as escolas fe<strong>de</strong>rais,<br />

respectivamente. Pela manhã eles interditaram a Rua Emídio Santos, no Barbalho<br />

por 40 minutos, provocando um gran<strong>de</strong> engarrafamento. À tar<strong>de</strong>, no pátio interno<br />

da escola, foi feito um ato público e o enterro simbólico da educação e do<br />

governo Sarney.<br />

As manifestações <strong>de</strong> repúdio a crise do ensino vão continuar e os alunos fazem<br />

hoje e amanhã uma vigília na entrada do colégio. Revoltado com o <strong>de</strong>scaso do<br />

Governo Fe<strong>de</strong>ral com o ensino, o vice presi<strong>de</strong>nte do Grêmio dos alunos da<br />

ETFBa, Ednaldo Moreira, alerta: “Mais quatro dias e po<strong>de</strong>remos per<strong>de</strong>r todo o<br />

semestre”. Alguns cursos como o <strong>de</strong> química estão sem aulas básicas por falta <strong>de</strong><br />

professores. Para os alunos <strong>de</strong> Geologia, o quadro é mais grave, pois 50% dos<br />

professores estão afastados e o quadro <strong>de</strong> 11 professores está resumido a apenas<br />

cinco.<br />

Com a falta <strong>de</strong> professores está prejudicada também a entrada <strong>de</strong> novos alunos<br />

aprovados e matriculados <strong>para</strong> o segundo semestre. Pelo mesmo motivo cerca <strong>de</strong><br />

40% dos alunos da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia “estão tendo aulas <strong>de</strong><br />

Educação Física ministradas por estagiários, e os do curso <strong>de</strong> Eletromecânica do<br />

sétimo período estão sem condição <strong>de</strong> se formar”.<br />

Os problemas na Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral começaram a surgir no final do ano<br />

passado quando houve uma <strong>de</strong>missão espontânea <strong>de</strong> professores. Logo em<br />

seguida, foi realizado um concurso público e aprovado 21 professores, que com<br />

os <strong>de</strong>cretos, não pu<strong>de</strong>ram ser contratados. Segundo o estudante e secretário geral<br />

da UMES, Antenor Junior, “<strong>para</strong> um bom funcionamento seria necessário um<br />

quadro <strong>de</strong> pelo menos 35 professores”.<br />

Além da greve - que já <strong>completo</strong>u um mês – foi formada uma comissão <strong>de</strong><br />

professores e alunos que seguiu até Brasília <strong>para</strong> pressionar o Ministro da<br />

Educação Hugo Napoleão. “Recebemos como resposta por um subordinado do<br />

ministro, que ao assunto não era da educação e sim da fazenda”, <strong>de</strong>sabafa<br />

Ednaldo Moreira. O mesmo documento foi entregue a <strong>de</strong>legacia regional do<br />

MEC, sem nenhum efeito concreto. Decididos a continuar na luta os estudantes<br />

vão impetrar um mandato <strong>de</strong> segurança contra o Governo Fe<strong>de</strong>ral e <strong>para</strong> isso, vão<br />

buscar o apoio da OAB. (TRIBUNA DA BAHIA, 18/04/1988).<br />

De outro lado, garante aos estudantes uma posição <strong>de</strong> sujeito, contestando e atuando<br />

ativamente na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> questões como a organização do calendário e da reposição das<br />

aulas, discordando e cobrando soluções <strong>para</strong> os problemas gerados pelas greves.<br />

Mais uma vez o governo da Nova República aplica um golpe aos trabalhadores.<br />

Desta vez é o corte nos gastos públicos, que na verda<strong>de</strong> é um corte nos salários e<br />

nas conquistas dos funcionários públicos e ano dos gastos públicos propriamente<br />

ditos. Por que não acabam <strong>de</strong> vez com os salários dos Marajás? Por que ainda<br />

investem rios <strong>de</strong> dinheiro na ferrovia Norte-Sul? Por que voltam a pagar os juros<br />

da dívida externa que não foi contraída por nós? Aqui na escola, essa política se<br />

refletiu <strong>de</strong> maneira dramática, atingindo a toda a comunida<strong>de</strong> e principalmente a<br />

nós Estudantes. Proibiram a contratação dos professores aprovados em concurso<br />

público recentemente realizado na Escola; dificultou o trabalho <strong>de</strong> setores<br />

recentemente criados <strong>para</strong> aten<strong>de</strong>r aos alunos como o DRC (que trata dos<br />

estágios), o CAED (refletindo muito na merenda escolar, monitoria e etc.),<br />

impediram a contratação <strong>de</strong> professores substitutos <strong>para</strong> aten<strong>de</strong>r as necessida<strong>de</strong>s<br />

da escola. Se um professor adoecer ou licença gestante <strong>para</strong> professoras, não se<br />

po<strong>de</strong>rá contratar um substituto – turmas inteiras po<strong>de</strong>rão ficar sem professores;<br />

eliminaram o limite máximo <strong>de</strong> horas-aula ferindo o direito adquirido na<br />

isonomia salarial. Nós estudantes, professores, funcionários e todos os<br />

trabalhadores não po<strong>de</strong>mos aceitar esse tipo <strong>de</strong> política, que é a política da<br />

burguesia (dos banqueiros, dos empresários, do FMI) que vão <strong>de</strong> encontro aos<br />

155


nossos anseios <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia, participação e melhores condições <strong>de</strong> vida<br />

(Semeando, boletim Nº 01, março <strong>de</strong> 1988) 76 .<br />

A transformação do Centro Cívico em Grêmio estudantil significou uma série <strong>de</strong><br />

modificações na postura dos estudantes frente à sua organização estudantil. Em primeiro<br />

lugar, a relação entre alunos e direção escolar foi modificada. A participação dos estudantes<br />

na luta pela lista sêxtupla e a efetivação do diretor escolhido pela maioria garantiu-lhes um<br />

papel <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança política <strong>de</strong>ntro da escola, inclusive frente aos <strong>de</strong>mais membros da<br />

instituição. Assim, conforme relato <strong>de</strong> estudantes entrevistados, a partir daquele momento o<br />

grêmio era consultado <strong>para</strong> tudo que se ia fazer na escola. De outro lado, percebe-se pelo<br />

documento dos alunos que eles tinham consciência da força política que representavam e<br />

que ocupavam este espaço.<br />

I<strong>de</strong>ntificamos em documentos produzidos pelas chapas <strong>de</strong> oposição e situação do<br />

grêmio vários elementos que indicam sua permanente preocupação com a situação do<br />

ensino técnico profissional, bem como com a situação do país.<br />

A gente dava importância a essa discussão do ensino <strong>aqui</strong> na escola. Essa geração<br />

do nosso grupo político entrava todo mundo vindo da 8ª série. (...) uma das regras<br />

do nosso grupo era que ninguém podia per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ano. Então a gente tinha essa<br />

coisa <strong>de</strong> tem que passar. Nós tivemos um colega [aluno] inteligente, era um dos<br />

caras mais inteligentes que eu conheci <strong>aqui</strong> na escola. Então, ele per<strong>de</strong>u algumas<br />

vezes. E, <strong>de</strong> fato, a gente não tinha retenção (Aluno <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1984/1988).<br />

Os estudantes realizaram uma análise <strong>de</strong> conjuntura da situação do país e da escola<br />

<strong>de</strong> modo amplo. Naquele momento se percebe já a influência da campanha política <strong>de</strong><br />

Collor, do “caçador <strong>de</strong> marajás”. Isto não significa dizer que eles a<strong>de</strong>rem à campanha do<br />

PRN, mas que incorporam, <strong>de</strong> certa maneira, a linguagem midiática/popular <strong>de</strong> alusão aos<br />

marajás (aos corruptos que eram lançados na mídia permanentemente). O forte controle dos<br />

gastos públicos, entrecortado por uma série <strong>de</strong> escândalos, provoca na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> modo<br />

geral e nos estudantes em especial uma acentuada insatisfação com os rumos do governo<br />

Sarney, uma vez que é na educação que primeiro se promove a introdução das políticas<br />

neoliberais no país, com a redução e o corte <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas.<br />

Outras questões vinculadas a valores morais, comportamento e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

maior liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão são i<strong>de</strong>ntificadas no âmbito do grêmio estudantil, após sua<br />

organização. As mudanças no comportamento político passam a expressar a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

gostos e valores culturais no interior da escola.<br />

76 Tendência do PT no movimento estudantil.<br />

156


Assim, mesmo após a saída do diretor, os novos gestores se viram questionados em<br />

momentos variados, conforme pu<strong>de</strong>mos verificar. Ações <strong>de</strong> protesto internos ocorreram a<br />

fim <strong>de</strong> alcançar maior liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> namoro, uso do som e da música entre outras.<br />

O “dia do beijo” foi um dos momentos relatados por um ex-aluno como ilustrativo<br />

<strong>de</strong>ssas atitu<strong>de</strong>s questionadoras.<br />

A escola tinha muitas contradições. Então tinha um monte <strong>de</strong> medidas, inclusive<br />

com Roberto Trípodi, continuou com um monte <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> cunho moralista,<br />

conservadora... Que tinha na escola. E tinha o SOE, serviço <strong>de</strong> orientação, que a<br />

gente dizia que era a <strong>de</strong>legacia, ficava reprimindo a gente <strong>aqui</strong> no pátio. E teve<br />

uma perseguição e disseram que era uma imoralida<strong>de</strong>, que os meninos ficavam se<br />

beijando no pátio da escola. E ai nós aprovamos em assembléia fazer o “dia do<br />

beijo”. Então todo mundo veio pro pátio se beijar. Agora abra processo contra<br />

todo mundo <strong>aqui</strong> agora! (Estudante <strong>de</strong> química, 1985/1990). 77<br />

Tais eventos correspondiam a um comportamento mais livre por parte dos jovens,<br />

ao tempo em que também indicavam que novos valores se faziam presentes entre os<br />

estudantes, em um tempo on<strong>de</strong> predominou a discussão sobre o comportamento juvenil,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das questões políticas, ou muitas vezes associadas a estas.<br />

77 O SOE mudou a composição no <strong>de</strong>correr dos anos oitenta.<br />

157


CONSIDERAÇOES FINAIS<br />

A década <strong>de</strong> oitenta no Brasil se caracterizou como uma época <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

contradições e mudanças. Inicia como um tempo <strong>de</strong> ditadura, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> violência, on<strong>de</strong> os<br />

estudantes foram calados por inúmeros <strong>de</strong>cretos e a repressão assolava a toda socieda<strong>de</strong>,<br />

mas aos poucos caminha <strong>para</strong> o que ficou configurada no discurso oficial como a “transição<br />

<strong>de</strong>mocrática”.<br />

Entretanto, mesmo nos momentos <strong>de</strong> intensas restrições, o silêncio não permaneceu.<br />

A socieda<strong>de</strong> se organizou colocando frente ao regime uma série <strong>de</strong> questionamentos. O<br />

confronto forjou as mudanças e aos poucos os estudantes, juntando-se aos <strong>de</strong>mais grupos<br />

que se mobilizavam pu<strong>de</strong>ram reestruturar o movimento.<br />

A economia sofria com uma crise consi<strong>de</strong>rável, greves explodiam nos setores mais<br />

diversos e os movimentos sociais apresentavam <strong>de</strong>mandas variadas, nas quais os jovens<br />

assumiram importante papel na condução dos <strong>de</strong>bates e enfrentamentos. As comunida<strong>de</strong>s<br />

eclesiais <strong>de</strong> base, as ocupações, as manifestações <strong>de</strong> massa, o partido político, o movimento<br />

estudantil.<br />

A partir do estudo realizado, i<strong>de</strong>ntificamos que o movimento estudantil no interior<br />

da ETFBA, acompanhou o processo <strong>de</strong> reorganização da socieda<strong>de</strong> brasileira após o regime<br />

ditatorial, <strong>de</strong> forma semelhante ao que foi i<strong>de</strong>ntificado em outros estudos (HAUER, 2007),<br />

(BOTELHO, 2006), (CARLOS, 2006). Inicialmente suas ações se davam principalmente no<br />

âmbito interno tendo em vista o acirramento da repressão e a redução dos canais <strong>de</strong><br />

158


expressão política. Essas ações internas eram direcionadas ao enfrentamento à direção da<br />

escola, tida como a principal representação <strong>de</strong>ste regime e ao recrutamento <strong>de</strong> estudantes<br />

<strong>para</strong> os partidos e organizações clan<strong>de</strong>stinas, com vistas a incorporá-los no movimento<br />

sindical, após sua profissionalização.<br />

A principal forma <strong>de</strong> resistência durante o período ditatorial foi através da arte e da<br />

participação em eventos culturais e artísticos, on<strong>de</strong> os estudantes elaboravam suas críticas<br />

ao mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> que prevalecia no país, bem como uma crítica à própria dinâmica<br />

da ETFBA e sua forma <strong>de</strong> gestão. Paralelamente, muitos alunos eram recrutados <strong>para</strong> os<br />

quadros dos partidos políticos no interior da escola, embora nem sempre as pessoas fossem<br />

i<strong>de</strong>ntificadas por suas posições políticas, em virtu<strong>de</strong> da situação <strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> a que<br />

estavam submetidos, não po<strong>de</strong>ndo, portanto, assumir abertamente suas posições.<br />

Além da participação em organizações políticas, os estudantes passam a militar nos<br />

movimentos sociais emergentes na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, seja pelos seus vínculos com a<br />

Igreja Católica e as Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base, seja pela militância nas organizações<br />

<strong>de</strong> bairros ou movimentos <strong>de</strong> protesto social, como o MCC (Movimento Contra a Carestia)<br />

que culminou no quebra-quebra <strong>de</strong> ônibus da cida<strong>de</strong>.<br />

As <strong>de</strong>mandas iniciais <strong>de</strong> luta contra a ditadura e resistência ao autoritarismo vão<br />

sendo substituídas à medida que importantes conquistas são alcançadas na escola e o ME<br />

passa a englobar discussões mais específicas do cotidiano escolar, como a discussão sobre a<br />

qualida<strong>de</strong> do ensino e o processo pedagógico, associadas a uma participação mais intensa<br />

no ME estadual, estimulando e influenciando a organização <strong>de</strong> grêmios estudantis <strong>de</strong> outras<br />

instituições escolares, tanto das escolas públicas como nas escolas privadas, que naquele<br />

momento também permaneciam mobilizados especialmente pela discussão sobre o preço<br />

das mensalida<strong>de</strong>s e do transporte coletivo.<br />

Embora com a “Nova República” ocorra uma maior liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização<br />

partidária, a escola permanece seguindo um mo<strong>de</strong>lo rígido, resquício ainda da ditadura. É<br />

necessária então uma mobilização grandiosa a fim <strong>de</strong> que os regimentos internos, as normas<br />

e estatutos possam ser modificados, bem como a prática dos dirigentes. Em relação aos<br />

alunos militantes, pu<strong>de</strong>mos constatar que mesmo na “abertura” ainda sofreram retaliações,<br />

ficando impossibilitados <strong>de</strong> assumirem a luta sindical <strong>para</strong> a qual foram pre<strong>para</strong>dos, em<br />

virtu<strong>de</strong> da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso ao emprego na indústria.<br />

No que tange ao partido e as observações realizadas, a a<strong>de</strong>são dos estudantes a luta<br />

política se dava individualmente, com vistas à formação orgânica dos futuros quadros<br />

políticos da esquerda e do movimento sindical baiano. Estes estudantes <strong>de</strong>veriam juntar-se a<br />

outros grupos que estavam sendo pre<strong>para</strong>dos <strong>para</strong> uma ação entre teoria e prática, sendo sua<br />

159


formação intelectual realizada por representantes <strong>de</strong> diversas organizações, fora dos muros<br />

da escola ou por colegas que já estavam em nível mais avançado <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>stes grupos.<br />

Neste sentido, enten<strong>de</strong>mos que concepções marxistas regiam as ações <strong>de</strong>stes grupos<br />

organizados, especialmente as formulações <strong>de</strong> Marx, Lênin e Gramsci. Os partidos<br />

priorizavam a formação <strong>de</strong> quadros <strong>de</strong> massa e <strong>de</strong> intelectuais <strong>de</strong>ntro do ME, partindo do<br />

pressuposto que “(...) não existe organização sem intelectuais, isto é, sem organizadores e<br />

dirigentes, ou seja, sem que o aspecto teórico da ligação teoria prática se distinga<br />

concretamente em um extrato <strong>de</strong> pessoas “especializadas” na elaboração conceitual e<br />

filosófica” (GRAMSCI, 2006, p. 104).<br />

A conjuntura emergente exigia a formação <strong>de</strong> quadros em que pese nem todos<br />

permanecerem nos partidos ou atuarem na política em sua vida adulta, conforme verificado<br />

nas entrevistas. O principal objetivo das organizações políticas no interior da ETFBA era<br />

voltado à ampliação dos sindicatos, o que, entretanto, foi parcialmente alcançado por<br />

questões diversas.<br />

Em primeiro lugar, a predominância <strong>de</strong> alunos <strong>de</strong> classe média, mais interessados na<br />

universida<strong>de</strong>, não propiciou a criação <strong>de</strong> uma elite sindical oriunda da escola. Muitos alunos<br />

não estagiavam visto que o 3º ano lhes dava o direito <strong>de</strong> matrícula na universida<strong>de</strong>, ou<br />

estagiavam, mas não eram aceitos porque seus nomes eram reconhecidos como militantes,<br />

sendo vetados <strong>de</strong> contratação em muitas empresas. Este fenômeno se <strong>de</strong>u tanto no período<br />

<strong>de</strong> ditadura, quanto após a saída dos militares.<br />

Em segundo lugar, a crise econômica e o processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva na<br />

indústria produziam uma redução consi<strong>de</strong>rável dos postos <strong>de</strong> trabalho e os estudantes<br />

acabavam optando pela universida<strong>de</strong>, como alternativa ao emprego industrial.<br />

O processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização vai interferir na organização do movimento com a<br />

ocorrência <strong>de</strong> um diálogo maior do movimento estudantil com a socieda<strong>de</strong> civil em<br />

processo <strong>de</strong> retomada das ruas e construindo novos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> ação e intervenção social,<br />

como os movimentos populares, que dominavam o cenário da cida<strong>de</strong> do Salvador nos anos<br />

1980.<br />

O Movimento estudantil adquire legalida<strong>de</strong> e os estudantes secundaristas passam a<br />

constituir-se novamente em grêmio estudantil, sem presença <strong>de</strong> tutores ou censores,<br />

conforme vigorou no centro cívico.<br />

Um aspecto interessante da ETFBA é a existência <strong>de</strong> uma representação estudantil<br />

por turmas, os lí<strong>de</strong>res e vice-lí<strong>de</strong>res. Os quais, escolhidos por seus pares representavam os<br />

mesmos em diversas ocasiões, inclusive na escolha da diretoria do centro cívico. Para nós, o<br />

160


espaço <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong>ssas li<strong>de</strong>ranças foi ocupado pelos partidos, fomentando a formação<br />

política dos alunos e, posteriormente, seu ingresso nos mesmos.<br />

Estes estudantes se constituíam em li<strong>de</strong>ranças internas a partir da direção do centro<br />

cívico ou, posteriormente, do grêmio estudantil. Eram geralmente adolescentes e jovens que<br />

já apresentavam um interesse pelas questões sociais ou se posicionavam mais criticamente<br />

frente às questões do cotidiano da escola aqueles que assumiam a li<strong>de</strong>rança das suas turmas<br />

e cursos.<br />

Enten<strong>de</strong>mos assim que, a existência <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo diferenciado <strong>de</strong> organização<br />

estudantil, somado ao processo seletivo <strong>de</strong> ingresso, ao interesse dos alunos pelas questões<br />

sociais e à presença <strong>de</strong> organizações políticas no interior da escola, permitiram a formação<br />

<strong>de</strong> um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> pessoas envolvidas com questões sociais e políticas que<br />

ocu<strong>para</strong>m o espaço da aca<strong>de</strong>mia, das letras e das artes em <strong>de</strong>trimento do trabalho técnico<br />

<strong>para</strong> o qual foram qualificados.<br />

Ao investigar aqueles que contribuíram e li<strong>de</strong>raram neste longo período <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos<br />

<strong>para</strong> a construção do movimento estudantil da ETFBA durante a “transição” política<br />

pu<strong>de</strong>mos apreen<strong>de</strong>r uma série <strong>de</strong> questões referentes à instituição, além <strong>de</strong> recuperar fatos<br />

importantes da educação nacional, em especial relativas aos estudantes. Nossas conclusões<br />

caminham <strong>para</strong> uma percepção <strong>de</strong> que o movimento estudantil se organiza acompanhando<br />

os movimentos da própria socieda<strong>de</strong> e respon<strong>de</strong> da forma possível as <strong>de</strong>mandas instituídas<br />

em cada momento. Não po<strong>de</strong>mos, portanto, olhar <strong>para</strong> os jovens estudantes como seres<br />

isolados dos <strong>de</strong>mais grupos a que estão ligados.<br />

A ETFBA, conforme afirmamos em outro momento <strong>de</strong>ste estudo é um espaço rico,<br />

embora do ponto <strong>de</strong> vista quantitativo represente uma pequena parcela dos jovens baianos.<br />

Seus egressos assumem importante posição do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> sua atuação quando da vida<br />

adulta. Não apenas pela função que ocupam no mundo do trabalho, mas pelas concepções<br />

elaboradas nos espaços internos da escola e que levam consigo <strong>para</strong> o futuro.<br />

Nossos objetivos com esta pesquisa foram amplamente alcançados e diríamos até<br />

ultrapassados, uma vez que nos <strong>de</strong><strong>para</strong>mos com muitas questões mobilizadoras que não<br />

pu<strong>de</strong>ram <strong>aqui</strong> ser tratadas em virtu<strong>de</strong> das relações tempo/espaço presentes no ambiente<br />

acadêmico.<br />

Seja na luta <strong>de</strong> resistência à ditadura, que caracterizou os primeiros tempos do nosso<br />

estudo, através <strong>de</strong> manifestações artísticas, seja no enfrentamento mais intenso e <strong>de</strong>liberado<br />

na “Nova República”, pu<strong>de</strong>mos confirmar a existência <strong>de</strong> um movimento até certo ponto<br />

negado em seu ambiente interno, como uma tentativa <strong>de</strong> varrer dos porões da memória os<br />

fatos que indicavam o protagonismo dos seus estudantes. Tal fato nos remete à noção <strong>de</strong><br />

161


ebeldia, que impera ainda hoje nas mentes daqueles que viveram a intensida<strong>de</strong> da ditadura<br />

e da repressão e guardam preconceitos com aqueles que contestam à or<strong>de</strong>m estabelecida.<br />

Demonstra, ainda, que os objetivos da educação tecnicista, vigente no país durante o<br />

período estudado, se efetivaram em uma parte daqueles que vivenciaram a escola nos anos<br />

70/80, mas não impediu a transformação da maioria dos estudantes, no sentido que muitos<br />

ex-alunos, embora não tenham atuado na direção do movimento estudantil da escola,<br />

assimilaram, em sua vida posterior, uma intensida<strong>de</strong> política nas ações do cotidiano,<br />

ocupando a direção dos DAs e DCEs das universida<strong>de</strong>s, dos sindicatos <strong>de</strong> trabalhadores,<br />

dos partidos políticos e etc.<br />

Todas as experiências vividas pelos alunos não impediram que, em momentos<br />

posteriores a escola se visse envolta em atos <strong>de</strong> autoritarismo e repressão, mas permitiram a<br />

criação <strong>de</strong> um espaço bastante diverso em suas concepções, <strong>de</strong>monstrado inclusive pela<br />

gran<strong>de</strong> presença <strong>de</strong> ex-alunos em seu quadro docente atual.<br />

O movimento estudantil permanece nos anos 90. A luta pelo impeachment do<br />

presi<strong>de</strong>nte Collor é i<strong>de</strong>ntificado em boletins <strong>de</strong> gestões posteriores, as quais ainda mantêm<br />

uma atuação no sentido <strong>de</strong> discutir não apenas os problemas internos, como também as<br />

questões que dizem respeito à conjuntura nacional. O problema do transporte coletivo é<br />

outro tema que permanece entre os estudantes secundaristas mobilizados e ofereceu já nos<br />

anos 2000 uma série <strong>de</strong> indicativos da sua importância, embora com períodos <strong>de</strong> maior<br />

evidência e outros on<strong>de</strong> há certo refluxo.<br />

No âmbito da Escola Técnica, transformada em CEFET em 1993, e hoje IFBAHIA,<br />

os estudantes não se afastaram totalmente do <strong>de</strong>bate político e envolvem-se cotidianamente<br />

nas questões da escola. O modo <strong>de</strong> gestão da mesma, oferecendo espaços <strong>de</strong> participação<br />

aos estudantes nas reuniões <strong>de</strong> diretoria, nos conselhos <strong>de</strong> classe e nos seminários <strong>de</strong><br />

discussão da organização didática indicam que a formação do seu alunado é diferenciada<br />

das <strong>de</strong>mais escolas e, portanto, permite a construção <strong>de</strong> uma cultura política e uma maior<br />

politização dos alunos.<br />

Deste modo, pu<strong>de</strong>mos comprovar que os anos 1980 foram caracterizados no âmbito<br />

do movimento estudantil como um período repleto <strong>de</strong> contradições, on<strong>de</strong> os estudantes da<br />

ETFBA assumiram um papel protagonista. Aliados a estudantes <strong>de</strong> outras escolas e<br />

movimentos sociais e políticos, buscaram construir um modo próprio <strong>de</strong> organização, que<br />

respon<strong>de</strong>sse às suas necessida<strong>de</strong>s específicas, valendo-se da história dos movimentos<br />

anteriores, mas adicionando novas ban<strong>de</strong>iras e perspectivas em virtu<strong>de</strong> das mudanças<br />

ocorridas na socieda<strong>de</strong>.<br />

162


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(1974/1990).<br />

Atas do Conselho Técnico Diretor da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia<br />

(1974/1990).<br />

Boletim da chapa “Alternativa” - 1986 (Nº 01)<br />

Boletim Semeando 1986 (Nº 01, 02 e 03)<br />

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providências. Diário Oficial da União De 28/8/79. Disponível em: <<br />

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BRASIL. Ato Institucional Nº 5, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1968. Disponível em:<br />

acesso em 08/05/2008.<br />

BRASIL. Decreto-Lei Nº 477, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1969. Define infrações<br />

disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados <strong>de</strong><br />

estabelecimentos <strong>de</strong> ensino público ou particulares, e dá outras providências. Disponível<br />

em: < http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_14.htm> acesso em 08/05/2008.<br />

Ca<strong>de</strong>rno Literário da Semana da Cultura, ETFBA, 1979<br />

Jornal À tar<strong>de</strong><br />

Jornal A Voz da Unida<strong>de</strong><br />

Jornal da Bahia<br />

Jornal do Brasil<br />

170


Jornal Tribuna da Bahia<br />

<strong>Programa</strong> da peça “Patrões e Joões” – 1979<br />

Relatório do “Dia D da Educação” – setembro/ 1985<br />

Ví<strong>de</strong>o Documentário 100 Anos – IFBA, Salvador, Setembro <strong>de</strong> 2009.<br />

171


ANEXOS<br />

Roteiro <strong>de</strong> entrevista:<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas/ UFBA<br />

Naiaranize Pinheiro da Silva – Mestrado em Ciências Sociais<br />

Projeto: OS ALUNOS DA ESCOLA TÉCNICA FEDERAL E A PARTICIPAÇÃO<br />

NA POLÍTICA ESTUDANTIL NOS ANOS DE 1979 A 1989 EM SALVADOR.<br />

Data:<br />

Nome:<br />

Curso:<br />

Ingresso: Saída:<br />

Antes <strong>de</strong> ingressar na ETFBA, on<strong>de</strong> você estudava? Possuía vivência política nesta<br />

escola?<br />

Profissão dos pais, número <strong>de</strong> irmãos. Sua família possuía alguma militância política<br />

durante a ditadura?<br />

Como você iniciou sua participação no centro cívico? 4. Você teve envolvimento como<br />

partido durante sua permanência na ETFBA?<br />

Havia algum direcionamento do partido em relação à escolha do seu curso, ao<br />

recrutamento <strong>de</strong> quadros, ou outra orientação acerca da sua ação na escola (tipo per<strong>de</strong>r<br />

disciplina <strong>para</strong> continuar mais tempo na escola etc.)?<br />

Participava <strong>de</strong> grupos políticos fora da escola?<br />

Quais os principais eventos ocorridos na escola naquele período que você recor<strong>de</strong>?<br />

Você participou <strong>de</strong>les? Descreva sua participação.<br />

Como era o funcionamento do movimento estudantil?<br />

Como você via a postura da direção da escola em relação ao centro cívico/grêmio<br />

estudantil?<br />

172


Como era o relacionamento do professor supervisor do centro cívico com os alunos?<br />

Havia alguma atuação dos professores no sentido <strong>de</strong> estimular o movimento? Caso<br />

afirmativo você po<strong>de</strong> citar como se dava esta participação? Quem eram esses<br />

professores?<br />

Como o centro cívico/grêmio estudantil se relacionava com a UBES e a UMES?<br />

Descreva a sua participação no movimento das “diretas já” e a forma como a socieda<strong>de</strong><br />

civil se manifestou sobre esta questão.<br />

Como você organizou sua vida após a saída da escola? Você permanece no partido<br />

político ou milita em algum movimento social atualmente?<br />

Como você <strong>de</strong>screveria sua passagem pela ETFBA?<br />

173


Caracterização dos estudantes/entrevistados quanto à vivência no ME anterior e<br />

participação no partido no interior da escola, segundo eles mesmos:<br />

1. Aluno 01- participação no ME a partir da ETFBA PCB- centro cívico (Estudante<br />

<strong>de</strong> Química, 1976/1981)<br />

2. Clau<strong>de</strong>miro Cruz (Léo)- participação no ME a partir da ETFBA - PCB- centro<br />

cívico –. 1976/1980 curso: geologia - Ativida<strong>de</strong> atual: Professor UFBA<br />

3. An<strong>de</strong>rson Leite- participação no ME a partir da ETFBA PCB- centro cívico<br />

1979 – atualmente professor IFBAHIA - (Aluno <strong>de</strong> Eletrônica, 1978/1981)<br />

4. Iglesias Caballero- participação no ME a partir da ETFBA PC do B- centro<br />

cívico. Técnico do Pólo. Permanece no partido e foi candidato a vereador nas<br />

últimas eleições.<br />

5. Claudia Moura – família vinculada a partidos políticos PCB - centro cívico-<br />

Advogada/procuradora do estado.<br />

6. Gilson Fernan<strong>de</strong>s - experiência anterior no movimento <strong>de</strong> bairros PT – grêmio<br />

1986 – 1ª gestão do Grêmio. 1986 (Aluno <strong>de</strong> Química, 1984/1986) – professor.<br />

7. Evanilda Bulcão - participação no ME a partir da ETFBA PT – grêmio 1989<br />

(Eletrotécnica – 1988/1992). Policial Civil/estudante <strong>de</strong> psicologia<br />

8. Fábio Cascadura- participação no ME a partir da ETFBA in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte – cantor<br />

<strong>de</strong> rock<br />

9. Ilton- participação no ME a partir da ETFBA PT – grêmio 1988/ mestre em<br />

historia e funcionario publico/ candidato a prefeito <strong>de</strong> Salvador nas últimas<br />

eleições pelo PSOL<br />

10. Juvenal <strong>de</strong> Carvalho - participação no ME a partir da ETFBA PT – grêmio<br />

professor universitário/ militante do movimento negro/<br />

11. Juvenal Melvino – presi<strong>de</strong>nte do centro cívico 1982/1984 – PC do B –<br />

presi<strong>de</strong>nte do comitê pró-diretas. (Geologia- 1982/1985)<br />

12. Marcelo - participação no ME a partir da ETFBA PT – grêmio 1990<br />

13. Moacir Neves- participação no ME a partir da ETFBA PC do B- grêmio<br />

14. Moacir Neves- PC do B – grêmio 1987. Experiência no ME do Colégio Estadual<br />

em Feira <strong>de</strong> Santana (Estudante <strong>de</strong> Eletrotécnica, 1987/1991) – direção da<br />

UBES.<br />

174


15. Paula Barreto - participação no ME a partir da ETFBA in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte- Direção<br />

do centro cívico 1981 (química industrial - 1978 a 1981) – sem filiação<br />

partidária. Professora UFBA<br />

16. Paulo Gallo- participação no ME a partir da ETFBA PCB- centro cívico 1980 –<br />

chapa vetada por Ruy Santos.<br />

17. Pedro Cardoso – experiência anterior no movimento <strong>de</strong> bairros e PT – grêmio<br />

1986 – 1º gestão do Grêmio. (Eletrotécnica - 1982/1987). Professor, lí<strong>de</strong>r do<br />

MSTS. Partido atual: PSOL<br />

18. Ricardo Moreno Neves- PC do B – grêmio. 1987 – (Química/1985/1990) -<br />

professor UNEB<br />

19. Saulo Carneiro – família vinculada a partidos políticos PC do B- centro cívico –<br />

comitê Pró-diretas. Professor da UFBA<br />

20. Sinval Araújo- participação no ME a partir da ETFBA PT – grêmio - atualmente<br />

professor da escola<br />

21. Railda – participação no ME a partir da ETFBA in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte- presi<strong>de</strong>nte do<br />

centro cívico1984 - Assistente Social IFBAHIA/Barreiras<br />

22. Professores/ funcionários do IFBAHIA:<br />

23. Aurina- professora (ex-aluna entre 1970/1973) – atual Reitora da instituição.<br />

24. Décio- professor (ex-aluno entre 1970/1973)<br />

25. Maria Luiza Tapioca – SOE –pedagoga – Professora da UNEB.<br />

175


176


Jornal À tar<strong>de</strong><br />

15


COMITÊ PRÓ-DIRETAS DA TÉCNICA<br />

Ao Senhor Diretor em Exercício da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral da Bahia<br />

No dia 18 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1984 realizou-se em Salvador a caminhada à Colina do Bonfim pelas Diretas Já,<br />

que, conforme cálculos do COMITÊ PRÓ-DIRETAS DE SALVADOR, contou com a presença <strong>de</strong><br />

aproximadamente 50.000 pessoas.<br />

Os estudantes <strong>de</strong> nossa escola tiveram uma participação <strong>de</strong>stacada e organizada, saindo em caminhada do<br />

Barbalho à Calçada – local <strong>de</strong> encontro. Ficou também patente o profundo respeito que tem por nós a<br />

população <strong>de</strong> Salvador, que nos recebeu calorosamente.<br />

O COMITÊ PRÓ-DIRETAS DA TÉCNICA vem através <strong>de</strong>sta <strong>para</strong>benizar a direção <strong>de</strong>ste<br />

estabelecimento por ter compreendido e respeitado o anseio <strong>de</strong>mocrático dos estudantes e por não ter<br />

colocado nem um empecilho a nossa participação.<br />

O COMITÊ PRÓ-DIRETAS DA TÉCNICA e os estudantes <strong>de</strong>ste estabelecimento persistirão na luta <strong>de</strong><br />

todo o povo brasileiro pelo direito <strong>de</strong> voto.<br />

Contamos com o apoio integral da direção <strong>de</strong>sta escola nesta gran<strong>de</strong> jornada cívica.<br />

Cordiais saudações,<br />

Comitê Pró-Diretas da Técnica<br />

Salvador, 23 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1984<br />

15


Unida<strong>de</strong> e Democracia, 10/09/1981.<br />

Em nome do <strong>de</strong>magógico “combate a<br />

subversivos e comunistas” instalou-se no<br />

Brasil um clima <strong>de</strong> medo e autoritarismo,<br />

<strong>de</strong> perseguição e <strong>de</strong>srespeito a dignida<strong>de</strong><br />

humana. Parlamentares cassados,<br />

sindicatos sob intervenção, entida<strong>de</strong>s<br />

eleitas pelo voto popular <strong>de</strong>struídas e seus<br />

lí<strong>de</strong>res presos, torturados e mortos. Enfim,<br />

viu a população lhe ser arrebatada das<br />

mãos, pelo uso da coerção, o direito <strong>de</strong><br />

livremente se organizar em suas entida<strong>de</strong>s,<br />

em seus partidos políticos, <strong>de</strong> livremente se<br />

expressar e <strong>de</strong>cidir sobre os <strong>de</strong>stinos do seu<br />

país.<br />

Este profundo golpe contra as instituições<br />

<strong>de</strong>mocráticas no Brasil, que <strong>de</strong>struiu as<br />

entida<strong>de</strong>s como a UNETI (União dos<br />

Estudantes Técnicos Industriais), teve no<br />

período <strong>de</strong> 1960-1975 sua fase <strong>de</strong> maior<br />

violência, on<strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> brasileiros<br />

foram barbaramente torturados e<br />

assassinados pelos órgãos <strong>de</strong> repressão da<br />

ditadura militar, fato este que, aliado a<br />

crescente crise econômica que sacudia o<br />

Brasil, <strong>de</strong>terminaria a 1ª gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>rrota do<br />

regime após o golpe: maciça votação<br />

obtida pelos candidatos do MDB na<br />

eleição <strong>de</strong> 1974. Estreitava-se cada dia<br />

mais a base <strong>de</strong> apoio do governo na<br />

socieda<strong>de</strong>. A crescente insatisfação popular<br />

pelo autoritarismo vigente e queda do nível<br />

<strong>de</strong> vida <strong>de</strong>terminariam a partir <strong>de</strong> 77 o<br />

início das gran<strong>de</strong>s manifestações <strong>de</strong> rua,<br />

das greves em todo o país, e por fim, nova<br />

e maior <strong>de</strong>rrota das urnas em 1978.<br />

Acuado, o regime é obrigado a ce<strong>de</strong>r.<br />

Inicia-se com a revogação do AI-5 e a<br />

<strong>de</strong>cretação da ANISTIA, a “ABERTURA”<br />

do general Figueiredo que faz uma<br />

frustrada tentativa <strong>de</strong> dividir as oposições<br />

extinguindo o MDB, que havia-se<br />

transformado num maior ponto <strong>de</strong><br />

convergência <strong>de</strong> todos que lutavam pela<br />

<strong>de</strong>mocracia no Brasil. E é justamente este<br />

traço do regime que tem caracterizado sua<br />

conduta nestes tempos <strong>de</strong><br />

“REDEMOCRATIZAÇÃO” da vida<br />

nacional: a <strong>de</strong>sesperada tentativa <strong>de</strong><br />

perpetuação no po<strong>de</strong>r através <strong>de</strong> auto<br />

reformas, não hesitando em nenhum<br />

instante porém <strong>de</strong> fazer uso da força até<br />

on<strong>de</strong> possa (claro exemplo nas<br />

manifestações <strong>de</strong> rua <strong>de</strong> Salvador contra o<br />

absurdo aumento do preço dos<br />

transportes). Em outras palavras, procura o<br />

governo Figueiredo sua sobrevivência<br />

através <strong>de</strong> reformas que são frutos não do<br />

seu “firme propósito <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>ste país<br />

uma <strong>de</strong>mocracia” e sim <strong>de</strong> conquistas <strong>de</strong><br />

todo povo brasileiro. Entretanto, é visível<br />

em nosso dia a dia a distância entre o<br />

projeto <strong>de</strong> abertura do governo e a<br />

exigência da socieda<strong>de</strong> por um regime<br />

92


<strong>de</strong>mocrático e por melhores condições <strong>de</strong><br />

vida.<br />

A cada instante é evi<strong>de</strong>nciada a<br />

contradição que há entre o sentimento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocracia do povo e os limites impostos<br />

pelos governantes a este avanço. Enquanto<br />

fala-se em diálogo, ao mesmo tempo é<br />

acionada a Lei <strong>de</strong> Segurança Nacional<br />

contra sindicalistas, estudantes e populares.<br />

Enquanto a palavra Democracia é uma<br />

constante na Re<strong>de</strong> Globo, nas bases da<br />

socieda<strong>de</strong> vê-se violência Policial,<br />

Insensibilida<strong>de</strong> ao diálogo e força.<br />

Em nossa escola, enten<strong>de</strong>mos nós,<br />

encontra-se um eloqüente reflexo <strong>de</strong>ste<br />

quadro. Apoiada num Estatuto do Centro<br />

Cívico, a diretoria da ETFBA tem<br />

exercido, como representante do po<strong>de</strong>r<br />

governamental <strong>de</strong>cisivo papel no sentido<br />

da impedir a livre organização e<br />

manifestação dos alunos. Para se ter uma<br />

idéia, o 1º semestre <strong>de</strong> 1981 <strong>de</strong>ixou um<br />

saldo <strong>de</strong> quase 80% das ativida<strong>de</strong>s<br />

programadas pelo CCSD (<strong>de</strong>staque<br />

especial <strong>para</strong> o jornal) proibidas pela<br />

diretoria da Escola. E isto traz um natural<br />

<strong>de</strong>sgaste da entida<strong>de</strong> perante aos alunos<br />

que não po<strong>de</strong>m discutir inclusive com os<br />

dirigentes do CCSD nas salas <strong>de</strong> aula, pois<br />

a eles não é permitido o acesso a estas.<br />

Configura-se, pois, um difícil impasse:<br />

qualquer tentativa <strong>de</strong> fortalecimento da<br />

entida<strong>de</strong> é frustrada pelo a<strong>para</strong>to jurídico<br />

estatutário que regem o país e a Escola, e,<br />

portanto é tarefa <strong>de</strong> todos que se<br />

interessam por uma entida<strong>de</strong> dinâmica,<br />

combativa e <strong>de</strong>mocrática não ter ilusões<br />

quanto a esta situação. Impõe-se tomarmos<br />

como nossa a ban<strong>de</strong>ira da <strong>de</strong>mocracia. Só<br />

um Centro Cívico livre da censura e da<br />

pressão, um GREMIO ESTUDANTIL<br />

TECNICO INDUSTRIAL, e a convocação<br />

<strong>de</strong> uma ASSEMBLEIA NACIONAL<br />

CONSTITUINTE LIVRE E<br />

SOBERANAMENTE ELEITA PELO<br />

VOTO POPULAR, com a participação <strong>de</strong><br />

todas as correntes <strong>de</strong> pensamentos,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ologia, po<strong>de</strong>rá<br />

assegurar um efetivo enraizamento do<br />

CCSD perante os alunos.<br />

POR UM GRÊMIO LIVRE<br />

PELAS LIBERDADES<br />

DEMOCRÁTICAS<br />

FIM DA LSN<br />

CONVOCAÇÃO DE UMA<br />

ASSEMBLEIA NACIONAL<br />

CONSTITUINTE LIVRE E SOBERANA<br />

PELA RECONSTRUÇÃO DA UNETI.<br />

93


Dispõe sobre os Órgãos <strong>de</strong> Representação<br />

dos Estudantes e dá outras providências.<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

Faço saber que o Congresso Nacional<br />

<strong>de</strong>creta e eu sanciono a seguinte Lei:<br />

Art. 1º. Os órgãos <strong>de</strong> representação dos<br />

estudantes <strong>de</strong> ensino superior, que se<br />

regerão por esta Lei, têm por finalida<strong>de</strong>:<br />

a) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os interesses dos estudantes;<br />

b) promover a aproximação e a<br />

solidarieda<strong>de</strong> entre os corpos discente,<br />

docente e administrativo dos<br />

estabelecimentos <strong>de</strong> ensino superior;<br />

c) preservar as tradições estudantis, a<br />

probida<strong>de</strong> da vida escolar, o patrimônio<br />

moral e material das instituições <strong>de</strong> ensino<br />

superior e a harmonia entre os diversos<br />

organismos da estrutura escolar;<br />

d) organizar reuniões e certames <strong>de</strong><br />

caráter cívico, social, cultural, científico,<br />

técnico, artístico, e <strong>de</strong>sportivo, visando à<br />

complementação e ao aprimoramento da<br />

formação universitária;<br />

e) manter serviços <strong>de</strong> assistência aos<br />

estudantes carentes <strong>de</strong> recursos;<br />

f) realizar intercâmbio e colaboração<br />

com entida<strong>de</strong>s carentes <strong>de</strong> recursos;<br />

g) lutar pelo aprimoramento das<br />

instituições <strong>de</strong>mocráticas.<br />

Art. 2º. São órgãos <strong>de</strong> representação dos<br />

estudantes <strong>de</strong> ensino superior:<br />

a) o Diretório Acadêmico (D.A.), em<br />

cada estabelecimento <strong>de</strong> ensino superior;<br />

b) o Diretório Central <strong>de</strong> Estudantes<br />

(D.C.E.), em cada Universida<strong>de</strong>;<br />

c) o Diretório Estadual <strong>de</strong> Estudantes<br />

(D.E.E.), em cada capital <strong>de</strong> Estado,<br />

Território ou Distrito Fe<strong>de</strong>ral, on<strong>de</strong> houver<br />

mais <strong>de</strong> um estabelecimento <strong>de</strong> ensino<br />

superior;<br />

d) o Diretório Nacional <strong>de</strong> Estudantes<br />

(D.N.E.), com se<strong>de</strong> na Capital Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Parágrafo único - VETADO<br />

Art. 3º. Compete, privativamente, ao<br />

Diretório Acadêmico e ao Diretório<br />

Central <strong>de</strong> Estudantes, perante as<br />

respectivas autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino da<br />

Escola, da Faculda<strong>de</strong> e da Universida<strong>de</strong>:<br />

a) patrocinar os interesses do corpo<br />

docente;<br />

b) <strong>de</strong>signar a representação prevista em<br />

lei junto aos órgãos <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação coletiva<br />

e bem assim junto a cada Departamento<br />

constitutivo <strong>de</strong> Faculda<strong>de</strong>, Escola ou<br />

Instituto integrante <strong>de</strong> Universida<strong>de</strong>;<br />

§ 1º. A representação a que se refere a<br />

alínea b dêste artigo será exercida, junto a<br />

cada órgão, por estudante ou estudantes<br />

regularmente matriculados, em série que<br />

não a primeira, sendo que, no caso <strong>de</strong><br />

representação junto a Departamento ou<br />

Instituto <strong>de</strong>verá ainda recair em aluno ou<br />

alunos <strong>de</strong> cursos ou disciplinas que o<br />

integrem, tudo <strong>de</strong> acôrdo com regimentos<br />

internos das Faculda<strong>de</strong>s, Escolas e<br />

estatutos das Universida<strong>de</strong>s.<br />

94


§ 2º. A representação estudantil junto ao<br />

Conselho Universitário, Congregação ou<br />

Conselho-Departamental po<strong>de</strong>rá fazer-se<br />

acompanhar <strong>de</strong> um aluno, sempre que se<br />

tratar <strong>de</strong> assunto do interesse <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>terminado curso ou seção.<br />

Art. 4º. Compete ao Diretório Estadual<br />

<strong>de</strong> Estudantes realizar, com amplitu<strong>de</strong><br />

estadual, as finalida<strong>de</strong>s previstas no art. 1º<br />

<strong>de</strong>sta Lei.<br />

Art. 5º. O Diretório Acadêmico será<br />

constituído por estudantes <strong>de</strong> ensino<br />

superior, eleitos pelo respectivo corpo<br />

discente.<br />

§ 1º. Consi<strong>de</strong>rar-se-ão eleitos os<br />

estudantes que obtiverem o maior número<br />

<strong>de</strong> votos.<br />

§ 2º. A eleição do Diretório Acadêmico<br />

será feita pela votação dos estudantes<br />

regularmente matriculados.<br />

§ 3º. O exercício do voto é obrigatório.<br />

Ficará privado <strong>de</strong> prestar exame parcial ou<br />

final, imediatamente subseqüente à eleição,<br />

o aluno que não comprovar haver votado<br />

no referido pleito, salvo por motivo <strong>de</strong><br />

doença ou <strong>de</strong> fôrça maior, <strong>de</strong>vidamente<br />

comprovado.<br />

§ 4º. O mandato dos membros do<br />

Diretório Acadêmico será <strong>de</strong> um ano,<br />

vedada a reeleição <strong>para</strong> o mesmo cargo.<br />

Art. 6º. A eleição do Diretório<br />

Acadêmico será regulada em seu<br />

regimento, atendidas as seguintes normas:<br />

a) registro prévio <strong>de</strong> candidatos ou<br />

chapas, sendo elegível apenas o estudante<br />

regularmente matriculado, não-repetente,<br />

ou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, nem em regime parcelado;<br />

b) realizado <strong>de</strong>ntro do recinto da<br />

Faculda<strong>de</strong>, em um só dia, durante a<br />

totalida<strong>de</strong> do horário <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

escolares;<br />

c) i<strong>de</strong>ntificação do votante mediante<br />

lista nominal fornecida pela Faculda<strong>de</strong>;<br />

d) garantia <strong>de</strong> sigilo do voto e da<br />

inviolabilida<strong>de</strong> da urna;<br />

e) apuração imediata, após o término da<br />

votação, asseguradas a exatidão dos<br />

resultados a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentação<br />

<strong>de</strong> recurso;<br />

f) acompanhamento por representante da<br />

Congregação ou do Conselho<br />

Departamental, na forma do regimento <strong>de</strong><br />

cada Faculda<strong>de</strong>;<br />

Parágrafo único. A mudança <strong>para</strong><br />

regime parcelado, trancamento da<br />

matrícula ou conclusão <strong>de</strong> curso importa<br />

em cassação <strong>de</strong> mandato.<br />

Art. 7º. O Diretório Estadual <strong>de</strong><br />

Estudantes será constituído <strong>de</strong><br />

representantes <strong>de</strong> cada Diretório<br />

Acadêmico ou grupos <strong>de</strong> Diretórios<br />

Acadêmicos existentes no Estado, havendo<br />

um máximo <strong>de</strong> vinte representantes.<br />

Art. 8º A eleição <strong>para</strong> o Diretório<br />

Central <strong>de</strong> Estudantes e <strong>para</strong> o Diretório<br />

Estadual <strong>de</strong> Estudantes será regulada nos<br />

respectivos regimentos, atendidas, no que<br />

95


couber, as normas previstas no art. 6º e seu<br />

parágrafo único.<br />

Art. 9º A composição, organização e<br />

atribuições dos órgãos <strong>de</strong> representação<br />

Estudantil serão fixadas em seus<br />

regimentos, que <strong>de</strong>verão ser aprovados<br />

pelos órgãos a que se refere o artigo 15.<br />

Parágrafo único O exercício <strong>de</strong><br />

quaisquer funções <strong>de</strong> representação, ou<br />

<strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes, não exonera o estudante<br />

do cumprimento dos seus <strong>de</strong>veres<br />

escolares, inclusive da exigência <strong>de</strong><br />

freqüência.<br />

Art. 10 O Diretório Nacional <strong>de</strong><br />

Estudantes, órgão coor<strong>de</strong>nador das<br />

ativida<strong>de</strong>s dos Diretórios Estudantis, que<br />

cuidará da aproximação entre os estudantes<br />

e o Ministério da Educação e Cultura e<br />

que, no seu âmbito <strong>de</strong> ação, terá as<br />

obrigações e os direitos expressos no art.<br />

1º, observará todos os preconceitos gerais<br />

<strong>de</strong>sta Lei.<br />

§ 1º Po<strong>de</strong>rá ainda o Diretório Nacional<br />

<strong>de</strong> Estudantes promover, durante os<br />

períodos <strong>de</strong> férias escolares, reuniões <strong>de</strong><br />

estudantes, <strong>para</strong> <strong>de</strong>bates <strong>de</strong> caracter<br />

técnico.<br />

§ 2º O Diretório Fe<strong>de</strong>ral em que haja<br />

órgão previsto no art. 2º, sendo a sua<br />

primeira constituição feita <strong>de</strong>ntro do prazo<br />

<strong>de</strong> noventa dias, mediante eleições<br />

procedidas nos Diretórios Estaduais e<br />

instruções do Ministério da Educação e<br />

Cultura, que fará a primeira convocação.<br />

§ 3º O Diretório Nacional <strong>de</strong> Estudantes<br />

se reunirá na Capital Fe<strong>de</strong>ral durante os<br />

períodos <strong>de</strong> férias escolares, <strong>de</strong>ntro dos<br />

prazos e condições estabelecidos no<br />

regimento, po<strong>de</strong>ndo reunir-se<br />

extraordinariamente, em qualquer época,<br />

por iniciativa justificada da maioria<br />

absoluta dos seus membros, do Ministério<br />

da Educação e Cultura, ou do Conselho<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação, em local<br />

previamente <strong>de</strong>signado.<br />

Art.11 Aplicam-se ao Diretório Estadual<br />

<strong>de</strong> Estudantes, ao Diretório Central <strong>de</strong><br />

Estudantes e ao Diretório Nacional <strong>de</strong><br />

Estudantes as normas estabelecidas no art.<br />

5º e seus parágrafos <strong>de</strong>sta Lei.<br />

Art. 12º As Faculda<strong>de</strong>s e Universida<strong>de</strong>s<br />

assegurarão os processos <strong>de</strong><br />

reconhecimento das contribuições dos<br />

estudantes.<br />

§ 1º O regimento do Diretório Estadual<br />

<strong>de</strong> Estudantes po<strong>de</strong>rá prever a perda dos<br />

mandatos <strong>de</strong> representantes <strong>de</strong> Diretórios<br />

Centrais e <strong>de</strong> Diretórios Acadêmicos, bem<br />

como o regimento do Diretório Central<br />

po<strong>de</strong>rá estabelecer a perda <strong>de</strong> mandato dos<br />

representantes dos Diretórios Acadêmicos,<br />

quando os órgãos representados não<br />

efetuarem regulamente o pagamento das<br />

contribuições que lhe competem.<br />

§ 2º Os órgãos <strong>de</strong> representação<br />

estudantil são obrigados a lançar todo o<br />

movimento <strong>de</strong> receita e <strong>de</strong>spesa em livros<br />

apropriados, com a <strong>de</strong>vida comprovação.<br />

96


§ 3º Os órgãos <strong>de</strong> representação<br />

estudantil apresentarão prestação <strong>de</strong><br />

contas, ao término <strong>de</strong> cada gestão, aos<br />

órgãos a que se refere o artigo 15, sendo<br />

que a não-aprovação das mesmas, se<br />

comprovado o uso internacional e in<strong>de</strong>vido<br />

dos bens e recursos da entida<strong>de</strong>, importará<br />

em responsabilida<strong>de</strong> civil, penal e<br />

disciplinar dos membros da Diretoria.<br />

Art. 13. Os auxílios serão entregues às<br />

Universida<strong>de</strong>s, Faculda<strong>de</strong>s ou Escolas<br />

isoladas que darão a <strong>de</strong>stinação<br />

conveniente e encaminharão os processos<br />

<strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas, acompanhadas <strong>de</strong><br />

parecer.<br />

Art. 14. É vedada aos órgãos <strong>de</strong><br />

representação estudantil qualquer ação,<br />

manifestação ou propaganda <strong>de</strong> carácter<br />

político-partidário, bem como incitar,<br />

promover ou apoiar ausências coletivas aos<br />

trabalhos escolares.<br />

Art.15 A fiscalização do cumprimento<br />

<strong>de</strong>sta Lei caberá à congregação ou ao<br />

Conselho Departamental na forma <strong>de</strong><br />

regimento <strong>de</strong> cada Faculda<strong>de</strong> ou Escola,<br />

quanto ao Diretório Acadêmico; ao<br />

Conselho Universitário, quanto ao<br />

Diretório Central <strong>de</strong> Estudantes, e ao<br />

Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação, quanto ao<br />

Diretório Estadual <strong>de</strong> Estudantes e ao<br />

Diretório Nacional <strong>de</strong> Estudantes.<br />

Parágrafo único. O Conselho <strong>de</strong><br />

Educação po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>legar podêres <strong>de</strong><br />

fiscalização aos Conselhos Universitários.<br />

Art. 16. O regimento <strong>de</strong> cada Faculda<strong>de</strong><br />

ou escola e estatuto <strong>de</strong> cada Universida<strong>de</strong><br />

disporão sôbre o prazo <strong>de</strong>ntro do qual seus<br />

órgãos <strong>de</strong>liberativos <strong>de</strong>verão pronunciar-se<br />

sôbre as representações feitas pelos órgãos<br />

<strong>de</strong> representação estudantil.<br />

Parágrafo único. Quando a matéria fôr<br />

relativa ao previsto no § 2º do artigo 73,<br />

Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação<br />

Nacional, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> Faculda<strong>de</strong> ou<br />

Escola <strong>de</strong>verá acorrer:<br />

a) no prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias, em se tratando<br />

<strong>de</strong> não-comparecimento do professor, sem<br />

justificação, a 25% das aulas e exercícios;<br />

b) antes do início do ano letivo seguinte,<br />

no caso <strong>de</strong> não comparecimento <strong>de</strong>, pelo<br />

menos, três, quartos do programa da<br />

respectiva ca<strong>de</strong>ira.<br />

Art. 17. O Diretor <strong>de</strong> Faculda<strong>de</strong> ou<br />

Escola e o Reitor <strong>de</strong> Universida<strong>de</strong><br />

incorrerão em falta grave se por atos,<br />

omissão ou tolerância, permitirem ou<br />

favorecerem o não-cumprimento <strong>de</strong>sta Lei.<br />

Parágrafo único. As Congregações e aos<br />

Conselhos Universitários caberá a<br />

apuração da responsabilida<strong>de</strong>, nos termos<br />

<strong>de</strong>ste artigo, dos autos que forem levados a<br />

seu conhecimento .<br />

Art. 18. Po<strong>de</strong>rão ser constituídas<br />

fundações ou entida<strong>de</strong>s civis <strong>de</strong><br />

personalida<strong>de</strong> jurídica <strong>para</strong> o fim<br />

específico <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong> obras <strong>de</strong><br />

caráter assistencial, esportivo ou cultural<br />

<strong>de</strong> interesse dos estudantes.<br />

97


Parágrafo único. Nos estabelecimentos<br />

<strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> grau médio, somente po<strong>de</strong>rão<br />

constituir-se grêmios com finalida<strong>de</strong>s<br />

cívicas, culturais, sociais e <strong>de</strong>sportivas,<br />

cuja ativida<strong>de</strong> se restringirá aos limites<br />

estabelecidos no regimento escolar,<br />

<strong>de</strong>vendo ser sempre assistida por um<br />

professor.<br />

Art. 19. As Universida<strong>de</strong>s e os<br />

estabelecimentos <strong>de</strong> ensino superior<br />

adaptarão seus estatutos aos têrmos da<br />

presente Lei, no prazo improrrogável <strong>de</strong><br />

sessenta (60) dias.<br />

Art. 20. Os atuais órgãos <strong>de</strong><br />

representação estudantil <strong>de</strong>verão proce<strong>de</strong>r<br />

à reforma <strong>de</strong> seus regimentos, adaptando-<br />

os à presente Lei e os submetendo às<br />

autorida<strong>de</strong>s previstas no art. 15, no prazo<br />

improrrogável <strong>de</strong> sessenta (60) dias.<br />

Art. 21. Os casos omissos nesta Lei<br />

serão resolvidos pelo Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Educação.<br />

Art. 22. Esta Lei entrará em vigor na<br />

data <strong>de</strong> sua publicação, ficando revogados<br />

o Decreto-Lei nº 4.105, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> fevereiro<br />

<strong>de</strong> 1942, e as <strong>de</strong>mais disposições em<br />

contrário.<br />

Brasília, 9 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1964; 143º da<br />

In<strong>de</strong>pendência e 76º da República<br />

H. CASTELLO BRANCO<br />

Flávio Lacerda.<br />

ANELO<br />

Chega!<br />

Basta <strong>de</strong> egoísmos!<br />

Somos todos iguais,<br />

Um todo <strong>de</strong> origens e idéias,<br />

Que vêm...<br />

Vêm do índio esperto e manhoso,<br />

Vêm do negro místico africano,<br />

Vêm dos antigos colonizadores,<br />

Vêm dos negros céus São-Paulinos,<br />

Vêm do suor latino.<br />

Sobe o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santiago,<br />

Desce o Amazonas,<br />

Des’água em Navarino<br />

Esse grito contido,<br />

(povo sofrido esse!)<br />

Choro calado, ente calado,<br />

Que levanta-se agora<br />

De um longo sono letárgico,<br />

E clama,<br />

União ele clama,<br />

E a chama do pensamento<br />

Flui,<br />

Flui filete <strong>de</strong> sangue...<br />

É chegada a hora <strong>de</strong> libertarmo-nos<br />

Das correntes<br />

Presas aos nossos membros,<br />

Rangendo infernalmente,<br />

Impedindo o sossego,<br />

O andar , o viver...<br />

É tempo <strong>de</strong> amadurecermos<br />

De sermos contentes<br />

Para que o Uirapuru possa voar<br />

livre(mente);<br />

Para que nossas crianças,<br />

Famintas e incultas<br />

Não perambulem pelas ruas<br />

Mendigando chão,<br />

Procurando pão,<br />

Calando falação.<br />

É tempo<br />

98


Do longo chover<br />

Horas infinitas...<br />

Horas infinitas...<br />

Passarem uniformes<br />

Diante das nossas retinas,<br />

Que sugam as imagens<br />

Dos nossos corpos cansados,<br />

Suados.<br />

Nós que trazemos nós,<br />

A nos apertar,<br />

Trazemos também<br />

A força, a coragem,<br />

O grito<br />

Impetuosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leucócitos<br />

(Tupis, Incas, Maias, Guaranis)<br />

Americanos Latinos,<br />

Correndo nas veias,<br />

Saindo do coração,<br />

Transpondo vasos e pulmões,<br />

Oxigenando o mentar.<br />

Cai a amargura,<br />

A ilusão cai,<br />

Restando apenas<br />

A força clemente dos nossos braços,<br />

A vonta<strong>de</strong> sobre-humana<br />

De saciar a se<strong>de</strong>,<br />

I<strong>de</strong>ntificar “irmanos”,<br />

Derrubar “fronteras”,<br />

Gritar “liberdad”...<br />

E “nosotros <strong>de</strong>spertaremos”,<br />

E eu anunciarei:<br />

“irmanos,<br />

(Ex-compañeros <strong>de</strong>l silencio)<br />

Somos<br />

Um pueblo libre!...<br />

Han<strong>de</strong>rson Leite e A<strong>de</strong>milton Tuy<br />

Ex-alunos da ETFBA<br />

(INFORMATEC, 1982)<br />

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