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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA<br />
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS<br />
ISMAR NERES DE SENA<br />
FÁBRICAS DE LESÕES<br />
Trabalho, adoecimento e ação sindical no complexo automobilístico baiano<br />
Salvador<br />
2009
ISMAR NERES DE SENA<br />
FÁBRICAS DE LESÕES<br />
Trabalho, adoecimento e ação sindical no complexo automobilístico baiano<br />
Dissertação <strong>de</strong> mestrado apresentada ao <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-<br />
Graduação em Ciências Sociais da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia<br />
e Ciências Humanas da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia,<br />
como requisito parcial à obtenção do título <strong>de</strong> Mestre em<br />
Sociologia.<br />
Orientadora: Profª. Drª. Maria da Graça Druck <strong>de</strong> Faria<br />
Salvador<br />
2009
Sena, Ismar Neres <strong>de</strong><br />
S474 Fábrica <strong>de</strong> lesões: trabalho, adoecimento e ação sindical no complexo<br />
automobilístico baiano / Ismar Neres <strong>de</strong> Sena. -- Salvador, 2009.<br />
139 f.<br />
Orientadora: Profª. Drª Maria da Graça Druck <strong>de</strong> Faria<br />
Dissertação (mestrado) – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Filosofia e Ciências Humanas, 2009.<br />
1. Indústria automobilística. 2. Trabalhadores – Saú<strong>de</strong>. 3. Trabalho. 4.<br />
Sindicato. I. Farias, Maria da Graça Druck <strong>de</strong>. II. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da<br />
Bahia, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.<br />
CDD – 338.47<br />
_____________________________________________________________________
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA<br />
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS<br />
Ismar Neres <strong>de</strong> Sena<br />
FÁBRICAS DE LESÕES<br />
Trabalho, adoecimento e ação sindical no complexo automobilístico baiano<br />
Dissertação <strong>para</strong> a obtenção do grau <strong>de</strong> mestre em sociologia<br />
Salvador, 07 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2009<br />
Banca Examinadora<br />
Profª. Dra. Maria da Graça Druck (Orientadora)<br />
Dr. Luiz Carlos Correia Oliveira<br />
Profª. Dra. Ângela Maria Franco <strong>de</strong> Almeida
Aos meus pais e Carine
AGRADECIMENTOS<br />
Agra<strong>de</strong>ço a Maria da Graça Druck, minha orientadora, pela <strong>de</strong>dicação e interesse com que<br />
conduziu a orientação <strong>de</strong>ste trabalho, assim como pela compreensão <strong>de</strong>monstrada em relação<br />
às minhas dificulda<strong>de</strong>s <strong>para</strong> realizar a pesquisa, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> questões externas à ativida<strong>de</strong><br />
acadêmica;<br />
A Ângela Franco pela cessão <strong>de</strong> farto material sobre a implantação da montadora na Bahia;<br />
por permitir o uso da entrevista realizada com um diretor do Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong><br />
Camaçari, assim como pelas orientações dadas <strong>para</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa no exame<br />
<strong>de</strong> qualificação.<br />
A Luiz Correia pelas contribuições dadas no exame <strong>de</strong> qualificação, especialmente pelas<br />
indicações bibliográficas sobre a LER/DORT;<br />
Aos colegas do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> <strong>Pós</strong>-Graduação em Ciências Sociais pelas dicas que foram dadas<br />
durante a disciplina Pesquisa Orientada, especialmente Ubiraneila e Ana Soraya, estimadas<br />
colegas <strong>de</strong> curso, pelas constantes sugestões e apoio dados durante a minha trajetória na<br />
elaboração <strong>de</strong>ste trabalho;<br />
A Carine, amada companheira e amiga, pela paciência e compreensão <strong>de</strong>monstradas, a todo o<br />
momento, durante o percurso <strong>de</strong>ste trabalho;<br />
A Paulo Cayres, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da Confe<strong>de</strong>ração Nacional<br />
dos Metalúrgicos, pela presteza e boa vonta<strong>de</strong> com que forneceu as informações que solicitei<br />
a respeito da fábrica da Ford instalada em São Bernardo do Campo;<br />
A Dante Matisse, jornalista do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, pelo fornecimento dos<br />
boletins da entida<strong>de</strong>, distribuídos entre os anos <strong>de</strong> 1999 e 2008;<br />
A Daniel Romero, pelo fornecimento dos boletins eletrônicos da chapa <strong>de</strong> oposição à atual<br />
gestão do Sindicato dos Metalúrgicos;<br />
Ao pessoal da SRTE pelo fornecimento das informações referentes às ações fiscais no<br />
Complexo Ford;<br />
A toda a equipe do CEREST, no município <strong>de</strong> Camaçari, pela cessão das estatísticas<br />
referentes aos estudos <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda realizados pela instituição;<br />
Aos meus familiares, que mesmo distantes sempre procuraram me incentivar, com palavras e<br />
gestos <strong>de</strong> apoio, especialmente Alzira Sena e Adolfo Jámerson.<br />
Agra<strong>de</strong>ço, enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram <strong>para</strong> a realização <strong>de</strong>ste<br />
trabalho.
RESUMO<br />
Com o lançamento do Regime Automotivo Brasileiro, em 1995, o país passou a atrair uma<br />
nova onda <strong>de</strong> investimentos no setor automobilístico direcionados <strong>para</strong> a construção <strong>de</strong> novas<br />
fábricas. A saturação dos mercados consumidores e os altos custos <strong>de</strong> produção na Europa e<br />
nos Estados Unidos fizeram as gran<strong>de</strong>s montadoras <strong>de</strong>stinarem seus investimentos <strong>para</strong><br />
regiões on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ssem encontrar mercados consumidores em expansão e disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
mão-<strong>de</strong>-obra qualificada e barata. Essa onda <strong>de</strong> investimentos foi acompanhada por acirradas<br />
disputas entre os estados da fe<strong>de</strong>ração com o objetivo <strong>de</strong> atrair as novas plantas <strong>para</strong> seus<br />
territórios. Assim, em 1999, ao se interpor na disputa entre a montadora americana Ford e o<br />
governo do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, oferecendo generosos incentivos fiscais e também<br />
pressionando o governo fe<strong>de</strong>ral, através <strong>de</strong> sua bancada no Congresso Nacional, <strong>para</strong><br />
prorrogar o prazo <strong>de</strong> habilitação, que havia se esgotado em maio <strong>de</strong> 1997, <strong>de</strong> modo a permitir<br />
que a montadora tivesse acesso às vantagens fiscais previstas, o governo baiano obteve êxito<br />
em seu propósito <strong>de</strong> atrair a montadora <strong>de</strong> veículos <strong>para</strong> o estado. O complexo<br />
automobilístico está instalado em Camaçari, na Região Metropolitana <strong>de</strong> Salvador e iniciou<br />
suas operações no ano <strong>de</strong> 2001. No ano seguinte, começaram a surgir os primeiros casos <strong>de</strong><br />
trabalhadores acometidos por Lesões por Esforços Repetitivos (LER). Aspectos ligados à<br />
organização do trabalho, como as condições ergonômicas, o ritmo intenso da linha <strong>de</strong><br />
montagem, a pressão por resultados e a falta <strong>de</strong> pausas durante a produção são apontados por<br />
sindicalistas e trabalhadores como os principais fatores geradores <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> agravo à<br />
saú<strong>de</strong>. O objeto <strong>de</strong>ste estudo <strong>de</strong> caso é a relação entre trabalho, adoecimento e ação sindical<br />
no Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste. A pesquisa tem como objetivo investigar como se<br />
configuram as ações do sindicato que representa os metalúrgicos, diante da ocorrência dos<br />
casos <strong>de</strong> Lesões por Esforços Repetitivos, que acometem tanto os trabalhadores contratados<br />
da montadora, como os terceirizados das fábricas <strong>de</strong> peças e componentes automotivos. Os<br />
resultados apresentados estão alicerçados no uso <strong>de</strong> dados quantitativos, a exemplo das<br />
estatísticas levantadas pelo CEREST <strong>de</strong> Camaçari, entre os anos <strong>de</strong> 2004 e 2007, pelos dados<br />
referentes à ação fiscal da SRTE no complexo automobilístico entre os anos <strong>de</strong> 2002 e 2007,<br />
além <strong>de</strong> dados qualitativos, como entrevistas semi-estruturadas realizadas com trabalhadores e<br />
representantes sindicais <strong>de</strong> base e o uso <strong>de</strong> fontes secundárias como matérias <strong>de</strong> jornais,<br />
revistas <strong>de</strong> circulação nacional e análise <strong>de</strong> boletins do sindicato. O estudo realizado constata<br />
que apesar do representativo número <strong>de</strong> trabalhadores acometidos pela doença, outras<br />
questões que se colocavam como <strong>de</strong>safio à ação sindical <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da operação da planta,<br />
como a elevação do piso salarial da categoria, a redução da jornada semanal <strong>de</strong> trabalho e as<br />
negociações em torno do pagamento da PLR tiveram prevalência em relação às questões<br />
relacionadas ao adoecimento por LER, o que nos leva a concluir que, no caso em análise, a<br />
atuação da entida<strong>de</strong> sindical no campo da saú<strong>de</strong> do trabalhador têm se pautado por ações<br />
esporádicas e assistemáticas, inexistindo, portanto, estratégias claras e bem <strong>de</strong>finidas <strong>para</strong> o<br />
enfrentamento do problema.<br />
Palavras-chave: Indústria automobilística, saú<strong>de</strong> do trabalhador, trabalho, sindicato.
ABSTRACT<br />
With the initialization of the Brazilian Automotive Regime, in 1995, Brazil started attracting a<br />
new wave of investments in the automotive sector directed at the construction of new plants.<br />
The saturation of the consumer markets and the high costs of production in Europe and the<br />
United States ma<strong>de</strong> the major automakers target their investments to regions where they could<br />
find expanding consumer markets and qualified and cheap labor. That wave of investments<br />
was accompanied by fierce disputes among the states in the fe<strong>de</strong>ration with the aim of<br />
bringing those plants to their territories. Hence, in 1999, the government of the state of Bahia,<br />
by intruding in the American automaker Ford and the government of the state of Rio Gran<strong>de</strong><br />
do Sul, offering generous tax incentives as well as pressuring the fe<strong>de</strong>ral government, by<br />
means of its representatives in the Congress, in or<strong>de</strong>r to postpone the <strong>de</strong>adline for<br />
qualification, which had expired in May of 1997, so as to allow the automaker to have access<br />
to the foreseen tax advantages, was successful in its purpose of attracting the automaker to the<br />
state. The automotive complex is located in Camaçari, in the Metropolitan Area of Salvador,<br />
having started its operations in the year of 2001. In the following year, the first occurrences of<br />
workers with Repetitive Strain Injury (RSI) started taking place. Aspects concerning the<br />
organization of labor, such as the ergonomic conditions, the intense rhythm of the assembly<br />
line, the pressure for results, and the lack of breaks during the production are pointed out by<br />
both union lea<strong>de</strong>rs and workers as the main factors contributing to this health hazard. The<br />
object of this study is the relation between labor, illness and union action in the Ford Nor<strong>de</strong>ste<br />
Industrial Complex. This research aims to i<strong>de</strong>ntify the nature of the actions of the union that<br />
represents the metalworkers in regard to the occurrences of Repetitive Strain Injury, which<br />
attacks both the workers hired by the automaker and the outsourced workers in the automotive<br />
parts and components plants. The results that are presented are based on the use of<br />
quantitative data, such as the statistics surveyed by CEREST in Camaçari between the years<br />
of 2004 and 2007, the data referring to SRTE´s tax action on the automotive complex between<br />
the years of 2002 and 2007, as well as on qualitative data, such as semi-structured interviews<br />
conducted with workers and grassroot union representatives, and the use of secondary sources<br />
such as newspaper stories, national news magazines, and the analyses of union bulletins. The<br />
study that was carried out realized that <strong>de</strong>spite the significant number of workers that have<br />
been struck by the illness, other issues that were placed as challenges to union action since the<br />
beginning of the plant´s operation, such as increasing the sector´s wage floor, and the<br />
negotiations around the payment of profit sharing (PLR) did prevail in relation to the issues<br />
related to falling ill with RSI. This leads us to the conclusion that, in the case that was<br />
analyzed, the action of the union as far as the health of the workers is concerned has been<br />
sporadic and lacking in system, meaning that there are no clear or well-<strong>de</strong>fined strategies for<br />
tackling the problem.<br />
Key words: Automotive industry, worker health, labor, tra<strong>de</strong> union.
LISTA DE GRÁFICOS<br />
Gráfico 1 – Participação dos automóveis novos <strong>de</strong> 1000 cc no licenciamento <strong>de</strong> carros novos<br />
1990/2007 ................................................................................................................................. 79<br />
Gráfico 2 – Valor <strong>de</strong> hora <strong>de</strong> trabalho, em euros, nos principais países da Europa e no leste<br />
europeu ..................................................................................................................................... 95<br />
Gráfico 3 – Doenças do Trabalho (%) registradas na Previdência Social (N=2.756). Bahia,<br />
2006. ....................................................................................................................................... 111<br />
Gráfico 4 – Estudo da <strong>de</strong>manda, por agravos, no ano <strong>de</strong> 2004 .............................................. 113<br />
Gráfico 5 – Estudo da <strong>de</strong>manda, por agravos, no ano <strong>de</strong> 2005 .............................................. 113<br />
Gráfico 6 – Estudo da <strong>de</strong>manda, por agravos, no ano <strong>de</strong> 2006 .............................................. 114<br />
Gráfico 7 – Estudo da <strong>de</strong>manda, por ocupação, no ano <strong>de</strong> 2007............................................ 114<br />
Gráfico 8 – Estudo da <strong>de</strong>manda, por ocupação, no ano <strong>de</strong> 2005............................................ 114<br />
Gráfico 9 – Estudo da <strong>de</strong>manda, por ocupação, no ano <strong>de</strong> 2006............................................ 115<br />
Gráfico 10 – Notificação dos agravos em 2007 ..................................................................... 115<br />
Gráfico 11 – Notificação <strong>de</strong> LER/DORT, por ocupação, em 2007........................................ 116
LISTA DE QUADROS<br />
Quadro 1 – Montadoras Instaladas no Brasil entre 1957 e 1979.......................................26<br />
Quadro 2 – Produtivida<strong>de</strong> das montadoras nos anos 1980 e no ano <strong>de</strong> 2002 ...................51<br />
Quadro 3 – Empresas fornecedoras instaladas no Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste ...53<br />
Quadro 4 – Novas fábricas instaladas no Brasil entre 1996 e 2002 ..................................75
LISTA DE TABELAS<br />
Tabela 1 – Produção <strong>de</strong> Veículos e empregos na indústria automobilística brasileira <strong>de</strong> 1990 a<br />
2007 .......................................................................................................................................... 52<br />
Tabela 2 – Pacotes <strong>de</strong> incentivos concedidos à Ford, GM, Merce<strong>de</strong>s-Benz e Renault............ 74<br />
Tabela 3 – Participação nos emplacamentos <strong>de</strong> veículos <strong>de</strong> passeio, por marca, <strong>de</strong> 2000 até<br />
2007 .......................................................................................................................................... 80<br />
Tabela 4 – Projeto das plantas no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e na Bahia ............................................ 82<br />
Tabela 5 – Produção, vendas internas e exportação da Ford no Brasil, em unida<strong>de</strong>, entre os<br />
anos <strong>de</strong> 2000 e 2007 ................................................................................................................. 89<br />
Tabela 6 – Piso salarial das fábricas <strong>de</strong> automóveis instaladas fora do estado <strong>de</strong> São Paulo, no<br />
ano <strong>de</strong> 2008............................................................................................................................... 91<br />
Tabela 7 – Agravos relacionados ao trabalho, notificados no SINAN, Bahia, 2005 ............. 111<br />
Tabela 8 – Distribuição dos atendimentos <strong>de</strong> LER/DORT por ano e setor na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Saú<strong>de</strong> do Trabalhador, no município <strong>de</strong> Camaçari................................................................. 112
LISTA DE FOTOS/IMAGENS<br />
Foto/imagem 1 – Vista aérea do CIFN..................................................................................... 83<br />
Foto/imagem 2 – Capa do gibi alusivo à 1ª Semana <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Trabalhador, organizada por<br />
50 sindicatos <strong>de</strong> São Paulo, em 1979 ..................................................................................... 101<br />
Foto/imagem 3 – Estamparia.................................................................................................. 117<br />
Foto/imagem 4 – Carroceria................................................................................................... 118<br />
Foto/imagem 5 – Pintura e montagem final ........................................................................... 118<br />
Foto/imagem 6 – Inspeção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> ................................................................................ 118
LISTA DE SIGLAS<br />
ANFAVEA - Associação Nacional dos Fabricantes <strong>de</strong> Veículos Automotores<br />
BA - Bahia<br />
BIRD - Banco Mundial<br />
BNDES - Banco Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico e Social<br />
CACEX - Carteira <strong>de</strong> Comércio Exterior<br />
CAT - Comunicação <strong>de</strong> Aci<strong>de</strong>nte do Trabalho<br />
CBU - Completely Built Up<br />
CCQ - Círculo <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Qualida<strong>de</strong><br />
CEXIM - Carteira <strong>de</strong> Exportação e Importação do Banco do Brasil<br />
CEP - Controle Estatístico <strong>de</strong> Processo<br />
CEREST - Centro <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Trabalhador<br />
CESAT - Centro <strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Referência em Saú<strong>de</strong> do Trabalhador<br />
CGT - Central Geral dos Trabalhadores<br />
CIFN - Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste<br />
CIPA - Comissão Interna <strong>de</strong> Prevenção <strong>de</strong> Aci<strong>de</strong>ntes<br />
CKD - Completely Knocked Down<br />
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas<br />
CRH - Centro <strong>de</strong> Recursos Humanos<br />
CNM - Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Metalúrgicos<br />
CTB - Central dos Trabalhadores do Brasil<br />
CUT - Central Única dos Trabalhadores<br />
CTD - Cumulative Trauma Disor<strong>de</strong>rs<br />
DIEESE - Departamento Intersindical <strong>de</strong> Estatística e Estudos<br />
Socioeconômicos<br />
DIESAT - Departamento Intersindical <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e dos<br />
Ambientes <strong>de</strong> Trabalho<br />
DORT - Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho<br />
DRT - Delegacia Regional do Trabalho<br />
FETIM - Fe<strong>de</strong>ração dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica<br />
FENABRAVE - Fe<strong>de</strong>ração Nacional dos Fabricantes <strong>de</strong> Veículos Automotores<br />
FGTS - Fundo <strong>de</strong> Garantia por Tempo <strong>de</strong> Serviço
FHC - Fernando Henrique Cardoso<br />
FIEB - Fe<strong>de</strong>ração das Indústrias do Estado da Bahia<br />
FIPE - Fundação Instituto <strong>de</strong> Pesquisas Econômicas<br />
FMI - Fundo Monetário Internacional<br />
GEIA - Grupo Executivo <strong>para</strong> a Indústria Automobilística<br />
GEPS - Grupo Executivo <strong>de</strong> Políticas Setoriais<br />
GERPISA - Groupe d’Étu<strong>de</strong>s et Recherche Permanent sur L’industrie et les<br />
Salariés <strong>de</strong> l’Automobile<br />
GM - General Motors<br />
IBGE - Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística<br />
ICMS - Imposto sobre Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e Serviços<br />
IDE - Investimentos Diretos Externos<br />
IIE - Institute International for Economics<br />
IMVP - International Motor Vehicle Program<br />
INSS - Instituto Nacional <strong>de</strong> Segurida<strong>de</strong> Social<br />
INST - Instituto Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Trabalhador<br />
IOF - Imposto sobre Operações Financeiras<br />
IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados<br />
LATR - Lésions Attribuibles au Travail Répétitif<br />
LER - Lesão por Esforço Repetitivo<br />
MG - Minas Gerais<br />
MIT - Massachusetts Institute of Technology<br />
MPT - Ministério Público do Trabalho<br />
NR-17 - Norma Regulamentadora 17<br />
NRA - Novo Regime Automotivo<br />
NTEP - Nexo Técnico Epi<strong>de</strong>miológico Previ<strong>de</strong>nciário<br />
OCD - Occupational Cervicobrachial Disor<strong>de</strong>rs<br />
OCDE - Organização <strong>para</strong> Cooperação e Desenvolvimento<br />
Econômico<br />
OIT - Organização Internacional do Trabalho<br />
OMC - Organização Mundial do Comércio<br />
OPEP - Organização dos Países Exportadores <strong>de</strong> Petróleo<br />
PC do B - Partido Comunista do Brasil<br />
PEA - População Economicamente Ativa
PED - Pesquisa <strong>de</strong> Emprego e Desemprego<br />
PFL - Partido da Frente Liberal<br />
PIA - População Em Ida<strong>de</strong> Ativa<br />
PIB - Produto Interno Bruto<br />
PL - Participação nos Lucros<br />
PM - Polícia Militar<br />
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro<br />
PNB - Produto Nacional Bruto<br />
PND - Plano Nacional <strong>de</strong> Desestatização<br />
PRN - Partido da Renovação Nacional<br />
RAB - Regime Automotivo Brasileiro<br />
PROAUTO - <strong>Programa</strong> Especial <strong>de</strong> Incentivo ao Setor Automotivo da Bahia<br />
PT - Partido dos Trabalhadores<br />
RJ - Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
RMS - Região Metropolitana <strong>de</strong> Salvador<br />
RSI - Repetitive Strain Injuries<br />
SENAI - Serviço Nacional da Indústria<br />
SESAB - Secretaria <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Estado da Bahia<br />
SINAN - Sistema <strong>de</strong> Informação <strong>de</strong> Agravos <strong>de</strong> Notificação<br />
SKD - Semi Completely Knocked<br />
SP - São Paulo<br />
SRTE - Superintendência Regional do Trabalho e Emprego<br />
STC - Síndrome do Túnel do Carpo<br />
STIM - Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica<br />
SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nor<strong>de</strong>ste<br />
SUDAM - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia<br />
SUS - Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />
TAC - Termo <strong>de</strong> Ajustamento <strong>de</strong> Conduta<br />
TQC - Total Quality Control<br />
UAW - United Automobile Workers<br />
UFBA - Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Bahia<br />
USAT - Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Trabalhador
SUMÁRIO<br />
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 16<br />
1 O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL ... 24<br />
1.1 O <strong>de</strong>senvolvimento do setor <strong>de</strong> autopeças......................................................................... 28<br />
1.2 A formação da mão-<strong>de</strong>-obra.............................................................................................. 30<br />
2 DA CRISE DO FORDISMO À REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA........................ 33<br />
2.1 O neoliberalismo no Brasil................................................................................................ 41<br />
2.2 O setor automobilístico brasileiro e os sindicatos em um con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> reestruturação<br />
produtiva................................................................................................................................... 45<br />
2.3 Do sindicalismo <strong>de</strong> confronto dos anos 1980 à postura propositiva dos anos 1990 ......... 55<br />
3 Reestruturação produtiva na indústria baiana e a guerra fiscal nos anos 1990........... 59<br />
3.1 A guerra fiscal e a instalação da Ford na Bahia ................................................................ 61<br />
3.2 A Câmara Setorial do Complexo Automotivo .................................................................. 64<br />
3.3 O Regime Automotivo Brasileiro...................................................................................... 68<br />
3.4 O Regime Automotivo Especial ou Regional e o acirramento da guerra fiscal................ 69<br />
4 A instalação da Ford na Bahia .......................................................................................... 77<br />
4.1 O fracasso da Autolatina.................................................................................................... 79<br />
4.2 O peso dos incentivos fiscais na <strong>de</strong>cisão da montadora em se instalar na Bahia.............. 80<br />
4.3 A Ford em Camaçari: expectativas, trabalho e lucros....................................................... 82<br />
5 Os casos <strong>de</strong> LER no Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste.............................................. 97<br />
5.1 Saú<strong>de</strong> e trabalho no Brasil: uma pequena retrospectiva.................................................... 98<br />
5.2 As Lesões por Esforços Repetitivos ................................................................................ 104<br />
5.3 Trabalho e adoecimento no Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste ................................... 110<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 127<br />
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 131
INTRODUÇÃO<br />
A crise do fordismo na década <strong>de</strong> 1970, marcando o fim <strong>de</strong> um ciclo <strong>de</strong> crescimento<br />
econômico e <strong>de</strong>senvolvimento social nos países da Europa oci<strong>de</strong>ntal e nos Estados Unidos,<br />
inaugurou uma era <strong>de</strong> significativas transformações no capitalismo, cujos efeitos pu<strong>de</strong>ram ser<br />
sentidos tanto na esfera do Estado – que per<strong>de</strong>u consi<strong>de</strong>ravelmente seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> intervenção e<br />
regulação da economia, assim como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar investindo na manutenção da<br />
re<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteção social construída nos “trinta anos <strong>de</strong> ouro do capitalismo” – como na esfera<br />
do trabalho, que passou a ser o cenário <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> modificações na forma <strong>de</strong> organizar a<br />
produção e gerir a mão-<strong>de</strong>-obra.<br />
Essas mudanças tinham o objetivo <strong>de</strong> garantir a manutenção das taxas <strong>de</strong> acumulação das<br />
gran<strong>de</strong>s corporações, em um con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> acirramento da disputa intercapitalista por novos<br />
mercados, que se acentuara em razão <strong>de</strong> fatores como a elevação do preço do petróleo, com<br />
impactos significativos nos custos <strong>de</strong> produção, o advento das políticas <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong><br />
importações em alguns países do chamado terceiro mundo e a consolidação do processo <strong>de</strong><br />
reconstrução da Europa e do Japão, dificultando a exportação <strong>de</strong> mercadorias <strong>para</strong> esses<br />
países.<br />
Em relação à indústria automobilística, a crise teve sua origem na forte concorrência das<br />
montadoras japonesas, que passaram a conquistar expressivas parcelas do mercado oci<strong>de</strong>ntal.<br />
A gestão da produção baseada no Toyotismo, que mais tar<strong>de</strong> seria rebatizada pelos<br />
americanos <strong>de</strong> “lean production” ou “produção enxuta” e que tinha como pilares a<br />
organização da produção a partir do final, ou seja, da <strong>de</strong>manda; a eliminação <strong>de</strong> “folgas” no<br />
processo; a existência <strong>de</strong> baixos estoques; o uso da terceirização e a polivalência da mão-<strong>de</strong>-<br />
obra, <strong>de</strong>ntre outros fatores, conseguia garantir às fábricas japonesas um elevado grau <strong>de</strong><br />
produtivida<strong>de</strong>, com baixos custos <strong>de</strong> produção e qualida<strong>de</strong> superior aos automóveis fabricados<br />
no oci<strong>de</strong>nte. Para reverter as quedas nas vendas, as montadoras européias e americanas<br />
passaram, então, a adotar, as técnicas utilizadas pelos japoneses, juntamente com um processo<br />
<strong>de</strong> reestruturação produtiva que incluiu o fechamento <strong>de</strong> plantas consi<strong>de</strong>radas inviáveis e o<br />
investimento em tecnologia <strong>de</strong> ponta, que foi possível graças ao <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
automação microeletrônica a partir da década <strong>de</strong> 1980.
No Brasil, esse processo se intensificou a partir da década <strong>de</strong> 1990, uma vez que algumas<br />
tentativas feitas nos anos 1980 não obtiveram êxito, principalmente em relação à aplicação <strong>de</strong><br />
algumas técnicas japonesas, como os Círculos <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Qualida<strong>de</strong> e o Controle<br />
Estatístico <strong>de</strong> Processo. Nos anos 1990, no entanto, observou-se uma maior aplicação das<br />
técnicas toyotistas, além do maior uso da automação em setores como pintura, funilaria e<br />
estamparia.<br />
Se por um lado essas inovações garantiram um ganho <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> e mo<strong>de</strong>rnização do<br />
processo produtivo, por outro, a reestruturação, juntamente com o processo <strong>de</strong> abertura da<br />
economia nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique ocasionaram a eliminação <strong>de</strong><br />
parcela expressiva dos postos <strong>de</strong> trabalho na ca<strong>de</strong>ia automotiva provocando, em alguns casos,<br />
até o fechamento <strong>de</strong> fabricantes <strong>de</strong> autopeças nacionais, que não suportaram a concorrência<br />
dos fabricantes estrangeiros, tanto em termos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> como <strong>de</strong> preços. Essas<br />
transformações atingiram profundamente a organização sindical que, além <strong>de</strong> constatarem<br />
expressiva diminuição no número <strong>de</strong> afiliados, passaram a adotar uma postura mais<br />
“propositiva” na relação com o capital, em clara oposição à atuação reivindicativa e<br />
contestatória que marcou o movimento nas décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980.<br />
Com o lançamento do Regime Automotivo Brasileiro (RAB) em 1995, o Brasil, quase<br />
quarenta anos <strong>de</strong>pois do início das operações das primeiras plantas automobilísticas, passou a<br />
atrair uma nova onda <strong>de</strong> investimentos no setor, direcionados <strong>para</strong> a construção <strong>de</strong> fábricas. A<br />
saturação dos mercados consumidores e os altos custos <strong>de</strong> produção na Europa e nos Estados<br />
Unidos fizeram as montadoras direcionarem seus investimentos <strong>para</strong> regiões on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ssem<br />
encontrar mercados consumidores em expansão e disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra qualificada<br />
e barata. Além <strong>de</strong>sses fatores, vale ressaltar que o Regime Automotivo Brasileiro ou Novo<br />
Regime Automotivo (NRA) garantia uma série <strong>de</strong> incentivos fiscais às montadoras que<br />
<strong>de</strong>cidissem instalar suas fábricas no Brasil. A partir <strong>de</strong> então, os estados brasileiros passaram<br />
a oferecer uma série <strong>de</strong> benefícios adicionais <strong>para</strong> atrair tais investimentos, dando início à<br />
chamada “guerra fiscal”, cujo episódio mais conhecido diz respeito ao imbróglio entre a Ford<br />
e o recém eleito governo do estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, que teve como <strong>de</strong>sfecho a<br />
<strong>de</strong>sistência da montadora americana <strong>de</strong> se instalar na cida<strong>de</strong> gaúcha <strong>de</strong> Guaíba e a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />
transferir o novo empreendimento <strong>para</strong> a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camaçari, na Bahia.<br />
17
Assim, em outubro <strong>de</strong> 2001, a Ford <strong>de</strong>u início às operações na Bahia inaugurando um<br />
complexo automobilístico caracterizado pelo elevado grau <strong>de</strong> automação e pelo uso da<br />
terceirização <strong>de</strong> algumas partes do processo fabril, on<strong>de</strong> algumas empresas fornecedoras,<br />
também chamadas <strong>de</strong> parceiras ou sistemistas, encontram-se instalas sob o mesmo teto da<br />
montadora, constituindo, então, o que a empresa <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> montagem modular<br />
seqüenciada. Além disso, chamaram a atenção os fatores relacionados ao contrato <strong>de</strong> trabalho<br />
imposto aos metalúrgicos da Bahia, que estabelecia uma jornada <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> 44 horas<br />
semanais; a existência <strong>de</strong> banco <strong>de</strong> horas; o trabalho em turno em fixo e o pagamento <strong>de</strong> um<br />
piso salarial que correspondia a aproximadamente 35% do valor pago na fábrica <strong>de</strong> São<br />
Bernardo do Campo, em São Paulo. A esses fatores somou-se ainda a ocorrência <strong>de</strong> casos <strong>de</strong><br />
Lesões por Esforços Repetitivos entre os trabalhadores do complexo automotivo.<br />
Os exemplos supracitados reforçam as conclusões das análises sobre os novos<br />
empreendimentos automobilísticos ao mostrarem que a instalação do complexo automotivo na<br />
Bahia insere-se numa estratégia global <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento industrial, acompanhada <strong>de</strong> medidas<br />
<strong>de</strong> flexibilização e precarização das relações <strong>de</strong> trabalho, on<strong>de</strong> as corporações procuram<br />
instalar suas unida<strong>de</strong>s produtivas em regiões onda há pouca ou nenhuma tradição sindical<br />
(greenfields), possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong> baixos salários aos seus funcionários e a<br />
existência <strong>de</strong> um pacote <strong>de</strong> benefícios fiscais e financeiros oferecidos pelo Estado e pelos<br />
governos estadual e municipal.<br />
Assim, o anúncio, em 1999, da instalação <strong>de</strong> uma montadora <strong>de</strong> automóveis na Bahia<br />
estimulou algumas análises e estudos a respeito dos <strong>de</strong>sdobramentos econômicos<br />
relacionados ao ineditismo do empreendimento automobilístico no estado. Além disso, alguns<br />
estudiosos e uma parte da imprensa, na Bahia e no Brasil, se <strong>de</strong>tiveram à análise acerca dos<br />
fatores <strong>de</strong>terminantes <strong>para</strong> a instalação da fábrica <strong>de</strong> automóveis no Nor<strong>de</strong>ste. Assim,<br />
enquanto alguns analistas atribuíam a <strong>de</strong>cisão da montadora exclusivamente à guerra fiscal<br />
entre os estados com vistas a atrair os investimentos a serem feitos pelas principais<br />
montadoras do mundo no Brasil e, mais especificamente, ao pacote <strong>de</strong> incentivos fiscais e<br />
financeiros oferecidos pelo governo da Bahia à montadora, outros concluíam que embora a<br />
concessão <strong>de</strong> incentivos fosse um elemento que não po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>sprezado, foram fatores <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m estratégica, que levaram a multinacional a escolher a Bahia <strong>para</strong> receber o novo<br />
empreendimento.<br />
18
Vale ressaltar que a gran<strong>de</strong> maioria das análises sobre a instalação do complexo<br />
automobilístico na Bahia foi feita antes da sua entrada em operação. O primeiro estudo tendo<br />
o Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste como tema foi realizado em 2008, sete anos após a<br />
entrada da planta em operação. No referido trabalho, a pesquisadora Ângela <strong>de</strong> Almeida<br />
Franco analisa a dinâmica metropolitana a partir da instalação do empreendimento<br />
automobilístico que, <strong>de</strong> acordo com a crença do governo e <strong>de</strong> planejadores baianos, seria<br />
capaz <strong>de</strong> quebrar a rigi<strong>de</strong>z do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> industrialização local, por se configurar como um<br />
setor produtor <strong>de</strong> bens finais e, em razão disso, contribuiria <strong>para</strong> o melhor equacionamento<br />
entre crescimento econômico e progresso social. No entanto, em sua “conclusão em aberto”,<br />
Almeida Franco assevera, <strong>de</strong>ntre outras coisas, que os impactos urbanos do novo<br />
empreendimento estão circunscritos à periferia metropolitana, em razão da incorporação ao<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> um contingente <strong>de</strong> trabalhadores formais e mais bem remunerados<br />
que a média regional o que não modifica, entretanto, a matriz básica <strong>de</strong> segregação do ciclo<br />
petroquímico.<br />
Portanto, po<strong>de</strong>mos constatar que, <strong>de</strong> forma geral, ainda são poucos os estudos produzidos pela<br />
aca<strong>de</strong>mia que tenham como objeto <strong>de</strong> estudo o Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste e <strong>de</strong> forma<br />
específica, ainda são inexistentes os estudos que busquem compreen<strong>de</strong>r as relações <strong>de</strong><br />
trabalho nos espaço intrafabril, no “chão <strong>de</strong> fábrica” do CIFN. Logo, acreditamos que a<br />
relevância do estudo que empreen<strong>de</strong>mos encontra-se exatamente na tentativa <strong>de</strong> lançar o olhar<br />
da Sociologia sobre essas questões. No entanto, essa tarefa não foi das mais fáceis. Por várias<br />
vezes durante os quase três anos <strong>de</strong> pesquisa tornou-se constante o sentimento <strong>de</strong> estarmos<br />
diante <strong>de</strong> um <strong>de</strong>safio maior que a nossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta. Isso ocorreu, acreditamos,<br />
<strong>de</strong>ntre tantos motivos, em razão da escassez <strong>de</strong> estudos sobre o tema, que pu<strong>de</strong>ssem <strong>de</strong><br />
alguma forma servir como referência <strong>para</strong> a nossa pesquisa e também <strong>de</strong>vido à<br />
“impermeabilida<strong>de</strong>”, resistência, <strong>de</strong>sinteresse e recusa <strong>de</strong> algumas instituições, como o<br />
próprio sindicato que representa os trabalhadores do CIFN, em contribuírem com o<br />
fornecimento <strong>de</strong> dados, entrevistas e informações que indubitavelmente tornariam este estudo<br />
mais rico. Mas isto não é uma <strong>de</strong>sculpa, até porque os percalços que tivemos e o<br />
comportamento “estranho” <strong>de</strong>sses agentes a que nos referimos, não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> se<br />
constituírem, acreditamos, como dados da pesquisa. Mesmo assim, esperamos ter produzido<br />
algo que <strong>de</strong> alguma forma contribua efetivamente <strong>para</strong> a compreensão <strong>de</strong>ssa nova etapa da<br />
industrialização baiana, uma vez que, por razões elementares, as empresas do ramo químico,<br />
petroquímico e petrolífero instaladas no Pólo Industrial <strong>de</strong> Camaçari e em outras cida<strong>de</strong>s da<br />
19
Região Metropolitana <strong>de</strong> Salvador se constituíram até o momento como os principais objetos<br />
<strong>de</strong> análise dos pesquisadores baianos, no campo das Ciências Sociais.<br />
Esta pesquisa apresenta-se na forma <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> caso e tem como objeto a relação entre<br />
trabalho, adoecimento e ação sindical no complexo automobilístico baiano. O nosso objetivo<br />
é investigar como se configuram as ações do sindicato que representa a categoria diante da<br />
ocorrência dos casos <strong>de</strong> Lesões por Esforços Repetitivos, tanto entre os trabalhadores<br />
contratados diretos da montadora, como entre os terceirizados das fábricas <strong>de</strong> peças e<br />
componentes automotivos. O estudo tem como problema <strong>de</strong> pesquisa a seguinte questão:<br />
Quais os posicionamentos e atitu<strong>de</strong>s dos principais agentes, isto é, trabalhadores e sindicato,<br />
envolvidos na problemática referentes aos casos <strong>de</strong> adoecimento por LER no complexo<br />
automobilístico baiano? Além do objetivo principal, temos também o interesse <strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r quais os motivos <strong>de</strong>terminantes <strong>para</strong> a instalação do Complexo Industrial Ford<br />
Nor<strong>de</strong>ste, na Bahia; compreen<strong>de</strong>r como um complexo automobilístico tão avançado<br />
tecnologicamente, como o instalado em Camaçari, tem gerado, <strong>de</strong> acordo com as estatísticas<br />
oficiais, um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> agravos à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus funcionários; conhecer a opinião<br />
e o grau <strong>de</strong> engajamento dos trabalhadores não lesionados e investigar se existem estratégias<br />
utilizadas pelos trabalhadores no chão da fábrica, durante a jornada <strong>de</strong> trabalho, <strong>para</strong> lidar<br />
com os fatores relacionados à organização do trabalho que contribuem <strong>para</strong> a ocorrência dos<br />
agravos à saú<strong>de</strong>. A nossa hipótese é que as mobilizações visando elevar o piso salarial e o<br />
pagamento da Participação nos Lucros e Resultados dos metalúrgicos baianos e promover a<br />
diminuição da jornada semanal <strong>de</strong> trabalho, pontos esses que no início das operações na Bahia<br />
eram extremamente discrepantes em relação aos que eram praticados na outra fábrica da<br />
montadora instalada em São Paulo, acabaram por relegar a segundo plano as questões<br />
referentes à saú<strong>de</strong> do trabalhador, mais especificamente, ao adoecimento por LER no<br />
complexo automobilístico baiano.<br />
O referencial teórico do estudo está calcado nas formulações <strong>de</strong> autores tributários da tradição<br />
marxista no campo da saú<strong>de</strong> do trabalhador. Logo, <strong>de</strong> acordo com esse <strong>para</strong>digma o<br />
adoecimento se constitui em um fenômeno que transcen<strong>de</strong> a dimensão meramente biológica,<br />
sendo, então, entendido como um processo social. Dessa forma, tornam-se importantes as<br />
formulações <strong>de</strong> Dejours, baseadas no conceito <strong>de</strong> organização do trabalho, assim como os<br />
estudos sobre LER realizados por pesquisadores como T. Franco (2003), Ribeiro (1999) e<br />
Rocha (1994), <strong>de</strong>ntre outros, que analisam a relação entre trabalho e adoecimento sob uma<br />
20
perspectiva interdisciplinar, aliando as contribuições tanto das Ciências Sociais, como das<br />
Ciências Biológicas, porque:<br />
Procedimentos metodológicos<br />
A LER é também reveladora e emblemática no âmbito históricos das relações <strong>de</strong><br />
trabalho e saú<strong>de</strong>. O itinerário <strong>de</strong>ssas relações mostra-se, cada vez mais, carregado<br />
por adoecimentos multifacéticos, cujo conhecimento requer, necessariamente,<br />
esforços interdisciplinares e complexos, pois seus processos causadores e<br />
manifestações distanciam-se cada vez mais dos clássicos problemas da “medicina<br />
ocupacional” – premidos pela imposição política, dita científica, da <strong>de</strong>monstração<br />
(nos mol<strong>de</strong>s positivistas) <strong>de</strong> causa e efeito. Isto é, da legitimida<strong>de</strong> pela <strong>de</strong>monstração<br />
do agente causal e do efeito lesivo no organismo <strong>de</strong> maneira objetiva, mensurável e<br />
<strong>de</strong>stacável dos objetos estudados: do indivíduo doente – mesmo que por necropsia –<br />
e do ambiente <strong>de</strong> trabalho material (físico, químico e biológico). (FRANCO, T.<br />
2003, p. 187).<br />
Para alcançar os objetivos propostos utilizamos tanto dados <strong>de</strong> natureza quantitativa como<br />
qualitativa:<br />
a) Recorremos aos estudos <strong>de</strong> pesquisadores que analisaram o processo <strong>de</strong> reestruturação<br />
produtiva na indústria automobilística mundial e o movimento <strong>de</strong> (<strong>de</strong>s)localização<br />
espacial empreendidos pelas montadoras a partir dos anos 1990;<br />
b) Matérias divulgadas pela imprensa local e nacional, que tiveram como mote a instalação<br />
da montadora <strong>de</strong> automóveis na Bahia;<br />
c) Trabalhos <strong>de</strong> pesquisadores que estudaram o processo <strong>de</strong> instalação da montadora na<br />
Bahia;<br />
d) Utilizamos também os dados disponíveis no Anuário Estatístico da Indústria Automotiva<br />
Brasileira, <strong>para</strong> acompanhar o <strong>de</strong>senvolvimento da Ford nos últimos anos, após a<br />
instalação da planta em Camaçari;<br />
e) Estatísticas sobre os estudos <strong>de</strong> <strong>de</strong>manda realizados no CEREST <strong>de</strong> Camaçari entre os<br />
anos <strong>de</strong> 2004 e 2007;<br />
f) Estatísticas reunidas nas ações fiscais da SRTE no complexo automotivo;<br />
g) Entrevistas semi-estruturadas realizadas com trabalhadores do complexo automotivo, um<br />
integrante da CIPA e diretores <strong>de</strong> base;<br />
21
Ressalvamos que em razão da inexistência <strong>de</strong> interesse por parte do principal dirigente do<br />
Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong> Camaçari em conce<strong>de</strong>r uma entrevista <strong>para</strong> esta pesquisa<br />
utilizamos trechos do seu <strong>de</strong>poimento presentes na tese <strong>de</strong> doutoramento da pesquisadora<br />
Ângela Franco, que gentilmente nos forneceu o referido material. Também não foi possível<br />
entrevistar a médica do sindicato, que a exemplo do presi<strong>de</strong>nte da instituição, recusou-se a<br />
conce<strong>de</strong>r entrevista.<br />
O trabalho é composto <strong>de</strong> quatro capítulos. No capítulo I, tratamos do surgimento da indústria<br />
automobilística no Brasil, do <strong>de</strong>senvolvimento do setor <strong>de</strong> autopeças e da pre<strong>para</strong>ção da mão-<br />
<strong>de</strong>-obra. Nesse con<strong>texto</strong>, <strong>de</strong>staca-se o papel do Grupo Executivo <strong>para</strong> a Indústria Automotiva<br />
(GEIA), que lançou mão <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong>cisivas <strong>para</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento do setor<br />
automotivo no país.<br />
O capítulo II traz uma retrospectiva histórica a respeito da crise do fordismo e do welfare<br />
state e o conseqüente advento das políticas neoliberais e do chamado modo <strong>de</strong> acumulação<br />
flexível. O objetivo é mostrar que as mudanças ocorridas no capitalismo, nas últimas décadas<br />
têm ocasionado um intenso processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva, com sérios rebatimentos no<br />
mundo do trabalho. Em seguida, procuramos analisar o processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva<br />
na indústria automobilística brasileira. Procuramos mostrar como as mudanças introduzidas<br />
nas fábricas instaladas no Brasil e a abertura da economia na década <strong>de</strong> 90 ocasionaram a<br />
eliminação <strong>de</strong> uma parcela significativa dos postos <strong>de</strong> trabalho, provocando também uma<br />
mudança na forma <strong>de</strong> atuação dos sindicatos.<br />
No capítulo III efetuamos uma análise do processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva na indústria<br />
baiana, cujos maiores efeitos foram sentidos no setor petroquímico. Analisamos também o<br />
<strong>de</strong>senrolar da guerra fiscal entre os governos subnacionais <strong>para</strong> atrair as novas fábricas que se<br />
instalaram no Brasil no final da década <strong>de</strong> 1990. Destacam-se nesse episódio os eventos<br />
relacionados à instalação da Ford na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camaçari e os incentivos concedidos à<br />
montadora, pelo estado, <strong>para</strong> atrair a fábrica <strong>de</strong> automóveis.<br />
O capítulo IV traz os resultados da pesquisa <strong>de</strong> campo, on<strong>de</strong> mostramos como a operação da<br />
fábrica <strong>de</strong> Camaçari se tornou estratégica no processo <strong>de</strong> recuperação da montadora no<br />
mercado brasileiro e sul-americano. Em seguida, mostramos como se configurou a relação<br />
entre sindicato e empresa, tendo como ponto <strong>de</strong> referência <strong>para</strong> a análise as mobilizações dos<br />
22
trabalhadores visando avançar nas questões relativas ao aumento salarial da categoria e à<br />
diminuição da jornada semanal <strong>de</strong> trabalho.<br />
O quinto e último capítulo também trata dos resultados obtidos na pesquisa <strong>de</strong> campo, mais<br />
especificamente das estatísticas relacionadas ao adoecimento por LER no CIFN e dos<br />
<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> trabalhadores e sindicalistas em relação à ocorrência dos agravos à saú<strong>de</strong> dos<br />
metalúrgicos do complexo automobilístico.<br />
23
CAPÍTULO I<br />
O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL<br />
A concessão <strong>de</strong> incentivos fiscais por parte do Estado <strong>para</strong> atrair montadoras <strong>de</strong> veículos não<br />
é uma estratégia nova na política industrial do Brasil, ao contrário, este método foi muito<br />
utilizado ao longo da história do país, principalmente e <strong>de</strong> forma mais sistemática, a partir do<br />
governo do presi<strong>de</strong>nte Juscelino Kubitschek (1956-1961). Vale salientar, porém, que antes<br />
mesmo do <strong>de</strong>sejo dos governos brasileiros <strong>de</strong> trazer <strong>para</strong> o país as gran<strong>de</strong>s montadoras se<br />
tornar uma espécie <strong>de</strong> obsessão, em razão do entendimento <strong>de</strong> que a presença <strong>de</strong>ssa indústria<br />
em terras brasileiras simbolizaria o ingresso da nação na era da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, a montagem <strong>de</strong><br />
veículos já vinha sendo feita, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1920, por empresas como Ford, General<br />
Motors e International Harvester, em galpões localizados na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo. Essas<br />
empresas importavam e montavam veículos <strong>completo</strong>s fabricados nos Estados Unidos, os<br />
chamados kits CKD (completely knocked down) que chegavam ao país pelo porto <strong>de</strong> Santos<br />
(CONCEIÇÃO, 2001, apud PINTO, 2006).<br />
Durante a Segunda Guerra Mundial, a importação <strong>de</strong> veículos era praticamente inexistente no<br />
Brasil. De acordo com Shapiro (1997), entre 1942 e 1945, apenas um reduzido número <strong>de</strong><br />
veículos comerciais chegou ao país. Logo, a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> importar carros <strong>de</strong> passeios,<br />
em razão do conflito internacional, provocou uma elevação significativa na <strong>de</strong>manda<br />
reprimida <strong>de</strong>sse bem <strong>de</strong> consumo. Porém, com o fim da Guerra e a normalização das trocas<br />
comerciais, a partir <strong>de</strong> 1946, as importações <strong>de</strong> veículos <strong>de</strong> passeio atingiram números<br />
elevadíssimos, principalmente entre 1946 e 1948, superando as importações <strong>de</strong> trigo e<br />
petróleo. O aumento das importações começou a provocar o ressurgimento do déficit na<br />
balança comercial brasileira, fazendo com que, a partir <strong>de</strong> 1952, o governo Vargas tomasse<br />
uma série <strong>de</strong> medidas objetivando reduzir a importação <strong>de</strong> veículos e, por conseguinte,<br />
atenuar os resultados negativos na balança <strong>de</strong> pagamentos. Dentre as medidas tomadas<br />
<strong>de</strong>stacaram-se o aviso 288, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1952, da Carteira <strong>de</strong> Exportação e Importação,<br />
do Banco do Brasil (Cexim), que proibia a importação <strong>de</strong> 104 grupos <strong>de</strong> componentes<br />
automotivos já produzidos no Brasil e o aviso 311, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1953, emitido pela<br />
recém-criada Carteira <strong>de</strong> Comércio Exterior, do Banco do Brasil (Cacex), que proibiu a<br />
24
importação <strong>de</strong> veículos CKD montados a partir <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1953. Dessa forma, apenas<br />
os veículos semi<strong>completo</strong>s ou SKD (semi completely knocked) passaram a entrar no país.<br />
Essas medidas foram tomadas em um con<strong>texto</strong> marcado pela <strong>de</strong>saceleração das vendas<br />
internas nos Estados Unidos e na Europa e a conseqüente queda das taxas <strong>de</strong> lucro das<br />
montadoras, uma vez que a <strong>de</strong>manda interna por veículos nos países centrais já havia sido<br />
satisfeita. Dessa forma, as gran<strong>de</strong>s montadoras focaram suas estratégias <strong>para</strong> o aumento das<br />
exportações, a ampliação <strong>de</strong> subsidiárias já existentes ou a construção <strong>de</strong> novas unida<strong>de</strong>s o<br />
que provocou um acirramento da disputa intercapitalista nesse setor. Ainda <strong>de</strong> acordo com<br />
Shapiro (2007), a restrição à importação <strong>de</strong> veículos <strong>completo</strong>s <strong>de</strong>terminada pelo governo<br />
Vargas não se traduziu automaticamente em uma corrida das montadoras <strong>para</strong> instalarem suas<br />
unida<strong>de</strong>s no Brasil; em 1953, após a edição dos avisos 288 e 311, apenas algumas<br />
montadoras, como a Volkswagen, a Merce<strong>de</strong>s-Benz e a Willys-Overland <strong>de</strong>cidiram instalar<br />
fábricas no país, outras, como a General Motors e a Ford, resistiram até o final da década <strong>de</strong><br />
1950, quando estava prestes a se esgotar o prazo <strong>de</strong>terminado pelo Grupo Executivo <strong>para</strong> a<br />
Indústria Automotiva (GEIA) <strong>para</strong> que as montadoras interessadas em montar suas fábricas<br />
no se inscrevessem no programa que estabelecia a concessão <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> benefícios<br />
financeiros, como a isenção <strong>de</strong> tarifas alfan<strong>de</strong>gárias e a importação <strong>de</strong> equipamentos sem<br />
cobertura cambial, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>stinados à construção das plantas no Brasil.<br />
O processo <strong>de</strong> consolidação da indústria automobilística brasileira começou a se <strong>de</strong>linear <strong>de</strong><br />
forma mais clara a partir da gestão do Presi<strong>de</strong>nte Juscelino Kubitschek, quando foi lançado o<br />
Plano <strong>de</strong> Metas, que além <strong>de</strong> estabelecer diretrizes <strong>para</strong> a atração <strong>de</strong> montadoras <strong>de</strong> veículos<br />
<strong>para</strong> o país, objetivava também <strong>de</strong>senvolver setores como o <strong>de</strong> infra-estrutura (energia<br />
elétrica, telecomunicações e transportes), educação, alimentação e a construção <strong>de</strong> Brasília.<br />
No que se refere à indústria automobilística, o governo criou o Grupo Executivo da Indústria<br />
Automobilística (GEIA), que tinha como principal atribuição criar as condições <strong>para</strong><br />
propiciar, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>finitiva, a consolidação <strong>de</strong>sse segmento industrial no Brasil.<br />
Nesse sentido, a principal estratégia utilizada pelo governo Kubitschek foi lançar um plano,<br />
sob a supervisão do GEIA, que estabelecia, além do fechamento do mercado brasileiro à<br />
importação <strong>de</strong> veículos, uma participação mínima <strong>de</strong> 90% <strong>de</strong> peças nacionais nos carros<br />
fabricados no país. Por outro lado, as montadoras que <strong>de</strong>cidissem instalar suas fábricas no<br />
Brasil seriam recompensadas, como dissemos anteriormente, com uma série <strong>de</strong> benefícios<br />
25
financeiros. Assim, o principal instrumento utilizado pelo governo foi a Instrução 113,<br />
emitida pelo Conselho Monetário, em 1955, permitindo que as empresas importassem sem<br />
cobertura cambial máquinas e equipamentos necessários à produção <strong>de</strong> veículos. Essas<br />
medidas, a exemplo do que ocorreu com aquelas tomadas pelo governo Vargas, não fizeram<br />
com que as gran<strong>de</strong>s montadoras, como GM e Ford, se apressassem em construir suas plantas.<br />
Todo o processo transcorrido após a edição da Instrução 113, foi marcado por momentos <strong>de</strong><br />
in<strong>de</strong>cisões, disputas e lobbies políticos, que não são o objeto <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>sse trabalho. No<br />
entanto, o fato a se <strong>de</strong>stacar é que após todas essas disputas, idas e vindas, as gran<strong>de</strong>s<br />
montadoras <strong>de</strong>cidiram iniciar a produção no Brasil com a utilização crescente <strong>de</strong> componentes<br />
nacionais em seus veículos. Logo, <strong>de</strong> 1957 a 1979, oito montadoras <strong>de</strong>cidiram construir<br />
fábricas no Brasil (Quadro 1), inicialmente no Estado <strong>de</strong> São Paulo e, na década <strong>de</strong> 1970, em<br />
Minas Gerais e no Paraná.<br />
Quadro 1<br />
Montadoras Instaladas no Brasil entre 1957 e 1979.<br />
MONTADORA PRODUTOS ANO DE INÍCIO ESTADO<br />
FORD 1 Automóveis<br />
Comerciais Leves<br />
Caminhões<br />
1957 São Paulo<br />
GM Automóveis<br />
Comerciais Leves<br />
Caminhões<br />
1957 São Paulo<br />
MERCEDES Caminhões<br />
Ônibus<br />
1957 São Paulo<br />
SCANIA Caminhões<br />
Ônibus<br />
1957 São Paulo<br />
TOYOTA Comerciais leves 1957 São Paulo<br />
VOLKSWAGEN 2 Automóveis<br />
Comerciais leves<br />
1957 São Paulo<br />
FIAT Automóveis 1976 Minas Gerais<br />
VOLVO Caminhões<br />
Ônibus<br />
1979 Paraná<br />
Fonte: Adaptado <strong>de</strong> Glauco Arbix (2002)<br />
1 Em 1967, a Ford adquiriu a Willys-Overland, que havia se instalado em São Paulo em 1953.<br />
2 Em 1967, a Volkswagen adquiriu a Vemag, que operava em São Paulo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1946.<br />
26
Já em relação aos motivos que foram <strong>de</strong>terminantes <strong>para</strong> a consolidação do setor automotivo<br />
no Brasil, as análises se divi<strong>de</strong>m entre aquelas que <strong>de</strong> um lado <strong>de</strong>stacam a ação estatal, a<br />
exemplo da <strong>de</strong>terminação do fechamento do mercado às importações <strong>de</strong> veículos, a exigência<br />
<strong>de</strong> um índice mínimo <strong>de</strong> nacionalização dos componentes dos carros montados no Brasil e a<br />
concessão <strong>de</strong> um pacote <strong>de</strong> incentivos financeiros e, <strong>de</strong> outro lado, as análises que consi<strong>de</strong>ram<br />
o investimento estrangeiro como sendo um elemento fundamental da estratégia das<br />
montadoras em um cenário caracterizado pela saturação dos mercados internos na Europa e<br />
nos Estados Unidos, fazendo com que as gran<strong>de</strong>s multinacionais do setor iniciassem, <strong>de</strong><br />
forma mais agressiva, a busca por novos mercados consumidores, justamente num con<strong>texto</strong><br />
on<strong>de</strong> os fluxos <strong>de</strong> capitais privados estavam retornando à América Latina (SHAPIRO, 1997).<br />
Vale <strong>de</strong>stacar ainda as análises que levam em consi<strong>de</strong>ração as crescentes taxas <strong>de</strong> crescimento<br />
no Produto Nacional Bruto (PNB), nas décadas <strong>de</strong> 1950 e 1960, acompanhado <strong>de</strong> forte<br />
potencial do mercado consumidor <strong>de</strong> veículos no país, em razão da elevada <strong>de</strong>manda<br />
reprimida <strong>de</strong>sse período. Logo, <strong>de</strong> acordo com essas análises, mesmo sem o pacote <strong>de</strong><br />
incentivos previstos pelo governo essas montadoras se instalariam no Brasil.<br />
Nesse con<strong>texto</strong> [<strong>de</strong> internacionalização], a primeira implicação que os fabricantes<br />
estrangeiros po<strong>de</strong>riam extrair da anunciada política governamental brasileira era a <strong>de</strong><br />
que estar ausente da indústria emergente significaria estar totalmente excluído do<br />
mercado brasileiro, já que se esperava uma proteção efetiva <strong>para</strong> a nova produção<br />
nacional. Sob este ponto <strong>de</strong> vista, a política governamental foi <strong>de</strong>cisivamente<br />
persuasiva no sentido <strong>de</strong> engajar as empresas estrangeiras nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
produção no país. Por outro lado, po<strong>de</strong>-se argumentar que, <strong>de</strong>vido à própria<br />
dinâmica <strong>de</strong> crescimento da indústria internacional, uma empresa estrangeira seria<br />
levada, mais cedo ou mais tar<strong>de</strong>, a sair à frente <strong>de</strong> suas concorrentes e começar a<br />
produzir no Brasil, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> qualquer incentivo governamental prévio,<br />
contando apenas com uma futura restrição nas importações <strong>de</strong> CBU (carros<br />
completamente montados) e <strong>de</strong> CKD. A política governamental teria apenas<br />
percebido, ou quando muito antecipado, uma tendência existente. (GUIMARÃES,<br />
1980, p. 169-170 apud SHAPIRO, 1997, p. 71).<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das diversas análises feitas, se enfáticas em relação à atuação do Estado<br />
brasileiro ou <strong>de</strong>stacando o con<strong>texto</strong> econômico internacional e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conquista <strong>de</strong><br />
novos mercados por parte das montadoras, fica claro que a consolidação do parque industrial<br />
automotivo no Brasil, localizado inicialmente no estado <strong>de</strong> São Paulo, teve um papel<br />
fundamental <strong>para</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento da industrialização no país.<br />
27
1.1 O <strong>de</strong>senvolvimento do setor <strong>de</strong> autopeças<br />
A <strong>de</strong>cisão, em 1956, do Estado brasileiro <strong>de</strong> exigir, nos veículos montados no país, um índice<br />
<strong>de</strong> nacionalização entre 90 e 95%, beneficiou sobremaneira o <strong>de</strong>senvolvimento da indústria <strong>de</strong><br />
autopeças. A primeira medida <strong>de</strong> impacto, no entanto, foi o aviso 288, <strong>de</strong> 1952, que como<br />
citado anteriormente, proibiu a importação <strong>de</strong> componentes automotivos já fabricados em<br />
território brasileiro. De acordo com Addis (1997), bastava apenas que uma fábrica anunciasse<br />
o interesse em produzir <strong>de</strong>terminado componente <strong>para</strong> que se <strong>de</strong>cretasse a proibição <strong>de</strong> sua<br />
importação. Aliás, o <strong>de</strong>senvolvimento da indústria <strong>de</strong> autopeças brasileira foi marcado por<br />
relações bastante próximas entre Estado e burguesia nacional, visto que os industriais<br />
brasileiros, representados pelo recém-criado Sindipeças, em 1951, foram, em alguns<br />
momentos, os reais i<strong>de</strong>alizadores das políticas ligadas ao setor. Exemplo disso foi o lobby<br />
feito pelas autopeças <strong>para</strong> que as suas relações com as montadoras fossem estruturadas <strong>de</strong><br />
forma “horizontal”, ou seja, que as montadoras produzissem apenas os componentes<br />
principais dos veículos e comprassem o restante das autopeças brasileiras.<br />
A consolidação <strong>de</strong>sse setor começou a se <strong>de</strong>linear a partir <strong>de</strong> 1956, quando as medidas<br />
tomadas pelo governo Kubitschek, como a proteção do mercado, a exigência dos elevados<br />
índices <strong>de</strong> nacionalização e o controle estatal, visto que as empresas necessitavam <strong>de</strong><br />
aprovação do GEIA <strong>para</strong> importar matérias primas, peças ou equipamentos, forçaram as<br />
montadoras a adotar uma postura mais cooperativa com as autopeças. De acordo com Addis,<br />
[...] Graças à política protecionista, veículos e peças tiveram que ser produzidos no<br />
país, sendo proibida a sua importação. Conseqüentemente, procurando respeitar o<br />
índice <strong>de</strong> nacionalização, as montadoras foram levadas a ensinar aos fornecedores<br />
conceitos <strong>de</strong> organização industrial; a oferecer contratos <strong>de</strong> longo prazo e, com<br />
freqüência, acordos <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> no fornecimento; a emprestar equipamentos e<br />
recursos; facilitar o contato com fornecedores estrangeiros; e a auxiliar na obtenção<br />
<strong>de</strong> concessões e outros acordos <strong>de</strong> assistência técnica, que propiciaram aos<br />
brasileiros acesso à tecnologia e aos princípios mo<strong>de</strong>rnos da produção. (ADDIS,<br />
1997, p. 137)<br />
No entanto, a instabilida<strong>de</strong> política gerada pela renúncia <strong>de</strong> Jânio Quadros, em agosto <strong>de</strong><br />
1961, substituído pelo vice, João Goulart; a recessão econômica e a redução do controle<br />
estatal, <strong>de</strong>ntre outros fatores, foram aos poucos corroendo a estrutura horizontal que até então<br />
havia marcado a relação entre montadoras e autopeças. Outro fator <strong>de</strong>cisivo <strong>para</strong> o<br />
enfraquecimento do setor foi o posicionamento dos governos militares favorável ao capital<br />
estrangeiro, fato que acabou favorecendo, em razão das políticas adotadas nesse período,<br />
28
como as restrições aos créditos, a compra das autopeças nacionais por empresas estrangeiras.<br />
Nesse con<strong>texto</strong>, montadoras e fornecedores estrangeiros iniciaram um processo <strong>de</strong> integração<br />
vertical da produção, dispensando a subcontratação <strong>de</strong> peças junto a alguns dos antigos<br />
fornecedores (ADDIS, 1997).<br />
Por outro lado, a tentativa do governo militar <strong>de</strong> conter o processo inflacionário usando como<br />
principal medida o controle <strong>de</strong> preços possibilitou a formação <strong>de</strong> cartéis li<strong>de</strong>rados por uma<br />
parcela dos antigos fornecedores <strong>de</strong> autopeças - cerca <strong>de</strong> sessenta empresas - que outrora<br />
haviam perdido espaço no mercado, em razão, <strong>de</strong>ntre motivos outros, da falta <strong>de</strong> regulação<br />
estatal. Dessa forma, a cartelização funcionou como uma espécie <strong>de</strong> horizontalização, uma<br />
vez que as autopeças passaram a controlar os preços dos componentes necessários à produção<br />
automotiva. Como afirma Addis,<br />
Ao concordarem sobre preços mínimos e prazos <strong>de</strong> pagamento, e ao distribuírem<br />
entre si as encomendas das montadoras, as autopeças lograram amortecer o impacto<br />
das flutuações do mercado e criar uma diversificação mais lucrativa <strong>de</strong> produtos [...]<br />
Apesar das práticas comerciais restritivas, as empresas que organizaram fortes<br />
cartéis <strong>de</strong> produtores foram, <strong>de</strong> um modo geral, as mais inovadoras, as que mais<br />
investiram e as mais preocupadas com a qualida<strong>de</strong>. Enquanto contribuíam <strong>para</strong><br />
elevar os preços domésticos, os cartéis também possibilitavam que um pequeno<br />
grupo <strong>de</strong> fornecedores investisse e alcançasse a qualida<strong>de</strong> exigida <strong>para</strong> o mercado<br />
exportador. Novamente, tal como na primeira fase da implantação do setor, os<br />
fornecedores passaram a conduzir não só a produção, mas também outras práticas<br />
industriais. (ADDIS, 1997, p. 143-144).<br />
Em 1979, no governo do general Ernesto Geisel, a adoção <strong>de</strong> algumas medidas econômicas,<br />
como o restabelecimento do protecionismo, do controle estatal, a adoção <strong>de</strong> normas mais<br />
criteriosas <strong>de</strong> importação e a edição da Resolução 63, que proibia as montadoras <strong>de</strong><br />
produzirem verticalmente componentes que já eram adquiridos junto aos fornecedores, ajudou<br />
as autopeças a recuperarem os vínculos <strong>de</strong> longo prazo com as montadoras, além <strong>de</strong><br />
fortalecerem ainda mais a cartelização no setor.<br />
Com essas medidas, as autopeças passaram a operar em um cenário mais favorável,<br />
possibilitando a administração da concorrência entre as empresas do setor e o investimento na<br />
busca por padrões <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> que a cre<strong>de</strong>nciassem a aten<strong>de</strong>r às exigências do mercado<br />
internacional. De acordo com Addis (1997), as exportações <strong>de</strong> autopeças cresceram<br />
significativamente a partir do início da década <strong>de</strong> 1980, quando foi exportado 1,2 bilhão <strong>de</strong><br />
dólares, chegando a atingir 2,3 bilhões em 1992. No entanto, vale salientar, ainda <strong>de</strong> acordo<br />
29
com a autora, que das vinte maiores exportadoras do setor <strong>de</strong> autopeças no início da década <strong>de</strong><br />
1990, poucas eram brasileiras, resultado da <strong>aqui</strong>sição das fábricas <strong>de</strong> autopeças nacionais por<br />
firmas estrangeiras, que teve início a partir da vigência do regime militar, em razão dos<br />
motivos supracitados e que se agravou nos anos 1990 com a abertura da economia, no<br />
governo <strong>de</strong> Fernando Collor. No entanto, uma análise mais <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong>sse período será feita<br />
em outro momento <strong>de</strong>ste trabalho.<br />
1.2 A formação da mão-<strong>de</strong>-obra<br />
Em relação às montadoras, uma vez tomada a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> operar no Brasil, uma questão a ser<br />
resolvida dizia respeito ao treinamento da mão-<strong>de</strong>-obra. O plano <strong>de</strong> treinamento elaborado<br />
pelas empresas estabelecia que os trabalhadores semiqualificados, em abundância no<br />
mercado, fossem treinados <strong>de</strong>ntro da própria linha <strong>de</strong> montagem, era o “treinamento em<br />
serviço”. Já em relação ao pessoal mais qualificado e em falta no mercado, como<br />
ferramenteiros, mecânicos e eletricistas, foi <strong>de</strong>finido que o treinamento ficaria a cargo do<br />
Serviço Nacional da Indústria (SENAI).<br />
De acordo com Negro (1997), o GEIA havia elaborado um plano que previa a criação <strong>de</strong> um<br />
“centro piloto” <strong>de</strong> treinamento da mão-<strong>de</strong>-obra no estado do Ceará, on<strong>de</strong> os trabalhadores<br />
receberiam, em um curso intensivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z semanas, noções <strong>de</strong> disciplina, higiene,<br />
convivência no trabalho e noções básicas <strong>de</strong> mecânica. Embora esse plano não tenha sido<br />
levado a cabo, a instalação do parque automobilístico em São Paulo contou, em gran<strong>de</strong><br />
medida, tanto na construção das plantas automotivas, como na operação das linhas <strong>de</strong><br />
montagem, com trabalhadores <strong>de</strong> vários estados nor<strong>de</strong>stinos, principalmente Bahia, Ceará,<br />
Pernambuco e Paraíba. Era comum a integração dos operários que trabalharam na construção<br />
civil, durante a construção das fábricas à função <strong>de</strong> operadores <strong>de</strong> linha <strong>de</strong> montagem.<br />
Embora esses trabalhadores não tivessem experiência anterior em indústrias, os resultados<br />
obtidos pelas montadoras com a utilização da mão-<strong>de</strong>-obra nor<strong>de</strong>stina superaram as<br />
expectativas <strong>de</strong> técnicos, engenheiros e gerentes <strong>de</strong>ssas empresas. Negro (1997) <strong>de</strong>staca o<br />
entusiasmo do presi<strong>de</strong>nte do Sindipeças, ao tomar posse em 1972, em relação ao <strong>de</strong>sempenho<br />
da mão <strong>de</strong> obra nacional.<br />
A qualida<strong>de</strong> da mão <strong>de</strong> obra brasileira po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada excepcionalmente<br />
elevada. Apesar <strong>de</strong> possuir pouca escolarida<strong>de</strong>, a maioria dos nossos trabalhadores<br />
rapidamente assimilou a técnica satisfatoriamente. Um exemplo bem ilustrativo é o<br />
da indústria automobilística, que hoje conta com menos <strong>de</strong> 1% <strong>de</strong> estrangeiros em<br />
seus quadros <strong>de</strong> trabalho (Presi<strong>de</strong>nte do Sindipeças, 1972).<br />
30
Vale <strong>de</strong>stacar ainda que não apenas a boa qualida<strong>de</strong> da mão-<strong>de</strong>-obra brasileira surpreen<strong>de</strong>u os<br />
patrões do setor automotivo. Na década <strong>de</strong> 1970, mais <strong>de</strong> 140 mil trabalhadores do ABC<br />
paulista, representados pelo Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong> São Bernardo do Campo e<br />
Dia<strong>de</strong>ma, realizaram greves e <strong>para</strong>lisações, principalmente nos anos <strong>de</strong> 1978, 1979 e 1980<br />
que mudaram os rumos do sindicalismo brasileiro. De acordo com Jácome (1997), esse<br />
movimento trazia à or<strong>de</strong>m do dia novas <strong>de</strong>mandas, como a crítica à estrutura sindical<br />
corporativista; a <strong>de</strong>fesa da livre negociação entre patrões e empregados sem a interferência<br />
estatal; do contrato coletivo <strong>de</strong> trabalho e a tentativa <strong>de</strong> fortalecimento do movimento <strong>de</strong><br />
trabalhadores através da organização a partir da base, marcando <strong>de</strong>ssa forma o surgimento <strong>de</strong><br />
uma nova praxis sindical.<br />
A ruptura <strong>de</strong>ssa classe trabalhadora, fruto da industrialização do pós-64, com a<br />
herança do populismo é bastante significativa. Há um <strong>de</strong>slocamento da questão<br />
nacional <strong>para</strong> os problemas do cotidiano fabril e, ao mesmo tempo, uma associação<br />
entre a luta sindical e a luta por direitos sociais e políticos. Nesse aspecto, uma<br />
característica fundamental <strong>de</strong>sse movimento operário emergente foi, por um lado, a<br />
sua localização no âmbito da produção, trazendo à superfície temas que davam conta<br />
do ambiente <strong>de</strong> trabalho e, <strong>de</strong> outro, sua vinculação com o processo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mocratização e <strong>de</strong> constituição da cidadania. Esse novo sindicalismo é expressão,<br />
em um primeiro momento, daqueles trabalhadores que estão nas indústrias<br />
automobilísticas do ABC paulista tendo à frente o Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong><br />
São Bernardo do Campo e Dia<strong>de</strong>ma. (JÁCOME, 1997, p. 238).<br />
Uma vez consolidado, o setor automotivo passou a apresentar, no balanço final, ao longo das<br />
décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970 altos índices <strong>de</strong> crescimento, apesar <strong>de</strong> alguns momentos <strong>de</strong><br />
instabilida<strong>de</strong> e queda nas vendas. No entanto, nos anos 1980, o setor foi atingido por uma<br />
forte crise, cujos principais elementos encontravam-se na retração do consumo, nas baixas<br />
taxas <strong>de</strong> crescimento, nas altas taxas <strong>de</strong> inflação e no estrangulamento das contas externas. A<br />
saída <strong>de</strong>ssa crise, pelo menos <strong>para</strong> a indústria automobilística brasileira, passava por medidas<br />
que viessem proporcionar mais competitivida<strong>de</strong> às montadoras instaladas no país, <strong>de</strong> forma a<br />
possibilitar, <strong>de</strong>ntre outros fatores, um aumento significativo no volume <strong>de</strong> carros exportados.<br />
Vale <strong>de</strong>stacar que não era apenas a indústria automotiva brasileira que atravessava um<br />
momento difícil naquele período, visto que já na década <strong>de</strong> 1970 as montadoras americanas e<br />
européias começavam a sentir os efeitos da concorrência com as montadoras japonesas, que<br />
vinham ano a ano conquistando crescentes parcelas do mercado automotivo mundial. Aliás,<br />
nesse período, o capitalismo, em razão <strong>de</strong> uma crise que começou a mostrar os seus primeiros<br />
sinais no final da década <strong>de</strong> 1960, também passava por mudanças substanciais que, ao serem<br />
implementadas, tiveram efeitos significativos na forma como agentes econômicos e políticos<br />
31
passaram a pensar a organização da socieda<strong>de</strong>, seja nas formas <strong>de</strong> organizar a produção e a<br />
gestão da mão-<strong>de</strong>-obra ou na forma <strong>de</strong> pensar o papel dos Estados nacionais.<br />
Portanto, <strong>para</strong> o bom entendimento dos efeitos que as mudanças ocorridas no capitalismo<br />
nesse período tiveram no mundo do trabalho e na organização dos novos arranjos<br />
automotivos, principalmente a partir dos anos 1990, julgamos necessário fazer uma breve<br />
retrospectiva histórica <strong>para</strong> contextualizar essas transformações. Acreditamos ser interessante<br />
mostrar como a crise do fordismo, ensejou uma série <strong>de</strong> modificações nas formas <strong>de</strong> pensar a<br />
produção <strong>de</strong> bens e serviços, no modo <strong>de</strong> organizar o trabalho e como essas modificações têm<br />
relação direta com a <strong>de</strong>sestruturação do mercado <strong>de</strong> trabalho, o enfraquecimento dos<br />
sindicatos, o movimento <strong>de</strong> (<strong>de</strong>s)localização industrial das fábricas e com o aumento dos<br />
casos <strong>de</strong> doenças ocupacionais, algumas <strong>de</strong>las bem características <strong>de</strong>ssa nova fase do<br />
capitalismo, como as LER (Lesões por Esforços Repetitivos).<br />
32
CAPÍTULO II<br />
DA CRISE DO FORDISMO À REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA<br />
Após a Segunda Guerra Mundial, os países do centro do capitalismo vivenciaram um período<br />
que passou a ser conhecido como “os trinta anos <strong>de</strong> ouro do capitalismo”. Tal período se<br />
caracterizou pela existência <strong>de</strong> um “gran<strong>de</strong> pacto” firmado entre capital e trabalho, sob<br />
mediação e supervisão do Estado. Apesar das especificida<strong>de</strong>s inerentes a cada país esse<br />
momento teve como principais características o crescimento dos salários da classe<br />
trabalhadora; baixas taxas <strong>de</strong> inflação; gran<strong>de</strong>s investimentos estatais no setor <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong><br />
social; controle fiscal e monetário, por parte do Estado, com o objetivo <strong>de</strong> controlar os ciclos<br />
econômicos e garantir a taxa <strong>de</strong> lucrativida<strong>de</strong> das corporações, além <strong>de</strong> investimentos em<br />
setores como, educação, saú<strong>de</strong> e infra-estrutura (transportes, energia, etc.).<br />
Vale ressaltar que o fator <strong>de</strong>terminante <strong>para</strong> que o proletariado a<strong>de</strong>risse ao pacto foi a<br />
hegemonia conquistada pela corrente social-<strong>de</strong>mocrata no seio do movimento operário que,<br />
ao contrário da corrente revolucionária, pregava a conquista do Estado como forma <strong>de</strong><br />
implementar reformas estruturais com vistas a promover o bem estar da classe trabalhadora.<br />
Logo, <strong>para</strong> os social-<strong>de</strong>mocratas, as transformações na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam ser feitas por via<br />
institucional, no parlamento, através da participação do partido em eleições. Para Alain Bihr<br />
(2002), esse “fetichismo do Estado” que acometeu o proletariado, fez com que o movimento<br />
operário renunciasse à luta revolucionária, em troca da garantia <strong>de</strong> sua “segurida<strong>de</strong> social”.<br />
Renunciar à “aventura histórica”? É renunciar à luta revolucionária, à luta pela<br />
transformação comunista da socieda<strong>de</strong>; renunciar à contestação à legitimida<strong>de</strong> do<br />
po<strong>de</strong>r da classe dominante sobre a socieda<strong>de</strong>, especialmente sua apropriação dos<br />
meios sociais <strong>de</strong> produção e as finalida<strong>de</strong>s assim impostas às forças produtivas. É,<br />
ao mesmo tempo, aceitar as novas formas capitalistas <strong>de</strong> dominação que vão se<br />
<strong>de</strong>senvolver pós-guerra, ou seja, o conjunto das transformações das condições <strong>de</strong><br />
trabalho e, em sentido mais amplo, <strong>de</strong> existência que o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />
capitalismo vai impor ao proletariado nesse período. (BIHR, 2002, p. 37).<br />
Ainda <strong>de</strong> acordo com Bihr, o movimento operário foi estrategicamente integrado à<br />
engrenagem <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r capitalista, mesmo possuindo certa autonomia e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> pressão <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong>ssa relação. Essa integração resultou na transformação dos sindicatos em “estrutura<br />
mediadora do comando do capital sobre o proletariado”. Isso significa que durante o período<br />
33
<strong>de</strong> vigência do gran<strong>de</strong> pacto, os sindicatos e partidos ligados ao proletariado, ao mesmo tempo<br />
em que pressionavam o capital objetivando conquistar ou ampliar, através <strong>de</strong> negociações<br />
coletivas, benefícios <strong>para</strong> os trabalhadores por eles representados, serviam também como<br />
elementos <strong>de</strong> contenção e arrefecimento <strong>de</strong> ações mais radicais por parte <strong>de</strong> setores do<br />
movimento operário <strong>de</strong>scontentes com a postura conciliatória das correntes hegemônicas.<br />
Assim, se em certo sentido a integração do movimento operário estava <strong>de</strong> acordo<br />
com a estratégia majoritariamente seguida pelo proletariado oci<strong>de</strong>ntal durante a fase<br />
fordista, ao mesmo tempo transformava suas organizações em “cães <strong>de</strong> guarda” do<br />
capital, a partir do momento em que o proletariado tentava rediscutir os termos do<br />
próprio compromisso fordista.<br />
A integração do movimento operário inerente a esse compromisso era então um<br />
processo profundamente contraditório. E essa contradição vai forjar o <strong>de</strong>stino do<br />
mo<strong>de</strong>lo social-<strong>de</strong>mocrata do movimento operário durante esse período: embora<br />
tenha marcado seu apogeu, garantindo seu trunfo <strong>de</strong>finitivo, o compromisso em<br />
questão marcaria também seus limites, conduzindo-o à via do <strong>de</strong>clínio e, em parte,<br />
até da <strong>de</strong>generação. (BIHR, 2002, p. 46).<br />
No entanto, malgrado as conquistas obtidas com o acordo, o quadro <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> sócio-<br />
econômica começou a mostrar sinais <strong>de</strong> crise a partir da meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 60, provocando<br />
o fim do pacto fordista.<br />
Dentre as causas <strong>de</strong>sse colapso estão a recuperação da Europa oci<strong>de</strong>ntal e do Japão, que já<br />
estavam em vias <strong>de</strong> consolidação, fator que dificultou a exportação <strong>de</strong> produtos dos Estados<br />
Unidos <strong>para</strong> esses países, em razão da redução da <strong>de</strong>manda efetiva 3 . Segundo Harvey,<br />
O conseqüente enfraquecimento da <strong>de</strong>manda efetiva foi compensado nos Estados<br />
Unidos pela guerra à pobreza e pela guerra do Vietnã. Mas a queda da produtivida<strong>de</strong><br />
e da lucrativida<strong>de</strong> corporativas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1966 marcou o começo <strong>de</strong> um problema<br />
fiscal nos Estados Unidos que só seria sanado à custa <strong>de</strong> uma aceleração da inflação,<br />
o que começou a solapar o papel do dólar como moeda-reserva internacional estável.<br />
A formação do mercado do eurodólar 4 e a contração do crédito no período 1966-<br />
1967 foram, na verda<strong>de</strong>, sinais prescientes da redução do po<strong>de</strong>r norte-americano <strong>de</strong><br />
regulamentação do sistema financeiro internacional. (HARVEY, 1992: 135).<br />
De acordo com Fiori (2004), essas medidas não foram suficientes <strong>para</strong> <strong>de</strong>ter a saída <strong>de</strong><br />
capitais do país, o que levou os Estados Unidos a pressionarem os governos europeus <strong>para</strong><br />
3 Demanda <strong>de</strong> bens e serviços <strong>para</strong> as quais existe capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento, uma vez que, na economia <strong>de</strong><br />
mercado, a <strong>de</strong>manda efetiva é a única que conta, embora seja inferior àquela <strong>de</strong>corrente da necessida<strong>de</strong> do<br />
conjunto da população.<br />
4 Termo aplicado à moeda americana que é <strong>de</strong>positada em bancos comerciais na Europa e que resulta dos gastos<br />
ou empréstimos feitos pelos Estados Unidos no exterior.<br />
34
que liberassem seus mercados <strong>de</strong> capitais, permitindo que as taxas <strong>de</strong> juros refletissem as<br />
diferenças nacionais <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> do capital. No entanto, os europeus e os japoneses<br />
advogaram uma ação cooperativa <strong>para</strong> lograr um maior controle <strong>de</strong> movimento <strong>de</strong> capitais,<br />
mas foram <strong>de</strong>rrotados pela posição radical dos Estados Unidos a qualquer tipo <strong>de</strong> ação<br />
cooperativa. Ainda <strong>de</strong> acordo com Fiori<br />
No seu Relatório Econômico Presi<strong>de</strong>ncial ao Congresso Americano, <strong>de</strong> 1973, o<br />
presi<strong>de</strong>nte Richard Nixon <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u explicitamente que os ‘controles <strong>de</strong> capitais <strong>para</strong><br />
fins <strong>de</strong> balanço <strong>de</strong> pagamentos não <strong>de</strong>vem ser encorajados’ e que, pelo contrário, o<br />
livre movimento <strong>de</strong> capitais é a melhor forma <strong>de</strong> promover políticas econômicas<br />
corretas. Logo <strong>de</strong>pois, o governo americano <strong>de</strong>svalorizou o dólar e aboliu, em 1974,<br />
o seu sistema <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> capitais [...] Portanto, a chamada “crise do dólar” não<br />
foi um aci<strong>de</strong>nte nem uma surpresa, nem muito menos uma <strong>de</strong>rrota; foi um objetivo<br />
buscado <strong>de</strong> forma consciente e estratégica pela política econômica internacional do<br />
governo norte-americano. (FIORI, 2004: 92).<br />
Outros fatores <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>adores da crise foram a contração do crédito; o advento <strong>de</strong> políticas<br />
<strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> importações nos países do terceiro mundo, gerando uma onda <strong>de</strong><br />
industrialização fordista competitiva em ambientes novos; a <strong>de</strong>cisão da OPEP (Organização<br />
dos Países Exportadores <strong>de</strong> Petróleo) <strong>de</strong> aumentar os preços do petróleo, implicando um<br />
aumento do preço dos insumos <strong>de</strong> energia; a <strong>de</strong>cisão dos países árabes <strong>de</strong> embargar a<br />
exportação <strong>de</strong> petróleo <strong>para</strong> os países do oci<strong>de</strong>nte durante a Guerra Árabe-Israelense <strong>de</strong> 1973,<br />
por acreditarem que essas nações estavam financiando Israel.<br />
Harvey (1992) atribuiu esse quadro crítico, caracterizado pela incapacida<strong>de</strong> do<br />
Fordismo/Keynesianismo <strong>de</strong> conter as contradições do capitalismo, ao que ele chama <strong>de</strong><br />
“rigi<strong>de</strong>z” do sistema, que se apresentava em três níveis:<br />
• Rigi<strong>de</strong>z dos investimentos <strong>de</strong> capital fixo (máquinas, equipamentos e instalações) <strong>de</strong><br />
larga escala e longo prazo em sistemas <strong>de</strong> produção em massa que impediam a<br />
flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> planejamento e presumiam crescimento estável em mercados <strong>de</strong><br />
consumo invariantes;<br />
• Rigi<strong>de</strong>z nos mercados, na alocação e nos contratos <strong>de</strong> trabalho. E toda tentativa <strong>de</strong><br />
superação <strong>de</strong>ssa rigi<strong>de</strong>z esbarrava na força dos sindicatos;<br />
• Rigi<strong>de</strong>z dos compromissos do Estado com programas <strong>de</strong> assistência (segurida<strong>de</strong><br />
social, pensões, etc.).<br />
35
Harvey (ibid) lembra que o único instrumento <strong>de</strong> resposta flexível estava na política<br />
monetária, na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprimir moeda em qualquer montante que parecesse necessário<br />
<strong>para</strong> manter a economia estável. Essa medida, no entanto, causou uma onda inflacionária que<br />
acabou por afundar a expansão do pós-guerra.<br />
Toda essa crise levou as gran<strong>de</strong>s corporações, em todos os segmentos da economia a lançar<br />
mão <strong>de</strong> estratégias que as permitissem manterem as suas taxas <strong>de</strong> acumulação. As principais<br />
medidas foram:<br />
• Racionalização, reestruturação e intensificação do controle do trabalho (perseguição e<br />
cooptação do po<strong>de</strong>r sindical);<br />
• Implementação <strong>de</strong> mudanças tecnológicas, através do uso em profusão da automação;<br />
• Busca <strong>de</strong> novas linhas <strong>de</strong> produto e nichos <strong>de</strong> mercado;<br />
• Dispersão geográfica <strong>para</strong> regiões <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> trabalho mais fácil;<br />
• Fusões corporativas, etc.<br />
Estas mudanças foram articuladas com outras relacionadas à forma <strong>de</strong> gestão do Estado, Uma<br />
vez que um arcabouço i<strong>de</strong>ológico que estava no ostracismo há quase trinta anos ressurgiu com<br />
força e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> convencimento: o neoliberalismo.<br />
O principal tenor <strong>de</strong>ssa corrente foi o economista austríaco Friedrich August Von Hayek<br />
(1899-1992). Em 1944 ele escreveu The Road to Serfdom (O Caminho da Servidão), cujo<br />
alvo principal era o Partido Trabalhista Inglês, que viria a vencer as eleições <strong>de</strong> 1945. A<br />
respeito <strong>de</strong>sse livro, o próprio Hayek afirmou:<br />
“Antes <strong>de</strong> eclodir a Segunda Guerra, eu já começara a fazer um esforço no sentido<br />
<strong>de</strong> explicar aos meus amigos ingleses, em sua gran<strong>de</strong> maioria influenciados por<br />
tendências esquerdistas, que sua crença <strong>de</strong> que Hitler era um inimigo do socialismo<br />
estava errada. Eu tentava convencê-los <strong>de</strong> que o socialismo <strong>de</strong> Hitler era<br />
simplesmente outro tipo <strong>de</strong> socialismo que igualmente preconizava restrições à<br />
<strong>de</strong>mocracia, a exemplo do que pretendia a doutrina socialista, caso os socialistas<br />
levassem a sério seu programa. Isso me fez escrever um livro intitulado The Road<br />
do Serfdom”. (Hayek, 1981:39).<br />
Em 1947, enquanto as bases do Estado <strong>de</strong> Bem-Estar se constituíam na Europa, Hayek criou a<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mont Pelérin, na Suíça, on<strong>de</strong> a cada dois anos os teóricos que compartilhavam<br />
36
das mesmas posições em relação ao Estado <strong>de</strong> Bem-Estar e ao New Deal americano se<br />
reuniam <strong>para</strong> pre<strong>para</strong>r as bases da doutrina neoliberal. Dentre os participantes <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong><br />
havia nomes como os <strong>de</strong> Milton Friedman, Karl Popper, Ludwig Von Mises e Michael<br />
Polanyi, entre outros. Como afirmamos anteriormente, o i<strong>de</strong>ário neoliberal permaneceu<br />
<strong>de</strong>sprestigiado por aproximadamente trinta anos, no entanto, com o advento da crise a partir<br />
do final da década <strong>de</strong> 1960, caracterizada pelas baixas taxas <strong>de</strong> crescimento e altas taxas <strong>de</strong><br />
inflação, as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno. De acordo com An<strong>de</strong>rson (1995), os<br />
neoliberais afirmavam que as raízes da crise estavam localizadas no po<strong>de</strong>r excessivo dos<br />
movimentos sindicais que, ao manterem mobilizações constantes por reajustes salariais e<br />
pressionarem também o Estado pela manutenção dos gastos na área social, em um con<strong>texto</strong> <strong>de</strong><br />
crise, contribuíam <strong>para</strong> um processo <strong>de</strong> corrosão das bases <strong>de</strong> acumulação capitalista. Em<br />
1981, quando participava <strong>de</strong> um evento na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília, e foi questionado a<br />
respeito da relação entre capital, trabalho e direitos trabalhistas, em uma economia <strong>de</strong> tipo<br />
neoliberal, Hayek respon<strong>de</strong>u:<br />
Bem, haveria mais competição em ambos os lados e isto representaria um controle<br />
<strong>de</strong> caráter essencial. Penso que, <strong>de</strong> maneira geral, há muito maior competição agora<br />
do lado das empresas. E on<strong>de</strong> isto não funciona é, habitualmente, porque o governo<br />
criou certas restrições na área <strong>de</strong> competição. Do lado do trabalho [...] naqueles<br />
países com os quais estou familiarizado, o gran<strong>de</strong> obstáculo ao funcionamento <strong>de</strong><br />
uma economia <strong>de</strong> mercado é o monopólio existente na área trabalhista. Os<br />
privilégios que os sindicatos trabalhistas vêm usufruindo têm resultado, em larga<br />
escala, na exploração <strong>de</strong> trabalhadores por outros trabalhadores. Aqueles que <strong>de</strong>têm<br />
a posse dos empregos têm o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fazer subir os salários em seu próprio<br />
benefício, mantendo fora os <strong>de</strong>mais. E eu penso que será do interesse dos lí<strong>de</strong>res da<br />
classe trabalhista remover tais monopólios na área do trabalho. E isto é que eu<br />
consi<strong>de</strong>ro mais urgente, no momento, na Inglaterra. Obviamente, trata-se, no caso,<br />
<strong>de</strong> um país arruinado economicamente pela força dos sindicatos trabalhistas.<br />
(HAYEK, 1981:47).<br />
Vale salientar que as formulações econômicas <strong>de</strong> Hayek têm bases predominantemente<br />
morais e filosóficas, pois, como afirma Wainwright (1998) “foram os argumentos filosóficos<br />
<strong>de</strong> Hayek e sua moralida<strong>de</strong> econômica e política intrínseca, mais que qualquer uma <strong>de</strong> suas<br />
soluções econômicas em particular que exerceram influência sobre as idéias <strong>de</strong> livre mercado<br />
entre ativistas <strong>de</strong>mocráticos liberais”. A proposta filosófica <strong>de</strong> Hayek é carregada <strong>de</strong> extremo<br />
individualismo, a ponto <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a construção do conhecimento um atributo individual, e<br />
não um produto social. Além disso, em contraposição a John Stuart Mill e Jean-Jacques<br />
Rousseau, ele acreditava que o conhecimento é limitado e que, portanto, tudo que o indivíduo<br />
po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r está restrito ao círculo <strong>de</strong> que ele faz parte. Nota-se, conseqüentemente,<br />
que Hayek <strong>de</strong>sprezava o valor da interação social como algo fundamental <strong>para</strong> a construção<br />
37
do conhecimento. Isso o fez concluir que as estruturas sociais existentes foram criadas ao<br />
acaso, às cegas e <strong>de</strong> forma inintencional. Logo, os indivíduos, ao participarem <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong><br />
jogo social marcado pela espontaneida<strong>de</strong> e pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver erros e acertos, acabam<br />
por validar e cristalizar aquelas práticas que são consi<strong>de</strong>radas, após várias experimentações,<br />
as mais a<strong>de</strong>quadas ao convívio social.<br />
Hayek aplicou essa máxima também ao funcionamento da economia. Ele pressupunha,<br />
segundo Wainwright (1998), que o agente econômico, fosse ele o consumidor, o empresário<br />
ou o trabalhador, não precisaria <strong>de</strong> informações sobre as condições dos trabalhadores ou as<br />
conseqüências do processo <strong>de</strong> produção no meio ambiente, por exemplo. Ele concluiu,<br />
portanto, que o livre mercado é um produto espontâneo da civilização e que qualquer tipo <strong>de</strong><br />
intervenção, como a do Estado, por exemplo, seria maléfica. Wainwright mostra quão<br />
inconsistente é essa formulação <strong>de</strong> Hayek. Ela afirma que<br />
Em um certo sentido, os monopólios ou oligopólios nos negócios po<strong>de</strong>riam ser<br />
compreendidos como evoluções naturais da concorrência capitalista; no entanto,<br />
também se tornam fonte <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>para</strong> levar a cabo projetos econômicos e<br />
conscientes e calculados, que afetam o resto da economia. Nesse caso, a or<strong>de</strong>m<br />
espontânea carrega consigo as sementes da própria <strong>de</strong>struição. Ou, como se po<strong>de</strong>ria<br />
argumentar, as concentrações <strong>de</strong> riqueza e po<strong>de</strong>r econômicos são produto <strong>de</strong><br />
tentativas conscientes anteriores <strong>de</strong> dirigir a or<strong>de</strong>m econômica. Em ambos os casos,<br />
tornam-se focos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r onisciente, apropriando-se do conhecimento <strong>de</strong> outros –<br />
trabalhadores, consumidores, concorrentes, fornecedores –, exatamente como tantas<br />
instituições estatais. (WAINWRIGHT, 1998:48).<br />
Além das inconsistências mostradas por Wainwright, em relação às formulações <strong>de</strong> Hayek a<br />
respeito do caráter espontâneo da economia <strong>de</strong> mercado, po<strong>de</strong>mos indicar ainda a necessida<strong>de</strong><br />
que o capital tem, nesses tempos <strong>de</strong> economia globalizada, <strong>de</strong> obter o máximo <strong>de</strong> informações<br />
possíveis dos países on<strong>de</strong> preten<strong>de</strong> investir <strong>de</strong> forma produtiva ou simplesmente especular no<br />
mercado financeiro. Po<strong>de</strong>mos citar, por exemplo, a existência <strong>de</strong> agências <strong>de</strong> classificação <strong>de</strong><br />
risco, que me<strong>de</strong>m o grau <strong>de</strong> investimento (investiment gra<strong>de</strong>) <strong>de</strong> um país ou <strong>de</strong> uma empresa,<br />
ou seja, indicam os países que, teoricamente merecem e são seguros <strong>para</strong> receber<br />
investimentos. Geralmente recebem uma boa classificação aqueles que gozam <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong><br />
político-econômica e pagam em dia seus “compromissos” com os credores externos. Há<br />
também o “risco país”, que tem como objetivo medir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças <strong>de</strong> regras e<br />
restrição no movimento <strong>de</strong> capitais, feitas pelos governos. Portanto, po<strong>de</strong>mos concluir que no<br />
con<strong>texto</strong> atual, o capital necessita sim do maior número <strong>de</strong> informações possíveis <strong>para</strong>, então,<br />
<strong>de</strong>finir <strong>de</strong> que forma atuará no mercado, seja <strong>de</strong> forma produtiva ou especulativa.<br />
38
Tomando como base as idéias liberais <strong>de</strong> “neutralida<strong>de</strong> do Estado” e “construção do<br />
consenso”, o pensamento neoliberal buscou difundir a idéia <strong>de</strong> que existem valores universais,<br />
que formam uma espécie <strong>de</strong> lastro societal imprescindível <strong>para</strong> a coexistência entre os<br />
indivíduos e que, por isso, <strong>de</strong>vem servir como <strong>para</strong>digma. No entanto, Mouffe (1996) mostra<br />
que essa tentativa <strong>de</strong> difundir “valores universais” está alicerçada em uma i<strong>de</strong>ologia que<br />
<strong>de</strong>spreza a dimensão política das relações sociais <strong>para</strong> realçar apenas os aspectos éticos e<br />
econômicos. Evi<strong>de</strong>ntemente, valorizar a existência <strong>de</strong> um pretenso consenso, em <strong>de</strong>trimento<br />
do político é ter como objetivo ocultar a necessida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>bate, assim como a existência do<br />
conflito e dos antagonismos inerentes a qualquer tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>. Como afirma Mouffe<br />
(1996), “el liberalismo nos ofrece una imagem <strong>de</strong> la sociedad bien or<strong>de</strong>nada como una<br />
sociedad <strong>de</strong> la cual han <strong>de</strong>saparecido el antagonismo, la violencia, el po<strong>de</strong>r y la represión”.<br />
Bem, a história mostrou que em razão da crise do Estado <strong>de</strong> Bem-Estar as idéias neoliberais<br />
acabaram, realmente, se transformando em valores universais, principalmente no campo<br />
econômico, pois, além da Inglaterra, na gestão <strong>de</strong> Margareth Thatcher e dos Estados Unidos,<br />
no governo Ronald Reagan, outros governantes, até mesmo os <strong>de</strong> esquerda, eleitos na década<br />
<strong>de</strong> 1980, como Miterrand, na França; González, na Espanha e Papandreou, na Grécia,<br />
acabaram, embora tenham resistido o possível, adotando políticas <strong>de</strong> caráter neoliberal. Para<br />
por fim à crise, os neoliberais acreditavam que os Estados <strong>de</strong>veriam lançar mão das seguintes<br />
medidas:<br />
• Atacar os “privilégios” do movimento sindical;<br />
• Iniciar um programa <strong>de</strong> disciplina orçamentária;<br />
• Efetuar uma reforma fiscal (cobrança <strong>de</strong> menos impostos <strong>para</strong> os rendimentos mais<br />
altos <strong>para</strong> incentivar o investimento dos agentes econômicos);<br />
• Manutenção <strong>de</strong> uma taxa “natural <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego”;<br />
• Implementar um programa <strong>de</strong> privatizações.<br />
• Abolir o controle sobre o fluxo financeiro;<br />
• Contrair a emissão monetária, como forma <strong>de</strong> reduzir o consumo e conter a inflação.<br />
Consi<strong>de</strong>rando-se as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada país na aplicação <strong>de</strong>ssas políticas, po<strong>de</strong>mos<br />
afirmar que, em gran<strong>de</strong> medida, houve a adoção do receituário neoliberal na maioria das<br />
39
nações da Europa oci<strong>de</strong>ntal e nos Estados Unidos, além do Chile, na América Latina, com a<br />
<strong>de</strong>rrubada do governo socialista <strong>de</strong> Salvador Allen<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> um golpe <strong>de</strong> Estado, que<br />
colocou os militares no po<strong>de</strong>r. De acordo com dados da Organização <strong>para</strong> a Cooperação e<br />
Desenvolvimento Econômico (ODCE), os resultados da aplicação <strong>de</strong>ssas políticas foram os<br />
seguintes:<br />
• Queda das taxas <strong>de</strong> inflação <strong>de</strong> 8.8% na década <strong>de</strong> 1970 <strong>para</strong> 5.2%, em média, na<br />
década <strong>de</strong> 1980;<br />
• Aumento das taxas <strong>de</strong> lucro das empresas <strong>de</strong> 4.2% <strong>para</strong> 4.7%, no mesmo período,<br />
conseguidos através da <strong>de</strong>rrota do movimento sindical e da conseqüente redução dos<br />
salários;<br />
• Aumento do <strong>de</strong>semprego <strong>de</strong> 4% <strong>para</strong> 8%;<br />
• Alta nas bolsas <strong>de</strong> valores.<br />
De acordo com An<strong>de</strong>rson (1995), apesar <strong>de</strong> ter gerado alguns resultados exitosos, essas<br />
políticas não promoveram crescimento econômico nesses países. An<strong>de</strong>rson explica ainda que<br />
a especulação financeira, elemento importante do programa neoliberal, criou condições muito<br />
mais propícias <strong>para</strong> a inversão especulativa do que produtiva. Ele lembra que durante os anos<br />
1980 aconteceu uma explosão dos mercados <strong>de</strong> câmbio, cujas transações, puramente<br />
monetárias, acabaram por diminuir o comércio mundial <strong>de</strong> mercadorias.<br />
O que nos interessa mostrar, mesmo que <strong>de</strong> forma bastante sintética, é que as conseqüências<br />
<strong>de</strong>ssas medidas <strong>para</strong> os trabalhadores foram assaz danosas, trazendo prejuízos tanto <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
objetivas e materiais, como subjetivas. Segundo Gorz (1993), nos últimos anos as atitu<strong>de</strong>s das<br />
pessoas em relação trabalho vêm mudando. Elas não se i<strong>de</strong>ntificam mais com as ativida<strong>de</strong>s<br />
que <strong>de</strong>senvolvem, mas <strong>para</strong> o autor, isso não significa que as pessoas per<strong>de</strong>ram o interesse <strong>de</strong><br />
trabalhar, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma ativida<strong>de</strong>, mas sim que as pessoas não conseguem mais extrair<br />
um sentimento <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e pertencimento no trabalho que realizam.<br />
Exercer uma profissão implicaria um estilo <strong>de</strong> vida, uma posição na socieda<strong>de</strong> e uma<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupo distinta, <strong>de</strong> que era testemunha a associação a um sindicato.<br />
I<strong>de</strong>ntificar-se com o trabalho significava afirmar uma cultura e posição <strong>de</strong>finidas.<br />
Hoje já não é assim. [...] A gran<strong>de</strong> maioria será consi<strong>de</strong>rada dispensável quando<br />
tiver mais <strong>de</strong> cinqüenta anos. Os empregos e posições sociais são essencialmente<br />
precários. Raramente conferem o sentimento <strong>de</strong> pertencer a um grupo <strong>de</strong>finido, ou<br />
ter um lugar seguro na socieda<strong>de</strong>. (GORZ, 1993:26-27).<br />
40
Gorz conclui que essa crise não se limita apenas a uma mudança <strong>de</strong> caráter cultural, mais que<br />
isso, está relacionada às modificações objetivas na estrutura material da socieda<strong>de</strong>.<br />
Robert Castel (1998) sintetiza <strong>de</strong> forma precisa as conseqüências da aplicação das políticas<br />
neoliberais ocorridas nas últimas décadas, <strong>para</strong> o conjunto da socieda<strong>de</strong>.<br />
• Enfraquecimento da condição salarial, que o autor caracteriza como acesso ao<br />
consumo, numa situação <strong>de</strong> pleno emprego, proteção social garantida pelo Estado e<br />
acesso a bens sociais;<br />
• A existência <strong>de</strong> um contingente <strong>de</strong> “supranumerários”, que passam a ser “inúteis <strong>para</strong><br />
o mundo”.<br />
• Aumento dos contratos por tempo <strong>de</strong>terminado, principalmente na França;<br />
• Aumento do <strong>de</strong>semprego entre os jovens;<br />
• Aumento da precarização e flexibilização do trabalho, em suas mais variadas formas;<br />
• A <strong>de</strong>sestabilização dos estáveis: uma parte da classe operária integrada e dos<br />
assalariados da pequena classe média está ameaçada <strong>de</strong> oscilação;<br />
• A instalação na precarieda<strong>de</strong>: <strong>de</strong>semprego, trabalho aleatório e <strong>de</strong>ficiência da proteção<br />
estatal;<br />
2.1 O neoliberalismo no Brasil<br />
Ao contrário <strong>de</strong> outras nações da América do Sul, o Brasil foi o último país da região a<br />
implantar o receituário neoliberal. Isso se explica, <strong>de</strong>ntre outros fatores, pelo con<strong>texto</strong> político<br />
do país entre o final da década <strong>de</strong> 1970 e o início dos anos 1980, quando os movimentos<br />
sociais ganharam força e projeção no embate com a ditadura militar. Nesse período, o país<br />
presenciou o surgimento do chamado “novo sindicalismo”, na região do ABC Paulista,<br />
organizando diversas greves e manifestações; a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e<br />
<strong>de</strong> centrais sindicais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983 e Central Geral<br />
dos Trabalhadores (CGT) em 1986. Logo, esse ambiente <strong>de</strong> contestação e reivindicação por<br />
condições dignas <strong>de</strong> existência, que pressionava o Estado a investir mais recursos na área<br />
social e a adotar uma política macroeconômica que fizesse o país sair da crise em que se<br />
encontrava, não era propício à aplicação <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> cunho neoliberal. Com o fim do<br />
regime militar, em 1985, José Sarney assumiu a Presidência da República e vários planos<br />
econômicos foram implementados, com o objetivo <strong>de</strong> conter o avanço da inflação e promover<br />
o crescimento do país. No entanto, os objetivos estabelecidos não foram alcançados e, nesse<br />
41
cenário, as idéias neoliberais começaram, então, a ganhar espaço. Finalmente, nas eleições<br />
presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 1989, Fernando Collor <strong>de</strong> Mello, candidato do Partido da Reconstrução<br />
Nacional (PRN) <strong>de</strong>rrotou Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores<br />
(PT). Esse evento político marcou, assim, o início da chamada “Era Neoliberal”, no Brasil.<br />
As principais medidas <strong>de</strong> cunho neoliberal do governo Collor foram a redução progressiva das<br />
tarifas alfan<strong>de</strong>gárias <strong>de</strong> importação <strong>de</strong> diversos produtos e a privatização <strong>de</strong> empresas estatais,<br />
através do <strong>Programa</strong> Nacional <strong>de</strong> Desestatização (PND), ainda que <strong>de</strong> forma tímida, se<br />
com<strong>para</strong>do ao período do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Vale salientar<br />
que no início da década <strong>de</strong> 1990, quando essas políticas começaram a ser aplicadas no Brasil,<br />
o mundo e principalmente os países do centro do capitalismo, experimentavam, juntamente<br />
com a aplicação das medidas neoliberais aplicadas há mais <strong>de</strong> uma década, um processo <strong>de</strong><br />
globalização, <strong>de</strong> características multidimensionais, com efeitos nas mais diversas esferas da<br />
vida social. Uma das características <strong>de</strong>sse movimento foi a radicalização dos processos <strong>de</strong><br />
concentração e centralização <strong>de</strong> capitais, com o crescimento dos oligopólios, a intensificação<br />
das fusões e incorporações <strong>de</strong> empresas, assim como simultaneamente a difusão das micro,<br />
pequenas e médias empresas, com a formação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> subcontratação e terceirização<br />
(Druck, 1999).<br />
Outra característica <strong>de</strong>sse processo foi o maior <strong>de</strong>senvolvimento da microeletrônica e dos<br />
meios <strong>de</strong> comunicação, que passaram a facilitar ainda mais as transações financeiras e<br />
comerciais e a conferir maior po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e dominação às instituições financeiras e às<br />
empresas transnacionais.<br />
Nesse movimento mais geral <strong>de</strong>staca-se, principalmente, a atuação das empresas e<br />
bancos transnacionais, que impõem uma nova dinâmica aos mercados, em que as<br />
transações <strong>de</strong> caráter financeiro assumem maior importância, facilitadas, em gran<strong>de</strong><br />
medida, pelo fantástico <strong>de</strong>senvolvimento das telecomunicações, com base na<br />
microeletrônica, permitindo-se efetuar investimentos <strong>de</strong> qualquer parte <strong>para</strong><br />
qualquer outra do mundo.<br />
Num outro nível, são também indicadores <strong>de</strong>sse novo momento do capitalismo as<br />
mudanças nas formas <strong>de</strong> gestão e organização do trabalho, que permitem a<br />
constituição <strong>de</strong> “re<strong>de</strong>s globais informatizadas <strong>de</strong> gestão”, com a utilização <strong>de</strong><br />
práticas <strong>de</strong> “sourcing global” (Coutinho, 1992), assim como a difusão do mo<strong>de</strong>lo<br />
japonês. (DRUCK, 1999, p. 17).<br />
Outra discussão que pertence a esse con<strong>texto</strong> diz respeito ao papel dos Estados nacionais na<br />
nova (<strong>de</strong>s)or<strong>de</strong>m mundial, pois embora os gran<strong>de</strong>s bancos globais e as empresas<br />
42
transnacionais tenham assumido um papel protagônico nessa nova fase do capitalismo, faz-se<br />
necessário levar em consi<strong>de</strong>ração, também, nessa engrenagem, a atuação das superpotências<br />
mundiais na conformação das políticas <strong>de</strong> caráter neoliberal e a influência que esses países<br />
exercem sobre as nações da periferia do capitalismo.<br />
[...] É preciso, em primeiro lugar, levar em conta que as relações internacionais,<br />
entre as diversas nações, são relações <strong>de</strong> conteúdo eminentemente político, que<br />
expressam relações <strong>de</strong> força e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, em que alguns Estados-nações se<br />
subordinam a outros Estados-nações.<br />
Nessa medida, existem historicamente nações fortes e nações fracas. O processo <strong>de</strong><br />
internacionalização do capitalismo que se intensifica nesse final <strong>de</strong> século, com a<br />
globalização coloca a nu tal distinção, numa conjuntura em que as alianças políticas<br />
entre as nações do bloco capitalista, <strong>para</strong> fazer frente ao bloco socialista, não são<br />
mais necessárias. Isto tem levado a uma política das nações fortes muito mais<br />
ofensiva em relação às nações fracas, que, conseqüentemente, acusam um<br />
enfraquecimento ainda maior, provocado pelo grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência econômica e<br />
política. (DRUCK, 1999, p. 19).<br />
Isso significa que há uma articulação entre os países do centro do capitalismo, as empresas<br />
transnacionais, os gran<strong>de</strong>s bancos privados e instituições como o Fundo Monetário<br />
Internacional (FMI) que visa forçar os países da periferia do sistema a seguir os preceitos<br />
preconizados pelo “Consenso <strong>de</strong> Washington” 5 , como a abertura da economia; privatizações;<br />
liberalização financeira; ajuste do déficit público, corte <strong>de</strong> investimentos na área social e até<br />
mudanças na legislação trabalhista.<br />
Algumas <strong>de</strong>ssas medidas foram aplicadas <strong>de</strong> forma mais sistemática nos dois mandatos do<br />
presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Logo, medidas como a abertura da<br />
economia, a contração do crédito, o primado do capital especulativo sobre o produtivo e a<br />
aceleração do então tímido programa <strong>de</strong> privatizações iniciado na era Collor provocaram forte<br />
<strong>de</strong>sestruturação do mercado <strong>de</strong> trabalho brasileiro, resultando no aumento das taxas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>semprego, das práticas <strong>de</strong> terceirização e da informalida<strong>de</strong>. Vale salientar ainda que essa<br />
<strong>de</strong>sestruturação do mercado <strong>de</strong> trabalho não ocorreu apenas através da implementação <strong>de</strong><br />
políticas econômicas, mas também <strong>de</strong> modificações na legislação trabalhista brasileira.<br />
Observou-se, então, uma série <strong>de</strong> medidas que resultaram em maior<br />
flexibilização/precarização do mercado <strong>de</strong> trabalho. Krein (2004), analisa essas modificações<br />
5 Expressão criada pelo economista John Williamson, do Institute for International Economics (IIE) , <strong>para</strong><br />
<strong>de</strong>finir um conjunto <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> cunho neoliberal, que <strong>de</strong>veriam ser adotadas sobretudo pelos países<br />
periféricos. Os “mandamentos” do Consenso <strong>de</strong> Washington passaram a servir como principal referência <strong>para</strong> a<br />
atuação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BIRD) na década <strong>de</strong> 1990. Dentre as<br />
medidas recomendadas aos países periféricos, por estas instituições, <strong>de</strong>stacam-se a privatização <strong>de</strong> empresas<br />
estatais, a abertura comercial, a <strong>de</strong>sregulamentação da legislação trabalhista e o corte nos gastos públicos.<br />
43
e aponta como as principais medidas a regulamentação das cooperativas profissionais ou <strong>de</strong><br />
prestações <strong>de</strong> serviços (Lei 8.949/94); o contrato <strong>de</strong> aprendizagem (Lei 10.097/00); a<br />
<strong>de</strong>núncia da Convenção 158 da OIT (Decreto 2100/96); o trabalho por tempo <strong>de</strong>terminado<br />
(Lei 9.601/98); a Participação nos Lucros e Resultados (Lei 10.101/00); a criação do banco <strong>de</strong><br />
horas (Lei 9601/98); e a criação das Comissões <strong>de</strong> Conciliação Prévia (Lei 9.958/00), <strong>de</strong>ntre<br />
outros <strong>de</strong> menor efetivida<strong>de</strong>. Krein finaliza sua análise afirmando que:<br />
Em síntese, nas medidas institucionais introduzidas a partir <strong>de</strong> 1994, é possível<br />
i<strong>de</strong>ntificar alterações em cinco aspectos das relações <strong>de</strong> trabalho, ou seja, em relação<br />
à <strong>de</strong>terminação da remuneração, ao tempo <strong>de</strong> trabalho, à contratação do trabalho, à<br />
forma <strong>de</strong> solução dos conflitos e ao processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização das negociações, o<br />
que revela o tipo <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> e a forma <strong>de</strong> integração social que se preten<strong>de</strong>u<br />
construir no país. As diversas medidas analisadas neste item tiveram pouca<br />
efetivida<strong>de</strong> no que se refere ao avanço da formalização do emprego e da diminuição<br />
do <strong>de</strong>semprego. Todos os dados indicam que ocorreu uma maior precarização do<br />
mercado <strong>de</strong> trabalho, com o aumento do trabalho informal, sem registro em carteira,<br />
assim como <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, além <strong>de</strong> uma queda do rendimento do trabalho na renda<br />
nacional. Assim, po<strong>de</strong>-se concluir que a alternativa <strong>de</strong> flexibilização também não se<br />
mostrou uma alternativa na promoção do emprego e da justiça social no Brasil.<br />
(KREIN, 2004).<br />
Embora a “Era FHC” tenha sido aquela on<strong>de</strong> as medidas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestruturação do mercado <strong>de</strong><br />
trabalho, via mudanças na legislação trabalhista, tenham sido aplicadas em profusão, é<br />
interessante lembrar que ainda há um forte movimento, no atual governo, <strong>para</strong> flexibilizar<br />
ainda mais a legislação, via reforma da CLT, objetivando excluir, por exemplo, direitos<br />
históricos como o 13º salário, o direito a férias e FGTS. Além disso, Druck (2004) mostra<br />
como algumas entida<strong>de</strong>s patronais, a exemplo da Fe<strong>de</strong>ração das Indústrias do Estado da Bahia<br />
(FIEB) procuram <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r, em um documento da Comissão <strong>de</strong> Relações Trabalhistas, no ano<br />
<strong>de</strong> 2002, o primado do negociado sobre o legislado. Dessa forma, <strong>de</strong> acordo com essa<br />
proposta, os acordos firmados entre trabalhadores e empregadores, nas negociações coletivas,<br />
teriam prevalência em relação ao estabelecido pela legislação trabalhista. No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste<br />
estudo, veremos como as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, sejam elas fruto <strong>de</strong><br />
medidas <strong>de</strong> caráter macroeconômico, sejam através da mudança na legislação, provocaram<br />
uma mudança <strong>de</strong> postura dos sindicatos brasileiros, que passaram a adotar um posicionamento<br />
mais <strong>de</strong>fensivo ou “propositivo” em suas ações.<br />
44
2.2 O setor automobilístico brasileiro e os sindicatos em um con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> reestruturação<br />
produtiva.<br />
Como mostramos acima, a reestruturação produtiva insere-se no con<strong>texto</strong> das mudanças<br />
ocorridas no âmbito das empresas como forma <strong>de</strong> adaptação às transformações ocorridas no<br />
capitalismo a partir do final da década <strong>de</strong> 1960. No Brasil, a porta <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong>sse processo<br />
encontra-se na indústria automobilística.<br />
Como já foi dito, a partir na década <strong>de</strong> 1980 o setor automotivo brasileiro enfrentou um<br />
momento <strong>de</strong> crise, cuja saída, pelo menos <strong>de</strong> forma mais imediata, passava pela necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> alavancar as exportações <strong>de</strong> carros fabricados no Brasil. No entanto, os fabricantes <strong>de</strong><br />
veículos e autopeças enfrentavam diversos problemas, em razão da baixa competitivida<strong>de</strong><br />
brasileira nesse ramo industrial. Esses problemas iam da <strong>de</strong>fasagem tecnológica das<br />
montadoras <strong>aqui</strong> instaladas à falta <strong>de</strong> competitivida<strong>de</strong> no que diz respeito aos prazos <strong>de</strong><br />
entrega dos produtos. De acordo com Castro (1995).<br />
No caso das montadoras <strong>de</strong> veículos a mo<strong>de</strong>rnização dos processos produtivos,<br />
ocorrida a partir do início dos anos 80, respon<strong>de</strong>u, sobretudo, às políticas <strong>de</strong><br />
investimento dirigidas ao <strong>de</strong>senvolvimento dos chamados “carros mundiais”:<br />
Voyage/Fox, Monza, Escort, Uno. Organizar a produção em escala internacional<br />
havia sido a forma encontrada pelas matrizes <strong>para</strong> tentar fazer face à supremacia<br />
visível dos produtores japoneses. As crises econômicas que se suce<strong>de</strong>ram no Brasil a<br />
partir do início dos anos 80 induziram à exportação <strong>de</strong> parte consi<strong>de</strong>rável da<br />
produção <strong>de</strong> veículos. Isso estimulou a consolidação dos investimentos, quando<br />
menos <strong>para</strong> mo<strong>de</strong>rnizar a execução daquelas tarefas que asseguravam a qualida<strong>de</strong><br />
requerida pela competição internacional.<br />
Apesar disso, os estudos realizados no final dos anos 80 apontavam um nível ainda<br />
baixo <strong>de</strong> automação nas montadoras brasileiras, mesmo quando com<strong>para</strong>do ao<br />
alcançado pelos países ditos “em <strong>de</strong>senvolvimento”, como México e Coréia<br />
(FERRO, 1990 e 1992). Assim, o Brasil apresentou os menores índices <strong>de</strong><br />
robotização (robôs/veículo/hora) e as menores porcentagens <strong>de</strong> automação<br />
(participação das ativida<strong>de</strong>s automatizadas no volume total das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> solda,<br />
pintura e montagem final) encontrados pelo projeto “International Motor Vehicle<br />
Program” (IMVP) entre as noventa montadoras dos quinze países pesquisados<br />
(Womack, Jones e Roos, 1992; Ferro, 1990).<br />
Ainda <strong>de</strong> acordo com Castro (ibid) a <strong>de</strong>fasagem tecnológica das montadoras brasileiras podia<br />
ser percebida quando se levava em conta que no Japão, no período em análise, 86,2% das<br />
aplicações dos pontos <strong>de</strong> solda se faziam <strong>de</strong> modo automatizado, enquanto no Brasil essa<br />
porcentagem alcançava apenas 6,1%, valor sensivelmente inferior aos das montadoras<br />
instaladas no México, que chegavam a atingir 16,5%. A autora também enumera algumas<br />
45
<strong>de</strong>ficiências inerentes às montadoras brasileiras que ajudam a compreen<strong>de</strong>r a baixa<br />
competitivida<strong>de</strong> internacional <strong>de</strong>sse setor na década <strong>de</strong> 1980:<br />
• Baixos padrões <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> dos veículos (92,5 <strong>de</strong>feitos <strong>para</strong> cada cem veículos,<br />
contra 87,5 da Coréia e 69 do México);<br />
• Elevado ciclo <strong>de</strong> vida médio dos mo<strong>de</strong>los (quinze anos, contra a média internacional<br />
<strong>de</strong> quatro);<br />
• Baixa manufaturabilida<strong>de</strong> (facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fabricação e montagem);<br />
• Gran<strong>de</strong> variação e complexida<strong>de</strong> dos mo<strong>de</strong>los (sem similar no mundo);<br />
• Produção que não utilizava plena e racionalmente a capacida<strong>de</strong> das plantas.<br />
Vale salientar que a indústria automobilística brasileira não foi a única que enfrentou<br />
dificulda<strong>de</strong>s nos anos 1980. Esse período foi marcado por uma crise que atingiu as<br />
montadoras oci<strong>de</strong>ntais em sua totalida<strong>de</strong>, cujo maior problema era a perda <strong>de</strong> espaço no<br />
mercado mundial <strong>para</strong> as montadoras japonesas, como Honda e Toyota. Embora os efeitos da<br />
concorrência japonesa tenham sido notados entre as décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980, vale salientar<br />
que as marcas expressivas conseguidas pelas montadoras japonesas foram o resultado <strong>de</strong> um<br />
processo que se iniciou na década <strong>de</strong> 1950, a partir do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma nova forma<br />
<strong>de</strong> gestão da produção, que mais tar<strong>de</strong> ficaria conhecida como Toyotismo ou Ohnismo, em<br />
alusão, respectivamente, à montadora on<strong>de</strong> a técnica se <strong>de</strong>senvolveu e ao engenheiro por ela<br />
responsável. De acordo com o próprio Taiichi Ohno, as técnicas japonesas mantêm antes uma<br />
relação <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> do que ruptura com os padrões tayloristas (Coriat, 1993). O que<br />
houve, na verda<strong>de</strong>, foi a adaptação das técnicas pensadas no oci<strong>de</strong>nte, por Taylor, a uma<br />
realida<strong>de</strong> socioeconômica bem específica, marcada, logo após a Segunda Guerra Mundial,<br />
pela escassez <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra qualificada e por um movimento sindical até então bastante<br />
combativo.<br />
Tudo começa pelo fato <strong>de</strong> que, diante <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> resistência da mão-<strong>de</strong>-obra<br />
qualificada e <strong>de</strong> suas organizações à racionalização do trabalho, problema em si <strong>de</strong><br />
natureza igual ao enfrentado, por exemplo, pelos Estados Unidos, foram<br />
<strong>de</strong>senvolvidas no Japão soluções diferentes daquelas experimentadas no país norteamericano<br />
(especialmente sob a influência <strong>de</strong> Taylor e Ford). A princípio parciais e<br />
locais, voltadas <strong>para</strong> a resolução <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s práticas sempre particulares, estas<br />
soluções acumularam-se progressivamente uma em relação às outras, acabando por<br />
<strong>de</strong>senhar uma trajetória original, orientada numa direção própria e inédita. Em<br />
relação à via e à trajetória americanas <strong>de</strong> racionalização do trabalho, é possível<br />
abordar as singularida<strong>de</strong>s da via japonesa, notando-se que: ao passo que, nos<br />
Estados Unidos a via central foi a da parcelização e da repetitivida<strong>de</strong> do trabalho<br />
46
(materializada pelos protocolos taylorizados do estudo do tempo e dos movimentos),<br />
enquanto meio principal <strong>de</strong> luta contra a resistência do sindicalismo <strong>de</strong> ofício à<br />
racionalização do trabalho, tudo culminando e traduzindo-se finalmente no gran<strong>de</strong><br />
conjunto <strong>de</strong> compromissos que constitui o Job Control System, no Japão, a via<br />
seguida partiu das <strong>de</strong>s-especialização dos trabalhadores qualificados por meio da<br />
instalação <strong>de</strong> uma certa polivalência e plurifuncionalida<strong>de</strong> dos homens e das<br />
máquinas, concretizada pelas recomendações conjuntas <strong>de</strong> “liberalização” da<br />
produção, da “automação” e multifuncionalida<strong>de</strong> dos trabalhadores (CORIAT,<br />
1993, p. 81).<br />
É preciso assinalar, no entanto, que a mera presença dos automóveis japoneses no mercado<br />
norte-americano, especificamente, não explicava por si só, a queda nas vendas <strong>de</strong> montadoras<br />
como Ford, General Motors e Chrysler no mercado interno. Fatores como o fechamento do<br />
mercado americano, que protegia as montadoras da concorrência externa; a falta <strong>de</strong> orientação<br />
<strong>para</strong> o cliente; a inexistência <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>s e inovações tecnológicas, em razão da<br />
uniformização dos padrões entre as “três gigantes” também contribuíram sobremaneira <strong>para</strong> a<br />
perda <strong>de</strong> mercado <strong>de</strong>ssas montadoras.<br />
Ainda que até os anos 70 houvesse um crescimento contínuo dos volumes <strong>de</strong><br />
produção, todos os entrevistados, sem exceção, constatam uma estagnação do ponto<br />
<strong>de</strong> vista da inovação, ao menos se com<strong>para</strong>da com o referencial atual, <strong>de</strong> forte<br />
velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança, em termos <strong>de</strong> tecnologia e <strong>de</strong> organização. Um dos<br />
entrevistados aponta que o ciclo virtuoso do fordismo (crescimento da produção, do<br />
emprego, do mercado, da produção) sustentou-se em função do crescimento<br />
generalizado da economia americana do pós-guerra, e que isso contribuiu justamente<br />
<strong>para</strong> que as empresas se acomodassem com a “solução a<strong>de</strong>quada”, e não com a<br />
“solução ótima”. (ZILBOVICIUS, 1997, p. 313).<br />
Nesse momento <strong>de</strong> crise foi criado, nos Estados Unidos, com o apoio financeiro das<br />
fabricantes oci<strong>de</strong>ntais <strong>de</strong> automóveis, o International Motor Vehicle Program (IMVP)<br />
i<strong>de</strong>alizado por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), cujo principal<br />
objetivo era auxiliar as montadoras européias e norte-americanas a recuperar a<br />
competitivida<strong>de</strong> internacional no setor automotivo. O programa pesquisou 90 montadoras em<br />
15 países, estudando <strong>de</strong>talhadamente todos os passos da fabricação <strong>de</strong> carros e caminhões,<br />
como a avaliação do mercado, projeto do produto, operação das fábricas individuais, venda e<br />
assistência técnica. Após esses estudos, os pesquisadores concluíram que as técnicas baseadas<br />
na produção em massa, caracterizadas pelos elevados estoques, existência <strong>de</strong> várias “folgas”<br />
durante o processo, baixo investimento em treinamento <strong>de</strong> pessoal, uso <strong>de</strong> máquinas pouco<br />
flexíveis, alto índice <strong>de</strong> peças com <strong>de</strong>feitos, limitada varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos e acentuada<br />
integração vertical (incorporação <strong>de</strong> todas as funções ao quadro da empresa), eram os fatores<br />
causadores da estagnação e crise das montadoras em questão.<br />
47
A partir <strong>de</strong>ssas constatações os pesquisadores do IMVP concluíram que a única alternativa a<br />
ser adotada pelas montadoras em crise seria lançar mão dos mesmos métodos <strong>de</strong> produção<br />
utilizados pelos concorrentes japoneses: a produção enxuta, cujas principais características<br />
são os baixos volumes <strong>de</strong> estoque, através do uso do just-in-time; a eliminação <strong>de</strong> “folgas” no<br />
processo; a redução dos níveis hierárquicos; o investimento em treinamento <strong>de</strong> pessoal; o<br />
baixo índice <strong>de</strong> peças com <strong>de</strong>feito, com o uso do kaisen (melhoria contínua); busca constante<br />
<strong>de</strong> redução dos custos <strong>de</strong> produção e uso em profusão da terceirização. Os coor<strong>de</strong>nadores do<br />
programa afirmavam ainda que a produção enxuta po<strong>de</strong>ria ser adotada em qualquer tipo <strong>de</strong><br />
indústria, não apenas a automotiva, em razão <strong>de</strong> “serem as idéias fundamentais da produção<br />
enxuta universais – aplicáveis por qualquer um em qualquer lugar” (Womack; Jones e Rooos,<br />
1992). No entanto, se por um lado a utilização <strong>de</strong>ssas técnicas contribuiu <strong>para</strong> a retomada da<br />
competitivida<strong>de</strong> por parte das montadoras oci<strong>de</strong>ntais, por outro, agravou ainda mais a já tensa<br />
rotina <strong>de</strong> trabalho dos operários nas linhas <strong>de</strong> montagem, pois até mesmo o United<br />
Automobile Workers (UAW), sindicato americano que inicialmente havia apoiado a<br />
utilização das técnicas da produção enxuta nas montadoras dos Estados Unidos, i<strong>de</strong>ntificou os<br />
problemas inerentes ao novo método.<br />
Dois membros do sindicato norte-americano United Automobile Workers Union<br />
argumentaram recentemente ser a produção enxuta, <strong>para</strong> o trabalhador, ainda pior do<br />
que a produção em massa. Chegam eles ao ponto <strong>de</strong> rotular o sistema <strong>de</strong> produção<br />
enxuta da NUMMI 6 californiana <strong>de</strong> “gerência pelo stress”, porque os gerentes<br />
tentam o tempo todo i<strong>de</strong>ntificar e remover folgas no sistema: tempo <strong>de</strong> trabalho nãoutilizado,<br />
excesso <strong>de</strong> trabalhadores, excesso <strong>de</strong> estoques. Para os críticos, “Tempos<br />
Mo<strong>de</strong>rnos” é, em com<strong>para</strong>ção, um verda<strong>de</strong>iro piquenique. Na fábrica satirizada por<br />
Chaplin, ao menos os trabalhadores não tinham que quebrar a cabeça tentando<br />
melhorar o que estavam fazendo. (WOMACK; JONES; ROOS, 1992, p. 91).<br />
A crença <strong>de</strong> que a produção enxuta po<strong>de</strong>ria ser adotada por qualquer tipo <strong>de</strong> indústria em<br />
qualquer parte do mundo foi contestada pelos pesquisadores do GERPISA (Groupe d´Étu<strong>de</strong>s<br />
et <strong>de</strong> Recherche Permanent sur l´Industrie et les Salariés <strong>de</strong> l´Automobile). Os membros<br />
<strong>de</strong>sse grupo consi<strong>de</strong>ravam que a “pluralida<strong>de</strong> dos mo<strong>de</strong>los era uma hipótese pelo menos tão<br />
importante a testar quanto a difusão <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo que seria o único suscetível <strong>de</strong> assegurar a<br />
lucrativida<strong>de</strong> das firmas” (Boyer e Freyssenet, 2000). De acordo com esses pesquisadores,<br />
existem três mo<strong>de</strong>los indústrias: o toyotista que privilegia a redução permanente dos custos; o<br />
hondista, baseado na inovação e na flexibilida<strong>de</strong>, sendo que esses dois mo<strong>de</strong>los formaram a<br />
6 Joint-venture entre Toyota e GM.<br />
48
ase da chamada produção enxuta e o sloanista, adotado pela Volkswagen, com sucesso, a<br />
partir <strong>de</strong> 1974, que explorava as possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lucro num con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> mercado em<br />
mudanças. Portanto, <strong>de</strong> acordo com esses autores,<br />
Não foram as qualida<strong>de</strong>s intrínsecas e intemporais <strong>de</strong> seus mo<strong>de</strong>los que geraram a<br />
performance <strong>de</strong>stas três firmas, mas, em primeiro lugar, a pertinência das estratégias<br />
<strong>de</strong> lucros <strong>de</strong>stes mo<strong>de</strong>los em relação aos “mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> crescimento e distribuição <strong>de</strong><br />
renda” <strong>de</strong> seus respectivos países, que o cenário internacional pós 1974 favoreceu.<br />
[...] Estiveram particularmente sintonizadas as firmas cuja estratégia <strong>de</strong> lucros se<br />
fundou, quer na “redução permanente dos custos com volume constante” como a<br />
Toyota, quer sobre a “inovação e a flexibilida<strong>de</strong>” notadamente na exportação como a<br />
Honda, seja sobre novas e substanciais economias <strong>de</strong> escala graças à<br />
internacionalização, a estandardização ampliada das plataformas dos mo<strong>de</strong>los e a<br />
compra <strong>de</strong> outras montadoras, como a Volkswagen. (Boyer e Freyssenet, 2000, p.<br />
19-20).<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do mo<strong>de</strong>lo adotado pelas montadoras <strong>para</strong> sair da crise, o que interessa mostrar<br />
são as conseqüências <strong>de</strong>ssas mudanças <strong>para</strong> o mundo do trabalho, principalmente <strong>para</strong> aqueles<br />
que estão no chão da fábrica e <strong>para</strong> o movimento sindical.<br />
No Brasil, além da <strong>de</strong>fasagem tecnológica, as montadoras <strong>aqui</strong> instaladas também estavam<br />
longe <strong>de</strong> alcançar uma posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no cenário internacional, em relação às políticas<br />
<strong>de</strong> recursos humanos e gestão do trabalho, evi<strong>de</strong>nciando o caráter autoritário das chefias<br />
intermediárias. A forma <strong>de</strong> organização da produção e a postura <strong>de</strong> supervisores e gerentes<br />
<strong>de</strong>sestimulavam a cooperação entre os grupos e <strong>de</strong>scartava qualquer tipo <strong>de</strong> contribuição<br />
intelectual dos trabalhadores. Castro (ibid) mostra os resultados do estudo do IMVP em<br />
relação às relações <strong>de</strong> trabalho na indústria automotiva brasileira, cujas principais<br />
características eram:<br />
• Os mais baixos escores no que diz respeito ao envolvimento da mão-<strong>de</strong>-obra nas<br />
<strong>de</strong>cisões do processo produtivo;<br />
• A mais elevada diferença <strong>de</strong> status entre partícipes da produção, expressa pelos<br />
maiores diferenciais entre salários do mundo industrializado;<br />
• Elevada centralização do controle da qualida<strong>de</strong> em mãos <strong>de</strong> gerente, com pouca<br />
responsabilização do pessoal da operação;<br />
• Ausência <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> remuneração ligadas ao <strong>de</strong>sempenho<br />
• Escasso nível <strong>de</strong> treinamento dos trabalhadores.<br />
49
Esse panorama propiciou a implementação <strong>de</strong> mudanças nas formas <strong>de</strong> gestão e organização<br />
do trabalho, cujo objetivo principal, como pô<strong>de</strong> ser mostrado, era dar mais competitivida<strong>de</strong> à<br />
indústria automotiva brasileira. Começaram, então, a surgir no início dos anos 1980, as<br />
primeiras tentativas <strong>de</strong> utilização dos métodos baseados principalmente no toyotismo.<br />
Vale ressaltar, no entanto, que mesmo antes dos estudos do IMVP, algumas tentativas <strong>de</strong><br />
conferir mais competitivida<strong>de</strong> às montadoras instaladas no Brasil já haviam sido feitas. De<br />
acordo com Leite (1995), num primeiro momento, mais precisamente no final dos anos 1970,<br />
as empresas lançaram mão dos Círculos <strong>de</strong> Controle <strong>de</strong> Qualida<strong>de</strong> (CCQs) 7 , sem que<br />
ocorressem mudanças significativas nas formas <strong>de</strong> organização do trabalho ou investimentos<br />
efetivos em novos equipamentos. Depois, entre as décadas <strong>de</strong> 1980 e 1990, houve a adoção <strong>de</strong><br />
outras técnicas japonesas como o just-in-time, o Controle Estatístico <strong>de</strong> Processo (CEP) e o<br />
Kanban. Finalmente, no começo dos anos 1990, as empresas passam a investir mais na<br />
mo<strong>de</strong>rnização das plantas, lançando mão das mudanças organizacionais baseadas nas técnicas<br />
japonesas e nas novas formas <strong>de</strong> gestão da mão <strong>de</strong> obra, <strong>de</strong> forma a persuadir, através <strong>de</strong><br />
treinamentos, os trabalhadores da importância do envolvimento com a qualida<strong>de</strong> e<br />
produtivida<strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> promover uma maior produtivida<strong>de</strong> das plantas automobilísticas, a<br />
adoção <strong>de</strong>ssas técnicas, principalmente nos anos 1980 visava também arrefecer os ânimos do<br />
movimento sindical, que naquela época gozava <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilização, seja<br />
através <strong>de</strong> greves ou da atuação das comissões <strong>de</strong> fábricas.<br />
Convém não per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, nesse sentido, que boa parte do esforço empresarial<br />
voltado <strong>para</strong> o treinamento <strong>de</strong>stina-se a programas comportamentais e<br />
motivacionais, que se caracterizam basicamente pela preocupação em <strong>de</strong>spertar nos<br />
trabalhadores uma postura cooperativa com relação às estratégias gerenciais e que<br />
não po<strong>de</strong>m ser confundidos com treinamentos <strong>de</strong>stinados a formar trabalhadores<br />
mais qualificados. De fato, o conteúdo <strong>de</strong> tais programas costuma centrar-se em<br />
questões relacionadas ao tipo <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> que a empresa espera <strong>de</strong> seus trabalhadores<br />
no cotidiano da produção e não em noções técnicas, operacionais ou mesmo<br />
relacionadas à formação básica. O caráter disciplinador <strong>de</strong> tais programas é,<br />
portanto, evi<strong>de</strong>nte e está presente mesmo nos casos em que os conteúdos atitudinais<br />
vêm mesclados com ensinamentos técnicos e operacionais. (LEITE, 1995, p. 349).<br />
7 Grupos criados pelas empresas, geralmente constituídos <strong>de</strong> oito a <strong>de</strong>z componentes, cujo objetivo principal é<br />
promover <strong>de</strong>bates a respeito <strong>de</strong> assuntos relacionados à qualida<strong>de</strong> e produtivida<strong>de</strong> do processo produtivo.<br />
50
Além disso, com a abertura da economia brasileira, a partir do governo Collor (1990-1993),<br />
cujo um dos efeitos foi a redução das tarifas <strong>de</strong> importação <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> capital, as empresas<br />
começaram a investir em inovações tecnológicas <strong>de</strong> base microeletrônica. Embora tenha<br />
propiciado uma elevação nos níveis <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> das montadoras (Quadro 2) 8 , essas<br />
medidas tiveram impacto bastante representativo na elevação dos indicadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego<br />
da década <strong>de</strong> 1990 (Tabela 1).<br />
Quadro 2<br />
Produtivida<strong>de</strong> das montadoras nos anos 1980 e no ano <strong>de</strong> 2002 9<br />
Antunes (2006) mostra que, a partir dos anos 1990, houve uma intensificação do processo <strong>de</strong><br />
reestruturação produtiva do capital no Brasil, configurando uma realida<strong>de</strong> que misturava tanto<br />
elementos <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> como <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> em relação às fases anteriores, ou seja,<br />
observou-se a coexistência <strong>de</strong> elementos característicos do fordismo/taylorismo com novas<br />
formas <strong>de</strong> gestão, baseadas na acumulação flexível e no toyotismo.<br />
8 Disponível em . Acesso em: 12 ago. 2009.<br />
9 De acordo com a Anfavea, em 2008 a produção <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> passeio no Brasil atingiu 2.545.79 unida<strong>de</strong>s.<br />
51
Tabela 1<br />
Produção <strong>de</strong> Veículos e empregos na indústria automobilística brasileira <strong>de</strong> 1990 à 2007<br />
ANO CARROS C. LEVES CAMINHÕES ÔNIBUS TOTAL EMPREGOS<br />
1990 663.084 184.754 51.597 15.031 914.466 138.374<br />
1991 705.303 182.609 49.295 23.012 960.219 124.859<br />
1992 815.959 201.591 32.025 24.286 1.073.861 119.292<br />
1993 1.100.278 224.387 47.876 18.894 1.391.435 120.635<br />
1994 1.248.773 251.044 64.137 17.435 1.581.389 122.153<br />
1995 1.297.467 239.399 70.495 21.647 1.629.008 115.212<br />
1996 1.458.576 279.697 48.712 17.343 1.804.328 111.460<br />
1997 1.677.858 306.545 63.744 21.556 2.069.703 115.349<br />
1998 1.254.016 247.044 63.773 21.458 1.586.291 93.135<br />
1999 1.109.509 176.994 55.277 14.934 1.356.714 94.472<br />
2000 1.361.721 235.161 71.686 22.672 1.691.240 98.614<br />
2001 1.501.586 214.936 77.431 23.163 1.817.116 94.055<br />
2002 1.520.285 179.861 68.558 22.826 1.791.530 91.533<br />
2003 1.505.139 216.702 78.960 26.990 1.827.791 90.697<br />
2004 1.862.780 318.351 107.338 28.758 2.317.227 102.082<br />
2005 2.011.817 365.636 118.000 35.387 2.530.840 107.408<br />
2006 2.092.003 379.221 106.001 33.809 2.611.034 106.350<br />
2007 2.391.354 409.657 137.052 39.087 2.977.150 120.338<br />
Fonte: Anfavea<br />
A indústria <strong>de</strong> autopeças, por exemplo, foi drasticamente afetada pela abertura comercial<br />
ocorrida na década <strong>de</strong> 1990, em razão principalmente da queda das alíquotas <strong>de</strong> importação <strong>de</strong><br />
componentes automotivos e do uso <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> follow sourcing 10 e sourcing global 11 . Esses<br />
fatores provocaram uma crise estrutural nas autopeças brasileiras, tendo como uma das<br />
conseqüências a <strong>de</strong>snacionalização do setor. Vale lembrar que esse segmento já havia<br />
passado, na década <strong>de</strong> 1960, por um processo <strong>de</strong> <strong>aqui</strong>sição das fábricas brasileiras por<br />
empresas estrangeiras. A prática do follow sourcing, que na prática significa a terceirização da<br />
produção, po<strong>de</strong> ser constatada com mais clareza, por exemplo, nos novos arranjos<br />
automotivos surgidos a partir da década <strong>de</strong> 1990, após a implementação do Regime<br />
Automotivo Brasileiro, como o consórcio modular da Volkswagen, em Resen<strong>de</strong> (RJ), que<br />
10 Parceria estabelecida entre montadora e fornecedor <strong>de</strong> autopeças <strong>para</strong> o <strong>de</strong>senvolvimento dos sistemas que<br />
compõem os veículos, como suspensão, freios e transmissão. Caracteriza-se pelo reduzido número <strong>de</strong> empresas<br />
escolhidas e pela necessida<strong>de</strong>, na maioria dos casos, <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong>sses fornecedores nos locais on<strong>de</strong> as<br />
montadoras estão operando.<br />
11 Cotação internacional feita pelas montadoras com o objetivo <strong>de</strong> encontrar fornecedores que além <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>rem<br />
a requisitos essenciais como preços competitivos e qualida<strong>de</strong> dos produtos, tenham capacida<strong>de</strong> <strong>para</strong> efetuar a<br />
entrega das encomendas <strong>de</strong> forma rápida.<br />
52
conta com sete fornecedores na fabricação <strong>de</strong> caminhões e ônibus, a fábrica da General<br />
Motors, em Gravataí (RS), com 16 fornecedores e a Ford, em Camaçari (BA), que conta com<br />
vinte e um fornecedores, além das empresas que prestam manutenção aos equipamentos<br />
(Quadro 3).<br />
Quadro 3<br />
Empresas fornecedoras instaladas no Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste<br />
EMPRESA ESPECIALIDADE<br />
ARVIN MERITOR Sistemas <strong>de</strong> exaustão<br />
AUTOMETAL Injeção <strong>de</strong> plástico<br />
BENTELER Suspensão<br />
COLAUTO/POWERCOAT Pintura<br />
COOPER STANDART Mangueiras e tubos<br />
DDOC Tintas<br />
DUPONT Tintas<br />
DOW Injeção <strong>de</strong> plástico e pintura<br />
FAURECIA Módulo <strong>de</strong> porta<br />
FERROLENE Estamparia<br />
INTERTRIM Interior <strong>de</strong> teto<br />
KAUTEX Tanque <strong>de</strong> combustível<br />
LEAR Bancos<br />
MAPRI-TEXTRON Módulos <strong>de</strong> fixação<br />
PELZER Acabamento interno<br />
PILKINGTON Vidros<br />
PIRELLI Pneus<br />
SAARGUMMI Peças <strong>de</strong> borracha<br />
SODECIA Estamparia<br />
VALEO Módulo frontal<br />
VISTEON Cockpit<br />
Fonte: Mari Sako (2006)<br />
Além das mudanças ocorridas nos espaços intrafabris, algumas empresas, dos mais diferentes<br />
ramos <strong>de</strong> atuação iniciaram um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocalização produtiva, ou <strong>de</strong>sterritorialização,<br />
transferindo suas fábricas <strong>para</strong> cida<strong>de</strong>s – <strong>de</strong>ntro ou fora do estado da fe<strong>de</strong>ração on<strong>de</strong><br />
operavam inicialmente – on<strong>de</strong> pu<strong>de</strong>ssem pagar salários mais baixos, além <strong>de</strong> gozar <strong>de</strong><br />
isenções fiscais. Logo, em locais on<strong>de</strong> a organização sindical era praticamente inexistente e os<br />
índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego elevados, essas empresas objetivaram, com esses <strong>de</strong>slocamentos<br />
territoriais, ganhar fôlego no que diz respeito à competitivida<strong>de</strong> internacional, além, claro, <strong>de</strong><br />
aumentarem as suas taxas <strong>de</strong> acumulação do capital. Sobre isso Antunes (2007) mostra que<br />
53
Várias fábricas <strong>de</strong> calçados, por exemplo, transferiram-se da região <strong>de</strong> Franca, no<br />
interior do Estado (sic) <strong>de</strong> São Paulo, da região do Vale dos Sinos, no Estado do<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>para</strong> estados do Nor<strong>de</strong>ste, como o Ceará e a Bahia e hoje<br />
começam a pensar em transferir parcela <strong>de</strong> sua produção <strong>para</strong> o solo chinês.<br />
Indústrias consi<strong>de</strong>radas mo<strong>de</strong>rnas, do ramo metalomecânico e eletrônico,<br />
transferiram-se da Região da Gran<strong>de</strong> São Paulo <strong>para</strong> áreas do interior paulista (São<br />
Carlos e Campinas), ou <strong>de</strong>slocaram-se <strong>para</strong> outras áreas do país, como o interior do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro (Resen<strong>de</strong>), ou ainda <strong>para</strong> o interior <strong>de</strong> Minas Gerais (Juiz <strong>de</strong> Fora),<br />
ou outros estados como Paraná, Bahia, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. E hoje examinam<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> parte da produção <strong>para</strong> a China. Novas plantas<br />
foram instaladas, como a Toyota e Honda, ambas na região <strong>de</strong> Campinas, <strong>de</strong>ntre<br />
tantos outros exemplos. (ANTUNES, 2007, p.15, grifos nossos).<br />
Portanto, o <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> indústrias – tanto estrangeiras como nacionais – dos mais<br />
diversos ramos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, como o têxtil, o <strong>de</strong> calçados e o automobilístico <strong>para</strong> o interior<br />
do Brasil ou <strong>para</strong> cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> a implantação <strong>de</strong> tais fábricas chama a atenção pelo<br />
ineditismo, representa uma espécie <strong>de</strong> reedição do processo <strong>de</strong> exploração do capital sobre o<br />
trabalho <strong>de</strong> tipo novo, agora mais selvagem, porque acompanhada <strong>de</strong> métodos <strong>de</strong> gestão e<br />
organização do trabalho que se notabilizam pelo maior grau <strong>de</strong> flexibilização e precarização<br />
do trabalho. Em relação à precarização do trabalho Druck e Thébaud-Mony (2007) a <strong>de</strong>finem<br />
como:<br />
[...] processo social constituído pela amplificação e institucionalização da<br />
instabilida<strong>de</strong> e da insegurança, expressa nas novas formas <strong>de</strong> organização do<br />
trabalho – on<strong>de</strong> a terceirização / subcontratação ocupa um lugar central – e no recuo<br />
do papel do Estado como regulador do mercado <strong>de</strong> trabalho e da proteção social<br />
através das inovações da legislação do trabalho e previdência. Um processo que<br />
atinge todos os trabalhadores, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seu estatuto, e que tem levado a<br />
crescente <strong>de</strong>gradação das condições <strong>de</strong> trabalho, da saú<strong>de</strong> (e da vida) dos<br />
trabalhadores e da vitalida<strong>de</strong> da ação sindical. (DRUCK e THÉBAUD-MONY,<br />
2007, p. 31).<br />
No caso específico do Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste, os indicadores do grau <strong>de</strong><br />
flexibilização e precarização estão presentes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início das operações da planta e po<strong>de</strong>m<br />
ser constatados, por exemplo; pelo uso da terceirização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s diretamente ligadas ao<br />
processo produtivo; pelo uso do banco <strong>de</strong> horas; do trabalho em turnos fixos; pelos baixos<br />
salários pagos aos metalúrgicos da Bahia e pela ocorrência <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> LER entre os<br />
trabalhadores das linhas <strong>de</strong> produção, tanto das empresas terceirizadas como da própria<br />
montadora.<br />
54
2.3 Do sindicalismo <strong>de</strong> confronto dos anos 1980 à postura propositiva dos anos 1990.<br />
Todas as mudanças ocorridas nas últimas décadas fizeram, como já foi dito acima, os<br />
sindicatos brasileiros adotarem uma postura mais <strong>de</strong>fensiva ou “propositiva” em suas ações,<br />
contrastando com as formas <strong>de</strong> mobilização do período compreendido entre o final da década<br />
<strong>de</strong> 1970 e o final dos anos 1980, quando o movimento sindical brasileiro esteve na contramão<br />
da tendência histórica daquele período ao conquistar uma capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção política<br />
inédita no país, enquanto, em nível internacional os sindicatos estavam atravessando um<br />
momento <strong>de</strong> crise e enfraquecimento generalizados (Leite, 1997).<br />
Aqueles foram anos <strong>de</strong> eficiência e eficácia da ação representativa e organizativa<br />
sindical. Após seu renascimento no final da década <strong>de</strong> 1970, o número <strong>de</strong> sindicatos<br />
cresceu perto <strong>de</strong> 50% até 1989. O orçamento global das instituições oficiais e nãooficiais<br />
chegava a perto <strong>de</strong> um bilhão <strong>de</strong> dólares. Este dinheiro financiou a ação <strong>de</strong><br />
mais <strong>de</strong> 10 mil sindicatos, representando 18 milhões <strong>de</strong> trabalhadores em mais <strong>de</strong> 30<br />
mil negociações coletivas por todo o país. Trinta por cento dos empregados formais<br />
eram filiados a sindicatos, e quatro centrais sindicais disputavam sua lealda<strong>de</strong>: CUT,<br />
Central Geral dos Trabalhadores (CGT), Confe<strong>de</strong>ração Geral dos Trabalhadores<br />
(também CGT) e União Sindical In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte (USI). (CARDOSO, 2003, p. 34).<br />
Ainda <strong>de</strong> acordo com Cardoso (ibid.: 35 e 36), <strong>de</strong>ntre os fatores que po<strong>de</strong>m ser citados como<br />
os principais vetores da consolidação sindical na década <strong>de</strong> 1980, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar os<br />
seguintes: o fato <strong>de</strong> os sindicatos terem se constituído na principal forma <strong>de</strong> resistência ao<br />
regime militar; a existência <strong>de</strong> uma estrutura sindical corporativa que embora tenha se tornado<br />
no principal meio <strong>de</strong> repressão e controle dos sindicatos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1930, possibilitou<br />
a organização do “Novo Sindicalismo” via imposto sindical, por exemplo; a luta por justiça e<br />
dignida<strong>de</strong> no trabalho, em um con<strong>texto</strong> marcado por relações <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>spóticas, baixos<br />
salários e uso predatório da força <strong>de</strong> trabalho e as altas taxas <strong>de</strong> inflação, que acabavam<br />
servindo como combustível <strong>para</strong> as mobilizações, greves e protestos políticos contra o<br />
governo.<br />
No entanto, a partir dos anos 1990, os sindicatos optaram por negociar perdas diante do<br />
processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva. O ponto mais representativo da postura “propositiva” do<br />
sindicalismo brasileiro encontra-se na sua participação na Câmara Setorial do Complexo<br />
Automotivo ou “acordo das montadoras”, cujos <strong>de</strong>talhes serão discutidos na seqüência <strong>de</strong>ste<br />
trabalho. Para Leite,<br />
A experiência do setor automotivo, em que os sindicatos lograram incluir no acordo<br />
da Câmara Setorial a negociação da reestruturação, se apresenta, nesse sentido,<br />
55
como uma perspectiva promissora. Contemplando uma série <strong>de</strong> metas pactuadas que<br />
buscam ao mesmo tempo a abertura do mercado com a manutenção <strong>de</strong> um saldo<br />
positivo da balança comercial do setor, a renovação tecnológica da base produtiva,<br />
um novo mix <strong>de</strong> produção, privilegiando os automóveis básicos e mais baratos, o<br />
aumento do emprego e dos salários e uma nova estrutura tributária setorial (Cardoso<br />
e Comim, 1993: 16), o acordo significou uma importante inovação nas relações<br />
capital-trabalho no país. (LEITE, 1995, p. 353. Grifos nossos).<br />
Se <strong>para</strong> alguns estudiosos esse posicionamento significou o surgimento <strong>de</strong> relações sociais<br />
mais mo<strong>de</strong>rnas, <strong>para</strong> outros, tal postura não trouxe mudanças significativas <strong>para</strong> o conjunto da<br />
classe trabalhadora, uma vez que não colocou em questão a condução da política<br />
macroeconômica do país e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudanças mais estruturais, resultando, em<br />
verda<strong>de</strong> num acordo <strong>de</strong> caráter neocorporativo setorial.<br />
Boito (1999), por exemplo, critica a proposta cutista <strong>de</strong> tentar implementar, no início dos anos<br />
1990, o contrato coletivo <strong>de</strong> trabalho. De acordo com o autor, a concepção <strong>de</strong> contrato<br />
coletivo como foi pensada pela CUT reduz a esfera <strong>de</strong> influência do Estado como fonte <strong>de</strong><br />
direito do trabalho, com suas formas protetoras e imperativas, ampliando a esfera da<br />
contratação direta e livre entre assalariados e capitalistas. Ou seja, <strong>de</strong>spreza-se a importância<br />
da legislação como fator <strong>de</strong> proteção. Logo, <strong>para</strong> o autor, o método “propositivo” acaba<br />
rebaixando o conteúdo das proposições, na medida em que preconiza uma postura<br />
conciliatória com o neoliberalismo.<br />
Esse con<strong>texto</strong> <strong>de</strong>sfavorável no que se refere à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ação mais ofensiva por<br />
parte dos sindicatos os fez, <strong>de</strong> acordo com Druck (1999), atuar “<strong>de</strong>ntro da or<strong>de</strong>m capitalista”.<br />
A intensificação e o <strong>de</strong>senvolvimento ao limite máximo do sindicato <strong>de</strong>ntro da<br />
or<strong>de</strong>m capitalista são produtos das condições objetivas e subjetivas, <strong>de</strong>terminadas<br />
tanto pelos novos padrões <strong>de</strong> gestão e organização do trabalho e pelas estratégias<br />
empresariais, na busca <strong>de</strong> superação da crise fordista, quanto pela forte iniciativa<br />
que a classe dominante <strong>de</strong>tém nesse final <strong>de</strong> século e pela posição em que se<br />
encontram as direções sindicais e políticas <strong>de</strong> trabalhadores na atualida<strong>de</strong>, cuja<br />
tendência maior tem sido a <strong>de</strong> se “recolher”, re<strong>de</strong>finindo suas perspectivas e<br />
orientado-as, em geral, <strong>para</strong> a busca <strong>de</strong> soluções negociadas e sem rupturas com a<br />
or<strong>de</strong>m capitalista (DRUCK, 1999, p. 254).<br />
Para Alves (2001), essas mudanças ocorridas no capitalismo nos últimos anos fizeram o<br />
movimento sindical abdicar – em razão da ausência <strong>de</strong> um projeto contra-hegemônico – <strong>de</strong><br />
uma atuação referenciada no corporativismo societal clássico, calcado numa perspectiva<br />
classista mais ampla e se posicionar buscando uma “cooperação conflitiva”. Essa mudança <strong>de</strong><br />
56
posicionamento ensejou o surgimento <strong>de</strong> um corporativismo setorial, com atuação limitada<br />
aos setores <strong>de</strong> classe mais organizados.<br />
A praxis sindical neocorporativa vai traduzir, no plano “egoístico-corporativo”, o<br />
novo momento da política social-<strong>de</strong>mocrata. Alteram-se os signos da prática<br />
sindical, ocorrendo uma transformação da ação sindical, salientada por vários<br />
autores (no caso da CUT, o “explorador” passa a ser “parceiro” e a perspectiva <strong>de</strong><br />
“classe” dá lugar a <strong>de</strong> “atores sociais”).<br />
Portanto, o <strong>para</strong>digma corporativo social-<strong>de</strong>mocrata clássico do pós-guerra, que<br />
servia, até certo ponto, <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>para</strong> a CUT nos anos 80, ten<strong>de</strong> a se <strong>de</strong>teriorar e o<br />
novo padrão <strong>de</strong> acumulação capitalista o reconstitui sob uma nova forma políticoi<strong>de</strong>ológica<br />
mais a<strong>de</strong>quada à lógica do “momento predominante” do complexo <strong>de</strong><br />
reestruturação produtiva – o toyotismo. Deste modo, po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar o novo<br />
arranjo político (e i<strong>de</strong>ológico) da social-<strong>de</strong>mocracia como um lean corporativism –<br />
um “corporativismo enxuto” – em contraposição a um strong corporativism, que<br />
caracterizava a regulação social-<strong>de</strong>mocrata clássica. O “corporativismo enxuto”<br />
seria mais a<strong>de</strong>quado à prática organizacional (e i<strong>de</strong>ológica) do toyotismo ou da lean<br />
production, levada a cabo pelas corporações transnacionais. É a partir <strong>de</strong>le que se<br />
<strong>de</strong>senvolvem, sob as mais diversas formas, as novas práticas organizacionais (e<br />
tecnológicas) do capital na produção (ALVES, 2001, p. 51).<br />
A criação da Força Sindical, no início dos anos 1990, em um momento em que o processo <strong>de</strong><br />
abertura econômica/reestruturação produtiva surgia com força no Brasil, também contribuiu<br />
<strong>para</strong> arrefecer os ânimos da CUT, uma vez que a central sindical recém-criada passou a se<br />
notabilizar pelo seu posicionamento mais à direita no cenário político, rivalizando com a CUT<br />
e apoiando as medidas neoliberais tomadas pelos governos <strong>de</strong> Fernando Collor e Fernando<br />
Henrique Cardoso.<br />
De 1994 em diante, a central não apenas apoiou as políticas neoliberais adotadas,<br />
como ainda teve papel ativo em sua implementação. A central formulou projetos <strong>de</strong><br />
lei <strong>para</strong> a flexibilização do mercado <strong>de</strong> trabalho que foram, todos, aprovados pelo<br />
Parlamento entre 1995 e 1999: jornada <strong>de</strong> trabalho flexível (também propostas por<br />
sindicatos da CUT, mas não pela central), contratos temporários <strong>de</strong> trabalho, com<br />
redução dos custos indiretos <strong>de</strong> contratação e <strong>de</strong>missão temporária. A<strong>de</strong>mais, a<br />
central apoiou abertamente as privatizações. Nessa questão em particular, a FS<br />
negociou com o governo a possibilida<strong>de</strong> dos trabalhadores comprarem ações das<br />
empresas, e mobilizou a opinião pública contra os empregados das estatais, pintados<br />
como privilegiados em razão dos melhores salários pagos ali, da estabilida<strong>de</strong> no<br />
emprego e dos extensos benefícios subsidiários pagos. (CARDOSO, 2003, p. 65).<br />
Na Bahia, o movimento sindical, principalmente aquele ligado ao setor industrial,<br />
acompanhou a tendência <strong>de</strong> ascensão e arrefecimento do sindicalismo brasileiro nas décadas<br />
<strong>de</strong> 1970 e 1980. Em agosto <strong>de</strong> 1985, por exemplo, os trabalhadores do Pólo Petroquímico <strong>de</strong><br />
Camaçari <strong>de</strong>flagraram uma greve que durou vinte e três dias. Foi a primeira vez no mundo<br />
57
que um pólo petroquímico tinha suas ativida<strong>de</strong>s <strong>para</strong>lisadas em função <strong>de</strong> uma greve. Em<br />
1990, trabalhadores <strong>de</strong> cinco empresas iniciaram outra greve que chegou a durar quarenta e<br />
cinco dias. Ao final das duas greves, mais <strong>de</strong> quatrocentos trabalhadores foram <strong>de</strong>mitidos e<br />
alguns <strong>de</strong>les passaram a fazer parte <strong>de</strong> uma “lista negra” – elaborada pelo sindicato patronal –<br />
com os nomes daqueles que a partir <strong>de</strong> então jamais seriam recontratados pelas empresas do<br />
pólo <strong>de</strong> Camaçari.<br />
Após a análise <strong>de</strong> todo esse processo <strong>de</strong> modificações por que passou o capitalismo nas<br />
últimas décadas e, junto com ele, o movimento sindical, buscaremos na investigação que será<br />
feita, apreen<strong>de</strong>r como o Sindicato dos Metalúrgicos se posiciona e atua nesse con<strong>texto</strong> <strong>de</strong><br />
precarização das relações <strong>de</strong> trabalho <strong>para</strong> garantir ao conjunto dos trabalhadores que ele<br />
representa resultados positivos a partir da relação com o capital e mais que isso, como lida<br />
com as questões referentes ao adoecimento por LER no trabalho. Antes, porém, analisaremos<br />
o processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva na Região Metropolitana <strong>de</strong> Salvador e o advento da<br />
guerra fiscal, no final da década <strong>de</strong> 1990.<br />
58
CAPÍTULO III<br />
A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NA INDÚSTRIA BAIANA E A GUERRA<br />
FISCAL NOS ANOS 1990<br />
Para possibilitar o entendimento dos fatores que <strong>de</strong>terminaram a vinda da Ford <strong>para</strong> a Bahia<br />
acreditamos ser interessante fazermos, mesmo que <strong>de</strong> forma sintética, uma retrospectiva das<br />
mudanças ocorridas no mercado <strong>de</strong> trabalho da RMS 12 e dos efeitos do processo <strong>de</strong><br />
reestruturação produtiva na indústria baiana, que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o aumento do <strong>de</strong>semprego à perda<br />
do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mobilização dos sindicatos, pois, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> 1990, quando<br />
começaram a surgir os primeiros efeitos <strong>de</strong>correntes da implementação do receituário<br />
neoliberal, as taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego nessa região têm figurado entre as maiores do país. De<br />
acordo com Borges (2007)<br />
A taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego da RMS é, historicamente, uma das mais elevadas do país.<br />
Nos anos 1990, ela saltou <strong>de</strong> 11,8% em 1992 <strong>para</strong> 19,3% <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois e o<br />
estoque <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados cresceu quase uma vez e meia, agregando 195 mil<br />
pessoas, entre 1992 e 2002. No mesmo período, a população em ida<strong>de</strong> ativa (PIA)<br />
cresceu apenas 30%, a população economicamente ativa (PEA) 51% e o número <strong>de</strong><br />
ocupados registraram um incremento <strong>de</strong> 38,2%. Ou seja, o baixo crescimento da<br />
ocupação revela que o <strong>de</strong>semprego aumenta porque a estrutura produtiva da região é<br />
incapaz <strong>de</strong> absorver a oferta <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, que cresceu acentuadamente em<br />
<strong>de</strong>corrência tanto <strong>de</strong> mudanças na estrutura da população como do aumento da taxa<br />
<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, sobretudo das mulheres e jovens, cuja pressão sobre o mercado <strong>de</strong><br />
trabalho encontra na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recomposição da renda familiar um dos seus<br />
<strong>de</strong>terminantes [...] em 2005, 60,8% dos <strong>de</strong>sempregados da RMS eram mulheres e os<br />
jovens <strong>de</strong> 15 a 24 anos representavam 47% do estoque <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados.<br />
(BORGES, 2007, p. 86).<br />
Resultados da Pesquisa <strong>de</strong> Emprego e Desemprego (PED) realizada mensalmente pelo<br />
governo da Bahia, em parceria com o Departamento Intersindical <strong>de</strong> Estatística e Estudos<br />
Sócio-Econômicos (DIEESE) e com a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Economia da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da<br />
Bahia (UFBA), revelaram que em março <strong>de</strong> 2008 o número <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados na RMS era <strong>de</strong><br />
aproximadamente 387 mil pessoas, o que correspon<strong>de</strong> a uma taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego <strong>de</strong> 21%, no<br />
mês em análise, contra 15% <strong>de</strong> média global entre outras cinco regiões metropolitanas<br />
pesquisadas. 13 Borges (2007) mostra que, apesar da elevação do nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> da<br />
população <strong>de</strong>ssa região, a taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego dos trabalhadores que tinham segundo grau<br />
12 Região Metropolitana <strong>de</strong> Salvador, formado pelos municípios <strong>de</strong> Salvador, Camaçari, Dias d’Ávila, Can<strong>de</strong>ias,<br />
Lauro <strong>de</strong> Freitas, Itaparica, Vera Cruz, Madre <strong>de</strong> Deus, São Francisco do Con<strong>de</strong> e Simões Filho, cuja população<br />
é <strong>de</strong> aproximadamente 3,8 milhões <strong>de</strong> pessoas.<br />
13 Jornal A Tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2008.<br />
59
<strong>completo</strong> ou superior in<strong>completo</strong> saltou <strong>de</strong> 10,2% em 1992 <strong>para</strong> 17,1% em 2005 e aqueles<br />
que tinham curso superior <strong>completo</strong> e que gozavam praticamente <strong>de</strong> pleno emprego em 1992<br />
(taxa <strong>de</strong> 2,3%) passaram a representar 7,3% em 2005.<br />
Além das elevadas taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, a RMS possui, <strong>de</strong> acordo com dados do Instituto<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE) reunidos no Atlas <strong>de</strong> Desenvolvimento Humano,<br />
lançado em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, a segunda pior distribuição <strong>de</strong> renda do mundo e, caso fosse<br />
um país, estaria à frente apenas da Namíbia. 14<br />
Druck e Franco (2007) mostram como o processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva, iniciado no<br />
Pólo Petroquímico <strong>de</strong> Camaçari, a partir da década <strong>de</strong> 1990, foi <strong>de</strong>terminante <strong>para</strong> a elevação<br />
das taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego na RMS. Opções políticas e macroeconômicas, alinhadas com o<br />
projeto neoliberal, tomadas pelo Estado brasileiro a partir do início dos anos 1990, como a<br />
abertura da economia e a <strong>de</strong>sregulação do Estado sobre o setor petroquímico, além das<br />
privatizações, atingiram fortemente o setor. Nesse período, teve início, como mostra Druck<br />
(1999) a implantação <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> gestão e organização do trabalho, inspiradas no mo<strong>de</strong>lo<br />
japonês, com <strong>de</strong>staque <strong>para</strong> os CCQs, o Controle Estatístico <strong>de</strong> Processo (CEP), o TQC, o<br />
just-in-time e o kanban 15 . Outra medida largamente utilizada pelas empresas do Pólo<br />
Petroquímico foi a terceirização dos serviços, principalmente os relacionados às áreas <strong>de</strong><br />
manutenção, limpeza e vigilância. As conseqüências <strong>de</strong>sse processo são mostradas por Druck<br />
e Franco (2007).<br />
A indústria petroquímica é intensiva em capital, com alto nível <strong>de</strong> automação em seu<br />
processo produtivo. No entanto, em meados dos anos 1980, chegou a empregar por<br />
volta <strong>de</strong> vinte mil trabalhadores e pagava os níveis salariais mais altos da Região<br />
Metropolitana <strong>de</strong> Salvador, o que contribuiu <strong>para</strong> impulsionar a economia local.<br />
Em 1993, em pesquisa realizada em 44 empresas do complexo petroquímico <strong>de</strong><br />
Camaçari, computavam-se 15.517 empregados. Uma média, portanto, <strong>de</strong> 353<br />
empregados por empresa. Desse total <strong>de</strong> empresas, 68% empregavam menos <strong>de</strong><br />
trezentos funcionários e somente uma empresa tinha mais <strong>de</strong> dois mil funcionários.<br />
Um quadro que já indicava a tendência no início dos anos 90: a redução <strong>de</strong> pessoal<br />
empregado diretamente. (DRUCK e FRANCO, 2007, p. 100).<br />
O processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva no complexo petroquímico baiano acarretou, a<br />
exemplo do que ocorreu em todo o país, um recuo do movimento sindical, pois, o Sindicato<br />
14 Jornal A Tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006.<br />
15 Sistema <strong>de</strong> visualização <strong>de</strong> informações utilizado <strong>para</strong> administrar o just-in-time. Constitui-se num conjunto <strong>de</strong><br />
cartões que indica a quantida<strong>de</strong> necessária <strong>de</strong> matéria-prima a ser utilizada.<br />
60
dos Químicos e Petroleiros, que em 1985 chegou a li<strong>de</strong>rar uma greve geral no Pólo <strong>de</strong><br />
Camaçari, foi obrigado a manter uma postura mais “propositiva” a partir dos anos 1990.<br />
Logo, acreditamos que esse con<strong>texto</strong> ensejou uma conjunção <strong>de</strong> fatores <strong>de</strong>terminantes <strong>para</strong> a<br />
vinda da Ford <strong>para</strong> a Bahia, pois, se por parte do governo do estado da Bahia havia a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar medidas <strong>para</strong> frear a elevação das taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego na RMS, além<br />
<strong>de</strong> capitalizar politicamente, em termos eleitorais, a vinda da montadora <strong>para</strong> Bahia, visto que<br />
a instalação da Hyundai e da Ásia Motors prometidas <strong>para</strong> o ano <strong>de</strong> 1997 não foram<br />
concretizadas, por outro, havia um cenário totalmente favorável à montadora, que contaria<br />
com isenções fiscais, doação do terreno <strong>para</strong> a construção da fábrica e, claro, um contingente<br />
<strong>de</strong> trabalhadores, na gran<strong>de</strong> maioria jovens do município <strong>de</strong> Camaçari, “disponíveis” <strong>para</strong><br />
serem treinados e contratados com salários e benefícios bem inferiores àqueles praticados na<br />
fábrica <strong>de</strong> São Paulo.<br />
3.1 A guerra fiscal e a instalação da Ford na Bahia<br />
Para compreen<strong>de</strong>r os motivos que <strong>de</strong>terminaram a instalação da Ford na Bahia é preciso levar<br />
em consi<strong>de</strong>ração dois fatores que consi<strong>de</strong>ramos fundamentais: o fenômeno caracterizado<br />
pelos <strong>de</strong>slocamentos regionais ou transferências industriais que ocorreram a partir do final da<br />
década <strong>de</strong> 1990 e a guerra fiscal travada entre vários estados da fe<strong>de</strong>ração com o objetivo <strong>de</strong><br />
atrair “investimentos” <strong>para</strong> suas regiões.<br />
Em relação aos <strong>de</strong>slocamentos regionais promovido pelas gran<strong>de</strong>s montadoras do setor<br />
automobilístico nos últimos anos, po<strong>de</strong>mos afirmar que se trata da reedição <strong>de</strong> uma estratégia<br />
já utilizada anteriormente, no caso do Brasil a partir da década <strong>de</strong> 1950, como já foi mostrado,<br />
e cujo objetivo é aumentar suas taxas <strong>de</strong> lucro, num mundo cada vez mais globalizado e<br />
marcado pela concorrência intercapitalista. Logo, observa-se um aprofundamento do grau <strong>de</strong><br />
exploração do capital sobre as economias periféricas, uma vez que as empresas multinacionais<br />
ao iniciarem o processo <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong> suas fábricas no Brasil a partir dos anos 1950, já<br />
encontravam <strong>aqui</strong> e em toda a América Latina, condições bastante favoráveis ao<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> seus empreendimentos a exemplo <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra e matérias-primas<br />
baratas, além <strong>de</strong> um movimento sindical impossibilitado <strong>de</strong> atuar livremente, principalmente<br />
na década <strong>de</strong> 1970, em razão da vigência <strong>de</strong> regimes ditatoriais.<br />
61
Portanto, <strong>para</strong> sobreviver à concorrência característica da atualida<strong>de</strong>, o capital utiliza sua<br />
conhecida capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transpor fronteiras em busca <strong>de</strong> locais e condições que satisfaçam às<br />
suas necessida<strong>de</strong>s. Sobre a mobilida<strong>de</strong> espacial do capital Moraes e Costa (1999) apud<br />
Botelho (2002) escrevem que<br />
De forma geral, há uma relação histórica entre o capital e o espaço, na busca do<br />
primeiro superar alguns <strong>de</strong> seus próprios limites diante <strong>de</strong> si mesmo e da força <strong>de</strong><br />
trabalho. O capital, sobretudo o gran<strong>de</strong> capital, por meio <strong>de</strong> sua crescente<br />
mobilida<strong>de</strong>, busca explorar, nos diversos lugares, os diferencias existentes nos<br />
custos <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, matérias-primas, energia, subsídios estatais, etc. Essa busca<br />
histórica do capital por áreas mais atrativas, por sua vez, afeta a organização do<br />
espaço da indústria e a localização dos empreendimentos industriais no território,<br />
pois os espaços singulares, bem ou mal localizados, transferem aos produtos,<br />
durante o processo <strong>de</strong> trabalho, um quantum <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong>. Assim, em um<br />
momento <strong>de</strong> crise e acirramento da concorrência na economia capitalista, as<br />
condições favoráveis à localização inerentes ao espaço e/ou ofertadas pelo po<strong>de</strong>r<br />
público são aproveitadas pelas empresas capitalistas <strong>para</strong> manter ou aumentar sua<br />
taxa <strong>de</strong> lucro particular, com reflexos sobre a vida <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da população,<br />
principalmente a parcela que vive do trabalho. (MORAES e COSTA, 1999, apud<br />
BOTELHO, 2002, p. 55).<br />
Em relação à <strong>de</strong>sconcentração industrial do setor automobilístico, Arbix (2002) analisa por<br />
que nos últimos anos as indústrias migraram <strong>de</strong> locais on<strong>de</strong> já existia uma série <strong>de</strong> condições<br />
favoráveis ao seu funcionamento, como mão-<strong>de</strong>-obra qualificada e uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> fornecedores,<br />
<strong>para</strong> regiões que tradicionalmente não comportavam esse tipo <strong>de</strong> empreendimento. Segundo o<br />
autor há quatro fatores básicos que explicam a dispersão dos Investimentos Externos Diretos<br />
(IDE).<br />
O primeiro fator diz respeito à combinação dos custos trabalhistas com a capacitação da mão-<br />
<strong>de</strong>-obra. Para Arbix, os salários mais baixos no interior do Brasil e a melhora no nível da<br />
educação básica nos últimos anos levaram as montadoras a se instalarem nessas regiões.<br />
O segundo fator diz respeito à pouca tradição combativa dos sindicatos ou até mesmo a<br />
inexistência <strong>de</strong> sindicatos nessas regiões. Dessa forma, as empresas têm a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
operar em locais distantes do combativo sindicalismo do ABC paulista, protagonista das<br />
maiores mobilizações já vistas no país, inclusive com participação fundamental <strong>para</strong> a<br />
<strong>de</strong>rrubada da ditadura militar.<br />
62
O terceiro fator diz respeito à melhoria das condições logísticas nessas novas regiões, como<br />
expansão da malha rodoviária e da infra-estrutura, aliada à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas empresas se<br />
aproximarem <strong>de</strong> novos mercados. No caso da Ford Camaçari, houve o compromisso assumido<br />
pelo governo baiano <strong>de</strong> construir um terminal marítimo exclusivo <strong>para</strong> a montadora.<br />
E por fim, o autor <strong>de</strong>staca as previsões, que existiam na época, em relação às possibilida<strong>de</strong>s<br />
que seriam criadas com o Mercosul tanto em relação à exploração do mercado argentino,<br />
como em relação a uma suposta racionalização dos custos a partir da divisão <strong>de</strong> trabalho entre<br />
as fábricas já existentes nos países <strong>de</strong>ssa região.<br />
Em relação ao outro fator <strong>de</strong>stacado por nós como <strong>de</strong>terminante <strong>para</strong> a instalação da Ford em<br />
Camaçari, a guerra fiscal, vale lembrar que esse tipo <strong>de</strong> incentivo sempre fez parte das<br />
medidas tomadas pelo Estado <strong>para</strong> promover o <strong>de</strong>senvolvimento regional no Brasil. No<br />
entanto, como lembra Dulci (2002), o que chama a atenção no caso brasileiro é o cenário<br />
“hobbesiano” da disputa. O autor mostra que as mudanças feitas no quadro tributário<br />
brasileiro, na Constituição <strong>de</strong> 1988, foram <strong>de</strong>terminantes <strong>para</strong> o <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amento da guerra<br />
fiscal, uma vez que os estados passaram a ter autonomia <strong>para</strong> legislar em matéria <strong>de</strong><br />
arrecadação do Imposto sobre Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e Serviços (ICMS), que constitui a<br />
base da arrecadação dos estados. Além disso, o autor <strong>de</strong>staca também outros dois fatores que<br />
segundo ele se relacionam diretamente com a guerra fiscal e com o cenário marcado pela<br />
opção neoliberal feita pelo Estado brasileiro no início da década <strong>de</strong> 1990. O primeiro <strong>de</strong>les diz<br />
respeito ao abandono <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento inter-regional, o que po<strong>de</strong> ser<br />
observado pela extinção das agências fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento regional, como a<br />
Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento do Nor<strong>de</strong>ste (SUDENE). Logo, ao se eximir da<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implementar políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento regional, o Estado <strong>de</strong>ixou na mão<br />
das administrações subnacionais o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> fazê-lo. O segundo fator diz respeito à abertura da<br />
economia brasileira nos anos 1990, uma vez que, ao procurarem novos espaços <strong>para</strong> a<br />
construção <strong>de</strong> seus empreendimentos, em razão da nova lógica global marcada pelos<br />
<strong>de</strong>slocamentos regionais e pela reestruturação produtiva, as empresas passam a contar com os<br />
benefícios oferecidos pelos estados brasileiros que estavam, naquele con<strong>texto</strong> marcado pela<br />
guerra fiscal, interessados em atrair investimentos externos <strong>para</strong> suas regiões. Segundo Arbix<br />
(2002), <strong>de</strong> uma forma geral, o pacote básico <strong>de</strong> incentivos fiscais era formado por:<br />
1. Doação <strong>de</strong> terrenos <strong>para</strong> a instalação <strong>de</strong> plantas;<br />
63
2. Fornecimento da infra-estrutura necessária <strong>para</strong> a pre<strong>para</strong>ção da área, incluindo<br />
rodovias, terminais marítimos, ferrovias, fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica, etc;<br />
3. Isenção <strong>de</strong> impostos estaduais e municipais por no mínimo <strong>de</strong>z anos;<br />
4. Concessão <strong>de</strong> empréstimos através dos bancos e órgãos estaduais a taxas inferiores as<br />
<strong>de</strong> mercado;<br />
5. Uma série <strong>de</strong> cauções e garantias estatais, financeiras e legais;<br />
6. Outros benefícios como transporte aos trabalhadores e construção <strong>de</strong> creches <strong>para</strong> seus<br />
filhos, etc.<br />
No entanto, vale ressaltar que cada fase da guerra fiscal entre os estados <strong>para</strong> a instalação das<br />
montadoras em seus domínios foi marcada por peculiarida<strong>de</strong>s que extrapolam as questões <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m estritamente econômica, tratando-se, portanto, <strong>de</strong> um episódio <strong>de</strong> dimensões políticas<br />
que envolveu mudanças na lei, reedição <strong>de</strong> medidas provisórias e ações na justiça. Logo,<br />
vamos analisar agora cada fase <strong>de</strong>sses embates cujos aspectos mais representativos, <strong>de</strong> acordo<br />
com a nossa análise, estão <strong>de</strong>finidos pelo período que se inicia com o fechamento das<br />
Câmaras Setoriais, em 1995, e vai até a instalação da Ford, em 2001, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camaçari.<br />
3.2 A Câmara Setorial do Complexo Automotivo<br />
As inovações na forma <strong>de</strong> gestão e organização do trabalho, baseadas no mo<strong>de</strong>lo japonês e o<br />
investimento em tecnologia <strong>de</strong> base microeletrônica, embora tenham garantido às montadoras<br />
uma elevação substancial no número <strong>de</strong> veículos produzidos, não resolveram por <strong>completo</strong> os<br />
problemas inerentes a esse setor, pois o país atravessava na década <strong>de</strong> 1990 uma intensa crise<br />
econômica, cujos fatores iam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a elevação das taxas <strong>de</strong> juros, com impactos negativos no<br />
consumo e na <strong>de</strong>manda à crise dos consórcios, que fizeram a venda <strong>de</strong> veículos caírem<br />
acentuadamente. Além disso, a redução das alíquotas <strong>de</strong> importação <strong>de</strong> veículos e autopeças e<br />
as restrições aos financiamentos <strong>de</strong> longo prazo contribuíram <strong>para</strong> agravar ainda mais o<br />
quadro. No plano internacional, a dificulda<strong>de</strong> das montadoras instaladas no país <strong>de</strong> exportar<br />
seus produtos e o sucesso dos métodos baseados no toyotismo, que passaram a ser utilizados<br />
nas montadoras dos Estados Unidos e Europa apontava <strong>para</strong> um cenário tenebroso, cuja<br />
solução encontrada foi a criação da Câmara Setorial do Complexo Automotivo.<br />
As primeiras experiências relacionadas às câmaras setoriais datam do final do governo Sarney<br />
(1985-1990), com a publicação do Decreto 96056 <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1988 e, <strong>de</strong> acordo com<br />
Cardoso e Comim (1995), eram formadas por representantes do governo e das empresas <strong>de</strong><br />
64
um mesmo setor produtivo, portanto sem a presença <strong>de</strong> representantes dos trabalhadores. As<br />
reuniões ocorriam semanalmente e serviam principalmente <strong>para</strong> os empresários <strong>de</strong>baterem<br />
sobre os ajustes nos preços <strong>de</strong> seus produtos. Já no governo Collor, <strong>de</strong> acordo com<br />
Vasconcelos (2001), as câmaras foram substituídas pelos Grupos Executivos <strong>de</strong> Políticas<br />
Setoriais (GEPS), mas foram recriadas pela Lei 8178/91, <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1991, agora com o<br />
objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>bater e <strong>de</strong>finir políticas <strong>de</strong> preços, no âmbito do Ministério da Economia,<br />
Fazenda e Planejamento. A Câmara Setorial do Complexo Automotivo foi instalada em 17 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1991 e trouxe como novida<strong>de</strong> a presença do Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong> São<br />
Bernardo do Campo, filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), que em outras<br />
ocasiões havia oferecido forte resistência à participação em fóruns tripartites. Além disso,<br />
partici<strong>para</strong>m da câmara, representantes do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento,<br />
da Secretaria da Fazenda do Estado <strong>de</strong> São Paulo e representantes das associações patronais<br />
dos mais diversos setores como montadoras, tintas, pneus, vidro, ferro, concessionárias, etc.<br />
Cardoso e Comim (1995) mostram que o primeiro passo da câmara foi traçar um diagnóstico<br />
consensual dos problemas enfrentados pelo setor automobilístico no Brasil, cujos principais<br />
pontos levantados foram:<br />
• O excessivo protecionismo do mercado brasileiro, que teria provocado um atraso<br />
tecnológico e perda <strong>de</strong> competitivida<strong>de</strong> em com<strong>para</strong>ção com os padrões<br />
internacionais;<br />
• A carga tributária elevada sobre os automóveis fabricados no Brasil, inviabilizando a<br />
competição com os importados (ante uma possível liberalização do mercado) e a<br />
expansão do mercado interno;<br />
• Uma possível abertura do mercado interno, via redução <strong>de</strong> alíquotas, po<strong>de</strong>ria levar o<br />
parque industrial nacional ao sucateamento;<br />
• O mix <strong>de</strong> produção praticado pela indústria brasileira, privilegiando a produção <strong>de</strong><br />
carros sofisticados seria incompatível com as características do mercado <strong>de</strong> consumo<br />
nacional;<br />
• A ausência <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> crédito ao consumidor, em razão das altas taxas <strong>de</strong> juros<br />
praticadas pelo governo na busca pela estabilização econômica, se apresentava como<br />
um fator <strong>de</strong> inibição do consumo e crescimento do mercado.<br />
65
Vasconcelos (2001) e Cardoso e Comim (1995) mostram que <strong>de</strong>tectados esses problemas, foi<br />
assinado um acordo em 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1992 que estabelecia:<br />
• Redução <strong>de</strong> 22% nos preços dos automóveis <strong>de</strong> passeio e comerciais leves, o que seria<br />
alcançado mediante a redução <strong>de</strong> 6% das alíquotas <strong>de</strong> ICMS e IPI, além da redução <strong>de</strong><br />
10% nas margens <strong>de</strong> lucro das empresas do setor, sendo 4,5% das montadoras, 3,9%<br />
das empresas <strong>de</strong> autopeças e 2,5% dos reven<strong>de</strong>dores autorizados;<br />
• Manutenção do nível <strong>de</strong> emprego e correção mensal dos salários pela média da<br />
variação dos índices do mês anterior, tomando como base os cálculos da FIPE e do<br />
DIEESE, até 23 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1992;<br />
• Adiamento da data-base da categoria <strong>de</strong> 1º <strong>de</strong> abril <strong>para</strong> 1º <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1992;<br />
• Relançamento dos consórcios em novas condições até 23 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1992;<br />
• Revisão das condições <strong>de</strong> financiamento <strong>de</strong> ônibus, caminhões e tratores;<br />
Aos pontos supracitados po<strong>de</strong>mos acrescentar que durante o período <strong>de</strong> vigência do acordo as<br />
mobilizações e greves praticamente <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> fazer parte da agenda sindical, fato que po<strong>de</strong><br />
ser interpretado como conseqüência <strong>de</strong> um acordo tácito feito entre empresários e centrais<br />
sindicais.<br />
Após o acordo <strong>de</strong> 1992, foram assinados outros dois, sendo um em 15 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1993 e<br />
outro em 6 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1995, antes da extinção da câmara e a criação do Regime<br />
Automotivo Brasileiro, em junho do mesmo ano. Em linhas gerais, po<strong>de</strong>-se afirmar que <strong>para</strong><br />
as empresas os acordos firmados na Câmara Automotiva alcançaram resultados satisfatórios,<br />
uma vez que as montadoras conseguiram elevar as suas taxas <strong>de</strong> lucro com o aumento da<br />
produção e da venda <strong>de</strong> veículos, em função, sobretudo da redução da alíquota <strong>de</strong> impostos<br />
como o ICMS e o IPI. Note-se também que em função <strong>de</strong>ssas reduções nos impostos, em<br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1995 os preços dos veículos <strong>para</strong> o consumidor final estavam cerca <strong>de</strong> 46%<br />
abaixo dos praticados em março <strong>de</strong> 1992 Bedê (1997). Para os trabalhadores, no entanto, os<br />
resultados não foram tão satisfatórios, pois a meta <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> 91 mil novos empregos até<br />
1995, como estabelecia o acordo <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1993, não foi atingida; ao contrário, no<br />
período em questão, cerca <strong>de</strong> cinco mil e quatrocentos trabalhadores foram <strong>de</strong>mitidos, como<br />
po<strong>de</strong> ser verificado na tabela 1.<br />
66
A criação da Câmara Setorial do Setor Automotivo <strong>de</strong>spertou no meio acadêmico vários<br />
<strong>de</strong>bates bastante acirrados, com posições favoráveis e contrárias ao acordo. Cardoso e Comim<br />
(1995), por exemplo, vêem como positiva a participação dos sindicatos no fórum, pois <strong>para</strong><br />
esses autores:<br />
[...] o Acordo das Montadoras, realizado no interior da Câmara Setorial do<br />
Complexo Automotivo, significa uma ruptura com padrões históricos <strong>de</strong> relações<br />
entre capital, trabalho e Estado no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pelo menos dois pontos <strong>de</strong> vista: <strong>de</strong><br />
um lado, porque ele inaugura uma forma nova <strong>de</strong> intervenção do Estado nas<br />
negociações <strong>de</strong> interesses entre capital e trabalho, on<strong>de</strong> aquele comparece não mais<br />
como <strong>de</strong>miurgo responsável pela “resolução” dos conflitos privados, mas sim como<br />
parte interessada. De outro lado, porque ele resulta uma esfera pública em que os<br />
interesses <strong>de</strong> capital e trabalho emergem como medida um <strong>para</strong> o outro,<br />
conformando um antagonismo <strong>de</strong> classe não mais baseado na perspectiva <strong>de</strong><br />
anulação do adversário (padrão prevalecente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ressurgimento do sindicalismo<br />
nacional em 1978), mas sim na perspectiva da constituição <strong>de</strong> regras <strong>de</strong>mocráticas<br />
<strong>de</strong> luta política e econômica. (CARDOSO e COMIM, 1995, p. 388).<br />
Por outro lado, Boito (1999), critica a participação da CUT na câmara setorial, pois segundo<br />
ele, a atuação da central sindical não foi eficiente e satisfatória a ponto <strong>de</strong> conseguir garantir<br />
os empregos por muito tempo e serviu apenas <strong>para</strong> o empresariado conquistar junto ao<br />
governo a redução do IPI <strong>de</strong> 2,0% <strong>para</strong> 1,1%, além <strong>de</strong> vantagens creditícias, fatores esses que<br />
fizeram as montadoras alcançarem lucros exorbitantes enquanto a câmara esteve em vigor.<br />
Tapia e Araújo (1994) mostram que os acordos firmados na Câmara do Setor Automotivo<br />
objetivaram buscar soluções imediatas, <strong>de</strong> curto prazo, em <strong>de</strong>trimento da discussão <strong>de</strong> temas<br />
estratégicos e estruturais, necessários <strong>para</strong> inserir <strong>de</strong> forma competitiva as indústrias<br />
brasileiras no cenário que passou a caracterizar o comércio internacional naquele período,<br />
como a melhoria dos processos produtivos e o alcance <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> internacional.<br />
Logo, <strong>para</strong> os autores, o acordo acabou se caracterizando pela adoção <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong>fensivas e<br />
conservadoras, na medida em que as montadoras privilegiaram os temas cujas medidas<br />
pu<strong>de</strong>ssem garantir a manutenção das taxas <strong>de</strong> lucro, como a redução dos impostos, à adoção<br />
<strong>de</strong> cotas <strong>de</strong> importação e incentivos à exportação. O movimento sindical, por sua vez,<br />
pressionado pela base, teve que <strong>de</strong>sistir da sua posição inicial e se viu obrigado em razão da<br />
crise, a participar da Câmara <strong>para</strong> garantir a preservação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> compra dos salários e a<br />
manutenção dos empregos da categoria. Em síntese, po<strong>de</strong>mos concluir que o principal<br />
instrumento <strong>de</strong> política econômica utilizado pela câmara <strong>para</strong> reaquecer as vendas <strong>de</strong> veículos<br />
67
foi a renúncia fiscal, via redução das alíquotas <strong>de</strong> IPI e ICMS, o que na prática significou a<br />
transferência, por parte das montadoras, do ônus da crise <strong>para</strong> o Estado e os trabalhadores.<br />
3.3 O Regime Automotivo Brasileiro<br />
Na mudança do governo central, em 1995 com a eleição <strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso,<br />
ocorreu também uma modificação na forma <strong>de</strong> pensar e executar as políticas direcionadas ao<br />
setor automotivo. A Câmara Setorial do Complexo Automotivo foi extinta e em seu lugar<br />
instaurado o Regime Automotivo Brasileiro. De acordo com Vasconcelos (2001), essa<br />
política representou uma tentativa do governo brasileiro <strong>de</strong> fazer frente ao Regime<br />
Automotriz Argentino, que estava em vigor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> 1990 e tinha como<br />
um dos pilares a existência <strong>de</strong> cotas <strong>de</strong> importação <strong>para</strong> veículos, que variavam <strong>de</strong> 8% a 13%.<br />
Deve-se <strong>de</strong>stacar que inicialmente o Brasil não colocou nenhum obstáculo ao Regime<br />
Automotriz Argentino. No entanto, ao perceber que as gran<strong>de</strong>s montadoras estavam<br />
direcionando os seus investimentos <strong>para</strong> esse país, o governo FHC buscou reverter esse<br />
cenário propondo a instauração <strong>de</strong> um Regime Automotriz Comum, que <strong>de</strong>veria contemplar a<br />
liberalização do comércio <strong>de</strong> veículos <strong>de</strong>ntro do Mercosul, a existência <strong>de</strong> uma Tarifa Externa<br />
Comum <strong>para</strong> todos os produtos, sendo 20% <strong>para</strong> automóveis e 14% a 18% <strong>para</strong> autopeças e<br />
também a ausência <strong>de</strong> incentivos nacionais que pu<strong>de</strong>ssem vir a distorcer a competitivida<strong>de</strong><br />
entre os países da região. Vale <strong>de</strong>stacar que embora as importações vindas da Argentina<br />
somassem apenas 4% do total <strong>de</strong> veículos importados, o crescimento das importações<br />
representava uma ameaça <strong>para</strong> a consolidação do Plano Real <strong>de</strong>vido ao possível<br />
comprometimento das contas externas brasileiras, caso as importações continuassem do ritmo<br />
que estavam, pois o número <strong>de</strong> veículos importados passou <strong>de</strong> 23 mil unida<strong>de</strong>s em 1991 <strong>para</strong><br />
300 mil até o primeiro semestre <strong>de</strong> 1995, com projeção <strong>de</strong> atingir 600 mil unida<strong>de</strong>s até o final<br />
daquele ano, o que totalizaria 5 bilhões <strong>de</strong> dólares só com importação <strong>de</strong> veículos automotores<br />
Bedê (1997).<br />
Portanto, o objetivo era atrair parte dos investimentos que inicialmente estavam sendo feitos<br />
na Argentina. Para alcançar essa meta, o Regime Automotivo Brasileiro (RAB) estabelecia:<br />
• Redução do índice <strong>de</strong> nacionalização <strong>para</strong> empresas já instaladas <strong>de</strong> 80% <strong>para</strong> 60%,<br />
sendo que as peças fabricadas nos países do Mercosul seriam consi<strong>de</strong>radas nacionais;<br />
68
• Redução das alíquotas <strong>de</strong> importação <strong>de</strong> máquinas e equipamentos <strong>para</strong> 2%, em<br />
média, o que representava 90% <strong>de</strong> redução em relação aos valores praticados<br />
anteriormente;<br />
• Redução das alíquotas <strong>de</strong> importação <strong>de</strong> matéria-prima, autopeças e componentes <strong>para</strong><br />
o setor automotivo <strong>de</strong> 18% <strong>para</strong> 2,8%;<br />
• Redução do índice <strong>de</strong> nacionalização, <strong>para</strong> empresas que iriam se instalar, <strong>de</strong> 50%<br />
durante os três primeiros anos e <strong>de</strong> 60% <strong>para</strong> os anos seguintes;<br />
• Tarifas <strong>de</strong> importação preferenciais sobre veículos importados por empresas instaladas<br />
no país, que passaram a pagar 50% da taxa paga pelas importadoras sem produção no<br />
Brasil;<br />
• Incentivos à exportação, permitindo a importação <strong>de</strong> equipamentos, autopeças e<br />
matéria-prima sem tarifas na razão <strong>de</strong> 1 <strong>para</strong> 1 com as exportações.<br />
Ainda <strong>de</strong> acordo com Vasconcelos (2001), esse conjunto <strong>de</strong> medidas foi alvo <strong>de</strong> severas<br />
críticas por parte das centrais sindicais, que passaram a con<strong>de</strong>nar a rápida eliminação das<br />
tarifas <strong>de</strong> importação, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> incentivo à produção nacional. Além<br />
disso, diferentemente do que se observou nas câmaras setoriais, que previa a geração <strong>de</strong><br />
noventa e um mil empregos entre 1993 e 1995, que como mostramos não foi cumprida, o<br />
Regime Automotivo não estabelecia metas relacionadas à geração <strong>de</strong> empregos, pois, seus<br />
principais objetivos eram atrair investimentos <strong>para</strong> o setor, aumentar as exportações, aumentar<br />
a produção <strong>de</strong> veículos e estimular o <strong>de</strong>senvolvimento da indústria <strong>de</strong> metais, plásticos e<br />
eletro-eletrônicos.<br />
Com o Regime Automotivo Brasileiro, várias montadoras <strong>de</strong>monstraram interesse em instalar<br />
fábricas no Brasil, no entanto, esses investimentos se concentravam predominantemente na<br />
região centro-sul do país (Tabela 4), fato que causou <strong>de</strong>scontentamento entre os congressistas<br />
nor<strong>de</strong>stinos, que passaram a pressionar o governo, com o objetivo <strong>de</strong> receber benefícios<br />
semelhantes <strong>para</strong> seus estados.<br />
3.4 O Regime Automotivo Especial ou Regional e o acirramento da guerra fiscal<br />
Para aten<strong>de</strong>r às pressões das bancadas que representavam os estados localizados fora do<br />
centro-sul, principalmente a baiana, o governo lançou, em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996, o Regime<br />
Automotivo Regional, que tinha como principal meta incentivar a instalação <strong>de</strong> montadoras,<br />
69
fábricas <strong>de</strong> autopeças e afins em estados das regiões Norte, Nor<strong>de</strong>ste e Centro-Oeste. Tal<br />
medida estabelecia que o prazo limite <strong>para</strong> a habilitação fosse 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997. De acordo<br />
com Azzoni (1997) apud Vasconcelos (2001), o governo central afirmava que essa política<br />
visava ajudar a reverter a tendência à reconcentração industrial nos estados do centro-sul,<br />
como ocorreu em décadas passadas. Este autor mostra ainda que os benefícios fiscais<br />
auferidos pelos estados das regiões Norte, Nor<strong>de</strong>ste e Centro-Oeste foram maiores que os<br />
concedidos aos estados do centro-sul. Tais incentivos incluíam:<br />
• Isenção do Imposto sobre Operação Financeira (IOF);<br />
• Isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), inci<strong>de</strong>nte na <strong>aqui</strong>sição <strong>de</strong><br />
bens <strong>de</strong> capital;<br />
• Isenção do Imposto <strong>de</strong> Renda sobre o lucro do empreendimento;<br />
• Cinqüenta por cento <strong>de</strong> redução do imposto na importação <strong>de</strong> veículos e redução <strong>de</strong><br />
90% do Imposto <strong>de</strong> Importação <strong>de</strong> Insumos.<br />
Esse pacote <strong>de</strong> incentivos <strong>de</strong>spertou o interesse <strong>de</strong> várias montadoras, que se habilitaram,<br />
<strong>de</strong>ntro do prazo estipulado, <strong>para</strong> construir empreendimentos em estados como Bahia, Ceará,<br />
Goiás, Tocantins e Acre. No entanto, nenhum dos investimentos inicialmente previstos foi<br />
concretizado. Vale lembrar que 25 empresas haviam se comprometido a investir 3,53 bilhões<br />
<strong>de</strong> dólares nesses estados, sendo que a Bahia receberia investimentos que representariam 50%<br />
<strong>de</strong>sse valor. Empresas como Tatra (caminhões), Daelim (motos), PP/Malagutti (mobiletes),<br />
Pon<strong>de</strong>tera/Piaggio (vespas), Hyundai (utilitários H-100) e Asia Motors (Towner e Topic) 16<br />
suspen<strong>de</strong>ram seus investimentos na Bahia. Um caso, entretanto, chama atenção. Vasconcelos<br />
(2001), ao analisar o Relatório <strong>de</strong> Auditoria do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União constatou que a<br />
Asia Motors usufruiu dos benefícios fiscais, na forma <strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> impostos <strong>de</strong> importação,<br />
sobretudo <strong>de</strong> veículos prontos, sem realizar a contrapartida na forma <strong>de</strong> exportações, uma vez<br />
que não instalou a fábrica no Brasil, como previsto no acordo.<br />
Arbix (2002) divi<strong>de</strong> a guerra fiscal entre os estados <strong>para</strong> a atração <strong>de</strong> empreendimentos da<br />
indústria automobilística em quatro fases.<br />
A primeira fase, consi<strong>de</strong>rada a mais amistosa, se caracteriza pela similarida<strong>de</strong> dos pacotes <strong>de</strong><br />
incentivos fiscais oferecidos às montadoras. Sendo assim, em 1996 a Volkswagen construiu<br />
16 Jornal A Tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 03 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1997 apud Vasconcelos (2001).<br />
70
uma planta no município <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong> (RJ) e a Merce<strong>de</strong>s-benz, em 1999, inaugurou sua planta<br />
no município <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora (MG), <strong>para</strong> a fabricação do Classe A.<br />
A segunda fase começou a <strong>de</strong>linear um cenário mais agressivo da guerra fiscal, em razão das<br />
vantagens, sem prece<strong>de</strong>ntes, oferecidas pelo Paraná, na época governado por Jaime Lerner<br />
(PFL). Para atrair a Renault, por exemplo, o estado se comprometeu a provi<strong>de</strong>nciar a infra-<br />
estrutura e a logística necessárias ao funcionamento da montadora, o que incluiu construção<br />
ou ampliação <strong>de</strong> rodovias, ferrovias e <strong>de</strong> uma área exclusiva à montadora no porto <strong>de</strong><br />
Paranaguá. Além disso, o município <strong>de</strong> São José dos Pinhais provi<strong>de</strong>nciou a doação <strong>de</strong> um<br />
terreno <strong>de</strong> 2,5 milhões <strong>de</strong> m 2 <strong>para</strong> a construção da fábrica. Devem ser acrescentados também a<br />
esses incentivos o fornecimento <strong>de</strong> energia elétrica a uma taxa 25% menor que a praticada<br />
pelo mercado, o compromisso do estado em arcar com 40% do capital investido (com teto <strong>de</strong><br />
US$ 300 milhões), isenção <strong>de</strong> impostos locais por <strong>de</strong>z anos, com a obrigação <strong>de</strong> começar a<br />
pagar o ICMS apenas em 2009. Esse pacote <strong>de</strong> benefícios atraiu, além da Renault, a Chrysler<br />
e a Volkswagen/Audi.<br />
A terceira fase é marcada pela investida do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>para</strong> atrair a General Motors. A<br />
montadora americana não incluía o estado em suas priorida<strong>de</strong>s, no entanto, a GM <strong>de</strong>cidiu se<br />
instalar em Gravataí (RS) após a oferta <strong>de</strong> um pacote <strong>de</strong> incentivos que estabelecia: US$ 310<br />
milhões em empréstimos oficiais <strong>para</strong> financiar a compra do terreno, a uma taxa <strong>de</strong> juros <strong>de</strong><br />
6% ao ano, cujo início <strong>de</strong> pagamento seria a partir <strong>de</strong> 2002; isenção <strong>de</strong> impostos por quinze<br />
anos; construção <strong>de</strong> um porto privado e <strong>de</strong> um canal marítimo <strong>de</strong> acesso; fornecimento da<br />
infra-estrutura (água, gás natural, energia elétrica e sistema <strong>de</strong> telecomunicações) a taxas<br />
subsidiadas, além do fornecimento <strong>de</strong> transporte público até a fábrica. Meses <strong>de</strong>pois, a Ford<br />
assinou um protocolo com o Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, tendo como parâmetro as vantagens<br />
oferecidas à GM; por sua vez, a montadora se comprometeu a construir uma fábrica <strong>para</strong><br />
produzir 100 mil carros por ano, num investimento que giraria em torno <strong>de</strong> US$ 1bilhão.<br />
Entretanto, a mudança <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r no governo do estado, com a <strong>de</strong>rrota eleitoral do então<br />
governador Antônio Britto (PMDB), que tentava a reeleição e a vitória <strong>de</strong> Olívio Dutra (PT)<br />
nas eleições estaduais <strong>de</strong> 1998, provocou uma reviravolta nos acordos firmados<br />
anteriormente. O novo governador, que durante a campanha fez severas críticas aos acordos<br />
firmados entre as montadoras e o estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, propôs à Ford uma<br />
renegociação dos benefícios concedidos pelo governo anterior. A montadora não aceitou a<br />
proposta e tentou convencer a nova administração gaúcha a aceitar o acordo como feito no<br />
71
início. No entanto, antes da finalização do impasse, o governo baiano se interpôs no imbróglio<br />
entre os gaúchos e a Ford, iniciando uma campanha explícita <strong>para</strong> levar a montadora <strong>para</strong> a<br />
Bahia. Iniciou-se aí o que Arbix (2002) qualificou como a fase mais perversa da guerra fiscal,<br />
caracterizada pela “canibalização <strong>de</strong> um Estado da fe<strong>de</strong>ração por outro”. Esse fato marcou<br />
também o início da quarta fase da guerra fiscal, que passaremos agora a analisar <strong>de</strong> forma<br />
mais <strong>de</strong>talhada.<br />
Após alguns meses <strong>de</strong> negociações, finalmente em 28 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1999 a Ford e o governo do<br />
estado da Bahia assinaram o protocolo <strong>para</strong> a construção da fábrica no município <strong>de</strong><br />
Camaçari. Porém, faltava ainda garantir os incentivos fiscais “necessários” à concretização do<br />
empreendimento. A partir <strong>de</strong> então, como mostra Almeida Franco (2008) a bancada baiana<br />
em Brasília, iniciou as articulações <strong>para</strong> prorrogar o prazo <strong>de</strong> habilitação, que havia se<br />
esgotado em maio <strong>de</strong> 1997, <strong>de</strong> modo a permitir que as montadoras pu<strong>de</strong>ssem gozar dos<br />
incentivos fiscais previstos no Regime Automotivo Especial. Os parlamentares baianos,<br />
principalmente aqueles ligados ao governo estadual, na época sob o domínio do Partido da<br />
Frente Liberal (PFL), mobilizaram gran<strong>de</strong> parte da bancada nor<strong>de</strong>stina e também aliados <strong>de</strong><br />
outros estados e, após um acordo <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças, o Congresso Nacional, então presidido pelo<br />
senador Antônio Carlos Magalhães, finalmente prorrogou o prazo <strong>de</strong> habilitação <strong>para</strong> as<br />
indústrias automotivas que <strong>de</strong>sejassem se instalar nas regiões Norte, Nor<strong>de</strong>ste ou Centro-<br />
Oeste (exceção feita ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral).<br />
Ainda <strong>de</strong> acordo com Almeida Franco (2008), o governo fe<strong>de</strong>ral optou por uma lei que<br />
beneficiasse as regiões Norte, Nor<strong>de</strong>ste e Centro-Oeste porque <strong>de</strong>ssa forma, eliminaria o risco<br />
<strong>de</strong>ssa lei ser consi<strong>de</strong>rada inconstitucional, caso tivesse como objetivo garantir incentivos<br />
apenas <strong>para</strong> a montadora. Assim, evitaria também problemas com a Organização Mundial do<br />
Comércio (OMC), que permite apenas a criação <strong>de</strong> incentivos regionais. Sendo assim, em 29<br />
<strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1999 foi editada a Medida Provisória 1916/99, que passou a ser conhecida como<br />
“MP da Ford”, que garantiu à montadora a redução <strong>de</strong> 32% <strong>de</strong> IPI inci<strong>de</strong>nte nas saídas <strong>de</strong><br />
veículos do estabelecimento comercial, tanto os nacionais como os importados diretamente<br />
pela montadora 17 . No pacote <strong>de</strong> incentivos <strong>de</strong>vem ser adicionados ainda o financiamento do<br />
17 Na realida<strong>de</strong>, a M.P 1916/99 <strong>de</strong>stinava-se a conce<strong>de</strong>r esse benefício às indústrias interessadas em construir<br />
seus empreendimentos em toda a área <strong>de</strong> atuação da Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento da Amazônia<br />
(SUDAM) e da Superintendência <strong>de</strong> Desenvolvimento do Nor<strong>de</strong>ste (SUDENE). Como foi mostrado<br />
anteriormente, essa foi a estratégia utilizada pelo governo <strong>para</strong> atingir seu principal objetivo, conce<strong>de</strong>r os<br />
incentivos a Ford, sem enfrentar possíveis problemas com países que po<strong>de</strong>riam recorrer à OMC contra o Brasil.<br />
72
BNDES, no valor <strong>de</strong> 700 milhões <strong>de</strong> reais e as isenções <strong>de</strong> impostos municipais e estaduais.<br />
No caso <strong>de</strong>sses últimos, Vasconcelos (2001) mostra que a lei estadual 7537/99, que criou o<br />
<strong>Programa</strong> Especial <strong>de</strong> Incentivo ao Setor Automotivo da Bahia (PROAUTO), garantiu à<br />
montadora as seguintes vantagens:<br />
• Financiamento <strong>de</strong> capital <strong>de</strong> giro <strong>de</strong> até 12% do valor do faturamento bruto da<br />
empresa, incluindo o importado, durante um período <strong>de</strong> 15 anos;<br />
• Financiamento a investimentos fixos e <strong>de</strong>spesas com implantação do projeto, pelo<br />
prazo <strong>de</strong> 15 anos;<br />
• Isenção total <strong>de</strong> ICMS;<br />
• Financiamento <strong>de</strong> pesquisas e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> produtos;<br />
• Execução <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> infra-estrutura, que incluíam a construção <strong>de</strong> um porto marítimo<br />
e um ramal ferroviário exclusivos da Ford, além da ampliação <strong>de</strong> estradas, das re<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> energia elétrica, telefônica e <strong>de</strong> água e esgoto.<br />
Ao fazer uma análise com<strong>para</strong>tiva dos incentivos fiscais concedidos às montadoras, durante o<br />
período da guerra fiscal, U<strong>de</strong>rman e Cavalcante (2005), mostram que os incentivos<br />
concedidos à Ford foram maiores, em termos absolutos, do que aqueles concedidos à<br />
Merce<strong>de</strong>s-Benz, em Minas Gerais, à GM, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e à Renault, no Paraná, mas<br />
em termos relativos, com<strong>para</strong>ndo com o investimento total (Tabela 2), os incentivos dados à<br />
Ford representam 68%, contra 127% da GM e 82% da Merce<strong>de</strong>s-Benz. Entretanto, é<br />
interessante observar que o total <strong>de</strong> incentivos concedidos à Ford, que somaram à época R$ 2.<br />
402 bilhões seria suficiente <strong>para</strong> construir com sobras as fábricas das outras três montadoras,<br />
visto que a soma dos incentivos concedidos à Renault, General Motors e Merce<strong>de</strong>s foi da<br />
or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> R$ 1.804 bilhões.<br />
73
Tabela 2<br />
Pacotes <strong>de</strong> incentivos concedidos à Ford, GM, Merce<strong>de</strong>s-Benz e Renault<br />
(multiplicado por 1 milhão <strong>de</strong> reais)<br />
Ford Merce<strong>de</strong>s-Benz GM Renault 18<br />
Incentivos fiscais 1. 878 556 520 188<br />
Incentivos financeiros 331 85 98 0<br />
Incentivos<br />
orçamentários<br />
193 51 141 165<br />
Total <strong>de</strong> incentivos 2.402 691 760 353<br />
Investimento 3.515 845 600 19 1.000<br />
Total <strong>de</strong><br />
incentivos/investimento<br />
68% 82% 127% 35%<br />
Incentivos fiscais/total<br />
<strong>de</strong> incentivos<br />
78% 80% 69% 53%<br />
Fonte: U<strong>de</strong>rman e Cavalcante (2005)<br />
Dulci (2002), mostra em sua análise, à semelhança dos autores supracitados, que os fatores<br />
ligados à dinâmica dos mercados são <strong>de</strong>terminantes <strong>para</strong> que as empresas <strong>de</strong>cidam on<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>vem atuar, sendo que após a análise mercadológica stricto sensu, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lançar<br />
mão dos fundos públicos torna-se um atrativo muito interessante no momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir on<strong>de</strong><br />
os empreendimentos serão construídos. Segundo esse autor:<br />
Por certo, a gradual consolidação do Mercosul, junto com o quadro <strong>de</strong> relativa<br />
estabilida<strong>de</strong> proporcionado pelo Plano Real, ofereceu boas perspectivas <strong>para</strong> as<br />
corporações multinacionais incluírem o Brasil em seus planos <strong>de</strong> expansão.<br />
Consi<strong>de</strong>ra-se, em geral, que o leilão <strong>de</strong> incentivos fiscais promovidos pelos<br />
governos estaduais não tem sido importante <strong>para</strong> que essas gran<strong>de</strong>s empresas<br />
<strong>de</strong>finam-se por novos projetos no Brasil. Elas o fariam <strong>de</strong> qualquer maneira pelas<br />
razões <strong>de</strong> mercado. E instalar-se-iam em princípio na área economicamente central<br />
do país. Ora, é precisamente essa opção que o leilão <strong>de</strong> incentivos preten<strong>de</strong> alterar.<br />
Trata-se <strong>de</strong> cobrir com vantagens financeiras o custo da alocação <strong>de</strong> uma empresa<br />
em outra parte que não aquela que ela escolheria por uma lógica <strong>de</strong> mercado.<br />
Portanto, a guerra fiscal é fomentada pela internacionalização, na medida em que a<br />
disputa por capitais externos obriga a crescentes concessões dos estados. Na origem<br />
estão as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s regionais do país e a limitação <strong>de</strong> recursos internos <strong>para</strong><br />
investimentos capazes <strong>de</strong> atenuar tais <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s. (DULCI, 2002, p. 97).<br />
18 De acordo com os autores, no caso da Renault, não estão incluídos os incentivos fiscais concedidos às<br />
empresas fornecedoras <strong>de</strong> peças e sistemas. Logo, estima-se que o total <strong>de</strong> incentivos seja muito maior que o<br />
mostrado na tabela.<br />
19 Neste caso, não foram consi<strong>de</strong>rados os valores das operações <strong>de</strong> créditos aos fornecedores, em razão da falta<br />
<strong>de</strong> dados precisos. Além disso, o valor <strong>de</strong> 760 milhões correspon<strong>de</strong> à quantia prevista no contrato original,<br />
assinado entre a montadora e o então governador Antônio Brito (PMDB), uma vez que após a posse do novo<br />
governador, Olívio Dutra (PT), em 1998, os termos do contrato foram alterados e, <strong>de</strong> acordo com a nova<br />
administração, o valor inicial foi reduzido em cerca <strong>de</strong> 103 milhões <strong>de</strong> reais.<br />
74
Arbix (2002) também critica a utilização dos fundos públicos no financiamento <strong>de</strong> tais<br />
empreendimentos. Para ele<br />
[...] embora muitos empreendimentos resultantes da atual onda <strong>de</strong> investimentos<br />
ainda não tenham amadurecido, essa disputa representa um enorme <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong><br />
recursos públicos, tanto <strong>para</strong> os governos diretamente envolvidos, quanto <strong>para</strong> o país<br />
como um todo. As regras do jogo, as armas e o território da guerra fiscal favorecem,<br />
em primeira instância, as gran<strong>de</strong>s montadoras que, <strong>de</strong> fato, comandam as<br />
negociações. O setor público, fragilizado e <strong>de</strong>spre<strong>para</strong>do, teve seu espaço reduzido,<br />
ao mesmo tempo em que o espaço privado foi sendo gradativamente ampliado.<br />
(ARBIX, 2002, p. 110).<br />
Vale lembrar também que a <strong>de</strong>cisão das gran<strong>de</strong>s montadoras <strong>de</strong> construírem novas plantas no<br />
Brasil está ligada à saturação dos mercados consumidores nos países centrais, on<strong>de</strong> a relação<br />
habitantes/veículos já estava bastante baixa, atingindo, por exemplo, 1,7 no Japão e na<br />
Alemanha; 1,5 na Itália e 1,3 nos Estados Unidos. No Brasil, ao contrário, esta relação era <strong>de</strong><br />
nove habitantes por carro, no final da década <strong>de</strong> 90, quando se iniciou a terceira onda <strong>de</strong><br />
instalação <strong>de</strong> montadoras no país. (Quadro 4). Em relação à instalação da Ford na Bahia é<br />
necessário ressalvar que fatores outros, além dos supracitados propiciaram a efetivação do<br />
negócio, como a concessão <strong>de</strong> incentivos fiscais e <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> infra-estrutura por parte do<br />
governo baiano e também a possibilida<strong>de</strong> da montadora pagar baixos salários aos<br />
trabalhadores locais, em todos os níveis hierárquicos, ou seja, tanto aos operadores da linha <strong>de</strong><br />
produção, como àqueles ligados às ativida<strong>de</strong>s mais especializadas, a exemplo <strong>de</strong> técnicos <strong>de</strong><br />
nível médio e engenheiros, uma vez que a Região Metropolitana <strong>de</strong> Salvador possuía naquela<br />
época os maiores índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego do Brasil.<br />
Quadro 4<br />
Novas fábricas instaladas no Brasil entre 1996 e 2002<br />
MONTADORA PRODUTOS INÍCIO ESTADO<br />
Fiat – Iveco Caminhões 1999 Minas Gerais<br />
Ford Automóveis 2001 Bahia<br />
GM Automóveis 2000 Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />
Merce<strong>de</strong>s Automóveis 1999 Minas Gerais<br />
Toyota Automóveis 1998 São Paulo<br />
Volkswagen Caminhões 1996 Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Volkswagen-Audi Automóveis 1999 Paraná<br />
Chrysler 20 Comerciais leves 1998 Paraná<br />
Honda Automóveis 1997 São Paulo<br />
20 Finalizou as operações em 2001.<br />
75
Mitsubishi Comerciais leves 1998 Goiás<br />
Navistar Caminhões 1998 Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />
Peugeot Automóveis 2001 Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Renault Automóveis 1999 Paraná<br />
Land Rover Comerciais leves 1999 São Paulo<br />
Fonte: Adaptado <strong>de</strong> Glauco Arbix (2002)<br />
76
CAPÍTULO IV<br />
A FORD NA BAHIA<br />
A Ford Motor Company foi criada em junho <strong>de</strong> 1903 por Henry Ford e mais 11 sócios, em<br />
Detroit, com capital inicial <strong>de</strong> 28 mil dólares. No seu primeiro ano <strong>de</strong> operação a montadora<br />
americana produziu cerca <strong>de</strong> 1700 automóveis. Anos <strong>de</strong>pois, Henry Ford comprou a parte dos<br />
sócios e se tornou o único dono daquela que viria ser uma das maiores montadoras do mundo.<br />
Já em 1905, a companhia iniciou a fabricação <strong>de</strong> veículos fora dos Estados Unidos, ao<br />
construir uma fábrica em Ontário, Canadá. Nos anos seguintes, Ford expan<strong>de</strong> seus negócios<br />
pela Europa, com a construção <strong>de</strong> uma fábrica em Manchester, na Inglaterra, e assina contrato<br />
<strong>para</strong> a venda <strong>de</strong> automóveis na China, Indonésia e Siam (atual Tailândia). A primeira filial no<br />
Brasil foi aberta em 1919, em São Paulo, on<strong>de</strong> eram montados os kits importados do mo<strong>de</strong>lo<br />
T e dos caminhões TT. 21<br />
Apesar <strong>de</strong> ter sido a primeira companhia a instalar uma unida<strong>de</strong> montadora no Brasil e <strong>de</strong> ser<br />
na época a lí<strong>de</strong>r nas vendas <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> passeio a Ford só construiu sua primeira fábrica no<br />
país em 1967, na cida<strong>de</strong> paulista <strong>de</strong> São Bernardo do Campo. O motivo <strong>de</strong>sse “atraso” foi<br />
<strong>de</strong>corrente das constantes quedas-<strong>de</strong>-braço entre a montadora e o governo brasileiro em<br />
relação ao cumprimento do índice <strong>de</strong> nacionalização exigido pelo GEIA. Entre 1958 e 1961, a<br />
companhia apresentou várias propostas, mas nenhuma <strong>de</strong>las atendia às <strong>de</strong>terminações<br />
impostas pelo governo JK. Além da recusa em cumprir o índice mínimo <strong>de</strong> nacionalização, a<br />
montadora insistia em apresentar propostas <strong>para</strong> a fabricação <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> porte médio,<br />
contrariando o GEIA, que naquele momento havia priorizado a aprovação <strong>de</strong> projetos que<br />
contemplassem a fabricação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los compactos. Vale <strong>de</strong>stacar nesse embate a posição<br />
firme do GEIA, ao não ce<strong>de</strong>r às pressões da montadora, principalmente quando houve a<br />
tentativa da Ford <strong>de</strong> conseguir, em 1960, permissão <strong>para</strong> importar 3,6 milhões <strong>de</strong> dólares em<br />
equipamentos, sem cobertura cambial, <strong>para</strong> iniciar a produção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> carro <strong>de</strong><br />
passeio no Brasil.<br />
Como estabelecido pelo <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1957 – que <strong>de</strong>finia as diretrizes <strong>para</strong><br />
a produção <strong>de</strong> carros – como pela Reforma Tarifária <strong>de</strong> 1957, todas as propostas <strong>para</strong> carros<br />
<strong>de</strong>veriam ser submetidas à apreciação até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1957. Os que se opunham à<br />
proposta da Ford argumentavam ser injusto <strong>para</strong> com as <strong>de</strong>mais firmas conce<strong>de</strong>r a<br />
21 Informações disponíveis em www.ford.com.br/sobre_ford.asp<br />
77
etardatárias como a Ford os mesmos benefícios <strong>para</strong> importação. Argumentavam também<br />
que permitir que a Ford importasse equipamento sem cobertura cambial implicaria em<br />
discriminação contra o capital nacional. A Ford planejava importar equipamento usado, o<br />
que não era normalmente permitido caso houvesse similares já produzidos no país. Estas<br />
importações prejudicariam o <strong>de</strong>senvolvimento da indústria metalúrgica nacional. Empresas<br />
domésticas não associadas ao capital estrangeiro não estavam autorizadas a importar este<br />
tipo <strong>de</strong> equipamento. Os opositores afirmavam que conce<strong>de</strong>r tais benefícios cambiais a<br />
firmas estrangeiras fizera sentido quando a indústria ainda ensaiava seus primeiros passos e<br />
quando o GEIA impunha critérios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentos às firmas (ou seja, exigência <strong>de</strong><br />
nacionalização dos componentes). A transição da indústria da fase <strong>de</strong> instalação <strong>para</strong> a da<br />
consolidação pedia novas regulamentações e a importação <strong>de</strong> equipamento por firmas<br />
estrangeiras <strong>de</strong>veria estar, <strong>de</strong> agora em diante, sujeita à cobertura cambial. (SHAPIRO,<br />
1997, p. 60).<br />
De acordo com Shapiro (1997), a companhia insistia em afirmar que não po<strong>de</strong>ria fazer seus<br />
investimentos sem a concessão dos incentivos financeiros e chegou até a fazer uso <strong>de</strong> pressões<br />
tanto internas, ao conquistar o apoio do sindipeças, como externas através <strong>de</strong> agências<br />
multilaterais. Destacamos que o GEIA, por sua vez, mesmo reconhecendo que a entrada da<br />
Ford no parque automobilístico brasileiro representaria um salto significativo em termos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento da ca<strong>de</strong>ia produtiva do setor e da geração <strong>de</strong> empregos, manteve-se<br />
incólume a essas pressões, numa clara <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que não abriria mão do cumprimento<br />
da legislação que regulamentava as questões referentes à política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do setor<br />
automotivo brasileiro.<br />
No entanto, com a chegada dos militares ao po<strong>de</strong>r, em 1964, a Ford finalmente teve acesso às<br />
vantagens <strong>de</strong> que necessitava <strong>para</strong> iniciar a produção <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> passeio no Brasil, em razão<br />
do posicionamento mais receptivo da ditadura ao capital estrangeiro. No entanto a recusa da<br />
Ford em cumprir as exigências do GEIA acabou ensejando um cenário favorável ao avanço da<br />
Volkswagen no mercado brasileiro, pois enquanto a montadora americana perdia tempo<br />
tentando convencer o governo brasileiro a aceitar as condições propostas por ela, a montadora<br />
alemã conquistava a li<strong>de</strong>rança no seguimento <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> passeio, com as vendas do fusca,<br />
chegando a atingir, em 1968, a marca <strong>de</strong> 80% do mercado. Shapiro (1997).<br />
Com a construção da planta <strong>de</strong> São Bernardo do Campo, em 1967, a Ford iniciou a produção<br />
do Galaxie, apostando em uma linha <strong>de</strong> carros mais sofisticados, a exemplo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los como<br />
Corcel (originalmente <strong>de</strong>senvolvido pela Willys Overland), Belina, Maveric, Del Rey, Escort<br />
e Verona, o que viria a se tornar uma tendência da montadora pelo menos até o final da<br />
década <strong>de</strong> 90. De acordo com Alban (2000), a maior dificulda<strong>de</strong> da Ford no Brasil foi sempre<br />
o produto oferecido ao mercado, uma vez que a empresa não tinha presença significativa no<br />
78
seguimento <strong>de</strong> carros pequenos, cujas vendas começaram a crescer a partir <strong>de</strong> 1990, quando<br />
representavam apenas 4,3% dos carros vendidos e atingem a li<strong>de</strong>rança em 1997 ao<br />
alcançarem 56,1% do mercado (Gráfico 1). Logo, o crescimento das vendas dos carros <strong>de</strong> mil<br />
cilindradas e a inexistência <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo com essas características por parte da Ford, fez<br />
com que, em 1990, a montadora per<strong>de</strong>sse a vice-li<strong>de</strong>rança nas vendas <strong>de</strong> veículos <strong>para</strong> a Fiat,<br />
que obteve gran<strong>de</strong> sucesso com o lançamento do Uno Mille.<br />
100,0%<br />
90,0%<br />
80,0%<br />
70,0%<br />
60,0%<br />
50,0%<br />
40,0%<br />
30,0%<br />
20,0%<br />
10,0%<br />
0,0%<br />
Fonte: Anfavea<br />
Gráfico 1<br />
Participação dos automóveis novos <strong>de</strong> 1000 cc no licenciamento<br />
<strong>de</strong> carros novos 1990/2007<br />
4.1 O fracasso da Autolatina<br />
1990<br />
1991<br />
1992<br />
1993<br />
1994<br />
1995<br />
1996<br />
1997<br />
1998<br />
1999<br />
2000<br />
2001<br />
2002<br />
2003<br />
2004<br />
2005<br />
2006<br />
2007<br />
1000 cc<br />
outros<br />
Os problemas da Ford não se resumiam apenas à perda <strong>de</strong> posição no mercado. Des<strong>de</strong> o início<br />
da década <strong>de</strong> 1980, a companhia vinha acumulando dívidas, em razão principalmente <strong>de</strong><br />
dificulda<strong>de</strong>s que tinham como origem a relação produtivida<strong>de</strong>/custos. Na tentativa <strong>de</strong> reverter<br />
esse quadro, a montadora iniciou um processo <strong>de</strong> reestruturação que incluiu o fechamento <strong>de</strong><br />
algumas fábricas, a <strong>de</strong>slocalização da produção, como a construção <strong>de</strong> uma planta no México<br />
e o estabelecimento <strong>de</strong> uma joint-venturi com a japonesa Mazda. Ferreira Júnior (1999). Na<br />
América do Sul, a maior aposta da Ford foi a parceria firmada com a Volkswagen <strong>para</strong> a<br />
criação da Autolatina, uma holding formada com 51% <strong>de</strong> participação da montadora alemã e<br />
49%, da Ford e que controlaria a operação das plantas das montadoras no Brasil e na<br />
Argentina. De acordo com Salerno (1995), os principais objetivos <strong>de</strong>ssa parceria eram<br />
aumentar a eficiência das instalações <strong>de</strong> produção e recursos evitando a duplicação <strong>de</strong><br />
79
serviços e reduzindo a capacida<strong>de</strong> ociosa; introduzir novas tecnologias e melhorar a qualida<strong>de</strong><br />
<strong>para</strong> aumentar a competitivida<strong>de</strong> das duas montadoras tanto no mercado interno como no<br />
externo. Dessa forma, as plantas das montadoras passaram a operar <strong>de</strong> forma articulada,<br />
potencializando o que cada uma tinha <strong>de</strong> melhor; a Ford, por exemplo, ficou responsável pela<br />
fabricação dos mo<strong>de</strong>los Logus e Pointer, enquanto a Volks produzia o Versailles e o Royale.<br />
Antes do acordo, a Ford respondia por uma fatia <strong>de</strong> 21% das vendas <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> passeio no<br />
Brasil, enquanto a Volkswagen respondia por 34%; juntas, as duas passaram a dominar 60%<br />
do mercado brasileiro e 30% do argentino. Porém, algumas divergências entre as duas<br />
montadoras, a exemplo do veto ao plano da Ford <strong>de</strong> lançar um carro popular <strong>para</strong> concorrer<br />
com o Uno Mille; as mudanças ocorridas no mercado automobilístico brasileiro provocadas<br />
pela liberação das importações e o constante crescimento das vendas <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> 1000<br />
cilindradas, segmento em que a holding era <strong>de</strong>ficiente, colocaram um fim à parceria em 1995.<br />
Nesse momento, a participação da Ford no mercado brasileiro <strong>de</strong> veículos em geral caiu <strong>de</strong> 21<br />
<strong>para</strong> 11,7%, chegando a atingir a 7,41% no ano 2000 (Tabela 3).<br />
Tabela 3<br />
Participação nos emplacamentos <strong>de</strong> veículos <strong>de</strong> passeio, por marca, <strong>de</strong> 2000 até 2007.<br />
Montadoras 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007<br />
FIAT 28,30% 29,70% 26,89% 26,20% 24,21% 25,19% 26,06% 26,48%<br />
VOLKS 29,54% 28,31% 26,33% 22,78% 23,43% 23,62% 23,88% 24,77%<br />
GM 24,61% 23,88% 25,15% 26,50% 25,84% 24,07% 24,02% 22,50%<br />
FORD 7,41% 6,70% 9,15% 9,73% 9,06% 9,78% 9,08% 8,86%<br />
RENAULT 2,84% 3,79% 3,76% 3,79% 3,99% 3,20% 3,08% 3,54%<br />
PEUGEOT 1,79% 2,48% 3,76% 3,31% 3,27% 3,79% 3,81% 3,84%<br />
TOYOTA 1,15% 1,01% 1,50% 3,19% 3,37% 3,21% 2,85% 2,21%<br />
CITROEN 0,76% 0,53% 0,43% 0,56% 1,62% 1,94% 2,18% 2,44%<br />
OUTRAS 3,60% 3,60% 3,03% 3,94% 5,21% 5,20% 5,04% 5,36%<br />
Fonte: Fenabrave<br />
Entretanto, analisando a tabela 3 observa-se que a partir <strong>de</strong> 2002, quando a operação da planta<br />
<strong>de</strong> Camaçari <strong>completo</strong>u um ano, a Ford iniciou um processo <strong>de</strong> recuperação nas vendas <strong>de</strong><br />
carros <strong>de</strong> passeio.<br />
4.2 O peso dos incentivos fiscais na <strong>de</strong>cisão da montadora em se instalar na Bahia<br />
O lançamento do Novo Regime Automotivo, em 1995, finalmente criou as condições<br />
necessárias <strong>para</strong> a Ford aplicar seu plano <strong>de</strong> reestruturação, cujas principais metas eram entrar<br />
<strong>de</strong> forma bastante competitiva no mercado <strong>de</strong> carros populares no Brasil e também aumentar<br />
80
significativamente a exportação <strong>de</strong> veículos <strong>para</strong> o Mercosul, que naquele momento parecia<br />
ser um mercado bastante promissor. Assim, a companhia firmou os acordos necessários com<br />
o estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>para</strong> a instalação <strong>de</strong> um fábrica na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Guaíba. No<br />
entanto, em razão dos <strong>de</strong>sentendimentos ocorridos entre a montadora e o governo recém-<br />
eleito do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, cujos <strong>de</strong>talhes já foram discutidos neste trabalho, a Ford <strong>de</strong>cidiu<br />
instalar a sua nova fábrica na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Camaçari, na Bahia.<br />
Após o anúncio da montadora <strong>de</strong> instalar uma fábrica na Bahia, as discussões e análises sobre<br />
a <strong>de</strong>cisão da Ford concentraram-se principalmente nos aspectos relacionados aos incentivos<br />
fiscais e às obras <strong>de</strong> infra-estrutura que seriam concedidos pelo governo baiano. Na opinião <strong>de</strong><br />
Alban (2000), se o pacote <strong>de</strong> incentivos fiscais fosse realmente o fator imprescindível <strong>para</strong> a<br />
viabilida<strong>de</strong> do empreendimento, a Ford certamente teria optado por instalar a fábrica no<br />
estado do Paraná ou em Santa Catarina, que também se interessaram em recebê-la, lançando<br />
mão, inclusive, da concessão <strong>de</strong> incentivos fiscais. Ainda segundo o autor, a instalação da<br />
fábrica na Bahia teria sido motivada predominantemente por questões estratégicas da<br />
companhia, e não apenas pelo acesso aos incentivos fiscais e às obras <strong>de</strong> infra-estrutura<br />
prometidas pelo governo baiano, embora não se possa <strong>de</strong>scartar a importância <strong>de</strong>sses fatores.<br />
Logo, <strong>para</strong> Alban (2000) e U<strong>de</strong>rman (2004), as mudanças ocorridas na política econômica<br />
brasileira, mais precisamente a liberação e conseqüente <strong>de</strong>svalorização do câmbio, após as<br />
crises asiática e russa, em 1997 e 1998, respectivamente, e o efeito <strong>de</strong>ssa medida no Mercosul,<br />
tornaram a instalação da fábrica no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul um projeto bastante arriscado. Logo, a<br />
opção pelo Nor<strong>de</strong>ste explicar-se-ia também em razão da maior proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa região dos<br />
mercados da Europa, Estados Unidos e México <strong>para</strong> on<strong>de</strong> uma parte da produção <strong>de</strong> Camaçari<br />
po<strong>de</strong>ria ser exportada. Entretanto, analisando o <strong>de</strong>stino das exportações da fábrica <strong>de</strong><br />
Camaçari é possível observar que, com exceção do México, o restante da produção é<br />
<strong>de</strong>stinada a países localizados na América do Sul, como Argentina, Chile e Venezuela, não se<br />
confirmando, portanto, as previsões que incluíam os países da Europa e os Estados Unidos<br />
entre os prováveis <strong>de</strong>stinos das exportações, fato que <strong>de</strong>sbanca a tese da “<strong>de</strong>cisão estratégica”<br />
como principal fator <strong>para</strong> a instalação da planta na Bahia e reforça o peso que a concessão dos<br />
incentivos fiscais por parte do governo baiano tiveram na <strong>de</strong>cisão da montadora.<br />
81
A mudança na localização do empreendimento acarretou também a alteração no projeto<br />
original da planta, (Tabela 4) que passou a ser projetada <strong>para</strong> produzir 100 mil veículos a mais<br />
por ano.<br />
Tabela 4<br />
Projeto das plantas no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e na Bahia<br />
Projeto Ford no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul Projeto Ford na Bahia<br />
Investimento em R$ 1 bilhão 1.9 bilhão<br />
Capacida<strong>de</strong> 150 mil carros 250 mil carros<br />
Empregos diretos 1500 5000<br />
Fonte: U<strong>de</strong>rman e Cavalcante (2005)<br />
4.3 A Ford em Camaçari: expectativas, trabalho e lucros<br />
Em 1999, finalmente, foram iniciadas as obras <strong>para</strong> a construção daquela que viria a ser a<br />
planta mais mo<strong>de</strong>rna da Ford no mundo. A fábrica (foto/imagem 1) foi erguida em um terreno<br />
<strong>de</strong> 4,7 milhões <strong>de</strong> m 2, sendo 1,6 milhões <strong>de</strong> m² <strong>de</strong> área construída. 22 O município <strong>de</strong><br />
Camaçari, que abriga uma população <strong>de</strong> 220 mil habitantes, localizado há 45 km <strong>de</strong> Salvador,<br />
recebia, então, mais um empreendimento industrial <strong>de</strong> vulto, 25 anos após a construção do<br />
Pólo Petroquímico. Em 12 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001, a planta começou a operar, inicialmente<br />
produzindo a picape Courrier e, meses <strong>de</strong>pois, o novo mo<strong>de</strong>lo do Ford Fiesta – nos mo<strong>de</strong>los<br />
hatch e sedan – e o Ecosport. O processo <strong>de</strong> contratação dos funcionários, principalmente os<br />
ligados à produção dos automóveis, foi sendo feito <strong>de</strong> forma gradativa, <strong>de</strong> acordo com a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aumento da produção. Em agosto <strong>de</strong> 2004, a fábrica passou a operar em três<br />
turnos e, em razão disso, 2100 novos funcionários foram contratados e se juntaram aos cerca<br />
<strong>de</strong> 5700 que já trabalhavam no complexo, formando assim um contingente <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> oito<br />
mil funcionários entre contratados diretos e terceirizados trabalhando diretamente na<br />
produção dos veículos, sendo cerca <strong>de</strong> 3700 contratados da Ford e os <strong>de</strong>mais contratados<br />
pelas empresas sistemistas.<br />
22 A planta foi construída no terreno que estava <strong>de</strong>stinado à Ásia Motors.<br />
82
Foto/imagem 1<br />
Vista aérea do CIFN<br />
Fonte: http://www.fotosford.com.br/Fotos/Fabricas<br />
A planta opera vinte e quatro horas por dia, em três grupos, que trabalham 40 horas por<br />
semana. Todos os operadores automotivos, tanto da Ford como das sistemistas receberam 900<br />
horas <strong>de</strong> treinamento, ministradas pelo SENAI e a gran<strong>de</strong> maioria é composta <strong>de</strong> jovens que<br />
estão no primeiro emprego. Todos esses trabalhadores compartilham a mesma estrutura no<br />
que se refere a refeitórios, transporte, serviço médico, serviço bancário, etc. A representação<br />
sindical está a cargo do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, que em 2007 <strong>de</strong>ixou a CUT e<br />
filiou-se à Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB).<br />
Para o governo do estado, a Ford representava <strong>de</strong>finitivamente a inserção da Bahia no<br />
segmento dos bens finais, visto que, até então, a industrialização do estado estava<br />
predominantemente alicerçada “na produção <strong>de</strong> bens intermediários/petroquímicos, cujos<br />
efeitos dinamizadores se dão, em boa medida, fora da região” Almeida Franco (2008). Além<br />
disso, a autora mostra que a instalação da montadora em terras baianas representava a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> corrigir alguns <strong>de</strong>sajustes relacionados à dinâmica do mercado <strong>de</strong> trabalho<br />
naquela região e ao próprio mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> industrialização baiano.<br />
Na Região Metropolitana <strong>de</strong> Salvador (RMS), as elevadas e ascen<strong>de</strong>ntes taxas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>semprego mais do que justificavam o entusiasmo, mas este se assentava em<br />
objetivos mais ambiciosos, como um melhor equacionamento entre crescimento<br />
econômico e progresso social, mediante a alteração daquele padrão <strong>de</strong> urbanização<br />
herdado do ciclo petroquímico, marcado por um mercado <strong>de</strong> trabalho segmentado e<br />
precário, associado a forte segregação socioespacial. Assim, além das funções <strong>de</strong><br />
quebra do mo<strong>de</strong>lo mono setorial da industrialização baiana e <strong>de</strong> geração <strong>de</strong><br />
empregos diretos e indiretos, caberia a Ford o até então inédito papel, <strong>de</strong>terminado<br />
por negociações com os governos estadual e municipais envolvidos, <strong>de</strong> contribuir<br />
<strong>para</strong> alterar o padrão <strong>de</strong> segregação espacial da região, ao estabelecer, como critério<br />
<strong>de</strong> contratação <strong>de</strong> trabalhadores operacionais, a moradia nos municípios da periferia<br />
metropolitana. (ALMEIDA FRANCO, 2008, p. 16).<br />
83
O processo <strong>de</strong> segregação socioespacial ocorrido nos municípios <strong>de</strong> Camaçari e Dias D´Ávila<br />
teve sua origem na própria construção do Pólo Petroquímico, na década <strong>de</strong> 1970, quando as<br />
cida<strong>de</strong>s passaram a abrigar os trabalhadores vindos <strong>de</strong> várias cida<strong>de</strong>s baianas e até <strong>de</strong> outros<br />
estados, principalmente do Nor<strong>de</strong>ste. Esses trabalhadores inicialmente atuavam em setores<br />
como construção civil e montagem industrial e, após o término da construção das fábricas<br />
continuaram inseridos nesses setores ou em empresas prestadores <strong>de</strong> serviços nas áreas <strong>de</strong><br />
manutenção, limpeza, vigilância e alimentação. Por outro lado, os trabalhadores contratados<br />
diretos das gran<strong>de</strong>s empresas petroquímicas, a maioria com formação técnica <strong>de</strong> nível médio<br />
ou superior, em razão da melhor remuneração que recebiam e <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> vida já<br />
habituado ao ambiente sociocultural da capital, <strong>de</strong>cidiram continuar morando em Salvador.<br />
Some-se a isso, a ausência, nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Camaçari e <strong>de</strong> Dias D´Ávila , <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento urbano que contemplasse o acesso a uma estrutura mínima em termos <strong>de</strong><br />
educação, saú<strong>de</strong> e cultura, como a construção <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong>s, escolas técnicas, clínicas e<br />
hospitais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, além <strong>de</strong> teatros, cinemas e centros <strong>de</strong> compras. Dessa forma, sem<br />
oferecer esses atrativos, essas cida<strong>de</strong>s não conseguiram fazer com que os trabalhadores mais<br />
bem remunerados do Pólo Petroquímico fixassem residência no município.<br />
Assim, diferentemente <strong>de</strong> Salvador, o urbano periférico não se constituiu como<br />
espaço <strong>de</strong> consumo das camadas <strong>de</strong> rendas média e alta, inclusive daquelas inseridas<br />
no processo do Pólo Petroquímico que, como visto, na sua totalida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>m na<br />
capital. Estas camadas estruturam o outro urbano alimentado pela industrialização<br />
petroquímica, que ocorre fora <strong>de</strong> Camaçari e da periferia metropolitana e dá corpo<br />
ao complexo urbano que é Salvador. Nesse sentido, a capital não seria apenas<br />
“dormitório” <strong>para</strong> estes trabalhadores melhor qualificados e remunerados. É o seu<br />
mundo social, cultural e político e Camaçari, a apenas 41 km, o seu local <strong>de</strong><br />
trabalho, que se consolida como ambiente urbano <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> não atrativa <strong>para</strong><br />
habitantes com padrões <strong>de</strong> renda mais elevados. Entretanto, este urbano abastado<br />
está também fora do município da capital, sobretudo na orla metropolitana – a do<br />
próprio município <strong>de</strong> Camaçari, além <strong>de</strong> Lauro <strong>de</strong> Freitas –, ocupada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos<br />
1970, por loteamentos e condomínios <strong>de</strong> média e alta renda e, agora, segundo a mais<br />
recente tendência, por investimentos turísticos sofisticados (ALMEIDA FRANCO,<br />
2008, p. 98).<br />
Não apenas o governo e os planejadores baianos nutriam boas expectativas em relação à<br />
instalação da montadora na Bahia, uma vez que as mobilizações e pressões <strong>para</strong> que o acordo<br />
se concretizasse não se restringiram à bancada <strong>de</strong>sse estado no Congresso Nacional, visto que<br />
o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> abrigar a montadora conseguiu colocar do mesmo lado, pelo menos pontualmente,<br />
forças que até então ocupavam posições antagônicas no cenário político baiano, como o PFL e<br />
o Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, politicamente ligado ao PC do B. Em julho <strong>de</strong> 99, por<br />
84
exemplo, quando as negociações <strong>para</strong> a instalação da planta em Camaçari ainda estavam em<br />
andamento, o sindicato publicou no boletim O metalúrgico uma carta que, embora con<strong>de</strong>nasse<br />
a guerra fiscal, <strong>de</strong>ixava bem clara a posição da entida<strong>de</strong> em relação à vinda da montadora <strong>para</strong><br />
a Bahia.<br />
A imprensa tem repercutido intensamente as articulações com vistas a trazer a Ford<br />
<strong>para</strong> a Bahia o novo projeto automotivo da Ford. Em particular, a prorrogação do<br />
prazo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são ao Regime Automotivo Especial tem sido alvo <strong>de</strong> fortes críticas.<br />
O sindicato dos Metalúrgicos da Bahia tem clara posição contrária à guerra fiscal<br />
que se <strong>de</strong>senvolve no país. Temos convicção que nesta guerra os gran<strong>de</strong>s vencedores<br />
são as empresas multinacionais que se beneficiam <strong>de</strong> todo tipo <strong>de</strong> isenções fiscais.<br />
A disputa, entretanto, existe a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> nosso posicionamento. Aliás, o<br />
surgimento do Regime Automotivo <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> uma reação brasileira à política<br />
argentina <strong>de</strong> atração <strong>de</strong> investimentos externos.<br />
Aproveitando-se <strong>de</strong>sta prática <strong>para</strong> o setor automotivo, já se instalaram ou estão em<br />
fase <strong>de</strong> instalação no Centro-Sul do país, fábricas da General Motors, Renault,<br />
Peugeot, Merce<strong>de</strong>s, Chrysler, Volks, Audi, entre outras. Todas elas se beneficiaram<br />
<strong>de</strong> estupendas isenções fiscais fe<strong>de</strong>rais, estaduais e municipais – bilhões <strong>de</strong> dólares.<br />
No período normal <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são ao Regime Especial, 25 empresas se inscreveram<br />
estimuladas pelas reduções tributárias fe<strong>de</strong>rais <strong>para</strong> as regiões Norte, Nor<strong>de</strong>ste e<br />
Centro-Oeste. No entanto, apenas um empreendimento se concretizou: uma pequena<br />
fábrica da Mitsubishi em Goiás. Portanto, somente a região Centro-Sul se beneficiou<br />
das enormes vantagens concedidas pela União.<br />
Agora, quando surge a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong> uma mega indústria na<br />
Bahia, que po<strong>de</strong>rá gerar empregos e renda que tanto necessitamos <strong>para</strong> romper com<br />
o atraso econômico, surgem vozes a reclamar que o Nor<strong>de</strong>ste está sendo<br />
privilegiado.<br />
Temos certeza que a eliminação das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s regionais no Brasil po<strong>de</strong>rá ser<br />
alcançada com o esforço <strong>de</strong> gerações, mas nunca se transformará em realida<strong>de</strong> se<br />
não a colocarmos como uma tarefa do presente. (Boletim O Metalúrgico, 13/07/99).<br />
Se <strong>aqui</strong> na Bahia, o movimento sindical se mobilizava ao lado do governo <strong>para</strong> garantir a<br />
instalação da montadora no estado, em São Paulo, a CUT e a Força Sindical, preocupadas<br />
com a migração <strong>de</strong> montadoras <strong>para</strong> outros estados e, em reação à guerra fiscal, propuseram a<br />
criação <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong> trabalho em escala nacional <strong>para</strong> a indústria automobilística, que<br />
estipulasse um piso salarial único <strong>para</strong> todo o setor no país (Cardoso, 2003). O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong><br />
um representante das Comissões <strong>de</strong> Fábrica do ABC a Véras (2005) é bastante elucidativo:<br />
O que convenceu as pessoas <strong>de</strong> que <strong>de</strong> fato era preciso fazer um luta nacional em<br />
torno disso [do contrato coletivo nacional] foi o episódio da Ford Ipiranga. Por quê?<br />
Porque a Ford Ipiranga estava fechando...e se trata <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> importante, que<br />
tem todo um histórico, que tem comissão <strong>de</strong> fábrica...A Ford estava fechando a<br />
unida<strong>de</strong> do Ipiranga, ao mesmo tempo que o governo praticamente estava dando<br />
uma unida<strong>de</strong> <strong>para</strong> eles na Bahia. Então, só tem sentido o governo financiar a<br />
construção <strong>de</strong> uma fábrica se as <strong>de</strong>mais unida<strong>de</strong>s que ela tem no país estão<br />
trabalhando na capacida<strong>de</strong> total (...) Criou-se uma comoção nacional, <strong>aqui</strong>lo ali, o<br />
fechamento da fábrica no Ipiranga, os incentivos que <strong>de</strong>ram na<br />
Bahia...escandalosos...Então colocou a discussão na socieda<strong>de</strong> e nós achamos que,<br />
se a gente quisesse lutar por um contrato coletivo o momento era aquele (...) A gente<br />
chamou a FS (A Ford Ipiranga é na base <strong>de</strong>les), eles estava sentindo o tranco <strong>de</strong><br />
85
per<strong>de</strong>r a fábrica, aí eles se incorporaram a esse movimento também. (Representante<br />
das CF do ABC na CNM).<br />
No que se refere à relação entre a montadora e o sindicato baiano, malgrado as reuniões feitas<br />
ainda na fase <strong>de</strong> construção da planta entre a gerência <strong>de</strong> recursos humanos da companhia e o<br />
sindicato cutista, quando as plantas entraram em operação em 2001 a representação sindical<br />
dos trabalhadores do Complexo Ford por pouco não ficou a cargo <strong>de</strong> um sindicato criado às<br />
pressas pela Força Sindical, que até então não possuía nenhum histórico <strong>de</strong> atuação junto aos<br />
metalúrgicos baianos. O direito <strong>de</strong> representar a categoria <strong>de</strong>u início a uma batalha judicial<br />
entre as duas entida<strong>de</strong>s sindicais e, em razão da comprovação <strong>de</strong> irregularida<strong>de</strong>s na criação do<br />
sindicato ligado à Força Sindical, a exemplo da realização <strong>de</strong> assembléias com trabalhadores<br />
rurais e donas <strong>de</strong> casa, ao invés <strong>de</strong> metalúrgicos, o que <strong>de</strong>notava a falta <strong>de</strong> apoio dos<br />
trabalhadores da montadora, o Ministério do Trabalho acabou dando ganho <strong>de</strong> causa ao<br />
sindicato cutista. O presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sse sindicato, ao relembrar esse momento, afirmou que:<br />
Foi um parto muito gran<strong>de</strong> <strong>para</strong> que a gente garantisse a representação dos<br />
trabalhadores <strong>aqui</strong> e isso se <strong>de</strong>ve muito, inclusive, à participação dos trabalhadores<br />
em comprar essa briga. No primeiro contato mais direto que nós tivemos com a<br />
Ford, nós fomos recebidos pela polícia, o que nos levou ao Ministério da Justiça. No<br />
próprio governo do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique, nós tivemos que ir ao Ministro<br />
<strong>de</strong>nunciar a situação que estava tendo na Bahia. A situação ficou tão...eu diria assim,<br />
<strong>de</strong>srespeitosa com o movimento sindical baiano, que o policiamento naquela época<br />
começou a fazer triagem dos carros do sindicato, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ser metalúrgico ou<br />
petroquímico. Eles <strong>para</strong>vam o carro, olhavam o boletim e censuravam se a gente<br />
podia distribuir o boletim ou não. Foi esse (o) nível <strong>de</strong> situação com a vinda da Ford<br />
<strong>para</strong> cá. Mas a gente peitou, fomos <strong>para</strong> cima, tanto na mobilização dos<br />
trabalhadores, mas também buscamos os órgãos públicos... (NASCIMENTO<br />
FILHO, 2006) 23 .<br />
Para dificultar novas investidas da Força Sindical, em 2001, foram criados pelo Sindicato dos<br />
Metalúrgicos da Bahia sindicatos <strong>de</strong> base nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Camaçari, Can<strong>de</strong>ias, Simões Filho,<br />
Pojuca, Dias D´Ávila, Vitória da Conquista e Ilhéus 24 .<br />
Diante da realida<strong>de</strong> que se colocou, com a tentativa recorrente da Força Sindical <strong>de</strong><br />
se infiltrar na categoria <strong>para</strong> <strong>de</strong>rrubar a nossa Convenção Coletiva e as vitórias que<br />
conquistamos durante anos, não restou outra alternativa aos metalúrgicos da base <strong>de</strong><br />
Camaçari, que criar um sindicato na cida<strong>de</strong>.<br />
Em assembléia dia 6 <strong>de</strong> agosto, na porta da ABB, centenas <strong>de</strong> metalúrgicos<br />
aprovaram a fundação do Sindicato e indicaram uma diretoria <strong>para</strong> iniciar o processo<br />
<strong>de</strong> luta da entida<strong>de</strong>. A gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, entretanto, foi a <strong>de</strong> não permitir que falsos<br />
sindicalistas (todos remunerados por São Paulo) da Força Sindical se infiltrem na<br />
categoria, criando entida<strong>de</strong> sem legitimação das bases.<br />
23 Entrevista concedida à pesquisadora Ângela Franco, em 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006.<br />
24 A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Feira <strong>de</strong> Santana já contava com um sindicato <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988.<br />
86
Por isso, o novo sindicato, em Camaçari, surge como uma aliança política com o<br />
Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, tendo como exemplo a sua trajetória <strong>de</strong> luta e<br />
tomando como base as conquistas que a categoria já tem em todo o Estado.<br />
A assembléia do dia 6 com a fundação <strong>de</strong>ssa entida<strong>de</strong> foi um passo dos metalúrgicos<br />
<strong>de</strong> Camaçari <strong>para</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os seus direitos e impedir que os patrões se apo<strong>de</strong>rem <strong>de</strong><br />
sua organização. Até por que, a categoria não quer “a raposa tomando conta do<br />
galinheiro”. Pelo contrário, quer um Sindicato combativo, classista e com garra.<br />
(Boletim O Metalúrgico, 07/08/01).<br />
Porém, mesmo após a conquista do direito <strong>de</strong> representar os trabalhadores, os primeiros<br />
contatos entre o então sindicato cutista e a montadora se caracterizaram por episódios<br />
marcados pela recusa ao diálogo e até pela violência.<br />
Estão enganados os dirigentes da Ford e o carlismo ao pensarem que a violência vai<br />
intimidar os metalúrgicos. Os atos selvagens e covar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sexta-feira 12/04 pela<br />
manhã são motivos a mais <strong>para</strong> aumentar a unida<strong>de</strong> e o processo <strong>de</strong> mobilização<br />
<strong>para</strong> reivindicar salário justo e direitos sociais na montadora.<br />
O sindicato vem tentando há meses negociar com a empresa. Foram seguidos ofícios<br />
e contatos telefônicos, mas a Ford não negocia, plantada que está na política <strong>de</strong><br />
semi-escravidão e <strong>de</strong> discriminação que seus executivos elaboraram <strong>para</strong> aplicar<br />
<strong>aqui</strong> na Bahia.<br />
As bombas <strong>de</strong> gás, os socos, pontapés, os cassetetes e tudo mais <strong>de</strong>stilado pela PM<br />
brutalizada do carlismo são a outra face da política da Ford. Nada <strong>de</strong> conversa. Vai<br />
na violência mesmo.<br />
Na assembléia <strong>de</strong> sexta pela manhã, o sindicato iria transmitir as informações sobre<br />
o encontro <strong>de</strong> montadoras ocorrido em São Paulo, mas a Ford não aceita se quer<br />
isso. Para a empresa, basta aos trabalhadores a informação <strong>de</strong> mão única, <strong>de</strong>formada,<br />
parcial, que seus chefes e supervisores divulgam <strong>de</strong>ntro da fábrica (Boletim O<br />
Metalúrgico, 15/04/02).<br />
Se <strong>para</strong> governantes e sindicato a instalação <strong>de</strong> uma fábrica <strong>de</strong> automóveis na Bahia<br />
representaria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “romper com o atraso econômico” do estado, <strong>para</strong> a Ford, o<br />
novo empreendimento significaria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir os custos <strong>de</strong> produção e os<br />
gastos operacionais, através da divisão dos custos administrativos do complexo automotivo<br />
com as empresas fornecedoras <strong>de</strong> peças e sistemas que compõem os veículos, uma vez que:<br />
As companhias do complexo têm administração única. Divi<strong>de</strong>m o transporte, o<br />
centro médico e têm o mesmo piso salarial. O custo <strong>de</strong> segurança é rateado entre a<br />
Ford e os fornecedores. O resultado disso é uma economia <strong>para</strong> a montadora <strong>de</strong> pelo<br />
menos 50% dos custos <strong>de</strong> administração dos serviços (RAMIRO, 2002).<br />
Esta divisão dos custos <strong>de</strong> produção entre montadoras e fornecedores tem sido uma<br />
característica <strong>de</strong> alguns dos novos arranjos automotivos brasileiros, uma vez que as<br />
companhias procuram reduzir os investimentos em ativos fixos e manufaturas. De acordo com<br />
87
Sako (2006), na fábrica da GM, em Gravataí, os fornecedores são os proprietários do terreno,<br />
dos prédios, máquinas e equipamentos. Já no Complexo Ford, em Camaçari, a montadora é<br />
proprietária do terreno e dos prédios, mas os fornecedores são donos das máquinas e dos<br />
equipamentos. Na planta da Bahia, a Ford utiliza montagem modular seqüenciada, com<br />
elevado grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>sverticalização e integração, até então <strong>de</strong> utilização inédita pela montadora,<br />
on<strong>de</strong> fornecedores <strong>de</strong> peças e sistemas participam diretamente da montagem e da produção<br />
dos veículos, sendo que alguns <strong>de</strong>sses fornecedores estão instalados <strong>de</strong>ntro da própria linha <strong>de</strong><br />
montagem, “compartilhando das instalações e das responsabilida<strong>de</strong>s” 25 .<br />
Além da divisão <strong>de</strong> alguns custos do complexo automotivo com as empresas terceirizadas, a<br />
montadora criou um Comitê <strong>de</strong> Gestão <strong>de</strong> Recursos Humanos <strong>para</strong> garantir que as medidas<br />
em relação à gestão <strong>de</strong> pessoas fossem tomadas <strong>de</strong> forma consensual, <strong>de</strong> forma a evitar<br />
conflitos trabalhistas (Sako, ibid). Uma das medidas diz respeito à manutenção <strong>de</strong> uma<br />
política salarial uniforme, como mostra uma matéria no boletim O Metalúrgico.<br />
Está muito claro que o plano da Ford na Bahia, em relação aos trabalhadores, é <strong>de</strong><br />
pagar um baixíssimo salário e reduzir os custos em relação às suas outras unida<strong>de</strong>s<br />
no país. O Sindicato tem a informação que a montadora está pressionando as<br />
empresas sistemistas a também pagarem um salário baixo.<br />
Ou seja, a empresa quer até pagar um salário maior, mas a Ford não <strong>de</strong>ixa. São<br />
empresas que já praticam uma política salarial em outros locais, mas que estão sendo<br />
obrigadas a se enquadrar na proposta <strong>de</strong> salário baixo que a montadora americana<br />
(que recebeu R$ 1,9 bilhão <strong>para</strong> se instalar na Bahia) quer impor. (Boletim O<br />
Metalúrgico, 04/09/01).<br />
O <strong>de</strong>poimento do então gerente <strong>de</strong> recursos humanos da montadora, concedido a Sako (ibid),<br />
confirma a notícia veiculada no boletim do sindicato.<br />
É um <strong>de</strong>safio, mas após três anos, estamos alinhados com nossos parceiros <strong>para</strong><br />
fazer isso. Às vezes, um fornecedor quer fazer as coisas <strong>de</strong> forma diferente – por<br />
exemplo, pagar mais a seus empregados – mas nós confiamos no fornecedor <strong>para</strong><br />
seguir a regra comum a todos. (Gerente <strong>de</strong> Recursos Humanos, 2006).<br />
Todos esses fatores ligados ao funcionamento da planta <strong>de</strong> Camaçari foram <strong>de</strong>cisivos <strong>para</strong> que<br />
a companhia conseguisse reverter os resultados negativos dos últimos anos. Já no primeiro<br />
ano <strong>de</strong> operação, os resultados positivos proporcionados pelo novo empreendimento<br />
começaram a ser percebidos.<br />
25 Disponível em www.ford.com.br/sobre_ford.asp<br />
88
Em relação aos números do ano 2000, a Ford conseguiu, com a operação da planta <strong>de</strong><br />
Camaçari, aumentar em 136,6% a produção, 206,4% as exportações e em 114,4% as vendas<br />
no atacado <strong>para</strong> o mercado interno <strong>de</strong> carros <strong>de</strong> passeio, acompanhando o ritmo <strong>de</strong><br />
crescimento nas vendas <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> veículo nos últimos anos, mas com resultados muito<br />
superiores, em termos relativos, às outras três gran<strong>de</strong>s lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> mercado; Fiat, Volks e GM,<br />
cujas vendas no atacado cresceram, <strong>de</strong> acordo com a Anfavea, 65%, 24% e 44%,<br />
respectivamente, entre os anos <strong>de</strong> 2000 e 2007 (Tabela 5).<br />
Tabela 5<br />
Produção, vendas internas e exportação da Ford no Brasil, em unida<strong>de</strong>s, entre os anos<br />
<strong>de</strong> 2000 e 2007<br />
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007<br />
Produção 80.964 79.252 122.956 139.528 155.164 181.970 176.521 191.600<br />
Vendas 26 66.150 57.752 77.973 89.009 95.909 116.990 116.547 141.881<br />
Exportação 15.294 22.132 41.436 54.203 54.989 67.466 58.359 46.871<br />
Fonte: Anfavea<br />
26 Refere-se às vendas internas no atacado.<br />
Aos olhos dos dirigentes mundiais do grupo, trata-se <strong>de</strong> uma referência, seja pela<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus equipamentos, seja pelo conceito arrojado <strong>de</strong> produção. Na<br />
visão dos executivos brasileiros é isso tudo e mais um pouco. Para eles, o Complexo<br />
Industrial Camaçari, como é pomposamente chamado, transformou-se na fábrica que<br />
salvou a empresa no Brasil. Quando o primeiro veículo <strong>de</strong>ixou a linha <strong>de</strong> produção<br />
<strong>de</strong> Camaçari, a Ford começou a reverter um longo processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, que a<br />
mantinha permanentemente mergulhada em boatos sobre sua saída do país. “Para<br />
superar esse quadro, precisávamos <strong>de</strong> fábricas altamente produtivas, baixo custo e<br />
produtos novos”, afirma Antônio Maciel Neto, presi<strong>de</strong>nte da Ford <strong>para</strong> a América do<br />
Sul. “Camaçari nos trouxe esse tripé <strong>de</strong> sucesso. Atingimos em quatro anos a meta<br />
prevista <strong>para</strong> seis anos.”<br />
Hoje, mais <strong>de</strong> 60% das vendas da subsidiária brasileira saem <strong>de</strong> lá. À medida em<br />
que a fábrica ocupava rapidamente a sua capacida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>sempenho da empresa<br />
melhorava sem <strong>para</strong>r. Em 2001, o balanço da companhia na região encontrava-se<br />
tingido <strong>de</strong> vermelho. Naquele ano, <strong>para</strong> um faturamento <strong>de</strong> US$ 2,2 bilhões, a Ford<br />
per<strong>de</strong>u US$ 551 milhões. Nos primeiros nove meses <strong>de</strong> 2005, a situação é outra. O<br />
faturamento bateu em US$ 3 bilhões e o lucro acumulado somou US$ 261 milhões.<br />
São quase dois anos no azul, o que estancou uma sangria iniciada em 1987, quando<br />
a Ford se uniu no Brasil à Volkswagen e criou a Autolatina. Des<strong>de</strong> então, a<br />
participação da companhia minguou. Era mais <strong>de</strong> 20% no momento da fusão.<br />
Quando saiu <strong>de</strong>la, a Ford tinha cerca <strong>de</strong> 12%. O fundo do poço chegou em agosto <strong>de</strong><br />
2001, dois meses antes da inauguração da fábrica. A fatia da Ford nas vendas<br />
nacionais era <strong>de</strong> 6,6%. Este ano, entre janeiro e outubro, voltou aos 12,4%<br />
(CASTANHEIRA, 2005).<br />
89
Além das estratégias mostradas anteriormente, utilizadas pela montadora <strong>para</strong> reduzir custos,<br />
como o uso da terceirização na linha <strong>de</strong> montagem; o uso do banco <strong>de</strong> horas; a divisão <strong>de</strong><br />
alguns gastos administrativos do complexo com as empresas terceirizadas (sistemistas) e a<br />
operação da planta 24 horas por dia em turnos fixos, po<strong>de</strong>mos apontar também o pagamento<br />
<strong>de</strong> salários bem menores do que os praticados na planta paulista <strong>de</strong> São Bernardo do Campo e<br />
a jornada semanal <strong>de</strong> 44 horas como fatores <strong>de</strong>cisivos na estratégia da empresa <strong>para</strong> se<br />
posicionar <strong>de</strong> forma mais competitiva no mercado e atingir os resultados positivos dos<br />
últimos anos. Em 2001, por exemplo, enquanto o salário médio pago em São Paulo era <strong>de</strong> R$<br />
2.518,00, na planta da Bahia a remuneração média <strong>de</strong> um operador <strong>de</strong> linha <strong>de</strong> montagem era<br />
<strong>de</strong> R$ 500,00 e o piso salarial correspondia a R$ 455,00, o que representava um terço do que<br />
era pago como piso na fábrica do ABC. Em relação aos baixos salários pagos pela montadora<br />
na Bahia vale lembrar ainda um estudo do ano <strong>de</strong> 2006, feito pela Fe<strong>de</strong>ração dos<br />
Trabalhadores da Indústria Metalúrgica da Bahia (FETIM) juntamente com a Comissão <strong>de</strong><br />
Fábrica da Ford <strong>de</strong> São Bernardo do Campo, on<strong>de</strong> foi constatado que um operador <strong>de</strong><br />
produção, em Camaçari, que iniciava a carreira com um salário-base inicial <strong>de</strong> R$ 850,00<br />
possuía um teto máximo <strong>de</strong> R$ 960,00 após dois anos <strong>de</strong> trabalho, enquanto em São Bernardo<br />
do Campo o salário inicial <strong>para</strong> a mesma função era <strong>de</strong> R$ 1200,00 com teto máximo <strong>de</strong> R$<br />
2500,00, após cinco anos <strong>de</strong> trabalho. Por outro lado, uma pesquisa do DIEESE, em parceria<br />
com a Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Metalúrgicos (CNM) da CUT, realizada em 2007, revelou<br />
que o trabalhador paulista gastava, em média, R$ 1.431,00 com moradia e alimentação,<br />
enquanto que o baiano <strong>de</strong>sembolsava R$ 1.454,00. Logo, a justificativa, por parte da<br />
montadora, <strong>para</strong> o pagamento <strong>de</strong> um salário menor, que levaria em conta o mito <strong>de</strong> que o<br />
custo <strong>de</strong> vida na Bahia seria menor que o <strong>de</strong> São Paulo não tem sido plausível. De uma forma<br />
geral, o pagamento <strong>de</strong> salários bem menores que os praticados em São Paulo, tem sido uma<br />
característica dos novos arranjos automotivos brasileiros. Esse tipo <strong>de</strong> estratégia, utilizada<br />
pelas montadoras, além <strong>de</strong> propiciar uma redução significativa nos custos fixos, seja no<br />
pagamento <strong>de</strong> salários ou <strong>de</strong> horas-extras, acaba também minando o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha e<br />
pressão dos sindicatos, uma vez que a concepção <strong>de</strong> condomínio industrial que caracterizam<br />
esses arranjos automotivos lhes permite “<strong>de</strong>scontinuar o projeto e reiniciá-lo em qualquer<br />
outra parte do mundo, caso as condições locais não permaneçam favoráveis” (TEIXEIRA;<br />
VASCONCELOS, 1999 apud ALMEIDA FRANCO, 2008).<br />
Após a obtenção do direito <strong>de</strong> representação da categoria, o Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong><br />
Camaçari conquistou importantes vitórias na tensa relação com a montadora e suas<br />
90
sistemistas, principalmente em relação às chamadas “cláusulas econômicas”. A mais<br />
importante diz respeito às sucessivas diminuições na jornada semanal <strong>de</strong> trabalho que, após<br />
uma greve <strong>de</strong> cinco dias, em 2003 e várias outras <strong>para</strong>lisações na produção, nos anos<br />
seguintes, foi reduzida <strong>de</strong> 44 horas, em 2001, <strong>para</strong> 42 horas, em 2004; <strong>de</strong>pois <strong>para</strong> 40 horas e<br />
50 minutos, em 2006 e, finalmente, <strong>para</strong> 40 horas semanais em 2008. Outra conquista<br />
importante refere-se à diminuição da <strong>de</strong>fasagem salarial existente entre os trabalhadores do<br />
complexo automotivo <strong>de</strong> Camaçari e aqueles que atuam na planta <strong>de</strong> São Bernardo do Campo,<br />
on<strong>de</strong> o piso salarial é <strong>de</strong> R$ 1.250,00. Logo, se no início da operação da planta, em 2001, o<br />
piso salarial correspondia a 35% do que era pago em São Paulo, atualmente, esse valor<br />
correspon<strong>de</strong> a aproximadamente 73%, ou seja, R$ 915,00 (Tabela 6). Isso significa que ao<br />
passar dos anos, os metalúrgicos <strong>de</strong> Camaçari vêm conquistando reajustes salariais bem<br />
superiores aos índices inflacionários, em com<strong>para</strong>ção aos trabalhadores da planta instalada em<br />
São Paulo.<br />
Tabela 6<br />
Piso salarial das fábricas <strong>de</strong> automóveis instaladas fora do estado <strong>de</strong> São Paulo, no ano<br />
<strong>de</strong> 2008<br />
PISO SALARIAL LOCAL DE OPERAÇÃO<br />
MONTADORA<br />
Renault-Nissan 27 R$ 1.167,63 28 Paraná<br />
Ford 29 R$ 915,00 Bahia<br />
Peugeot 30 R$ 900,00 Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Fiat 31 R$ 741,40 Minas Gerais<br />
GM 32 R$ 600,00 Rio Gran<strong>de</strong> do Sul<br />
Fonte: Elaborado a partir <strong>de</strong> informações obtidas no DIEESE e nos sindicatos.<br />
Além <strong>de</strong>ssas conquistas, os trabalhadores conseguiram também reajustar o pagamento da<br />
Participação nos Lucros (PL) em 52%, o que representa o recebimento <strong>de</strong> aproximadamente<br />
70% do valor pago em São Paulo e a diminuição nos <strong>de</strong>scontos com alimentação e transporte<br />
<strong>de</strong> 8,2% <strong>para</strong> 2,0% do salário, o que também acarreta impacto positivo na remuneração final,<br />
conforme o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> um diretor do Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong> Camaçari.<br />
27 De acordo com informações do Sindicato dos Metalúrgicos da Gran<strong>de</strong> Curitiba.<br />
28 Piso salarial pago também pela Volkswagen-Audi e Volvo.<br />
29 De acordo com informações da Fe<strong>de</strong>ração dos Trabalhadores Metalúrgicos da Bahia.<br />
30 De acordo com informações do Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong> Volta Redonda.<br />
31 De acordo com informações do DIEESE – MG.<br />
32 De acordo com informações do Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong> Gravataí.<br />
91
Quando ela (se) implanta <strong>aqui</strong> na Bahia, ela implanta o pior salário, ela implanta o<br />
pior programa <strong>de</strong> resultados, e os benefícios sociais mais simples e mais universais<br />
que todo mundo pratica. Então a gente começa a nossa luta <strong>para</strong> mudar esse estado<br />
<strong>de</strong> coisas. É <strong>aqui</strong>lo que eu digo a você: a gente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a empresa <strong>para</strong> vir <strong>para</strong> cá,<br />
mas <strong>de</strong>pois tem que começar tudo do zero. A gente hoje ultrapassou o programa <strong>de</strong><br />
participação no resultado <strong>de</strong> empresas como Fiat, <strong>de</strong> empresas como GM, lá em<br />
Gravataí, <strong>de</strong> todas as outras empresas que não estão no ABC, menos a <strong>de</strong> São José<br />
dos Pinhais que ficou com a Volkswagen e que a gente se aproximou bastante.<br />
Conseguimos construir o melhor programa <strong>de</strong> participação na média do setor <strong>de</strong><br />
autopeças do país, diminuímos a diferença que era absurda e, hoje, recebemos 70%<br />
do que o trabalhador do ABC a nível <strong>de</strong> PL recebe. Lógico que nós não estamos<br />
satisfeitos com nada disso. Achávamos que as condições <strong>de</strong>veriam ser similares às<br />
que eram praticadas lá, até pelos resultados alcançados <strong>aqui</strong>, mas, eu só estou<br />
<strong>de</strong>monstrando que <strong>aqui</strong> está sendo travada uma luta e que os trabalhadores estão<br />
reagindo bem á disposição <strong>de</strong> partir <strong>para</strong> esse enfrentamento. Ou seja, cabe à gente<br />
mostrar <strong>aqui</strong> o seguinte: por que a Ford, quando ela chega, ela não chega já com<br />
uma condição <strong>de</strong> razoabilida<strong>de</strong> na sua participação? Por que ela precisa chegar num<br />
processo <strong>de</strong> exploração tão abrupto que leva exatamente você a pedir, tentar<br />
construir, extrair? (NASCIMENTO FILHO, 2006) 33 .<br />
A matéria publicada no boletim do sindicato, <strong>de</strong> 06/06/01, mostra os principais pontos da<br />
proposta <strong>de</strong> acordo coletivo apresentada pela montadora e a avaliação da entida<strong>de</strong> sindical:<br />
Proposta da Ford:<br />
Jornada <strong>de</strong> trabalho: A empresa propõe jornada <strong>de</strong> 44 horas <strong>para</strong> o administrativo, <strong>de</strong><br />
segunda a sexta e 44 horas <strong>para</strong> o regime <strong>de</strong> turno, <strong>de</strong> segunda a sábado, com três<br />
turnos fixos.<br />
Flexibilização da Jornada: A empresa propõe adotar jornada semanal mínima <strong>de</strong> 30<br />
horas e máxima <strong>de</strong> 54 horas, conforme volume da produção.<br />
Banco <strong>de</strong> Horas: A empresa propõe que as horas exce<strong>de</strong>ntes (horas-extras) da<br />
jornada semanal estabelecida sejam compensadas com folga.<br />
Banco <strong>de</strong> dias: A empresa propõe que as empresas do complexo Ford po<strong>de</strong>rão<br />
dispensar o trabalhador por até 20 dias por ano, suspen<strong>de</strong>ndo as operações. Os dias<br />
ou horas utilizados <strong>para</strong> compensar as liberações serão consi<strong>de</strong>rados como horas<br />
normais.<br />
Férias: A empresa propõe 20 dias <strong>de</strong> férias por ano, po<strong>de</strong>ndo ser divididas em dois<br />
períodos <strong>de</strong> 10 dias, ou três períodos (um <strong>de</strong> 10 dias e dois <strong>de</strong> cinco dias). As férias<br />
coincidirão com os festejos <strong>de</strong> final <strong>de</strong> ano, carnaval ou São João e os 10 outros dias<br />
<strong>de</strong> férias po<strong>de</strong>rão ser convertidos em abono pecuniário, conforme interesse da<br />
empresa.<br />
Outras cláusulas: intervalo <strong>para</strong> refeições; feriados; adicional <strong>de</strong> trabalho noturno;<br />
apontamento <strong>de</strong> horas; anotações na carteira profissional.<br />
Avaliação do sindicato.<br />
A Ford é a primeira empresa do setor metalúrgico baiano a apresentar um pacote tão<br />
ruim <strong>de</strong> propostas <strong>para</strong> acordo específico. Se forem aceitas todas as proposições, o<br />
trabalhador estará atrelando sua vida às necessida<strong>de</strong>s da montadora, sem qualquer<br />
perspectiva <strong>de</strong> planejamento pessoal. [...] O acordo proposto pela Ford regri<strong>de</strong> no<br />
33 Entrevista concedida à pesquisadora Ângela Franco, em 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006.<br />
92
tempo e tira o trabalhador do convívio social, do contato com a família e os amigos.<br />
Já está provado através <strong>de</strong> estudos profissionais da área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que o turno fixo<br />
reduz a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, aumenta a possibilida<strong>de</strong> do trabalhador chegar ao<br />
estresse, adquirir complicações cardíacas, envelhecimento precoce das células do<br />
corpo, distúrbios emocionais e alimentares, além <strong>de</strong> ser inconstitucional [...] Turno<br />
fixo nem pensar, é uma discriminação <strong>para</strong> quem trabalha pela noite, podíamos (sic)<br />
chamar inclusive os companheiros <strong>de</strong> “vagalumes”, além <strong>de</strong> muito <strong>de</strong>sgastante,<br />
prejudica a saú<strong>de</strong> do trabalhador. (Boletim O Metalúrgico, 06/06/01).<br />
Apesar <strong>de</strong> afirmar peremptoriamente que “turno fixo nem pensar” e enumerar, como mostrado<br />
acima, os transtornos causados pelo trabalho em tais condições, o sindicato não conseguiu<br />
levar a cabo a posição <strong>de</strong>fendida com ênfase no boletim da categoria. A aceitação da escala<br />
em turnos fixos po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como a primeira <strong>de</strong>rrota em relação às questões relativas<br />
à saú<strong>de</strong> do trabalhador no CIFN.<br />
Além das questões referentes à imposição <strong>de</strong> um contrato coletivo aquém das expectativas dos<br />
trabalhadores, a relação entre as empresas do complexo Ford e os metalúrgicos baianos<br />
também foi marcada – principalmente nos primeiros anos <strong>de</strong> operação do complexo<br />
automobilístico – por episódios <strong>de</strong> preconceito e discriminação.<br />
[...] E nós tínhamos consciência <strong>de</strong> que, primeiro a indústria vinha pra cá, e segundo,<br />
que a gente ia ter que reconstruir toda uma relação. E, o que é pior, e (que) em geral<br />
a experiência tem nos trazido <strong>aqui</strong>: todas as empresas que aportam <strong>aqui</strong>, elas têm<br />
uma relação preconceituosa contra os nor<strong>de</strong>stinos. Eles acham que po<strong>de</strong>riam vir <strong>aqui</strong><br />
explorar da forma que eles queriam; “eu estou pegando os jovens <strong>de</strong>sempregados,<br />
numa região <strong>de</strong> mais altos índices <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego”. Ou seja, seria, na ótica <strong>de</strong>les, um<br />
gran<strong>de</strong> favor dar emprego. Na ótica <strong>de</strong>les, na visão <strong>de</strong>les, só o emprego já é<br />
suficiente. Então a gente já sabia que ia ter que lutar contra essa contradição. Tanto é<br />
que, no início da Ford, não foram poucas as <strong>de</strong>núncias sobre o posicionamento<br />
preconceituoso que tiveram com os baianos, os nor<strong>de</strong>stinos. “Isso é coisa <strong>de</strong><br />
baiano”...quando tinha algum problema, algum erro que a gente não encaminhava da<br />
forma como eles queriam, os trabalhadores às vezes ouviam isso. A gente teve que<br />
partir pra cima pra tentar impor respeito. Hoje a condição já não é mais a mesma, é<br />
verda<strong>de</strong>, mas no início foi muito pior. (NASCIMENTO FILHO, 2006). 34<br />
Tomando como referência o que analisamos até <strong>aqui</strong>, concluímos que os elementos<br />
constituintes dos novos arranjos automotivos, cujas principais características são a instalação<br />
<strong>de</strong> plantas em regiões periféricas, com pouca tradição sindical, mão-<strong>de</strong>-obra qualificada e<br />
barata – os chamados greenfields – e a utilização da produção modular, com a participação <strong>de</strong><br />
fornecedores <strong>de</strong>dicados operando no mesmo local on<strong>de</strong> as montadoras instalam suas fábricas,<br />
com a obrigação <strong>de</strong> investir no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sistemas que compõem os veículos, a<br />
exemplo <strong>de</strong> freios, suspensão, etc. tiveram origem nas mudanças iniciadas a partir dos anos<br />
34 Entrevista concedida à pesquisadora Ângela Franco, em 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006.<br />
93
1980, em um con<strong>texto</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da microeletrônica; das novas técnicas <strong>de</strong> gestão<br />
da produção e <strong>de</strong> organização do trabalho característicos da produção enxuta, cuja principal<br />
referência são as montadoras japonesas. Logo, todos esses fatores ajudam a explicar o<br />
movimento <strong>de</strong> transferência ou construção <strong>de</strong> novas plantas automotivas em locais distantes<br />
dos centros tradicionais, a exemplo do que ocorreu com a instalação do CIFN em Camaçari.<br />
Alban (2000) mostra que esse movimento teve início na década <strong>de</strong> 1980, nos Estados Unidos<br />
e na Itália, quando as montadoras passaram a construir plantas longe <strong>de</strong> Detroit e Turim,<br />
respectivamente. A partir do final da década <strong>de</strong> 1990, como já foi analisado, a Argentina e<br />
<strong>de</strong>pois o Brasil, passaram a receber novas fábricas e montadoras, que foram atraídas tanto<br />
pelos incentivos fiscais oferecidos, principalmente no Brasil, como pelo mercador consumidor<br />
em expansão nesses países. Somem-se a esses fatores, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cortar custos <strong>de</strong><br />
produção, aumentar a produtivida<strong>de</strong> e testar inovações referentes a métodos <strong>de</strong> produção e<br />
projetos organizacionais UDERMAN, (2004). Dessa forma, po<strong>de</strong>mos concluir, a exemplo <strong>de</strong><br />
Alban (ibid) que há uma estreita relação entre os <strong>de</strong>slocamento regionais, a concessão <strong>de</strong><br />
incentivos fiscais e a produção enxuta.<br />
A questão dos incentivos fiscais – municipais e estaduais – <strong>de</strong>ve ser ressaltada por<br />
que ela, <strong>de</strong> fato, só ganha relevância com a produção enxuta. Na produção em<br />
massa, como dissemos, quase toda a indústria era levada a uma polarização<br />
concentrada, com a qual não havia muito como competir. As vantagens <strong>de</strong> se<br />
localizar no pólo eram tão gran<strong>de</strong>s que praticamente inviabilizavam os incentivos<br />
com vistas à relocalização. De outro lado havia um grave problema <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação,<br />
já que as empresas não operavam <strong>de</strong> maneira integrada. Ou seja, não bastava ter a<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relocalizar a montadora ou as fábricas <strong>de</strong> autopeças, era preciso<br />
relocalizar todo o sistema ao mesmo tempo, o que era quase impossível.<br />
Todas essas dificulda<strong>de</strong>s, é claro, <strong>de</strong>saparecem na produção enxuta. Sendo um<br />
sistema que se estrutura em re<strong>de</strong>, e sob o comando da montadora, ele ten<strong>de</strong> a se<br />
<strong>de</strong>slocar conjuntamente. Nesse sentido, ele não precisa se localizar junto aos pólos<br />
tradicionais. No limite, ele po<strong>de</strong> se localizar em quase qualquer região que tenha<br />
uma mínima infra-estrutura básica, já que ele é o seu próprio pólo. Se isso acontece,<br />
as montadoras assumem um enorme po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> barganha, estabelecendo um<br />
verda<strong>de</strong>iro leilão <strong>de</strong> incentivos fiscais entre as diversas regiões interessadas. Foi<br />
exatamente isso o que as montadoras japonesas fizeram ao entrar no mercado<br />
americano, sendo copiadas pelas européias e, também, pelas próprias americanas na<br />
medida em que estas se adaptaram à produção enxuta (ALBAN et al, 2000, p. 14).<br />
Os <strong>de</strong>slocamentos <strong>de</strong> plantas automotivas nos mol<strong>de</strong>s característicos da produção enxuta<br />
atingiram também os países do leste europeu. A exemplo do que ocorreu no Brasil, fatores<br />
como o potencial do mercado consumidor, a concessão <strong>de</strong> incentivos fiscais e o investimento<br />
em infra-estrutura fizeram montadoras como Ford, Volks, Fiat, General Motors/Opel e Fiat<br />
investirem mais <strong>de</strong> 24 bilhões <strong>de</strong> dólares <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1995, na ampliação ou construção <strong>de</strong> novas<br />
plantas. Além <strong>de</strong>sses fatores, a proximida<strong>de</strong> dos países da Europa oci<strong>de</strong>ntal e os baixíssimos<br />
94
custos trabalhistas (Gráfico 2) foram <strong>de</strong>terminantes <strong>para</strong> o aumento significativo <strong>de</strong>sses<br />
investimentos nos últimos anos.<br />
30<br />
25<br />
20<br />
15<br />
10<br />
5<br />
0<br />
27,6<br />
20,7 20<br />
Gráfico 2<br />
Valor da hora <strong>de</strong> trabalho, em euros, nos principais países da europa e no<br />
leste europeu.<br />
17<br />
2,7 2 2 1,4<br />
Alemanha França Inglaterra Itália Polônia Hungria Rep. Checa Lituânia<br />
Fonte: Revista Exame<br />
Para a indústria automobilística da Europa, os países da velha cortina <strong>de</strong> ferro estão<br />
se transformando em um <strong>para</strong>íso. A mão-<strong>de</strong>-obra qualificada é barata e flexível. As<br />
fábricas po<strong>de</strong>m funcionar em turnos normais, 24 horas por dia, sete dias por semana,<br />
sem o pagamento <strong>de</strong> horas extras caras. E os governos competem <strong>para</strong> oferecer as<br />
condições mais atraentes <strong>para</strong> os investidores. Uma estatística eloqüente: os<br />
franceses e alemães trabalham 1.440 horas por ano, em com<strong>para</strong>ção a 2.000 horas na<br />
Eslováquia, República Checa e Polônia [...] Todos estes são mercados on<strong>de</strong> as<br />
vendas <strong>de</strong> automóveis estão crescendo. O objetivo da criação <strong>de</strong>sses complexos,<br />
porém, é criar unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> baixos custos que possam ven<strong>de</strong>r<br />
automóveis <strong>para</strong> a Europa oci<strong>de</strong>ntal, on<strong>de</strong> os consumidores compram 14,5 milhões<br />
<strong>de</strong> automóveis por ano, em com<strong>para</strong>ção a 1 milhão na Europa central e leste europeu<br />
[...] A República Checa e a Eslováquia são o centro da Detroit do Leste. Até o fim<br />
<strong>de</strong> 2006, os dois países estarão produzindo 2 milhões <strong>de</strong> carros por ano, com<strong>para</strong>dos<br />
a apenas 170 mil em 1990. A Eslováquia, com população <strong>de</strong> 5,4 milhões <strong>de</strong><br />
habitantes, vai produzir quase meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse total, ou um automóvel <strong>para</strong> cada seis<br />
habitantes. Após per<strong>de</strong>r a primeira onda <strong>de</strong> investimentos, nos anos 90, o país<br />
ofereceu condições atraentes <strong>para</strong> os investidores, incluindo impostos reduzidos e a<br />
promessa <strong>de</strong> melhorar estradas. A oferta <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra capacitada também ajudou<br />
[...] E mais, a ascensão da Detroit do Leste está dando um trunfo po<strong>de</strong>roso às<br />
montadoras em suas negociações com os sindicatos da Europa oci<strong>de</strong>ntal. Não é<br />
segredo <strong>para</strong> os funcionários alemães da General Motors que a fábrica <strong>de</strong> Gliwice,<br />
na Polônia, po<strong>de</strong> produzir os mesmos veículos a um custo unitário inferior <strong>de</strong> US$<br />
600 a US$ 700. Preocupados com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a administração transferir a<br />
produção da nova minivam Zafira <strong>para</strong> a Polônia, lí<strong>de</strong>res trabalhistas da fábrica Opel<br />
em Bochum concordaram, no ano passado, em congelar os salários até 2010<br />
(EDMONDSON, 2005).<br />
Logo, ao direcionarem os seus investimentos <strong>para</strong> os países do leste europeu as gran<strong>de</strong>s<br />
corporações do setor automobilístico vêm obtendo resultados satisfatórios em relação à<br />
95
edução <strong>de</strong> custos não apenas nos países da antiga cortina <strong>de</strong> ferro, mas também nos<br />
principais países da Europa oci<strong>de</strong>ntal, como Alemanha e França, já que os sindicatos <strong>de</strong><br />
trabalhadores <strong>de</strong>sses países, ameaçados pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrerem <strong>de</strong>missões em massa<br />
ou até mesmo o fechamento <strong>de</strong> plantas, são forçados a abrirem mão <strong>de</strong> uma atuação mais<br />
combativa em troca apenas da manutenção dos empregos.<br />
96
CAPÍTULO V<br />
OS CASOS DE LER NO COMPLEXO INDUSTRIAL FORD NORDESTE<br />
Passaremos agora a analisar a ocorrência dos casos <strong>de</strong> LER no Complexo Industrial Ford<br />
Nor<strong>de</strong>ste e o posicionamento dos principais atores envolvidos nessa questão: sindicato e<br />
trabalhadores. Antes, porém, faremos uma pequena retrospectiva histórica sobre a relação<br />
entre trabalho e adoecimento no Brasil, <strong>de</strong>stacando as mobilizações dos trabalhadores por<br />
melhores condições <strong>de</strong> trabalho já na Primeira República, quando o processo <strong>de</strong><br />
industrialização brasileiro ainda era incipiente; a retomada das mobilizações por parte dos<br />
sindicatos no final da década <strong>de</strong> 1970, com o advento do “Novo Sindicalismo”, após um<br />
longo período <strong>de</strong> repressão aos movimentos <strong>de</strong> trabalhadores e por fim analisamos o con<strong>texto</strong><br />
<strong>de</strong> surgimento da LER no Brasil e a reação dos trabalhadores.<br />
O surgimento do sistema <strong>de</strong> fábrica no século XIX, nos países precursores da Revolução<br />
Industrial, principalmente a Inglaterra, se caracterizou pela adoção <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> trabalho<br />
assalariadas e pela reunião <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong> trabalhadores formados por homens,<br />
mulheres e crianças em um mesmo local. O cotidiano fabril era marcado por jornadas diárias<br />
<strong>de</strong> 12 horas, no mínimo; falta <strong>de</strong> ventilação e iluminação a<strong>de</strong>quadas; exposição a vapores,<br />
gases, vibrações, poeiras, ruídos e extremos <strong>de</strong> temperatura. A tudo isso co-existia a<br />
supervisão constante <strong>de</strong> capatazes responsáveis por vigiar e controlar os trabalhadores e, <strong>de</strong>ssa<br />
forma, garantir a manutenção das taxas <strong>de</strong> lucro do capital. Assim, a ocorrência <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes e<br />
doenças do trabalho passou a fazer parte, <strong>de</strong> forma cada vez mais freqüente, do con<strong>texto</strong><br />
fabril. De acordo com T. Franco (2003), proliferavam nos homens, mulheres e crianças da<br />
indústria do ferro, carvão, metais diversos e têxtil, as intoxicações por metais pesados<br />
(chumbo, mercúrio, manganês, fósforo) e, principalmente, as doenças respiratórias<br />
<strong>de</strong>correntes da inalação <strong>de</strong> poeira <strong>de</strong> sílica e aerossóis <strong>de</strong>rivados do algodão.<br />
A reação dos trabalhadores à exploração do capital teve como principal ban<strong>de</strong>ira a redução da<br />
jornada <strong>de</strong> trabalho. Através da organização <strong>de</strong> associações sindicais operárias, o proletariado,<br />
a <strong>de</strong>speito da repressão às suas mobilizações, não cessou <strong>de</strong> pressionar o Estado em busca da<br />
regulamentação <strong>de</strong> um arcabouço legal que <strong>de</strong>sse conta das <strong>de</strong>mandas do movimento.<br />
97
Alguns marcos neste processo merecem ser relembrados tais como a legalização das<br />
associações operárias (1824) e a transformação da lei do “Senhor e Empregado” em<br />
lei <strong>de</strong> “patrões e operários”, refletindo o término <strong>de</strong> uma transição histórica e<br />
estabelecendo as figuras civis dos sujeitos sociais em jogo – o patronato e os<br />
empregados –, abolindo a prisão do trabalhador por abandono <strong>de</strong> trabalho. Des<strong>de</strong><br />
então, progressivas conquistas sociais se suce<strong>de</strong>ram tais como: a lei do trabalho do<br />
menor, a regulamentação da jornada <strong>de</strong> trabalho, a regulamentação <strong>de</strong> hora-extra, os<br />
adicionais <strong>de</strong> insalubrida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong>, o reconhecimento legal das<br />
organizações sindicais, etc. Embora com variações nos diversos países, esta foi uma<br />
tendência geral nos países industrializados ao final do século XIX e início do século<br />
XX. Quanto à Inglaterra, vale consi<strong>de</strong>rar ainda o início das políticas públicas <strong>de</strong><br />
saneamento, educação e saú<strong>de</strong>. (FRANCO, T, 2003, p. 50).<br />
5.1 Saú<strong>de</strong> e trabalho no Brasil: uma pequena retrospectiva<br />
Enquanto alguns países europeus já experimentavam um intenso processo <strong>de</strong> industrialização<br />
no final do século XIX, <strong>aqui</strong> no Brasil a economia ainda estava alicerçada na produção agrária<br />
e no uso do trabalho escravo, on<strong>de</strong> predominavam extensas jornadas <strong>de</strong> trabalho, geralmente<br />
<strong>de</strong> 18 horas diárias, além da existência <strong>de</strong> castigos e açoites que tinham como objetivo<br />
garantir a submissão dos escravos ao trabalho e extrair <strong>de</strong>les o máximo <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong><br />
produtiva. De acordo com Rocha e Nunes (1994), apenas na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX,<br />
com as limitações impostas ao tráfico <strong>de</strong> escravos, surge alguma preocupação dos<br />
proprietários em aumentar a vida útil dos escravos, com o fornecimento <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong><br />
atenção à saú<strong>de</strong>.<br />
Entre o final do século XIX e o início da década <strong>de</strong> 1930 algumas indústrias começaram a<br />
surgir no país. Embora em forma <strong>de</strong> “surto industrial”, esse processo se assemelhou muito ao<br />
ocorrido na Europa, principalmente em relação à exploração da força <strong>de</strong> trabalho, uma vez<br />
que era bastante comum a utilização <strong>de</strong> mulheres e crianças submetidas a extensas jornadas,<br />
on<strong>de</strong> não eram raras as ocorrências <strong>de</strong> mortes e aci<strong>de</strong>ntes no trabalho. Reportando-se a essa<br />
época, Dean (1971 apud Rocha e Nunes, 1994) relata o ambiente <strong>de</strong> trabalho em uma fábrica<br />
localizada em São Paulo.<br />
As condições <strong>de</strong> trabalho eram duríssimas: muitas estruturas que abrigavam as<br />
máquinas não haviam sido originalmente <strong>de</strong>stinadas a essa finalida<strong>de</strong>: além <strong>de</strong> mal<br />
iluminadas e mal ventiladas, não dispunham <strong>de</strong> instalações sanitárias. As máquinas<br />
se amontoavam ao lado umas das outras e suas correias e engrenagens giravam sem<br />
proteção alguma. Os aci<strong>de</strong>ntes se amiudavam porque os trabalhadores cansados, que<br />
trabalhavam, às vezes, além do horário sem aumento <strong>de</strong> salário ou trabalhavam aos<br />
domingos, eram multados por indolência ou erros cometidos, se fossem adultos, ou<br />
surrados, se fossem crianças. Em 1917, uma pessoa que visitou uma fábrica na<br />
Mooca, na capital, ouviu operários <strong>de</strong> doze e treze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, da turma da noite,<br />
que se queixavam <strong>de</strong> ser frequentemente espancados e mostraram, como prova do<br />
que diziam, as equimoses e ferimentos que traziam. As fotografias ocasionais do<br />
98
evezamento <strong>de</strong> turmas numa ou noutra fábrica nos exibem uma horda <strong>de</strong> espectros<br />
<strong>de</strong>scarnados e andrajosos, apinhados à saída, precedidos <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong>scalças e<br />
raquíticas, com os rostos inexpressivos voltados <strong>para</strong> a câmara ou <strong>para</strong> o chão.<br />
(DEAN, 1971 apud ROCHA e NUNES, 1994, p 89).<br />
A exemplo, também, do que ocorreu na Europa, os trabalhadores brasileiros buscaram,<br />
através da organização em associações <strong>de</strong> operários, pressionar o Estado <strong>de</strong> forma a aten<strong>de</strong>r as<br />
reivindicações em relação à regulamentação do trabalho <strong>de</strong> mulheres e menores; o<br />
estabelecimento da jornada <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> 8 horas por dia, assim como medidas que visassem<br />
prevenir os aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho e in<strong>de</strong>nizar os trabalhadores aci<strong>de</strong>ntados. Nas primeiras<br />
décadas do século XX, o país assistiu a uma série <strong>de</strong> mobilizações dos trabalhadores por<br />
melhores condições <strong>de</strong> trabalho. Entre 1901 e 1914 foram realizadas 129 greves <strong>de</strong><br />
trabalhadores. Destaca-se também naquele período a realização do primeiro Congresso<br />
Operário Brasileiro (1906), cujas principais reivindicações eram a exigência da jornada diária<br />
<strong>de</strong> 8 horas; o pagamento <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização pelos empregadores aos trabalhadores que sofressem<br />
aci<strong>de</strong>nte do trabalho; a criação <strong>de</strong> asilos ou meios <strong>para</strong> beneficiar operários inválidos; a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ativa propaganda contra o alcoolismo e a abolição do trabalho por obra<br />
ou empreitada. Rocha e Nunes (1994).<br />
As constantes reivindicações do movimento operário fizeram com que o Estado brasileiro<br />
passasse a intervir <strong>de</strong> forma mais constante nas relações <strong>de</strong> trabalho. Além da pressão<br />
operária, a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, fruto <strong>de</strong> uma<br />
recomendação do Tratado <strong>de</strong> Versalhes, ao final da Primeira Guerra Mundial, contribuiu <strong>para</strong><br />
o surgimento <strong>de</strong> um con<strong>texto</strong> mais favorável às reivindicações dos trabalhadores. A partir <strong>de</strong><br />
então, algumas leis voltadas à regulamentação das relações <strong>de</strong> trabalho e que faziam parte da<br />
agenda do movimento operário brasileiro foram finalmente criadas, a exemplo da Lei <strong>de</strong><br />
aci<strong>de</strong>ntes do trabalho (1919); a formação das Caixas <strong>de</strong> Aposentadorias e Pensões (1923); o<br />
Conselho Nacional <strong>de</strong> Trabalho (1923); a Lei <strong>de</strong> férias (1925) e o Código <strong>de</strong> Menores (1926).<br />
Embora algumas <strong>de</strong>ssas leis fossem <strong>de</strong>scumpridas constantemente pelos patrões, as<br />
mobilizações do movimento operário no período pré-década <strong>de</strong> 1930 serviram <strong>para</strong> mostrar,<br />
como afirma Gomes (2002), que o período da Primeira República não foi o <strong>de</strong> um vazio<br />
organizacional, visto que uma luta sistemática já vinha sendo travada pela expansão dos<br />
direitos do trabalho no Brasil.<br />
99
O período compreendido entre o início da década <strong>de</strong> 1930, com a chegada <strong>de</strong> Getúlio Vargas<br />
ao po<strong>de</strong>r e o final <strong>de</strong> década <strong>de</strong> 1970, quando a ditadura militar iniciada em 1964 começou a<br />
exibir os primeiros sinais <strong>de</strong> enfraquecimento, ficou marcado pela fragmentação e<br />
<strong>de</strong>sarticulação do movimento sindical. No entanto, malgrado o controle dos sindicatos por<br />
parte do Estado e a repressão a qualquer ação contestatória à or<strong>de</strong>m então vigente, através da<br />
intervenção em sindicatos e da prisão <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res operários, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar a criação <strong>de</strong><br />
algumas leis importantes no campo da segurança e saú<strong>de</strong> do trabalhador, como a implantação<br />
do adicional <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong> (1938); a 3ª Lei Aci<strong>de</strong>ntária (1944) e a instituição do<br />
pagamento <strong>de</strong> adicional <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong> (1955).<br />
Já na década <strong>de</strong> 1970, o Brasil vivenciou um período <strong>de</strong> crescimento que ficou conhecido<br />
como “milagre econômico”. Nesse mesmo período, o país se tornou recordista mundial em<br />
aci<strong>de</strong>ntes no trabalho, mas o discurso do empresariado responsabilizava a própria vítima<br />
como a culpada pelas ocorrências. O Governo, por sua vez, criou uma série <strong>de</strong> cursos nas<br />
áreas <strong>de</strong> medicina do trabalho e engenharia <strong>de</strong> segurança, com o objetivo <strong>de</strong> formar um corpo<br />
técnico pre<strong>para</strong>do <strong>para</strong> atuar nos Serviços <strong>de</strong> Medicina e Segurança <strong>de</strong>ntro das empresas.<br />
Rocha e Nunes (1994). Ainda <strong>de</strong> acordo com os autores, com o <strong>de</strong>finhamento do regime<br />
militar e o surgimento do “Novo Sindicalismo”, no final da década <strong>de</strong> 1970, as questões<br />
relacionadas à saú<strong>de</strong> e segurança dos trabalhadores começaram a fazer parte <strong>de</strong> forma mais<br />
constante da pauta <strong>de</strong> reivindicações dos sindicatos. Logo, além da luta por melhores salários,<br />
os trabalhadores buscaram incluir nas negociações com os patrões cláusulas relacionadas à<br />
melhoria das condições <strong>de</strong> trabalho; criação <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e segurança nos<br />
sindicatos, com a contratação <strong>de</strong> técnicos; promover <strong>de</strong>bates, cursos, seminários e congressos<br />
na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e trabalho (foto/imagem 2) e eleger cipeiros ligados aos sindicatos, como<br />
forma <strong>de</strong> eliminar o caráter “fantasma” das CIPAS. Deve-se <strong>de</strong>stacar também a criação do<br />
Departamento Intersindical <strong>de</strong> Estudos e Pesquisas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e dos Ambientes <strong>de</strong> Trabalho<br />
(DIESAT), em 1980 e do Instituto Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Trabalhador (INST), na década <strong>de</strong><br />
1990, pela CUT. Vale salientar, entretanto, que malgrado as questões relacionadas à saú<strong>de</strong> do<br />
trabalhador tenham passado a fazer parte, <strong>de</strong> forma mais sistemática, da pauta <strong>de</strong><br />
reivindicações do movimento sindical nessa época, o eixo norteador das greves e outras<br />
formas <strong>de</strong> mobilização continuava sendo a questão dos reajustes salariais, uma vez que<br />
durante a ditadura militar o arrocho salarial foi uma das medidas adotadas pelo governo <strong>para</strong><br />
garantir a taxa <strong>de</strong> lucrativida<strong>de</strong> do capital privado.<br />
100
Foto/imagem 2<br />
Capa do gibi alusivo à 1ª Semana <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Trabalhador, organizada por 50<br />
sindicatos <strong>de</strong> São Paulo, em 1979.<br />
Fonte: www.diesat.org.br<br />
Na Bahia, o marco nas ações relacionadas à saú<strong>de</strong> do trabalhador foi a criação, em 1987, do<br />
Centro <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Trabalhador (CESAT), o primeiro do gênero no Nor<strong>de</strong>ste. O<br />
CESAT foi criado em um con<strong>texto</strong> on<strong>de</strong> as discussões sobre saú<strong>de</strong> e trabalho ganhavam cada<br />
vez mais importância, em razão da inclusão do tema na pauta do movimento sindical e da<br />
mudança <strong>de</strong> <strong>para</strong>digma nas questões que envolviam a relação entre trabalho e adoecimento,<br />
uma vez que a ações do Estado brasileiro no campo da política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, nos anos 1980,<br />
estabeleciam que a “saú<strong>de</strong> do trabalhador” ficaria, a partir <strong>de</strong> então, sob responsabilida<strong>de</strong> do<br />
Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS), cuja ampliação das ações, propiciou a <strong>de</strong>scentralização dos<br />
serviços através da criação dos Centros <strong>de</strong> Referência em Saú<strong>de</strong> do Trabalhador (CEREST)<br />
que, na Bahia, possui unida<strong>de</strong>s nas principais cida<strong>de</strong>s do estado, como Feira <strong>de</strong> Santana,<br />
Vitória da Conquista, Juazeiro, Camaçari, Barreiras, Jequié, Itabuna e Teixeira <strong>de</strong> Freias.<br />
101
Correia (2006). As unida<strong>de</strong>s do CEREST contam com equipes formadas por psicólogos,<br />
fisioterapeutas, médicos do trabalho e assistentes sociais, que atuam principalmente na<br />
vigilância em ambientes <strong>de</strong> trabalho, em pesquisas na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do trabalhador e no<br />
atendimento ao trabalhador com suspeita ou portador <strong>de</strong> doenças relacionadas ao trabalho.<br />
(CEREST, 2008).<br />
Apesar da inclusão das questões relacionadas à melhoria das condições <strong>de</strong> trabalho à pauta <strong>de</strong><br />
reivindicações <strong>de</strong> alguns sindicatos brasileiros e da ampliação da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> do<br />
trabalhador, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> sua incorporação ao SUS, o Brasil ainda continua entre os<br />
campeões mundiais em aci<strong>de</strong>ntes no local <strong>de</strong> trabalho. De acordo com dados do INSS<br />
presentes nos Anuário Estatístico sobre Aci<strong>de</strong>ntes do Trabalho, entre 2001 e 2007 houve um<br />
aumento <strong>de</strong> 92% no número <strong>de</strong> ocorrências. Em termos absolutos, foram registrados 340 mil<br />
aci<strong>de</strong>ntes em 2001, contra 653 mil em 2007, o que representa <strong>para</strong> os cofres públicos um<br />
gasto <strong>de</strong> R$ 42 bilhões por ano, valor correspon<strong>de</strong>nte a 1,8% do PIB brasileiro.<br />
Para termos uma idéia mais precisa da gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta situação po<strong>de</strong>mos lembrar que as<br />
estatísticas sobre aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho, doenças ocupacionais e mortes <strong>de</strong> trabalhadores no<br />
Brasil <strong>de</strong>monstram que o país ainda está muito longe <strong>de</strong> atingir níveis aceitáveis no que diz<br />
respeito à preservação da integrida<strong>de</strong> física e mental dos seus trabalhadores. Dados do<br />
Ministério do Trabalho do ano <strong>de</strong> 2003 indicaram que nesse ano houve 2.582 mortes em<br />
<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho. Contudo, segundo a OIT, esse número é 22 vezes maior,<br />
somando 57.049 mortes. Além disso, os aci<strong>de</strong>ntes no local <strong>de</strong> trabalho somaram 11,3 milhões,<br />
número muito maior que os 390.180 registrados pelo Ministério do Trabalho. Isso se explica<br />
pela inclusão nas estatísticas, por parte da OIT, <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes ocorridos no setor informal da<br />
economia brasileira. Ainda <strong>de</strong> acordo com a instituição, no mesmo ano 42 mil pessoas<br />
morreram em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> doenças ocupacionais no país 35 .<br />
Pesquisa da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UNB) mostrou que em 2004 o país gastou R$ 1,7<br />
bilhão <strong>para</strong> cobrir aposentadorias por invali<strong>de</strong>z. Nesse ano foram registrados 228.058 casos,<br />
35 Disponível em www2.uol.com.br/aprendiz/guia<strong>de</strong>empregos/primeiro/notícias. Acesso em<br />
07 fev. 2008.<br />
102
23% a mais que o registrado em 2003 36 . Em 2005, o país gastou R$ 328 milhões com a<br />
manutenção <strong>de</strong> benefícios em razão <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes no trabalho, sendo que a Bahia respon<strong>de</strong>u<br />
por R$ 8,5 milhões do total gasto (maior do nor<strong>de</strong>ste). O estado registrou 15.621 casos 37 .<br />
Dados da Fe<strong>de</strong>ração dos Trabalhadores Metalúrgicos da Bahia (FETIM) revelaram que <strong>de</strong><br />
janeiro até setembro <strong>de</strong> 2007 haviam sido registrados 16 aci<strong>de</strong>ntes graves nas indústrias<br />
metalúrgicas do estado, com seis mortes 38 .<br />
Além do crescimento do número <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes e mortes entre os trabalhadores do setor<br />
informal, <strong>de</strong>vem-se <strong>de</strong>stacar também os casos ocorridos entre os trabalhadores terceirizados.<br />
De acordo com Miranda,<br />
103<br />
Em relação à freqüência dos aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho, segundo a OIT, a maioria das<br />
análises estatísticas revela uma incidência muito maior entre os trabalhadores<br />
terceirizados. Dentre as causas <strong>para</strong> isto é citado o fato <strong>de</strong> estes trabalhadores<br />
realizarem a maioria das ativida<strong>de</strong>s mais perigosas ao mesmo tempo em que<br />
possuem tanto menor capacitação e treinamento, como <strong>de</strong>sfrutam menos direitos<br />
quando com<strong>para</strong>dos com os trabalhadores diretos das empresas.<br />
Por um outro lado, diversos estudos sobre as novas formas <strong>de</strong> organização do<br />
trabalho têm evi<strong>de</strong>nciado também as repercussões da terceirização sobre a vida<br />
psíquico-social dos trabalhadores. As manifestações se expressam, em geral, no<br />
campo das enfermida<strong>de</strong>s psicossomáticas, afetando tanto a saú<strong>de</strong> e a vida individual,<br />
como também a vida familiar e social dos trabalhadores. Neste sentido, estes estudos<br />
têm apontado os impactos psicológicos provocados pela terceirização predatória:<br />
tensão emocional excessiva, fadiga mental, problemas <strong>de</strong> humor e do sono, irritação,<br />
ansieda<strong>de</strong>, entre outros efeitos nocivos. (MIRANDA, 2005, p. 17).<br />
A maior precarização das condições <strong>de</strong> trabalho entre os terceirizados certamente contribui<br />
<strong>para</strong> a elevação do número <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes e mortes entre esses trabalhadores. A gran<strong>de</strong> maioria<br />
<strong>de</strong>les não constitui um segmento organizado em sindicatos, alguns não possuem qualquer tipo<br />
<strong>de</strong> cobertura da legislação trabalhista, não possuem plano <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, e alguns nem trabalham<br />
<strong>de</strong> carteira assinada. De acordo com Druck e Franco (2007),<br />
36 Jornal A tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006.<br />
37 Jornal A tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2007.<br />
38 Jornal A tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007.<br />
A precarização aliada à terceirização se processa, portanto, em múltiplas dimensões,<br />
<strong>de</strong>ntre as quais está a <strong>de</strong>sestabilização do emprego e da condição <strong>de</strong> assalariado; a<br />
precarização das condições <strong>de</strong> trabalho e organização (tipos <strong>de</strong> trabalho mais ou<br />
menos penosos, intensida<strong>de</strong>, jornada <strong>de</strong> trabalho, pausas, pressão <strong>de</strong> tempo); as<br />
condições <strong>de</strong> segurança e saú<strong>de</strong> no trabalho (políticas <strong>de</strong> proteção coletivas,<br />
individuais, exposição aos riscos, aci<strong>de</strong>ntes, adoecimentos, assistência, tratamento,<br />
reabilitação, direito ao afastamento); a pulverização dos coletivos <strong>de</strong> trabalhadores<br />
bem como <strong>de</strong> suas representações (processo <strong>de</strong> fragilização sindical, insegurança e
104<br />
vulnerabilida<strong>de</strong> social, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senraizamento e <strong>de</strong>sfiliação social). (DRUCK e<br />
FRANCO, 2007, p. 116).<br />
No Pólo Industrial <strong>de</strong> Camaçari, por exemplo, esses trabalhadores fazem o “trabalho sujo”,<br />
geralmente relacionado à limpeza <strong>de</strong> resíduos químicos em tanques e nas áreas industriais. O<br />
<strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> um operador <strong>de</strong> processo concedido a Andra<strong>de</strong> (2000) é bastante<br />
representativo.<br />
5.2 As Lesões por Esforços Repetitivos<br />
Antigamente tinha o trabalho que a gente fazia, mas ficava muito exposto, que a<br />
empresa terceirizou, porque, se o empregado da empreiteira adoecer, qualquer coisa<br />
assim, não tem ninguém <strong>para</strong> reclamar por ele. Aquela região <strong>de</strong> Dias D´Ávila, a<br />
pobreza é absoluta, então esse pessoal não tem a quem reclamar, homem,<br />
<strong>de</strong>scartável que existe ali <strong>de</strong>ntro, já vi muitos companheiro lá adoecer, sumir e<br />
procurar por esse cara, já morreu. É incrível (operador).<br />
Des<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 1700, quando o médico Italiano Bernardino Ramazzini escreveu De morbis<br />
artificum diatriba – on<strong>de</strong> relatava uma série <strong>de</strong> agravos que atingiam os trabalhadores – que<br />
as lesões provocadas por esforços repetitivos são <strong>de</strong> conhecimento da Medicina do Trabalho.<br />
Porém, foi a partir da Revolução Industrial, iniciada na segunda meta<strong>de</strong> do século XVIII, que<br />
os casos começaram a ocorrer <strong>de</strong> forma mais freqüente, embora em números muito inferiores<br />
àqueles que caracterizam o período do capitalismo que se iniciou na segunda meta<strong>de</strong> do<br />
século XX, marcado pelo <strong>de</strong>senvolvimento da automação <strong>de</strong> base microeletrônica e pela<br />
organização do trabalho assentada em bases taylorizadas. De acordo com T. Franco (2003), a<br />
LER enquanto “fenômeno <strong>de</strong> massa” no mundo do trabalho tem o Japão como ponto <strong>de</strong><br />
partida, no final da década <strong>de</strong> 1950 e foi <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> OCD (Occupational Cervicobrachial<br />
Disor<strong>de</strong>rs) e acometia principalmente trabalhadores das linhas <strong>de</strong> montagens das indústrias e<br />
os trabalhadores <strong>de</strong> escritórios. No <strong>de</strong>correr do século XX, mais casos começaram a ser<br />
relatados em outros países, sob diferentes <strong>de</strong>nominações: Cumulative Trauma Disor<strong>de</strong>rs<br />
(CTD), nos Estados Unidos; Repetitive Strain Injuries (RSI), na Austrália; Lésions<br />
Attribuibles au Travail Répétitif (LATR), no Canadá e Occupational Cervicobrachial<br />
Disor<strong>de</strong>rs (OCD), na Alemanha e países escandinavos.<br />
Nos paises <strong>de</strong>senvolvidos, os casos <strong>de</strong> LER começaram a acorrer <strong>de</strong> forma mais sistemática a<br />
partir da década <strong>de</strong> 1970. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse período marcou o<br />
surgimento <strong>de</strong> novas posturas e orientações em relação às doenças neuromusculares
ocupacionais dos membros superiores, principalmente por parte do po<strong>de</strong>r público e dos<br />
sindicatos, após a ocorrência <strong>de</strong> casos cada vez mais freqüentes nas indústrias <strong>de</strong> automóveis<br />
e aviação. (DEMBE, 1996 apud OLIVEIRA, 2006, p. 79). Na década <strong>de</strong> 1990, os casos <strong>de</strong><br />
lesões nas mãos e punhos começaram a ser <strong>de</strong>tectados em uma varieda<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> indústrias,<br />
em setores como montagem <strong>de</strong> automóveis, vestuário, têxteis, eletrônicos e impressão <strong>de</strong><br />
jornais (ibid.: 87).<br />
A partir da década <strong>de</strong> 1990, os casos <strong>de</strong> LER se espalharam por vários ramos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> na<br />
indústria e no setor <strong>de</strong> serviços. Esse fato po<strong>de</strong> ser relacionado, como afirmado anteriormente,<br />
às novas formas <strong>de</strong> organização do trabalho e ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas tecnologias <strong>de</strong><br />
base microeletrônica. Em relação a esse ponto, Ribeiro (1999) afirma que a LER tem ajudado<br />
a <strong>de</strong>rrubar, com o seu vertiginoso crescimento, o mito <strong>de</strong> que as novas tecnologias<br />
eliminariam o trabalho manual, uma vez que se está adoecendo justamente das mãos, por<br />
excesso <strong>de</strong> trabalho. Segundo dados recentes, entre 2000 e 2005, o Ministério da Previdência<br />
Social pagou cerca <strong>de</strong> R$ 981 milhões a título <strong>de</strong> auxílio-doença a 25 mil bancários afastados<br />
do trabalho em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> LER. 39<br />
As lesões po<strong>de</strong>m “acometer tendões, sinóvias, músculos, nervos, fáscias, ligamentos, isolada<br />
ou associadamente, com ou sem <strong>de</strong>generação <strong>de</strong> tecidos, atingindo principalmente, porém não<br />
somente, os membros superiores, região escapular e pescoço, <strong>de</strong> origem ocupacional”<br />
(BRASIL, 1993, p. 7 apud Orso et al, 2002, p. 48). As principais queixas entre os<br />
trabalhadores acometidos pela doença são dor localizada, irradiada ou generalizada,<br />
<strong>de</strong>sconforto, fadiga e sensação <strong>de</strong> peso. Muitos relatam formigamento, dormência, sensação<br />
<strong>de</strong> diminuição da força, e<strong>de</strong>ma e enrijecimento muscular, choque e falta <strong>de</strong> firmeza nas mãos<br />
(BRASIL, 2005, p.10). Os estudos <strong>de</strong> Ribeiro (1999) e Franco (2003) mostram que a LER<br />
contesta também a suposta morte do taylorismo, visto que se observa a persistência <strong>de</strong>sse<br />
modo <strong>de</strong> organização do trabalho potencializado pela implementação <strong>de</strong> uma nova base<br />
tecnológica nas indústrias.<br />
Em relação à organização do trabalho, tornaram-se fundamentais, também, os estudos <strong>de</strong><br />
Déjours (2001). Segundo esse autor<br />
39 Matéria publicada em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro em 29 abr. 2007. Acesso em 04 ago. 2008.<br />
105
106<br />
A livre organização do trabalho torna-se uma peça essencial do equilíbrio<br />
psicossomático e da satisfação. Ao inverso da livre estruturação do modo operatório,<br />
que caracteriza artesanal, a organização do trabalho rígida e imposta, que caracteriza<br />
a maior parte das tarefas industriais, aparece, inicialmente, como um obstáculo à<br />
livre estruturação da tarefa. A organização do trabalho, fixada externamente pelas<br />
chefias, po<strong>de</strong>, em certos casos, entrar em choque com o compromisso operatório<br />
favorável que o trabalhador teria instituído espontaneamente. A organização do<br />
trabalho nesse sentido po<strong>de</strong> comprometer imediatamente o equilíbrio<br />
psicossomático. (DÉJOURS, 2001, p. 128).<br />
Lançando mão do conceito <strong>de</strong> sublimação, que significa a transferência do impulso associado<br />
com impulsos pessoais ou socialmente inaceitáveis <strong>para</strong> outros mais aceitáveis, Déjours<br />
mostra como em alguns casos, a organização do trabalho impe<strong>de</strong> que o trabalhador<br />
<strong>de</strong>senvolva estratégias sublimatórias, fato que, na maioria das vezes leva ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> doenças psicossomáticas. Sobre isso T. Franco afirma que:<br />
As tarefas <strong>de</strong> execução, sobretudo as mais fragmentadas não permitem a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sublimação. Nesse tipo <strong>de</strong> trabalho taylorizado – tanto no que tange<br />
ao trabalho predominantemente manual ou predominantemente intelectual – não há<br />
lugar <strong>para</strong> negociar a mise-em-scène necessária ao jogo da sublimação. São antes<br />
formas <strong>de</strong> organização do trabalho anti-sublimatórias, com conseqüências<br />
<strong>de</strong>sestruturadoras ou potencialmente patogênicas. (FRANCO, T, 2003, p.166).<br />
Vale salientar também que o estudo <strong>de</strong> Déjours sobre organização do trabalho e os estudos<br />
dos autores citados, sobre a problemática da LER, recuperam também as formulações <strong>de</strong><br />
Marx sobre trabalho alienado, on<strong>de</strong> a ativida<strong>de</strong> laboral torna-se exterior à essência humana e<br />
on<strong>de</strong> os homens não têm controle sobre o processo <strong>de</strong> trabalho. Esses estudos alinham-se à<br />
abordagem <strong>de</strong>senvolvida por Laurell e Noriega (1989) que utiliza o conceito marxista <strong>de</strong><br />
processo <strong>de</strong> produção, <strong>para</strong> analisar a relação entre trabalho e adoecimento, pois, <strong>de</strong> acordo<br />
com esses autores <strong>para</strong> que se compreendam as características que assume o processo <strong>de</strong><br />
trabalho no capitalismo, é necessário lembrar que sua finalida<strong>de</strong> é a extração da mais-valia.<br />
Logo, segundo eles, é preciso analisar o conceito <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> produção conjuntamente<br />
como outros dois: o processo <strong>de</strong> valorização (produção <strong>de</strong> mais-valia) e o processo <strong>de</strong><br />
trabalho (produção <strong>de</strong> bens).<br />
A conformação concreta do processo <strong>de</strong> trabalho é um dos elementos-chave <strong>para</strong> a<br />
compreensão dos <strong>de</strong>terminantes da saú<strong>de</strong> do trabalhador, já que permite<br />
<strong>de</strong>sentranhar <strong>de</strong> que forma se constitui o nexo biopsíquico <strong>de</strong>ssa coletivida<strong>de</strong>.<br />
Torna-se, pois, necessário <strong>de</strong>compô-lo em seus elementos constitutivos <strong>para</strong> analisálos,<br />
e <strong>de</strong>pois voltar a reconstituí-lo como processo global, resgatando seu<br />
movimento dinâmico com a saú<strong>de</strong> do trabalhador. (LAURELL e NORIEGA, 1989,<br />
p. 106).
A importância que vários estudiosos do assunto têm dado à análise do processo <strong>de</strong> trabalho,<br />
principalmente ao uso da automação <strong>de</strong> base microeletrônica e a ocorrência dos casos <strong>de</strong> LER<br />
não permitem, como bem assinala Ribeiro (1999), associar <strong>de</strong> forma direta o aparecimento<br />
das LER apenas ao uso da tecnologia, mas à forma gananciosa como ela é incorporada pelo<br />
capital aos processos produtivos. Ainda <strong>de</strong> acordo com Ribeiro, algumas mudanças como a<br />
adoção <strong>de</strong> medidas ergonômicas e físicas <strong>para</strong> melhorar as condições <strong>de</strong> trabalho; a redução<br />
da jornada; a adoção <strong>de</strong> pausas durante a jornada e <strong>de</strong> revisões das relações <strong>de</strong> trabalho com a<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reduzir as pressões e tensões no trabalho po<strong>de</strong>riam contribuir sobremaneira <strong>para</strong><br />
a redução dos casos <strong>de</strong> LER. Entretanto, vale salientar que ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas em<br />
ambientes on<strong>de</strong> os recursos tecnológicos não são aplicados intensivamente também são<br />
causadoras <strong>de</strong> lesões, explicitando, portanto, que a causa raiz <strong>de</strong>sses eventos encontra-se na<br />
organização do trabalho. Em alguns casos, somam-se a esses fatores, ativida<strong>de</strong>s realizadas em<br />
condições insalubres ou periculosas.<br />
107<br />
Consi<strong>de</strong>rando algumas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho, po<strong>de</strong>-se perceber que, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong><br />
sua diversida<strong>de</strong> concreta, apontam <strong>para</strong> os elementos comuns concernentes à<br />
organização do trabalho – forte intensida<strong>de</strong> e velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> tarefas<br />
fragmentadas, tarefas repetitivas e monótonas – fundamentais na gênese da LER.<br />
Em muitos processos <strong>de</strong> trabalho no Brasil, encontram-se combinados com aspectos<br />
materiais agravantes tais como: ruído, iluminação, ventilação, temperatura, postos<br />
<strong>de</strong> trabalho anti-ergonômicas (“bancadas altas ou baixas, ca<strong>de</strong>iras fixas, às vezes,<br />
sem encosto ou bancos improvisados”). Po<strong>de</strong>m ser ilustradas pelos seguintes<br />
exemplos, recolhidos a partir <strong>de</strong> Assunção (1995:102) e BAHIA/CESAT (1996):<br />
retirar rebarbas em 10 mil peças/hora; colocar 5 mil chicotes no painel elétrico numa<br />
jornada <strong>de</strong> trabalho; prensar 2 mil peças; digitar 15 mil toques/hora; operar 200<br />
lâminas por minutos no laboratório; fixar 4 metros <strong>de</strong> pastilha; banhos <strong>de</strong> estanho<br />
em 20 mil peças/hora; picas 20 mil kg <strong>de</strong> carne numa jornada <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> 8 horas.<br />
(FRANCO, T, 2003, p. 193).<br />
T. Franco (ibid), Ribeiro (ibid) e Salim (2002), <strong>de</strong>ntre outros, têm <strong>de</strong>monstrado em seus<br />
estudos que há, também, uma estreita relação entre as formas <strong>de</strong> gestão e organização do<br />
trabalho e a LER. Além disso, eles rompem com o <strong>para</strong>digma da medicina do trabalho<br />
tradicional, que se limita a estudar as manifestações da doença, os grupos <strong>de</strong> incidência, os<br />
aspectos psicológicos, as predisposições individuais, a ergonomia e as formas <strong>de</strong> tratamento<br />
dos lesionados, <strong>para</strong> buscar os fundamentos da doença na organização do trabalho, cujos<br />
fatores mais críticos são o ritmo <strong>de</strong> trabalho; o conteúdo e o grau <strong>de</strong> repetitivida<strong>de</strong> da tarefa; a<br />
falta <strong>de</strong> pausas <strong>para</strong> <strong>de</strong>scanso; a pressão por resultados e as relações hierárquicas.<br />
O Ministério da Previdência Social classificou os estágios da doença da seguinte forma:
Grau I: Sensação <strong>de</strong> peso e <strong>de</strong>sconforto no membro afetado. Dor espontânea localizada nos<br />
membros superiores ou cintura escapular, às vezes com pontadas que aparecem em caráter<br />
ocasional durante a jornada <strong>de</strong> trabalho e não interferem na produtivida<strong>de</strong>. Não há uma<br />
irradiação nítida. Melhora com o repouso. É em geral leve e fugaz.<br />
Grau II: A dor é mais persistente e mais intensa e aparece durante a jornada <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong><br />
modo intermitente. É tolerável e permite o <strong>de</strong>sempenho da ativida<strong>de</strong> profissional, mas já com<br />
reconhecida redução da produtivida<strong>de</strong> nos períodos <strong>de</strong> exacerbação. A dor torna-se mais<br />
localizada e po<strong>de</strong> estar acompanhada <strong>de</strong> formigamento e calor, além <strong>de</strong> leves distúrbios <strong>de</strong><br />
sensibilida<strong>de</strong>.<br />
Grau III: A dor torna-se mais persistente, é mais forte e tem irradiação mais <strong>de</strong>finida. O<br />
repouso em geral só atenua a intensida<strong>de</strong> da dor, nem sempre fazendo-a <strong>de</strong>saparecer por<br />
<strong>completo</strong>, persistindo o dolorimento. Há paroxismos dolorosos mesmo fora do trabalho,<br />
especialmente à noite.<br />
Grau IV: A dor é forte, contínua, por vezes insuportável levando o paciente a intenso<br />
sofrimento. Os movimentos acentuam consi<strong>de</strong>ravelmente a dor, que em geral se esten<strong>de</strong> a<br />
todo membro afetado. Os paroxismos <strong>de</strong> dor ocorrem mesmo quando o membro está<br />
imobilizado. A perda <strong>de</strong> força e a perda do controle dos movimentos se fazem constantes. O<br />
e<strong>de</strong>ma é persistente e po<strong>de</strong>m aparecer <strong>de</strong>formida<strong>de</strong>s, provavelmente por processos fibróticos,<br />
reduzindo a circulação linfática <strong>de</strong> retorno. (BRASIL, 1997).<br />
No Brasil, os primeiros casos <strong>de</strong> LER surgiram em 1982 e acometeram os trabalhadores do<br />
Centro <strong>de</strong> Processamento <strong>de</strong> Dados do Banco do Brasil, em Porto Alegre. A partir <strong>de</strong> então,<br />
os trabalhadores ligados a esse setor em vários estados brasileiros, iniciaram uma série <strong>de</strong><br />
mobilizações buscando conquistar o reconhecimento da LER – até então chamada apenas <strong>de</strong><br />
tenossinovite – como doença do trabalho, o que acabou ocorrendo em 1986. No mesmo ano<br />
os trabalhadores em Processamento <strong>de</strong> Dados realizaram o primeiro Congresso Nacional <strong>de</strong><br />
Saú<strong>de</strong> da categoria, cujos principais objetivos eram <strong>de</strong>finir uma Política Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong><br />
relativa à área <strong>de</strong> Processamento <strong>de</strong> Dados e o esclarecimento da opinião pública e dos<br />
profissionais da área sobre o processo <strong>de</strong> trabalho em Processamento <strong>de</strong> Dados e suas<br />
conseqüências <strong>para</strong> a saú<strong>de</strong>; sensibilizar instituições públicas nacionais, como o Ministério do<br />
Trabalho e a Fundacentro e internacionais, a exemplo da OIT, <strong>para</strong> a questão das doenças<br />
108
profissionais em Processamento <strong>de</strong> Dados. (ROCHA apud OLIVEIRA, 2006, p. 103). Além<br />
disso, uma das principais conclusões do congresso foi que a doença que acometia os<br />
digitadores não se restringia apenas à tenossinovite e, portanto, abrangia outras lesões nos<br />
membros superiores, sendo necessário, então, que todos esses agravos passassem a ser<br />
classificados como Lesões por Esforços Repetitivos. (ibid.: 104).<br />
As crescentes mobilizações dos trabalhadores em Processamento <strong>de</strong> Dados, na década <strong>de</strong><br />
1980, fizeram com que, paulatinamente, as primeiras ações por parte do po<strong>de</strong>r público em<br />
relação à tenossinovite fossem tomadas. Dessa forma, a primeira referência oficial a esse<br />
grupo <strong>de</strong> afecções do sistema músculo-esquelético foi feita pela Previdência Social, com a<br />
terminologia tenossinovite do digitador, através da portaria número 4.062, <strong>de</strong> 06 <strong>de</strong> agosto<br />
<strong>de</strong> 1987. Além disso, em 1991, o Ministério do Trabalho, aten<strong>de</strong>ndo às reivindicações dos<br />
movimentos <strong>de</strong> trabalhadores do setor, promoveu alterações na NR-17 – que trata <strong>de</strong> aspectos<br />
ergonômicos – <strong>de</strong> forma a adaptá-la à nova realida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong>, ou seja, <strong>de</strong> acordo com a<br />
Portaria número 3.751, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1990 a nova NR-17 “visa estabelecer<br />
parâmetros que permitam a adaptação das condições <strong>de</strong> trabalho às características<br />
psicofisiológicas dos trabalhadores, <strong>de</strong> modo a proporcionar um máximo <strong>de</strong> conforto,<br />
segurança e <strong>de</strong>sempenho eficiente”. Em 1992, a Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo<br />
publicou a resolução SS 197/92, já introduzindo oficialmente a terminologia Lesões por<br />
Esforços Repetitivos (LER), após amplo processo <strong>de</strong> discussão entre os mais diferentes<br />
segmentos sociais. Nesse mesmo ano, a Secretaria <strong>de</strong> Estado do Trabalho e Ação Social e a<br />
Secretaria <strong>de</strong> Estado da Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais publicaram a resolução 245/92, baseada na<br />
resolução SS 197/92, <strong>de</strong> São Paulo. Em 1993, o INSS publicou a sua Norma Técnica <strong>para</strong><br />
avaliação <strong>de</strong> incapacida<strong>de</strong> <strong>para</strong> LER, baseada nas resoluções anteriormente citadas. Em 1998,<br />
na revisão <strong>de</strong> sua Norma Técnica, a Previdência Social substituiu LER por DORT, sigla <strong>de</strong><br />
Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. (BRASIL, 2001).<br />
A luta pioneira dos trabalhadores em processamento <strong>de</strong> dados objetivando conquistar o<br />
reconhecimento da LER como doença do trabalho e também a busca por melhorias nas<br />
condições <strong>de</strong> trabalho são exemplos, como mostra Oliveira (2006), do caráter político que<br />
envolveu as mobilizações contra a doença no Brasil. Ainda <strong>de</strong> acordo com Oliveira (ibid), a<br />
natureza hermenêutica da clínica, como suas aberturas, “incompletu<strong>de</strong>s” e o caráter posicional<br />
do médico, mostram que doença se institui na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> do trabalhador a partir<br />
<strong>de</strong> espaços sociais e políticos, cujas interseções são marcadas por interesses, conflitos e<br />
109
alianças transitórias. Em relação à atuação do profissional da medicina, o autor mostra que a<br />
compreensão da doença e dos doentes por parte dos médicos muda com o tempo, sendo<br />
portanto, uma “i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> relacional” e está ligada, inclusive, ao tipo <strong>de</strong> agência a qual ele se<br />
vincula, ou seja, ao lugar on<strong>de</strong> esse profissional exerce a sua ativida<strong>de</strong>: se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />
empresa; se como perito do INSS, se em instituições como o CESAT ou CEREST ou em uma<br />
entida<strong>de</strong> sindical. Assim, ele conclui que:<br />
110<br />
No caso da LER/DORT, o campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s aberto pela clínica guarda<br />
sempre um caráter <strong>de</strong> ambigüida<strong>de</strong>. Devido ao fato da doença ser <strong>de</strong>finida a partir da<br />
posição ou filiação institucional do médico, a doença institui-se como “jogo<br />
político”, no qual o espaço clínico é também um espaço político, pois a atuação<br />
clínica é parcialmente <strong>de</strong>finida pelas opiniões, i<strong>de</strong>ologias, imaginação, fantasias e<br />
mesmo vaida<strong>de</strong>s do médico – que abrem os campos <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />
compreensão. Sendo assim, a clínica é sempre um campo aberto <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s,<br />
que cada médico ten<strong>de</strong> a fechar, mediante sua compreensão própria do fenômeno em<br />
cada diagnóstico clínico particular. Nessa perspectiva, os médicos são mediadores<br />
que se posicionam em espaços políticos <strong>de</strong>finidos nesse conflito. Negar a natureza<br />
política da LER/DORT é negar a ação <strong>de</strong>sses fatores sociais, ou seja, <strong>de</strong>sconhecer a<br />
própria dinâmica da configuração clínica da doença. (OLIVEIRA, 2006, p. 434).<br />
5.3 Trabalho e adoecimento no Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste<br />
As Lesões por Esforços Repetitivos estão atualmente entre as maiores causas <strong>de</strong> afastamento<br />
do trabalho. De acordo com a Previdência Social, o país gastará em 2009 cerca <strong>de</strong> R$ 2,1<br />
bilhões com o pagamento <strong>de</strong> benefícios previ<strong>de</strong>nciários aos trabalhadores acometidos pela<br />
doença. Após a implantação do Nexo Técnico Epi<strong>de</strong>miológico Previ<strong>de</strong>nciário (NTEP) 40 , em<br />
2007, o número <strong>de</strong> reconhecimentos teve um aumento significativo, passando <strong>de</strong> 20 mil em<br />
2006 <strong>para</strong> 117,5 mil em 2008, embora algumas entida<strong>de</strong>s sindicais consi<strong>de</strong>rem que esses<br />
números ainda estejam aquém da realida<strong>de</strong>. 41 Na Bahia, por exemplo, no ano <strong>de</strong> 2005 a<br />
LER/DORT representou 37% dos agravos relacionados ao trabalho (Tabela 7), notificados no<br />
Sistema <strong>de</strong> Informação <strong>de</strong> Agravos <strong>de</strong> Notificação (SINAN).<br />
40 NTEP: Instrução Normativa do INSS que a partir do cruzamento das informações do código <strong>de</strong> classificação<br />
CID-10 e do código <strong>de</strong> Classificação Nacional <strong>de</strong> Ativida<strong>de</strong> Econômica (CNAE) aponta a existência <strong>de</strong> relação<br />
entre a lesão ou agravo e ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida pelo trabalhador.<br />
41 Disponível em www.folha.uol.com.br. Acesso em 12 ago. 2009.
Tabela 7<br />
Agravos relacionados ao trabalho, notificados no SINAN, Bahia, 2005.<br />
Tipo <strong>de</strong> agravo Número <strong>de</strong> casos %<br />
LER/DORT 1.011 37,0<br />
Discopatia 535 19,6<br />
Dermatose 267 9,8<br />
Perda Auditiva Induzida por Ruído – PAIR 265 9,7<br />
Asma 143 5,2<br />
Seqüela <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trabalho 118 4,3<br />
Aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trabalho com óbito 106 3,9<br />
Intoxicação por agrotóxico 91 3,3<br />
Rinosinusite 70 2,6<br />
Intoxicação por benzeno 51 1,9<br />
Laringopatia 35 1,3<br />
Pneumoconiose 28 1,0<br />
Intoxicação por chumbo 11 0,4<br />
Total 2.731 100,0<br />
Fonte: DICS-CESAT/SESAB<br />
Ainda <strong>de</strong> acordo com dados do ano <strong>de</strong> 2005 (Gráfico 3), a LER/DORT representou 51% do<br />
total <strong>de</strong> doenças do trabalho no estado.<br />
Gráfico 3<br />
Doenças do Trabalho (%) registradas na Previdência<br />
Social (N=2.756). Bahia, 2005.<br />
1%<br />
9%<br />
3%<br />
27%<br />
1%<br />
8%<br />
LER/DORT Doenças coluna vertebral PAIR<br />
Laringopatias Transtornos mentais Dermatoses<br />
Outras<br />
Fonte: Dataprev/INSS<br />
Em relação ao município <strong>de</strong> Camaçari, os dados chamam a atenção porque, segundo o estudo<br />
<strong>de</strong> Silva (2002), no período compreendido entre 1995 e o primeiro semestre <strong>de</strong> 2001, <strong>de</strong> 1.097<br />
atendimentos realizados na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do Trabalhador (USAT) 42 do município, em<br />
apenas 175 houve a presença <strong>de</strong> diagnóstico confirmado ou não confirmado <strong>de</strong> LER. Entre os<br />
42 Em 2005 a instituição passou a se chamar Centro <strong>de</strong> Referência em Saú<strong>de</strong> do Trabalhador (CEREST).<br />
51%<br />
111
trabalhadores acometidos pela doença 72% eram do sexo feminino. Outro dado que chamou a<br />
atenção (Tabela 8) é o equilíbrio na ocorrência dos casos entre os setores <strong>de</strong> serviço e da<br />
indústria no período 1997-2000. As ocorrências estavam distribuídas entre as seguintes<br />
ocupações: ajudante <strong>de</strong> cozinha/copeiro/cozinheiro (10 casos); auxiliar <strong>de</strong> serviços gerais (12<br />
casos); agente <strong>de</strong> varrição (27 casos); operador (38 casos); tecelão (10 casos) e outras<br />
ativida<strong>de</strong>s não especificadas (78 casos).<br />
Tabela 8<br />
Distribuição dos atendimentos <strong>de</strong> LER/DORT por ano e setor na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> do<br />
Trabalhador, no município <strong>de</strong> Camaçari<br />
SERVIÇOS INDÚSTRIA OUTROS<br />
1997 51,4% 48,6% 0,0%<br />
1998 31,1% 57,8% 11,1%<br />
1999 41,4% 41,4% 17,2%<br />
2000 43,8% 40,6% 15,6%<br />
Fonte: Silva (2002)<br />
As estatísticas acima se tornam importantes porque quando são com<strong>para</strong>das com os dados<br />
referentes ao período compreendido entre os anos <strong>de</strong> 2004 e 2006 43 disponíveis no CEREST<br />
<strong>de</strong> Camaçari permitem i<strong>de</strong>ntificar uma representativa alteração quantitativa e qualitativa no<br />
novo con<strong>texto</strong> em análise, pois a partir <strong>de</strong> então, os registros <strong>de</strong> LER/DORT cresceram<br />
significativamente, totalizando 1196 ocorrências, sendo computadas 238 casos em 2004<br />
(gráfico 4); 290 em 2005 (gráfico 5) e 668 em 2006 (gráfico 6). Além disso, levando-se em<br />
consi<strong>de</strong>ração todos os tipos <strong>de</strong> agravos registrados no estudo da <strong>de</strong>manda no mesmo período,<br />
quando foram abertos 1389 prontuários, foi possível observar a predominância do sexo<br />
masculino, que passou a representar 70% das ocorrências, com 256 registros em 2004; 261<br />
em 2005 e 462 em 2006. No mesmo período, como mostram os gráficos 7, 8 e 9, percebe-se a<br />
predominância da ocupação operador <strong>de</strong> equipe <strong>de</strong> montagem 44 – que <strong>de</strong> acordo com o<br />
CEREST i<strong>de</strong>ntifica os trabalhadores do setor automobilístico – no topo das estatísticas <strong>de</strong><br />
agravos à saú<strong>de</strong> em geral.<br />
43 Não há estatísticas disponíveis no CEREST <strong>de</strong> Camaçari em relação aos anos <strong>de</strong> 2002 e 2003.<br />
112
250<br />
200<br />
150<br />
100<br />
50<br />
0<br />
Fonte: CEREST<br />
300<br />
250<br />
200<br />
150<br />
100<br />
50<br />
0<br />
Fonte: CEREST<br />
238<br />
Gráfico 4<br />
Estudo da <strong>de</strong>manda, por agravos, no ano <strong>de</strong> 2004<br />
20 14 10<br />
LER/DORT PAIR Acid. Trabalho Dermatite <strong>de</strong> contato Outros Ignorado<br />
290<br />
25<br />
Gráfico 5<br />
Estudo da <strong>de</strong>manda, por agravos, no ano <strong>de</strong> 2005<br />
15<br />
LER/DORT PAIR Acid. Trabalho Dermatose Outros Ignorado<br />
1<br />
35<br />
12<br />
66<br />
26<br />
113
700<br />
600<br />
500<br />
400<br />
300<br />
200<br />
100<br />
0<br />
Fonte: CEREST<br />
150<br />
100<br />
50<br />
0<br />
Fonte: CEREST<br />
150<br />
100<br />
50<br />
668<br />
Gráfico 6<br />
Estudo da <strong>de</strong>manda, por agravos, no ano <strong>de</strong> 2006.<br />
20 7 5 2 8<br />
LER/DORT PAIR Pneumoconiose Acid. Trabalho Dermatose Outros<br />
75<br />
31<br />
Gráfico 7<br />
Estudo da <strong>de</strong>manda, por ocupação, no ano <strong>de</strong> 2004.<br />
22 20 20 18 14 13 13 11<br />
Op. Equipe <strong>de</strong> montagem Ajudante Aux. Serviços gerais<br />
Cal<strong>de</strong>ireiro Operador em geral Montador <strong>de</strong> andaimes<br />
Pedreiro Copeira Operador <strong>de</strong> empilha<strong>de</strong>ira<br />
Motorista Outros<br />
0<br />
84<br />
32<br />
Gráfico 8<br />
Estudo da <strong>de</strong>manda, por ocupação, no ano <strong>de</strong> 2005.<br />
17 24 23 15 15 14 9<br />
Op. Equipe <strong>de</strong> montagem Ajudante Montador <strong>de</strong> andaimes<br />
135<br />
Cal<strong>de</strong>ireiro Motorista Pedreiro<br />
Aux. Serviços gerais Aux. Serviços Gerais Pintor em geral<br />
Ajudante <strong>de</strong> cozinha Outros<br />
Fonte: CEREST<br />
146<br />
114
400<br />
300<br />
200<br />
100<br />
0<br />
71<br />
50 48 37<br />
Gráfico 9<br />
Estudo da <strong>de</strong>manda, por ocupação, no ano <strong>de</strong> 2006.<br />
22 21 21 19 19 17<br />
Op. Equipe <strong>de</strong> montagem Operador geral Auxiliar <strong>de</strong> produção Montador <strong>de</strong> andaimes<br />
Aux. Serviços gerais Operador logístico Pedreiro Op. Empilha<strong>de</strong>ira<br />
Cal<strong>de</strong>ireiro Motorista <strong>de</strong> ônibus Outros Ignorado<br />
Fonte: CEREST<br />
Tomando como referência apenas as notificações <strong>de</strong> LER referentes ao ano <strong>de</strong> 2007, quando<br />
foram registradas 579 ocorrências (gráfico 10), a ocupação operador <strong>de</strong> equipe <strong>de</strong><br />
montagem também aparece com o maior número <strong>de</strong> registros, totalizando 67 casos naquele<br />
ano (Gráfico 11).<br />
600<br />
500<br />
400<br />
300<br />
200<br />
100<br />
0<br />
579<br />
Gráfico 10<br />
Notificação dos agravos em 2007.<br />
9 6 4 1 1<br />
LER/DORT Dermatose Acid. Trabalho PAIR Intoxicação exógena Pneumoconiose<br />
Fonte: CEREST<br />
312<br />
1<br />
115
200<br />
150<br />
100<br />
50<br />
0<br />
67<br />
49 48<br />
Gráfico 11<br />
Notificação <strong>de</strong> LER/DORT, por ocupação, no ano <strong>de</strong> 2007<br />
27 25 20 25 30 24 23 20 20 17<br />
Op. Equipe <strong>de</strong> mont agem Serviços gerais Mont ador <strong>de</strong> andaimes Encanador/ cal<strong>de</strong>ireiro<br />
Mot orist a Carregador Pedreiro Out ros operadores<br />
Pintos indust rial Soldador Auxiliar <strong>de</strong> produção Cozinheiro<br />
Mecânico Out ros<br />
Fonte: CEREST<br />
Os casos <strong>de</strong> LER no CIFN começaram a surgir em 2002, ou seja, um ano após o início das<br />
operações do complexo automobilístico. De acordo com dados da Superintendência Regional<br />
<strong>de</strong> Trabalho e Emprego (SRTE), entre os anos <strong>de</strong> 2003 e 2006, o órgão já havia investigado<br />
524 queixas <strong>de</strong> trabalhadores com algum tipo <strong>de</strong> lesão. 45 Os casos mais comuns são as<br />
tendinites, tenossinovites, bursites, lombalgias e lesões nos punhos, braços, antebraços,<br />
ombros e cotovelos. As ocorrências provocaram uma alteração no perfil dos atendimentos nos<br />
plantões <strong>de</strong> segurança e saú<strong>de</strong> do trabalho da SRTE, localizada em Camaçari, pois entre 2005<br />
e 2007 os casos oriundos da indústria automobilística e afins ultrapassaram aqueles que<br />
historicamente figuravam entre os que mais <strong>de</strong>mandavam a atenção da superintendência,<br />
como as ocorrências no setor da construção civil, os casos <strong>de</strong> leucopenia e perda auditiva. A<br />
partir <strong>de</strong> então, as queixas dos trabalhadores começaram a se avolumar, chegando a totalizar<br />
395 processos. Ainda <strong>de</strong> acordo com dados do ano <strong>de</strong> 2007, levantados pela instituição, 77%<br />
dos lesionados eram operadores das linhas <strong>de</strong> produção, sendo que <strong>de</strong>sses, 54% tinham até 29<br />
anos e estavam no primeiro emprego e 58% eram do sexo masculino. Os dados disponíveis e<br />
os <strong>de</strong>poimentos colhidos mostraram ainda que a maioria das lesões ocorreram na área <strong>de</strong><br />
montagem final e no body shop 46 . O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> um diretor do Sindicato dos Metalúrgicos<br />
<strong>de</strong> Camaçari, concedido à pesquisadora Ângela Franco, em 2006, ajuda a termos uma idéia<br />
mais clara sobre o fato.<br />
45 Jornal A Tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006.<br />
46 Body Shop: Setor on<strong>de</strong> são montadas as carrocerias.<br />
175<br />
116<br />
Nós temos um problema gravíssimo que, na nossa visão, é um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />
pública. É um problema (em) que o Estado e todos os po<strong>de</strong>res inseridos nesse <strong>de</strong>bate
117<br />
<strong>de</strong>vem partir <strong>para</strong> um processo muito forte <strong>de</strong> discussão com a empresa sobre as<br />
condições nas quais os trabalhadores estão produzindo. Você já tem jovens que<br />
estão alijados do mercado <strong>de</strong> trabalho em função da gravida<strong>de</strong> das lesões que estão<br />
surgindo na linha. O próprio Ministério do Trabalho tem feito um trabalho muito<br />
forte nisso, agora o Ministério Público do Trabalho, também. O sindicato já vem<br />
<strong>de</strong>nunciando isso ao longo do tempo; numa das greves nós criamos o Comitê <strong>de</strong><br />
Ergonomia, mas nada disso tem sido suficiente ainda, por causa da ótica<br />
empresarial, em especial da Ford, que vê a questão da ergonomia como algo ligado<br />
apenas ao mobiliário, à posição, quando na verda<strong>de</strong>, é uma questão muito mais <strong>de</strong><br />
organização do trabalho. Se você somar a condição pela qual o empregado está<br />
trabalhando do ponto <strong>de</strong> vista da própria postura, a questão do ritmo <strong>de</strong> trabalho – a<br />
velocida<strong>de</strong> ali é muito gran<strong>de</strong> – a própria pressão psicológica em que os<br />
trabalhadores vivem, a própria se<strong>de</strong>... [...] E esse nervosismo da indústria sai dos<br />
acionistas e chega ao chão da fábrica. (NASCIMENTO FILHO, 2006).<br />
Analisando os <strong>de</strong>poimentos que colhemos dos trabalhadores é possível i<strong>de</strong>ntificar que<br />
elementos ligados à organização do trabalho, como o ritmo da linha <strong>de</strong> montagem; a falta <strong>de</strong><br />
pausas durante a jornada; a pressão por resultados e a execução <strong>de</strong> movimentos leves e<br />
repetitivos po<strong>de</strong>m ser apontados como sendo as principais causas das lesões. O ritmo <strong>de</strong><br />
trabalho é intenso; o ciclo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> um carro na planta <strong>de</strong> Camaçari dura 24 horas 47 ,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a estamparia até a inspeção final (ver foto/imagem <strong>de</strong> 2 a 5) 48 e a cada 82 segundos,<br />
um carro é <strong>de</strong>spejado no pátio. 49<br />
Foto/imagem 3<br />
Estamparia<br />
Duração 05:00<br />
A produção começa com a chegada das bobinas <strong>de</strong> aço. Elas são<br />
cortadas em chapas e seguem <strong>para</strong> a estamparia, on<strong>de</strong> é moldado o<br />
esqueleto do carro.<br />
47<br />
Na fábrica <strong>de</strong> São Paulo, esse processo leva 27 horas, <strong>de</strong> acordo com informações do Sindicato dos<br />
Metalúrgicos do ABC.<br />
48<br />
Disponível em . Acesso em: 12 ago. 2009.<br />
49<br />
Disponível em . Acesso em: 12 ago. 2009.
Foto/imagem 4<br />
Carroceria<br />
Duração 04:30<br />
Na seqüência do processo, as partes são encaminhadas <strong>para</strong> a<br />
montagem da carroceria, quando portas, assoalho, teto, parte traseira e<br />
dianteira são soldados.<br />
Pintura<br />
Duração 08:30<br />
Na pintura, o carro é lavado,<br />
recebe três camadas <strong>de</strong> tinta à<br />
base <strong>de</strong> água, sem solvente. Um<br />
robô aplica a última camada<br />
Foto/imagem 5<br />
Foto/imagem 6<br />
Inspeção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
Duração 00:20<br />
Montagem final<br />
Duração 05:40<br />
Na linha <strong>de</strong> montagem,<br />
acessórios e acabamentos<br />
<strong>de</strong>ixam o veículo com a cara do<br />
produto final.<br />
Depois <strong>de</strong> prontos, os carros<br />
passam por testes <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>:<br />
infiltração, ruído, parte elétrica e<br />
alinhamento.<br />
118
Em relação ao ritmo da produção, o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> um membro da CIPA e operador <strong>de</strong> linha<br />
<strong>de</strong> montagem quando indagado sobre qual seria, em sua opinião, a principal causa das lesões é<br />
bastante elucidativo.<br />
119<br />
Rapaz, a velocida<strong>de</strong> da linha acho que seria o principal. Porque não se tem...a gente<br />
não consegue...você ter um controle, a gente enquanto trabalhador, não tem como<br />
você controlar, nem visualizar a que velocida<strong>de</strong> nós estamos trabalhado. Os sistemas<br />
são todos operados pela supervisão, pelo... a gerencia é quem <strong>de</strong>termina, né? [...] A<br />
gente vê, é nítido, a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la e o <strong>de</strong>sgaste da gente é totalmente notório e pela<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carros também que sai, a gente tem um... o trabalhador, por questões<br />
até do próprio sistema lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, a gente começou a anotar... o primeiro carro que<br />
começa, a seqüência, todo carro tem uma seqüência, numeração... a gente anota a<br />
primeira quando começa a trabalhar e a última, aí você consegue visualizar a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carros que você conseguiu fazer no turno, né? Aí a gente tem por<br />
dia... se <strong>de</strong>veria produzir em condições normais 912 carros ao dia, só que com essas<br />
puxadas <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linha e tal você chega a tirar mil, mil e poucos, mil e vinte<br />
carros por dia, né? Sempre aquele “a maiszinho” que um supervisor ou outro<br />
gostaria <strong>de</strong> fazer, né? Aí são esses... essas puxadas a mais é que acabam, é o gran<strong>de</strong><br />
fator... se a velocida<strong>de</strong> da linha é pra produzir 47 carros por hora, “eu aumento...”<br />
aumenta a velocida<strong>de</strong> a gente tá tirando cinqüenta, cinqüenta e dois... aí quando<br />
chega no final do dia...é como a gente fala “a linha hoje tá voando” aí “ranca” o<br />
couro do trabalhador. (Membro da CIPA, 2008).<br />
Em uma parte do processo <strong>de</strong> montagem final dos automóveis, o operador precisa verificar<br />
rapidamente o funcionamento <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> itens nos veículos, <strong>de</strong> forma a evitar o<br />
congestionamento da linha <strong>de</strong> produção. No <strong>de</strong>poimento a seguir, como no anterior,<br />
evi<strong>de</strong>ncia-se a total falta <strong>de</strong> controle dos operadores sobre o processo, uma vez que a<br />
velocida<strong>de</strong> da linha está sob o comando da supervisão.<br />
Na verda<strong>de</strong> eu tinha dois espelhos, um na frente do outro, em cima, né? Eu fazia o<br />
quê? Eu entrava no carro, porque na hora que ele se posicionava entre os dois<br />
espelhos a gente entrava no carro e fazia o teste <strong>de</strong> toda a parte elétrica, ar<br />
condicionado, acen<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> cigarro, farol direito, esquerdo, pisca alerta, farol alto,<br />
farol baixo, esguicho, limpador traseiro, a temperatura do vidro, que a gente via<br />
<strong>de</strong>pois, luz <strong>de</strong> ré, toda a parte elétrica, tudo que tem elétrico no carro, as luzes do<br />
painel, aceleração, o ruído, algum ruído, qualquer coisa estranha que a gente visse<br />
no carro, então a gente fazia isso <strong>de</strong> frente pro espelho, <strong>de</strong> um espelho, outro, <strong>de</strong>pois<br />
já tirava o carro e levava ele pro rolo, que é logo perto assim, e aí já voltava pra<br />
buscar o outro, então assim... eu <strong>de</strong>ixava o carro lá e vinha rapidinho, correndo. Ela<br />
(a outra pessoa) já tinha pego um (carro) que estava na frente, já estava levando<br />
também e o meu já estava na posição dos dois espelhos, então eu tinha que pegar ele<br />
na posição dos dois espelhos, não podia pegar ele pra trás, pra frente, porque se não<br />
eu perdia, eu não tinha como fazer o teste, eu tinha que estar na posição, então<br />
quando eu voltava o carro já tava na posição [...] Se eu não pegasse esse carro, se eu<br />
não voltasse a tempo, o que é que acontece...antes, antigamente, tinha um sensor que<br />
quando você não tirava o carro da linha ele <strong>para</strong>va a linha automaticamente, mas o<br />
que foi que eles fizeram? Porque tinha o sensor, aí a gente ficava menos preocupado,<br />
aí o que eles fizeram? Tiraram o sensor, então não tinha sensor. Então se a gente não<br />
tirasse o carro da linha, porque a linha cospe o carro [...] Se você não tirar aquele<br />
carro dali, então ele vai colidir com o da frente. O (carro) <strong>de</strong> trás, se não tirar o da<br />
frente, o <strong>de</strong> trás vai colidir, então você tem que ser rápido, aí tinha que vir rápido e<br />
tirar o carro. (Operadora <strong>de</strong> linha <strong>de</strong> montagem, 2009).
No <strong>de</strong>poimento seguinte, percebe-se que o uso <strong>de</strong>masiado <strong>de</strong> apenas uma parte do corpo,<br />
durante horas <strong>de</strong> trabalho, em ativida<strong>de</strong>s fragmentadas, sem pausas <strong>para</strong> <strong>de</strong>scanso, nem tempo<br />
<strong>para</strong> realizar ajustes no processo <strong>de</strong> forma a atenuar os riscos ergonômicos também estão<br />
entre os fatores geradores <strong>de</strong> lesões.<br />
120<br />
- Minha lesão foi causada por causa <strong>de</strong> dirigir (os carros no final da linha <strong>de</strong><br />
montagem, após realizar a inspeção <strong>de</strong> alguns itens) e <strong>de</strong>pois, quando eles viram que<br />
eu tava com a lesão mesmo e não tinha mais jeito, eu tentava pisar no pedal <strong>de</strong><br />
embreagem com o pé direito, com o direito e vi que não tinha condições, aí me<br />
mandaram <strong>para</strong> um setor on<strong>de</strong> eu ficava em pé o dia todo. Eu tinha uma tendinite <strong>de</strong><br />
Aquiles e ficava em pé o dia inteiro. Eu usava o pedal <strong>de</strong> embreagem sete vezes por<br />
veículos, o que dava na minha época mil e cem flexões no pedal <strong>de</strong> embreagem por<br />
dia, por dia! Um pedal <strong>de</strong> embreagem ele tem uma média <strong>de</strong> sete... isso foi pesquisa<br />
minha, ele tem um peso <strong>de</strong> sete a <strong>de</strong>z quilos que você exerce uma força na perna<br />
<strong>para</strong> acionar o pedal <strong>de</strong> embreagem, imagine isso mil vezes por dia, durante um ano<br />
e meio... não há tendão que güente. No mesmo dia que eu entrei, entrou uma pessoa<br />
que trabalhava junto comigo, <strong>para</strong> você ver como o processo ele é... então ela entrou<br />
junto comigo no mesmo dia e nós trabalhávamos a mesma carga horária porque<br />
éramos parceiras, eu fazia um carro ela fazia outro, eu fazia um, ela fazia outro, eu<br />
fazia um, ela fazia outro...então trabalhamos o mesmo tanto e nós saímos lesionadas<br />
na mesma semana, só que com problemas diferentes: eu com a tendinite no tendão<br />
<strong>de</strong> Aquiles e ela com problema nos dois joelhos, nos dois joelhos, ela já operou os<br />
dois joelhos, porque o processo era assim...a gente não tinha tempo pra <strong>de</strong>scanso,<br />
não tinha tempo, então no caso <strong>de</strong>la o que foi que causou? Ela era muito mais alta do<br />
que eu e o carro ele vem com o banco muito pra frente, então ela não tinha tempo <strong>de</strong><br />
fazer o ajuste <strong>de</strong> banco, então ela dirigia a maior parte do tempo assim, com os<br />
joelhos muito dobrados durante muito tempo, então ela teve problema <strong>de</strong> joelho.<br />
- Isso por quê? Se fosse fazer esse ajuste todo ela per<strong>de</strong>ria tempo?<br />
- Per<strong>de</strong>ria tempo, não daria tempo e o carro... Na verda<strong>de</strong>, a pressão não é nem do<br />
chefe, porque o carro ele vem, ele sai no final da linha e pára; se você não tirar<br />
aquele carro o <strong>de</strong> trás vai bater no da frente. E aí imagine... (Membro da CIPA,<br />
2008).<br />
Em alguns casos, a volta às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um período <strong>de</strong> afastamento em <strong>de</strong>corrência<br />
da lesão acaba ganhando uma dimensão política, pois <strong>de</strong> acordo com o <strong>de</strong>poimento abaixo, o<br />
trabalhador egresso do INSS po<strong>de</strong>, em algumas circunstâncias, servir como exemplo <strong>para</strong><br />
aqueles que também são acometidos pela LER.<br />
Quando você retorna <strong>para</strong> a ativida<strong>de</strong> seus colegas <strong>de</strong> trabalho não lhe enxergam<br />
mais como o mesmo profissional. Você é enxergado como refugo, né? Como um<br />
profissional que voltou pela meta<strong>de</strong>, que você voltou, mas que você não tem mais<br />
aquela capacida<strong>de</strong> plena <strong>de</strong> exercer as suas ativida<strong>de</strong>s como antes e que você está ali<br />
por compaixão da empresa e... não é essa a realida<strong>de</strong> e isso muitas vezes é o patrão<br />
que planta <strong>para</strong> que o seu time <strong>de</strong> trabalho tenha essa postura e do outro lado o cara<br />
dizer: “eu não vou <strong>para</strong> o INSS porque se não eu vou ficar visado igual X ficou, vou<br />
ficar <strong>de</strong>smoralizado e tudo mais”. (Diretor sindical <strong>de</strong> base, 2009).
Além disso, o medo <strong>de</strong> assumir a existência da doença e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o emprego<br />
faz com que muitos trabalhadores a omitam e continuem trabalhando. Uma das possíveis<br />
explicações <strong>para</strong> essa atitu<strong>de</strong>, como po<strong>de</strong> ser verificado no <strong>de</strong>poimento abaixo, tem relação<br />
com a eventual dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> recolocação no mercado <strong>de</strong> trabalho em uma ativida<strong>de</strong> que<br />
garanta o mesmo nível <strong>de</strong> remuneração, já que historicamente os empregos <strong>de</strong>stinados aos<br />
jovens da região, principalmente os resi<strong>de</strong>ntes em Camaçari e Dias D´Ávila, estão localizados<br />
no comércio, on<strong>de</strong> a remuneração está muito aquém daquela auferida pelos metalúrgicos.<br />
121<br />
Lá <strong>de</strong>ntro existe um mar <strong>de</strong> gente que tem medo. Que não fala que está sentindo a<br />
dor, que dói ou simplesmente continua na linha, ou que não quer se afastar porque<br />
pensa que afastamento não é uma coisa boa ...por um lado concordo, às vezes as<br />
pessoas que se lesionam, a vida <strong>de</strong>las fica meio que sem sentido <strong>de</strong>pois, porque elas<br />
se afastam...é o que eu vejo, é a minha visão <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do processo. Elas se afastam,<br />
ficam ali, às vezes recebendo aquele salário do INSS... têm os problemas <strong>de</strong>las com<br />
dor, aí tem aquela coisa que eu sofri <strong>de</strong> você voltar, eu tinha o problema e toda vez<br />
que você vai fazer uma perícia você po<strong>de</strong> voltar, né? Aí o INSS po<strong>de</strong> lhe dar<br />
alta...eu ficava imaginando, meu Deus, eu naquele chão duro como eu ficava o dia<br />
inteiro em pé, o dia inteiro.[...] E os que estão <strong>de</strong>ntro da fábrica não querem, às<br />
vezes, se expor. Então eu vejo assim, algumas pessoas lá não querem se expor, não<br />
querem falar, não querem... às vezes você tem até a lesão mesmo, e trabalha às vezes<br />
morrendo <strong>de</strong> dor, mas trabalha. Tem algumas pessoas que são assim, que têm medo<br />
<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o emprego. Porque querendo ou não, <strong>para</strong> o pessoal <strong>de</strong> Camaçari que não<br />
tem curso técnico, na verda<strong>de</strong>, geralmente, a maioria fez FG (Formação Geral),<br />
então <strong>para</strong> ganhar mil e cem reais, mil e duzentos reais, hoje, no comércio [...] não<br />
ganham, é muito difícil [...] então, não têm uma profissão, porque quem fez<br />
Formação Geral não tem profissão, então vai sair dali <strong>para</strong> ven<strong>de</strong>r, pra ser ven<strong>de</strong>dor<br />
numa loja <strong>de</strong> sapato, trabalhar no supermercado. E você sabe que essas<br />
lojas...comércio não paga mil e duzentos reais <strong>de</strong> salário, então as pessoas têm medo<br />
<strong>de</strong> sair (operadora <strong>de</strong> linha <strong>de</strong> montagem, 2009).<br />
No balanço das ações empreendidas no ano <strong>de</strong> 2003, a criação do Comitê <strong>de</strong> Ergonomia foi<br />
comemorada pelo sindicato como sendo uma das principais conquistas dos metalúrgicos<br />
naquele ano, por “permitir discutir os problemas <strong>de</strong> forma mais aberta e <strong>de</strong> olho na<br />
prevenção” (O Metalúrgico, 2003). Porém, três anos <strong>de</strong>pois, a entida<strong>de</strong> reconheceu que as<br />
modificações implementadas pelas empresas do complexo automotivo não surtiram o efeito<br />
<strong>de</strong>sejado, uma vez que os elementos cruciais da organização do trabalho não foram alterados.<br />
O Sindicato dos Metalúrgicos <strong>de</strong> Camaçari manteve encontro no dia 2 <strong>de</strong> maio com<br />
a direção da Ford e representantes das empresas sistemistas <strong>para</strong> tratar <strong>de</strong> ergonomia<br />
e jornada <strong>de</strong> trabalho. São questões importantes, que mexem diretamente com a<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida dos trabalhadores e trabalhadoras do complexo.<br />
Sobre a ergonomia, a Ford fez um relato das mudanças que ela tem promovido no<br />
ambiente <strong>de</strong> trabalho a partir do comitê <strong>de</strong> ergonomia. De acordo com o presi<strong>de</strong>nte<br />
da Fetim e do Stim Camaçari Aurino Pedreira, que participou da reunião, foi dito<br />
às empresas que as modificações até agora não surtiram efeito pelo fato da
122<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discutir a organização do trabalho como um todo (velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
linha, pausas, rodízios, pressão, por exemplo). A prova disso é que o número <strong>de</strong><br />
companheiros com doenças ocupacionais continua a crescer assustadoramente no<br />
complexo, segundo dados relatados <strong>de</strong> fontes confiáveis como a Delegacia Regional<br />
do Trabalho. (Boletim O Metalúrgico, 08/05/06).<br />
Analisando o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> um cipista do CIFN é possível ter uma idéia das dificulda<strong>de</strong>s<br />
encontradas pelos trabalhadores <strong>para</strong> fazer com que as empresas implementem as<br />
oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> melhoria i<strong>de</strong>ntificadas pelos componentes do comitê. Chama a atenção no<br />
<strong>de</strong>poimento a exclusão da CIPA das discussões sobre saú<strong>de</strong> do trabalhador no referido fórum,<br />
o que contraria os preceitos básicos da ergonomia, uma vez que <strong>de</strong>ssa forma, per<strong>de</strong>-se uma<br />
oportunida<strong>de</strong> concreta <strong>de</strong> se conhecer <strong>de</strong> fato – através do que Dejours chama <strong>de</strong> “vivência<br />
subjetiva”, ou seja, do saber <strong>de</strong> quem está diretamente ligado ao processo, no chão da fábrica<br />
– quais medidas po<strong>de</strong>riam ser adotadas em relação à organização do trabalho, através da<br />
“análise do posto” <strong>para</strong> eliminar a ocorrência <strong>de</strong> lesões.<br />
- Chegou uma época que a gente tinha membros da CIPA participando do comitê.<br />
- Não tem mais?<br />
- Não tem mais. A gente vem buscando isso <strong>de</strong> novo, justamente <strong>para</strong> po<strong>de</strong>r estar<br />
atuando nesses pontos. Hoje a CIPA é que faz esse papel, como a gente está muito<br />
no chão <strong>de</strong> fábrica a gente começa a coletar as queixas do trabalhador e aí você vai<br />
levantando esses itens nas reuniões <strong>de</strong> CIPA com todas as áreas e aí que o comitê<br />
começa a fazer... mas é um processo muito lento e eles “travam” muito pela questão<br />
custo. A <strong>de</strong>sculpa maior é essa, pra tudo tem que ter uma burocracia muito gran<strong>de</strong>.<br />
Se você precisar comprar, vamos supor, a gente conseguiu i<strong>de</strong>ntificar que<br />
<strong>de</strong>terminada aperta<strong>de</strong>ira tem o peso excessivo e vem prejudicando o trabalhador,<br />
dali buscamos uma ação. Qual é o trabalho que é a ação? I<strong>de</strong>ntificar uma máquina<br />
mais leve, que faça o processo <strong>de</strong> forma mais rápida <strong>para</strong> que o trabalhador não<br />
fique sustentando ela por maior tempo, mas quando você chega nesse final, pra a<br />
<strong>aqui</strong>sição <strong>de</strong>sse equipamento... aí é uma verda<strong>de</strong>ira via crucis, meu amigo, aí é que<br />
começam os problemas maiores...fica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da aprovação <strong>de</strong> fulano, <strong>de</strong><br />
ciclano, <strong>de</strong> beltrano, <strong>de</strong> não sei quem. Aí vai e volta pra São Bernardo, <strong>de</strong> SB vai pra<br />
Detroit, <strong>de</strong> Detroit vai pra Camaçari e aí fica, enten<strong>de</strong>u? [...] Foi criado um coletivo<br />
interno <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> com o sindicato e a Ford e mais, se eu não estiver enganado, nove<br />
parceiras, né? Para a gente estar discutindo a questão do adoecimento do trabalhador<br />
lá <strong>de</strong>ntro. Várias reuniões foram marcadas pelo sindicato, mas...<br />
- Mas o comitê ainda existe...<br />
- Existe, mas não vem sendo atuante porque quando a gente marca as reuniões,<br />
quando chega na data, as empresas dizem que não po<strong>de</strong>m estar...e isso aí é lá <strong>de</strong>ntro<br />
do complexo as reuniões. E a gente comparece e eles mandam avisar que tal<br />
empresa não pô<strong>de</strong> vir, a outra não pô<strong>de</strong> vir. Aí acaba que se é uma coisa pra tratar <strong>de</strong><br />
forma abrangente, todo o complexo, discutir só com a Ford, não vai ter muita<br />
diferença, enten<strong>de</strong>u? Porque o problema da gente lá...o sindicato... não é só com a<br />
Ford, não é? Todas as parceiras. A gente trata a nível <strong>de</strong> complexo. (Membro da<br />
CIPA, 2008).
Um dos poucos avanços nas questões relacionadas à saú<strong>de</strong> do trabalhador foi a inclusão do<br />
rodízio nas células <strong>de</strong> trabalho. Porém, ainda persistem as dificulda<strong>de</strong>s encontradas pela CIPA<br />
e pelo sindicato <strong>para</strong> conseguir, via Comitê <strong>de</strong> Ergonomia, discutir e implementar alterações<br />
em elementos centrais do processo produtivo, como o ritmo da linha <strong>de</strong> produção.<br />
123<br />
Um dos agravantes e que ocasionou esse gran<strong>de</strong> índice inicialmente foi que no início<br />
da produção do complexo Ford não havia rodízio das ativida<strong>de</strong>s, tá? O operador<br />
fazia aquela ativida<strong>de</strong> e aquela ativida<strong>de</strong> ele fazia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a hora que ele chegava à<br />
hora que ele saía e no outro dia ele fazia a mesma tarefa, então cansava mais o<br />
músculo. Depois <strong>de</strong> algum tempo já, com muitos problemas <strong>de</strong> lesão, foi estudado,<br />
foi criado também o Comitê <strong>de</strong> Ergonomia <strong>de</strong>ntro do complexo Ford, que não<br />
funciona da maneira que a gente almeja que funcione, ainda não mostrou, não disse<br />
pra que veio, mas um dos pontos que, até por intervenção da própria CIPA aí e<br />
também do sindicato, pelos casos <strong>de</strong> doença ocupacional que estavam vindo à tona<br />
aí, nós conseguimos... a Ford, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita pressão implementou a questão do<br />
rodízio <strong>de</strong>ntro das células <strong>de</strong> trabalho, ou seja, aquelas células <strong>de</strong> trabalho, com<br />
<strong>de</strong>terminado número <strong>de</strong> operadores... foi feito um estudo e cada trabalhador ele faz<br />
hoje mais <strong>de</strong> três, quatro ativida<strong>de</strong>s durante o mesmo dia, durante a produção. Existe<br />
um revezamento, então <strong>de</strong> manhã aperta um <strong>para</strong>fuso, d<strong>aqui</strong> a duas horas ele vai sair<br />
do <strong>para</strong>fuso vai apertar outro <strong>para</strong>fuso, mas que é com outro posicionamento, toda<br />
outra ergonomia, outra parte do corpo, outra ferramenta, então isso diminuiu<br />
bastante, mas por outro lado nós não conseguimos ainda estar ajustando o ritmo da<br />
ativida<strong>de</strong> laboral lá da própria linha <strong>de</strong> produção, <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> pra outra o ritmo<br />
é muito intenso e isso é um dos agravantes ocasionador <strong>de</strong> lesões e nós não<br />
conseguimos até porque há uma briga direta aí com a questão da produtivida<strong>de</strong>, sabe<br />
que o capitalista ele gosta <strong>de</strong> lucro <strong>de</strong> ver o produto sair e quer o produto final<br />
pronto, sem ter uma preocupação com a saú<strong>de</strong> do trabalhador. (Diretor sindical <strong>de</strong><br />
base, 2009).<br />
Malgrado o reconhecimento <strong>de</strong> que a excessiva quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> horas-extras está entre os<br />
elementos geradores das lesões, tendo inclusive feito várias <strong>de</strong>núncias em relação a isso nos<br />
boletins distribuídos aos trabalhadores, a reivindicação feita pelo sindicato, em 2007, <strong>de</strong> “algo<br />
mais” além do valor normal <strong>de</strong> hora-extra, <strong>de</strong>nota mais uma vez que os assuntos referentes às<br />
questões salariais constantemente se superpuseram aos ligados à saú<strong>de</strong> do trabalhador. Mais<br />
que isso, a reivindicação <strong>de</strong>sse “algo mais” evi<strong>de</strong>ncia uma profunda contradição em relação às<br />
práticas e discursos adotados até então em relação ao adoecimento por LER. Esse fato<br />
evi<strong>de</strong>ncia, também, a ausência <strong>de</strong> uma estratégia clara e bem <strong>de</strong>finida <strong>para</strong> o enfrentamento<br />
do problema, pois no lugar <strong>de</strong> questionar a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma prática diretamente ligada à<br />
ocorrência dos agravos à saú<strong>de</strong> do trabalhador, a entida<strong>de</strong> optou por negociar com a empresa<br />
as condições financeiras que, uma vez atendidas, conce<strong>de</strong>riam ao empregador a autorização<br />
formal <strong>para</strong> continuar expondo os trabalhadores a uma das causas geradoras do agravo.
124<br />
A Ford mais uma vez trata seres humanos como máquinas. Ela pensa que po<strong>de</strong><br />
forçar os companheiros e companheiras a fazer horas extras sem que haja um<br />
incentivo a mais <strong>para</strong> isso. Estamos nos referindo às horas necessárias <strong>para</strong><br />
compensar o tempo em que a prensa que faz o Escort ficou <strong>para</strong>da, após quebrar. O<br />
sindicato sentou com a empresa e exigiu que, a exemplo do que ocorre em SP, fosse<br />
oferecido “algo mais”. Mas a gerência <strong>de</strong> Camaçari, querendo mostrar serviço a SP,<br />
empacou no valor normal da hora extra. Não concordamos com isso e, diante da<br />
intransigência da empresa, nos levantamos da mesa <strong>de</strong> negociação. Com o impasse<br />
criado pela Ford, o Sindicato orienta os trabalhadores: ninguém é obrigado a fazer<br />
hora extra. Se você se sentir pressionado, procure o Sindicato imediatamente <strong>para</strong><br />
que possamos tomar as medidas necessárias. (Boletim O Metalúrgico, 12/03/07).<br />
As questões ligadas à saú<strong>de</strong> do trabalhador também não aparecem como priorida<strong>de</strong> nos<br />
discursos da chapa <strong>de</strong> oposição à atual direção sindical. Assim, na análise dos boletins<br />
distribuídos pelo Movimento Operário Metalúrgico, ligado à Conlutas, praticamente<br />
inexistem propostas direcionadas à questão do adoecimento por LER no CIFN. As<br />
reivindicações se concentram em torno <strong>de</strong> reajuste no salário e na PLR.<br />
Logo, o reconhecimento <strong>de</strong> sindicalistas e trabalhadores da relação existente entre a<br />
organização do trabalho e a ocorrência dos casos <strong>de</strong> LER não foi acompanhado <strong>de</strong> uma<br />
tomada <strong>de</strong> posição coletiva <strong>para</strong> o enfrentamento do problema, ao contrário do que ocorreu<br />
com as <strong>de</strong>mandas relativas à diminuição da jornada <strong>de</strong> trabalho e o reajuste no piso salarial. A<br />
dificulda<strong>de</strong> <strong>para</strong> mobilizar os trabalhadores do Complexo Ford em busca <strong>de</strong> melhorias nas<br />
questões referentes à saú<strong>de</strong> do trabalhador é explicada por um dirigente sindical.<br />
As principais lutas com certeza que nós travamos foram: redução <strong>de</strong> jornada, salário<br />
e a questão da saú<strong>de</strong> do trabalhador. Dentro disso eu posso dizer que duas é do<br />
interesse <strong>de</strong> todo coletivo, por mais que nem todos participem, manifestem, <strong>de</strong>sejem,<br />
mas todos almejam, que é a jornada <strong>de</strong> trabalho que hoje nós trabalhamos a jornada<br />
<strong>de</strong> 40 horas e a questão <strong>de</strong> salário que nossa data base, <strong>de</strong>ntro do complexo Ford,<br />
sempre nós conseguimos, exceto esse último ano (2008) um percentual a mais do<br />
que toda categoria e isso já é uma forma <strong>de</strong> tá minorando aí essa disparida<strong>de</strong> em<br />
relação a São Paulo, São Bernardo do Campo e também a nossa vitória que nós<br />
tivemos na primeira greve on<strong>de</strong> nós conseguimos um reajuste extraordinário aí <strong>para</strong><br />
os cargos <strong>de</strong> produção on<strong>de</strong> <strong>de</strong>u um avanço significativo <strong>para</strong> toda categoria. A luta<br />
mais difícil <strong>de</strong>ntro disso aí, on<strong>de</strong> nós travamos a luta mais difícil são os lesionados<br />
porque tratar <strong>de</strong> lesionados é um interesse individual e não coletivo, tá? O sindicato<br />
enxerga uma coisa <strong>de</strong> interesse coletivo, mas o lesionado ele enxerga individual. Se<br />
eu sou lesionado hoje, eu tô olhando meu problema. O meu colega do lado, que não<br />
é lesionado, ele não vai olhar <strong>para</strong> mim e vai dizer: “amanhã po<strong>de</strong> ser eu”.<br />
Infelizmente isso não ocorre lá <strong>de</strong>ntro. Então é o que dificulta a nossa ... alguns<br />
avanços <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa construção, <strong>de</strong>ssa mobilização <strong>de</strong>ntro d<strong>aqui</strong>lo que nós<br />
planejamos pra melhoria nessa condição <strong>de</strong> trabalho no Complexo Ford é a<br />
mobilização do trabalhador, é a conscientização do trabalhador, é mostrar ao<br />
trabalhador que por mais que ele não seja lesionado, ele tá travando uma batalha pra<br />
o coletivo, que consequentemente retorna <strong>para</strong> ele mesmo, porque amanhã ele po<strong>de</strong><br />
ser lesionado. Eu enxergo... a gente <strong>aqui</strong> <strong>de</strong>ntro da se<strong>de</strong> do sindicato, a gente<br />
enxerga pessoas que quando a gente antigamente falava <strong>de</strong> lesionados, o cara virava
125<br />
a cara e dizia: eu não tô lesionado, eu não tô nem aí, cada um segure o seu pepino,<br />
cada um no seu quadrado e hoje essas pessoas, retornando pra cá cheio <strong>de</strong> exame<br />
(dizendo) “eu sou lesionado” e hoje compartilham <strong>de</strong>ssa luta. Quer dizer,marcar,<br />
como nós marcamos, audiência... duas ou foi três audiências <strong>aqui</strong> na Justiça do<br />
Trabalho, nós marcamos mobilização <strong>para</strong> o trabalhador ir, e foram trabalhadores<br />
lesionados e também...em não quantida<strong>de</strong>... não tão expressiva, mas as pessoas que<br />
não eram lesionados (não estavam) nem aí pro problema, até porque não<br />
enxergavam algo <strong>de</strong> retorno pra eles e a importância disso, que é d<strong>aqui</strong> pra frente<br />
enxergar o trabalho <strong>de</strong>ntro do Complexo Ford amanhã e, não hoje. A Ford tem sete<br />
anos produzindo... como é que vai chegar a <strong>de</strong>z anos, a quinze anos <strong>de</strong> produção<br />
Ford em Camaçari? Como estará, como estarão os trabalhadores, os funcionários da<br />
Ford? Qual a condição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>? Não é só qual a condição <strong>de</strong> salário, qual a<br />
condição <strong>de</strong> jornada, qual a condição <strong>de</strong> vida social, até porque a questão <strong>de</strong> vida<br />
social é uma questão que envolve vários pontos e um <strong>de</strong>les é a questão da saú<strong>de</strong>.<br />
(Diretor sindical <strong>de</strong> base, 2008).<br />
A maior disposição dos trabalhadores <strong>para</strong> empreen<strong>de</strong>r mobilizações em torno apenas das<br />
questões salariais também é apontada por um cipista como um elemento que dificulta as ações<br />
mais concretas <strong>para</strong> o enfrentamento dos casos <strong>de</strong> LER no complexo automobilístico.<br />
Se for mobilizar por uma questão salarial todos vêm com você, se for uma questão<br />
financeira, todos estão ali, não é? O pessoal tem uma disposição bem maior <strong>para</strong><br />
estar discutindo quando a questão é financeira, quando a questão é econômica, mas<br />
eu digo a você, exemplo até do dia da audiência mesmo, que a gente falou <strong>aqui</strong> do<br />
jornal A Tar<strong>de</strong>, das pessoas que estavam presentes no Ministério do Trabalho<br />
(Justiça do Trabalho), só tinham dois trabalhadores não lesionados. O restante todo<br />
era diretor sindical e alguns, alguns lesionados, quer dizer, às vezes, pra você ter<br />
idéia, as entida<strong>de</strong>s promovem ações, manifestações <strong>para</strong> cobrar da justiça ou até das<br />
empresas, mas o próprio pessoal que já é acometido também não participa. (Membro<br />
da CIPA, 2008).<br />
Na opinião <strong>de</strong> uma trabalhadora do CIFN, a falta <strong>de</strong> ações mais constantes, incisivas e<br />
organizadas por parte do sindicato é apenas um reflexo da falta <strong>de</strong> organização e interesse da<br />
própria base metalúrgica em eleger a questão do adoecimento por LER como priorida<strong>de</strong>.<br />
Às vezes tem reuniões <strong>de</strong> lesionados, mas os lesionados quando eles saem da Ford,<br />
quando eles estão afastados, as pessoas se dispersam, não querem nem mais ouvir<br />
falar em Ford. Então assim, não procuram ir no sindicato, não procuram seus<br />
direitos, não procuram saber <strong>de</strong> nada. Não adianta o sindicato estar sozinho,<br />
enten<strong>de</strong>u? O sindicato não adianta estar sozinho. Os trabalhadores, na verda<strong>de</strong>, eles<br />
também são morosos. Então, na verda<strong>de</strong>, são morosos e <strong>de</strong>ixam. Então eu vejo<br />
assim, não é o sindicato que tem que puxar, o sindicato tá ali <strong>para</strong> botar a cara na<br />
frente, mas o movimento tem partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da fábrica, também. (Operadora <strong>de</strong><br />
linha <strong>de</strong> montagem, 2009).<br />
Entretanto, acreditamos que a falta <strong>de</strong> iniciativa e interesse da base metalúrgica não exime o<br />
sindicato da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se posicionar na vanguarda do movimento e criar estratégias<br />
bem estruturadas com vistas a promover o enfrentamento da questão, já que estamos nos<br />
referindo a uma entida<strong>de</strong> com noventa anos <strong>de</strong> atuação à frente do movimento operário
metalúrgico baiano. Nesse caso, concordamos com Pina (1999) quando este se refere à<br />
“maneira excessivamente tímida” com que as organizações <strong>de</strong> trabalhadores industriais têm se<br />
posicionado em relação ao adoecimento por LER, quando com<strong>para</strong>das aos sindicatos dos<br />
“trabalhadores <strong>de</strong> escritório” e no caso dos metalúrgicos do CIFN, um dos pilares da luta<br />
contra o adoecimento <strong>de</strong>ve passar pelo questionamento da organização taylorizada do<br />
trabalho, evi<strong>de</strong>nciada na falta <strong>de</strong> pausas durante a jornada, na velocida<strong>de</strong> da linha <strong>de</strong><br />
montagem e nos riscos <strong>de</strong> natureza ergonômica e <strong>para</strong> isso é necessário antes <strong>de</strong> tudo,<br />
questionar a própria natureza das formas <strong>de</strong> controle do processo <strong>de</strong> trabalho.<br />
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
O estudo <strong>de</strong> caso realizado teve o objetivo <strong>de</strong> investigar a atuação do Sindicato dos<br />
Metalúrgicos <strong>de</strong> Camaçari diante da ocorrência dos casos <strong>de</strong> LER entre os trabalhadores do<br />
Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste. A investigação buscou, sob a forma <strong>de</strong> problema <strong>de</strong><br />
pesquisa, compreen<strong>de</strong>r quais os posicionamentos e atitu<strong>de</strong>s do sindicato e dos trabalhadores,<br />
em relação ao adoecimento por LER no trabalho.<br />
A instalação <strong>de</strong> novas fábricas <strong>de</strong> automóveis em regiões localizadas longe do ABC paulista,<br />
principal centro da indústria automobilística brasileira, insere-se em um con<strong>texto</strong> marcado<br />
pela busca das gran<strong>de</strong>s montadoras <strong>de</strong> se beneficiarem do crescimento do mercado<br />
consumidor <strong>de</strong> veículos automotores no Brasil, uma vez que nos países do centro do<br />
capitalismo a relação habitante/carro já se encontrava bastante baixa. O lançamento do Novo<br />
Regime Automotivo, em 1995, que estabeleceu a concessão <strong>de</strong> incentivos fiscais <strong>para</strong> as<br />
montadoras que <strong>de</strong>cidissem investir na construção <strong>de</strong> novas unida<strong>de</strong>s, acabou acelerando uma<br />
tendência que cedo ou tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com especialistas, acabaria se concretizando.<br />
Em relação à montadora americana Ford, a instalação da sua fábrica na Bahia, on<strong>de</strong> são<br />
fabricados o Ecosport e o Fiesta, nas versões hatch e sedan, foi <strong>de</strong>terminante <strong>para</strong> a<br />
recuperação da competitivida<strong>de</strong> da empresa nos mercados brasileiro e sul-americano. Assim,<br />
a partir <strong>de</strong> 2002, a montadora começou a reverter a tendência <strong>de</strong> queda nas vendas, que havia<br />
se agravado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final da fracassada parceria com a Volkswagen, que durou <strong>de</strong> 1987 a<br />
1995, quando a participação da montadora nas vendas internas do mercado brasileiro caiu<br />
significativamente, chegando a atingir a preocupante marca <strong>de</strong> 6,7% em 2001, ano em que a<br />
planta <strong>de</strong> Camaçari entrou em operação. Logo, a estratégia <strong>de</strong> direcionar a produção <strong>para</strong> o<br />
mercado <strong>de</strong> carros populares, em expansão no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> 90, mostrou-<br />
se extremamente bem sucedida, como pô<strong>de</strong> ser observado através dos números divulgados<br />
pela companhia.<br />
A escolha <strong>de</strong> Camaçari <strong>para</strong> receber a nova fábrica foi fundamental no processo <strong>de</strong><br />
recuperação da companhia e, nesse caso, dois fatores foram fundamentais <strong>para</strong> que a<br />
montadora escolhesse a Bahia. O primeiro <strong>de</strong>les diz respeito a concessão <strong>de</strong> incentivos fiscais<br />
por parte dos governos fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal e os investimentos feitos pelo governo<br />
local em obras <strong>de</strong> infra-estrutura, como construção <strong>de</strong> estradas, re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong><br />
127
energia elétrica, etc., além da construção <strong>de</strong> um terminal marítimo <strong>de</strong> uso exclusivo da<br />
montadora. O segundo fator está relacionado à estratégia comercial da empresa que, com a<br />
crise do Mercosul, <strong>de</strong>cidiu ampliar sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exportação <strong>para</strong> outros mercados além<br />
do sul-americano. Nesse caso a proximida<strong>de</strong> geográfica da Bahia em relação a esses<br />
potenciais mercados acabou se configurando em um diferencial a favor do estado.<br />
No estudo realizado, concluímos que as teses que consi<strong>de</strong>ram a falta <strong>de</strong> tradição sindical nas<br />
regiões que passaram a receber os novos investimentos, os chamados greenfields, como fator<br />
<strong>de</strong>terminante na escolha <strong>de</strong>ssas regiões pelas montadoras não se confirmaram em nossa<br />
análise em relação ao Complexo Industrial Ford Nor<strong>de</strong>ste, uma vez que o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
industrial da Bahia a partir da década <strong>de</strong> 1950 marcado pela construção da Refinaria<br />
Landulpho Alves e, mais tar<strong>de</strong>, do Centro Industrial <strong>de</strong> Aratu e do Pólo Petroquímico <strong>de</strong><br />
Camaçari, nos anos 1960 e 1970, respectivamente, proporcionou o surgimento <strong>de</strong> sindicatos<br />
bastante atuantes no setor industrial, com um longo histórico <strong>de</strong> greves e mobilizações,<br />
principalmente nas décadas <strong>de</strong> 1970 e 1980. Aliás, acreditamos que a variável “tradição<br />
sindical” como fator que em tese seria levado em consi<strong>de</strong>ração pelas empresas no momento<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidirem a respeito das regiões on<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>m operar <strong>de</strong>ve ser relativizado, pois a crise<br />
geral do sindicalismo, mais do que arrefecer a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilização dos sindicatos, tem<br />
feito até mesmo alguns <strong>de</strong>les participarem ao lado dos governos estudais das mobilizações em<br />
torno da atração <strong>de</strong>sses investimentos, como mostramos no caso da instalação da Ford na<br />
Bahia.<br />
A estratégia da empresa <strong>de</strong> contratar principalmente jovens em busca do primeiro emprego se<br />
por um lado confirmou a busca por trabalhadores sem experiência no convívio coletivo e na<br />
luta sindical, por outro, não impediu que, conforme observamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos <strong>de</strong><br />
operação da planta, esses trabalhadores, juntamente com o sindicato que os representa<br />
buscassem reverter as condições adotadas pela montadora com o objetivo <strong>de</strong> reduzir os custos<br />
<strong>de</strong> produção, a exemplo da utilização do banco <strong>de</strong> horas; do trabalho em turnos fixos – o que<br />
obriga a montadora a pagar adicional noturno a apenas um grupo <strong>de</strong> trabalhadores – da<br />
jornada semanal <strong>de</strong> 44 horas e o pagamento <strong>de</strong> um piso salarial bem abaixo do praticado na<br />
outra planta da companhia localizada em São Paulo.<br />
A alteração <strong>de</strong> alguns pontos do contrato <strong>de</strong> trabalho, que na época estava entre os piores<br />
contratos do setor automobilístico, colocou-se como um <strong>de</strong>safio à ação sindical. Tomando-se<br />
128
como referência as pesquisas efetuadas nos boletins do sindicato; os contatos feitos com os<br />
sindicatos que representam os trabalhadores das fábricas instaladas no Brasil nos últimos<br />
anos, como Renault, Peugeot e GM, no Paraná, Rio <strong>de</strong> Janeiro e Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,<br />
respectivamente e os diálogos informais com trabalhadores da Ford, em Camaçari,<br />
constatamos que os ganhos no piso salarial nos últimos anos foram bastante significativos.<br />
Logo, levando-se em conta apenas as fábricas instaladas fora <strong>de</strong> São Paulo, observou-se que a<br />
remuneração básica paga aos metalúrgicos em Camaçari está atrás apenas da praticada no<br />
Paraná, on<strong>de</strong> os trabalhadores também auferiram ganhos representativos se com<strong>para</strong>dos ao<br />
piso salarial pago em 2000, quando a fábrica da Renault estava com pouco mais <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong><br />
operação. Além disso, constatamos avanços também na redução da jornada <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> 44<br />
<strong>para</strong> 40 horas semanais e no reajuste <strong>de</strong> 52% no pagamento da Participação nos Lucros.<br />
Vale salientar também que embora a remuneração média paga pelas empresas do CIFN esteja<br />
muito abaixo da praticada pelas empresas do setor químico e petroquímico do Pólo Industrial<br />
<strong>de</strong> Camaçari, o que se <strong>de</strong>ve tomar como referência é que através das mobilizações dos<br />
trabalhadores da montadora e das empresas terceirizadas, tanto em forma <strong>de</strong> greves como <strong>de</strong><br />
<strong>para</strong>lisações pontuais da produção, foi possível conquistar uma expressiva diminuição da<br />
diferença entre os salários pagos nas fábricas da Ford em São Paulo e na Bahia, on<strong>de</strong> o piso<br />
salarial <strong>de</strong> um operador <strong>de</strong> linha <strong>de</strong> montagem representava cerca <strong>de</strong> 35% do que era pago a<br />
um trabalhador na mesma função na fábrica <strong>de</strong> São Bernardo do Campo. Logo, as condições<br />
<strong>de</strong>sfavoráveis impostas pela empresa conduziram o conjunto dos trabalhadores ao<br />
questionamento do contrato <strong>de</strong> trabalho em vigor, ensejando a articulação <strong>de</strong> um movimento<br />
que, sob a li<strong>de</strong>rança do sindicato da categoria forçou a montadora e suas sistemistas a reverem<br />
e alterar alguns pontos constituintes do acordo coletivo adotado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a implantação do<br />
complexo automobilístico, principalmente aqueles que dizem respeito às chamadas “cláusulas<br />
econômicas”, embora o banco <strong>de</strong> horas e o trabalho em turno fixo ainda continuem vigorando<br />
no acordo coletivo.<br />
Entretanto, se as mobilizações com vistas a promover maiores ganhos salariais marcou<br />
constantemente a ação sindical <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos <strong>de</strong> operação do CIFN, o mesmo não<br />
se observou em relação ao questionamento das condições <strong>de</strong> trabalho a que estavam<br />
submetidos os trabalhadores do complexo automobilístico. Logo, observamos que os avanços<br />
em relação à remuneração foram conquistados a um custo social muito alto, o que significa<br />
dizer que as questões que diziam respeito à saú<strong>de</strong> dos trabalhadores, mais especificamente à<br />
129
ocorrência dos casos <strong>de</strong> LER, não motivaram nenhum tipo <strong>de</strong> ação concreta, como<br />
<strong>para</strong>lisações, greves e outras formas <strong>de</strong> mobilização <strong>para</strong> o enfrentamento do problema, como<br />
ocorreu com as lutas pela elevação do piso salarial e do valor pago na Participação nos Lucros<br />
e Resultados, embora tanto sindicalistas como trabalhadores <strong>de</strong>monstrem ter claro<br />
conhecimento da dimensão dos problemas relacionado aos agravos à saú<strong>de</strong> no complexo<br />
automobilístico, o que nos levou a concluir, então, que a atuação do sindicato no campo da<br />
saú<strong>de</strong> do trabalhador têm se pautado por ações esporádicas e assistemáticas, inexistindo, por<br />
conseguinte, uma estratégia clara e bem <strong>de</strong>finida <strong>para</strong> o enfrentamento do problema. Assim,<br />
sindicato e trabalhadores parecem ter elegido tacitamente os assuntos relativos à remuneração<br />
como priorida<strong>de</strong> <strong>para</strong> as mobilizações, como pô<strong>de</strong> ser percebido nas análises dos boletins da<br />
entida<strong>de</strong> distribuídos aos trabalhadores entre 2001 e 2008, pois até mesmo nas reivindicações<br />
em torno da redução da jornada semanal <strong>de</strong> trabalho, os benefícios relativos à preservação da<br />
saú<strong>de</strong> dos trabalhadores apareciam como conseqüência indireta e secundária <strong>de</strong>ssa medida e<br />
mais: mesmo após os avanços significativos em relação ao aumento do piso salarial e no<br />
pagamento da Participação nos Lucros a questão do adoecimento por LER não passou a<br />
figurar como priorida<strong>de</strong>, o que <strong>de</strong>monstra que a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilização observada em<br />
relação às “cláusulas econômicas” não foi canalizada <strong>para</strong> o enfrentamento das questões<br />
relacionadas à saú<strong>de</strong> do trabalhador.<br />
Além disso, a formação específica recebida <strong>para</strong> a operação das plantas do complexo<br />
automobilístico parece limitar consi<strong>de</strong>ravelmente ou praticamente anular as chances <strong>de</strong><br />
inserção em uma ativida<strong>de</strong> semelhante, em caso <strong>de</strong> perda do emprego. Disso resulta que o<br />
medo <strong>de</strong> ficar <strong>de</strong>sempregado e a conseqüente dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> recolocação no mercado <strong>de</strong><br />
trabalho, em uma região cujas taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego estão entre as mais altas do país e on<strong>de</strong> a<br />
maior parte dos empregos <strong>para</strong> seus habitantes é gerada nos setores do comércio ou <strong>de</strong><br />
serviços, on<strong>de</strong> a remuneração está aquém da praticada pelas empresas do CIFN, inibe –<br />
sobretudo no espaço intrafabril, no cotidiano da linha <strong>de</strong> produção – ações mais ofensivas e<br />
contestatórias dos trabalhadores em relação aos elementos da organização do trabalho<br />
causadores dos agravos à saú<strong>de</strong>.<br />
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