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Confluências Nº 7 - Maio/Jun. 2009 - Escola Secundária de Camões

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“Vê que aqueles que <strong>de</strong>vem à pobreza<br />

Amor divino, e ao povo, carida<strong>de</strong>,<br />

Amam somente mandos e riqueza,<br />

Simulando justiça e integrida<strong>de</strong>.<br />

Da feia tirania e <strong>de</strong> aspereza<br />

Fazem direito e vã severida<strong>de</strong>.<br />

Leis em favor do Rei se estabelecem;<br />

As em favor do povo só perecem.”<br />

<strong>Camões</strong> (Os Lusíadas, IX,XXVIII)<br />

<strong>Confluências</strong><br />

UMA LEITURA<br />

A morte <strong>de</strong> Ivan Ilitch, Leon Tolstoi<br />

(tradução <strong>de</strong> Adolfo Casais Monteiro)<br />

Página 3<br />

Neste livro, Tolstoi confronta o leitor com a morte, ao contar a perturbante história <strong>de</strong> um ambicioso e respeitado juiz que, apesar <strong>de</strong> ter<br />

levado uma vida pacífica, praticamente sem problemas e cheia <strong>de</strong> sucessos, se <strong>de</strong>para com uma doença que lhe será fatal. Acompanhamos<br />

assim a agonia <strong>de</strong>ste juiz que, ao mesmo tempo que lida com esta misteriosa doença, tenta arranjar uma justificação para isto lhe acontecer<br />

a ele e não outra pessoa, revendo todo o seu passado e opções que fizera, e vivendo numa agonia, dor e solidão crescente, até ao dia da morte.<br />

O livro começa retratando o dia em que Ivan Ilitch faleceu. Surpreen<strong>de</strong>ntemente, os supostos amigos <strong>de</strong> Ivan Ilicht, que pertenciam também<br />

ao mundo judicial, têm uma atitu<strong>de</strong> muito fria relativamente a este acontecimento. Ao invés <strong>de</strong> lamentarem o triste acontecimento,<br />

tudo o que pensaram foi a influência que tal acontecimento teria nas suas vidas profissionais e carreiras, pensamentos como: “Agora obterei<br />

com certeza o lugar <strong>de</strong> Schtabel ou o <strong>de</strong> Vinnikov”, por Fiodor Vassilievitch, e “Preciso ver se consigo agora a transferência <strong>de</strong> meu cunhado<br />

<strong>de</strong> Kaloga para cá”, por Piotr Ivanovitch (os amigos mais chegados <strong>de</strong> Ivan Ilitch). Além <strong>de</strong> interpretarem a morte <strong>de</strong> Ivan Ilicht como um<br />

factor que ajudaria toda a gente a subir na carreira, os colegas <strong>de</strong> trabalho também mantiveram a triste atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> alegria ao pensarem<br />

“não fui eu, foi ele quem morreu, ao menos ainda estou vivo!”.<br />

Piotr Ivanovicht, sendo dos melhores amigos <strong>de</strong> Ivan Ilitch, sente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, ao tomar conhecimento da morte <strong>de</strong> seu camarada,<br />

visitar a casa a família <strong>de</strong>ste. Em casa da família <strong>de</strong> Ilicht reinava por momentos um clima sombrio, triste, e pesado. Piotr Ivanovicht, ao<br />

observar o corpo do amigo e todo este clima <strong>de</strong> escuridão, sentiu uma ponta <strong>de</strong> tristeza e compaixão para com a família, mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> realizar<br />

o seu <strong>de</strong>ver como camarada <strong>de</strong> Ivan Ilicht, partiu ao encontro <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> cartas com amigos.<br />

De seguida, o autor faz uma analepse na história, <strong>de</strong>screvendo toda a vida <strong>de</strong> Ivan Ilitch com gran<strong>de</strong> pormenor: filho <strong>de</strong> um funcionário<br />

<strong>de</strong> ministério que, a partir <strong>de</strong> certa altura, apenas possuia um lugar fictício, continuando a receber<br />

um or<strong>de</strong>nado apesar <strong>de</strong> ser um inútil – era o segundo <strong>de</strong> três filhos: o primeiro seguiu uma<br />

carreira análoga à do pai, e o terceiro era um completo falhado. Estudou na <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Direito,<br />

on<strong>de</strong> finalizou os seus estudos com notas brilhan- tes e, apesar <strong>de</strong> constantemente mudar <strong>de</strong> lugar<br />

<strong>de</strong> residência e <strong>de</strong> trabalho, foi cada vez progre- dindo mais na sua carreira. Para on<strong>de</strong> quer que<br />

fosse, criava relações e uma reputação <strong>de</strong> homem agradável e alegre. As pessoas respeitavam-no e<br />

gostavam da sua jovialida<strong>de</strong>, alegria e bom humor fora das horas <strong>de</strong> trabalho, pois, quando<br />

exercia as suas funções, era um perfeccionista rigoroso.<br />

Assim, Ivan vivia uma vida muito próxima da perfeita até conhecer e se casar com Prascovia<br />

Fiodorovna. Este casamento não tinha como base o amor, mas sim o facto <strong>de</strong>, ao casar-se, Ivan<br />

Ilitch concretizar o seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> constituir famí- lia e, ao mesmo tempo, com este acto agradar às<br />

pessoas colocadas em cargos mais altos.<br />

Depois, com a gravi<strong>de</strong>z, Fiodorovna passou a perturbar a existência correcta e agradável <strong>de</strong><br />

Ivan Ilitch, tornando-se irritadiça, mostrando-se ciumenta sem motivo aparente e procurando<br />

discussões. Sempre que se dava uma discussão entre os dois, Ilitch virava-se para o trabalho e só<br />

se preocupava com sua carreira, coisa que o fazia feliz e o afastava <strong>de</strong> quaisquer problemas.<br />

Até então, Ivan Ilitch conseguira ter uma vida praticamente sem problemas, agradável, correcta<br />

e com êxito.<br />

No entanto, a pouco e pouco, sua doença foi mostrando indícios: tudo começara com um gosto<br />

estranho na boca que sentia esporadicamente, e uma leve impressão do lado esquerdo do ventre.<br />

Após frequentar diversos médicos conceituados, não havia chegado a qualquer conclusão sobre a<br />

natureza <strong>de</strong> sua doença, e esta ia-se agravando cada vez mais.<br />

Acamado, doente, e sabendo que irá morrer, nada resta a Ilitch senão a luci<strong>de</strong>z para se indagar sobre este acontecimento.<br />

O leitor assiste então, a monólogos e pensamentos verda<strong>de</strong>iramente surpreen<strong>de</strong>ntes e assustadores, sobre o sentido da vida e a morte.<br />

Antes <strong>de</strong> mais, <strong>de</strong>vo dizer que o livro me surpreen<strong>de</strong>u <strong>de</strong> uma maneira que nenhum outro o fizera até agora. Não fazia i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que um<br />

livro com apenas 91 páginas po<strong>de</strong>ria carregar consigo tanto conteúdo, abordando temas tão interessantes e ao mesmo tempo assustadores.<br />

Está escrito <strong>de</strong> uma forma muito clara, com linguagem simples e bastante acessível, embora com um pequeno, mas muito importante<br />

pormenor. Tolstoi escreve <strong>de</strong> uma forma tão intensa, tão envolvente que faz o leitor acreditar que se po<strong>de</strong> encontrar nessa situação, sentindo<br />

o que Ivan Ilitch sentia, pensando o que Ivan Ilicht pensava.<br />

Na minha opinião, a habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Liev Tolstoi transpor para os olhos e mente do leitor o sofrimento e agonia, quase (senão <strong>de</strong> facto)<br />

impossíveis <strong>de</strong> suportar, vividos pela personagem principal à medida que o livro se aproxima do seu <strong>de</strong>sfecho, é simplesmente avassaladora,<br />

inigualável e única, pois até agora não encontrei nenhum escritor que tão bem <strong>de</strong>screva o sofrimento, a dor, o caos e o drama pessoais.<br />

Quanto aos problemas e temas subjacentes a este livro, o livro foca os dois talvez mais importantes e incertos temas existentes: o sentido<br />

da vida e da morte. Temas e questões para as quais a resposta é, e sempre será, incerta; no entanto, a perspectiva <strong>de</strong> um indivíduo que sempre<br />

levou uma vida aparentemente muito próxima da perfeita e que, <strong>de</strong> repente, se confronta com a doença que o irá matar (só não sabe ele<br />

quando) não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser extremamente interessante e curiosa, porém perturbadora.<br />

Além <strong>de</strong>stas características principais do livro, é no entanto importante salientar que “A morte <strong>de</strong> Ivan Ilitch” adquire também um tom<br />

crítico na apreciação da socieda<strong>de</strong>, ou melhor, da classe social que o livro foca: o facto <strong>de</strong> poucos se preocuparem com a morte <strong>de</strong> Ivan Ilitch,<br />

com excepção da família, e imediatamente pensarem no impacto que isso terá nas suas carreiras, incluindo os amigos mais próximos, e <strong>de</strong><br />

vários indivíduos ocuparem “cargos fantasma” perante a justiça, on<strong>de</strong> não realizam qualquer trabalho, continuando no entanto a ganhar<br />

or<strong>de</strong>nados que po<strong>de</strong>m chegar a gran<strong>de</strong>s quantias, faz com que aquela socieda<strong>de</strong> seja caracterizada como hipócrita, em que a amiza<strong>de</strong> para<br />

pouco serve, a não ser como meio <strong>de</strong> obter cargos e or<strong>de</strong>nados mais elevados.<br />

Concluindo, um livro muito bom que vale a pena ler, <strong>de</strong> fácil leitura e gran<strong>de</strong> reflexão.<br />

Hugo Rocheteau, 11º A

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