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BROQUÉIS<br />
<strong>João</strong> <strong>da</strong> <strong>Cruz</strong> e <strong>Sousa</strong><br />
- “O poeta negro” ou “O Cisne Negro” ou “O Dante Negro” ou “O poeta” -<br />
O AUTOR<br />
Nasceu em 1861, na antiga Desterro, foi generosamente adotado por senhores brancos e<br />
criado como filho. Recebeu educação esmera<strong>da</strong> e aos vinte anos já dirigia um jornal. Publicou<br />
Tropos e Fantasias em colaboração com Virgílio Várzea. Em função <strong>da</strong> hostili<strong>da</strong>de dos<br />
brancos, deixou sua terra. Percorreu o Brasil e foi recebido em vários lugares como um<br />
grande poeta. Casou-se com Gavita, negra, com quem teve quatro filhos. Após a morte do<br />
pai, <strong>da</strong> mãe e de dois filhos, lutou ain<strong>da</strong> com a loucura <strong>da</strong> mulher e com a miséria. Acometido<br />
de uma tuberculose violenta, faleceu em Minas Gerais sendo transportado para o Rio de<br />
Janeiro em um vagão de cavalos. Foi enterrado dignamente por iniciativa e à custa de José<br />
do Patrocínio.<br />
CARACTERÍSTICAS DO AUTOR<br />
· Maior representante do Simbolismo em nível nacional e internacional;<br />
· Sua poesia é reconheci<strong>da</strong> como uma <strong>da</strong>s cinco melhores entre os simbolistas de todo<br />
o mundo, a melhor entre os sul-americanos;<br />
· Formalmente ligado às marcas parnasianas: à métrica, às rimas, às formas fixas (o<br />
soneto) mas sem a obrigatorie<strong>da</strong>de dos modelos;<br />
· Simbolista no vocabulário e na temática;<br />
· Sua obra tem a marca <strong>da</strong> pereni<strong>da</strong>de;<br />
· Considerava a arte como libertação: “ela não pode ter fórmulas”;<br />
· Incomparável sensibili<strong>da</strong>de auditiva, mestre <strong>da</strong> musicali<strong>da</strong>de.<br />
OBRAS<br />
- Tropos e Fantasias em colaboração com Virgílo Várzea<br />
- Missal e <strong>Broquéis</strong><br />
- Evocações<br />
- Faróis<br />
- Últimos sonetos<br />
CONTEXTO HISTÓRICO<br />
O surgimento do simbolismo no Brasil deveu-se a alguns fatores:<br />
*político*<br />
a Revolta <strong>da</strong> Arma<strong>da</strong> deflagra<strong>da</strong> pela Marinha de Guerra em 1893/4 contra o governo de<br />
Floriano Peixoto e a Revolução Federalista, inicialmente, uma disputa regional, também se<br />
opõe ao governo, marcando os estados sulistas com sangrentos episódios que geram a<br />
melancolia e a angústia no espírito <strong>da</strong> juventude.<br />
*climático*<br />
o clima frio e as brumas hibernais <strong>da</strong> região sul favorecem o cenário para a sedimentação do<br />
movimento que tematicamente valoriza os estados <strong>da</strong> alma, a sugestão, o misticismo.<br />
*cultural* chega<strong>da</strong> ao Brasil de livros de poemas de simbolistas europeus: Rimbaud,<br />
Mallarmé, Baudelarie, Verlaine.<br />
Simbolismo
· Período de transição que marcou a última déca<strong>da</strong> do século XIX e as duas primeiras do séc.<br />
XX (1893-1922), aproxima<strong>da</strong>mente.<br />
· Caracteriza-se pela negação do Realismo e suas manifestações: o cientificismo, o<br />
racionalismo, o materialismo, o positivismo.<br />
· Criação literária basea<strong>da</strong> no inconsciente, na sugestão, na associação de idéias e imagens.<br />
· Predomínio do subjetivismo, religiosi<strong>da</strong>de, misticismo e ocultismo.<br />
· Tom vago, impreciso, nebuloso que resulta na poesia ilógica, obscura, fecha<strong>da</strong>.<br />
· Musicali<strong>da</strong>de (A música acima de tudo).<br />
· Destaque para o emprego de recurso, como: metáforas, aliterações, sinestesias, analogias,<br />
comparações.<br />
· Linguagem e idéias fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s na sugestão – “sugerir, eis o sonho”.<br />
O LIVRO: <strong>Broquéis</strong><br />
Livro de poesias publicado em 1893 juntamente com Missal, livro em prosa, e marcam o<br />
início do Simbolismo no Brasil. É constituído de 54 poemas, entre eles Antífona, poema que<br />
abre o livro como uma “profissão de fé” simbolista. Destaque para os poemas Regina Coeli,<br />
Serpente de Cabelos, Encarnação, Ângelus, Siderações, Braços, Lua, Supremo Desejo,<br />
Sinfonias do Ocaso que serão analisados neste estudo.<br />
O TÍTULO – BROQUEL – do francês – um tipo de escudo espartano, redondo e pequenino.<br />
Em sentido figurado: defesa, amparo, proteção.<br />
Análise dos Poemas<br />
Antífona:<br />
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras<br />
De luares, de neves, de neblinas!...<br />
Ó Formas vagas, flui<strong>da</strong>s, cristalinas...<br />
Incensos dos turíbulos <strong>da</strong>s aras...<br />
Formas do Amor, constelarmente puras,<br />
De Virgens e de Santas vaporosas...<br />
Brilhos errantes, mádi<strong>da</strong>s frescuras<br />
E dolências de lírios e de rosas...<br />
Indefiníveis músicas supremas,<br />
Harmonias <strong>da</strong> Cor e do Perfume...<br />
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,<br />
Réquiem do sol que a Dor <strong>da</strong> Luz resume...<br />
Visões, salmos e cânticos serenos,<br />
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...<br />
Dormência de volúpicos venenos<br />
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...<br />
Infinitos espíritos dispersos,<br />
Inefáveis, edênicos, aéreos,<br />
Fecun<strong>da</strong>i o Mistério destes versos,<br />
Com a chama ideal de todos os mistérios.<br />
Do Sonho as mais azuis diafanei<strong>da</strong>des<br />
Que fuljam, que na Estrofe se levantem<br />
E as emoções, to<strong>da</strong>s as casti<strong>da</strong>des<br />
Da alma do Verso, pelos versos cantem
Que o pólen de ouro dos mais finos astros<br />
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...<br />
Que brilhe a correção dos alabastros<br />
Sonoramente, luminosamente.<br />
Forças originais, essência, graça<br />
De carnes de mulher, delicadezas...<br />
Todo esse eflúvio que por on<strong>da</strong>s passa<br />
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...<br />
Cristais diluídos de clarões álacres,<br />
Desejos, vibrações, ânsias, alentos<br />
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,<br />
Os mais estranhos estremecimento...<br />
Flores negras do tédio e flores vagas<br />
De amores vãos, tantálicos, doentios...<br />
Fun<strong>da</strong>s vermelhidões de velhas chagas<br />
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...<br />
Poema composto para servir de introdução ao livro <strong>Broquéis</strong>, transformando-se em síntese do<br />
Simbolismo, é a maior expressão de sinestesia, que se dilui no vago, no abstrato.<br />
Desde os primeiros versos o autor expressa sua fixação pelo branco “Ó Formas alvas,<br />
brancas. Formas claras,/ De luares, de neves, de neblinas!.../ através de sinônimos ou de<br />
palavras que remetem a essa cor. (num total de nove, apenas na 1ª estrofe)<br />
Em todo o poema estão presentes as maiúsculas alegorizantes: Ó Formas... De Virgens...<br />
Harmonias <strong>da</strong> Cor e do Perfume... Horas do Ocaso... Do Éter... quiméricos do Sonhos...<br />
característica típica do Simbolismo.<br />
A Sinestesia, a grande “estrela” desse estilo, envolve todo o poema como nos versos “Que<br />
brilhe a correção dos alabastros / Sonoramente, luminosamente” em e que os dois advérbios<br />
exprimem magnificamente a dupla procura <strong>da</strong> música e <strong>da</strong> cor; “Harmonias <strong>da</strong> Cor e do<br />
Perfume” ampliam esse universo com a presença do cheiro...<br />
A gra<strong>da</strong>ção que se segue após o pronome indefinido no verso: “Tudo! vivo e nervoso e<br />
quente e forte” é reforça<strong>da</strong> pela palavra “turbilhões” que explode entre o limite do mundo<br />
material e do sono, no poema, representado pela palavra Morte.<br />
Em “Dormência de volúpticos venenos”, “Sutis e suaves...”o emprego <strong>da</strong> aliteração produz<br />
efeitos musicais que se incorporam à sugestão que o som sibilante do fonema /ç/ evoca em<br />
todo o primeiro quarteto e, por inúmeras vezes, repetido ao longo do poema.<br />
Livro <strong>da</strong> fase inicial, percebe-se ain<strong>da</strong> niti<strong>da</strong>mente o subjetivismo como uma angústia<br />
represa<strong>da</strong> que de forma mística, quase religiosa conclama a uma nova ordem de realização<br />
poética: “Ó Formas alvas... Ó Formas vagas... Fecun<strong>da</strong>i (tu) o Ministério destes versos...”<br />
Assim a linguagem de cunho simbolista está presente em todo o texto: a sugestão: “Ó Formas<br />
vagas, flui<strong>da</strong>s, cristalinas”, “Do Sonhos as mais azuis diafanei<strong>da</strong>des...” – ou de cunho<br />
religioso: “De Virgens e Santas vaporosa..., “Réquiem do Sol que a Dor <strong>da</strong> Luz resume”.<br />
Como se fossem pincéis espalhando cores e matizes diversos, as palavras surgem revelando<br />
um cromatismo poético que nos remetem:<br />
- ao branco: “alvas”, “brancas”, “claras”, “luares”, “neves”, “neblinas”, “cristalinas”, “puras”,<br />
“virgens”, “lírios”, “alabastros”, “aras”<br />
- ao azul: “Éter”(espaço celeste), “azuis diafanei<strong>da</strong>des”<br />
- ao amarelo: “pólen de ouro”, “áureas correntezas”, “Fulvas”, “do sol”
- ao vermelho: “Horas do Ocaso”, “vermelhidões”, “chagas em sangue”<br />
Regina Coeli<br />
Ó Virgem branca, Estrela dos altares,<br />
Ó Rosa pulcra dos Rosais polares!<br />
Branca, do alvor <strong>da</strong>s âmbulas sagra<strong>da</strong>s<br />
E <strong>da</strong>s níveas camélias regela<strong>da</strong>s.<br />
Das brancuras <strong>da</strong> se<strong>da</strong> sem desmaios<br />
E <strong>da</strong> lua de linho em nimbo e raios.<br />
Regina Colei <strong>da</strong>s sidérias flores,<br />
Hóstia <strong>da</strong> Extrema-Unção de tantas dores.<br />
Ave de prata azul, Ave dos astros...<br />
Santelmo aceso, a cintilar nos mastros.<br />
Gôndola etérea de onde o Sonho emerge...<br />
Água Lustral que o meu Pecado asperge.<br />
Bandolim do luar, Campo de giesta,<br />
Igreja matinal gorjeando em festa.<br />
Aroma, Cor e som <strong>da</strong>s La<strong>da</strong>inhas<br />
De maio e Vinha verde dentre as vinhas.<br />
Dá-me, através de cânticos, de rezas,<br />
O Bem, que almas acerbas torna ilesas.<br />
O Vinho d’ouro, ideal, que purifica<br />
Das seivas juvenis a força rica.<br />
Ah! faz surgir, que brote e que floresça<br />
A Vinha d’ouro e o vinho resplandeça.<br />
Pela Graça imortal dos teus Reinados<br />
Que a Vinha os frutos desabroche iriados.<br />
Que frutos, flores, essa Vinha brote<br />
Do céu sob estrelado chamalote.<br />
Que a luxúria poreje de áureos cachos<br />
E eu um vinho de sol beba aos riachos.<br />
Virgem, Regina, Eucaristia, Coeli,<br />
Vinho é o clarão que teu Amor impele.<br />
Que desabrocha ensangüenta<strong>da</strong>s rosas<br />
Dentro <strong>da</strong>s naturezas luminosas.<br />
Ó Regina do Mar! Colei! Regina!
Ó Lâmpa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s naves do Infinito!<br />
Todo o Ministério azul desta Surdina<br />
Vem d’estranhos Missais de um novo Rito!...<br />
Poema-oração à Virgem, expressa o “vago impulso para a liturgia e misticismo”, sem contudo<br />
denotar a fé católica.<br />
Elaborado em dísticos – estrofes de dois versos decassílabos, com rimas emparelha<strong>da</strong>s (a, a<br />
– b, b...).<br />
O poeta dirige-se à Virgem a partir de vocativos “’O Virgem branca”, “Estrelas dos altares”, “Ó<br />
Rosa pulcra dos Rosai polares”, ambientado-a não em lugar fechado e estático, mas em um<br />
plano etéreo, acima do espaço material, sugerido pelas palavras: “siderais flores”, “Ave de<br />
prata e azul, Ave dos astros...”, “Gôndola etérea”, “Bandolim do luar”, “Lâmpa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s naves do<br />
Infinito”- a quem ele pede: “Dá-me... o Bem...”, e finaliza como num ritual místico, sorvendo o<br />
“Vinho d’ouro, ideal, que purifica”, repetindo sua invocação: “Virgem, Regina, Eucaristia,<br />
Coeli”, “Ó Regina do Mar! Colei! Regina!”<br />
Lua<br />
Clâmides frescas, de brancuras frias,<br />
Finíssimas <strong>da</strong>lmáticas de neve<br />
Vestem as longas árvores sombrias,<br />
Surgindo a Lua nebulosa e leve...<br />
Névoas e névoas frígi<strong>da</strong>s ondulam...<br />
Alagam lácteos e fulgentes rios<br />
Que na enluara<strong>da</strong> refração tremulam<br />
Dentre fosforescências, calafrios...<br />
E ondulam névoas, cetinosas ren<strong>da</strong>s<br />
De virginais, de prônubas alvuras...<br />
Vagam bala<strong>da</strong>s e visões e len<strong>da</strong>s<br />
No flórido noivado <strong>da</strong>s Alturas...<br />
E fria, fluente, frouxa clari<strong>da</strong>de<br />
Flutua como as brumas de um letargo...<br />
E erra no espaço, em to<strong>da</strong> a imensi<strong>da</strong>de,<br />
Um sonho doente, cilicioso, amargo...<br />
Da vastidão dos páramos serenos,<br />
Das siderais abóba<strong>da</strong>s cerúleas<br />
Cai a luz em antífonas, em trenos,<br />
Em misticismos, orações e dúlias...<br />
E dentre os marfins e as pratas diluí<strong>da</strong>s<br />
Dos lânguidos clarões tristes e enfermos,<br />
Com grinal<strong>da</strong>s de roxas margari<strong>da</strong>s<br />
Vagam as virgens de cismares ermos...<br />
Cabelos torrenciais e dolorosos<br />
Bóiam na son<strong>da</strong>s dos etéreos gelos.<br />
E os corpos passam níveis, luminosos,<br />
Nas on<strong>da</strong>s do luar dos cabelos...<br />
Vagam sombras gentis de mortas, vagam
Em grandes procissões, em grandes alas,<br />
Dentre as auréolas, os clarões que alagam,<br />
Opulências de pérolas e opalas.<br />
E a Lua vai clorótica fulgindo<br />
Nos seus alperces eterais e brancos,<br />
A luz gela<strong>da</strong> e páli<strong>da</strong> diluindo<br />
Das serranias pelos largos flancos...<br />
Ó Lua <strong>da</strong>s magnólias e do lírios!<br />
Geleira sideral entre as geleiras!<br />
Tens a tristeza mórbi<strong>da</strong> dos círios<br />
E a lividez <strong>da</strong> chama <strong>da</strong>s poncheiras<br />
Quando ressurges, quando brilhas e amas,<br />
Quando as luzes e amplidão constelas,<br />
Com os fulgores glaciais que tu derramas<br />
Dás febre o frio, dás nevrose, gelas...<br />
A tua dor cristalizou-se outrora<br />
Na dor profun<strong>da</strong> mais dilacera<strong>da</strong><br />
E <strong>da</strong>s dores estranhas, ó Astro, agora,<br />
És a suprema Dor cristaliza<strong>da</strong>!...<br />
Neste poema <strong>Cruz</strong> e <strong>Sousa</strong> é um compositor: com as tintas <strong>da</strong>s palavras vai sugerindo um<br />
quadro em que a figura central, a Lua, através de uma linguagem cifra<strong>da</strong>, menos precisa e<br />
lógica, aos poucos surge misteriosamente, apresentando-se como um ser transcendente que<br />
pira sobre tudo:<br />
“Vestem as longas árvores sombrias,<br />
Surgindo a Lua nebulosa e leve...”<br />
“E erra no espaço, em to<strong>da</strong> a imensi<strong>da</strong>de,”<br />
O poema ain<strong>da</strong> evidencia constante em seus versos por sua condição de negro eternamente<br />
fascinado pela brancura:<br />
“Clâmides frescas, de brancuras frias,<br />
Finíssimas <strong>da</strong>lmáticas de neve”<br />
“Névoas névoas frígi<strong>da</strong>s ondulam.<br />
Alagam lácteos e fulgentes rios”<br />
A musicali<strong>da</strong>de, “presença obrigatória em sua poesia”, atinge ponto alto nos versos: “E fria,<br />
fluente, frouxa clari<strong>da</strong>de / Flutua como as brumas de um letargo...” em que a combinação <strong>da</strong>s<br />
sílabas: fri – flu – fro – flu produzem uma espécie de polifonia, suaviza<strong>da</strong> pelos sons <strong>da</strong>s<br />
palavras brumas de um letargo.<br />
A temática de imagens estelares se fundem a imagens físicas, corpóreas: “e os corpos<br />
passam níveos, luminosos, /Nas on<strong>da</strong>s do luar e dos cabelos...”<br />
Aqui a Lua é a mulher metaforiza<strong>da</strong> em noiva,<br />
“Ó Lua <strong>da</strong>s magnólias e dos lírios”.<br />
“Quando ressurges, quando brilhas e amas”.<br />
Com grinal<strong>da</strong>s... vagam as Virgens...”<br />
Supremo Desejo<br />
1. Eternas, imortais origens vivas
2. Da luz, do Aroma, segre<strong>da</strong>ntes vozes<br />
3. Do mar e luares de contemplativas,<br />
4. Vagas visões volúpticas, velozes...<br />
5. Ala<strong>da</strong>s alegrias sugestivas<br />
6. De asa radiante e bran<strong>da</strong> de albornozes,<br />
7. Tribos gloriosas, fúlgi<strong>da</strong>s, altivas,<br />
8. De condores e de águias e albatrozes...<br />
9. Espiritualizai nos Astros loiros.<br />
10. Do sol entre os clarões imorredouros.<br />
11. To<strong>da</strong> esta dor que na minh’alma clama...<br />
12. Quero vê-la subir, ficar cantando<br />
13. Na chama <strong>da</strong>s Estrelas, <strong>da</strong>rdejando<br />
14. Nas luminosas sensações de chama.<br />
· Considerando o aspecto formal, este poema é um soneto (14 versos disposto em dois<br />
quartetos e dois tercetos) – rimas alterna<strong>da</strong>s (a b a b) ricas e pobres.<br />
· Quanto ao aspecto estilístico – temático, desde o título já ocorre uma postura<br />
subjetiva, revelando um desejo supremo, em que o adjetivo não tem uma definição<br />
rigorosa;<br />
· A DOR (verso 11), para ele, física, senti<strong>da</strong>, é, através de sinestesias, eleva<strong>da</strong> a algo<br />
espiritual, etéreo, em que se misturam imagens visuais (imortais origens vivas/ <strong>da</strong><br />
Luz) e olfativas (do Aroma...) e auditivas (...segre<strong>da</strong>ntes vozes...)<br />
· Essas imagens ganham amplitude com o pedido para que a sua dor seja<br />
espiritualiza<strong>da</strong>: “Espiritualizai nos Astros louros ..... To<strong>da</strong> essa dor que na minh’alma<br />
chama....” “Quero vê-la subir, ficar cantando / Na chama <strong>da</strong>s Estrelas....”<br />
· Há forte presença de palavras – imagens que remetem à idéia de luz e de vozes<br />
domar...”, “vagas visões...”, “Ala<strong>da</strong>s alegrias sugestivas...”, “asa radiante e branca”,<br />
“Astros loucos do Sol...”.<br />
· verso, (4): “Vagas visões volúpticas, velozes”produz aliteração, que também ocorre<br />
nas palavras: “albornoses”, “gloriosas”, “fulgi<strong>da</strong>s”, “altivas”, “albatrozes”, “sol”- esse<br />
recurso reforça a sugestão espacial bem defini<strong>da</strong> com o verbo “subir”: “To<strong>da</strong> essa<br />
dor... Quero vê-la subir...”<br />
As palavras ganham significado transcendente, absoluto, com maior expressivi<strong>da</strong>de ao serem<br />
grafa<strong>da</strong>s com a maiúsculas alegorizantes ...do Aroma...”, “nos Astros”, “...<strong>da</strong>s Estrelas”.<br />
Como se fosse possível, o poeta remete sua dor a um outro plano, numa atitude ao mesmo<br />
tempo masoquista e libertadora.<br />
Encarnação<br />
Carnais, sejam carnais tantos desejos,<br />
Carnais, sejam carnais tantos anseios,<br />
Palpitações e frêmitos e enleios,<br />
Das harpas <strong>da</strong> emoção tantos arpejos...<br />
Sonhos, que vão, por trêmulos adejos,<br />
À noite, ao lugar, entumescer os seios<br />
Lácteos, de finos azulados veios<br />
De virgin<strong>da</strong>de, de pudor, de pejos...<br />
Sejam carnais todos os sonhos brumos<br />
De estranhos, vagos, estrelados rumos
Onde as Visões do amor dormem gela<strong>da</strong>s...<br />
Sonhos, palpitações, desejos e ânsias<br />
Formem, com clari<strong>da</strong>des e fragrâncias,<br />
A encarnação <strong>da</strong>s lívi<strong>da</strong>s Ama<strong>da</strong>s!<br />
* Enfatizando a temática sexual, esse soneto mostra a violenta atração do poeta por imagens<br />
de forte sensuali<strong>da</strong>de, repeti<strong>da</strong>s vezes, como nos versos: “Carnais, sejam carnais tantos<br />
desejos”. Essa carnali<strong>da</strong>de explícita é suaviza<strong>da</strong> na figura <strong>da</strong>s “lívi<strong>da</strong>s Ama<strong>da</strong>s”, embora<br />
reforcem a sua obsessão pela cor branca e por tudo aquilo que lhe sugere brancura: “...os<br />
seios lácteos, de finos e azulados veios...”. A imagem se completa com a sinestesia<br />
provoca<strong>da</strong> pelos versos: “sonhos, palpitações desejos e ânsias / Formem, com clari<strong>da</strong>des e<br />
fragrâncias...”. A cor e o cheiro se fundem como elemento essencial do erotismo – cujo desejo<br />
nunca foi plenamente realizado.<br />
Braços<br />
Braços nervosos, brancas opulências<br />
Brumais brancuras, fúgi<strong>da</strong>s brancuras,<br />
Alvuras castas, viginais alvuras,<br />
Lactescências <strong>da</strong>s raras lactescências.<br />
As fascinantes, mórbi<strong>da</strong>s dormências<br />
Dos teus braços de letais flexuras,<br />
Produzem sensações de agres tonturas,<br />
Dos desejos as mornas florescências.<br />
Braços nervosos, tentadoras serpes<br />
Que prendem, tetanizam como os herpes,<br />
Dos delírios na trêmula coorte...<br />
Pompa de carnes tépi<strong>da</strong>s e flóreas,<br />
Braços de estranhas correções marmóreas<br />
Abertos para o Amor e para a Morte!<br />
Mais um hino à brancura, ao seu desejo incontido pela mulher branca (desejado pela mulher<br />
de classe dominante?)<br />
Nesse soneto fica evidente o seu desejo físico, palpável, metaforizado na imagem erótica de:<br />
“Braços nervosos, Brancas opulências”<br />
“Produzem sensações de agres torturas...”<br />
To<strong>da</strong>s essas imagens são marca<strong>da</strong>s por uma angústia e tensão, características de um<br />
simbolista cujo desejo carnal ficou sempre irrealizado, pois o seu fim tanto pode ser o Amor<br />
como a Morte.<br />
Serpente de Cabelos<br />
A tua trança negra e desmancha<strong>da</strong><br />
por sobre o corpo nu, torso inteiriço,<br />
claro, radiante de esplendor e viço<br />
ah! lembra a noite de astros apaga<strong>da</strong>.<br />
Luxúria deslumbrante e avelu<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
através desse mármore maciço<br />
<strong>da</strong> carne, o meu olhar nela espreguiço
felinamente, nessa trança ondea<strong>da</strong>.<br />
E fico absoluto, num torpor de coma,<br />
na sensação narcótica do aroma,<br />
dentre a vertigem túrbi<strong>da</strong> dos zelos.<br />
És a origem do Mal, és a nervosa<br />
serpente tentadora e tenebrosa,<br />
tenebrosa serpente de cabelos!...<br />
Dentro <strong>da</strong> temática <strong>da</strong> sensuali<strong>da</strong>de esse soneto canta as formas femininas e compara a<br />
mulher a uma serpente, criando uma imagem de forte apelo erótico:<br />
“Luxúria deslumbrante e avelu<strong>da</strong><strong>da</strong>/<br />
através desse mármore maciço/<br />
de carne...”<br />
Seduzido pelo desejo, ele se identifica com um animal que:<br />
“...o meu olhar nela espreguiço / felinamente, nessa trança ondea<strong>da</strong>.”<br />
Mas tudo fica no plano <strong>da</strong> imaginação, que o deixa “absorto”, “num torpor de coma”, “na<br />
sensação narcótica”, “a vertigem”- (de másculo reprimido)<br />
Finaliza relacionando a imagem feminina à “origem do Mal” numa visão ao mesmo tempo<br />
sensual e mística.<br />
Siderações<br />
Para as Estrelas de cristais gelados<br />
as ânsias e os desejos vão subindo,<br />
galgando azuis e siderais noivados<br />
de nuvens brancas e amplidão vestindo...<br />
Num cortejo de cânticos alados<br />
os arcanjos, as cítaras ferindo,<br />
passam, <strong>da</strong>s vestes nos troféus protelados,<br />
as asas de outro finamente abrindo...<br />
Dos etéreos turíbulos de neve<br />
claro incenso aromal, límpido e leve,<br />
as on<strong>da</strong>s nevoentas de Visões levanta...<br />
E as ânsias e os desejos infinitos<br />
vão com arcanjos formulados ritos<br />
<strong>da</strong> Eterni<strong>da</strong>de que nos Astros canta...<br />
Outra temática presente nos seus poemas é o Misticismo característica <strong>da</strong> nova fase<br />
(Simbolismo) em que se opõem matéria e espírito, corpo e alma.<br />
Há um clima onde predomina o vago, o abstrato, porém voltado para uma esfera superior,<br />
aqui evidenciado através <strong>da</strong>s palavras:<br />
“Para as estrelas/ ...as ânsias e desejos vão subindo/ galgando azuis i siderais noivados...”<br />
Mais do que nunca, há uma linguagem simbólica intensamente subjetiva que busca o eu no<br />
universo, a essência do ser humano, através de incursões a regiões etéreas, espaciais,<br />
ilimita<strong>da</strong>s: “a amplidão vestindo”, os arcanjos / Num cortejo de cânticos alados, passam...”<br />
O vocabulário foi cui<strong>da</strong>dosamente trabalhado através de palavras e expressões que acentuam<br />
a sugestão mística: “arcanjos”, “turíbulos”, “incenso”, “infinitos”, “ritos”, “Eterni<strong>da</strong>de”.<br />
Ângelus
Ah! lilazes de Ângelus harmoniosos,<br />
Neblina vesperais, crepusculares,<br />
Guslas gementes, bandolins saudosos,<br />
Plangências magoadíssimas dos ares...<br />
Sereni<strong>da</strong>des etereais d’incensos,<br />
De salmos evangélicos, sagrados,<br />
Saltérios, harpas dos Azuis imensos,<br />
Névoas de céus espiritualizados.<br />
Ângelus fluidos, de luar dormente,<br />
Diafanei<strong>da</strong>des e melancolias...<br />
Silêncio vago, bíblico, pungente<br />
De to<strong>da</strong>s as profun<strong>da</strong>s liturgias.<br />
E nas horas dos Ângelus, nas horas<br />
Do claro-escuro emocional aéreo,<br />
Que surges, Flor do Sol, entre as sonoras<br />
Ondulações e brumas do Mistério.<br />
Surges talvez, do fundo de umas eras<br />
De doloroso e turvo labirinto,<br />
Quando se esgota o vinho <strong>da</strong>s Quimeras<br />
E os veneno românticos do absinto.<br />
Apareces por sonhos neblinantes<br />
Com requinte de graça e nervosismos,<br />
Fulgores flavos de festins flamantes,<br />
Como a Estrela Polar dos Simbolismos.<br />
Num enlevo supremo eu sinto, absorto,<br />
Os teus maravilhosos e esquisitos<br />
Tons siderais de um astro rubro e morto,<br />
Apagado nos brilhos infinitos.<br />
O teu perfil todo o meu ser esmalta<br />
Numa auréola imortal de formosuras<br />
E aprece que rútilo ressalta<br />
De góticos missais de iluminuras.<br />
Ressalta com a dolência <strong>da</strong>s Imagens,<br />
Sem a forma vital, a forma viva,<br />
Com os segredos <strong>da</strong> Lua nas paisagens<br />
E a mesma palidez meditativa.<br />
Nos êxtases dos místicos os braços<br />
Abro, tentado <strong>da</strong> carnal beleza...<br />
E cuido ver, na bruma dos espaços,<br />
De mãos postas, a orar, Santa Teresa!<br />
Em <strong>Cruz</strong> e <strong>Sousa</strong>, menos que o significado denotativo, as palavras revelam nuanças<br />
melódicas e multi-significativas.<br />
A leitura desse, como <strong>da</strong> maioria dos seus poemas, é pura sugestão que revela outras
dimensões de mundo: “Sereni<strong>da</strong>des eterais d’incensos”, “Névoas de céus espiritualizados”.<br />
As palavras perdem seu valor expressivo racional para desaguara num universo simbólico,<br />
através de semelhanças(1), comparações(2), analogias(3) e sinestesias(4):<br />
1. “Neblinas vesperais, crepusculares”<br />
2. “Quando se esgota o vinho <strong>da</strong>s Quimeras”<br />
3. “...bandolins saudosos,/ Plangências magoadíssimas”<br />
4. “Tons siderais ...apagado nos brilhos.”<br />
Sonori<strong>da</strong>de e musicali<strong>da</strong>de – ao mesmo tempo suave e intensa, típicas expressões do<br />
simbolismo, como nestes versos em que a repetição do “s” intensifica um clima indefinido,<br />
vago:<br />
“Ah! Lilazes de Ângelus harmoniosos,<br />
Neblinas vesperais, crepusculares<br />
Guslas gementes, bandolins saudosos<br />
Plangências magoadíssimas dos ares...”<br />
e em “Fulgores flavos de festins flamantes” a aliteração, de forma sutil, cria uma música de<br />
palavras.<br />
Há o encontro com o sagrado, não aos molde <strong>da</strong>s religiões, mas na imaginação, totalmente<br />
livre de estereótipos:<br />
“Sereni<strong>da</strong>des eterais d’incensos<br />
De salmos evangélicos, sagrados,”<br />
“E cuido a ver, na bruma dos espaços,<br />
De mãos postas, a orar, Santa Teresa!”<br />
Sinfonias do Ocaso<br />
Musselinosas como brumas diurnas<br />
descem do ocaso as sombras harmoniosas,<br />
sombras vela<strong>da</strong>s e musselinosas<br />
para as profun<strong>da</strong>s solidões noturnas.<br />
Sacrários virgens, sacrossantas urnas,<br />
os céus resplendem de sidéreas rosas,<br />
<strong>da</strong> lua e <strong>da</strong>s Estrelas majestosas<br />
iluminando a escuridão <strong>da</strong>s furnas.<br />
Ah! por estes sinfônicos ocasos<br />
A terra exala aromas de áureas vasos,<br />
Incensos de turíbulos divinos.<br />
Os plenitúnios mórbidos vaporam...<br />
E como que no Azul plangem e choram<br />
cítaras, harpas, bandolins, violinos...<br />
O soneto é construído com a mistura de um vocabulário ora litúrgico: “”Sacrários”, “virgens”,<br />
“sacrossantas”, “incensos”, “turíbulos”, “divinos” e ora cósmico: “ocaso”, “céus”, “sidéreas”,<br />
“Lua”, “Estrelas”, criando imagens de luz, de transparência, de brancura que promovem uma<br />
“viagem” para além do tempo e do espaço: uma viagem espiritual, abstrata.<br />
É muito forte a presença <strong>da</strong> sinestesia em que o apelo olfativo “a terra exala aromas de<br />
áureos vasos.” Se encontra com sons musicais: “E como que no Azul plangem e choram<br />
cítaras, harpas, bandolins, violinos...” sensaçõe s anuncia<strong>da</strong>s no título através <strong>da</strong> palavra
Sinfonia.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Em Missal, o autor diz: “Para mim, as palavras, como têm colorido e som, têm do mesmo<br />
modo sabor”. Essa concepção de poesia foi a marca de <strong>Cruz</strong> e <strong>Sousa</strong>.<br />
Tendo começado a escrever ain<strong>da</strong> sob a influência parnasiana e condoreira, compôs, no<br />
início de sua ativi<strong>da</strong>de literária, poemas antiescravagistas.<br />
Mas a força <strong>da</strong> estética simbolista o conquistou definitivamente: abusou de uma “linguagem<br />
menos precisa e lógica, mais sugestiva e musical por meio do ciframento, <strong>da</strong> ambigüi<strong>da</strong>de e<br />
de associações inespera<strong>da</strong>s ou inexplicáveis, para que ela pudesse aproximar-se <strong>da</strong>quilo que<br />
a razão seria incapaz de perceber, atingindo assim algum tipo de transcendência”. Por isso,<br />
chegou-se a dizer que sem ele não teríamos essa estética em nossa literatura.<br />
Autor <strong>da</strong> mais famosa aliteração simbolista, cuja musicali<strong>da</strong>de tornou inigualável esta estrofe<br />
do poema Violões que choram:<br />
“Vozes vela<strong>da</strong>s, veludosas vozes,<br />
Volúpias dos violões, vozes vela<strong>da</strong>s,<br />
Vagam nos velhos vórtices vorazes<br />
Dos ventos, vivas, vãs, vulcaniza<strong>da</strong>s...”<br />
Embora inicialmente estivesse preso a um subjetivismo, no qual expressa sua dor e<br />
sofrimento de homem negro, sua obra evoluiu para posições universalizantes ao sintonizar-se<br />
com a dor e a angústia do ser humano.