Cidades Mortas - Monteiro Lobato - Estação do Conhecimento
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CIDADES MORTAS<br />
<strong>Monteiro</strong> <strong>Lobato</strong><br />
*Profa. Maria Jerusa Rodrigues Marinho<br />
1. O AUTOR – DADOS BIOGRÁFICOS<br />
José Renato <strong>Monteiro</strong> <strong>Lobato</strong> ( o segun<strong>do</strong> nome, depois, foi substituí<strong>do</strong> por Bento), nasceu em<br />
Taubaté, em 1882. Cursa Direito por imposição da família. Participa de grupos e jornais literários e<br />
depois de forma<strong>do</strong> é nomea<strong>do</strong> promotor público. Torna-se fazendeiro ao herdar a fazenda <strong>do</strong> avô,<br />
a qual é vendida para que ele crie a Editora <strong>Monteiro</strong> <strong>Lobato</strong>. Embora tenha dinamiza<strong>do</strong> o merca<strong>do</strong><br />
livreiro, sua editora vai à falência, o que o leva à imprensa <strong>do</strong> Rio de Janeiro, onde passa a ser<br />
colabora<strong>do</strong>r. Mora em Nova York, e na Argentina, que acolhe muito bem suas obras,<br />
principalmente as infantis. Participa de inúmeras campanhas públicas e até foi preso por suas<br />
idéias revolucionárias. Morre vítima de espasmo pulmonar a 04 de outubro de 1948.<br />
2. OBRAS<br />
Literatura em Geral – Urupês, <strong>Cidades</strong> <strong>Mortas</strong>, Idéias de Jeca Tatu, A Onda Verde, O Choque das<br />
Raças ou O Presidente Negro, O Escândalo <strong>do</strong> Petróleo, entre outras. – Literatura Infantil –<br />
Narizinho Arrebita<strong>do</strong>, O Saci, Fábulas de Narizinho, O Marquês de Rabicó, A Caçada da Onça,<br />
Aventuras <strong>do</strong> Príncipe, História <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, As Caçadas de Pedrinho, Emília no País da Gramática,<br />
História das Invenções, Geografia da Dona Benta, Dom Quixote das Crianças, entre dezenas de<br />
outras obras.<br />
3. CARACTERÍSTICAS GERAIS<br />
ü Escritor combativo e arroja<strong>do</strong>.<br />
ü Autor de contos, ensaio e crítica polêmica.<br />
ü Primeiro escritor a elaborar um projeto editorial para crianças.<br />
ü Defensor de uma língua sem a “gramatiquice” – o velório da língua.<br />
ü Defensor ar<strong>do</strong>so das riquezas brasileiras; famoso é o seu grito de guerra: O Petróleo é Nosso!<br />
ü Um aristocrata (menino de tempo <strong>do</strong> império) republicano.<br />
ESPAÇO<br />
Itaoca é uma cidadezinha qualquer <strong>do</strong> interior paulista onde o escritor ambienta suas histórias;<br />
nela, aparecem casas de tapera, ruas mal iluminadas, políticos corruptos, patriotas, ignorância,<br />
miséria. Representa todas as cidadezinhas que <strong>Lobato</strong> viu se afundarem no vale <strong>do</strong> Paraíba.<br />
ESTRUTURA DA OBRA<br />
<strong>Cidades</strong> <strong>Mortas</strong>, A vida em Oblivion, Os Perturba<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Silêncio, Vidinha Ociosa, Cavalinhos,<br />
Noite de São João, O Pito <strong>do</strong> Reveren<strong>do</strong>, Pedro Pichorra, Cabelos Compri<strong>do</strong>s, O Resto de Onça,<br />
Por Que Lopes se casou, Júri na Roça, Gens Ennyyeux, o Fíga<strong>do</strong> Indiscreto, O Plágio, O Romance<br />
<strong>do</strong> Chopin, O Luzeiro Agrícola, A Cruz de Ouro, De Como Quebrei a Cabeça à Mulher <strong>do</strong> Melo, O<br />
Espião Alemão, Café Café, Toque Outra, Um Homem de Consciência, Anta que Berra, O Avô de<br />
Crispim, Era no Paraíso, Um Homem Honesto, O Rapto, A Nuvem de Gafanhotos, Tragédia de um<br />
Capão de Pintos.<br />
ENREDOS<br />
1. CIDADES MORTAS<br />
Primeiro conto e nome da coletânea faz um retrato das cidades <strong>do</strong> Norte de São Paulo, no vale <strong>do</strong><br />
Paraíba, nos áureos tempos <strong>do</strong> café: “Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver<br />
decrépito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as sau<strong>do</strong>sas grandezas dantes”. Nos soberbos<br />
casarões, vivem plantas, umedecidas pelas goteiras; os móveis empoeira<strong>do</strong>s ainda guardam o<br />
esplen<strong>do</strong>r da época com seus candelabros azinhavra<strong>do</strong>s, cujas dezoito velas não se acendem e<br />
tu<strong>do</strong> cheira a bolor e velhice: “São os palácios mortos da cidade morta”. Larga<strong>do</strong> numa praça,
encontra-se o antigo teatro, que nos áureos tempos recebeu grandes artistas. Os ricos mudaramse<br />
para o Rio, São Paulo e Europa e os que ficaram amargam uma vida sem horizonte. A única<br />
ligação com o mun<strong>do</strong> se resume no “cordão umbilical <strong>do</strong> correio”. Tu<strong>do</strong> contribui para o aspecto de<br />
aban<strong>do</strong>no, pois as cidades não têm som que indique vida; só os velhos sons coloniais ainda<br />
restam – “o sino, o chilreio das an<strong>do</strong>rinhas na torre da igreja, o rechino <strong>do</strong>s carros de boi, o<br />
cincerro das tropas raras, o taralhar das baitacas que em ban<strong>do</strong> rumoroso cruzam e recruzam o<br />
céu”. Tal desolação é maior na área urbana, mas o campo também dá sinais de pouca vitalidade.<br />
2. A VIDA EM OBLIVION<br />
Referência à cidade onde morou, batizada de Oblivion, de onde partiram sues filhos atraí<strong>do</strong>s por<br />
novas terras, permanecen<strong>do</strong> ali “os de vontade anemiada, débeis, faquirianos.” “Mesmeiros”, que<br />
to<strong>do</strong>s os dias fazem as mesmas coisas, <strong>do</strong>rmem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos,<br />
comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a<br />
passada propriedade, lamuriam o presente e pitam – pitam longos cigarrões de palha, mata<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong> tempo”.<br />
Entre as originalidades de Oblivion, figuram alguns livros e entre eles a obra a ILHA MALDITA de<br />
Bernar<strong>do</strong> Guimarães: “Lê-lo é ir para o mato, para a roça”, mas não uma roça autenticamente<br />
brasileira e sim enfeitada de moças refinadas e termos citadinos. “Bernar<strong>do</strong> falsifica nosso mato...<br />
ele mente.” O autor ridiculariza os poucos livros ali existentes e a alienação de seus mora<strong>do</strong>res.<br />
3. PERTUBADORES DO SILÊNCIO<br />
A permanente quietude da cidade é apenas quebrada por alguns “perturba<strong>do</strong>res”: o sino da igreja,<br />
a capina das ruas com seu raspar das enxadas, o coaxar <strong>do</strong>s sapos. “A algazarra das crianças à<br />
saída <strong>do</strong> grupo escolar e ainda o ranger <strong>do</strong>s ferros <strong>do</strong> carrinho da Câmara, coma uma roda só.”<br />
4. A VIDINHA OCIOSA<br />
Em Apólogo ironiza o mal da nossa raça: preguiça de pensar “dizen<strong>do</strong> que cem fazendeiros em<br />
cinco minutos pipocavam os macha<strong>do</strong>s nas perobas, mas não seriam capazes de se deter meia<br />
hora sobre um papel”.<br />
Em A mesmice mostra os <strong>do</strong>is motivos que “mantêm a cidade: a botica (fonte de mexerico<br />
permanente) e o jogo.<br />
A folhinha – referência ao calendário de parede que distingue os dias da semana <strong>do</strong> <strong>do</strong>mingo,<br />
quan<strong>do</strong> as praças se movimentam e os bares vendem mais pinga.<br />
Touradas – o antigo velódromo foi transforma<strong>do</strong> em circo de touros com apresentações aos<br />
populares que se dividem em torcidas.<br />
A enxada e o parafuso – recurso usa<strong>do</strong> no teatrinho da cidade para dar início ao espetáculo;<br />
quan<strong>do</strong> um mambembe forasteiro quis substituí-la por três pancadinhas no assoalho dizen<strong>do</strong> ser<br />
moda em Paris, o povo não aceitou, “cada terra com seu uso”.<br />
Rabulices – relata o dia em que os advoga<strong>do</strong>s e rábulas se reúnem para a sessão de Júri<br />
discorren<strong>do</strong> lentamente sobre seus conhecimentos, fazen<strong>do</strong> daquele um momento de “interminável<br />
prosa sobre processos, atos judiciários, movimentos forenses, nomeações, negócios profissionais,<br />
pilhérias jurídicas.<br />
Pé no chão – história pitoresca de uma criança e o uso de apenas um pé de sapato, pois a escola<br />
não admite aluno descalço, enquanto o outro é guarda<strong>do</strong>, assim o par de botina dura o <strong>do</strong>bro.<br />
Tu<strong>do</strong> isso em nome da “inconomia”.<br />
Barquinho de papel – costume antigo usa<strong>do</strong> por crianças, após a chuva: barquinhos de papel são<br />
coloca<strong>do</strong>s na enxurrada, e até os namora<strong>do</strong>s se valem desse costume para mandar mensagens de<br />
amor.<br />
O herege – referência às brincadeiras das crianças: ciranda, pega<strong>do</strong>r, a senhora pastora, cantigas<br />
de perguntas e respostas.<br />
Juquita – menino travesso, terror <strong>do</strong>s animais pequenos.<br />
O Jesuíno – outro herói daquela esquecida cidade: o oficial de justiça, cheio de histórias para<br />
contar sobre suas atividades e como os intima<strong>do</strong>s o recebem.
5. CAVALINHOS<br />
em tom de saudade, Lauro rememora os tempos em que o pai os levava ao circo de cavalinhos; o<br />
palhaço e suas cambalhotas, as músicas, os tabuleiros de <strong>do</strong>ces... “O encanto de tu<strong>do</strong> aquilo,<br />
porém, estava morto, tanto é certo que a beleza das coisas não reside nelas, senão na gente”.<br />
6. A NOITE DE SÃO JOÃO<br />
Ainda persistem algumas tradições e, entre elas, a festa ao re<strong>do</strong>r da fogueira, onde se<br />
confraternizam os fandanguistas – “Um dilúvio de pés estangui<strong>do</strong>s – pés de marmanjões, pés<br />
calça<strong>do</strong>s e pés-no-chão, pezinhos de crianças, pés brancos, pés pretos e pés mulatos – das<br />
criadinhas e molecotes crias de casa” – Ao som da “sanfona que gemia cadenciada”, mas súbito,<br />
“chiou ao longe um buscapé de limalha que, qual raio epilético, envere<strong>do</strong>u pelo meio <strong>do</strong> povo aos<br />
corcovos, crian<strong>do</strong> o pânico e debandada”. Gengibrada em bules fumegantes e um balão que sobe<br />
na noite: “Bonito! Parece o Vesúvio!”<br />
7. O PITO DO REVERENDO<br />
Aguardan<strong>do</strong> importante hóspede em sua casa, o reveren<strong>do</strong> de Itaoca vê a caseira arrumar tu<strong>do</strong>, <strong>do</strong><br />
chão ao teto, preparar o melhor prato e imagina seus tristes dias de abstinência sem o prazer de<br />
seu pito. Quan<strong>do</strong> o visitante chega, de ilustre não tinha nada, e o “padre sorveu de um trago o café<br />
e refloriu a cara de to<strong>do</strong>s os sorrisos de beatitude; desabotoou a batina, atirou com os pés para<br />
acima da mesa, expeliu um suculento arroto de bem-aventurança e berrou para a cozinha: Maria,<br />
dá cá o pito”.<br />
8. PEDRO PICHORRA<br />
História de um menino que aos <strong>do</strong>ze anos ganhara sua faca de ponta, sinal de virilidade. Porém,<br />
de volta de uma cavalgada até um sítio vizinho, e já quase de noite, sua égua empina a orelha e<br />
passarinha; isto era um sinal de saci, E o me<strong>do</strong> lhe mostrou um “saci de braços espicha<strong>do</strong>s,<br />
barrigu<strong>do</strong>, com um olho de fogo que passeava pelo corpo”. Em casa, após o pai ter-lhe toma<strong>do</strong> a<br />
faca e lhe dizer que ele ainda usaria o canivete, explica o ocorri<strong>do</strong>. “A velha Miquelina havia<br />
deita<strong>do</strong> naquele dia a pichorra d’água a refrescar ao relento à beira <strong>do</strong> barranco, e um vaga-lumeguaçu<br />
pousara nela por acaso, justamente quan<strong>do</strong> o menino ia passan<strong>do</strong>...” Daí em diante passou<br />
a se chamar Pedro Pichorra.<br />
9. CABELOS COMPRIDOS<br />
Das Dores é ironicamente retratada: uma moça feia e desengraçada, cujo único atributo são os<br />
longos cabelos, inversamente proporcionais às usa idéias; repetia fórmulas prontas e não se dava<br />
ao trabalho de pensar e de ter seus conceitos próprios, Assim era vista como “Coitada das Das<br />
Dores, tão boazinha...”Apenas isso: boazinha. O cúmulo se deu quan<strong>do</strong> um padre que viera à<br />
cidade recomen<strong>do</strong>u ser necessário refletir em cada palavra da oração para que elas tivessem<br />
efeito. Foi o que Das Dores fez, passou a soletrar palavra por palavra <strong>do</strong> Pai Nosso e buscar seus<br />
mais varia<strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s, concluin<strong>do</strong> pela primeira vez, que aquilo era uma asneira.<br />
10. O RESTO DA ONÇA<br />
O autor se declara avesso aos contos formais que tornam difíceis a leitura e compreensão; assim,<br />
para avaliar um bom conto, pede que sua cozinheira, que tem paladar apura<strong>do</strong>, faça a leitura e dê<br />
a opinião a respeito. A história de um caça<strong>do</strong>r da região ilustra o fato – Resto de Onça, é o nome<br />
de um corajoso homem, ou o que dele restou em confronto com uma onça. Dessa forma, a<br />
narrativa popular, com um devi<strong>do</strong> trato supera as histórias com “a arquimaça<strong>do</strong>ra psicologia <strong>do</strong> Sr.<br />
Alberto de Oliveira”.<br />
11. POR QUE LOPES SE CASOU<br />
Lopes e Lucas eram <strong>do</strong>is amigos desde a infância; Lucas está casa<strong>do</strong>, com <strong>do</strong>ze filhos e amarga<br />
uma triste vida <strong>do</strong>méstica: seu lar é uma praça de guerra e a esposa o avesso da noiva, a que ele<br />
dedicara tantos versos, sonetos e serenatas, além de enfrentar sua família que era contra o<br />
casamento. Depois de ouvir os desabafos de Lucas, Lopes resolveu se casar: “Se tinha de acabar<br />
como o Lucas, levasse sobre ele, ao menos a vantagem de menor cópia de versos à futura
cascavel”. Porque lhe pareceu que o maior sofrimento <strong>do</strong> Lucas havia de ser o remorso da enorme<br />
bagagem de versos pré-nupciais. E era”.<br />
12. JÚRI DA ROÇA<br />
Há possibilidade de este conto ser a transposição <strong>do</strong> único caso em que o advoga<strong>do</strong> <strong>Lobato</strong> tomou<br />
parte, quan<strong>do</strong> era promotor em Areias – um júri é um acontecimento imperdível; to<strong>do</strong>s querem<br />
estar presentes; no início o espaço é disputa<strong>do</strong>, mas com o passar <strong>do</strong> tempo e a longa exposição<br />
<strong>do</strong> advoga<strong>do</strong>, aproximadamente por seis horas, o recinto vai-se esvazian<strong>do</strong> e, já alta noite, quan<strong>do</strong><br />
os jura<strong>do</strong>s se reúnem, sem saber como apresentar o resulta<strong>do</strong> e o juiz os convoca à nova<br />
reclusão, o final é hilariante: encontraram sobre a mesa <strong>do</strong>s jura<strong>do</strong>s um bilhete dizen<strong>do</strong> que o réu<br />
fora condena<strong>do</strong> à pena “maquecimo” (máxima – dedução <strong>do</strong> Juiz) que se espanta com a janela<br />
aberta por onde fugiram os jura<strong>do</strong>s. Na sala principal, o juiz acorda os policiais para procurarem o<br />
réu, que também havia fugi<strong>do</strong>. Eram três horas da madrugada!<br />
13. GENS ENNUYEUX<br />
Relato crítico de uma enfa<strong>do</strong>nha sessão científica, prestigiada pelas pessoas cultas da cidade,<br />
envergan<strong>do</strong> suas sobrecasacas e aparentan<strong>do</strong> enormes o interesse pelo assunto. Com o decorrer<br />
da conferência, to<strong>do</strong>s esboçam bocejo e a platéia perde sua pose inicial.<br />
14. O FÍGADO INDISCRETO<br />
Conto que relata com muito humor os apuros de um jovem quan<strong>do</strong> foi jantar em casa de sua futura<br />
noiva, e lhe foi servi<strong>do</strong> bife de fíga<strong>do</strong>, iguaria a que ele detestava. Consegue engoli-lo quase por<br />
inteiro e a futura sogra interpreta como se ele apreciasse aquele tipo de bife e coloca outro em seu<br />
prato. Não conseguin<strong>do</strong> repetir o feito, o rapaz o coloca no bolso; ao tirar o lenço; o bife cai no<br />
chão, e ele tenta desviar a atenção de to<strong>do</strong>s declaman<strong>do</strong> inúmeras poesias, mas, por fim, to<strong>do</strong>s<br />
percebem e ele passa a maior vergonha. Além disso, o noiva<strong>do</strong> se desfaz e o pai da noiva passa a<br />
dizer: “é um bom rapaz, mas com um grave defeito: quan<strong>do</strong> gostava de um prato não se<br />
contentava de comer e repetir – ainda levava escondi<strong>do</strong> no bolso o que podia” – Inácio, o noivo,<br />
teve de mudar de terra.<br />
15. O PLÁGIO<br />
Ernesto era um escrivão com interesses literário. Um dia leu o final de um romance e as palavras<br />
colaram em seu cérebro de tal forma que ele resolveu escrever para o jornal um conto com aquele<br />
soberbo final. Fez e recebeu <strong>do</strong>s amigos e conheci<strong>do</strong>s elogios ao texto e principalmente à beleza<br />
das palavras finais. Temen<strong>do</strong> que alguém encontrasse o livro original e descobrisse o plágio,<br />
comprou os volumes que encontrou e os queimou para espanto da esposa. Receoso de que os<br />
elogios insistentes eram referência proposital ao que fizera, via perigo e armação em to<strong>do</strong>s;<br />
afastou-se <strong>do</strong> convívio das pessoas, emagreceu, a<strong>do</strong>eceu. O tempo passou e Ernesto sobreviveu.<br />
Já era major, tinha seis filhos e continuava a fazer literatura – clandestinamente, embora.<br />
“Moralidade há nas fábulas. Na vida, muito pouca – ou nenhuma.”<br />
16. O ROMANCE DO CHOPIM<br />
Um dia, antes <strong>do</strong> início de uma sessão de cinema, uns amigos vêem um curioso casal entran<strong>do</strong> na<br />
sala. “Ele bem mais moço, tinha um ar vexa<strong>do</strong> e submisso de coisa humana, em singular contraste<br />
com o ar mandão da companheira. O estranho casal residia sobretu<strong>do</strong> nisso, no ar de cada um,<br />
senhoril <strong>do</strong> la<strong>do</strong> fraco, servil <strong>do</strong> la<strong>do</strong> forte. Inquilino e senhoria, quem manda e quem obedece;<br />
quem dá e quem recebe”. Um <strong>do</strong>s amigos aponta o homem com o beiço e murmura: - “Um chopim.<br />
– Chopim? – Quer dizer: mari<strong>do</strong> de professora. O povo alcunha-os desse mo<strong>do</strong> por analogia com o<br />
passarinho preto que vive à custa <strong>do</strong> tico-tico”.<br />
17. O LUZEIRO AGRÍCOLA<br />
Crítica a um funcionário público e por extensão ao Ministério da Agricultura por sua prática de<br />
órgão sem objetivos e gasta<strong>do</strong>r <strong>do</strong> dinheiro público. Um jovem poeta torna-se funcionário desse<br />
órgão e o seu chefe lhe dá como incumbência fazer um relatório. Sobre o quê, pergunta ele. Isso<br />
não importa. Você escolhe o assunto, faz o relatório e manda publicá-lo, há uma verba destinada
para tal fim. Após pensar muito a respeito, pesquisar isso e aquilo, Sizenan<strong>do</strong> Capistrano<br />
descobre, após a esposa lhe jogar na cara um prato de beldroega, que este era o vegetal que<br />
procurava! Gastou <strong>do</strong>is anos entre estu<strong>do</strong>s, elaboração <strong>do</strong> relatório e sua publicação. Tu<strong>do</strong> pronto,<br />
vai ao ministro livrar-se da incumbência, quan<strong>do</strong> ouve a seguinte resposta: “Mande a papelada<br />
para o forno de incineração da Casa da Moeda”. “Que queria que e fizesse de cinco mil<br />
exemplares de um relatório sobre a beldroega?... o mais prático é passar da tipografia ao forno”.<br />
Diante da estupefação <strong>do</strong> funcionário que pergunta ao Ministro o que faria depois, ouve o seguinte:<br />
- Escreva outro relatório . – Para ser queima<strong>do</strong> novamente? – É claro, homem!”<br />
18. A CRUZ DE OURO<br />
Dois coronéis <strong>do</strong> café (título recebi<strong>do</strong> por terem atingi<strong>do</strong> 10 mil arrobas de café) se encontram e<br />
falam sobre suas <strong>do</strong>enças e seus familiares. Um deles conta que a filha está de namoro com um<br />
rapaz pobre mas de boa família, o outro discorda dizen<strong>do</strong> que ele é primo de Chiquinho, um rapaz<br />
que deu um convite para Cruz de Ouro, uma prostituta, comparecer a um espetáculo no clube da<br />
Recreativa. Os <strong>do</strong>is comentam o absur<strong>do</strong> de tal presença num local freqüenta<strong>do</strong> por familiares. Ao<br />
sair da casa <strong>do</strong> amigo, o velho coronel se dirige à casa de Cruz de Ouro e tem dificuldade de<br />
marcar um encontro: a agenda dela está cheia, inclusive com o nome <strong>do</strong> outro coronel amigo.<br />
19. DE COMO QUEBREI A CABEÇA À MULHER DO MELO<br />
Convida<strong>do</strong> para jantar em casa de amigos, um homem explica que não gosta desse tipo de convite<br />
porque tem hábitos próprios: comer quan<strong>do</strong> e o que deseja à hora que quiser – o que não ocorreria<br />
em casa alheia, sujeito a horários e a cardápios estranhos. Essa recusa nascera de uma fatídica<br />
visita à casa de Melo – a anfitriã, desejosa de ser muito solícita, vai colocan<strong>do</strong> iguarias no prato <strong>do</strong><br />
visitante que protesta, mas com grande esforço consegue engolir; em da<strong>do</strong> momento, Melo corta o<br />
leitão e a esposa espeta um pedaço de carne e se dirige ao seu hóspede que não sabe como<br />
pegou uma garrafa e acertou-a na cabeça da mulher.<br />
20. O ESPIÃO ALEMÃO<br />
Conto que traduz com muito humor o espírito anti-germânico pre<strong>do</strong>minante no perío<strong>do</strong> da Primeira<br />
Guerra. Itaoca fora palco de um incidente singular; uma noite, um estranho vulto, de cabelos<br />
ruivos, com um saco às costas, provavelmente parte de um disfarce, foi visto na cidade. Forma<br />
acionadas as autoridades que após inúmeros esforços conseguem capturar o inimigo. Este não diz<br />
uma palavra compreensível, apenas repete “Ai eme inglix” que na tradução <strong>do</strong> padre local e<br />
pessoa mais culta <strong>do</strong> lugar significava “estou com fome”. Leva<strong>do</strong> com escolta para a capital, após<br />
despedidas, choros e discursos <strong>do</strong>s que temiam um ataque <strong>do</strong>s cúmplices <strong>do</strong> espião, a cidade<br />
sente-se temerosa, porém participante da insana II Guerra Mundial. Até que alguns dias depois<br />
chegou um telegrama ao chefe de polícia com a seguinte mensagem: “Verificamos prisioneiro<br />
súdito inglês. Receios complicação diplomática. Guardem reserva grotesco incidente”. O coronel<br />
José Pedro, não dan<strong>do</strong> braço a torcer, comunicou que recebera um telegrama confidencial “O<br />
caso é mais grave <strong>do</strong> que supus”. Assim, passou a história de Itacoca a certeza de que aquela<br />
cidade fora realmente palco de uma ação bélica.<br />
21. CAFÉ CAFÉ<br />
Relato que reproduz o espírito <strong>do</strong> homem da terra obceca<strong>do</strong> pela monocultura <strong>do</strong> café.<br />
Acostuma<strong>do</strong> a vender sua safra por trinta e cinco a quarenta mil réis, não aceitava a queda <strong>do</strong>s<br />
preços que chagava a quatro mil réis. Nem tampouco aceitava a sugestão de cultivar outro cereal.<br />
“O homem encolorizava-se e rugia: - Não! Só café! Há de subir muito. Sempre foi assim. Só café!”<br />
E manten<strong>do</strong>-se obstinadamente nessa idéia viu suas terras perderem o valor, os emprega<strong>do</strong>s<br />
serem dispensa<strong>do</strong>s e as contas levarem parte de sua fazenda.<br />
22. TOQUE OUTRA<br />
Sátira de <strong>Monteiro</strong> <strong>Lobato</strong> ao vazio constante nas salas da cidadezinha de Itaoca, preenchi<strong>do</strong>s<br />
pelas intermináveis fofocas. Assim, o pedi<strong>do</strong> para que uma jovem tocasse piano era um pretexto<br />
para as matronas “abafan<strong>do</strong> o tom geral da palestra”, afundarem nas conversas preferidas: - os
cria<strong>do</strong>s! Por isso, quan<strong>do</strong> a música terminava, gritavam em coro; “Muito bem, sinhazinha, muito<br />
bem! Toque outra!...<br />
23. UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA<br />
João Teo<strong>do</strong>ro relembra com saudades os bons tempos de Itaoca; “- Isto já foi muito melhor... já<br />
teve três médicos bem bons; agora só um e bem ruinzote. Já teve seis advoga<strong>do</strong>s e hoje mal dá<br />
serviço para um rábula ordinário como Tenório. Nem circo de cavalinho bate mais por aqui. A gente<br />
que presta se muda. Fica o restolho...”Homem pacato e modesto. Honesto e leal, com um defeito<br />
apenas: não dar o mínimo valor a si próprio. Um dia foi nomea<strong>do</strong> delega<strong>do</strong>. “Delega<strong>do</strong>, ele!... Ser<br />
delega<strong>do</strong> numa cidadezinha daquelas é coisa seriíssima. Não há cargo mais importante”. Diante<br />
disso, e para surpresa de to<strong>do</strong>s, foi embora da cidade.<br />
24. ANTA QUE BERRA<br />
O major Pedro Falaverdade era o maior conta<strong>do</strong>r de histórias de caçada “...ele não mentia:<br />
atrapalhava-se às vezes, confundia uma caça com outra...”Seus cachorros eram adestra<strong>do</strong>s e<br />
Mozart, o mestre da matilha, latia anuncian<strong>do</strong> o tipo de animal que levantara: “Um sinal, paca; <strong>do</strong>is,<br />
vea<strong>do</strong>; três, porco; quatro, anta”. Uma vez o cachorro latira quatro vezes e o major engatilhou sua<br />
“Lafourché” à espera da anta que, abatida, “desferiu um berro que parecia fim <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”. – “Será<br />
que anta berra, major?” – “Ora, que diabo! Estou confundin<strong>do</strong>. Não era propriamente anta o que eu<br />
caçava nesse dia, era um vea<strong>do</strong>!”<br />
25. O AVÔ DE CRISPIM<br />
Crispim Paradeda viva contan<strong>do</strong> história de seu avô. Este viera de Portugal disfarça<strong>do</strong> de jesuíta,<br />
meteu-se pelo interior onde juntou um bom dinheiro venden<strong>do</strong> “osso de santo e tabuinhas<br />
aplainadas por São José”. Jogou fora a batina e se instalou em uma propriedade que comprara<br />
aumentan<strong>do</strong> sua riqueza com a venda de ga<strong>do</strong>. Emprestava dinheiro, até que após alguns calotes,<br />
resolveu fechar o cofre e muito esperto, passou a a<strong>do</strong>tar o seguinte lema: “Perder o meu dinheiro<br />
não me parece pior, porque, graças a Deus tenho-o de sobra. Mas perder um amigo? Isso nunca!”<br />
26.ERA NO PARAÍSO<br />
Uma fábula satirizan<strong>do</strong> a formação <strong>do</strong> universo e a origem <strong>do</strong> homem, que surgiu de um macaco.<br />
Este, bateu a cabeça numa pedra ao cair de uma árvore e, a partir dessa lesão, começou a ser<br />
inteligente, ou seja, tornou-se Adão; a macaca Eva “permanecia muda ao la<strong>do</strong> embevecida no<br />
macho pensante. Não o compreendia – mas admirava-o, imitava-o e obedecia-lhe passivamente”.<br />
Juntos encontraram uma toca e ficaram <strong>do</strong>nos.<br />
27. UM HOMEM HONESTO<br />
Aventura e desventura de João Pereira, um homem verdadeiramente honesto; desde jovem tinha o<br />
caráter firme, casou-se, teve duas filhas e mantinha a família à custa de muito trabalho e<br />
dignidade. Um dia, de volta de uma viagem de primeira classe, paga por um parente que não<br />
aceitou seu bilhete de segunda, João admirava as vantagens e comodidades <strong>do</strong>s bens<br />
aquinhoa<strong>do</strong>s da vida: os ricos. Ao descer, percebeu que esquecera seu jornal e voltou para pegálo<br />
quan<strong>do</strong> encontrou no chão <strong>do</strong> vagão, um pacote; apalpan<strong>do</strong>-o percebeu que era dinheiro –<br />
muito dinheiro. Correu ao chefe da estação e, para surpresa <strong>do</strong>s presentes, entregou a fortuna. O<br />
fato foi parar nos jornais,, que elogiaram o seu gesto e a sua incrível honestidade. Em casa, João<br />
deparou com a mulher e as filhas, a princípio concordan<strong>do</strong> com sua atitude, sem saber o<br />
verdadeiro montante <strong>do</strong> pacote; a saberem, ficaram totalmente transtornadas pela loucura <strong>do</strong> pai –<br />
honeeesto! Debochavam de sua cabeça e ingenuidade; o mesmo acontecia no escritório, onde os<br />
colegas passaram a evitá-lo e a referir-se a ele como um coita<strong>do</strong>. Faziam piadas e, ainda a família<br />
repetia os risos da vizinhança. Não agüentan<strong>do</strong> mais, ao ser chama<strong>do</strong> de João Trouxa, o último<br />
homem honesto matou-se com um tiro em seu quarto.<br />
28. O RAPTO<br />
Um médico oftalmologista conta a história de um cego, que assim ficara por apanhar muito <strong>do</strong>s três<br />
filhos que viviam com ele sem fazer nada para o sustento da família. O pai fora um homem de
ecursos, mas, aos poucos vendera tu<strong>do</strong> até conhecer a miséria total e ainda a cegueira.<br />
Aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pelos filhos, começou a viver da caridade alheia, o que lhe dava um certo bem-estar:<br />
comida, roupas e até chapéus. Humildes, os filhos voltaram porque a situação <strong>do</strong> pai, de agora,<br />
era melhor que a de antes. O médico, ao saber <strong>do</strong>s fatos, comovi<strong>do</strong> coma a situação <strong>do</strong> pobre<br />
cego, ofereceu-lhe tratamento, por meio de uma cirurgia que lhe devolveria a visão. Tu<strong>do</strong> acerta<strong>do</strong><br />
para o dia seguinte, o médico foi à procura <strong>do</strong> paciente que não aparecera. E não apareceria mais,<br />
pois os filhos, temerosos de perderem a ajuda que o pai cego recebia e que lhes rendia uma vida<br />
boa, raptaram-no.<br />
29. A NUVEM DE GAFANHOTOS<br />
Venâncio, funcionário público, era apaixona<strong>do</strong> por agricultura, lia livros e publicações a respeito e<br />
depois deitava seu conhecimento em to<strong>do</strong>s os lugares por que passava. Chegou a se imaginar<br />
ministro da agricultura, após elogios de um coronel da terra sobre seus conceitos e sugestões. Fiel<br />
à loteria, cuja a sorte um dia lhe daria a oportunidade de Ter uma fazenda modelo para visitação<br />
pública, foi contempla<strong>do</strong> com vinte mil réis, com os quais comprou um sítio de quinze deixan<strong>do</strong> o<br />
restante para ser pago depois. Com cinco mil, investiu na compra de matrizes de aves e porcos de<br />
raça, implementos agrícolas e sementes para transformar a velha terra cansada na prosperidade<br />
de seus sonhos. Um dia recebeu a carta de um parente <strong>do</strong> Rio, certo de que ele ganhara uns<br />
duzentos contos, anuncian<strong>do</strong> sua visita com a família e de sobra, mais três jovens amigas e duas<br />
empregadas – ao to<strong>do</strong> onze pessoas que ao cabo de três meses devoram-lhe o pomar, a horta e<br />
se fartaram de toda a criação, inclusive as mais novinhas. Desola<strong>do</strong>, Venâncio sonha com uma<br />
nuvem de gafanhoto que lhe toma to<strong>do</strong> o sítio. Após a partida <strong>do</strong> gafanhoto-mor e sua equipe,<br />
restou ao sitiante e esposa a única saída: voltara para a cidade e à antiga condição de funcionário<br />
público. Sobre o assunto de agricultura nem se interessava mais e se alguém “falava perto dele em<br />
pragas da lavoura, geada, ferrugem, curuquê ou que seja, sorria melancolicamente, murmuran<strong>do</strong><br />
de si para si: - Conheço uma muito pior..”<br />
30. TRAGÉDIA DE UM CAPÃO DE PINTOS<br />
Neste conto, <strong>Monteiro</strong> <strong>Lobato</strong>, dá vida aos animais de um sítio, humanizan<strong>do</strong>-os; conta a história<br />
de um galo-capão que criava aves de ninhadas diferentes: tonou-se pai de um peru, de um pito e<br />
dum marreco. Viu-os crescer e depois serem pratos na mesa <strong>do</strong>s humanos. Tentava decifrar as<br />
palavras proferidas pela <strong>do</strong>na-de-casa: “estar no ponto”, “pedin<strong>do</strong> panela”, e “amanhã temos peru”<br />
que lhe revelaram a insana intenção de fazer <strong>do</strong>s seus filhos comida apetitosa. Depois desses<br />
acontecimentos, tornou-se um galo triste e jururu. O negro da fazenda colocou-o para aquecer uma<br />
ninhada de dez pintos nasci<strong>do</strong>s na véspera; nas altas horas aban<strong>do</strong>nou-os ao frio da noite, não<br />
queira mais exercer a profissão de mãe. “Para quê? – Se têm de morrer na cozinha, morram agora<br />
enquanto não lhes tenho amor.” Os pintinhos amanheceram mortos, entangui<strong>do</strong>s de frio. E o<br />
castigo <strong>do</strong> galo-peva foi a panela, e para espanto e tristeza <strong>do</strong>s outros animais, no fun<strong>do</strong> da horta,<br />
jaziam seus despojos. Horríveis. “Um urubu pousa<strong>do</strong> ali perto não pensava assim”.<br />
IDÉIA E ESTILO<br />
<strong>Cidades</strong> <strong>Mortas</strong> está entre as primeiras obras que correm o país em livro. Seus contos ambientamse<br />
em uma cidadezinha <strong>do</strong> inteiror paulista <strong>do</strong> vale <strong>do</strong> Paraíba, o que justifica o cunho regionalista<br />
de sua obra.<br />
No entanto, seus personagens são típicos brasileiros, envolvi<strong>do</strong>s em situações engraçadas,<br />
viven<strong>do</strong> acontecimentos cômicos que quebram a monotonia da vida de Oblivion e Itaoca, cidades<br />
onde o tempo parou.<br />
A intenção <strong>do</strong> autor ao penetrar nessas vidas é fazer uma crítica, embora elegante e sutil. Mas, às<br />
vezes, é sau<strong>do</strong>sista, quan<strong>do</strong> resgata acontecimentos trazi<strong>do</strong>s da sua infância feliz. Alguns contos<br />
têm desfecho surpreendente, outras questionam valores de moralidade e o comportamento na<br />
sociedade.
Polêmico e critica<strong>do</strong> por suas idéias políticas e culturais, <strong>Lobato</strong> mostrou-se um inova<strong>do</strong>r no plano<br />
da linguagem, pois acreditava que a imposição das regras contrariava a lei da evolução. “Que é a<br />
língua dum país? É a mais bela obra coletiva desse país.” Defendia a idéia de que não “há lei<br />
humana que dirija uma língua, porque língua é fenômeno natural, como a oferta e a procura, como<br />
o crescimento da crianças, como a<br />
senilidade”.<br />
Em <strong>Cidades</strong> <strong>Mortas</strong> nota-se a liberdade de vocabulário, e emprego de expressões que<br />
caracterizam aquelas cidades como “velha avó entrevada”, que “foi rica um dia e hoje é quieta”.<br />
São “história sobre gente medíocre, sonolenta, viven<strong>do</strong> um sossego que é como o frio nas regiões<br />
árticas: uma permanente.”<br />
· Em vários contos emprega onomatopéias<br />
“E toca: blem, blem, belelém...”<br />
“- um, <strong>do</strong>is, três: glug! Ro<strong>do</strong>u, esôfago abaixo...”<br />
“- Dlin, dlin, dlin!... está aberta a sessão”<br />
“Novo psst!”<br />
“- Logo em seguida, porém, toc, toc, toc...”?“<br />
· Cria palavras e expressões – neologismos –<br />
“Lucas amou-a em regra e sonetou-a inteira <strong>do</strong>s cabelos aos pés<br />
“... o promotor fala e refala;”<br />
“... Um manotaço de unha na cara...<br />
“... to<strong>do</strong> o rodapé <strong>do</strong>s jornais e albertizou-se durante meia hora.<br />
“...É feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima”<br />
“Diz e rediz.”<br />
· Emprega gírias e palavras da época, e <strong>do</strong> interior, hoje em desuso.<br />
“- Mamãe, o carrinho e vem vin<strong>do</strong>!”<br />
“- Salvam-na a botica (a farmácia) e o jogo”.<br />
“- deitou o sojeito no chão”- “o povo pedia o paiaço...”.<br />
“- os filhos vinheram...”<br />
“- Mas parece que o sujeitinho levou tábuas...” (foi recusa<strong>do</strong>)<br />
“Se ele quiser vinte e três mil-réis...”<br />
“Ela não deseste da porca.”<br />
“É, a tese é catita;”<br />
“Os home! ... não há de ter um descansinho na somana?”<br />
u Faz algumas considerações com provérbios<br />
“Impossível negar as vantagens sociais da música”.<br />
“Ladrão é quem furta um, quem pega mil é barão.”<br />
“O segre<strong>do</strong> de todas as vitórias está em ser um homem <strong>do</strong> seu tempo...”<br />
“Cada roca tem seu fuso”.<br />
· Com humor, compõe alguns nomes de personagens.<br />
“Dona Fafá, <strong>do</strong>na Fifi, <strong>do</strong>na Fufu”.<br />
“Três filhas: Bibi, Babá, Bubu”.<br />
“Só Adão, o macaco lesa<strong>do</strong>...”- “Eva, a macaca ilesa,”<br />
“- Parzinho jeitoso, a Miloca e o Lulu, não?”<br />
Com objetividade, clareza, espírito jocoso e pitoresco <strong>Monteiro</strong> <strong>Lobato</strong> foi um “cria<strong>do</strong>r sempre feliz<br />
em observar seus personagens caminhan<strong>do</strong> com suas próprias pernas, segun<strong>do</strong> suas próprias
cabeças. <strong>Cidades</strong> <strong>Mortas</strong> é uma fotografia: o real visto pela lente lobatiana”.<br />
<strong>Monteiro</strong> <strong>Lobato</strong> - que ironia – um escritor de luz própria, independente, arroja<strong>do</strong> e por tanto tempo<br />
incompreendi<strong>do</strong> e até mesmo boicota<strong>do</strong>.<br />
“? Isso acontece com aqueles que, como ele, estão muito à frente de sue tempo”.<br />
*Maria Jerusa Rodrigues Marinho, professora de Português de cursos preparatórios de<br />
vestibulares em Campo Grande-MS, prepara apostilas de análises de livros das listas de<br />
leitura obrigatória da UFMS, UCDB e UNIDERP.