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A Literacia do Imaginário na Literatura Juvenil Contemporânea ...

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«Tinham si<strong>do</strong> convida<strong>do</strong>s, acrescentou, por instruções <strong>do</strong> grande xamã, que os avisara de<br />

que Nadia estava desti<strong>na</strong>da a ajudá-los» (Allende, 2002: 158); «[Alex] tinha a alma <strong>do</strong> jaguar<br />

negro, animal sagra<strong>do</strong>, e viera de muito longe para ajudar o povo da nebli<strong>na</strong>. […] eram<br />

tempos muito estranhos, tempos em que a fronteira entre o mun<strong>do</strong> de cá e o mun<strong>do</strong> de lá<br />

era difusa, tempos em que o Rahaka<strong>na</strong>riwa 7 podia devorá-los a to<strong>do</strong>s» (Allende, 2002: 159).<br />

Assim sen<strong>do</strong>, e porque «O povo da nebli<strong>na</strong> estava em perigo e só esses <strong>do</strong>is forasteiros<br />

poderiam trazer[-lhe] a salvação» (Allende, 2002: 165), Alex, contrariamente a Nadia (que é já<br />

uma mulher – «As mulheres sabem quan<strong>do</strong> deixam para trás a infância porque o sangue lhes<br />

sangra, avisan<strong>do</strong>-as dessa forma» (2002: 173) –, que sempre viveu em contacto com um mun<strong>do</strong><br />

místico, paralelo ao considera<strong>do</strong> normal), precisa de ser inicia<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s adultos e, por<br />

isso, deve submeter-se aos rituais da sua iniciação para ser aclama<strong>do</strong> como guerreiro:<br />

Walimai e Tahama foram encarrega<strong>do</strong>s de organizar o ritual de iniciação de Alex, no<br />

qual só participavam homens adultos. […]<br />

O ritual começou de manhã e teria de durar to<strong>do</strong> o dia e toda a noite. […]<br />

Alexander Cold sentiu que aquelas palavras se referiam a conceitos que ele próprio<br />

pressentia, e deixou então de racioci<strong>na</strong>r, aban<strong>do</strong><strong>na</strong>n<strong>do</strong>-se à estranha experiência de<br />

«pensar com o coração» […]<br />

Não teve de fazer nenhum esforço extraordinário para entrar no corpo <strong>do</strong> jaguar<br />

negro; a transformação ocorreu com rapidez e facilidade. […] Foi um acto <strong>na</strong>tural.<br />

Os índios festejaram a chegada <strong>do</strong> jaguar […] conduziram-no numa procissão solene<br />

até à árvore sagrada, onde Tahama esperava para a prova fi<strong>na</strong>l.<br />

Sentiu-se tão forte e invencível como o estivera <strong>na</strong> forma de jaguar negro, ao beber<br />

a poção mágica de Walimai. Essa foi a sua recompensa por ter sobrevivi<strong>do</strong> à prova.<br />

Soube que, <strong>na</strong> verdade, a sua infância tinha fica<strong>do</strong> para trás e que, a partir dessa<br />

noite, podia valer-se sozinho.<br />

— Bem-vin<strong>do</strong> entre os homens — disse Tahama. (2002: 166; 168-169)<br />

Contu<strong>do</strong>, é no «[espaço] sagra<strong>do</strong>, externo ao espaço usual» (Vierne, 2000: 21) das<br />

perso<strong>na</strong>gens, e que é a mítica «cidade das Bestas» 8 (Allende, 2002: 189-228), que a realização<br />

<strong>do</strong> processo iniciático das perso<strong>na</strong>gens acontece, pois «dela depende a sua emancipação<br />

para conseguirem a desejada fusão com o mun<strong>do</strong>» (Silva, 2007: 253-255). Só porque Nadia e<br />

Alex compreenderam e respeitaram a existências das Bestas se pôde cumprir o espaço/tempo<br />

míticos da verdadeira isotopia com esse lugar fora <strong>do</strong> tempo.<br />

Ambos se sabem recompensa<strong>do</strong>s pela sua árdua aprendizagem, pois esta fez-se pelo<br />

contacto com a Natureza-mãe, com o desconheci<strong>do</strong>, com o perigo, o que fortaleceu as suas<br />

próprias vontades, mostran<strong>do</strong> estarem sempre presentes (numa relação de complemento)<br />

a determi<strong>na</strong>ção, a maturidade e a coragem. As perso<strong>na</strong>gens estiveram atentas ao que as<br />

rodeava, permitin<strong>do</strong> que as novas experiências se manifestassem como momentos únicos e<br />

iniciáticos; por isso obtiveram o «auxílio sobre<strong>na</strong>tural» e passaram pelo «primeiro limiar» de<br />

que nos fala Joseph Campbell (2004: 77-88), aceden<strong>do</strong>, desta forma, à categoria de herói.<br />

7 O Rahaka<strong>na</strong>riwa simboliza, <strong>na</strong> obra, o espírito maléfico, o Mal a evitar a to<strong>do</strong> o custo. Na necessidade de corporizá-<br />

-lo num elemento <strong>do</strong> seu ambiente cognitivo <strong>na</strong>tural, os índios vêem-no como um pássaro, o «terrível pássaro chupa-<br />

-sangue» (Allende, 2008: 220).<br />

8 Perso<strong>na</strong>gens míticas jamais vistas por humanos, que habitam o vale de «uma montanha oca, como a cratera de um<br />

vulcão», cujas fau<strong>na</strong> e flora remetem, de imediato, para a imagem <strong>do</strong> mito <strong>do</strong> Paraíso Celeste (Allende, 2002: 186-187).<br />

ABZ da Leitura | Orientações Teóricas<br />

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