17.04.2013 Views

Paisagens corporais na cultura brasileira - Revista de Ciências ...

Paisagens corporais na cultura brasileira - Revista de Ciências ...

Paisagens corporais na cultura brasileira - Revista de Ciências ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

especial, a <strong>cultura</strong> popular) ganharam um <strong>de</strong>senvolvimento<br />

expressivo no campo das ciências sociais e<br />

huma<strong>na</strong>s. Mediando o encontro <strong>de</strong> ambas, uma vez<br />

mais, vale lembrar o notável trabalho do pesquisador<br />

russo Mikhail Bakhtin, para quem o princípio material<br />

e corporal adquire caráter cósmico e universal no<br />

mundo da <strong>cultura</strong> popular:<br />

A orientação para baixo é própria <strong>de</strong><br />

todas as formas <strong>de</strong> alegria popular e do<br />

realismo grotesco. Em baixo, do avesso, <strong>de</strong><br />

trás para a frente: tal é o movimento que<br />

marca todas essas formas. Elas precipitam<br />

todas para baixo, viram-se e colocam-se<br />

sobre a cabeça, pondo o alto no lugar do<br />

baixo, o traseiro no da frente, tanto no<br />

plano do espaço real como no da metáfora<br />

(BAKHTIN, p. 325).<br />

Também no Brasil, inúmeras representações<br />

científi cas, <strong>cultura</strong>is, artísticas, políticas, religiosas<br />

etc, colocaram o corpo em evidência, fazendo <strong>de</strong>le<br />

um “objeto” privilegiado para se discutir e a<strong>na</strong>lisar<br />

novas formas <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> consumo,<br />

símbolos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, processos rituais e técnicas<br />

<strong>corporais</strong>. Po<strong>de</strong>-se lembrar a consagração do futebol<br />

a partir dos anos 1970, e a importância <strong>de</strong>sse fenômeno<br />

<strong>na</strong> compreensão da socieda<strong>de</strong> <strong>brasileira</strong>, observa<br />

DaMatta (1986). Mas, outras representações se<br />

juntam a essa 7 .<br />

Assim, Rodrigo Faour (2006), <strong>de</strong>staca em sua<br />

história sexual da música popular <strong>brasileira</strong> o quanto<br />

certas canções e as capas <strong>de</strong> discos, produzidas a partir<br />

dos anos 1960, expressam uma ousada “paisagem<br />

corporal”, principalmente, femini<strong>na</strong>, marcadamente<br />

sedutora e erótica; ainda, nesse momento, as “chacretes”<br />

– dançari<strong>na</strong>s do comunicador <strong>de</strong> rádio e televisão<br />

Chacrinha (José Abelardo Barbosa <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros,<br />

1917-1988) – entram em ce<strong>na</strong> e passam a povoar o<br />

imaginário masculino <strong>de</strong> muitos brasileiros com<br />

suas coreografi as simples, roupas colantes e formas<br />

<strong>corporais</strong> es<strong>cultura</strong>is. Por sua vez, o sociólogo Euler<br />

David da Siqueira (2006), em análise dos cartões postais<br />

da “garota carioca”, lembra o quanto a música <strong>de</strong><br />

Tom Jobim e Vinicius <strong>de</strong> Moraes já <strong>de</strong>nunciava os<br />

Gilmar Rocha<br />

contornos <strong>de</strong> uma “paisagem corporal” que se inscreve<br />

no rebolado <strong>de</strong> Helô Pinheiro. Observa o autor:<br />

A célebre letra <strong>de</strong> Vinícius <strong>de</strong> Moraes,<br />

Garota <strong>de</strong> Ipanema, não <strong>de</strong>ixa dúvidas <strong>de</strong><br />

que, quando ela passa, ganha inúmeros<br />

comentários que focam, acredito, suas<br />

ná<strong>de</strong>gas: “Olha que coisa mais linda, Mais<br />

cheia <strong>de</strong> graça, É ela a meni<strong>na</strong> que vem e<br />

que passa, Num doce balanço a caminho<br />

do mar, Moça do corpo dourado, Do sol<br />

<strong>de</strong> Ipanema, O seu balançado é mais que<br />

um poema. É a coisa mais linda que já vi<br />

passar” (SIQUEIRA, 2006, p.132).<br />

A imagem da garota carioca nos cartões postais,<br />

mais do que imagens para turista ver, enunciam uma<br />

performance que no dizer do sociólogo revela uma<br />

técnica corporal, a do “andar rebolado”. Na verda<strong>de</strong>,<br />

o <strong>de</strong>staque dado pelo autor às performances inscritas<br />

nos postais revela mais do que uma técnica corporal<br />

senão uma “paisagem corporal” que se confun<strong>de</strong><br />

com a própria imagem da cida<strong>de</strong>. Assim, o monumento<br />

ao fi <strong>na</strong>l da Praça da Apoteose, <strong>na</strong> Marquês<br />

<strong>de</strong> Sapucaí, cuja forma lembra as ná<strong>de</strong>gas da mulata,<br />

ratifi ca a idéia da paisagem corporal <strong>na</strong> medida em<br />

que o corpo da “garota carioca” tor<strong>na</strong>-se parte da paisagem<br />

física e <strong>cultura</strong>l da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

sugere Euler Siqueira.<br />

Posteriormente, as mulatas do Sargentelli consagrariam<br />

a imagem da mulata nos cenários <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l; o cartunista Ziraldo imortalizaria a<br />

paisagem carioca das praias <strong>de</strong> Ipanema com os <strong>de</strong>senhos<br />

<strong>de</strong> mulheres seminuas no jor<strong>na</strong>l O Pasquim;<br />

<strong>na</strong> sequência, os cartazes <strong>de</strong> fi lmes e, evi<strong>de</strong>ntemente,<br />

os próprios fi lmes da pornochanchada reforçariam<br />

a imagem <strong>de</strong> mulheres sexy symbol como Hele<strong>na</strong><br />

Ramos e Sônia Braga no mercado cinematográfi co<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (SILVA, 2008); os anos 1980, viram surgir<br />

ainda os biquinis “fi o <strong>de</strong>ntal” e “asa <strong>de</strong>lta” invadindo<br />

as praias da zo<strong>na</strong> sul carioca e as capas <strong>de</strong> revistas <strong>de</strong><br />

todo o país. Do ponto <strong>de</strong> vista teórico, <strong>de</strong>stacam-se:<br />

o estudo semi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Gilberto Freyre (1984), intitulado<br />

“Uma preferência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” 8 ; o trabalho <strong>de</strong> Jane<br />

Russo (1993), a<strong>na</strong>lisando as terapias <strong>corporais</strong> no<br />

REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, FORTALEZA, v. 43, n. 1, jan/jun, 2012, p. 80-93<br />

83

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!