17.04.2013 Views

Paisagens corporais na cultura brasileira - Revista de Ciências ...

Paisagens corporais na cultura brasileira - Revista de Ciências ...

Paisagens corporais na cultura brasileira - Revista de Ciências ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

que nos mostram, por exemplo, as performances <strong>de</strong><br />

Carmen Miranda (1909-1955), ícone da brasilida<strong>de</strong><br />

nos anos 1940, cuja exagerada gestualida<strong>de</strong> manual<br />

nos fala sobre o samba “para inglês ver”.<br />

A dança dionisíaca<br />

É a partir dos frenéticos anos 1920, que po<strong>de</strong>mos<br />

situar o processo <strong>de</strong> constituição da corporalida<strong>de</strong><br />

<strong>brasileira</strong> no conjunto da construção do Estado <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

cujo resultado será o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma<br />

estética malandra <strong>na</strong> qual o corpo, indistintamente<br />

masculino e feminino – embora o tempo assegure à<br />

mulher um lugar especial –, se revela um sistema <strong>de</strong><br />

imagens e <strong>de</strong> estilo cuja preeminência é a do “baixo<br />

corporal”. Na verda<strong>de</strong>, essa sobreposição <strong>de</strong> imagens<br />

seria prenunciada já em 1862 e, posteriormente, em<br />

1882, com a segunda versão <strong>de</strong> A Carioca, quadro<br />

<strong>de</strong> Pedro Américo no qual se apresenta a imagem <strong>de</strong><br />

uma mestiça <strong>de</strong>snuda cuja expressão corporal afetou,<br />

profundamente, o cânone imperial. Como observa<br />

Cláudia <strong>de</strong> Oliveira, além d’A Carioca ser um elogio<br />

à mestiçagem, à sensualida<strong>de</strong>, à imagem do “corpo<br />

pulsante”, o autor direcio<strong>na</strong> o olhar do espectador<br />

para o “baixo corporal” <strong>na</strong> medida em que<br />

(...) Percebemos, ao olharmos para essa<br />

imagem, uma divisão crítica e proposital<br />

entre a cabeça e o corpo da mo<strong>de</strong>lo. A<br />

cabeça muito menor que o corpo auxilia<br />

<strong>na</strong> distorção dos quadris e coxas, que são<br />

alargadas, ocupando quase a meta<strong>de</strong> da<br />

área <strong>de</strong>senhada, atravessando o plano da<br />

superfície da tela, o que proporcio<strong>na</strong> ao<br />

espectador não só uma visão frontal, mas<br />

a construção <strong>de</strong> áreas fetichizadas. Ou seja,<br />

ele faz da fi gura um objeto animalizado<br />

(OLIVEIRA, 2009, p. 151).<br />

Mas, será em meio ao <strong>de</strong>senvolvimento urbano-industrial<br />

que, <strong>na</strong> interpretação do escritor João<br />

do Rio, o maxixe – consi<strong>de</strong>rado a primeira expressão<br />

<strong>de</strong> dança urba<strong>na</strong> e símbolo do “sentimento rítmico<br />

da <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>brasileira</strong>” – emerge como uma das<br />

Gilmar Rocha<br />

mais expressivas manifestações dionisíacas da corporalida<strong>de</strong><br />

<strong>brasileira</strong>. Para Luís Carlos Saroldi,<br />

(...) a coreografi a do maxixe implicava<br />

pela primeira vez <strong>na</strong> aceitação <strong>de</strong> um<br />

fato até então reprimido por anquinhas,<br />

casacas e espartilhos: a existência no corpo<br />

humano das chamadas “partes baixas”,<br />

representadas pelo ventre, genitais e<br />

ná<strong>de</strong>gas. Com passos <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>dos “balão<br />

caindo” e “parafuso” po<strong>de</strong>-se imagi<strong>na</strong>r a<br />

fl exibilida<strong>de</strong> exigida aos maxixeiros, que<br />

muitas vezes punham em risco a lei da<br />

gravida<strong>de</strong> (SAROLDI, 2000, p. 37-38).<br />

Também a per<strong>na</strong>da carioca, uma variação<br />

do batuque com certo parentesco com a capoeira,<br />

fará sua entrada nesse processo, <strong>de</strong> forma a <strong>de</strong>stacar o<br />

“baixo corporal”. Segundo Edison Carneiro, a per<strong>na</strong>da<br />

consistia em um jogo <strong>de</strong> força e <strong>de</strong>streza masculi<strong>na</strong>.<br />

Tão logo formada a roda <strong>de</strong> batuqueiros, começa<br />

o jogo, e aí<br />

Um dos batuqueiros ocupa o centro<br />

da roda e convida um dos assistentes a<br />

competir. O convidado se planta – junta as<br />

per<strong>na</strong>s, fi rmemente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as virilhas até<br />

os calcanhares, com os pés formando um<br />

V. O batuqueiro começa então a estudar<br />

o adversário, circulando em torno <strong>de</strong>le, à<br />

espera <strong>de</strong> um momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>scuido ou<br />

em busca <strong>de</strong> um ponto fraco por on<strong>de</strong> o<br />

catucar. O bom batuqueiro jamais ataca<br />

pelas costas – e o lícito, no jogo, é largar<br />

a per<strong>na</strong> <strong>de</strong> frente ou <strong>de</strong> lado. Por sua vez,<br />

o convidado não vira o corpo para trás –<br />

entre outras razões porque fi caria in<strong>de</strong>feso<br />

contra a per<strong>na</strong>da – embora, <strong>na</strong>turalmente,<br />

esteja atento a todos os movimentos do<br />

atacante. Habitualmente, o convidado não<br />

se agüenta <strong>na</strong>s per<strong>na</strong>s e vai ao chão. Nesse<br />

caso, o batuqueiro convida outra pessoa<br />

da roda. Se, entretanto, não o <strong>de</strong>rrubar, os<br />

papéis se invertem – e é o batuqueiro quem<br />

se planta para o convidado (CARNEIRO,<br />

1957, p. 91-92).<br />

REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, FORTALEZA, v. 43, n. 1, jan/jun, 2012, p. 80-93<br />

87

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!