17.04.2013 Views

Paisagens corporais na cultura brasileira - Revista de Ciências ...

Paisagens corporais na cultura brasileira - Revista de Ciências ...

Paisagens corporais na cultura brasileira - Revista de Ciências ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

PAISAGENS CORPORAIS NA CULTURA BRASILEIRA<br />

A verda<strong>de</strong> é que muitas vezes, a umbigada, o<br />

maxixe, a per<strong>na</strong>da, o samba, o batuque, o candomblé,<br />

a capoeira, a baia<strong>na</strong>, o mulato, o malandro e outras<br />

variadas expressões e tipos <strong>cultura</strong>is populares<br />

encontravam-se reunidos nos terreiros <strong>de</strong> macumba<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro cujo símbolo é a Casa da Tia Ciata.<br />

Também a pesquisadora Denise Zenícola lembra que<br />

o samba <strong>de</strong> gafi eira emerge no exato momento em<br />

que o malandro e a mulata são elevados a símbolos<br />

da corporalida<strong>de</strong> carioca. Nas palavras da autora:<br />

88<br />

Construídos e fi rmados em um mesmo<br />

período histórico, malandro, mulata e<br />

Samba <strong>de</strong> Gafi eira passam a representar<br />

o aspecto corporal do carioca pelo viés<br />

da malemolência. O lendário malandro<br />

do bairro da Lapa traz para a dança a sua<br />

per<strong>na</strong>da e, sempre pronto a passar o outro<br />

para trás, dança o Samba da Gafi eira como<br />

faz com a sua vida, com precarieda<strong>de</strong>, com<br />

<strong>de</strong>sequilíbrios e muita arte.<br />

A mulata apimenta o Samba da Gafi eira<br />

com seus requebros e sensualida<strong>de</strong>, misto<br />

<strong>de</strong> provocação e sedução, traduzidos<br />

em movimentos rápidos <strong>de</strong> cruzadas<br />

<strong>de</strong>fensivas <strong>de</strong> per<strong>na</strong>s, samba no pé e<br />

esquivas para cada per<strong>na</strong>da do malandro<br />

(ZENICOLA, 2007, p. 78).<br />

A dança erudita e popular tem alcance <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l<br />

a partir dos anos 1920, no Brasil e, em particular,<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro 13 . O <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Eros Volúsia,<br />

dançari<strong>na</strong> do Teatro Nacio<strong>na</strong>l e precursora do bailado<br />

brasileiro, dá bem o tom da importância da<br />

circularida<strong>de</strong> <strong>cultura</strong>l e da dança como paradigma<br />

artístico <strong>na</strong> constituição <strong>de</strong> uma estética “malandra”<br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e, por conseguinte, <strong>de</strong> uma corporalida<strong>de</strong><br />

<strong>brasileira</strong>. Diz ela, em <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do momento <strong>de</strong> sua<br />

Conferência <strong>de</strong> 1939:<br />

Eu não danso por informação; em<br />

meu corpo <strong>de</strong> mestiça orgulhosa da<br />

ancestralida<strong>de</strong>, bem cedo acordaram<br />

as manifestações atávicas. Parece que<br />

foi ontem... estou ainda a vê-la, em<br />

meio à capoeira cheirosa <strong>de</strong> maravilhas<br />

e sensitivas, resoante e tremeluzente,<br />

REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, FORTALEZA, v. 43, n. 1, jan/jun, 2012, p. 80-93<br />

a “macumba” do João da Luz, com<br />

aquelas músicas que conservo <strong>de</strong> cor<br />

e aquelas estranhas cerimônias que eu<br />

não compreendia e que me faci<strong>na</strong>vam.<br />

Comecei a dansar <strong>na</strong>quele terreiro, <strong>de</strong>i<br />

lá os meus primeiros recitais. O velho<br />

“babalaô” atribuía minhas dansas a um<br />

enviado <strong>de</strong> Yemanjá, dizia que eu dansava<br />

o “Santo”... Creio que ele tinha razão e<br />

que o “Santo” não me abando<strong>na</strong>rá (EROS<br />

VOLUSIA, 1939, p. 20).<br />

Desnecessário dizer que o samba representa a<br />

principal referência <strong>de</strong> todo esse processo, principalmente,<br />

o samba enquanto dança. Mas, também o cinema<br />

da Chanchada, nos idos <strong>de</strong> 1940 e 1950, contribui<br />

<strong>de</strong> maneira signifi cativa para fi xar uma representação<br />

da corporalida<strong>de</strong> <strong>brasileira</strong> em que os trejeitos<br />

<strong>de</strong> Oscarito e Gran<strong>de</strong> Otelo em companhia dos corpos<br />

es<strong>cultura</strong>is <strong>de</strong> Re<strong>na</strong>ta Fronzi, Sônia Mame<strong>de</strong>, Eva<br />

Todor e outras belda<strong>de</strong>s do star system, forneceriam<br />

um padrão corporal marcado pela estética da car<strong>na</strong>valização<br />

e da malandragem. Não é <strong>de</strong>mais lembrar<br />

as mulatas <strong>de</strong> formas arredondadas <strong>de</strong> Di Cavalcanti,<br />

que somam para a construção da imagem da mulher<br />

<strong>brasileira</strong> num momento <strong>de</strong> construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, observa Almeida (2007). O futebol, os<br />

concursos <strong>de</strong> Miss e o culto da praia são algumas das<br />

práticas que passam a domi<strong>na</strong>r o cenário <strong>cultura</strong>l<br />

brasileiro em geral, e carioca, em particular.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer que o Rio <strong>de</strong> Janeiro parece ter<br />

exercido uma profunda infl uência <strong>na</strong> constituição<br />

<strong>de</strong>ssa corporalida<strong>de</strong> <strong>brasileira</strong>, fazendo com que<br />

muitos o vissem como uma espécie <strong>de</strong> sinédoque do<br />

Brasil. As análises <strong>de</strong> Malysse, Gontijo e Gol<strong>de</strong>nberg<br />

(2002; 2010) problematizam a relação da cida<strong>de</strong> do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro e a construção <strong>de</strong> uma corporalida<strong>de</strong><br />

carioca que, muitas vezes, se confun<strong>de</strong> com uma paisagem<br />

corporal <strong>de</strong> proporções <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

Nesse caso, a relação com a praia, a exemplo<br />

do estudo <strong>de</strong> Mauss (2003) sobre a variação sazo<strong>na</strong>l<br />

entre os esquimós, é <strong>de</strong> fundamental importância<br />

para se enten<strong>de</strong>r como se constrói a imagem <strong>de</strong> uma<br />

“corporalida<strong>de</strong> <strong>brasileira</strong>” 14 .

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!