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CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE À EDUCAÇÃO BRASILEIRA<br />
Autora: Titiva Cardona Leal<br />
Instituição: Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pelotas<br />
Resumo: Este trabalho faz parte do livro <strong>de</strong> mesmo título e <strong>de</strong> minha autoria que resultou <strong>de</strong> uma pesquisa realizada<br />
com o propósito <strong>de</strong> verificar qual a contribuição do pensamento pedagógico <strong>de</strong> Paulo Freire <strong>à</strong> <strong>educação</strong> <strong>brasileira</strong><br />
nos últimos <strong>de</strong>z anos. O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver esta investigação <strong>de</strong>correu da minha curiosida<strong>de</strong> após a leitura <strong>de</strong><br />
várias obras <strong>de</strong>sse educador. Dessa forma, pu<strong>de</strong> verificar algumas semelhanças entre sua pedagogia e a pedagogia<br />
inserida em alguns documentos relativos <strong>à</strong> <strong>educação</strong> <strong>brasileira</strong>. A comprovação das minhas suspeitas se <strong>de</strong>u ao<br />
concluir os estudos investigatórios que contrapôs parte da bibliografia <strong>de</strong> Paulo Freire e alguns documentos da<br />
Legislação e Institucionalização da Educação do nosso país.<br />
Palavras-Chave: formação, socieda<strong>de</strong>, sujeito e currículo.<br />
Eixo-temático: Educação e Movimentos Sociais<br />
CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE À EDUCAÇÃO BRASILEIRA<br />
1. Paulo Freire: o educador-pedagogo;<br />
É atuando no mundo que nos fazemos. Por isso mesmo é na inserção<br />
no mundo e não na adaptação a ele que nos tornamos seres
históricos e éticos, capazes <strong>de</strong> optar, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, <strong>de</strong> romper (Freire.<br />
2000: 90).<br />
Paulo Reglus Neves Freire, conhecido no Brasil e no exterior somente como Paulo Freire, nasceu em Recife,<br />
Pernambuco, estrada do Encantamento, nº 724, em 19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1921. Filho <strong>de</strong> Joaquim Temístocles Freire e<br />
E<strong>de</strong>ltru<strong>de</strong>s Neves Freire, menino pobre, que apren<strong>de</strong>u a ler e escrever em casa, com sua mãe, na sombra <strong>de</strong> uma<br />
mangueira, com palavras do seu mundo, tendo o chão como quadro-negro e gravetos como giz (Freire. 2001: 15).<br />
Paulo Freire iniciou sua trajetória como educador muito cedo. Foi diretor e, em seguida, superinten<strong>de</strong>nte do<br />
setor <strong>de</strong> Educação e Cultura do SESI (Serviço Social da Indústria), em Pernambuco, durante 10 anos (1947/1957).<br />
Ao sair da prisão, precisou exilar-se no exterior, ficando 15 anos fora do país. Ao chegar ao Brasil, assumiu<br />
a Secretaria da Educação <strong>de</strong> São Paulo, tendo como meta prioritária, educar para a libertação.<br />
Em 1993 foi incluído na lista dos candidatos ao Premio Nobel da Paz, assessorou governos <strong>de</strong> diversos<br />
países da América Latina, Ásia e África.<br />
Acreditava na <strong>educação</strong> dialógica entre a leitura e a mudança da socieda<strong>de</strong>, convivendo com o antagônico e<br />
dialogando com o diferente. Acreditava, também na <strong>educação</strong> recíproca em que educador e educando ensinam e<br />
apren<strong>de</strong>m mutuamente. A metodologia <strong>freire</strong>ana tem como meta educar homens e mulheres no seu contexto histórico,<br />
com palavras do seu meio e significado para os educandos.<br />
Quando se dirigia aos educadores, chamava a atenção para que esses oportunizem uma <strong>educação</strong> prazerosa,<br />
em que o educando seja participante do processo do conhecimento e não mero receptor <strong>de</strong> conteúdos. A prática do<br />
ensino dos conteúdos jamais po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>svinculada do ensino do pensar certo. Deve, também, promover a<br />
<strong>de</strong>sacomodação, pois a acomodação é a expressão da <strong>de</strong>sistência da luta pela mudança. A liberda<strong>de</strong> é um parto<br />
doloroso (Freire. 1987:35).<br />
Como prova da sua eterna indignação com as injustiças sociais, na última entrevista que conce<strong>de</strong>u <strong>à</strong> TV<br />
PUC, poucos dias antes da sua morte, já doente, Freire disse:<br />
Eu morreria feliz se visse o Brasil, em seu tempo histórico, cheio <strong>de</strong> marchas.<br />
Marchas dos sem escola, marcha dos reprovados, marcha dos que querem amar e não<br />
po<strong>de</strong>m, marcha dos que se recusam a uma obediência servil, marcha dos que se<br />
rebelam, marcha dos querem ser e estão proibidos <strong>de</strong> ser... As marchas são<br />
andarilhagens históricas pelo mundo.<br />
2. Principais Características do pensamento <strong>de</strong> Paulo Freire<br />
O pensamento <strong>freire</strong>ano surge da sua percepção do ser humano e do mundo. Vê no homem e na mulher<br />
seres <strong>de</strong> relações que respon<strong>de</strong>m aos <strong>de</strong>safios para criar e recriar um mundo <strong>de</strong> cultura adaptando-o as suas<br />
necessida<strong>de</strong>s.<br />
Era um educador comprometido com a <strong>educação</strong> popular e a <strong>de</strong>finia como um espaço <strong>de</strong> mobilização,<br />
organização e capacitação científica e técnica, em que o conhecimento do mundo é feito através das práticas do<br />
homem, <strong>de</strong> acordo com as suas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sobrevivência no meio em que vive. Segundo Freire, <strong>educação</strong>
popular e mudanças sociais andam juntas.<br />
Uma entre tantas características do pensamento <strong>de</strong> Freire nasce da sua prática, tendo como princípio as<br />
experiências, surpresas, alegrias e tristezas do cotidiano. O meu ponto <strong>de</strong> vista é dos “con<strong>de</strong>nados da terra”, o<br />
dos excluídos (Barreto, 1998:53). Criticava a malva<strong>de</strong>za do neoliberalismo possuidor <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ologia fatalista em<br />
que não permite aos <strong>de</strong>svalidos da sorte, o sonho e a utopia como fomentadores da esperança.<br />
Freire é consi<strong>de</strong>rado o filósofo inaugural da pedagogia crítica. Na Pedagogia crítica a evolução progressista<br />
do pensamento educacional, como revolucionário, nunca abandona o sonho <strong>de</strong> uma transformação radical do mundo.<br />
Ele não concebia a idéia <strong>de</strong> diálogo na ausência dum profundo amor pelo mundo e pelas pessoas.<br />
Freire vislumbrava a emancipação dos homens e mulheres através <strong>de</strong> <strong>educação</strong>. Para ele, educar significava<br />
conscientizar as pessoas do direito <strong>de</strong> dizerem a sua palavra e do seu papel <strong>de</strong> fazedores da própria história em lugar<br />
<strong>de</strong> ficarem como meros espectadores. Acreditava, também na <strong>educação</strong> recíproca em que educador e educando<br />
ensinam e apren<strong>de</strong>m constantemente. Só educadoras e educadores autoritários negam a solidarieda<strong>de</strong> entre o<br />
ato <strong>de</strong> educar e o ato <strong>de</strong> serem educados pelos educandos (Freire, 2001:27).<br />
Para Freire <strong>educação</strong> é o compromisso do profissional <strong>de</strong>sta área em fazer <strong>de</strong>la um instrumento <strong>de</strong> mudança<br />
na socieda<strong>de</strong>, através da reflexão e da ação do educando.<br />
A qualida<strong>de</strong> que Freire consi<strong>de</strong>rava fundamental no educador era gostar da vida. Pregava uma pedagogia<br />
<strong>de</strong>mocrática, <strong>de</strong>sveladora das injustiças e <strong>de</strong>socultadora das mentiras i<strong>de</strong>ológicas em que o educando tinha o <strong>de</strong>ver<br />
<strong>de</strong> brigar pelo direito <strong>de</strong> participar da escolha dos conteúdos aprendidos por ele. Via o amor como uma tarefa do<br />
sujeito, portanto não acreditava na <strong>educação</strong> sem amorozida<strong>de</strong>.<br />
Quanto <strong>à</strong> utopia que Freire cita tantas vezes em sua obra, evoca uma ação cheia <strong>de</strong> esperança histórica. Uma<br />
ação crítica como possibilida<strong>de</strong> humana para, através da <strong>educação</strong>, concretizar uma mudança social radical e<br />
libertadora rompendo com o sistema opressivo objetivando a transformação da realida<strong>de</strong>. Utopia é prospectiva do<br />
que ainda não existe e que impulsiona o homem em direção <strong>à</strong> luta por um futuro mais humano visando <strong>à</strong> integração da<br />
própria consciência a consciência do outro. A <strong>educação</strong> é uma busca que pressupõe esperança. Não há <strong>educação</strong><br />
sem esperança. Foi com es se pensamento inovador que Freire contribuiu para a <strong>educação</strong> no mundo e,<br />
principalmente, a <strong>brasileira</strong>.<br />
3. Contribuição do pensamento <strong>de</strong> Paulo Freire para a <strong>educação</strong> <strong>brasileira</strong><br />
3. 1. na perspectiva da legislação:<br />
Um dos principais objetivos do Plano Nacional <strong>de</strong> Educação é a melhoria da qualida<strong>de</strong> do ensino, cuja meta<br />
somente será viável através da valorização do magistério. Essa intenção esten<strong>de</strong>-se <strong>à</strong> formulação das propostas e<br />
projetos pedagógicos das escolas, dos conselhos escolares quanto <strong>à</strong> elaboração do plano <strong>de</strong> carreira e da<br />
remuneração dos educadores.<br />
Formar mais e melhor os profissionais do magistério é apenas uma parte da<br />
tarefa. É preciso criar condições que mantenham o entusiasmo inicial, a <strong>de</strong>dicação<br />
e a confiança nos resultados do trabalho pedagógico... Salário digno e
carreira <strong>de</strong> magistério entram, aqui, como componentes essenciais para a<br />
qualificação do ensino (PNE, 2001:137).<br />
Um dos maiores <strong>de</strong>safios do Plano Nacional <strong>de</strong> Educação se refere <strong>à</strong> qualificação dos educadores e, para<br />
isso, é preciso que o Po<strong>de</strong>r Público se mobilize no sentido <strong>de</strong> tornar viável a solução <strong>de</strong>sse problema. A implantação<br />
<strong>de</strong> políticas públicas na formação inicial e continuada dos professores é uma das condições para o avanço e para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento científico e tecnológico do país uma vez que a produção <strong>de</strong> conhecimentos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do nível <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> na formação <strong>de</strong>ssas pessoas.<br />
Tendo em vista a melhoria da qualida<strong>de</strong> do ensino necessária ao acesso da cidadania e a inserção nas<br />
ativida<strong>de</strong>s produtivas indispensáveis ao crescimento constante do nível <strong>de</strong> vida da população nacional exige um<br />
comprometimento da nação nesse sentido, uma vez que os educadores exercem um papel fundamental no processo<br />
educativo.<br />
Já a Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação, lei n. 9.394, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1996, se refere <strong>à</strong> formação<br />
<strong>de</strong> professores da seguinte forma: <strong>educação</strong> continuada para os profissionais da <strong>educação</strong> <strong>de</strong> todos os níveis<br />
promovida pelos sistemas <strong>de</strong> ensino, valorizando estes educadores e assegurando-lhes, <strong>de</strong> acordo com os termos<br />
dos estatutos e dos planos <strong>de</strong> carreira do magistério, o aperfeiçoamento profissional continuado inclusive com<br />
licenciamento periódico remunerado, piso salarial e condições a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> trabalho para esse fim.<br />
A progressão funcional se baseará na titulação ou habilitação, e na avaliação do <strong>de</strong>sempenho dos educadores,<br />
com períodos reservados para estudos, planejamento e avaliação, inclusos na carga horária com condições<br />
a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> trabalho.<br />
É <strong>de</strong> fácil percepção os pressupostos <strong>de</strong>fendidos por Paulo Freire na legislação <strong>brasileira</strong>. A sua contribuição<br />
torna-se evi<strong>de</strong>nte na preocupação <strong>de</strong>monstrada com a formação permanente dos educadores, valorização do<br />
magistério público, salários mais justos aos profissionais da <strong>educação</strong>, espaços físicos mais a<strong>de</strong>quados, etc...<br />
3. 2. na perspectiva do sujeito histórico:<br />
Homens e mulheres, ao contrário dos animais, po<strong>de</strong>m tridimencionar o tempo e perceber o passado,<br />
presente e futuro. O ser humano torna-se responsável pela sua história quando reconhece as conseqüências da sua<br />
ação sobre o mundo em tempos históricos diferentes. É pela ação e na ação que o homem se constrói como sujeito.<br />
Essa atitu<strong>de</strong> crítica torna o homem capaz <strong>de</strong> se impor e tomar <strong>de</strong>cisões em lugar <strong>de</strong> domesticá-lo como faz a<br />
<strong>educação</strong> oficial na maior parte do mundo. É preciso fazer <strong>de</strong>sta conscientização o objetivo <strong>de</strong> toda <strong>educação</strong>, ou<br />
seja, <strong>de</strong>safiar a intencionalida<strong>de</strong> da consciência crítica no educando fazendo com que esta provoque uma ação.<br />
O surgimento da consciência popular surpreen<strong>de</strong> as massas ao perceberem o que antes não percebiam,<br />
saindo da “cultura do silêncio”, passando a participar do processo histórico e pressionar elite, pois, esse movimento<br />
provoca inquietu<strong>de</strong> tanto nuns quanto noutros. Nesse sentido, cobra-se do educador progressista a coerência que<br />
aproxime o que diz do que faz.<br />
Freire dizia que, para ser válida, toda <strong>educação</strong> <strong>de</strong>ve, necessariamente, estar precedida <strong>de</strong> uma reflexão<br />
sobre o homem e seu meio <strong>de</strong> vida concreto. Pela ausência <strong>de</strong> uma análise do meio cultural, corre-se o perigo <strong>de</strong>
ealizar uma <strong>educação</strong> pré-concebida, que não está adaptada ao homem concreto a que se <strong>de</strong>stina.<br />
Cada homem está situado no espaço e no tempo, no sentido em que vive numa época precisa, num lugar<br />
preciso, num contexto social e cultural preciso. O homem, segundo Freire, é um ser <strong>de</strong> raízes espaço-tempo.<br />
Uma <strong>educação</strong> que procura <strong>de</strong>senvolver a tomada <strong>de</strong> consciência e a atitu<strong>de</strong> crítica, graças <strong>à</strong> qual o homem<br />
escolhe e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, liberta-o em lugar <strong>de</strong> submetê-lo, <strong>de</strong> domesticá-lo, <strong>de</strong> adaptá-lo, como faz com muita freqüência a<br />
<strong>educação</strong> em vigor num gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> países do mundo, <strong>educação</strong> que ten<strong>de</strong> a ajustar o indivíduo <strong>à</strong> socieda<strong>de</strong>,<br />
em lugar <strong>de</strong> promovê-lo em sua própria linha.<br />
Pela ação e na ação, é que o homem se constrói como homem. O homem não po<strong>de</strong> participar ativamente na<br />
história, na socieda<strong>de</strong>, na transformação da realida<strong>de</strong>, se não é auxiliado a tomar consciência da realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua<br />
própria capacida<strong>de</strong> para transformá-la, pois, ninguém luta contra as forças que não compreen<strong>de</strong>, cuja importância<br />
não me<strong>de</strong>, cujas formas e contornos não discerne.<br />
1. 3. na perspectiva política:<br />
Barreto (1998:61) afirma:<br />
A <strong>educação</strong> é sempre política. ... não existe <strong>educação</strong> neutra, numa socieda<strong>de</strong> em que<br />
convivem segmentos da população com interesses opostos e contraditórios. É<br />
impossível a existência <strong>de</strong> uma única <strong>educação</strong> que sirva, da mesma maneira, a todos<br />
estes grupos sociais. Ela está sempre a favor <strong>de</strong> alguém e, por conseqüência, contra<br />
alguém.<br />
Essa era a visão que Freire tinha do processo educativo na socieda<strong>de</strong>: ou ela é conservadora e acomoda as<br />
pessoas ou é transformadora e faz com que homens e mulheres se envolvam na mudança do mundo em que vivem. A<br />
<strong>educação</strong> transformadora estará contra as classes dominantes e a favor dos marginalizados, enquanto na conservadora<br />
acontece o contrário, ou seja, os opressores serão beneficiados e os grupos <strong>de</strong>sprovidos da sorte ficarão prejudicados.<br />
sistemática:<br />
Para melhor entendimento, os dois tipos <strong>de</strong> <strong>educação</strong>, na visão <strong>de</strong> Freire, estão expostas abaixo <strong>de</strong> forma<br />
Ao mesmo tempo em que Freire afirmava que a <strong>educação</strong> era um ato político, ele advertia que ela não era<br />
partidária. Os seres humanos buscam na <strong>educação</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser mais, e a <strong>educação</strong> reduzida aos limites<br />
partidários ficaria empobrecida a ponto <strong>de</strong> inviabilizar esta mudança tão <strong>de</strong>sejada.<br />
Freire tornou-se um educador popular que, via na <strong>educação</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mudança na socieda<strong>de</strong>. Esse<br />
educador amoroso e abnegado fazia da docência o fim <strong>de</strong> sua vida. Enquanto Marx via nas lutas <strong>de</strong> classes a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> solucionar os problemas sociais, Freire acreditava na <strong>educação</strong> como instrumento transformador da socieda<strong>de</strong>.<br />
Antes <strong>de</strong> falar em <strong>educação</strong> popular Freire falava em <strong>educação</strong> libertadora. Uma <strong>educação</strong> crítica e conscientizadora<br />
on<strong>de</strong> o educando é sujeito da sua história e não um mero espectador dos acontecimentos históricos. Ele via a <strong>educação</strong><br />
como um processo dialético entre a leitura e a transformação do mundo.<br />
Foi assim que Freire se tornou um educador progressista, o pedagogo da indignação que via no processo educativo um<br />
ato político. Convidava o educando a sair da apatia e do conformismo e <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar que a sua situação <strong>de</strong> “ser<br />
menos” e “<strong>de</strong>mitido da vida” é vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, e perceber que tudo isso advém da imposição do contexto<br />
econômico-político-i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong>terminado pelo meio em que vive.
Freire <strong>de</strong>fendia a docência com liberda<strong>de</strong>, contra o autoritarismo, com respeito ao conhecimento trazido pelos<br />
educandos e ao senso comum. O amor, segundo Freire, é uma tarefa do sujeito, portanto não há <strong>educação</strong> sem amor.<br />
Uma ação crítica como possibilida<strong>de</strong> humana para, através da <strong>educação</strong>, concretizar uma mudança social radical e<br />
libertadora rompendo com o sistema opressivo, objetivando a transformação da realida<strong>de</strong>. Utopia é prospectiva do que<br />
ainda não existe e que impulsiona o homem em direção <strong>à</strong> luta por um futuro mais humano visando <strong>à</strong> integração da própria<br />
consciência <strong>à</strong> consciência do outro.<br />
1. 4. na perspectiva da institucionalização da <strong>educação</strong>:<br />
Durante o tempo em que foi Secretário <strong>de</strong> Educação da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong> 1989 a 1991, Freire <strong>de</strong>clara que<br />
se <strong>de</strong>parou com um problema que, segundo ele, em qualquer parte do nosso país, seria o mesmo: uma gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência<br />
no sistema educacional, tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo. Essas <strong>de</strong>ficiências da <strong>educação</strong> escolar<br />
castigam somente as crianças das classes populares, pois, não se vê fora da escola, filhos <strong>de</strong> famílias que comem, vestem<br />
e, sobretudo, sonham. No que se refere <strong>à</strong> qualida<strong>de</strong> do ensino, são as crianças pobres, que conseguem chegar a uma<br />
escola e nela permanecer, são as que mais sofrem com essa carência na <strong>educação</strong>.<br />
Freire estava convencido da importância e urgência da <strong>de</strong>mocratização da escola pública, da formação permanente<br />
<strong>de</strong> professores e professoras incluindo nos cursos <strong>de</strong> atualização, meren<strong>de</strong>iras, zeladores e vigias, promovendo, portanto,<br />
ampliar a participação <strong>de</strong> todos os sujeitos, possibilitando a efetiva presença dos alunos e familiares nestes espaços. Para<br />
enten<strong>de</strong>r e trabalhar o papel fundamental da escola na transformação da socieda<strong>de</strong> faz-se necessário uma compreensão<br />
dialética entre escola e socieda<strong>de</strong>.<br />
Freire expõe suas idéias relativas <strong>à</strong> política municipal <strong>de</strong> <strong>educação</strong>, que tem por meta o estabelecimento <strong>de</strong> uma<br />
escola pública, popular e <strong>de</strong>mocrática. Na visão <strong>de</strong> Freire competência não significa falta <strong>de</strong> humor, pois, segundo ele:<br />
3. 5. na perspectiva curricular:<br />
... a alegria <strong>de</strong> ensinar-apren<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ve acompanhar professores e alunos em suas buscas<br />
constantes. Precisamos é remover os obstáculos que dificultam que a alegria tome conta<br />
<strong>de</strong> nós e não aceitar que ensinar e apren<strong>de</strong>r são práticas necessariamente enfadonhas e<br />
tristes (1999: 37).<br />
Na perspectiva da pedagogia <strong>freire</strong>ana, a elaboração do currículo exige uma reorientação presidida pela<br />
racionalida<strong>de</strong> emancipatória, apoiada na teoria crítica, tomando como centrais os princípios <strong>de</strong> crítica e ação. A<br />
melhoria da <strong>educação</strong> pública municipal provocou, também, mudanças nas relações internas das escolas e nas<br />
relações escola/população. Para isso, segundo ele, faz-se necessária a <strong>de</strong>mocratização da escola, com a participação<br />
dos pais, alunos, professores e outros trabalhadores da área na discussão e <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> seus rumos.<br />
As escolas precisam eleger seus conselhos no início <strong>de</strong> cada ano letivo, objetivando a participação dos pais,<br />
alunos, funcionários e educadores reunindo-se periodicamente para <strong>de</strong>baterem os problemas da escola e apontarem<br />
caminhos no sentido <strong>de</strong> solucioná-los. O <strong>de</strong>senvolvimento dos conselhos da gestão escolar exige um trabalho <strong>de</strong><br />
formação permanente e sistemática na dimensão político/pedagógica. Para tornar realida<strong>de</strong> a escola pública popular e<br />
<strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong> na direção <strong>de</strong> uma <strong>educação</strong> crítica e transformadora exige-se repensar a proposta<br />
pedagógica e a reconstrução do currículo, instrumento básico <strong>de</strong> organização da escola entendido numa perspectiva
ampla, progressista e emancipadora.<br />
Para <strong>de</strong>senvolver uma proposta pedagógica comprometida com a <strong>de</strong>mocratização da <strong>educação</strong> escolar, Freire<br />
previa a necessida<strong>de</strong> das seguintes medidas: o respeito <strong>à</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural do aluno; a apropriação e produção <strong>de</strong><br />
conhecimentos relevantes e significativos para o aluno, <strong>de</strong> modo crítico, na perspectiva <strong>de</strong> compreensão e<br />
transformação da realida<strong>de</strong> social; a mudança <strong>de</strong> compreensão do que é ensinar e apren<strong>de</strong>r; o estímulo <strong>à</strong> curiosida<strong>de</strong><br />
e <strong>à</strong> criativida<strong>de</strong> do aluno; o resgate da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do educador e a integração comunida<strong>de</strong>/escola como espaço <strong>de</strong><br />
valorização e recriação da cultura popular.<br />
As Secretarias <strong>de</strong> Educação <strong>de</strong>vem, também, no sentido <strong>de</strong> tornar viável um novo projeto político/pedagógico,<br />
investir no Movimento <strong>de</strong> Reorientação Curricular e na Formação Permanente <strong>de</strong> Educadores em todas as<br />
modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino.<br />
A reorientação curricular constitui, portanto, um processo <strong>de</strong> construção coletiva da<br />
qual participam diferentes grupos em constante diálogo: escola, comunida<strong>de</strong> e os<br />
especialistas das diferentes áreas do conhecimento. Só assim as comunida<strong>de</strong>s<br />
escolares se apropriarão do direito e do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ter a voz na elaboração do currículo<br />
(Aplle e Nóvoa, 1998:104).<br />
Quanto ao “Método Paulo Freire” utilizado, pela primeira vez, em 1963 para alfabetização <strong>de</strong> adultos, na cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Angicos, consistia em ensinar não só a ler, mas conscientizar as pessoas dos seus direitos <strong>de</strong> cidadão do mundo e<br />
não somente no mundo.<br />
Iniciou o processo <strong>de</strong> alfabetização com palavras do meio dos alfabetizandos. O objetivo da metodologia<br />
<strong>freire</strong>ana consiste em possibilitar o <strong>de</strong>senvolvimento da consciência crítica do educando alguns símbolos relacionados<br />
<strong>à</strong> palavra e, em seguida, <strong>de</strong>safiando-os criticamente a re<strong>de</strong>scobrir a associação entre estes símbolos e as palavras e<br />
assim aprendê-las. Tem como meta educar homens e mulheres no seu contexto histórico, com palavras do seu meio,<br />
cheias <strong>de</strong> significado para os mesmos.<br />
Entre as novida<strong>de</strong>s trazidas por Freire do tempo em que ficou no exílio, como a problematização do<br />
educador e o estímulo <strong>à</strong> participação dos educando no processo educativo, foram os recursos audiovisuais. Passou a<br />
levar para as aulas <strong>de</strong> alfabetização, um aparelho chamado epidiascópio utilizado para projetar as imagens <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senhos e palavras relativos ao tema do dia, do papel na pare<strong>de</strong>. Ele ficava observando a reação dos educandos<br />
em frente aos novos recursos utilizados com sucesso em outros países.<br />
3. 6. na perspectiva da valorização e formação continuada <strong>de</strong> professores:<br />
Partindo do princípio que o conhecimento é inacabado, Freire, durante sua administração frente a Secretaria<br />
<strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> São Paulo, <strong>de</strong>dicou especial atenção <strong>à</strong>quela que consi<strong>de</strong>rava como uma das medidas prioritárias no<br />
sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratizar o ensino público, ou seja, a formação continuada dos educadores.<br />
Essa postura <strong>de</strong> Freire transcen<strong>de</strong>u <strong>à</strong> SME <strong>de</strong> São Paulo para se tornar medida essencial para a qualificação<br />
do ensino numa perspectiva <strong>de</strong> <strong>educação</strong> <strong>de</strong>mocrática no Brasil e no mundo.<br />
Ele citou seis princípios que consi<strong>de</strong>rava básicos para o programa <strong>de</strong> formação<br />
<strong>de</strong> professores da SEM <strong>de</strong> São Paulo (Freire, 1999:80):<br />
1- O educador é sujeito <strong>de</strong> sua prática, cumprindo a ele cria-la e recria-la;
2- A formação do educador <strong>de</strong>ve instrumentalizá-lo para que ele crie e recrie a sua prática através<br />
da reflexão sobre o seu cotidiano;<br />
3- A formação do educador <strong>de</strong>ve ser constante, sistematizada, porque a prática se faz e se refaz;<br />
4- A prática pedagógica requer a compreensão da própria gênese do conhecimento, ou seja, <strong>de</strong> como<br />
se dá o processo <strong>de</strong> conhecer;<br />
5- O programa <strong>de</strong> educadores é condição para o processo <strong>de</strong> reorientação curricular da escola;<br />
6- O programa <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> educadores terá como eixos básicos:<br />
a fisionomia da escola que se quer, enquanto horizonte da nova proposta pedagógica;<br />
a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suprir elementos <strong>de</strong> formação básica aos educadores nas diferentes áreas do<br />
conhecimento humano;<br />
a apropriação, pelos educadores, dos avanços científicos do conhecimento humano que possam<br />
contribuir para a qualida<strong>de</strong> da escola que se quer.<br />
O trabalho direcionado <strong>à</strong> formação continuada <strong>de</strong> professores exige um gran<strong>de</strong> investimento no sentido <strong>de</strong><br />
que a escola pública mu<strong>de</strong> sua fisionomia <strong>de</strong> “<strong>educação</strong> bancária” para uma <strong>educação</strong> voltada para uma pedagogia<br />
crítico-dialógica, uma pedagogia da pergunta. A escola pública na visão <strong>de</strong> Freire, é aquela que estimula o aluno a<br />
perguntar, questionar, opinar, on<strong>de</strong> se propõe a construção coletiva do conhecimento, articulando o saber popular ao<br />
saber científico.<br />
Não po<strong>de</strong>mos pensar em mudar a cara da escola, não se po<strong>de</strong> pensar em ajudar a<br />
escola a ir ficando séria, rigorosa, competente e alegre sem pensar na formação<br />
permanente da educadora (Freire, 1999:38).<br />
A formação do educador se dá através da prática, da real participação em torno da <strong>de</strong>mocracia,<br />
ultrapassando e transcen<strong>de</strong>ndo os cursos explicativos teóricos. A prática da <strong>de</strong>mocracia, segundo Freire, vale muito<br />
mais do que um curso sobre <strong>de</strong>mocracia.<br />
Quando Freire se refere <strong>à</strong> formação continuada, não está querendo dizer a permanência <strong>de</strong> valores, pelo<br />
contrário, está se referindo <strong>à</strong> permanência do processo educativo e das mudanças culturais no sentido <strong>de</strong> evoluir.<br />
Bibliografia:<br />
APPLE, Michael e NÓVOA, Antônio (orgs). Paulo Freire: política e pedagogia. Porto. Porto Editora LTDA, 1998<br />
(Coleção Ciência da Educação)<br />
BARRETO, Vera. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte & Consciência, 1998.<br />
DAMKE, Ilda Righi. O processo do conhecimento na Pedagogia da libertação: as idéias <strong>de</strong> Freire, Fiori e<br />
Dussel. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.<br />
Entrevista concedida por Paulo Freire <strong>à</strong> TV PUC (Pontifícia Universida<strong>de</strong> Católica) <strong>de</strong> São Paulo: 1997, em FITA<br />
DE VIDEO VHS.<br />
FLEURI, Reinaldo Matias. Educar para quê?: contra o autoritarismo da relação pedagógica na escola. 5 ed.<br />
Uberlândia, MG: Editora da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Uberlândia, 1991.<br />
FREIRE, Paulo e NOGUEIRA, Adriano. Que fazer: teoria e prática em <strong>educação</strong> popular. 6 ed. Petrópolis,<br />
Vozes, 2001.
FREIRE, Paulo e SHOR, Ira. Medo e Ousadia. 8. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1986.<br />
FREIRE, Paulo e HORTON, Myles. O caminho se faz caminhando: conversas sobre <strong>educação</strong> e mudança<br />
social. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.<br />
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