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O papel dos Brics na economia mundial - Paulo Roberto de Almeida

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1. O que foram e o que são os <strong>Brics</strong>?<br />

O <strong>papel</strong> <strong>dos</strong> <strong>Brics</strong> <strong>na</strong> <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong><br />

<strong>Paulo</strong> <strong>Roberto</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong> ∗<br />

In: Cebri-Icone-Embaixada Britânica Brasília:<br />

Comércio e Negociações Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is para Jor<strong>na</strong>listas<br />

(Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2009, p. 57-65).<br />

No plano <strong>de</strong>mográfico, se trata <strong>dos</strong> dois países mais populosos do planeta e <strong>de</strong> dois<br />

outros <strong>de</strong> populações consi<strong>de</strong>ráveis. A Chi<strong>na</strong> representa, sozinha, mais <strong>de</strong> um quinto da<br />

população <strong>mundial</strong>, seguida <strong>de</strong> perto pela Índia (17,5%) e, bem mais longe, pelo Brasil<br />

(2,9%) e pela Rússia (2,2%). Mesmo dispondo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s territórios – <strong>dos</strong> 17 milhões <strong>de</strong> km 2<br />

da Rússia, aos 3,2 da Índia, passando pelos 9,3 da Chi<strong>na</strong> e pelos 8,5 do Brasil –, os Bric<br />

diferem entre si, no que se refere a recursos <strong>na</strong>turais, graus <strong>de</strong> industrialização e capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> impacto <strong>na</strong> <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>. É importante registrar essas diferenças, pois que a força <strong>de</strong><br />

um conceito unificador po<strong>de</strong> fazer com que similitu<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>vidas sejam traçadas quanto ao<br />

<strong>papel</strong> <strong>dos</strong> quatro países <strong>na</strong> <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>, daí redundando conclusões arriscadas quanto à<br />

sua presença <strong>na</strong> evolução futura <strong>de</strong>ssa <strong>economia</strong>. Talvez se <strong>de</strong>vesse, para correspon<strong>de</strong>r ao<br />

peso efetivo <strong>de</strong> cada um, inverter a or<strong>de</strong>m normalmente admitida por essa sigla atraente: Cirb.<br />

Comecemos, pois, pela Chi<strong>na</strong>. Trata-se da mais antiga civilização contínua da história,<br />

não exatamente pela linearida<strong>de</strong> política, mas sim pela continuida<strong>de</strong> cultural. Sua história<br />

contemporânea é, no entanto, trágica, feita <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência econômica, instabilida<strong>de</strong> política,<br />

humilhação militar e retrocessos sociais expressos em uma <strong>de</strong>gradação profunda do tecido<br />

social, quando as loucuras econômicas <strong>de</strong> Mao Tsé-tung levaram o país a uma hecatombe<br />

huma<strong>na</strong>, criando uma “lacu<strong>na</strong>” <strong>de</strong>mográfica <strong>de</strong> <strong>de</strong>ze<strong>na</strong>s <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> pessoas.<br />

A Índia é a segunda civilização “contínua” mais antiga do mundo, valendo as aspas<br />

pela diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> culturas e etnias. Não há propriamente unida<strong>de</strong> cultural e sua história<br />

“política” só parece fazer sentido com base <strong>na</strong> “unida<strong>de</strong>” temporária introduzida por invasões<br />

estrangeiras, em especial o Império mongol, seguido pela domi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> uma companhia <strong>de</strong><br />

comércio inglesa, <strong>de</strong>pois convertida em supremacia britânica sobre povos muito distintos<br />

entre si. A Índia mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> é uma “invenção” do Império britânico.<br />

A Rússia também é antiga, dotada <strong>de</strong> tradições culturais que a i<strong>de</strong>ntificam como<br />

unida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Ida<strong>de</strong> Média, quando <strong>de</strong>slocamentos <strong>de</strong> bárbaros <strong>de</strong>ram origem a<br />

∗ <strong>Paulo</strong> <strong>Roberto</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong> é doutor em Ciências Sociais pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bruxelas, mestre em<br />

Planejamento Econômico pela Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antuérpia e diplomata <strong>de</strong> carreira <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1977.<br />

Publicou diversos livros <strong>de</strong> relações inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is e <strong>de</strong> história diplomática do Brasil<br />

(www.pralmeida.org; pralmeida@mac.com).<br />

1


uma <strong>na</strong>ção eslava em processo <strong>de</strong> homogeneização, a caminho <strong>de</strong> uma formação <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,<br />

que passou a existir quando Pedro, o Gran<strong>de</strong>, submeteu as autorida<strong>de</strong>s feudais e consolidou<br />

seu po<strong>de</strong>r sobre um território in<strong>de</strong>finido, sob a forma <strong>de</strong> um Estado incipiente, baseado no<br />

conceito <strong>de</strong> absolutismo imperial. Esse Estado se esten<strong>de</strong>u ao longo <strong>dos</strong> séculos XVIII a XX,<br />

até atingir o máximo <strong>de</strong> sua extensão e po<strong>de</strong>rio já sob o domínio <strong>dos</strong> “czares” soviéticos. O<br />

“império soviético” representou um paradoxo <strong>na</strong> trajetória da “gran<strong>de</strong>” Rússia, posto que lhe<br />

<strong>de</strong>u a segurança <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l a que sempre aspirou aquele Estado, ao mesmo tempo em que criou<br />

um sistema econômico irracio<strong>na</strong>l, o que <strong>de</strong>terminou sua crise estrutural e <strong>de</strong>rrocada<br />

estron<strong>dos</strong>a.<br />

O Brasil, fi<strong>na</strong>lmente, é uma típica criação colonial, com a lenta constituição <strong>de</strong> uma<br />

<strong>economia</strong> bem sucedida, no quadro <strong>de</strong> uma construção estatal mais precoce. O Brasil teve um<br />

Estado unificado antes <strong>de</strong> ter uma <strong>economia</strong> integrada. O Estado foi o elemento indutor da<br />

construção <strong>de</strong> uma <strong>economia</strong> industrial, bastante mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> para os padrões <strong>dos</strong> países<br />

“periféricos”. Trata-se <strong>de</strong> um país “contente” com sua geografia e tranqüilo quanto ao<br />

relacio<strong>na</strong>mento regio<strong>na</strong>l. Esse contexto <strong>de</strong> “paz regio<strong>na</strong>l” – pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fi<strong>na</strong>l da<br />

Guerra do Paraguai – e <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> reais ameaças exter<strong>na</strong>s <strong>de</strong>finem o Brasil em sua<br />

singularida<strong>de</strong> geopolítica e <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado com um “ativo” positivo no seu processo <strong>de</strong><br />

inserção regio<strong>na</strong>l e inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.<br />

A trajetória <strong>dos</strong> Bric nos últimos dois séculos foi <strong>de</strong>sigual, para não dizer divergente.<br />

Suas relações recíprocas ao longo do último meio século foram, aliás, margi<strong>na</strong>is, com<br />

exceção, talvez, da URSS e da Chi<strong>na</strong>, <strong>na</strong> fase da construção do socialismo neste último país.<br />

A interação <strong>dos</strong> Bric com a <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong> seguiu uma trajetória errática, com alguma<br />

convergência <strong>na</strong>s últimas duas décadas, processo complementado por maior interação<br />

recíproca.<br />

Os Bric, toma<strong>dos</strong> individualmente, retroce<strong>de</strong>ram em sua participação nos fluxos<br />

mundiais <strong>de</strong> capitais, comércio, investimentos e tecnologia nos dois séculos que levam da<br />

primeira revolução industrial à oitava década do século XX, retomando, a partir daí, uma<br />

interação mais intensa com a <strong>economia</strong> global. Esse retrocesso ocorreu por <strong>de</strong>cisões próprias<br />

– revoluções socialistas <strong>na</strong> Rússia e <strong>na</strong> Chi<strong>na</strong>, adoção do planejamento estatal <strong>na</strong> Índia –, ou<br />

<strong>de</strong> forma involuntária, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> crises, seguidas <strong>de</strong> introversão estatizante, como no caso<br />

brasileiro (a crise <strong>de</strong> 1929 e a <strong>de</strong>pressão <strong>dos</strong> anos 1930 como fatores <strong>de</strong> estímulo à<br />

industrialização <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l).<br />

No período <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m econômica inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, no segundo<br />

pós-guerra, tanto a URSS como a Chi<strong>na</strong>, se auto-excluíram das instituições típicas do sistema<br />

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<strong>mundial</strong> capitalista – FMI, BIRD, GATT – enquanto o Brasil e a Índia a<strong>de</strong>riam <strong>de</strong> modo<br />

relutante, e margi<strong>na</strong>l, a essas entida<strong>de</strong>s “capitalistas”. O Brasil foi ativo nesses órgãos da<br />

inter<strong>de</strong>pendência capitalista, mais como “cliente” do que como responsável por processos<br />

<strong>de</strong>cisórios que, até há pouco, passaram ao largo <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação. Mais do que<br />

qualquer outro Bric, ele preservou estruturas <strong>de</strong> mercado e um estilo capitalista <strong>de</strong> gestão<br />

econômica em sintonia com o padrão formal <strong>de</strong> organização econômica do capitalismo. O<br />

outro Bric capitalista do período da Guerra Fria, a Índia, foi muito mais estatizante,<br />

burocratizado e atrasado do que o Brasil e seu recente impulso mo<strong>de</strong>rnizador se <strong>de</strong>veu bem<br />

mais à diáspora econômica nos EUA do que a transformações inter<strong>na</strong>s à própria Índia.<br />

A Chi<strong>na</strong> foi um <strong>de</strong>sastre econômico, não só pela sua <strong>de</strong>cadência <strong>na</strong> época da guerra<br />

civil e da invasão japonesa, mas também pelos planos da era maoísta (Gran<strong>de</strong> Salto Para a<br />

Frente e Revolução Cultural). Basta dizer que, possuindo um produto <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l bruto<br />

equivalente, grosso modo, a quase um terço do PIB <strong>mundial</strong> até o fi<strong>na</strong>l do século XVIII, ela<br />

regrediu a menos <strong>de</strong> 5% do PIB global nos anos 1960, recuperando parte do que tinha perdido<br />

só nos 2000. Quanto à Rússia, a<strong>de</strong>mais <strong>de</strong> diminuída <strong>de</strong>pois da implosão da URSS, suas<br />

estatísticas da era socialista são pouco confiáveis para o estabelecimento <strong>de</strong> uma série<br />

relevante <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sempenho ao longo do século XX, quando ela sofreu imensos <strong>de</strong>sastres<br />

materiais e humanos. A CIA superestimou a produção industrial e a capacida<strong>de</strong> tecnológica<br />

<strong>de</strong>ssa enorme “al<strong>de</strong>ia Potemkim”, que viveu uma mentira institucio<strong>na</strong>lizada ao longo <strong>de</strong> sete<br />

décadas.<br />

A “reincorporação” <strong>dos</strong> Bric ao mainstream da <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>, a partir da oitava<br />

década do século XX, foi diferenciada. O Brasil, a rigor, nunca <strong>de</strong>le se afastou, mas exibia,<br />

até mea<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> anos 1980, quase 95% <strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização <strong>na</strong> oferta inter<strong>na</strong>, por força <strong>de</strong> um<br />

protecionismo renitente. A Índia levou mais longe o capitalismo <strong>de</strong> Estado, o que, junto com<br />

um planejamento extensivo, foi responsável por décadas <strong>de</strong> crescimento reduzido e <strong>de</strong> baixa<br />

mo<strong>de</strong>rnização. Foi a Chi<strong>na</strong>, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, quem <strong>de</strong>u a partida para a “gran<strong>de</strong> transformação” <strong>na</strong><br />

divisão <strong>mundial</strong> do trabalho, ao iniciar, com as reformas da era Deng Xiao-Ping, uma rápida<br />

reconfiguração <strong>na</strong> geografia <strong>mundial</strong> <strong>dos</strong> investimentos diretos. A Rússia operou uma<br />

reconversão a um capitalismo mafioso nos anos 1990, passando a contar mais como<br />

fornecedor <strong>de</strong> matérias-primas energéticas do que como participante ativo da <strong>economia</strong><br />

<strong>mundial</strong>. O Brasil passou a ser um gran<strong>de</strong> provedor <strong>de</strong> commodities alimentícias e minerais, a<br />

Índia consolidou sua presença <strong>na</strong>s tecnologias <strong>de</strong> informação, ao passo que a Chi<strong>na</strong> industrial<br />

assumiu a li<strong>de</strong>rança nos produtos <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> massa, com dominância <strong>dos</strong> bens<br />

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eletrônicos. To<strong>dos</strong> se beneficiaram <strong>de</strong> vantagens ricardia<strong>na</strong>s, com ênfase em mão-<strong>de</strong>-obra no<br />

caso chinês, tecnologia no mo<strong>de</strong>lo indiano e recursos <strong>na</strong>turais para o Brasil e a Rússia.<br />

E para on<strong>de</strong> caminham os Bric, <strong>na</strong>s próximas décadas? Certamente não em direção ao<br />

mesmo <strong>de</strong>stino, ainda que o traço comum <strong>de</strong> suas trajetórias seja uma crescente a<strong>de</strong>são,<br />

incontornável, à <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>. O estudo da Goldman Sachs aposta que esse G4<br />

ultrapassará, conjuntamente, o PIB do atual G7 em 2035, sendo que a Chi<strong>na</strong> ultrapassará a<br />

to<strong>dos</strong>, individualmente, até 2040. Os componentes <strong>de</strong>ssa ultrapassagem são muito diversos,<br />

com uma provável “explosão” tecnológica da Chi<strong>na</strong>, uma continuida<strong>de</strong> “extrativa” no caso da<br />

Rússia, uma enorme competitivida<strong>de</strong> agrícola para o Brasil e <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> internet e <strong>de</strong><br />

tecnologia da informação para a Índia, o que já ocorre atualmente. Ainda que a “massa<br />

atômica” conjunta <strong>dos</strong> Bric possa superar o peso do atual G7, eles permanecerão, em termos<br />

per capita, abaixo <strong>dos</strong> indicadores atuais <strong>de</strong> bem estar e <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> <strong>dos</strong> países<br />

avança<strong>dos</strong>.<br />

2. Como se apresentam suas relações com a <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>?<br />

Transformações econômicas são sempre o resultado <strong>de</strong> uma combi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> fatores,<br />

alguns estruturais, outros <strong>de</strong>riva<strong>dos</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões políticas. A Rússia e a Chi<strong>na</strong> afundaram no<br />

caos <strong>de</strong>struidor <strong>de</strong> suas <strong>economia</strong>s socialistas pela força carismática <strong>de</strong> lí<strong>de</strong>res eficientes <strong>na</strong><br />

organização partidária mas ineptos <strong>na</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r o modo <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong><br />

uma mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> <strong>economia</strong> <strong>de</strong> mercado. No primeiro caso, a transição ao capitalismo continuou<br />

errática, mas a Chi<strong>na</strong> conheceu uma combi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> autoritarismo político e <strong>de</strong> firme<br />

condução para um regime <strong>de</strong> mercado, vindo a constituir um exemplo único <strong>na</strong> história<br />

<strong>mundial</strong> <strong>de</strong> crescimento sustentado, com transformações estruturais <strong>de</strong> enorme impacto social.<br />

No caso do Brasil e da Índia, as transformações foram menos o resultado <strong>de</strong> processos<br />

dirigi<strong>dos</strong> <strong>de</strong> “retorno aos merca<strong>dos</strong>”, ou <strong>de</strong> “revoluções pelo alto”, e bem mais a ação das<br />

“forças profundas” <strong>de</strong> regimes semi-capitalistas fi<strong>na</strong>lmente libera<strong>dos</strong> em suas energias<br />

criadoras pela abertura econômica e a liberalização comercial. O problema básico do Brasil<br />

era o <strong>de</strong> romper com a retro-alimentação inflacionária e o estrangulamento cambial, processo<br />

conduzido a termo mesmo em meio a turbulências fi<strong>na</strong>nceiras que ameaçaram o êxito do<br />

ajuste entre a segunda meta<strong>de</strong> <strong>dos</strong> anos 1990 e o início <strong>dos</strong> 2000. No caso da Índia, se tratava<br />

<strong>de</strong> romper com o dinossauro estatal da <strong>economia</strong> planejada e do protecionismo exacerbado, o<br />

que foi feito <strong>de</strong> modo tardio, mas facilitado pela existência <strong>de</strong> uma “diáspora” econômica <strong>de</strong><br />

alta qualida<strong>de</strong> <strong>na</strong>s principais <strong>economia</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas, diáspora que também existe, embora<br />

com outras características, <strong>na</strong> experiência histórica chinesa.<br />

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A rigor, a Chi<strong>na</strong> parece reproduzir, com maior velocida<strong>de</strong> adaptativa e uma imensa<br />

ambição <strong>de</strong> recuperar rapidamente as décadas perdidas <strong>de</strong> socialismo doentio, a experiência<br />

japonesa da Revolução Meiji – mandar seus filhos apren<strong>de</strong>r com os lí<strong>de</strong>res científicos e<br />

tecnológicos do capitalismo avançado – e, sobretudo, o milagre japonês do pós-Segunda<br />

Guerra, com muita cópia e adaptação do know-how oci<strong>de</strong>ntal e um cuidado extremo em<br />

fabricar os mesmos produtos com novos <strong>de</strong>senhos e marcas próprias. De to<strong>dos</strong> os Bric, é a<br />

única <strong>economia</strong> emergente que parece <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>da a converter-se, efetivamente, em <strong>economia</strong><br />

domi<strong>na</strong>nte, a<strong>de</strong>mais <strong>de</strong> potência tecnológica e militar, muito embora ela ainda esteja muito<br />

longe <strong>de</strong> igualar, para os seus cidadãos – muitos <strong>de</strong>les ainda súditos <strong>de</strong> um regime autoritário<br />

–, os níveis <strong>de</strong> bem-estar individual das populações <strong>dos</strong> países do capitalismo avançado.<br />

A Rússia, amputada <strong>de</strong> territórios, recursos <strong>na</strong>turais e humanos em dimensões<br />

importantes, não parece próxima <strong>de</strong> recuperar a relevância estratégica e política alcançada no<br />

ponto máximo <strong>de</strong> sua “expansão” geopolítica do fi<strong>na</strong>l <strong>dos</strong> anos 1970. Ainda que <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong><br />

formidável arse<strong>na</strong>l nuclear e <strong>de</strong> certa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> projeção militar, ela não terá condições<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>safiar efetivamente os dois gigantes da <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong> <strong>de</strong> mea<strong>dos</strong> do presente século.<br />

Ela <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos finitos e mesmo sua <strong>de</strong>mografia é <strong>de</strong>cli<strong>na</strong>nte.<br />

No que se refere à Índia, ela po<strong>de</strong> domi<strong>na</strong>r com competência os serviços eletrônicos<br />

que ela já oferece <strong>de</strong> maneira competitiva, mas terá <strong>de</strong> absorver <strong>na</strong> <strong>economia</strong> <strong>de</strong> mercado<br />

cente<strong>na</strong>s <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> camponeses que ainda vegetam numa <strong>economia</strong> ancestral. O Brasil<br />

tem pela frente, durante uma geração aproximadamente, a chance <strong>de</strong> beneficiar-se do<br />

chamado “bônus <strong>de</strong>mográfico” – ou seja, a melhor relação possível entre população ativa e<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes econômicos –, oportunida<strong>de</strong> que será provavelmente perdida, em gran<strong>de</strong> medida<br />

<strong>de</strong>vido à baixa qualificação técnica e educacio<strong>na</strong>l da população, o que reduz bastante os<br />

ganhos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong>.<br />

Essas <strong>de</strong>ficiências não <strong>de</strong>vem impedir os Bric <strong>de</strong> se tor<strong>na</strong>rem relevantes: eles o serão<br />

pelo gran<strong>de</strong> peso <strong>de</strong>mográfico e enquanto merca<strong>dos</strong> <strong>de</strong> consumo em expansão – com exceção<br />

da Rússia –, mas não é provável que alcancem o nível <strong>de</strong> excelência tecnológica já logrado<br />

por quase to<strong>dos</strong> os países do bloco avançado do capitalismo <strong>mundial</strong>. A exceção, mais uma<br />

vez, <strong>de</strong>ve ser a Chi<strong>na</strong>, que reproduzirá o <strong>de</strong>sempenho tecnológico <strong>de</strong> Taiwan e da Coréia do<br />

Sul com rapi<strong>de</strong>z surpreen<strong>de</strong>nte.<br />

No plano da liberalização <strong>dos</strong> movimentos <strong>de</strong> capitais e da abertura comercial, as<br />

políticas <strong>dos</strong> Bric são também muito diversas, embora ten<strong>de</strong>ntes à adoção <strong>de</strong> um padrão mais<br />

propício à sua integração inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, o que contrasta com as formas historicamente<br />

restritivas que to<strong>dos</strong> eles exibiam até menos <strong>de</strong> uma geração atrás. As rupturas mais<br />

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importantes ocorreram, obviamente, com os dois gigantes socialistas, uma vez que o Brasil e<br />

a Índia se situavam nos limites <strong>de</strong> um capitalismo marcado pela presença avassaladora do<br />

Estado. Estes dois últimos foram membros fundadores do GATT e estiveram presentes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

cedo, <strong>na</strong>s instituições <strong>de</strong> Bretton Woods, sem necessariamente acatar <strong>de</strong> bom grado suas<br />

prescrições <strong>de</strong> política econômica.<br />

A Chi<strong>na</strong> e a Rússia ingressaram no FMI e no BIRD tão pronto superaram suas<br />

restrições i<strong>de</strong>ológicas às duas entida<strong>de</strong>s-símbolo do mundo capitalista, mas o processo foi<br />

mais complicado <strong>na</strong> esfera comercial. A Chi<strong>na</strong> levou 14 anos para ser admitida no GATT,<br />

fazendo-o ape<strong>na</strong>s às vésperas do início da Rodada Doha (2001), mantendo ainda várias<br />

práticas não conformes ao padrão normal <strong>de</strong> relacio<strong>na</strong>mento comercial. A Rússia, a <strong>de</strong>speito<br />

<strong>de</strong> politicamente admitida no G7 <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 1990 e <strong>de</strong> ter sido reconhecida como<br />

“<strong>economia</strong> <strong>de</strong> mercado” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o G7 <strong>de</strong> Ka<strong>na</strong><strong>na</strong>skis (2002), não conseguiu cumprir os<br />

requisitos para ingressar no sistema multilateral <strong>de</strong> comércio, nem parece perto <strong>de</strong> ingressar<br />

<strong>na</strong> OCDE. O recente retorno a uma política exter<strong>na</strong> “musculosa” po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-la ainda mais<br />

longe <strong>de</strong>ssas organizações.<br />

Brasil e Índia mantiveram, durante várias décadas, o padrão típico da política<br />

<strong>de</strong>senvolvimentista preconizada por economistas keynesianos como Raul Prebisch ou Gun<strong>na</strong>r<br />

Myrdal, com muitas restrições cambiais, protecionismo comercial e medidas discrimi<strong>na</strong>tórias<br />

contra o capital estrangeiro, políticas que começaram a ser mudadas no fi<strong>na</strong>l <strong>dos</strong> anos 1980 e<br />

início <strong>dos</strong> 1990. Eles ainda mantêm uma política comercial <strong>de</strong>fensiva <strong>na</strong> área industrial, mas,<br />

graças à sua qualificação em TICs, a Índia tem operado abertura no setor <strong>de</strong> serviços, ao passo<br />

que o Brasil se mostra mais ofensivo no combate às políticas subvencionistas <strong>na</strong> área agrícola<br />

(o que <strong>de</strong>veria incluir, além <strong>dos</strong> protecionistas conheci<strong>dos</strong>, também os alia<strong>dos</strong> do Brasil no<br />

G20: Chi<strong>na</strong> e Índia).<br />

As políticas cambial, comercial e do capital estrangeiro mantidas pelos Bric são tão<br />

variadas quanto suas formas <strong>de</strong> inserção inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, mas os resulta<strong>dos</strong> acabam se refletindo<br />

<strong>na</strong>s transações correntes. O Brasil saiu <strong>de</strong> uma situação bastante frágil, <strong>na</strong> segunda meta<strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

anos 1990 e início <strong>dos</strong> 2000 – o que o levou a buscar fi<strong>na</strong>nciamento preventivo por meio <strong>de</strong><br />

três acor<strong>dos</strong> com o FMI (1998, 2001 e 2002) –, para uma posição <strong>de</strong> relativo conforto no<br />

plano externo, com reservas inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is superiores à dívida exter<strong>na</strong>. Com seus enormes<br />

sal<strong>dos</strong> comerciais, a Chi<strong>na</strong> caminha para novos recor<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reservas em divisas e <strong>de</strong>ve se<br />

manter como exportadora dinâmica no futuro previsível. Os sal<strong>dos</strong> da Rússia são também<br />

crescentes ou confortáveis, mas sua posição estrutural apresenta fragilida<strong>de</strong>s, dada a<br />

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<strong>de</strong>pendência do petróleo e do gás. Os déficits da Índia, por sua vez, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> crescentes,<br />

têm apresentado proporção administrável para sua <strong>economia</strong> também em expansão.<br />

3. Qual o seu impacto futuro <strong>na</strong> <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>?<br />

A justificativa para a existência da sigla Bric, segundo seu propositor origi<strong>na</strong>l, é a<br />

dimensão do impacto <strong>de</strong>ssas <strong>economia</strong>s <strong>na</strong> <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong> e sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> moldar o<br />

futuro <strong>de</strong> outros países em <strong>de</strong>senvolvimento. De fato, à exceção do Brasil, os três outros Bric<br />

vêm ganhando peso e importância no contexto global e setorial.<br />

Teoricamente, os Bric representarão, em poucos anos, um quinto da <strong>economia</strong><br />

<strong>mundial</strong>, caminhando para ultrapassar o G7 em duas décadas. Essa agregação <strong>de</strong> “volumes”<br />

individuais po<strong>de</strong> fazer sentido nesse tipo <strong>de</strong> exercício intelectual, no qual a aritmética parece<br />

predomi<strong>na</strong>r sobre a política, mas é pouco provável que ela indique tendências <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento da <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>, cujos vetores são da<strong>dos</strong> por transformações<br />

tecnológicas, fluxos <strong>de</strong> capitais e informação <strong>de</strong> tipo científico e estratégico, como aliás<br />

sempre ocorreu <strong>na</strong> história do capitalismo.<br />

De fato, pela sua importância <strong>de</strong>mográfica, assim como pela dissemi<strong>na</strong>ção crescente<br />

da tecnologia e <strong>de</strong> investimentos diretos, po<strong>de</strong>-se prever que a participação <strong>dos</strong> países em<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>na</strong>s exportações mundiais <strong>de</strong> bens e serviços e no PIB total ten<strong>de</strong>rá a se<br />

expandir a partir <strong>dos</strong> valores atuais. Trata-se <strong>de</strong> uma constatação elementar, que <strong>na</strong>da diz<br />

sobre os <strong>de</strong>mais aspectos, sobretudo institucio<strong>na</strong>is e políticos, que atuam <strong>de</strong> modo interativo<br />

com as forças estruturais que estão moldando o sistema <strong>mundial</strong>. Ou seja, o impacto<br />

econômico <strong>dos</strong> Bric é <strong>de</strong>cisivo, mas ele sozinho <strong>na</strong>da diz sobre os <strong>de</strong>mais condicio<strong>na</strong>ntes <strong>de</strong><br />

um complexo relacio<strong>na</strong>mento que não se resume à contabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> PIB e exportações, mas<br />

tem a ver com fatores <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência recíproca, não <strong>dos</strong> Bric entre si, mas entre eles,<br />

individualmente, e seus múltiplos parceiros <strong>na</strong> <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>. Desse ponto <strong>de</strong> vista, os<br />

Bric não possuem existência econômica <strong>de</strong> fato, sendo puramente uma criação do “espírito<br />

econômico”.<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> teses sobre o “<strong>de</strong>scolamento” <strong>dos</strong> principais emergentes do ciclo<br />

econômico <strong>dos</strong> países do G7 e <strong>dos</strong> <strong>de</strong>mais avança<strong>dos</strong>, o fato é que o impacto das <strong>economia</strong>s<br />

domi<strong>na</strong>ntes sobre os <strong>Brics</strong> é mais <strong>de</strong>cisivo do que admitido normalmente. Não se trata, tão<br />

somente, <strong>de</strong> merca<strong>dos</strong> <strong>de</strong> consumo e <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong> investimento direto. A <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong><br />

não se apresenta ape<strong>na</strong>s como um conjunto <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> intercâmbio <strong>de</strong> bens e serviços, com<br />

os quais cada unida<strong>de</strong> <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l po<strong>de</strong> ter maior ou menor interação física. Ela é, no seu aspecto<br />

mais essencial, basicamente um espaço para o intercâmbio <strong>de</strong> idéias, e nesse sentido, a<br />

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domi<strong>na</strong>ção intelectual do chamado Oci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong>ve continuar a se exercer durante<br />

o futuro previsível.<br />

Quando se observa o panorama geral da <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>, uma conclusão parece<br />

inevitável: as mesmas forças que transformaram o mundo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI continuam a<br />

moldar o mundo contemporâneo, não só pelos fluxos <strong>de</strong> bens e serviços, mas também pelas<br />

formas <strong>de</strong> organização econômica e, sobretudo, pela produção <strong>de</strong> idéias e conceitos que<br />

sustentam os fluxos reais. Não se po<strong>de</strong>, portanto, conceber uma suposta in<strong>de</strong>pendência <strong>dos</strong><br />

países em <strong>de</strong>senvolvimento do núcleo central da <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>. Os Bric e <strong>de</strong>mais<br />

emergentes não têm um itinerário e um <strong>de</strong>stino econômico distintos do que é possível<br />

conceber para os pólos avança<strong>dos</strong> da <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>, que moldam os parâmetros<br />

fundamentais pelos quais se organiza essa <strong>economia</strong>, num processo dinâmico que não é<br />

domi<strong>na</strong>do exclusivamente por algum centro específico, mas que possui vários centros <strong>de</strong><br />

“produção” e <strong>de</strong> dissemi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> idéias e <strong>de</strong> conhecimento prático, através <strong>dos</strong> quais é tecida<br />

a teia da <strong>economia</strong> <strong>mundial</strong>.<br />

O conceito “Bric”, em sua aparente novida<strong>de</strong>, é uma trouvaille interessante que passou<br />

a ocupar a mente <strong>dos</strong> jor<strong>na</strong>listas, excitando a imagi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> acadêmicos em busca <strong>de</strong> alguma<br />

idéia nova.Esse conceito parece induzir espíritos preocupa<strong>dos</strong> com a realida<strong>de</strong> da “velha”<br />

hegemonia, alimentando, então, a idéia <strong>de</strong> uma “ruptura <strong>de</strong> sistema”, ou seja, a substituição<br />

<strong>de</strong>ssa antiga hegemonia. Historicamente, são raras as tentativas <strong>de</strong> alteração pacífica do<br />

equilíbrio do po<strong>de</strong>r <strong>mundial</strong>, <strong>na</strong> medida em que os beneficiários do status quo ten<strong>de</strong>m a<br />

resistir às <strong>de</strong>mandas <strong>dos</strong> contestadores por novos espaços no quadro da velha or<strong>de</strong>m. Caso as<br />

expectativas não possam ser atendidas, os contestadores po<strong>de</strong>m se <strong>de</strong>cidir pela mudança <strong>de</strong>ssa<br />

or<strong>de</strong>m, se possível por meios pacíficos, se necessário por méto<strong>dos</strong> violentos.<br />

Conti<strong>dos</strong>, <strong>de</strong>rrota<strong>dos</strong> e radicalmente transforma<strong>dos</strong> os contestadores fascistas do entre-<br />

guerras, a geopolítica do po<strong>de</strong>r <strong>mundial</strong> passou a ser domi<strong>na</strong>da, a partir <strong>de</strong> 1947, pelo<br />

expansionismo soviético, sem contudo chegar-se ao enfrentamento direto com a<br />

superpotência america<strong>na</strong>. Os conflitos se <strong>de</strong>ram por procuração, cada lado contabilizando<br />

avanços e recuos nos teatros periféricos que passaram a concentrar o essencial do “gran<strong>de</strong><br />

jogo”. Essa “terceira guerra <strong>mundial</strong>” terminou sem que o hegemon conservador tivesse<br />

logrado vitória; a <strong>de</strong>rrota do lado economicamente mais débil se <strong>de</strong>u, <strong>na</strong> verda<strong>de</strong>, por auto-<br />

implosão <strong>de</strong> um socialismo esclerosado e incapaz <strong>de</strong> competir no plano da eficiência<br />

produtiva. Depois da <strong>de</strong>rrocada espetacular da URSS e do momento “unipolar”, no qual os<br />

EUA emergiram como única superpotência efetiva, o mundo parece caminhar para uma nova<br />

fase <strong>de</strong> transição, <strong>na</strong> qual se assiste a um <strong>de</strong>clínio <strong>dos</strong> EUA e a ascensão (Chi<strong>na</strong>), reafirmação<br />

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(Rússia) ou emergência <strong>de</strong> novos atores (Índia, Brasil, União Européia) que po<strong>de</strong>rão<br />

redistribuir as cartas nos novos cenários estratégicos.<br />

Qualquer que seja a evolução futura da geopolítica <strong>mundial</strong> no século XXI, é evi<strong>de</strong>nte<br />

que problemas <strong>de</strong>sse tipo – ou seja, nova Guerra Fria, ou uma Paz Fria – não têm <strong>na</strong>da a ver<br />

com a condição <strong>de</strong> membro <strong>de</strong> algum grupo inventado <strong>na</strong> prancheta <strong>de</strong> um economista, ainda<br />

que conflitos prováveis possam surgir da condição <strong>de</strong> alguns candidatos a emergente global.<br />

A situação <strong>de</strong> “Bric” é aci<strong>de</strong>ntal e fortuita, ao passo que a condição <strong>de</strong> emergente econômico<br />

<strong>mundial</strong> foi adquirida ao longo <strong>de</strong> um lento processo <strong>de</strong> qualificação produtiva e tecnológica<br />

que <strong>de</strong>ve converter-se em po<strong>de</strong>r político e militar <strong>na</strong> seqüência <strong>na</strong>tural das coisas.<br />

Dos quatro integrantes <strong>dos</strong> <strong>Brics</strong>, os ex-socialistas apresentam características<br />

autoritárias, consolidando o legado <strong>de</strong> séculos <strong>de</strong> Esta<strong>dos</strong> totalitários. Os outros dois<br />

apresentam trajetórias <strong>de</strong>mocráticas, ainda que com <strong>de</strong>ficiências <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento e <strong>de</strong><br />

justiça social, mas também são as <strong>economia</strong>s <strong>de</strong> merca<strong>dos</strong> que mais se aproximam do padrão<br />

capitalista <strong>de</strong> organização. O Brasil, <strong>de</strong> to<strong>dos</strong> eles, é o que possui estruturas capitalistas mais<br />

avançadas e ostenta a mais mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> <strong>de</strong>ntre as três socieda<strong>de</strong>s. Dos quatro é a socieda<strong>de</strong> mais<br />

integrada – nos planos lingüístico, cultural, étnico e, talvez, religioso – o que permite, em<br />

princípio, melhores formas <strong>de</strong> administração política, sem rupturas institucio<strong>na</strong>is, e condições<br />

mais favoráveis para sua mo<strong>de</strong>rnização. O grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização social po<strong>de</strong> tor<strong>na</strong>r mais<br />

lento o ritmo <strong>de</strong> crescimento e os processos <strong>de</strong> adaptação aos novos ambientes, mas isso<br />

contribui para maior coesão em torno <strong>de</strong> objetivos <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is.<br />

As principais questões que divi<strong>de</strong>m o mundo atual não são mais <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza<br />

i<strong>de</strong>ológica, como ocorria menos <strong>de</strong> três décadas atrás, quando projetos concorrentes se<br />

mobilizavam para conquistar os corações e mentes <strong>dos</strong> cidadãos. Elas nem são <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

técnica, uma vez que parece haver razoável consenso e colaboração entre cientistas e<br />

pesquisadores <strong>de</strong> todo o mundo em torno das principais fronteiras a <strong>de</strong>safiar o conhecimento<br />

humano nos campos da medici<strong>na</strong>, da física, da biologia. Os principais dilemas se dão em<br />

torno das priorida<strong>de</strong>s políticas e das políticas econômicas alter<strong>na</strong>tivas que se colocam, sob a<br />

forma <strong>de</strong> escolhas, aos estadistas, <strong>na</strong> busca <strong>de</strong> soluções a velhos problemas que afligem a<br />

humanida<strong>de</strong>: fome, <strong>de</strong>semprego, saú<strong>de</strong>, educação, segurança e bem estar.<br />

A experiência do passado – aliás, ainda recente – em torno <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>ssas escolhas<br />

e sobre as tentativas <strong>de</strong> impô-las <strong>de</strong> modo autoritário a socieda<strong>de</strong>s inteiras, não nos traz<br />

ensi<strong>na</strong>mentos muito otimistas sobre algumas das soluções propostas por <strong>de</strong>safiantes radicais<br />

do status quo. Não é preciso rememorar a história terrível da Alemanha <strong>na</strong>zista e do Japão<br />

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militarista para constatar que po<strong>de</strong>res emergentes po<strong>de</strong>m ser competidores apressa<strong>dos</strong>, aptos a<br />

contestar, pela violência em alguns casos, o po<strong>de</strong>r estabelecido <strong>de</strong> hegemons mais antigos. A<br />

lição, em todo caso, <strong>de</strong>ve ter sido aprendida. Esperemos que <strong>de</strong>sta vez seja diferente...<br />

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