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João Cruz Costa - Curso Independente de Filosofia

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“Absorvendo a problemática <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> filósofos estranhos, o pensador<br />

brasileiro”, observa com justeza Hélio Jaguaribe, “esteve con<strong>de</strong>nado à inautenticida<strong>de</strong>”,<br />

viveu preso à “oposição entre as condições <strong>de</strong> vida e a sedução <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong> feição<br />

européia que não lograva inserir-se vitalmente no corpo em crescimento da socieda<strong>de</strong><br />

brasileira”, como nota o Pe. Lima Vaz. Todavia, nessa glosa, na sua quase sempre confusa<br />

apresentação, encontramos também no <strong>de</strong>senvolvimento da filosofia no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o século XIX (dir-se-á: com boa vonta<strong>de</strong>...), por parte dos interessados em estudos <strong>de</strong><br />

filosofia, um incessante empenho <strong>de</strong> servirem-se <strong>de</strong>ssas idéias e doutrinas como “equipamentos<br />

<strong>de</strong> campanha”, como instrumentos que lhes permitissem compreen<strong>de</strong>r — e até<br />

dar solução — a problemas práticos, sobretudo sociais e políticos, da condição brasileira;<br />

um contínuo embora versátil esforço <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar idéias nascidas da cultura oci<strong>de</strong>ntal,<br />

a que estamos ligados, à nossa circunstância, <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r à nossa integração ao pensamento<br />

oci<strong>de</strong>ntal, o que já constitui uma originalida<strong>de</strong>, como original parece ser a utilização<br />

que <strong>de</strong>corre <strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong> glosa ou <strong>de</strong> comentário, que conduziu a um vago<br />

universalismo i<strong>de</strong>alista, voltado para a ação, e que assumiu uma singular forma <strong>de</strong> ingênuo<br />

pragmatismo. Tinha razão, pois, o nosso inteligente <strong>João</strong> Ribeiro quando dizia que<br />

o “nosso i<strong>de</strong>alismo não se alonga muito longe da terra nem vai além dos mais próximos<br />

planetas”...<br />

A filosofia ten<strong>de</strong> à universalida<strong>de</strong> e à intemporalida<strong>de</strong>. No entanto os seus sistemas<br />

são, como escrevia Nicolai Hartmann, “castelos <strong>de</strong> cartas que se <strong>de</strong>sfazem ao<br />

mais leve abalo”. Produto humano que é, ela não se furta à garra do tempo e à situação.<br />

“A presença inevitável da componente temporal”, observava o saudoso Prof. Joaquim<br />

<strong>de</strong> Carvalho, “vinca in<strong>de</strong>levelmente a reflexão filosófica com a sigla da História”. Ora, a<br />

interessante experiência histórica que fizemos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos coloniais, pouco ou quase<br />

nada se reflete nas nossas elocubrações filosóficas, salvo, como dizia há pouco, no<br />

versátil empenho <strong>de</strong> nos servirmos das idéias como instrumentos <strong>de</strong> nossa ação.<br />

Se é certo, pois, que a nossa história intelectual tem sido, em gran<strong>de</strong> parte, um<br />

tecido <strong>de</strong> vicissitu<strong>de</strong>s da importação <strong>de</strong> idéias, <strong>de</strong> doutrinas, sobretudo <strong>de</strong> origem européia,<br />

não menos certo é que essas idéias e doutrinas aqui se <strong>de</strong>formaram ou conformaram<br />

às condições <strong>de</strong> um novo meio. As novas formas <strong>de</strong> vida que a civilização e a cultura<br />

européias produziram não se têm revelado, como diz Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda,<br />

apenas conservadoras <strong>de</strong> um legado tradicional nascido em clima estranho, mas até certo<br />

ponto criadoras. É aí que mister se faz procurar a nossa originalida<strong>de</strong>.<br />

Esboçadas as condições e o sentido das idéias no Brasil, resta-nos agora procurar<br />

caracterizar as principais correntes do pensamento filosófico que tiveram vigência sob o<br />

Império.<br />

I<br />

Já nos referimos nesta obra (Vol. II, O Brasil Monárquico, 1 “O Processo <strong>de</strong><br />

Emancipação”, cap. II) às idéias francesas, correspon<strong>de</strong>ntes a uma fase <strong>de</strong> progresso<br />

social e político da burguesia. Essas idéias, como vimos, exerceriam influência entre os<br />

intelectuais do nosso país, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o último quartel do século XVIII.<br />

2 – O ecletismo <strong>de</strong> Mont’Alverne<br />

É do século XIX, porém, que data, no Brasil, uma ativida<strong>de</strong> filosófica permanente<br />

e sistemática e em que novas influências da França se fazem sentir. O primeiro representante<br />

<strong>de</strong>las foi Frei Francisco <strong>de</strong> Mont’Alverne (1784-1858), afamado pregador. No<br />

Compêndio <strong>de</strong> <strong>Filosofia</strong> do fra<strong>de</strong> (que é, aliás, a sua única obra no gênero, composta por<br />

volta <strong>de</strong> 1833 e impressa somente em 1859, após sua morte), encontramos o eco da filosofia<br />

dos ecléticos, sobretudo das idéias <strong>de</strong> Victor Cousin. O tom oratório <strong>de</strong>sse seduziu<br />

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