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O Estudo das Benzedeiras em Parintins: Uma ... - Revista Mutações

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RELEM – <strong>Revista</strong> Eletrônica <strong>Mutações</strong>, julho – dez<strong>em</strong>bro, 2011<br />

©by Ufam/Icsez<br />

Resumo<br />

O estudo <strong>das</strong> práticas de Benzimento <strong>em</strong><br />

<strong>Parintins</strong> (AM) é o resultado de um mini-curso<br />

sobre Folkcomunicação <strong>em</strong> ambientes de<br />

cultura populares ministrado no primeiro<br />

s<strong>em</strong>estre de 2011, <strong>em</strong> que foram entrevista<strong>das</strong><br />

três pessoas: sendo que as três são<br />

benzedeiras/parteiras. O método escolhido foi a<br />

entrevista direta e a conversa informal. Essa<br />

atividade foi um breve relato de campo da<br />

prática folkcomunicacional <strong>das</strong> <strong>Benzedeiras</strong>,<br />

cont<strong>em</strong>plada no estudo de Beltrão (1980) como<br />

processos comunicacionais. Por meio do contato<br />

e observação dos ambientes folk desses grupos<br />

pôde se perceber o universo da fé e da<br />

religiosidade <strong>em</strong> que estão inscritos a vida<br />

dessas mulheres.<br />

Palavras-chave: <strong>Benzedeiras</strong>, cultura popular,<br />

prática folkcomunicacional.<br />

O <strong>Estudo</strong> <strong>das</strong> <strong>Benzedeiras</strong> <strong>em</strong> <strong>Parintins</strong>:<br />

<strong>Uma</strong> abordag<strong>em</strong> Folkcomunicacional 1<br />

Hudson Roberto Beltrão Júnior 2<br />

Universidade Federal do Amazonas – UFAM<br />

Soriany Simas Neves 3<br />

Universidade Federal do Amazonas – UFAM<br />

Abstract<br />

The study of the practice of blessing in <strong>Parintins</strong><br />

(AM) is the result of a mini-course on folk<br />

communication environments in popular culture<br />

taught in the first half of 2011, in which three<br />

people were interviewed; of which three are<br />

traditional healers / midwives. The method<br />

chosen was direct interview and casual<br />

conversation. This activity was a brief account<br />

of the practice field folkcomunicacional of<br />

Traditional healers, included in the study of<br />

Beltrão (1980) as communication processes.<br />

Through contact and observation of these<br />

environments folk groups might perceive the<br />

universe of faith and religion you are registered<br />

in the lives of these women.<br />

Keywords: Traditional healers, popular culture,<br />

folk communicational practices<br />

1Texto produzido a partir <strong>das</strong> aulas da disciplina Folkcomunicação.<br />

2Aluno do 2º período de jornalismo do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia (ICSEZ) da Universidade Federal do<br />

Amazonas (Ufam).<br />

3Professora Assistente no curso de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas no Instituto de Ciências<br />

Sociais, Educação e Zootecnia (ICSEZ).


Introdução<br />

Quebranto, desmentidura, mau-<br />

olhado, esses são termos comuns na cidade<br />

de <strong>Parintins</strong>, utilizados pelas mulheres que<br />

benz<strong>em</strong>, e que estão diretamente ligados a<br />

cultura cabocla. As benzedeiras são aquelas<br />

que têm o dom da unção da cura e apresenta-<br />

se por meio da fé para a cura de doenças,<br />

faz<strong>em</strong> o intermédio do sagrado com o<br />

humano. A medicina popular praticada por<br />

essas mulheres v<strong>em</strong> suprir a necessidade de<br />

pessoas que buscam alívios para seus males.<br />

A herança cultural <strong>das</strong> práticas de<br />

benzimento mantém-se viva <strong>em</strong> <strong>Parintins</strong>, a<br />

qual reúne grupos que são fiéis aos seus<br />

valores, podendo ser inserida nos estudos de<br />

folkcomunicação, “Um estudo dos agentes e<br />

dos meios populares de informação de fatos e<br />

expressões de idéias” (BELTRÃO, 1980).<br />

Com base nisso, tornou-se indispensável o<br />

estudo dessas práticas no município, o qual<br />

enfoca os saberes e a m<strong>em</strong>ória desse grupo<br />

de cultura popular.<br />

Contextualização do estudo<br />

Para Beltrão a folkcomunicação<br />

caracteriza-se por procedimentos de<br />

comunicação (rituais, festas, etc.) resultante<br />

de práticas e processos comunicacionais no<br />

âmbito <strong>das</strong> manifestações de cultura popular,<br />

e, sobretudo, é um resultado de uma<br />

atividade artesanal de um agente-<br />

comunicador, que se configura como agente<br />

espontâneo no seio da comunidade.<br />

A dona de casa Maria Zenaide, 67<br />

anos, moradora do bairro São Benedito, é<br />

uma <strong>das</strong> benzedeiras da cidade e diz que a<br />

prática é um dom, “Desde meus 20 anos<br />

tenho esse dom, graças a Deus já pude ajudar<br />

muitas famílias”. Todos os dias ela recebe<br />

muitas pessoas para atendimento. “Crianças,<br />

adultos, vão para o hospital e os médicos não<br />

dão jeito, eu faço r<strong>em</strong>édios eles entram <strong>em</strong> fé<br />

e esperança, e com poucos dias eles estão<br />

b<strong>em</strong>”, salienta. Segundo Zenaide, as práticas<br />

foram herda<strong>das</strong> de seus antecedentes, mas,<br />

ressalta, que atualmente percebe que estão<br />

perdendo o seu valor. Só ela sustenta a<br />

família, vive desses trabalhos. Outro fator<br />

que a incomoda é a visão negativa de uma<br />

parte da comunidade, além dos falsos<br />

benzedeiros que põ<strong>em</strong> <strong>em</strong> risco a sua<br />

imag<strong>em</strong>.<br />

No aspecto religioso, a maior parte<br />

<strong>das</strong> benzedeiras é católica, <strong>em</strong>bora, n<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>pre freqüent<strong>em</strong> igrejas, guardam consigo<br />

as representações que a religião propicia.<br />

“Um dia recebi a visita de um padre, por me<br />

acusar<strong>em</strong> de macumbeira, ao me conhecer,<br />

ele ficou impressionado com meu trabalho e<br />

disse: Precisamos de pessoas com o seu<br />

conhecimento na comunidade”, destaca.<br />

Dona Zenaide, também é pagadora<br />

de promessas. Ela fez uma promessa a São<br />

2


Lázaro que se salvasse sua filha, de um parto<br />

de risco, todos os anos iria fazer uma festa<br />

<strong>em</strong> sua homenag<strong>em</strong>. Hoje, a festa de São<br />

Lázaro conta com a participação de muitos<br />

devotos, os quais faz<strong>em</strong> promessas ao santo.<br />

Dona Maria Martins, 45 anos,<br />

moradora do Bairro São Francisco, é Parteira<br />

curiosa/benzedeira. Tudo começou quando<br />

ela tinha 15 anos, num inesperado parto no<br />

interior, desde então percebeu que tinha um<br />

dom especial, “ver uma criança nascer é tudo<br />

na vida”, conta. Estando s<strong>em</strong>pre a serviço da<br />

comunidade, dona Maria é bastante<br />

procurada, principalmente <strong>em</strong> casos de parto,<br />

sua principal especialidade. Ela é participante<br />

do grupo de “Articulação <strong>Parintins</strong> Cidadã”<br />

que reúne: parteiras, massagistas, pegadores<br />

de ossos, erveiras; lidera<strong>das</strong> pela Sra. Fátima<br />

Guedes, Educadora Popular. No começo<br />

sofreram muito preconceito, mas estão<br />

dispostas a conseguir um espaço na<br />

sociedade, um dos objetivos é a luta pela<br />

humanização do parto.<br />

Dona Maria Oliveira, 62 anos, é<br />

Benzedeira/Parteira. Ela que não aprendeu<br />

com ninguém as práticas, t<strong>em</strong> mais de 30<br />

anos que realiza os trabalhos. “Tudo que<br />

uma mulher precisa é <strong>das</strong> nossas mãos (...)<br />

tenho um conhecimento muito perfeito (...)<br />

s<strong>em</strong>pre fiz meus próprios r<strong>em</strong>édios para<br />

ajudar a qu<strong>em</strong> precisa. Me considero<br />

iluminada, pois nunca aconteceu algo de<br />

ruim com meus pacientes”, explica.<br />

As benzedeiras indicam plantas,<br />

amuletos protetores, e outras formas de uso<br />

da flora para o efeito da cura, as<br />

enfermidades trata<strong>das</strong> pod<strong>em</strong> ser dividi<strong>das</strong><br />

<strong>em</strong>: doenças físicas e doenças espirituais.<br />

Cuidam da desmentidura, do mal olhado, do<br />

quebranto <strong>das</strong> crianças, <strong>das</strong> defumações que<br />

afugentam os espíritos. Elas <strong>em</strong>anam a<br />

esperança acalmando o sofrer de seus<br />

seguidores. Mas para qualquer processo é<br />

preciso ter fé, só assim alcançarão a graça,<br />

concordam as benzedeiras.<br />

Metodologia<br />

O t<strong>em</strong>a estudado foi as benzedeiras<br />

<strong>em</strong> <strong>Parintins</strong> no campo da folkcomunicação.<br />

Foram entrevista<strong>das</strong> três pessoas: sendo que<br />

as três são benzedeiras/parteiras. O método<br />

escolhido foi a entrevista direta, com<br />

julgamento prévio dos entrevistados, e a<br />

conversa informal. Outro recurso foi a<br />

observação participante dentro do ambiente<br />

folk, identificando e registrando suas<br />

peculiaridades. O tratamento dos dados<br />

ocorreu por meio de análise qualitativa, <strong>em</strong><br />

que os discursos foram anotados e gravados<br />

<strong>em</strong> vídeo. Para tanto, foi utilizado os<br />

seguintes recursos técnicos: uma câmera<br />

(BENQ, DC C740i Digital Câmera), um<br />

programa de edição de imagens (Movie<br />

3


Maker, amador), um programa de edição de<br />

áudio (Format Factory), fotos da internet e<br />

uma máquina fotográfica (CANON). As<br />

imagens coleta<strong>das</strong> foram inseri<strong>das</strong> por<br />

critério de relevância, escolhendo as que se<br />

aproximass<strong>em</strong> mais da realidade dos<br />

ambientes. A parte final da elaboração do<br />

trabalho foi feita por meio da organização<br />

<strong>das</strong> informações, reunindo-as <strong>em</strong> um arquivo<br />

de computador, no programa Microsoft Word<br />

2007, sist<strong>em</strong>a operacional Windows 7 –<br />

Home Basic.<br />

Enfoque teórico<br />

Ainda que muitos não acredit<strong>em</strong> na<br />

cura por meio <strong>das</strong> benzedeiras, nota-se o<br />

grande poder de liderança delas na<br />

comunidade, desse modo, considera<strong>das</strong> como<br />

comunicadores folk , “O comunicador folk<br />

t<strong>em</strong> a personalidade dos líderes de opinião<br />

identificada nos seus colegas do sist<strong>em</strong>a de<br />

comunicação social (...) os líderes agente-<br />

comunicadores de folk, aparent<strong>em</strong>ente, n<strong>em</strong><br />

s<strong>em</strong>pre são ‘autoridades’ reconheci<strong>das</strong>, mas<br />

possu<strong>em</strong> uma espécie de carisma, atraindo<br />

(...) admiradores e seguidores.”<br />

(BELTRÃO,1980). O comunicador folk<br />

caracteriza-se: 1) prestígio na comunidade,<br />

independente da posição social ou da<br />

situação econômica; 2) exposição as<br />

mensagens do sist<strong>em</strong>a de comunicação<br />

social; 3) freqüente contato com fontes<br />

externas autoriza<strong>das</strong> de informação; 4)<br />

mobilidade, pondo-se <strong>em</strong> contato com<br />

diferentes grupos; 5) arraiga<strong>das</strong> convicções<br />

filosóficas, à base de suas crenças e costumes<br />

tradicionais do grupo a que pertence. Os<br />

ambientes de estudo possu<strong>em</strong> toda uma<br />

particularidade <strong>em</strong> seus signos, um local<br />

humilde (escondido), os símbolos de fé<br />

(imagens de santos, velas e fitas de<br />

promessas). O grupo de praticantes fixos é<br />

pequeno, porém elas s<strong>em</strong>pre são procura<strong>das</strong>,<br />

geralmente, por pessoas do interior e as da<br />

cidade (pessoas de baixa renda), que segundo<br />

BELTRÃO (1980) são: “Os grupos<br />

culturalmente marginalizados, urbanos e<br />

rurais, contrários a ord<strong>em</strong> vigente”.<br />

Conforme as entrevista<strong>das</strong>, o preconceito<br />

ainda é um fator presente na realidade <strong>das</strong><br />

benzedeiras. “Jesus quando andou no mundo<br />

foi chamado de feiticeiro, porque ninguém o<br />

conhecia. Nós vamos passando por tudo isso”<br />

(Zenaide, 67, Benzedeira/Pagadora de<br />

Promessa). De fato, “presos a uma única<br />

cultura, somos não apenas cegos a dos<br />

outros, mas míopes quando se trata da<br />

nossa’’, (LAPLANTINE, François, 2000).<br />

Considera<strong>das</strong> “cientistas populares”, por<br />

aqueles que às procuram, as benzedeiras<br />

segu<strong>em</strong> suas práticas e buscam o<br />

reconhecimento da sociedade.<br />

4


Resultados e discussão<br />

Apesar de certo desconforto<br />

apresentado por uma parte da população<br />

“nenhuma pessoa t<strong>em</strong> o poder de dar a cura,<br />

senão Deus’’ (Hom<strong>em</strong> adulto, 39, opinião<br />

contrária a prática), as benzedeiras<br />

continuam a des<strong>em</strong>penhar sua função,<br />

d<strong>em</strong>onstrando sua crença no poder de curar<br />

as pessoas, por meio dos trabalhos com<br />

ervas, rezas, massagens, partos. “Elas são<br />

abençoa<strong>das</strong> e junto com as ervas da nossa<br />

região realizam um trabalho que nenhum<br />

médico pode fazer”, descreveu (mulher<br />

adulta, 32, aderente <strong>das</strong> práticas). A “graça”<br />

de benzer, toma o cotidiano dessas mulheres,<br />

elas se voltam essencialmente para o ato.<br />

Também foi constatado que as lideranças folk<br />

se preocupam <strong>em</strong> relação as pessoas que<br />

usam as atividades para se promover e<br />

ganhar dinheiro, “Existe benzedor que conta<br />

a verdade e existe aquele que conta mentira”<br />

(Maria Zenaide, 67, Benzedeira/Pagadora de<br />

Promessa).<br />

Conclusão<br />

Com o estudo foi possível explorar<br />

o dinamismo que constitui a marca registrada<br />

<strong>das</strong> benzedeiras na cultura popular, e,<br />

consequent<strong>em</strong>ente, identificar os seus<br />

ambientes como “ambiente folk”, na<br />

perspectiva de Beltrão (1980), promovendo<br />

uma interpretação analítica a esse tipo de<br />

prática, compreendendo a forma de pensar<br />

desses grupos que concentram seu apego à<br />

crença na possibilidade de cura.<br />

Como características dos<br />

comunicadores de folk, essas mulheres se<br />

organizam e desenvolv<strong>em</strong> suas práticas por<br />

meio de um único instrumento: a fé. As<br />

mensagens vincula<strong>das</strong> expressam grande<br />

devoção a Deus, que é diss<strong>em</strong>inado a todos<br />

que as procuram. Com uma sabedoria<br />

indiscutível, levam a frente um conhecimento<br />

de várias gerações.<br />

Referências<br />

BELTRÃO, Luís, 1918 – Folkcomunicação:<br />

a comunicação dos marginalizados/ Luís<br />

Beltrão. _ São Paulo: Cortez, 1980.<br />

LAPLANTINE, François. Aprender<br />

antropologia/François Laplantine; Tradução<br />

Marie - Agnes Chauvel; prefácio Maria<br />

Isaura Pereira Queiroz. – São Paulo:<br />

Brasiliense, 2000.<br />

http://espacodeculturainterativo.blogspot.co<br />

m/2008/05/benzedeiras-uma-tradio-de-f-ecura.html<br />

- acesso <strong>em</strong> 29 de abril de 2011.<br />

http://diariodonordeste.globo.com/materia.as<br />

p?codigo=514705 – acesso <strong>em</strong> 03 de maio de<br />

2011.<br />

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