Grupos de Cultura Popular - Revista Mutações
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RELEM – <strong>Revista</strong> Eletrônica <strong>Mutações</strong>, julho – <strong>de</strong>zembro, 2011<br />
©by Ufam/Icsez<br />
<strong>Grupos</strong> <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong> <strong>Popular</strong>: O Redimensionamento da Experiência<br />
no Contexto da Indústria <strong>Cultura</strong>l<br />
Resumo<br />
O objetivo é analisar as festas populares,<br />
especificamente as <strong>de</strong> cultura tradicional como é o<br />
caso das Pastorinhas <strong>de</strong> Parintins e suas interações<br />
com as Indústrias culturais, mostrando como a<br />
cotidianida<strong>de</strong> dos grupos <strong>de</strong> cultura popular se<br />
espetacularizam na contemporaneida<strong>de</strong> e se esses<br />
grupos redimensionam ou não a sua experiência. Para<br />
tanto, com base em teóricos que discutem as<br />
transformações na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma mais ampla<br />
como Walter Benjamim, Martín Barbero, Canclini,<br />
Michel <strong>de</strong> Certeau e Stuart Hall, a investigação<br />
preten<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r como esses grupos <strong>de</strong> cultura<br />
popular têm se ressignificado ou apenas reproduzido à<br />
or<strong>de</strong>m hegemônica, ou ainda i<strong>de</strong>ntificar as tensões<br />
produzidas nessa relação.<br />
Palavras-Chave: Indústria <strong>Cultura</strong>l; <strong>Cultura</strong><br />
<strong>Popular</strong>; Tradicional<br />
Soriany Simas Neves 1<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Amazonas -UFAM<br />
Abstract<br />
The aim is to analyze the popular festivities,<br />
particularly those of traditional culture such as the<br />
Pastorelle of Parintins and their interactions with the<br />
cultural industries, showing how the routine of the<br />
groups is a spectacle of popular culture in<br />
contemporary and if these groups do not resize or<br />
resize your experience. For this, based on theorists<br />
discussing the changes in society more broadly as<br />
Walter Benjamin, Martin Barbero, Canclini, Michel <strong>de</strong><br />
Certeau and Stuart Hall, the research intends to answer<br />
how these popular cultural groups have new meaning<br />
or just have reproduced the hegemonic or<strong>de</strong>r, or the<br />
study is to i<strong>de</strong>ntify the strains produced in this<br />
relationship.<br />
Keywords: Culture Industry; <strong>Popular</strong><br />
Culture; Tradition.<br />
1 Professora Assistente no curso <strong>de</strong> Comunicação Social/Jornalismo da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Amazonas<br />
(Ufam) no Instituto <strong>de</strong> Ciências Sociais, Educação e Zootecnia <strong>de</strong> Parintins (ICSEZ).
Introdução<br />
O reconhecimento do popular na<br />
cultura historicamente sempre foi negado por<br />
toda a época mo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o iluminismo e,<br />
sobretudo no auge do <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa, quando a problemática<br />
da cultura e da arte foi discutida pelos<br />
teóricos da Escola <strong>de</strong> Frankfurt, como<br />
Adorno e Horkheimer, em uma ampla<br />
discussão do popular como instância em que<br />
não há criativida<strong>de</strong>, produção, ao revelar uma<br />
supervalorização da cultura e da arte erudita,<br />
que na verda<strong>de</strong> reproduzia um discurso do<br />
hegemônico e da negação do popular como<br />
sujeito.<br />
Nessa via o estudo preten<strong>de</strong> com base<br />
em teóricos como Martin Barbero, Canclini,<br />
Walter Benjamin, Michel <strong>de</strong> Certeau e Stuart<br />
Hall <strong>de</strong>sconstruir essa visão do popular<br />
analisando o processo histórico que se<br />
constituiu a negação e mostrando o contexto<br />
que favorece a inserção do popular e,<br />
portanto das culturas populares na cultura,<br />
como também suas interações com as<br />
indústrias culturais.<br />
O estudo em um primeiro momento<br />
irá problematizar o popular no contexto da<br />
negação, conceituando o popular nesses<br />
momentos históricos posicionando-o no<br />
âmbito da socieda<strong>de</strong> da informação e da<br />
complexida<strong>de</strong> das mediações com as<br />
indústrias culturais, na tentativa <strong>de</strong><br />
compreen<strong>de</strong>r as festas populares como é o<br />
caso da Pastorinha <strong>de</strong> Parintins, que vem se<br />
ressiginificado, e em que os grupos populares<br />
<strong>de</strong>ssa tradição têm redimensionado sua<br />
experiência.<br />
1. A negação histórica do popular<br />
Para entendimento do local do<br />
popular na cultura, é necessário examinar<br />
indícios do lugar e significado do povo na<br />
política historicamente, que mostra<br />
evidências da negação dos setores populares,<br />
tendo em vista que a busca da razão (leia-se:<br />
pelos iluministas) marcam a dualida<strong>de</strong> que os<br />
ilustrados tinham da noção do povo. Para os<br />
iluministas a inserção do povo é necessária<br />
para a soberania e <strong>de</strong>mocracia, no entanto do<br />
ponto <strong>de</strong> vista da cultura, o povo sempre<br />
representou o lugar da ignorância e<br />
superstição, que a racionalida<strong>de</strong> sempre lutou<br />
em abolir. É assim que para Martín Barbero<br />
(2006) a questão da inclusão abstrata e<br />
exclusão concreta marcam a negação do<br />
popular na cultura, quando afirma:<br />
2<br />
A invocação do povo<br />
legitima o po<strong>de</strong>r da<br />
burguesia na medida<br />
exata em que essa<br />
invocação articula sua<br />
exclusão da cultura. É<br />
nesse movimento que<br />
se geram as categorias<br />
“do culto” e “do<br />
popular. Isto é, do<br />
popular como inculto,<br />
do popular <strong>de</strong>signado,<br />
no momento <strong>de</strong> sua<br />
constituição em
conceito, um modo<br />
específico <strong>de</strong> relação<br />
com a totalida<strong>de</strong> do<br />
social: a negação, a <strong>de</strong><br />
uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> reflexa,<br />
a daquele que se<br />
constitui não pelo que<br />
é, mas pelo que lhe<br />
falta (BARBERO,<br />
2006, p.35)<br />
É assim que o popular vai se<br />
caracterizar como forma subalterna, inferior,<br />
nos discursos <strong>de</strong> iluministas e marxistas,<br />
dado que essa corrente para extirpar essa<br />
concepção do popular no povo vai renunciar<br />
a nomenclatura <strong>de</strong> povo para proletariado,<br />
em uma leitura da socieda<strong>de</strong> a partir da<br />
opressão e contradições do capitalismo e da<br />
luta <strong>de</strong> classes.<br />
No marxismo ortodoxo, como mostra<br />
Barbero, há uma incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> enxergar o<br />
popular como lugar da resistência, pelo fato<br />
<strong>de</strong> explicar a diferença cultural centrada no<br />
viés da luta <strong>de</strong> classes, sob o ponto <strong>de</strong> vista<br />
das relações <strong>de</strong> produção capitalista,<br />
reduzidos aos conflitos do sindicato ou das<br />
fábricas, em <strong>de</strong>trimento dos outros atores que<br />
não são reconhecidos pela política e<br />
socialmente ou na linhagem foulcaultiana, <strong>de</strong><br />
uma microfísica do po<strong>de</strong>r que está implicada<br />
nas lutas minúsculas do cotidiano. Esse é o<br />
recorte que Barbero apresenta como dupla<br />
operação <strong>de</strong> negação – a não representação e<br />
a repressão, como <strong>de</strong>screve:<br />
“ [...] O popular nãorepresentado<br />
‘se<br />
constitui como o<br />
conjunto <strong>de</strong> atores,<br />
espaços e conflitos que<br />
são aceitos socialmente,<br />
mas não são<br />
interpelados pelos<br />
partidos políticos <strong>de</strong><br />
esquerda’. Surge assim<br />
atores como a mulher, o<br />
jovem, os<br />
aposentados[...] E um<br />
segundo tipo <strong>de</strong> popular<br />
não representado,<br />
constituído pelas<br />
tradições culturais:<br />
práticas simbólicas da<br />
religiosida<strong>de</strong> popular,<br />
formas <strong>de</strong><br />
conhecimento oriundas<br />
<strong>de</strong> sua experiência,<br />
como a medicina, a<br />
cosmovisão mágica ou<br />
a sabedoria poética,<br />
todo o campo das<br />
práticas festivas, as<br />
romarias, as lendas e,<br />
por último, o mundo<br />
das culturas indígenas.<br />
(BARBERO, 2006, 48-<br />
49)<br />
Já o popular reprimido correspon<strong>de</strong>ria<br />
a dimensão que inclui os atores<br />
anteriormente con<strong>de</strong>nados à margem do<br />
social, tanto do ponto <strong>de</strong> vista ético e<br />
político, como as prostitutas, homossexuais,<br />
alcoólatras e outros. O que Barbero chama<br />
atenção na verda<strong>de</strong> é que o marxismo<br />
ortodoxo realmente não conseguiu dar conta<br />
da pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras matrizes culturais,<br />
que não permite pensar o popular como lugar<br />
<strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> sujeitos sociais e políticos.<br />
Entretanto, Canclini (2000, p. 261)<br />
argumenta que o olhar sobre o popular até a<br />
década <strong>de</strong> 70 do século XX, como entida<strong>de</strong><br />
3
subordinada, passiva e reflexa é questionada<br />
teórica e empiricamente por não se sustentar<br />
diante das concepções foucaultianas do<br />
po<strong>de</strong>r, que já não se acha somente<br />
concentrado apenas na classe dita dominante,<br />
nem, no Estado, nem nos meios <strong>de</strong><br />
comunicação.<br />
É na visão dos anarquistas que o<br />
popular terá visibilida<strong>de</strong> em seu espaço <strong>de</strong><br />
luta na socieda<strong>de</strong>, à medida que reconhecem<br />
que a transformação social po<strong>de</strong> vir da luta<br />
implícita e informal, da luta cotidiana.<br />
Barbero (2006, p.41) revela que foram os<br />
anarquistas os primeiros a vislumbrarem a<br />
cultura como um espaço não apenas <strong>de</strong><br />
manipulação, mas <strong>de</strong> conflito através da<br />
manifestação <strong>de</strong> diferentes expressões e<br />
práticas culturais.<br />
2. Indústria <strong>Cultura</strong>l e visões do<br />
popular<br />
A negação do popular como sujeito<br />
vai, sobretudo, ter uma nova abordagem com<br />
a emergência da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massas, pois<br />
com as transformações impetradas pelo<br />
capitalismo, a socieda<strong>de</strong> no sec. XIX vai<br />
sofrer mudanças significativas na sua base<br />
material e imaterial. Freud (1969) em<br />
Psicologias das massas e análise do eu, em<br />
um <strong>de</strong>bate a partir da obra <strong>de</strong> Le Bon,<br />
Psicologia das Multidões (1885), William<br />
Mc Dougall, A Mente grupal (1920) e com<br />
Trotter, na obra sobre o Instinto <strong>de</strong> rebanho<br />
ou instinto gregário (1916), <strong>de</strong>smistifica a<br />
visão organicista como as massas eram<br />
caracterizadas.<br />
A irracionalida<strong>de</strong> e a perda <strong>de</strong> crítica,<br />
a suscetibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> influências ressaltadas<br />
por Le Bon como características inerentes<br />
dos indivíduos na massa, Freud (1969) diz<br />
que são características novas reveladas pelo<br />
inconsciente e são mais comuns em grupos<br />
efêmeros. Relativizando essas características,<br />
ressalta como a inteligência da mente grupal<br />
po<strong>de</strong> se manifestar também nas massas:<br />
[...] Contudo, mesmo a<br />
mente grupal é capaz <strong>de</strong><br />
gênio criativo no<br />
campo da inteligência,<br />
como é <strong>de</strong>monstrado,<br />
acima <strong>de</strong> tudo, pela<br />
própria linguagem, bem<br />
como pelo folclore,<br />
pelas canções populares<br />
e outros fatos<br />
semelhantes.<br />
Permanece questão<br />
aberta, além disso,<br />
saber quanto o<br />
pensador ou o escritor,<br />
individualmente, <strong>de</strong>vem<br />
ao estímulo do grupo<br />
em que vivem, e se eles<br />
não fazem mais do que<br />
aperfeiçoar um trabalho<br />
mental em que os<br />
outros tiveram parte<br />
simultânea. (FREUD,<br />
1969, p.108)<br />
Na perspectiva da negação do<br />
popular, percebe-se que há uma preocupação<br />
em Le Bon em perpetuar a visão do local do<br />
popular como espaço <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />
superstição. Fato que Barbero (2006, p. 57)<br />
explica ser um receio porque as massas<br />
4
suscitam o retorno ao passado obscurantista<br />
que elas representam: o retorno das<br />
superstições, e, portanto o retrocesso político.<br />
A teoria da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa,<br />
assentada no problema da formação <strong>de</strong><br />
grupos psicológicos a partir das<br />
transformações sócio-culturais, econômicas e<br />
políticas vão pautar as primeiras teorias da<br />
comunicação, que irão pensar essa forma<br />
social a partir da manipulação e persuasão<br />
dos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa <strong>de</strong><br />
forma onipotente e unidirecional.<br />
No entanto, é na análise da socieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> massa sob a ótica dos teóricos da Escola<br />
<strong>de</strong> Frankfurt, especialmente, Adorno e<br />
Horkheimer que a negação do popular na<br />
cultura se torna mais teorizada, quando a<br />
leitura do social se centra na <strong>de</strong>gradação da<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa, diante da transformação<br />
da cultura e da arte erudita diante do mercado<br />
<strong>de</strong> consumo.<br />
Tanto é que o conceito <strong>de</strong> indústria<br />
cultural nasce em um texto <strong>de</strong> Adorno e<br />
Horkheimer em 1947, em uma reflexão da<br />
feição do sistema capitalista na cultura, que<br />
revela o ‘caos cultural’ que é sinônimo <strong>de</strong><br />
dispersão e diversificação dos níveis <strong>de</strong><br />
experiências culturais. (BARBERO, 2006, p.<br />
73).<br />
Os frankfurtianos então acusam a<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa e, sobretudo os meios <strong>de</strong><br />
comunicação <strong>de</strong> massa pela padronização e<br />
serialização dos bens culturais, que para eles<br />
<strong>de</strong>stituídos da sua autenticida<strong>de</strong>, do seu altar<br />
sagrado, ao caírem no gosto das massas<br />
per<strong>de</strong>riam totalmente ser caráter único. Tudo<br />
que submerge na massa ou vem <strong>de</strong>la é<br />
consi<strong>de</strong>rado senão os valores subvertidos do<br />
sistema capitalista operando no campo do<br />
simbólico.<br />
Por outro lado Walter Benjamin<br />
(1980) embora pertença à escola <strong>de</strong><br />
Frankfurt, faz uma reflexão <strong>de</strong>ssas<br />
transformações sob um prisma inverso <strong>de</strong><br />
Adorno e Horkheimer. Para Benjamin as<br />
transformações protagonizadas pela<br />
reprodutibida<strong>de</strong> técnica que ocorrem através<br />
da fotografia e do cinema permitem uma<br />
maior aproximação da obra <strong>de</strong> arte com o<br />
espectador, pois a verda<strong>de</strong>ira autenticida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ve ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser originalmente<br />
transmissível, como afirma:<br />
[...] Seria impossível<br />
dizer, <strong>de</strong> modo geral,<br />
que as técnicas <strong>de</strong><br />
reprodução separaram o<br />
objeto reproduzido do<br />
âmbito da tradição.<br />
Multiplicando as<br />
cópias, elas<br />
transformam o evento<br />
produzido apenas uma<br />
vez no fenômeno das<br />
massas. Permitindo ao<br />
objeto reproduzido<br />
oferecer-se à visão e à<br />
audição, em quaisquer<br />
circunstâncias,<br />
conferem-lhe<br />
atualida<strong>de</strong> permanente.<br />
[...] (BENJAMIN,<br />
1980a, p. 8)<br />
O problema é que Adorno e<br />
5
Horkheimer converteram essa leitura da<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa em uma verda<strong>de</strong>ira<br />
apologia ao culto, a erudição e ao ecletismo<br />
aristocrático, afirmando cada vez mais as<br />
oposições entre culto/popular, pois para<br />
Adorno “só o homem trivial tem prazer com<br />
a experiência”. (BARBERO, 2006, p.77).<br />
Para Barbero (2006, p.67) diante das<br />
transformações na socieda<strong>de</strong> nessa época<br />
convêm refletir na mudança <strong>de</strong> lugar da<br />
crítica social, ou seja, já não se encontra na<br />
política, mas na cultura, como afirma:<br />
[...] os críticos da<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> massa<br />
tanto os <strong>de</strong> direita e<br />
esquerda, estão ‘fora do<br />
jogo’, quando<br />
continuam opondo os<br />
níveis culturais a partir<br />
do velho esquema<br />
aristocrático ou<br />
populista que busca<br />
autenticida<strong>de</strong> na cultura<br />
superior ou na cultura<br />
popular do passado.<br />
Ambas as posições tem<br />
sido superadas pela<br />
nova realida<strong>de</strong> cultural<br />
da massa, que é <strong>de</strong> uma<br />
só vez, ‘o uno e o<br />
múltiplo’.<br />
A crítica <strong>de</strong> Barbero revela-nos uma<br />
simplificação da interpretação dos fenômenos<br />
sócio-culturais diante das transformações<br />
<strong>de</strong>corrente dos processos <strong>de</strong> massificação,<br />
que para a Escola <strong>de</strong> Frankfurt, seriam os<br />
meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa os<br />
promotores diretos <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong><br />
homogeneização da arte e da cultura. No<br />
entanto, Canclini (2000, p. 255-256) afirma<br />
que não se po<strong>de</strong> atribuir aos meios<br />
eletrônicos à origem da massificação, pois o<br />
processo é <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> transformações<br />
mais amplas no seu conjunto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o séc.<br />
XIX que tem em seu bojo, a industrialização,<br />
a urbanização, a educação, antes do<br />
aparecimento da imprensa, do rádio e da<br />
televisão.<br />
Para Barbero (2006, p. 78) a teoria da<br />
cultura posta pelos frankfurtianos se centra<br />
em um purismo da arte, que nega a<br />
pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências estéticas e do uso<br />
social da arte. Em nossa análise fica mais<br />
evi<strong>de</strong>nte a negação do popular e <strong>de</strong> qualquer<br />
expressivida<strong>de</strong> que não venha da chamada<br />
“boa socieda<strong>de</strong>”.<br />
Entretanto, em uma ampliação do<br />
conceito <strong>de</strong> indústria cultural, Edgar Morin,<br />
em O espírito do tempo, (apud BARBERO,<br />
2006, p. 89) trabalha a análise da cultura <strong>de</strong><br />
massa na medida em que se fun<strong>de</strong>m o<br />
informacional e o imaginário ficcional,<br />
separados outrora pela i<strong>de</strong>ologia. Sob essa<br />
ótica a cultura <strong>de</strong> massa articula-se com a<br />
cultura folclórica, quando o universo do<br />
popular por meio do folhetim vai se difundir<br />
pela imprensa. Outra perspectiva posta por<br />
Edgar Morin, são os modos <strong>de</strong> inscrição no<br />
cotidiano, tal que <strong>de</strong>fine a Indústria cultural<br />
como: “O conjunto dos ‘dispositivos <strong>de</strong><br />
intercâmbio cotidiano entre o real e o<br />
imaginário’, dispositivos que proporcionam<br />
apoios imaginários a vida prática e pontos <strong>de</strong><br />
6
apoio prático à vida imaginária”<br />
(BARBERO, 2006, p.90-91).<br />
Nessa direção não mais se sustenta<br />
uma arte e uma cultura separada do<br />
cotidiano, que põem em cena as culturas<br />
populares tradicionais, e os seus<br />
procedimentos comunicacionais quase<br />
sempre aliado a vida prática das<br />
comunida<strong>de</strong>s, que não <strong>de</strong>vem ser analisadas<br />
apenas sob a perspectiva da alienação, em<br />
que os sujeitos <strong>de</strong>ssas culturas somente<br />
assimilassem <strong>de</strong> forma pacífica as<br />
prescrições da or<strong>de</strong>m capitalista, ao contrário<br />
se modificam, mas também se utilizam <strong>de</strong><br />
instrumentos massivos para se fazerem<br />
presentes na contemporaneida<strong>de</strong>.<br />
É o que Michel <strong>de</strong> Certeau alega<br />
quando faz uma analogia do processo <strong>de</strong><br />
aculturação dos indígenas pela colonização<br />
espanhola, que mesmo subjugados, usavam<br />
as leis, e as representações do colonizador<br />
em um processo <strong>de</strong> metamorfose da or<strong>de</strong>m<br />
dominante para conservar a sua diferença no<br />
espaço do colonizador, o mesmo processo diz<br />
que ocorre com as culturas populares, ao<br />
afirmar: Os conhecimentos e as simbólicas<br />
impostos são o objeto <strong>de</strong> manipulações pelos<br />
praticantes que não são seus fabricantes. [...]<br />
Aquilo que se chama <strong>de</strong> ‘vulgarização’ ou<br />
‘<strong>de</strong>gradação’ <strong>de</strong> uma cultura seria então um<br />
aspecto, caricaturado e parcial, revanche que<br />
as táticas utilizadoras tomam o po<strong>de</strong>r<br />
dominador da produção [...]. CERTEAU<br />
(1994, p. 95)<br />
Essa idéia vai <strong>de</strong> encontro ao que foi<br />
sustentando pelos frankfurtianos Adorno e<br />
Horkheimer, visto que a vulgarização era<br />
senão a alienação da massa. Percebe-se nesse<br />
sentido que os processos <strong>de</strong> dominação como<br />
prescrevem outros teóricos da cultura, como<br />
Bourdieu, por exemplo, não são totalmente<br />
assimilados pelas culturas ditas populares,<br />
como mostra Certeau, o que ocorre é uma<br />
negociação, on<strong>de</strong> são assimilados esses<br />
processos, no entanto transformados. Visão<br />
semelhante é pactuada com Canclini (2003,<br />
p. 261), quando afirma:<br />
[...] Portanto, os setores<br />
chamados populares coparticipam<br />
nessas<br />
relações <strong>de</strong> força, que<br />
se constroem<br />
simultaneamente na<br />
produção e no<br />
consumo, nas famílias,<br />
e nos indivíduos, na<br />
fábrica, e no sindicado,<br />
nas cúpulas partidárias<br />
e nos órgãos <strong>de</strong> base,<br />
nos meios <strong>de</strong><br />
comunicação massivos<br />
e nas estruturas <strong>de</strong><br />
recepção que acolhem e<br />
ressemantizam suas<br />
mensagens.<br />
Isso implica dizer que o lugar do<br />
popular na cultura é um lugar <strong>de</strong> produção e<br />
transformação <strong>de</strong>sses processos <strong>de</strong><br />
dominação, mas também um espaço <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> novos significados.<br />
7
3. O valor da experiência em Benjamin<br />
Mesmo em que pese à negação do<br />
popular pelos frankfurtianos Adorno e<br />
Horkheimer, Walter Benjamin integrante da<br />
escola <strong>de</strong> Frankfurt faz da análise da<br />
experiência do homem consi<strong>de</strong>rado trivial<br />
para Adorno, uma forma <strong>de</strong> explicar as<br />
transformações que se processavam na<br />
socieda<strong>de</strong> pré-industrial. É assim que<br />
Barbero (2006, p. 72) diz que Benjamin foi<br />
capaz <strong>de</strong> pensar o não pensado: “o popular na<br />
cultura não como negação, mas como<br />
experiência e produção”.<br />
Benjamin em o Narrador (1980) que<br />
conta a história <strong>de</strong> Leskow, um autêntico<br />
narrador, discute e <strong>de</strong>screve a narrativa como<br />
uma forma <strong>de</strong> comunicação artesanal que<br />
caminha para o fim com o surgimento da<br />
imprensa, trazendo uma nova forma <strong>de</strong><br />
comunicação - a informação.<br />
A explicação para isso não se trata<br />
apenas do advento da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong><br />
transformações históricas muito lentas e<br />
inevitáveis no tempo e no espaço, como<br />
<strong>de</strong>screve:<br />
“Mas se hoje ‘dar<br />
conselhos’ começa a<br />
soar nos ouvidos como<br />
algo fora <strong>de</strong> moda, a<br />
culpa é da circunstância<br />
<strong>de</strong> estar diminuindo a<br />
imediatez da<br />
experiência. Por causa<br />
disso não sabemos dar<br />
conselhos nem a nós,<br />
nem aos outros [...] O<br />
conselho, entretecido<br />
na matéria da vida<br />
vivida, é sabedoria. A<br />
arte <strong>de</strong> narrar ten<strong>de</strong><br />
para o fim porque o<br />
lado épico da verda<strong>de</strong>,<br />
a sabedoria está<br />
agonizando. Mas este é<br />
um processo que vem<br />
<strong>de</strong> longe. Nada seria<br />
mais tolo do que querer<br />
vislumbrar nele apenas<br />
um ‘fenômeno da<br />
<strong>de</strong>cadência’- muito<br />
menos ainda<br />
mo<strong>de</strong>rno’[...]<br />
(BENJAMIN, 1980b, p.<br />
59)<br />
A experiência que é inerente ao<br />
narrador na arte <strong>de</strong> contar estórias que se<br />
<strong>de</strong>sdobram a cada narração então se vê<br />
ameaçada <strong>de</strong> extinção por outros gêneros,<br />
que primeiramente foi imposto pelo romance<br />
e <strong>de</strong>pois à informação passível <strong>de</strong><br />
verificabilida<strong>de</strong>. É claro que em face <strong>de</strong>ssas<br />
transformações históricas como Benjamin<br />
expõem em o Narrador o estilo <strong>de</strong>scrito da<br />
narração foi diminuindo enquanto<br />
comunicação artesanal, e ce<strong>de</strong>ndo espaço<br />
para outras formas e gêneros como o<br />
romance e <strong>de</strong>pois a informação. Todavia não<br />
se constata a extinção <strong>de</strong> todo da narrativa,<br />
visto que as culturas populares tradicionais<br />
ainda conservam esse tipo <strong>de</strong> comunicação. É<br />
claro que no séc. XXI a feição <strong>de</strong>ssa<br />
narrativa convive com outros gêneros e são<br />
incorporados pelos meios <strong>de</strong> comunicação<br />
massiva. Hoje se vê uma tendência cada vez<br />
maior do jornalismo contemporâneo em<br />
utilizar os vários gêneros jornalísticos<br />
8
(crônica, artigo, reportagem) a riqueza<br />
característica <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> narrativa. As<br />
matérias e reportagens atualmente agregam<br />
cada vez mais a vida prática e cotidiana das<br />
pessoas.<br />
É nesse sentido que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o<br />
redimensionamento dos grupos <strong>de</strong> culturas<br />
tradicionais populares e <strong>de</strong> sua narrativa, uma<br />
vez que o próprio cenário que <strong>de</strong>marca o fim<br />
<strong>de</strong> sua cotação, como afirma Benjamin<br />
também o ressiginifica <strong>de</strong> outras formas,<br />
como ele mesmo pon<strong>de</strong>ra ao fornecer<br />
indícios da incorporação da narrativa pelo<br />
romance sobre as circunstancias históricas<br />
que ameaçam essa forma <strong>de</strong> comunicação<br />
artesanal, quando afirma: “Ele é antes uma<br />
manifestação secundária <strong>de</strong> forças produtivas<br />
históricas seculares que aos poucos afastou a<br />
narrativa do âmbito do discurso vivo, ao<br />
mesmo tempo em que torna palpável uma<br />
nova beleza naquilo que <strong>de</strong>saparecia.”<br />
(BENJAMIN, 1980, p. 59)<br />
Então, se a imediatez da experiência<br />
ten<strong>de</strong> a <strong>de</strong>finhar como se explica que culturas<br />
populares tradicionais como os folguedos, os<br />
auto-natalinos, como no caso da Pastorinha<br />
<strong>de</strong> Parintins, que estão no plano da oralida<strong>de</strong><br />
tem se redimensionado e incorporado novas<br />
formas <strong>de</strong> se difundir na contemporaneida<strong>de</strong>?<br />
É o que Martin Barbero (2006, p.30) em Os<br />
meios às mediações problematiza acerca das<br />
imbricações do massivo, do popular e do<br />
tradicional: “[...] Na verda<strong>de</strong>, o que<br />
buscamos é algo radicalmente diferente: não<br />
o que sobrevive do outro tempo, mas o que<br />
no hoje faz com que certas matrizes culturais<br />
constituem tendo vigência, o que faz com<br />
que uma narrativa anacrônica se conecte com<br />
a vida das pessoas [...].<br />
A resposta talvez esteja mesmo em o<br />
narrador <strong>de</strong> Benjamin quando diz que a<br />
“memória é a capacida<strong>de</strong> épica por<br />
excelência, pois somente graças à memória<br />
abrangente, po<strong>de</strong> a épica se apropriar do<br />
curso das coisas” [...] Isso nos remete a<br />
questão do imaginário articulados cada vez<br />
mais pela indústria cultural, reintroduzindo<br />
<strong>de</strong> outra forma a questão do épico e da<br />
narrativa na cena contemporânea, pois “a<br />
remo<strong>de</strong>lação tecnológica das práticas sociais<br />
nem sempre contradiz as culturas tradicionais<br />
e as artes mo<strong>de</strong>rnas. Expandiu, por exemplo,<br />
o uso <strong>de</strong> bens patrimoniais e o campo da<br />
criativida<strong>de</strong>” (CANCLINI, 2003, p.308).<br />
4. A reinvenção do tradicional pelas<br />
culturas populares tradicionais: O caso<br />
das Pastorinhas <strong>de</strong> Parintins<br />
Ao olhar a indústria cultural além da<br />
chantagem culturalista proposta por Barbero<br />
(2006) não convém pensar <strong>de</strong> forma<br />
nostálgica e fatalista as interações das<br />
culturas populares tradicionais com as<br />
indústrias culturais, pois se se trata dos usos<br />
que essas culturas estarão fazendo dos<br />
processos massivos, <strong>de</strong>fendidas por Certeau<br />
9
(1994) essas culturas não estão fadadas a<br />
<strong>de</strong>saparecer, pois estão continuamente<br />
passando por um processo <strong>de</strong> apropriação e<br />
expropriação do qual argumenta Stuart Hall<br />
(2003, p.259-260) ao problematizar a questão<br />
da tradição:<br />
[...] A tradição é um<br />
elemento vital da<br />
cultura, mas ela tem<br />
pouco a ver com a mera<br />
resistência das velhas<br />
formas. Está muito<br />
mais relacionada às<br />
formas <strong>de</strong> associação e<br />
articulação dos<br />
elementos. Esses<br />
arranjos em uma<br />
cultura nacionalpopular<br />
não possuem<br />
uma posição fixa ou<br />
<strong>de</strong>terminada, e<br />
certamente nenhum<br />
significado que possa<br />
ser arrastado, por assim<br />
dizer, no fluxo da<br />
tradição histórica, <strong>de</strong><br />
forma inalterável. Os<br />
elementos da ‘tradição’<br />
não só po<strong>de</strong>m ser<br />
reorganizados para se<br />
articular a diferentes<br />
práticas e posições e<br />
adquirir um novo<br />
significado e<br />
relevância.<br />
Trata-se <strong>de</strong> reinventar o tradicional,<br />
pois nenhuma cultura é pura e está em<br />
constante processo <strong>de</strong> negociação <strong>de</strong> novos<br />
significados, é o que Canclini (2003) chama<br />
<strong>de</strong> hibridização das culturas, em uma<br />
explicação da mistura dos processos<br />
massivos, popular, tradicional e erudito.<br />
A manifestação da Pastorinha <strong>de</strong><br />
Parintins, por exemplo, se constitui um caso<br />
on<strong>de</strong> essas visões teóricas po<strong>de</strong>m ser<br />
comprovadas. Trata-se <strong>de</strong> uma cultura<br />
popular tradicional <strong>de</strong> origem ibérica<br />
introduzida no Brasil certamente com a vinda<br />
dos jesuítas, que ao retratar o auto natalino<br />
em prosa e verso lembram as trovas<br />
medievais.<br />
Essa cultura popular se constitui<br />
naquilo que Barbero (2006) chama <strong>de</strong><br />
narrativa anacrônica, no entanto que vem se<br />
ressignificando ao interagir com os processos<br />
massivos contemporâneos. A reinvenção do<br />
tradicional nessa manifestação perpassa pela<br />
articulação <strong>de</strong> processos e meios que<br />
atrelados a prática e ao cotidiano <strong>de</strong>ssas<br />
comunida<strong>de</strong>s vem se atualizando com a<br />
incorporação <strong>de</strong> dinâmicas da indústria<br />
cultural, quando por um <strong>de</strong>sejo da própria<br />
comunida<strong>de</strong> passam a espetacularizar por<br />
meio <strong>de</strong> um festival organizado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001<br />
pela secretaria <strong>de</strong> cultura do Município <strong>de</strong><br />
Parintins suas tradições e todo seu universo<br />
simbólico.<br />
10<br />
As pastorinhas acham-se organizadas<br />
por meio da Associação <strong>Cultura</strong>l das<br />
pastorinhas <strong>de</strong> Parintins, que congrega 12<br />
grupos folclóricos oficialmente. Nessa<br />
manifestação cultural po<strong>de</strong>-se observar como<br />
operam os cruzamentos entre o massivo, o<br />
popular, o tradicional e o erudito, quando a<br />
pastorinha uma tradição herdada da<br />
colonização européia <strong>de</strong> origem portuguesa é
assimilada e ao mesmo tempo<br />
metamorfoseada pela cultura brasileira em<br />
um espaço cultural on<strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s rurais<br />
e urbanas reorganizam e dão novo<br />
significado, que alimentadas pelo folclore,<br />
transformam-se em uma causa do próprio<br />
reconhecimento do seu espaço social.<br />
Essa cultura popular tradicional é<br />
eminentemente assentada em uma tradição<br />
oral, em que seus integrantes na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
narradores difundiram essa cultura <strong>de</strong> boca<br />
em boca, que passada <strong>de</strong> geração a geração<br />
se apresenta hoje incorporada aos<br />
dispositivos imaginários da indústria cultural.<br />
O ritual não se restringe somente ao<br />
festival, enquanto instância, em que se<br />
operam os mecanismos da indústria cultural,<br />
mas <strong>de</strong> celebrações tradicionais nos<br />
barracões na periferia do município e <strong>de</strong><br />
saídas nas ruas da cida<strong>de</strong> no dia 06 <strong>de</strong> Reis, e<br />
com a queima da palhinha, ritual quando as<br />
festivida<strong>de</strong>s natalinas são encerradas. Esse<br />
universo lúdico quando incorporado pela<br />
indústria cultural se eterniza e se renova<br />
continuamente, fato que a pastorinha assim<br />
como O narrador <strong>de</strong> Leskov em Benjamin<br />
(1980) articula todo um universo simbólico,<br />
épico, pautado na experiência que alimenta o<br />
sonho, o <strong>de</strong>vaneio, que por sua vez faz parte<br />
dos mecanismos em que operam a indústria<br />
cultural. Por outro lado a articulação <strong>de</strong>ssa<br />
cultura folclórica com os processos massivos<br />
permitiu que os produtores <strong>de</strong>ssa cultura<br />
saíssem do anonimato e difundissem seus<br />
propósitos por meios <strong>de</strong> seus processos <strong>de</strong><br />
comunicação inscritos na vida prática e<br />
cotidiana.<br />
Conclusão<br />
Diante da análise teórica constata-se<br />
como o lugar do popular sempre foi negado<br />
na cultura, no entanto com as transformações<br />
advindas na socieda<strong>de</strong>, o popular ao poucos<br />
vai se fazendo integrante na socieda<strong>de</strong>,<br />
mesmo que seja por inclusão abstrata como<br />
revela Barbero. O fato é que a questão da<br />
exclusão do espaço do popular na cultura é<br />
um assunto que toca a hegemonia, e que nos<br />
faz compreen<strong>de</strong>r a complexida<strong>de</strong> do popular<br />
e das culturas populares tradicionais na<br />
contemporaneida<strong>de</strong>.<br />
O redimensionamento da experiência<br />
é um processo necessário e inevitável ao<br />
popular, como se constata a luz das obras <strong>de</strong><br />
Benjamin, em face <strong>de</strong> mudanças na<br />
socieda<strong>de</strong> que são inevitáveis como ele<br />
mesmo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, a experiência foi um dos<br />
espaços que mais ocorreu mudanças,<br />
entretanto, não se constatou o <strong>de</strong>finhamento,<br />
mas uma resignificação <strong>de</strong>ssa prática<br />
cotidiana, incorporada pelos dispositivos<br />
imaginários da indústria cultural.<br />
11<br />
A tese que ora se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> é o olhar da<br />
indústria cultural não como <strong>de</strong>gradação da<br />
cultura, mas como um processo on<strong>de</strong> também<br />
o popular é incorporado, e on<strong>de</strong> po<strong>de</strong><br />
também ocorrer à interpelação <strong>de</strong> práticas<br />
comunicacionais das culturais populares
tradicionais. O caso da manifestação cultural<br />
da Pastorinha <strong>de</strong> Parintins <strong>de</strong>monstra esses<br />
entrecruzamentos que Canclini menciona<br />
sobre a mistura dos processos massivos, do<br />
popular, do tradicional e erudito se fazendo<br />
atuar, continuamente.<br />
As pastorinhas <strong>de</strong> Parintins é um caso<br />
concreto <strong>de</strong>sse redimensionamento da<br />
experiência, que hoje se configura <strong>de</strong> outra<br />
forma, por meio <strong>de</strong> um festival, mas que por<br />
outro lado não se reduz somente a essa<br />
instância, que faz com que os grupos<br />
folclóricos se articulem e busquem novos<br />
significados para perpetuar a memória da<br />
tradição.<br />
Referências<br />
BENJAMIN, Walter. O narrador:<br />
consi<strong>de</strong>rações sobre a obra <strong>de</strong> Nikolai<br />
Leskov. Os pensadores. São Paulo: Abril<br />
<strong>Cultura</strong>l, 1980.<br />
_________________. A obra <strong>de</strong> arte na<br />
época <strong>de</strong> sua reprodutibilida<strong>de</strong> técnica. Os<br />
pensadores. São Paulo: Abril <strong>Cultura</strong>l, 1980.<br />
CANCLINI, Nestor Garcia. <strong>Cultura</strong>s<br />
híbridas: estratégias para entrar e sair<br />
da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. São Paulo: EDUSP, 4.<br />
ed. 2003.<br />
CERTEU. Michel. A invenção do cotidiano.<br />
Artes <strong>de</strong> Fazer. Tradução <strong>de</strong> Ephraim<br />
Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.<br />
12<br />
FREUD, Sigmund. Psicologia <strong>de</strong> Grupo e<br />
análise do Eu. In: Obras Completas, vol<br />
XVIII. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, Editora, 1969.<br />
HALL, Stuart. Da diáspora: i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e<br />
mediações culturais. Organização Liv<br />
Sovik; Tradução A<strong>de</strong>laine La Guardiã<br />
Resen<strong>de</strong>...[ET all]. Belo Horizonte: Editora<br />
UFMG; Brasília: Representação da<br />
UNESCO no Brasil, 2003.<br />
MARTÍN BARBERO, Jesus. Dos meios às<br />
mediações: comunicação, cultura e<br />
hegemonia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, 1997.