Amana e Pindé e a viagem nas águas da ... - Revista Mutações
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RELEM – <strong>Revista</strong> Eletrônica <strong>Mutações</strong>, janeiro – junho, 2013<br />
©by Ufam/Icsez<br />
<strong>Amana</strong> e <strong>Pindé</strong> e a <strong>viagem</strong> <strong>nas</strong> <strong>águas</strong> <strong>da</strong> Amazônia: a produção<br />
do livro infantil com arte e geografia em Parintins (AM)<br />
Introdução<br />
O presente artigo visa abor<strong>da</strong>r os<br />
desafios <strong>da</strong> proposta metodológica<br />
emprega<strong>da</strong> na produção do material<br />
didático de geografia e artes <strong>Amana</strong> e<br />
<strong>Pindé</strong>: A <strong>viagem</strong> <strong>nas</strong> <strong>águas</strong> <strong>da</strong> pequena<br />
Cunhã (BARTOLI, 2012a), destinado às<br />
séries iniciais do ensino fun<strong>da</strong>mental. O<br />
livro, lançado em junho de 2012, se insere<br />
<strong>nas</strong> recentes propostas relativas à<br />
produção de materiais didáticos de<br />
geografia no estado do Amazo<strong>nas</strong> a<br />
reboque de outras publicações 2 .<br />
Tais propostas visam contribuir<br />
para uma interpretação do espaço<br />
geográfico amazônico que esteja mais<br />
próxima <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de vivi<strong>da</strong> pelas<br />
populações locais, onde a regionalização<br />
________________<br />
1 Geógrafo, MSc. em Socie<strong>da</strong>de Cultura na Amazônia<br />
pela Ufam, professor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Estado do<br />
Amazo<strong>nas</strong> – CESP/Parintins, pesquisador do<br />
NEPECAB. estevangeo@hotmail.com<br />
2 Livro didático O Amazo<strong>nas</strong> e a Amazônia – geografia,<br />
socie<strong>da</strong>de e meio ambiente (Bartoli, 2010), abor<strong>da</strong> a<br />
leitura dos principais aspectos que compõem o espaço<br />
geográfico <strong>da</strong> Amazônia e do Estado do Amazo<strong>nas</strong>.<br />
Direcionado aos estu<strong>da</strong>ntes do ensino médio, o livro traz<br />
o que há de mais atual <strong>nas</strong> ciências geográficas e está<br />
baseado em recentes pesquisas de autores consagrados,<br />
além de apresentar base cartográfica atualiza<strong>da</strong>, em que<br />
cartas, mapas e imagens de satélites enriquecem as<br />
análises feitas sobre a Amazônia.<br />
Estevan Bartoli 1<br />
do material produzido abarca os termos<br />
usualmente empregados na região, assim<br />
como a abor<strong>da</strong>gem dos problemas vividos<br />
em contextualizações condizentes com a<br />
reali<strong>da</strong>de socioespacial em voga <strong>da</strong>s<br />
populações locais, presentes <strong>nas</strong><br />
representações e ilustrações no livro.<br />
O objetivo foi incitar a vinculação<br />
<strong>da</strong> produção artística às reflexões do<br />
ensino em geografia, no que tange ao<br />
desenvolvimento cognitivo dos alunos<br />
envolvidos e levando em consideração<br />
habili<strong>da</strong>des e competências requeri<strong>da</strong>s no<br />
aprendizado de geografia, seja em face à<br />
cartografia ou ao ciclo hidrológico<br />
(temáticas gerais abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s no projeto<br />
realizado), culminando com a produção do<br />
livro. A proposta contempla a urgente<br />
necessi<strong>da</strong>de de autonomia na produção de<br />
materiais didáticos regionalizados e<br />
a<strong>da</strong>ptados às deman<strong>da</strong>s locais.<br />
Metodologia<br />
Contexto e importância<br />
Umas <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s latentes no<br />
Amazo<strong>nas</strong> refere-se à melhoria dos
indicadores relativos à quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
educação no estado, por isso a relevância<br />
do projeto desenvolvido em município do<br />
interior, na ci<strong>da</strong>de de Parintins (Baixo<br />
Amazo<strong>nas</strong>), porção centro-leste <strong>da</strong><br />
Amazônia.<br />
O objetivo do projeto, iniciado em<br />
abril de 2011, foi aproximação entre o<br />
desenvolvimento dos conteúdos<br />
geográficos e a produção artística. Para<br />
isso, contamos com a parceria <strong>da</strong> Escola<br />
de Artes Irmão Miguel de Pascale, de<br />
Parintins, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1997 e que atende<br />
hoje cerca de 560 crianças, com mais de<br />
22 ofici<strong>nas</strong> em funcionamento, entre as<br />
quais: <strong>da</strong>nça, música, pintura, desenho,<br />
cartonagem, artesanato, Informática, arte<br />
em vime, flauta, entre outras.<br />
Amostra<br />
Com aulas de geografia abor<strong>da</strong>ndo<br />
o ciclo hidrológico <strong>nas</strong> salas de artes, os<br />
alunos de diversas faixas etárias<br />
(obedecendo à estrutura <strong>da</strong>s turmas<br />
existentes na escola) iniciaram a produção<br />
dos desenhos, mediante noções sobre<br />
geografia amazônica, transformando-as<br />
em ilustrações.<br />
Distinguindo-se <strong>da</strong>s demais<br />
ciências huma<strong>nas</strong> pela espaciali<strong>da</strong>de do<br />
seu objeto, a geografia faz uso de mapas e<br />
cartas que formam a sua linguagem,<br />
destinados a captar arranjos espaciais na<br />
superfície terrestre.<br />
Procedimento de coleta e análise<br />
A primeira etapa do projeto<br />
pe<strong>da</strong>gógico consistiu em aulas expositivas<br />
relativas à visão geral <strong>da</strong>s características<br />
<strong>da</strong> bacia amazônica, enfatizando as<br />
competências e habili<strong>da</strong>de requeri<strong>da</strong>s pelo<br />
curso de geografia, a interpretação de<br />
mapas abor<strong>da</strong>ndo a bacia hidrográfica<br />
amazônica: dimensão, países que<br />
compõem, características de rios e <strong>águas</strong><br />
subterrâneas e problemas<br />
locais/ambientais sobre as <strong>águas</strong>. A<br />
dinâmica <strong>da</strong>s exposições eram pauta<strong>da</strong>s<br />
através de perguntas aos alunos, no intuito<br />
de averiguar os conhecimentos prévios e<br />
relacioná-los aos <strong>da</strong>dos desejados. Foi<br />
detectado que as noções básicas de<br />
geografia vieram impingi<strong>da</strong>s de <strong>da</strong>dos<br />
propalados habitualmente pela mídia,<br />
mesmo entre os alunos mais velhos e em<br />
fase escolar mais avança<strong>da</strong>.<br />
A segun<strong>da</strong> etapa ocorreu com a<br />
prévia leitura do texto e concurso entre os<br />
alunos para escolha dos personagens<br />
centrais, a cunhã <strong>Amana</strong> e a gotinha<br />
d’água falante <strong>Pindé</strong>. A terceira etapa<br />
ocorreu juntamente com o auxilio dos<br />
professores de desenho e pintura <strong>da</strong><br />
escola, onde a leitura <strong>da</strong> história era feita<br />
pelo autor a partir <strong>da</strong>s ce<strong>nas</strong> a serem<br />
desenha<strong>da</strong>s (figura 1), dividi<strong>da</strong>s em etapas<br />
relaciona<strong>da</strong>s ao ciclo hidrológico existente<br />
90
na região amazônica que explicitaremos à seguir.<br />
Figura 1: Leitura do texto na escola de artes e produção <strong>da</strong>s ilustrações<br />
Foto: Sandra Costa, 20/05/2011.<br />
A finalização do projeto e elaboração<br />
final <strong>da</strong>s ilustrações foi elabora<strong>da</strong> pela<br />
comissão de artes <strong>da</strong> escola, sob coordenação<br />
geral <strong>da</strong> artista Sandra Emília Costa (discente<br />
do curso de artes <strong>da</strong> UFAM – Parintins), com<br />
retoques finais e diagramação do projeto.<br />
Resultados e discussão<br />
As <strong>águas</strong> na Amazônia: percepções e<br />
representações<br />
Nas últimas déca<strong>da</strong>s, a emergência<br />
<strong>da</strong> temática ambiental e <strong>da</strong>s preocupações a<br />
respeito dos destinos dos ecossistemas, dos<br />
recursos naturais e <strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong>des<br />
advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de, deram à<br />
Amazônia maior visibili<strong>da</strong>de no cenário<br />
internacional. Com as transformações<br />
climáticas e a problemas relativos à água em<br />
escala global, a região passa a ser<br />
ressignifica<strong>da</strong> frente a esse cenário, surgindo<br />
possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong> formação de novos<br />
mercados, como o de carbono e o <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,<br />
este último em plena expansão, baseado em<br />
produtos oriundos <strong>da</strong> biodiversi<strong>da</strong>de.<br />
Ocupando 2/5 <strong>da</strong> América do Sul e<br />
5% <strong>da</strong> superfície terrestre continental, a bacia<br />
hidrográfica amazônica possui área de<br />
aproxima<strong>da</strong>mente 6,5 milhões de quilômetros<br />
quadrados, abrigando a maior rede<br />
hidrográfica do planeta, que escoa cerca de<br />
1/5 do volume de água doce do mundo.<br />
Aproveitar essa vantagem sem causar<br />
impactos, torna-se missão estratégica do<br />
Brasil vista a recente ocupação <strong>da</strong> floresta<br />
estar ocorrendo numa dimensão desastrosa e<br />
irresponsável, e conforme permaneça o<br />
ritmo, poderá causar impactos que<br />
comprometam o equilíbrio hídrico regional<br />
(ANDERSON, 2007).<br />
Consistiu aí o temário geral do livro<br />
e <strong>da</strong> interação com a produção artística:<br />
91
fornecer subsídios para o aprendizado sobre<br />
o meio ambiente com enfoque no ciclo<br />
hidrológico e suas múltiplas interações com<br />
os outros elementos compositores do bioma<br />
amazônico: seres vivos, vegetação,<br />
solos/substrato rochoso, socie<strong>da</strong>des e o clima<br />
Equatorial. A interdependência entre<br />
vegetação e ciclo hidrológico ressalta<strong>da</strong><br />
durante as explanações em sala, resultaram<br />
em diversas ilustrações que culminaram com<br />
a arte final. Em linguagem condizente com a<br />
faixa etária a que é destinado, o texto<br />
ressaltou a interação entre:<br />
1) Aspetos gerais <strong>da</strong> dinâmica<br />
atmosférica apresentando a<br />
importância <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> dos<br />
ventos oceânicos (ventos Alíseos<br />
vindos do Atlântico) para a<br />
formação de chuvas na região<br />
(MOLION, 1987), onde surgiu<br />
elemento lúdico escolhido pelos<br />
alunos para tal representação do<br />
vento um rosto humano (figura<br />
2.a).<br />
2) As características hídricas<br />
resultantes <strong>da</strong> dinâmica e<br />
natureza dos rios (erosão,<br />
transporte e sedimentação)<br />
atrelados aos divisores de <strong>águas</strong><br />
e <strong>nas</strong>centes que determinam os<br />
tipos de rios predominantes na<br />
Amazônia (SIOLI,1985): <strong>águas</strong><br />
escuras/negras; <strong>águas</strong> barrentas e<br />
<strong>águas</strong> esverdea<strong>da</strong>s/claras (figura<br />
2.b.).<br />
3) A natureza e meio urbano,<br />
relacionados às ações frequentes<br />
de diversos atores aparece como<br />
o conjunto de objetos, que por<br />
participar <strong>da</strong> reprodução do<br />
urbano, mostram-se ca<strong>da</strong> vez<br />
mais técnicos e artificiais. A<br />
figura 2.c demonstra que mesmo<br />
com a implementação do<br />
PROSAMIM (Programa de<br />
Saneamento dos igarapés de<br />
Manaus), ain<strong>da</strong> persiste a<br />
poluição dos recursos hídricos.<br />
4) Ciclo hidrológico atrelado à<br />
reprodução dos variados<br />
ecossistemas em relação de<br />
interdependência entre os<br />
elementos compositores do<br />
bioma como já ressaltamos<br />
(figura 2.d).<br />
92
Figuras 2 e 3 – Ilustrações a), b), c) e d) são relaciona<strong>da</strong>s aos temas geográficos descritos.<br />
Fonte: Estevan Bartoli, 2012.<br />
A conclusão e momentos finais do<br />
diálogo <strong>da</strong> menina <strong>Amana</strong> com a gota mágica<br />
<strong>Pindé</strong> (principais interlocutores <strong>da</strong> história),<br />
culmina com as reflexões <strong>da</strong> menina acerca<br />
de todos os cenários por ela visitados, onde<br />
ludicamente são apresentados os caminhos<br />
do ciclo hidrológico. Nas entrelinhas <strong>da</strong><br />
penúltima cena do livreto, a reflexão<br />
expressa a visão sistêmica que permeia o<br />
fulcro <strong>da</strong> história<br />
Como é forte o sentimento de<br />
<strong>Amana</strong>: a água liga todos os<br />
seres <strong>da</strong> Terra pois está sempre<br />
em movimento, num ciclo<br />
hidrológico. É como o sangue em<br />
nosso corpo. Se a água nos une e<br />
conecta ao mundo, devemos ser<br />
todos irmãos, pois somos<br />
compostos de algo comum. A<br />
93
água que esteve em seu sangue<br />
agora está no sangue de outra<br />
pessoa distante. Essa é a maior<br />
prova que todos os homens na<br />
Terra são irmãos, pensou o<br />
menina (BARTOLI, 2012a).<br />
O produto final foi complementado<br />
com um segundo livreto (anexo geográfico)<br />
intitulado A geografia de <strong>Amana</strong> e <strong>Pindé</strong><br />
(BARTOLI, 2012b) com o objetivo de<br />
aprofun<strong>da</strong>r os conhecimentos sobre o ciclo<br />
hidrológico através de bases cartográficas,<br />
imagens de satélite e ativi<strong>da</strong>des de pesquisa<br />
para uso em salas de aula como material<br />
didático.<br />
Considerações finais<br />
Ressaltamos que, com a recente<br />
publicação, a importância do projeto de<br />
extensão realizado por meio do<br />
Departamento de Geografia do Universi<strong>da</strong>de<br />
do Estado do Amazo<strong>nas</strong> (UEA) e com setores<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, mais precisamente a Escola de<br />
Artes Irmão Miguel de Pascale de Parintins,<br />
corroboramos o intuito de aliar os saberes<br />
acadêmicos às potenciali<strong>da</strong>des locais do<br />
município, no caso específico a produção<br />
artística.<br />
Com produto final materializado na<br />
forma de livro didático podemos inferir sobre<br />
a importância <strong>da</strong> produção local de materiais<br />
a<strong>da</strong>ptados e condizentes com as deman<strong>da</strong>s<br />
vigentes no Estado do Amazo<strong>nas</strong>. Outro<br />
ponto significativo foi a aproximação entre<br />
geografia e arte, ampliando vertentes de<br />
representações dos diversos espaços<br />
socioambientais na Amazônia à partir <strong>da</strong><br />
construção artística dos alunos ressaltando a<br />
interação entre ensino e produção <strong>da</strong>s<br />
ilustrações, contemplando com as habili<strong>da</strong>de<br />
e competências requeri<strong>da</strong>s pela disciplina<br />
escolar.<br />
Referências<br />
ANDERSON, A. BARRETO, P. SALOMÃO<br />
R. SOUZA C. Jr. & WILES, J. Pressão<br />
Humana no Bioma Amazônia. – Belém, PA:<br />
Instituto do Homem e Meio Ambiente <strong>da</strong><br />
Amazônia, 2007.– (O Estado <strong>da</strong> Amazônia) -<br />
Disponível em:<br />
http://www.imazon.org.br/publicacoes/<br />
BARTOLI, E. <strong>Amana</strong> e <strong>Pindé</strong>: a <strong>viagem</strong> <strong>nas</strong><br />
<strong>águas</strong> <strong>da</strong> pequena cunhã. Rio de Janeiro:<br />
MemVamMem, 2012.<br />
________,E. A geografia de <strong>Amana</strong> e <strong>Pindé</strong>.<br />
Rio de Janeiro: MemVamMem, 2012<br />
MOLION, L.C.B. Climatologia Dinâmica <strong>da</strong><br />
região Amazônica: mecanismos de<br />
precipitação. <strong>Revista</strong> Brasileira de<br />
Meteorologia, 2(1): 107 - 117, 1987.<br />
SIOLI, H. Amazônia: Fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong><br />
Ecologia <strong>da</strong> Maior Região de Florestas<br />
Tropicais. Ed. Vozes Lt<strong>da</strong>, 1985.<br />
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