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Reflexões ético-políticas: A filosofia Grega clássica e a política ...

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RELEM – Revista Eletrônica Mut ações, janeiro-julho, 2011<br />

©by Ufam/Icsez<br />

<strong>Reflexões</strong> <strong>ético</strong>-<strong><strong>política</strong>s</strong>: A <strong>filosofia</strong> <strong>Grega</strong> <strong>clássica</strong> e a <strong>política</strong><br />

brasileira<br />

Alexsandro Melo Medeiros 1<br />

Universidade Federal do Amazonas - UFAM<br />

Adriano Melo Medeiros 2<br />

Faculdade Atual da Amazônia - FAA<br />

Resumo<br />

O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise de como a ética tem se inserido no<br />

campo da <strong>política</strong> na sociedade brasileira atual. Tendo em vista que a relação entre ética e<br />

<strong>política</strong> já fora pensada por dois dos maiores filósofos da tradição ocidental, Platão e<br />

Aristóteles, e que seus pontos de vista ainda hoje influenciam o nosso modo de conceber o<br />

mundo, partiremos do exame das obras A República, de Platão, e Política, de Aristóteles, para<br />

então articular a visão desses pensadores com a necessidade de uma inserção axiológica e<br />

deontológica dos valores <strong>ético</strong>s no campo político e social. Ao final, destacaremos como tais<br />

idéias são importantes na condução, organização e administração de uma sociedade, mais<br />

especificamente, o Brasil de hoje.<br />

Palavras-chave: Ética; Política; Filosofia <strong>Grega</strong>; Contemporaneidade; Brasil.<br />

Abstract<br />

This article aims at analyzing how ethics has been entered in the field of politics in Brazilian<br />

society today. Given that the relationship between ethics and politics had been thought of by<br />

two of the greatest philosophers of the Western tradition, Plato and Aristotle, and that their<br />

views still influence our way of conceiving the world, through the examination of works The<br />

Republic by Plato and Politics by Aristotle, and then articulate the vision of these thinkers<br />

with the need to insert an axiological and deontological of the ethical values in the political<br />

and social. Finally, we will highlight how these ideas are important in conducting, organizing<br />

and managing a company, more specifically, Brazil in present today.<br />

Keywords: Ethics, Politics, Greek Philosophy, Contemporary, Brazil.<br />

1 Professor Assistente da UFAM. Mestre em Filosofia. Contato: philos_aletheia@hotmail.com.<br />

2 Mestre em <strong>filosofia</strong> pela UFPE. Professor da Universidade Estadual de Roraima e da Faculdade Atual da<br />

Amazônia. Contato: amigodesophia@yahoo.com.br.


Introdução<br />

Quando a <strong>filosofia</strong> surge na Grécia Antiga e se consolida em Atenas, que naquela<br />

época havia se tornado um centro intelectual e cultural, ela se estabelece dentro do contexto<br />

da democracia grega das cidades-estado de tal forma que é possível afirmar – como o fez o<br />

historiador da <strong>filosofia</strong>, Jean-Pierre Vernant (2006) – que “a Filosofia é filha da cidade”.<br />

Nesse período, também conhecido como período antropológico, o homem é o centro dos<br />

debates intelectuais e filosóficos, não apenas em sentido existencial e individual, mas,<br />

sobretudo, em sentido social e coletivo. Assim, o homem é entendido como: homem político,<br />

o cidadão grego, o zoon politikon 3 , para utilizar a expressão aristotélica (CHÂTELET at all,<br />

1985).<br />

Pois bem, nesse contexto, uma das características principais do pensamento filosófico<br />

grego é a inseparabilidade entre ética e <strong>política</strong> e isso por uma razão aparentemente simples: o<br />

homem é ao mesmo tempo um ser individual e coletivo; pela sua individualidade, se torna<br />

diferente de todos os demais, mas pela sua condição de zoon politikon, sua existência só pode<br />

ser entendida dentro e a partir da sociedade (BARKER, 1978). Dessa forma, ética e <strong>política</strong><br />

não podem ser separadas, pois, enquanto a primeira diz respeito ao comportamento particular<br />

dos indivíduos em sua relação com o outro, a segunda diz respeito ao comportamento deste<br />

mesmo indivíduo em relação à sociedade. Poderíamos exprimir isso da seguinte forma:<br />

enquanto que a ética é a “doutrina moral individual”, a <strong>política</strong> é a “doutrina moral social”.<br />

É fácil agora entender porque que para os dois grandes mestres do pensamento político<br />

e social grego – Platão e seu discípulo, Aristóteles – não se pode separar ética e <strong>política</strong>. Esta<br />

inseparabilidade se torna evidente no conjunto de suas obras. Seja em A República de Platão<br />

ou em Política de Aristóteles, a reflexão sobre a sociedade, o poder, a <strong>política</strong>, está<br />

diretamente relacionada à questão dos valores e da virtude, como veremos mais adiante.<br />

Contudo, após Santo Agostinho e suas duas cidades, a Cidade de Deus e a Cidade dos<br />

Homens, da consequente divisão do poder em: poder temporal e atemporal, que<br />

corresponderiam, respectivamente, ao poder secular, próprio dos reinos, e ao poder<br />

eclesiástico, próprio da igreja; após Maquiavel e a separação entre a ética privada e a ética<br />

pública; após o surgimento do Estado burguês e da economia capitalista, pensou-se ser<br />

possível separar estas duas esferas do conhecimento prático: a ética e a <strong>política</strong>.<br />

3 Animal político.<br />

2


Entretanto, as circunstâncias pelas quais temos passado têm demonstrado a<br />

necessidade de inserir, no campo da <strong>política</strong>, a questão axiológica e deontológica dos valores<br />

<strong>ético</strong>s, o que nos leva a questionar: será que não poderíamos falar de um retorno – ainda que<br />

de forma inconsciente – dessa relação direta entre ética e <strong>política</strong> nos dias atuais?<br />

Ao longo deste artigo, veremos como isso tem acontecido e procuraremos demonstrar<br />

que essa relação, embora não seja a única saída para a solução dos mais graves problemas<br />

sociais de que temos notícia, pode, pelo menos, apontar para a diminuição destes, além de<br />

demonstrar que essa visão não é nova, mas corresponde a uma necessidade milenar q ue o<br />

homem adquiriu ao longo de sua História.<br />

A República de Platão<br />

A República, O Político e As Leis, dentro do conjunto do corpus platonicum, são as<br />

obras onde encontramos, de forma mais precisa, a teoria <strong>política</strong> de Platão. Via de regra, as<br />

obras do filósofo grego apresentam um tema central que permeia a discussão filosófica.<br />

Considerando uma de suas obras principais – A República – esse tema é a Justiça. Além da<br />

Justiça, outros aspectos devem ser considerados importantes dentro do propósito deste artigo,<br />

são eles: 1) o vínculo entre o conhecimento do Bem e o da Justiça na instituição e organização<br />

do Estado; 2) as virtudes necessárias para que um chefe de Estado possa administrar a<br />

sociedade; 3) a teoria platônica da Sofocracia 4 .<br />

Platão é da opinião de que certos conhecimentos são necessários para a organização<br />

(administração) de um Estado. Da mesma forma que a medicina deve ser exercida por aquele<br />

que conhece a arte da cura, a navegação por homens que conhecem a arte náutica, a <strong>política</strong><br />

deve ser exercida por homens que tenham conhecimento e instrução necessários ao exercício<br />

desta função. O político, no sentido que entende Platão, deve ser alguém capaz de realizar sua<br />

função por suas atribuições, qualidades e sua distinção pelo saber: deve, melhor do que<br />

4<br />

Sofo, sábio; Cracia, força ou poder; portanto, Sofocracia é entendida como: o governo dos sábios. Esse modelo<br />

de organização <strong>política</strong> também é conhecido como a teoria do filósofo rei, pois afirma Platão que enquanto os<br />

filósofos não forem reis nas cidades, ou aqueles que hoje denominamos reis e soberanos não forem verdadeira e<br />

seriamente filósofos, enquanto o poder político e a <strong>filosofia</strong> não convergirem num mesmo indivíduo, enquanto os<br />

muitos caracteres que atualmente perseguem um ou outro destes objetivos de modo exclusivo não forem<br />

impedidos de agir assim, não terão fim, meu caro Glauco, os males das cidades, nem, conforme julgo, os do<br />

gênero humano (República, 473d. Seguimos aqui a referência universal que se encontra nas obras de Platão, com<br />

base na edição da Fundação Calouste Gulbenkian, vide referências bibliográficas ). Essa visão de Platão, sob<br />

certos aspectos, parece bastante original, embora utópica sobre outros: é preciso que as cidades sejam<br />

comandadas por indivíduos que se destaquem pelo seu saber, que se instruam no conhecimento para uma perfeita<br />

administração da coisa pública, aplicando este saber à vida prática, pois não basta saber, é preciso viver aquilo<br />

que se sabe.<br />

3


ninguém, promulgar leis justas, sábias e boas; deve conhecer a justiça e o bem, pois só assim<br />

poderá realizar a tarefa que lhe cabe; deve, ele próprio, ter conquistado o conhecimento da<br />

Idéia do Bem e isso porque o fim supremo do homem – e com ele o da sociedade – é realizar,<br />

o quanto possível, o Bem, por intermédio de uma vida virtuosa forjada no autêntico saber.<br />

A questão de como entender a noção platônica de Bem em si frente à ética e à <strong>política</strong><br />

é discutida por Santos, em seu artigo: O Bem Supremo em Platão e Aristóteles (1997). “Na<br />

ação humana individual e social estão a ética e a <strong>política</strong>. Há uma estreita relação entre a<br />

noção de „bem‟ e a „vida humana‟” (SANTOS, 1997, p. 152). Para o filósofo grego, viver<br />

eticamente é viver em íntima relação com o Bem Supremo, fundamento tanto para a vida<br />

privada e individual quanto para a vida pública e social. O Bem Supremo é, nesse sentido, o<br />

ponto culminante da vida intelectual, ética e <strong>política</strong>.<br />

Essa relação entre a Idéia de Bem, a ética e a <strong>política</strong> ganha contornos mais precisos<br />

em A República. Nessa obra aparece de forma bastante evidente o estreito vínculo existente<br />

entre a Idéia de Bem e o governo da cidade, culminando na sua bem conhecida teoria do<br />

filósofo-rei. A sua famosa Alegoria da Caverna descreve de forma simples esse processo que,<br />

entre outros, possui uma dimensão fundamentalmente ética e <strong>política</strong>.<br />

Platão subordina a realização do Estado à Justiça e a moralidade de seus membros,<br />

sobretudo de seus governantes. É necessário que o indivíduo seja sábio, tal como a cidade,<br />

corajoso, da mesma maneira que o seja também a cidade e em tudo o mais no que diz respeito<br />

à virtude (441d). É no Livro IV que Platão trata de forma mais específica das virtudes<br />

necessárias na organização social, reflexo das virtudes existentes em seus governantes. São<br />

elas: a sabedoria, a coragem, a temperança e a justiça.<br />

A realidade <strong>política</strong> ateniense – tal como a nossa atual – estava marcada pela injustiça<br />

e pela corrupção, e decorria da crise pela qual passava a democracia da cidade grega, e Platão<br />

acreditava que através do conhecimento e da <strong>filosofia</strong> era possível resgatar a ordem e a justiça<br />

nas relações sociais. O seu projeto político-filosófico visava instaurar uma sociedade<br />

fundamentada no saber cujo fim primeiro era norteado pelo Bem e pela Justiça, sendo esta a<br />

virtude suprema da cidade, fundamento da polis, pois se para Platão, a injustiça propicia a<br />

degeneração da polis, a justiça proporciona uma espécie de harmonia social, que por sua vez<br />

está ligada ao fato de que cada indivíduo deve executar a função social que lhe compete em<br />

4


consequencia da característica que predomina em sua personalidade 5 . Tal é a definição de<br />

justiça que Platão nos oferece no Livro IV da República: uma espécie de harmonia do<br />

conjunto e ordem das partes 6 . Platão entende a justiça como a expressão da moralidade no<br />

Estado, assegurando que o Estado seja bom (435c). Além disso, os chefes da cidade devem<br />

administrar com justiça, evitando que cada um detenha bens alheios ou seja privado dos<br />

próprios (434e).<br />

Política de Aristóteles<br />

Aristóteles, discípulo de Platão, entende que a <strong>política</strong> é uma ciência prática e como<br />

tal, deve refletir sobre o Estado: as formas de governo, os tipos de constituições, sua<br />

composição, origem, função, finalidade etc. Para ele, as instituições <strong><strong>política</strong>s</strong> devem ser<br />

capazes de assegurar o bem comum, entendendo-se por este, a felicidade. A ciência <strong>política</strong><br />

em Aristóteles, enquanto ciência prática, é a mais elevada de todas, pois trata do Bem<br />

Supremo, por isso, ela é a magna ciência (Política, 1282b). Além disso, a <strong>política</strong> está<br />

diretamente relacionada com a moral, pois sendo o fim último do Estado a felicidade, e esta<br />

uma atividade conforme a razão e a virtude, então, aquele fim coincide com a virtude, isto é, a<br />

formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso.<br />

Apesar de argumentar contra Platão em diferentes pontos – como, por exemplo, no<br />

que diz respeito à concepção metafísica de Bem 7 – neste aspecto, Aristóteles parece concordar<br />

com seu mestre: a finalidade que buscamos por si mesma (o bem) deve ser efetivada na<br />

cidade, uma vez que na cidade está a finalidade como algo maior e mais completo<br />

(ARISTÓTELES, 1991).<br />

5<br />

Segundo o filósofo de Atenas, todo ser humano possui três almas: a alma irascível, cuja virtude fundamental é a<br />

fortaleza; a concupiscível, cuja virtude é a temperança e a racional, cuja virtude é a sabedoria. Contudo, em cada<br />

indivíduo há sempre a predominância de uma delas, de modo que, a função social exercida por estes depende da<br />

alma que predomina. Na cidade idealizada por Platão constariam três classes diferenciadas por suas funções<br />

próprias. A primeira seria a dos magistrados ou governantes, guiados pela sabedoria; a segunda dos guerreiros,<br />

que defenderiam a polis, cultivando a coragem e a fortaleza; a terceira seria constituída pelos artesãos,<br />

comerciantes, agricultores, aceitando o domínio dos governantes pela ação da temperança ou moderação.<br />

6<br />

Em decorrência da teoria da alma tripartida, a justiça (harmonia) na cidade é o resultado do fato de que cada<br />

parte execute a função que lhe compete no todo, em certo sentido, uma ordem hierárquica baseada nas tarefas<br />

específicas de cada classe. De forma mais específica, podemos dizer ainda que encontramos nas obras de Platão<br />

duas perspectivas do conceito de justiça: justiça como Idéia (forma pura) e justiça como virtude, ação do homem<br />

virtuoso. Na República, Platão expressa a idéia de que o melhor modo de viver é o viver praticando a justiça,<br />

correlacionando atos justos com uma alma sadia. A justiça é uma virtude que fundamenta e fortifica a alma.<br />

7<br />

Sem entrar diretamente no âmago desta discussão, pois a mesma foge ao propósito deste artigo, podemos dizer<br />

que, enquanto para Platão o Bem é transcendente em relação ao mundo sensível, para Aristóteles o Bem é<br />

imanente. Contudo, independentemente do caráter metafísico do “Bem”, mestre e discípulo concordam que ele é<br />

sempre o fim supremo e o objetivo a ser alcançado.<br />

5


A associação <strong>política</strong> tem por fim não só garantir a existência material de todos os<br />

indivíduos, senão, também, sua felicidade e virtude. E a virtude é um dos cuidados mais<br />

importante que o Estado deve ter por ele ser uma associação que visa o bem-estar dos<br />

indivíduos, o bem-estar das famílias, da coletividade, das diversas classes de habitantes. O<br />

Estado é uma associação onde as famílias reunidas em comunidades devem encontrar todo o<br />

desenvolvimento e todas as comodidades da existência, o que significa uma vida virtuosa e<br />

feliz. Portanto, é na cidade que o homem alcança, ou pode alcançar a vida perfeita e a<br />

felicidade. Somente na cidade-estado o homem será capaz de desenvolver todas as suas<br />

capacidades. A polis será aquela cidade que torna possível a felicidade obtida pela vida<br />

criativa da razão (bios theoretikos) e da vida virtuosa.<br />

A polis virtuosa pressupõe cidadãos virtuosos e é aquela capaz de realizar a natureza<br />

humana de acordo com suas potencialidades éticas e naturais. É na polis que a natureza<br />

humana se realiza. A virtude é uma disposição de caráter e uma tendência moderada a<br />

alcançar o justo meio ou a justa medida. É um hábito adquirido ou disposição para agir<br />

racionalmente em conformidade com o equilibro e a moderação. A tarefa da ética, junto com<br />

a da <strong>política</strong>, é orientar-nos para a aquisição deste hábito, a educação do caráter, tornando-nos<br />

virtuosos e prudentes, ou seja, tornando-nos aptos a deliberar ou discernir sobre o bom e o<br />

mau nas coisas, com respeito ao bem-viver na sua totalidade, e a cidade deve proporcionar as<br />

condições necessárias para que cada cidadão possa alcançar essa vida virtuosa que é<br />

necessária para se atingir a felicidade.<br />

Com isso, demonstra-se o vínculo existente entre virtudes, sociedade e a realização<br />

plena do ser humano (felicidade), de modo a deixar clara a estreita ligação, estabelecida por<br />

Aristóteles, entre ética e <strong>política</strong>. Ambas, em conjunto, definem as características que devem<br />

ser manifestas no bom cidadão. É dentro da sociedade <strong>política</strong>, e somente com prudência e<br />

virtude moral, que o homem conseguirá alcançar seu fim natural que é a felicidade. A ação<br />

virtuosa do bom cidadão 8 da polis é reconhecida naquele que segue a virtude moral que<br />

determina os bons princípios da ação e age de modo prudente.<br />

8<br />

Na República perfeita, o bom cidadão é ao mes mo tempo o homem de bem, entretanto, no Livro III de sua obra<br />

em questão, Aristóteles chega a diferenciar o bom cidadão do homem de bem, no sentido de que é possível ser<br />

um bom cidadão sem, necessariamente, ser um homem de bem e vice-versa. O que distingue um do outro é a<br />

virtude cívica. O bom cidadão é aquele que age em conformidade com as leis e a constituição, sem que para isso<br />

seja necessariamente um homem de bem, dotado das demais virtudes como a coragem, a temperança e a<br />

sabedoria.<br />

6


O ponto relevante da questão é mostrar que a ética aristotélica está intimamente ligada<br />

à vida cotidiana dos homens. Ela não transcende as atitudes dos cidadãos. Há uma<br />

interconexão necessária da vida individual com a comunitária, que para Aristóteles significa<br />

uma relação íntima entre ética e a <strong>política</strong>. “O homem de phronesis (aquele que<br />

prudentemente pensa e sente a realidade <strong>política</strong>) é o que deve habitar a „polis ideal‟”<br />

(SANTOS, 1997, p. 161).<br />

Ética e Política na Contemporaneidade<br />

Dissemos anteriormente que iríamos demonstrar como, nos dias de hoje, a ética<br />

paulatinamente tem se inserido no campo da <strong>política</strong> e é o que pretendemos fazer agora.<br />

Em primeiro lugar, vale ressaltar que, da necessidade de se pensar a ética no exercício<br />

do poder surgiu a necessidade de se criar os Conselhos de Ética 9 . Não nos cabe questionar ou<br />

analisar a forma como estes comitês têm sido dirigidos e por quem eles são presididos. Mas, o<br />

simples fato de terem sido criados já demonstra, por si só, o que temos defendido: a<br />

necessidade de inserir a ética no campo da <strong>política</strong>. As atividades dos Conselhos de Ética são<br />

regidas por um regulamento próprio, disposto, por exemplo, no Código de Ética da Câmara<br />

dos Deputados, que dispõe sobre os deveres, os atos incompatíveis e atentatórios ao Decoro<br />

Parlamentar, as penalidades, entre outros (CÓDIGO DE ÉTICA E DECORO<br />

PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001), e no respectivo Regimento<br />

Interno.<br />

Para o Deputado Aécio Nevez (PSDB-MG), então presidente da mesa da Câmara dos<br />

Deputados, que instituiu o Código de Ética e Decoro Parlamentar em 2001, o conceito de<br />

democracia representativa está diretamente relacionado com a ética na medida em que os<br />

cidadãos esperam transparência e responsabilidade de seus representantes, além de procurar<br />

deliberar sobre o bem-estar de todos, ou seja, o bem comum, o bem da coletividade, e não<br />

9<br />

Os Conselhos de Ética e Decoro Parlamentar foram criados dentro de seus respectivos âmbitos: Câmara dos<br />

Deputados ou do Senado, por exemplo. Alguns casos recentes, julgados pelos respectivos Conselhos de Ética,<br />

talvez ainda estejam na memória do leitor. No caso da Câmara dos Deputados, temos a investigação sobre o<br />

então Deputado Edmar Moreira (o deputado do “castelo”), cujo parecer fora presidido, inicialmente, pelo<br />

Deputado Sérgio Moraes (o deputado que afirmou que “pouco estava se lixando para a opinião pública). O caso<br />

teve grande repercussão nacional em 2009 pelo fato do deputado Edmar Moreira ser proprietário de um Castelo<br />

(isso mesmo, um Castelo) em Minas Gerais. Já em relação ao Senado temos o caso que ficou conhecido como<br />

“A Operação Navalha de Carne” que tratou das fraudes em licitações de obras da construção civil dos órgãos do<br />

governo, envolvendo o então presidente do Senado, Renan Calheiros e a Construtora Gautama. Para maiores<br />

detalhes sobre estes casos e outros, ver o site da Câmara e do Senado Federal, disponíveis em:<br />

;<br />

. Acessados em: 17/08/2010.<br />

7


seus próprios interesses pessoais 10 . “Esse é o pressuposto da democracia representativa – diz o<br />

Deputado – e da ação <strong>política</strong> ética” (apud CÓDIGO DE ÉTICA E DECORO<br />

PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001, p. 06).<br />

Outro fato tão importante quanto a criação dos Conselhos de Ética ocorreu no ano de<br />

2010. Um projeto de lei de iniciativa popular, conhecido como Projeto Ficha Limpa.<br />

Basicamente, esse projeto diz que nenhuma pessoa poderá se candidatar a qualquer cargo do<br />

poder executivo ou legislativo se tiver sido condenada por um colegiado de juízes.<br />

Curiosamente, todo indivíduo, aprovado em concurso público, só poderia assumir o<br />

cargo apresentando certidões negativas da Receita Federal e das Secretarias de Segurança<br />

Pública. Parece que o político – talvez se pudesse dar como justificativa o fato de não terem<br />

sido aprovados em concurso público – era o único funcionário público, representante do povo,<br />

que não tinha necessidade de demonstrar que tinha a “ficha limpa”. Ora, a aprovação deste<br />

Projeto bem pode ser caracterizada como uma “vitória” da ética no campo da <strong>política</strong>. É claro<br />

que esta não será a solução para os inúmeros problemas sociais e econômicos do nosso país,<br />

mas pelo menos irá impedir que candidatos corruptos e mal intencionados, desde que julgados<br />

e condenados pelo poder público, representem a nossa sociedade.<br />

As primeiras cassações e impugnações eleitorais já se fizeram sentir nas eleições de<br />

2010. Uma das primeiras candidaturas barradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi a<br />

do candidato a deputado estadual no Ceará, Francisco das Chagas Rodrigues Alves, por causa<br />

de uma condenação, no ano de 2006, por compra de votos na eleição de 2004 (PIRES, 2010).<br />

No dia 31 de agosto de 2010, o TSE decidiu, por 6 votos a 1, cassar a candidatura de Joaquim<br />

Roriz (PSC) ao cargo de governador do Distrito Federal 11 . O ex-governador ainda pode<br />

recorrer da decisão ao STF (Supremo Tribunal Federal) e está confiante que pode reverter a<br />

10<br />

Esta idéia de que os governantes devem zelar pelo bem comum da coletividade já fora defendida e pensada na<br />

Grécia Antiga por Platão e Aristóteles. É com base neste princípio que os dois filósofos dividem as formas de<br />

governo em justas e injustas. Platão e Aristóteles consideram como uma forma de governo justa, aquela em que<br />

o seu governante ou os governantes visem o bem comum e não seus próprios interesses (seja na Monarquia,<br />

Aristocracia ou República). Por outro lado, são injustas as formas de governo onde seus dirigentes visem antes o<br />

bem particular que o bem da coletividade (seja na Tirania, Oligarquia ou Demagogia).<br />

11<br />

O único dos sete ministros que votou a favor de Roriz, o ministro Marco Aurélio Mello, alegou que a lei não<br />

pode ser aplicada retroativamente. Isto porque a decisão foi tomada com base no fato de que em 2007, Roriz,<br />

então senador da República, havia renunciado ao cargo para evitar um processo que culminaria com a perda do<br />

mandato e dos direitos políticos, com base em conversas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal onde<br />

Roriz aparece negociando a partilha de um cheque de R$ 2,2 milhões do empresário Nenê Constantino, alegando<br />

que seria um empréstimo no valor de R$ 300 mil para a compra de uma bezerra. Acontece que a Lei Ficha<br />

Limpa prevê a inelegibilidade de um político que renuncia ao mandato precisamente para evitar processo<br />

disciplinar. O que chama atenção neste caso é a alegação do advogado de defesa de Roriz: “a renúncia em 2007<br />

era um ato lícito e não teria sido praticada se o autor [Roriz] tivesse a percepção extra-sensorial que três anos<br />

depois seria ilícita” (apud PIRES, 2010 – grifo nosso).<br />

8


situação: “Confio na Justiça do meu País! Confio no julgamento jurídico dos tribunais<br />

superiores, isentos de interesses e de paixões eleitorais” (apud PIRES, 2010). No dia seguinte,<br />

01 de setembro, foi a vez do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA) ter sido barrado pela<br />

“ficha limpa”, por ter renunciado ao mandato de senador em 2001, acusado de envolvimento<br />

no desvio de recursos públicos.<br />

Considerações Finais<br />

Porque há tanto desinteresse e desgosto, hoje em dia, quando se trata de <strong>política</strong>? A<br />

resposta a esta questão, além de fundamentada em Platão e Aristóteles, é inspirada na<br />

concepção Paulo Freiriana de que aquele que educa politiza e aquele que faz <strong>política</strong> educa. A<br />

população está sendo ensinada pela forma como a <strong>política</strong> vem sendo conduzida. Pessoas<br />

inescrupulosas, que se aproveitam de um cargo público visando primeiramente seus próprios<br />

interesses e, ainda quando visam o bem, tem algum interesse particular por trás. Platão chegou<br />

a afirmar que, quando fazemos a opção de nos omitir em relação as questões sociais e<br />

<strong><strong>política</strong>s</strong>, facilitamos o acesso de gente desqualificada que não se aproxima dos negócios<br />

públicos com boas intenções. O filósofo considera inclusive como um castigo, o ser<br />

governado por gente desqualificada e que deseja apenas riquezas e honrarias (347c). Mas não<br />

é exatamente isto o que acontece nos dias atuais? Pessoas desqualificadas, que se aproveitam<br />

da ignorância e da falta de interesse por parte da população em se tratando de questões<br />

públicas, que usam o poder público para obter vantagens particulares. Para o filósofo grego a<br />

única forma de tentar diminuir este castigo é constrangendo os bons a tomarem parte no<br />

governo. Sim, é preciso constrangê-los, já que eles não desejam riquezas e honrarias, e a<br />

<strong>política</strong> tal como no-la conhecemos, coloca a riqueza e as honrarias antes do bem-estar<br />

coletivo e comum.<br />

É impressionante como a ética tem sido um tema explorado nas campanhas <strong><strong>política</strong>s</strong><br />

para as eleições deste ano. A ética tem sido tão destacada pelos candidatos aos diferentes<br />

cargos do poder executivo e legislativo que temos até receio de que esteja se tornando uma<br />

estratégia de marketing eleitoral. É impossível dizer até que ponto o discurso <strong>ético</strong> presente<br />

em tantas campanhas eleitorais pode ser apenas um discurso com objetivo de convencimento<br />

ou um comprometimento político de fato.<br />

9


Portanto, para que as pessoas aprendam a ter um maior interesse pela polis e,<br />

consequentemente, pela <strong>política</strong>, é fundamental que aqueles que fazem <strong>política</strong>, em especial a<br />

<strong>política</strong> partidária, sejam inspirados numa ética que vise, antes de mais nada, o bem comum.<br />

Da mesma forma, é essencial que, ao aceitarmos o ponto de vista de filósofos como Pla tão e<br />

Aristóteles, a organização e administração de uma sociedade não possa ser vista como algo<br />

separado do caráter de seus governantes e administradores.<br />

Referências<br />

ARISTÓTELES. Ética a Nicomaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. 4. ed. São<br />

Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleção Os Pensadores).<br />

____. Política. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 1985.<br />

BARKER, Sir Ernest. Teoria Política <strong>Grega</strong>. Tradução de Sérgio Fernando Guarischi Bath.<br />

Brasília: UnB, 1978. (Col. Pensamento Político, 2).<br />

CHÂTELET, Fraçois; et all. História das idéias <strong><strong>política</strong>s</strong>. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,<br />

1985.<br />

CÓDIGO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS.<br />

Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001. (Série Textos básicos, n.<br />

26). Disponível em: < http://www2.camara.gov.br >. Acessado em: 15/08/2010.<br />

PIRES, Carol. TSE barra candidatura de Roriz com base na Lei Ficha Limpa. O Estadão.<br />

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