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os herdeiros do milenarismo do Contestado Celso Vianna ... - USP

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a que se chegou foi a de que a variedade<br />

de motiv<strong>os</strong>, de disp<strong>os</strong>ições subjetivas e de<br />

condições objetivas que constituíram <strong>os</strong><br />

fatores originais da opção tomada pel<strong>os</strong> que<br />

aderiram, acabou por concentrar-se dentro<br />

de uma linha de natureza eminentemente<br />

religi<strong>os</strong>a” (Monteiro, 1974, p. 214).<br />

Duglas Monteiro trouxe uma contribui-<br />

ção importante para a compreensão não só<br />

da Guerra <strong>do</strong> Contesta<strong>do</strong>, mas também de<br />

outr<strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> messiânic<strong>os</strong> brasileir<strong>os</strong>.<br />

Ele parte de uma constatação: <strong>os</strong> movimen-<br />

t<strong>os</strong> messiânic<strong>os</strong> são analisad<strong>os</strong>, na maioria<br />

das vezes, de uma perspectiva que implica<br />

um reducionismo. Esse reducionismo parte<br />

de alguns pressup<strong>os</strong>t<strong>os</strong>: de um la<strong>do</strong>, uma<br />

p<strong>os</strong>ição etnocêntrica que enxerga n<strong>os</strong> “fa-<br />

natism<strong>os</strong>” nada mais que a manifestação<br />

de um “atraso” das populações <strong>do</strong> sertão,<br />

como as afirmações de Euclides da Cunha<br />

bem o demonstram; por outro, uma atitude<br />

meto<strong>do</strong>lógica presente numa tradição racio-<br />

nalista, na qual religião é equacionada com<br />

ignorância e, ato seguinte, é tomada como<br />

mero epifenômeno a ser desconsidera<strong>do</strong>,<br />

ela é uma capa que esconde o que seria o<br />

essencial (Monteiro, 1974, p. 12). O autor<br />

cita uma frase que deveria ser considera-<br />

da como subtítulo de seu trabalho: “n<strong>os</strong><br />

redut<strong>os</strong> tinha mistério”. Partin<strong>do</strong> dela, ele<br />

afirma “que fica claro que a crise torna-se<br />

compreensível através da resp<strong>os</strong>ta que lhe<br />

é dada. É através dessa resp<strong>os</strong>ta que as<br />

contradições da ordem pretérita e o senti<strong>do</strong><br />

de suas instituições tornam-se inteligíveis.<br />

Por isto, em cas<strong>os</strong> como estes, um acesso<br />

privilegia<strong>do</strong> para a interpretação é da<strong>do</strong> pelo<br />

universo de significad<strong>os</strong> elabora<strong>do</strong> pel<strong>os</strong><br />

que a enfrentam” (Monteiro, 1974, p. 15).<br />

A contribuição desse autor, portanto, foi<br />

feita a partir de um deslocamento em que<br />

ele procurou captar o significa<strong>do</strong> que <strong>os</strong><br />

própri<strong>os</strong> agentes atribuíram às suas ações. A<br />

categoria <strong>do</strong> “mistério” não apenas fornece<br />

<strong>os</strong> sentid<strong>os</strong>, mas é realiza<strong>do</strong>ra de história,<br />

isto é, de ações concretas visan<strong>do</strong> modificar<br />

situações reais (Pompa, 1998, p. 187).<br />

Deixam<strong>os</strong> por último a extensa obra de<br />

Maria Isaura Pereira de Queiroz porque foi<br />

ela quem inaugurou a discussão d<strong>os</strong> movi-<br />

ment<strong>os</strong> messiânic<strong>os</strong> com uma abordagem<br />

sociológica e, num de seus últim<strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong><br />

a respeito <strong>do</strong> tema, procurou trabalhar o<br />

conceito de imaginário e <strong>os</strong> moviment<strong>os</strong><br />

messiânic<strong>os</strong> no Brasil. Bem resumidamente<br />

abordarem<strong>os</strong> <strong>os</strong> argument<strong>os</strong> centrais nas<br />

obras clássicas da autora (Pereira de Quei-<br />

roz, 1957, 1972, 1977, 1993-94).<br />

Longe de pensar a ecl<strong>os</strong>ão <strong>do</strong> movimento<br />

messiânico como uma crise estrutural, a<br />

autora o analisa sob o ponto de vista da<br />

continuidade, com relação à ordem passa-<br />

da, ou seja, ela acentua a conservação das<br />

hierarquias tradicionais no quadro santo.<br />

Dentro dessa concepção, ela vai concluir<br />

que <strong>os</strong> moviment<strong>os</strong> messiânic<strong>os</strong> p<strong>os</strong>suem<br />

um teor restaura<strong>do</strong>r e/ou conserva<strong>do</strong>r,<br />

sen<strong>do</strong> um d<strong>os</strong> fatores da continuidade <strong>do</strong><br />

sistema social. O movimento é entendi-<br />

<strong>do</strong> como fruto das tensões criadas pelas<br />

anomias. Portanto, ela descarta as razões<br />

de um p<strong>os</strong>sível “choque cultural” entre a<br />

comunidade sertaneja rústica e a sociedade<br />

ampla e moderna. Assim, o movimento<br />

advém pelo agravamento de uma condição<br />

de desorganização social que é endêmica<br />

no sertão; tal agravamento é decorrência de<br />

condições e fatores conjunturais.<br />

Maria Isaura Pereira de Queiroz, ci-<br />

tan<strong>do</strong> Michele Perrot (in Le Goff et alii,<br />

1986), afirma que o imaginário d<strong>os</strong> pov<strong>os</strong><br />

tem como fontes a religião, a ciência e a<br />

história. No caso <strong>do</strong> movimento messi-<br />

ânico, lança-se mão principalmente da<br />

história e da religião: as imagens de D.<br />

Sebastião e d<strong>os</strong> Doze Pares de França<br />

permanecem na consciência, no íntimo da<br />

população sertaneja. “Religião e história<br />

são componentes básic<strong>os</strong> d<strong>os</strong> moviment<strong>os</strong><br />

messiânic<strong>os</strong> aqui estudad<strong>os</strong>; o imaginário<br />

que a eles acompanha pertence ao mesmo<br />

tempo ao cristianismo e ao passa<strong>do</strong>. To-<br />

davia, para que passe a existir, trazen<strong>do</strong> o<br />

milagre para a vida cotidiana, foi neces-<br />

sário to<strong>do</strong> um conjunto de circunstâncias<br />

socioeconômicas e políticas, claramente<br />

encontradas em Canud<strong>os</strong> e Contesta<strong>do</strong>”<br />

(Pereira de Queiroz, 1993-94, p. 37). A<br />

ideia central, portanto, é a de se perguntar<br />

quais as razões que p<strong>os</strong>sibilitavam implan-<br />

tar o imaginário, latente durante tanto tem-<br />

po, na realidade. Assim, com as palavras<br />

REVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.82, p. 88-103, junho/ag<strong>os</strong>to 2009 97

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