Endometriose: menstruar é fisiológico? - Febrasgo
Endometriose: menstruar é fisiológico? - Febrasgo
Endometriose: menstruar é fisiológico? - Febrasgo
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Qu<strong>é</strong>sia Tamara Mirante Ferreira<br />
Villamil*<br />
CARTA AO EDITOR<br />
<strong>Endometriose</strong>: <strong>menstruar</strong> <strong>é</strong> <strong>fisiológico</strong>?<br />
A literatura a respeito da endometriose <strong>é</strong> extensa. Diversos grupos de pesquisa em todo o<br />
mundo não medem esforços na tentativa de destrinchar a complicada rede de fatores que interagem<br />
e produzem o fenótipo de uma doença que pode acabar com a qualidade de vida de uma<br />
mulher, trazendo dor e infertilidade.<br />
A mulher moderna, ocupada, competitiva se beneficiou da ciência e, com o surgimento da<br />
pílula anticoncepcional, se libertou do peso da maternidade não planejada. Podendo, então, se<br />
dedicar a assuntos diversos, à profissão, ao lazer, à ciência, não mais sendo escrava da maternidade<br />
como sua avó, que desde a adolescência já teve que assumir as responsabilidades de mãe e não<br />
pôde escolher outras atividades.<br />
As avós das atuais mulheres não podiam escolher. Assim que começavam a ciclar, adquiriam<br />
uma gravidez. Após o período de amamentação, tamb<strong>é</strong>m não ciclavam por muito tempo, pois<br />
logo viria uma nova gravidez. E assim, entre períodos de gravidez e lactação, sobrava muito<br />
pouco para <strong>menstruar</strong>.<br />
Quantas menstruações tinham as mulheres na era pr<strong>é</strong>-pílula? Se pensarmos numa jovem que<br />
teve a menarca aos 16 e a primeira gravidez aos 17, com 1 ano de amenorreia por lactação, e se esta<br />
jovem engravidou de novo 2 meses após o retorno do ciclo, e cerca de 1 ano e meio após o parto<br />
engravidou de novo, e de novo... at<strong>é</strong> os 30 anos, ela teria menstruado menos de 50 vezes.<br />
Sua neta, no s<strong>é</strong>culo 21, teve o menacne mais cedo, aos 10 anos. Aos 30 anos, se encontra em<br />
plena atividade laboral, com merecido destaque no mundo corporativo. Mas, para chegar aonde<br />
chegou, optou por não ter filhos. Para isso, teve que <strong>menstruar</strong>, mensalmente. Hoje, com 30<br />
anos, já menstruou cerca de 200 vezes, 400% a mais que suas avós.<br />
O que este acr<strong>é</strong>scimo de ciclos menstruais trouxe para as mulheres? Será que podemos responder,<br />
sem titubear: endometriose?<br />
A teoria mais aceita pra a gênese da endometriose se baseia no fato de que, a cada menstruação,<br />
c<strong>é</strong>lulas endometriais migram, pelas tubas, da cavidade uterina para a cavidade p<strong>é</strong>lvica, e<br />
se implantam no peritôneo 1 . De fato, evidências clínicas mostraram que ciclos ovulatórios têm<br />
efeitos delet<strong>é</strong>rios e são fatores determinantes no desenvolvimento e na persistência das lesões<br />
endometrióticas 2,3 . Não só o sangue menstrual refluído ciclicamente, mas a própria ovulação<br />
parece ser um fator negativo, pois a ruptura do folículo derrama grande quantidade de estradiol<br />
no peritôneo, alimentando possíveis focos endometrióticos 4 .<br />
* M<strong>é</strong>dica do Grupo de Pesquisa de <strong>Endometriose</strong> do Laboratório de Reprodução Humana Prof. Aroldo Fernando Camargos do Hospital das Clínicas da<br />
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Pós-graduanda (Mestrado) em Saúde da Mulher da UFMG; Especialista em Ginecologia e Obstetrícia<br />
pelo Hospital das Clínicas da UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil; Especialista em Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia pela Federação<br />
Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (<strong>Febrasgo</strong>/CBR)<br />
E-mail: quesia@nucleobemnascer.com.br
618<br />
FEMINA | Dezembro 2010 | vol 38 | nº 12<br />
Será que as mulheres do passado tinham menos endometriose? Se pensarmos que<br />
a lactação prolongada e múltiplas gestações são fatores de proteção para o surgimento<br />
desta doença, então a resposta <strong>é</strong> sim 5,6 .<br />
O grande drama da mulher pós-moderna <strong>é</strong> que, após ter menstruado por tantos<br />
anos, expondo sua pelve aos riscos de implantes endometrióticos, de repente ela decide<br />
ser mãe. E <strong>é</strong> aí que (cerca de) 10% das mulheres descobrem ter endometriose. De<br />
fato, metade das mulheres inf<strong>é</strong>rteis tem endometriose. E metade das mulheres com<br />
dor p<strong>é</strong>lvica, tamb<strong>é</strong>m 6 .<br />
<strong>Endometriose</strong>: será este, então, o preço que as mulheres terão que pagar por terem<br />
negado a si próprias a maternidade em troca de outras atividades? Será que <strong>menstruar</strong>,<br />
então, não <strong>é</strong> um evento <strong>fisiológico</strong>, e sim um fator de risco?<br />
Já existem recomendações para a suspensão do sangramento cíclico de mulheres<br />
com sintomas sugestivos de endometriose, mesmo ainda na adolescência 7 .<br />
Não <strong>menstruar</strong>, seria, então, a solução para as mulheres pós-modernas?<br />
Leituras suplementares<br />
1. Sampson JA. Metastatic or Embolic Endometriosis, due to the Menstrual Dissemination of Endometrial Tissue<br />
into the Venous Circulation. Am J Pathol. 1927;3(2):93-110.43.<br />
2. Olive DL, Schwartz LB. Endometriosis. N Engl J Med. 1993;328(24):1759-69.<br />
3. Olive DL, Pritts EA. Treatment of endometriosis. N Engl J Med. 2001;345(4):266-75.<br />
4. Bulun SE. Endometriosis. N Engl J Med. 2009;360(3):268-79.<br />
5. Missmer SA, Hankinson SE, Spiegelman D, Barbieri RL, Marshall LM, Hunter DJ. Incidence of laparoscopically<br />
confirmed endometriosis by demographic, anthropometric, and lifestyle factors. Am J Epidemiol.<br />
2004;160:784-9.<br />
5. Missmer SA, Hankinson SE, Spiegelman D, Barbieri RL, Malspeis S, Willett WC, et al. Reproductive history<br />
and endometriosis among premenopausal women. Obstet Gynecol. 2004;104(5 Pt 1):965-74.<br />
6. Giudice LC. Clinical Practive: endometriosis. N Engl J Med. 2010;362(25):2389-98.<br />
7. Laufer MR. Current approaches to optimizing the treatment of endometriosis in adolescents. Gynecol Obstet<br />
Invest. 2008;66 Suppl 1:19-27.