ursinhos, fraldinhas... por que as crianças se apegam tanto ... - Unitau
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Porém, este gesto de criar o mundo não <strong>se</strong> b<strong>as</strong>eia<br />
num fant<strong>as</strong>iar de<strong>se</strong>nfreado e <strong>se</strong>m vinculação com os<br />
dados da vida objetiva; o psiquismo poderá <strong>se</strong>r<br />
enri<strong>que</strong>cido com elementos da realidade externa <strong>que</strong>, <strong>por</strong><br />
possuir limites e contornos próprios, poderá refutar e<br />
submeter à prova a realidade interna; esta sim, <strong>por</strong> não<br />
ter freios, pode vir a tornar-<strong>se</strong> <strong>as</strong>sustadora. É esta a<br />
contribuição <strong>que</strong> a realidade externa poderá dar ao<br />
amadurecimento, pois quando os objetos do mundo<br />
compartilhado interagem com os elementos d<strong>as</strong> fant<strong>as</strong>i<strong>as</strong>,<br />
há um maior interes<strong>se</strong> pelos objetos reais, além do<br />
incremento considerável da vida imaginativa, do<br />
pensamento, curiosidade e pesquisa. Deste modo,<br />
conclui-<strong>se</strong> <strong>que</strong> a <strong>se</strong>nsorialidade dos objetos capturados<br />
via visão, paladar e cheiro, fornecerão detalhes reais às<br />
fant<strong>as</strong>i<strong>as</strong> <strong>as</strong>sim enri<strong>que</strong>cid<strong>as</strong>. Na perspectiva<br />
winnicottiana, a criança estaria mais apta a evocar o <strong>que</strong><br />
está realmente disponível, criando-<strong>se</strong> um ciclo benigno<br />
na relação com o externo.<br />
Progressivamente, a partir do encontro<br />
estimulante e criativo com os objetos do mundo<br />
compartilhado, irá ocorrerá um enri<strong>que</strong>cimento da<br />
<strong>se</strong>nsibilidade, da coordenação motriz, da <strong>se</strong>nsorialidade<br />
labial, olfativa, tátil além da afetividade. Winnicott<br />
denominou realização o modo pelo qual a criança<br />
adquire a sofisticada capacidade de criar e de <strong>se</strong><br />
relacionar com os objetos externos, distinguindo-os<br />
da<strong>que</strong>les do mundo subjetivo. Trata-<strong>se</strong>, como <strong>se</strong> pode<br />
depreender, de uma im<strong>por</strong>tante conquista do<br />
de<strong>se</strong>nvolvimento essa tarefa de constituir e de transitar<br />
pel<strong>as</strong> realidades. Ob<strong>se</strong>rvamos <strong>que</strong> distúrbios na<br />
realização podem levar <strong>as</strong> pesso<strong>as</strong> a viverem tão<br />
ancorad<strong>as</strong> na realidade externa <strong>que</strong> ficam impedid<strong>as</strong> de<br />
sonhar, fant<strong>as</strong>iar, atendo-<strong>se</strong> tão somente ao factual e<br />
ordinário d<strong>as</strong> situiações; outr<strong>as</strong>, ao contrário, produzem<br />
um sistema delirante no qual a realidade externa é<br />
<strong>se</strong>mpre capturada como um fenômeno subjetivo.<br />
Por todo o descrito acima, conclui-<strong>se</strong> <strong>que</strong> o<br />
objeto transicional é único e insubstituível, não devendo<br />
ter su<strong>as</strong> qualidades alterad<strong>as</strong> ao <strong>se</strong>r limpo, polido ou<br />
renovado. Perdê-lo antes <strong>que</strong> a criança tenha podido<br />
dispensá-lo pode <strong>se</strong>r des<strong>as</strong>troso: resultará não em perda<br />
do objeto, m<strong>as</strong> do “eu” e do <strong>se</strong>ntido da existência,<br />
sobrevindo reações de mar<strong>as</strong>mo e <strong>as</strong> angústi<strong>as</strong><br />
impensáveis 4 , de efeitos cat<strong>as</strong>tróficos. É toda uma<br />
possibilidade de enlace <strong>que</strong> <strong>se</strong> perde:<br />
4 Winnicott refere-<strong>se</strong> às agoni<strong>as</strong> primitiv<strong>as</strong>, de natureza psicótica, como reação<br />
ao <strong>se</strong>ntimento de <strong>que</strong> o núcleo do <strong>se</strong>lf foi violado e experimentou ameaça de<br />
descontinuidade ou aniquilamento. Resultam de traum<strong>as</strong> ocorridos no estágio<br />
de dependência absoluta, período no qual a criança não tem defes<strong>as</strong>, tais como<br />
a capacidade de repre<strong>se</strong>ntar, pensar o <strong>que</strong> <strong>se</strong> p<strong>as</strong>sa com ela: a agonia<br />
av<strong>as</strong>saladora <strong>que</strong> subjaz é impensável. O autor relaciona angústi<strong>as</strong> primitiv<strong>as</strong>,<br />
tais como a perda da relação com o próprio corpo, do <strong>se</strong>ntido de real, o<br />
<strong>se</strong>ntimento de <strong>que</strong>da infinita, desintegração, despedaçamento somático e<br />
incomunicabilidade. A propósito, ler O medo do colapso (Breakdown). In:<br />
Explorações Psicanalític<strong>as</strong> D. W. Winnicott. Porto Alegre: Artes Médic<strong>as</strong>,<br />
1994.<br />
“O bebê quando perde o objeto transicional perde<br />
ao mesmo tempo a boca e o <strong>se</strong>io, a mão e a pele da mãe,<br />
a criatividade e a percepção objetiva. O objeto é uma d<strong>as</strong><br />
pontes <strong>que</strong> tornam possível o contato entre a psi<strong>que</strong> do<br />
indivíduo e a realidade externa.” (WINNICOTT, 1980, p.<br />
176).<br />
Podemos nos interrogar agora acerca do destino<br />
desta relação tão poderosa <strong>que</strong> <strong>se</strong> instalou. Ocorre <strong>que</strong> a<br />
própria criança vai dar sinais de <strong>que</strong> pode <strong>se</strong> <strong>se</strong>parar do<br />
objeto transicional, <strong>que</strong> então sim poderá <strong>se</strong>r dispensado<br />
<strong>se</strong>m dor e <strong>se</strong>m pranto, pois <strong>que</strong> <strong>se</strong> tornou <strong>se</strong>m significado<br />
para ela. Winnicott (1988) vislumbrou na brincadeira do<br />
bebê <strong>que</strong> atira longe os brin<strong>que</strong>dos para <strong>que</strong> alguém os<br />
recupere, a experiência de lidar com a <strong>se</strong>paração, <strong>se</strong>ndo<br />
indicador da possibilidade de <strong>se</strong> desmamar. Os objetos<br />
transicionais, quando <strong>se</strong> esgotam, não são alvo de<br />
repressão, es<strong>que</strong>cidos ou pranteados, apen<strong>as</strong> relegados<br />
ao limbo (WINNICOTT, 1994). A <strong>se</strong>paração não<br />
implicará em perda e isolamento, podendo o<br />
de<strong>se</strong>nvolvimento, avançar às etap<strong>as</strong> de transição.<br />
Referimo-nos aos objetos transicionais e à im<strong>por</strong>tância<br />
<strong>que</strong> eles cheguem a um bom termo; contudo, na medida<br />
em <strong>que</strong> os processos de amadurecimento evoluem, eles<br />
dão lugar aos fenômenos transicionais <strong>que</strong> nunca cessam,<br />
espraiando-<strong>se</strong> pelos interes<strong>se</strong>s culturais, atividades<br />
artístic<strong>as</strong> e experiênci<strong>as</strong> religios<strong>as</strong>.<br />
Tal processo é também explicitado no filme, no<br />
relato da perda da bolsa. Anna parece amputada de uma<br />
parte de si, sobrevêm o pânico, <strong>as</strong> perturbações<br />
somátic<strong>as</strong>, uma angústia av<strong>as</strong>saladora. Mais uma vez ela<br />
buscou refúgio junto à<strong>que</strong>le <strong>que</strong> <strong>se</strong>mpre estava lá: o<br />
Árvore. “Sem a bolsa eu sinto medo.”, alegava a jovem<br />
tentando explicar à freira a qual não compreendia a<br />
intensidade d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> reações. Esta entende <strong>que</strong> é hora da<br />
jovem lidar com o <strong>que</strong> lhe faltava, su<strong>por</strong>tando o dissabor<br />
da ausência e da espera, ensinando-a a orar. Falou-lhe<br />
profundamente da pos<strong>se</strong> definitiva de Deus dentro de<br />
nós; ao final da conversa a garota <strong>se</strong>ntia-<strong>se</strong> grata e em<br />
paz, além do <strong>que</strong> descobriu sua vocação. “Descobri uma<br />
parte de mim na oração.”<br />
Outro <strong>as</strong>pecto relativo à transicionalidade<br />
evidenciado no filme <strong>se</strong> p<strong>as</strong>sa quando a pe<strong>que</strong>na Anna<br />
<strong>se</strong>ntiu necessidade de nomear a “sua” árvore, como<br />
fazem tod<strong>as</strong> <strong>as</strong> crianç<strong>as</strong> neste processo de apropriação do<br />
objeto. Fruto da mais absoluta singularidade, essa<br />
denominação <strong>por</strong> vezes monossilábica e “estranha”, lhes<br />
<strong>as</strong><strong>se</strong>gura a pos<strong>se</strong> definitiva sobre ele. O objeto<br />
transicional pleno precisa <strong>se</strong>r denominado, apelidado,<br />
<strong>por</strong><strong>que</strong> tem vitalidade para a criança, possui calor,<br />
<strong>se</strong>ntimentos, dialoga e em contrapartida, pode entendê-la<br />
e conferir-lhe um <strong>se</strong>nso de existência. Em outr<strong>as</strong><br />
palavr<strong>as</strong>, o relacionamento e o uso des<strong>se</strong> objeto <strong>por</strong> ela<br />
animado lhe permite a fruição do viver. Difere<br />
consideravelmente dos objetos autísticos (TUSTIN,<br />
1975) <strong>que</strong> são bizarros, rígidos e <strong>por</strong><strong>tanto</strong>, imanejáveis,