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O Contrato de Seguro e a Regulação do Sinistro - IBDS

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O CONTRATO DE SEGURO E A REGULAÇÃO DO SINISTRO<br />

1. Concepção sistêmica da obrigação<br />

Humberto Theo<strong>do</strong>ro Júnior 1<br />

SUMÁRIO: 1. Concepção sistêmica da obrigação. 2. Conteú<strong>do</strong><br />

da obrigação. 3. O contrato <strong>de</strong> seguro e o <strong>de</strong>ver da boa-fé. 4.<br />

<strong>Regulação</strong> <strong>do</strong> sinistro. 5. Conceito <strong>de</strong> regulação <strong>de</strong> sinistro. 6.<br />

Efeitos materiais da regulação. 7. Efeitos processuais da<br />

regulação. 8. Valor probante <strong>do</strong>s elementos colhi<strong>do</strong>s durante o<br />

procedimento regulatório. 9. Direito <strong>de</strong> aceso ao conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

procedimento. 10. A teoria <strong>do</strong>s atos próprios e o comportamento<br />

das partes durante a regulação <strong>do</strong> sinistro. 11. Conclusões.<br />

Em lugar da antiga visão estática da relação obrigacional, o direito mo<strong>de</strong>rno a encara<br />

<strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista dinâmico. Além, pois da estrutura (elementos que a compõem),<br />

consi<strong>de</strong>ra as funções que <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sempenhar (finalida<strong>de</strong>s visadas pelo vínculo<br />

jurídico)2.<br />

Nessa perspectiva dinâmica, a obrigação se apresenta como “um processo”, em que a<br />

relação obrigacional se configura como algo complexo que se enca<strong>de</strong>ia e se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bra<br />

numa sucessão <strong>de</strong> atos em direção a um fim: o adimplemento, ou satisfação <strong>do</strong>s<br />

interesses <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r. “O adimplemento atrai e polariza a obrigação. É o seu fim”3. O<br />

tratamento teleológico da obrigação <strong>de</strong>ve, por isso, permear to<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> da relação<br />

obrigacional, permitin<strong>do</strong> <strong>de</strong>tectar to<strong>do</strong>s os seus elementos – <strong>de</strong>veres e po<strong>de</strong>res – bem<br />

como lhes <strong>de</strong>finir o senti<strong>do</strong> e os limites.<br />

O direito mo<strong>de</strong>rno não se contenta com a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s elementos da relação<br />

obrigacional. O mais importante resi<strong>de</strong> no seu aspecto dinâmico, nas fases <strong>de</strong> seu<br />

1 Professor Titular da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da UFMG. Desembarga<strong>do</strong>r Aposenta<strong>do</strong> <strong>do</strong> TJMG. Doutor em<br />

Direito. Advoga<strong>do</strong>.<br />

2 NORONHA, Fernan<strong>do</strong>. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, v. I, n. 1.6.1, p. 76.<br />

3 SILVA, Clóvis <strong>do</strong> Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 5.


<strong>de</strong>senvolvimento e na interligação e inter<strong>de</strong>pendência entre elas. Fala-se <strong>do</strong> vínculo<br />

obrigacional como “o programa da obrigação” (HECK). Como processo – anota<br />

COUTO E SILVA – a obrigação compõe-se, em senti<strong>do</strong> lato, <strong>do</strong> "conjunto <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s necessárias à satisfação <strong>do</strong> interesse <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r". Explica, mais, o civilista:<br />

2. Conteú<strong>do</strong> da obrigação<br />

"Os atos pratica<strong>do</strong>s pelo <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r, bem assim como os realiza<strong>do</strong>s pelo<br />

cre<strong>do</strong>r, repercutem no mun<strong>do</strong> jurídico, nele ingressam e são dispostos<br />

e classifica<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> uma or<strong>de</strong>m, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se aos conceitos<br />

elabora<strong>do</strong>s pela teoria <strong>do</strong> direito. Esses atos, evi<strong>de</strong>ntemente, ten<strong>de</strong>m a<br />

um fim. É precisamente a finalida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>termina a concepção da<br />

obrigação como processo" 4.<br />

Polarizada a relação obrigacional pela finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo, o conteú<strong>do</strong> da obrigação<br />

(direitos e obrigações das partes) não se restringe à previsões expressas <strong>do</strong>s<br />

contratantes. Vai além e inclui prestações e comportamentos impostos pela lei e pelos<br />

costumes como necessários ao perfeito adimplemento (finalida<strong>de</strong> da obrigação) 5.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>tectadas, em função <strong>do</strong> fim da relação obrigacional,<br />

<strong>de</strong>veres principais (ou primários), <strong>de</strong>veres secundários (ou acessórios) e <strong>de</strong>veres fiduciários<br />

(ou anexos, laterais, meros <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> conduta).<br />

Os <strong>de</strong>veres principais ou essenciais são os que dizem respeito às "prestações nucleares da<br />

obrigação", isto é, "aquelas que satisfazem diretamente o interesse <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r, ou<br />

quan<strong>do</strong> haja duas ou mais partes, os interesses <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las. Por isso os <strong>de</strong>veres<br />

principais são a razão <strong>de</strong> ser da própria relação obrigacional, que sem eles não<br />

existiria" 6.<br />

4 SILVA, Clóvis <strong>do</strong> Couto e. A obrigação como processo cit., p. 10.<br />

5 No estágio atual <strong>do</strong> direito das obrigações, “el sistema tradicional <strong>de</strong> los conceptos <strong>de</strong> eficacia e ineficacia <strong>de</strong> los<br />

contratos se ha visto también altera<strong>do</strong>. En to<strong>do</strong> caso los códigos civiles más mo<strong>de</strong>rnos y sobre to<strong>do</strong> la<br />

legislación especial y su explicación por la <strong>do</strong>ctrina han incorpora<strong>do</strong> la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> la integración <strong>de</strong>l contrato, es <strong>de</strong>cir la<br />

formulación <strong>de</strong> la total norma regula<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> la relación contractual, integrada por la Ley imperativa <strong>de</strong> conduta<br />

positiva, la lei Dispositiva, la Lex Contractus, la Lei Dispositiva, la Costumbre y los principios generales <strong>de</strong>l Derecho: pluralidad<br />

<strong>de</strong> las fuentes <strong>de</strong> integración y la or<strong>de</strong>nación jerárquica <strong>de</strong> las fuentes” (AMIGO, Manuel Garcia. El contrato en<br />

la perspectiva comunitaria. In: (coord.) MONTEIRO, António Pinto. <strong>Contrato</strong>s: Actualida<strong>de</strong> e Evolução. Un.<br />

Católica Portuguesa: Porto, 1997, p. 300).<br />

6 NORONHA, Fernan<strong>do</strong>. Direito das obrigações cit., n. 1.6.2, p. 79. Na compra e venda, por exemplo, são <strong>de</strong>veres<br />

principais a transferência <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio e o pagamento <strong>do</strong> preço.<br />

2


Deveres acessórios referem-se a prestações <strong>de</strong>terminadas e exigíveis em razão <strong>do</strong> vínculo<br />

obrigacional, mas que são diversas daquelas que caracterizam a obrigação, muito<br />

embora estejam diretamente ligadas à realização <strong>de</strong>stas. Admitem, porém, exigibilida<strong>de</strong><br />

autônoma 7.<br />

Por fim, os <strong>de</strong>veres fiduciários ou anexos não se referem propriamente a prestações<br />

especificadas, mas apontam para mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> comportamento que legitimamente são<br />

espera<strong>do</strong>s <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com os padrões socialmente recomenda<strong>do</strong>s e que se traduzem<br />

nas idéias <strong>de</strong> correção, lisura e lealda<strong>de</strong> entre os sujeitos <strong>do</strong> vínculo obrigacional.<br />

Caracterizam o <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> "princípio da boa-fé contratual" 8.<br />

Não é possível relacionar todas as hipóteses em que se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bra o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> boa-fé,<br />

nem estabelecer uma fórmula <strong>de</strong> fixação <strong>do</strong> seu conteú<strong>do</strong> aplicável a todas as situações<br />

que surgem na convivência social. Tal fixação somente se dará caso a caso, segun<strong>do</strong> as<br />

circunstâncias em que a atuação das partes se concretizou, conforme a natureza da<br />

relação, a situação sócio-econômica <strong>do</strong>s agentes e muitos outros fatores 9.<br />

No fun<strong>do</strong> e em síntese, os <strong>de</strong>veres anexos ou <strong>de</strong> mera conduta, a que se refere o<br />

princípio da boa-fé objetiva, "traduzem-se em <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> cooperação com a<br />

contraparte" 10. Como não se po<strong>de</strong> antecipadamente especificar, diante <strong>do</strong> negócio<br />

jurídico, qual seria o <strong>de</strong>ver anexo exigível, seu <strong>de</strong>scumprimento somente po<strong>de</strong> ser<br />

analisa<strong>do</strong> e <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> consumada a infração da conduta leal necessária.<br />

Nessa altura, a comprovação <strong>do</strong> comportamento contrário a boa-fé representará ato<br />

ilícito, cuja sanção será, em regra, a imposição <strong>do</strong> <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar o prejuízo causa<strong>do</strong><br />

à contraparte 11.<br />

Quan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> boa-fé é viola<strong>do</strong>, anterior ou concomitantemente à consumação<br />

<strong>do</strong> negócio jurídico, a ilicitu<strong>de</strong> configurará <strong>do</strong>lo, que, como vício <strong>de</strong> consentimento,<br />

7 NORONHA, Fernan<strong>do</strong>. Direito das obrigações cit., n. 1.6.2, p. 79. Em qualquer obrigação ao cre<strong>do</strong>r compete, por<br />

exemplo, <strong>de</strong>ver acessório <strong>de</strong>, após o adimplemento, dar a quitação ao <strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r. É também o caso <strong>de</strong> sujeição á<br />

multa contratual ou aos juros <strong>de</strong> mora, quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>scumpre a prestação <strong>de</strong>vida ou se retarda a sua satisfação.<br />

8 NORONHA, Fernan<strong>do</strong>. Direito das obrigações cit., n. 1.6.2, p. 80. Entre os <strong>de</strong>veres anexos ou fiduciários, citam-se<br />

os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> cuida<strong>do</strong>, previdência e segurança, os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> aviso e esclarecimento; os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> informação,<br />

o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> prestar contas, os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> colaboração e cooperação, os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> proteção e cuida<strong>do</strong> com a<br />

pessoa e o patrimônio da contraparte, os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> omissão e <strong>de</strong> segre<strong>do</strong> (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé<br />

no direito priva<strong>do</strong>. São Paulo: RT, 1999, p. 439).<br />

9 PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilida<strong>de</strong> civil pré-contratual: teoria geral e responsabilida<strong>de</strong> pela ruptura das<br />

negociações contratuais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2001, p. 86-87.<br />

10 NORONHA, Fernan<strong>do</strong>. Direito das obrigações cit., n. 1.6.2, p. 80.<br />

11 NORONHA, Fernan<strong>do</strong>. Direito das obrigações cit., n. 1.6.2, p. 82.<br />

3


autorizará sua invalidação (Cód. Civ., art. 147). Quan<strong>do</strong>, outrossim, o <strong>de</strong>ver anexo<br />

viola<strong>do</strong> se apresenta como uma obrigação <strong>de</strong> fazer (prestar uma informação, exibir um<br />

<strong>do</strong>cumento ou uma coisa etc.), po<strong>de</strong>rá a parte prejudicada a<strong>do</strong>tar as providências<br />

coercitivas próprias <strong>de</strong>stas obrigações, inclusive a multa cominatória (CPC, art. 461).<br />

O alargamento <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> contrato, para além da vonta<strong>de</strong> expressa das partes,<br />

por meio <strong>de</strong> uma intervenção heterônoma (legal ou judicial), no campo <strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres<br />

paralelos (sob inspiração em finalida<strong>de</strong>s sociais e éticas), atenua a distinção entre a<br />

responsabilida<strong>de</strong> contratual e a responsabilida<strong>de</strong> extracontratual. “De fato” - aduz<br />

TERESA NEGREIROS – “o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> contrato amplia-se, por força da boa-fé,<br />

para além das obrigações estritamente contratuais. Ao la<strong>do</strong> das obrigações que não<br />

existiriam fora <strong>do</strong> contrato, a boa-fé passou a incluir no contexto contratual o <strong>de</strong>ver<br />

geral <strong>de</strong> não causar dano, em todas as suas múltiplas especificações. Este o campo <strong>de</strong><br />

atuação <strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres instrumentais” 12.<br />

3. O contrato <strong>de</strong> seguro e o <strong>de</strong>ver da boa-fé<br />

Como se não bastasse a regra geral que manda observar o princípio da boa-fé e<br />

lealda<strong>de</strong>, na formação e cumprimento <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os contratos (Cód. Civil, art. 422), no<br />

caso <strong>do</strong> seguro, o art. 765 <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> estatuto legal é expresso na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> que<br />

as partes “<strong>de</strong>verão guardar na conclusão e execução <strong>do</strong> contrato a mais estrita boa-fé e<br />

veracida<strong>de</strong> tanto a respeito <strong>do</strong> objeto como das circunstâncias e <strong>de</strong>clarações a ele<br />

concernentes”. Boa-fé, no senti<strong>do</strong> objetivo em que a invocam o arts. 422 e 765 é<br />

sinônimo <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong> ou correção. Pelo princípio da boa-fé, portanto, as partes se<br />

acham obrigadas “a atuar com a máxima honestida<strong>de</strong> na interpretação <strong>do</strong>s termos <strong>do</strong><br />

contrato e na <strong>de</strong>terminação <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s compromissos assumi<strong>do</strong>s”. Quer isto<br />

dizer que, no caso <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro, “o segura<strong>do</strong> se obriga a <strong>de</strong>screver com<br />

clareza e precisão a natureza <strong>do</strong> risco que <strong>de</strong>seja cobrir, assim como ser verda<strong>de</strong>iro em<br />

todas as <strong>de</strong>clarações posteriores, relativas a possíveis alterações <strong>do</strong> risco ou a<br />

ocorrência <strong>de</strong> sinistro. O segura<strong>do</strong>r, por seu la<strong>do</strong>, é obriga<strong>do</strong> a dar informações exatas<br />

sobre o contrato e redigir o seu conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma clara para que o segura<strong>do</strong> possa<br />

compreen<strong>de</strong>r os compromissos assumi<strong>do</strong>s por ambas as partes” 13.<br />

12 NEGREIROS, Teresa. Teoria <strong>do</strong> contrato. Novos paradigmas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar: 2002, p. 153-154.<br />

13 DELGADO, José Augusto. Comentários ao novo Código Civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2004, v. XI, t. I, p. 200.<br />

4


Agir, portanto, <strong>de</strong> forma incompatível com a veracida<strong>de</strong> viola o princípio da boa-fé e<br />

compromete a valida<strong>de</strong> <strong>do</strong> negócio jurídico. Nesse senti<strong>do</strong> po<strong>de</strong>-se afirmar que:<br />

“A função <strong>do</strong> princípio da veracida<strong>de</strong> é não conduzir a parte contrária<br />

ao engano. Ele <strong>de</strong>corre da boa-fé e evita práticas abusivas, simuladas e<br />

enganosas no trato <strong>do</strong>s negócios jurídicos.<br />

As partes obrigam-se a atuar <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que as suas <strong>de</strong>clarações<br />

exprimam a mais absoluta verda<strong>de</strong>. Devem <strong>de</strong>clarar os fatos com<br />

exatidão e realida<strong>de</strong>, a fim <strong>de</strong> que os efeitos <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro<br />

não gerem vantagens in<strong>de</strong>vidas e contrárias ao direito” 14.<br />

É em razão da sistemática e finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro que, a seu respeito, se<br />

valoriza, ainda mais, a observância <strong>do</strong> princípio da boa-fé e <strong>do</strong>s <strong>de</strong>veres que <strong>de</strong>le<br />

dimanam. Suas repercussões vão muito além <strong>do</strong>s interesses individuais das partes<br />

contratantes, refletin<strong>do</strong> sobre gran<strong>de</strong>s grupos sociais, e pon<strong>do</strong> em jogo relevantes<br />

valores econômicos.<br />

O seguro, tal como é pratica<strong>do</strong> em nosso tempo, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser contrato aleatório para<br />

ser trata<strong>do</strong> como negócio comutativo em que o segura<strong>do</strong>r assume a obrigação <strong>de</strong><br />

prestar garantia ao segura<strong>do</strong> mediante o pagamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> preço, garantia<br />

essa que se apóia numa poupança programada e realizada com recursos capta<strong>do</strong>s junto<br />

a um grupo <strong>de</strong> participantes <strong>de</strong> cobertura similar proporcionada pelo mesmo<br />

segura<strong>do</strong>r.<br />

Se entre a eventual in<strong>de</strong>nização no caso <strong>de</strong> sinistro e o prêmio pago não existe<br />

equivalência econômica, o certo é que nenhum contrato <strong>de</strong> seguro se pratica<br />

isoladamente, mas sempre <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> operações, on<strong>de</strong> várias pessoas<br />

sujeitas ao mesmo risco integram um plano comum <strong>de</strong> cobertura. A segura<strong>do</strong>ra,<br />

fundan<strong>do</strong>-se nos princípios da mutualida<strong>de</strong> e da estatística atuarial, estipula prêmios<br />

que formam um capital capaz <strong>de</strong> cobrir os danos previsíveis e proporcionar-lhe um<br />

lucro para remunerar-lhe os serviços <strong>de</strong> gestão <strong>do</strong> fun<strong>do</strong> comum. Outrossim, só po<strong>de</strong><br />

atuar no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> seguro empresa autorizada pelo governo e que observe planos <strong>de</strong><br />

segurida<strong>de</strong> previamente aprova<strong>do</strong>s pelo órgão público competente.<br />

14 DELGADO, José Augusto. Comentários ao novo Código Civil cit, v. XI, t. I, p. 202.<br />

5


Dentro <strong>de</strong>sse esquema funcional, o contrato <strong>de</strong> seguro não po<strong>de</strong> ser analisa<strong>do</strong><br />

isoladamente, sob pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>snaturá-lo em simples negócio <strong>de</strong> jogo ou aposta, aí sim<br />

negócio puramente aleatório. Uma vez, porém, inseri<strong>do</strong> na mutualida<strong>de</strong> global <strong>do</strong><br />

sistema, o seguro correspon<strong>de</strong> a uma ativida<strong>de</strong> empresarial cujo exercício nada tem <strong>de</strong><br />

aleatório e que se <strong>de</strong>senvolve técnica e profissionalmente em clima <strong>de</strong> comutativida<strong>de</strong><br />

estabeleci<strong>do</strong> à base da comunhão <strong>do</strong>s riscos e <strong>do</strong>s respectivos custos. Não há especulação<br />

sobre sorte ou azar. As prestações <strong>do</strong>s diversos participantes - segura<strong>do</strong>r e segura<strong>do</strong>s -<br />

aparecem <strong>de</strong> plano <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento da celebração <strong>do</strong> contrato.<br />

CALMON DE PASSOS muito bem <strong>de</strong>monstra a natureza jurídica da ativida<strong>de</strong><br />

securitária, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong> sua correlação com o terreno <strong>do</strong>s interesses coletivos e<br />

transindividuais:<br />

"A <strong>do</strong>utrina contemporânea já precisou a natureza peculiar <strong>do</strong><br />

contrato <strong>de</strong> seguro. É ele um contrato comutativo, em verda<strong>de</strong> um<br />

negócio jurídico coletivo, integra<strong>do</strong> pelos muitos atos individuais que<br />

aportam para o fun<strong>do</strong> comum os recursos tecnicamente exigi<strong>do</strong>s para<br />

segurança <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s em relação às incertezas <strong>do</strong> futuro. A massa<br />

comum <strong>do</strong>s recursos financeiros a ninguém pertence, em termos <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> individual, sen<strong>do</strong> algo em aberto e permanentemente<br />

disponível para aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s que surjam e para cuja<br />

satisfação foi constituída" 15.<br />

No dizer <strong>de</strong> PONTES DE MIRANDA, logo que pactua<strong>do</strong> o seguro, ambas as partes<br />

prestam e contraprestam. Não é a in<strong>de</strong>nização <strong>do</strong> sinistro o objeto da prestação <strong>do</strong><br />

segura<strong>do</strong>r. Esse pagamento é eventual. O certo é que, por força <strong>do</strong> contrato o<br />

segura<strong>do</strong> presta, pagan<strong>do</strong> o prêmio, e "o segura<strong>do</strong>r contrapresta seguran<strong>do</strong>, assumin<strong>do</strong><br />

a álea" 16.<br />

Como o valor <strong>do</strong>s prêmios e a cobertura <strong>do</strong>s sinistros previsíveis <strong>de</strong>terminam a<br />

formação <strong>do</strong> capital comum, sobre cuja liqui<strong>de</strong>z se assenta a garantia <strong>do</strong>s segura<strong>do</strong>s, é<br />

fácil <strong>de</strong> entrever o forte cunho social <strong>de</strong> que se reveste o sistema. Natural, portanto,<br />

que se exija maior rigor na submissão <strong>do</strong>s contratantes aos ditames da boa-fé.<br />

Qualquer liberalida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>vida ou frau<strong>de</strong> na in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> um sinistro ou na<br />

<strong>de</strong>terminação <strong>do</strong> prêmio individual po<strong>de</strong> comprometer o sucesso da operação coletiva.<br />

15 PASSOS, Calmon <strong>de</strong>. A ativida<strong>de</strong> securitária e sua fronteira com os interesses transindividuais.<br />

Responsabilida<strong>de</strong> da SUSEP e competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, Revista <strong>do</strong>s Tribunais, v. 763, p. 95, 1999.<br />

6


Ao segura<strong>do</strong>r, nessa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> idéias, cumpre não apenas pagar as in<strong>de</strong>nizações<br />

previstas, mas controlar e zelar para que somente se in<strong>de</strong>nizem os sinistros previstos<br />

no seguro e apenas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s limites e condições nele estatuí<strong>do</strong>s. Do ponto <strong>de</strong> vista<br />

coletivo, cabe ao segura<strong>do</strong>r, em outras palavras, administrar os valores constitutivos<br />

<strong>do</strong> capital comum, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a tornar tecnicamente possível o funcionamento <strong>do</strong><br />

mecanismo securitário. Este será normal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que manti<strong>do</strong> em nível suficiente para<br />

proporcionar um lucro ao segura<strong>do</strong>r e, acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, garantir a prestação <strong>de</strong><br />

segurança <strong>de</strong>vida aos segura<strong>do</strong>s 17.<br />

Os interesses em jogo no negócio <strong>de</strong> seguro, <strong>de</strong>ssa maneira, ultrapassam os <strong>do</strong>s<br />

signatários <strong>de</strong> cada contrato, para abarcar to<strong>do</strong> o grupo que necessariamente se forma<br />

em torno <strong>do</strong> risco comum assumi<strong>do</strong> pelo segura<strong>do</strong>r. Daí po<strong>de</strong>r-se falar numa função<br />

social relevante <strong>de</strong>sempenhada pelo contrato <strong>de</strong> seguro, em atenção à tarefa<br />

cataliza<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>sempenhada pelo segura<strong>do</strong>r para tornar operacional a mutualida<strong>de</strong> em<br />

torno da cobertura <strong>do</strong> risco comum.<br />

4. <strong>Regulação</strong> <strong>do</strong> sinistro<br />

O <strong>de</strong>ver contraí<strong>do</strong> pelo segura<strong>do</strong>r é <strong>de</strong> imediato prestar garantia ao segura<strong>do</strong> contra o<br />

risco <strong>de</strong> dano previsto no contrato <strong>de</strong> seguro 18. Com isto, a preocupação econômica<br />

com a possibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> prejuízo sai da esfera <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> e passa para a <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r.<br />

Com isto a prestação <strong>de</strong> garantia é realizada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo pelo segura<strong>do</strong>r 19. A<br />

in<strong>de</strong>nização <strong>do</strong> prejuízo é eventual e somente será obrigação <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r se e quan<strong>do</strong><br />

ocorri<strong>do</strong> o dano previsto no contrato. Aí, então, o dano temi<strong>do</strong>, tornan<strong>do</strong>-se<br />

realida<strong>de</strong>, fará nascer para o segura<strong>do</strong> o direito <strong>de</strong> exigir a competente obrigação <strong>de</strong><br />

prestá-la. Como os recursos utilizáveis para promover a in<strong>de</strong>nização integram o<br />

sistema da mutualida<strong>de</strong>, manti<strong>do</strong> pelo fun<strong>do</strong> comum forma<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o grupo <strong>de</strong><br />

16 MIRANDA, Pontes <strong>de</strong>. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito Priva<strong>do</strong>. 3. ed. São Paulo: RT, 1984, v. 45, p. 286.<br />

17 TORRE, Antonio La. La disciplina giuridica <strong>de</strong>ll'attività assicurativa. In Dirito <strong>de</strong>lle assicurazioni. Milano: Giuffrè,<br />

1987, v. I, p. 4.<br />

18 Segun<strong>do</strong> o art. 757 <strong>do</strong> Cód. Civil <strong>de</strong> 2002, “pelo contrato <strong>de</strong> seguro, o segura<strong>do</strong>r se obriga, mediante o<br />

pagamento <strong>do</strong> prêmio, a garantir interesse legítimo <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos<br />

pre<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s. Parágrafo único. Somente po<strong>de</strong> ser parte, no contrato <strong>de</strong> seguro, como segura<strong>do</strong>r, entida<strong>de</strong><br />

para tal fim legalmente autorizada”.<br />

19 “A prestação <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r é uma prestação <strong>de</strong> suportação <strong>do</strong> risco, <strong>de</strong> que a prestação material relacionada com a<br />

ocorrência <strong>do</strong> sinistro constitui mero aspecto, sem autonomia” (ALMEIDA, J. C. Moitinho <strong>de</strong>. O contrato <strong>de</strong><br />

seguro no direito português e compara<strong>do</strong>. Lisboa: Liv. Sá da Costa, 1971, p. 26-28). “A obrigação <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r não<br />

consiste apenas no pagamento <strong>de</strong> uma eventual in<strong>de</strong>nização, mas também, e principalmente, em prestar garantia<br />

e segurança ao segura<strong>do</strong>” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Revista <strong>de</strong> Direito (TJRJ), n. 34, p. 159 - 1998).<br />

7


segura<strong>do</strong>s, incumbe ao gestor <strong>de</strong>sse fun<strong>do</strong>, agir com rigor para que apenas os sinistros<br />

realmente encontra<strong>do</strong>s nas condições e limites <strong>do</strong> seguro sejam ressarci<strong>do</strong>s. Qualquer<br />

frau<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>svio nessas reparações po<strong>de</strong> comprometer ou ameaçar os interesses<br />

coletivos ou transindividuais presentes no fun<strong>do</strong> administra<strong>do</strong> pelo segura<strong>do</strong>r.<br />

Para exigir a in<strong>de</strong>nização, por isso, não basta para o segura<strong>do</strong>, a ocorrência <strong>do</strong> dano. É<br />

preciso que o sinistro seja averigua<strong>do</strong> e analisa<strong>do</strong> pelo segura<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que a<br />

in<strong>de</strong>nização somente ocorra <strong>de</strong>pois que este esteja convicto <strong>de</strong> que realmente o dano<br />

atingiu o bem segura<strong>do</strong> e se <strong>de</strong>u na conformida<strong>de</strong> com os termos e condições da<br />

cobertura securitária. Entre a participação <strong>do</strong> sinistro e o pagamento da in<strong>de</strong>nização<br />

terá <strong>de</strong> acontecer um procedimento <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a <strong>de</strong>finir o cabimento, ou não, da<br />

reparação ao segura<strong>do</strong>. A esse procedimento, que não é contencioso, nem se passa em<br />

juízo, dá-se o nome <strong>de</strong> "regulação <strong>do</strong> sinistro".<br />

A situação <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> a exigir a in<strong>de</strong>nização pelo sinistro é, mutatis<br />

mutandis, como a <strong>do</strong> Fisco diante da obrigação tributária. Não basta ter ocorri<strong>do</strong> o fato<br />

gera<strong>do</strong>r. A exigibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> tributo só acontecerá <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> acertada a obrigação <strong>do</strong><br />

contribuinte por meio <strong>do</strong> procedimento <strong>do</strong> lançamento (CTN, art. 142).<br />

"Dentro da sistemática da relação obrigacional <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro, a regulação <strong>do</strong><br />

sinistro é o instrumento e a condição para que a in<strong>de</strong>nização seja paga ao segura<strong>do</strong>.<br />

Como é o segura<strong>do</strong>r que tem <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r à regulação, torna-se esta não só um po<strong>de</strong>r,<br />

mas igualmente um <strong>de</strong>ver, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se falar que, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> esquema <strong>do</strong> contrato, a<br />

realização da regulação <strong>do</strong> sinistro é "parte integrante <strong>do</strong> cumprimento <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong><br />

que se cuida 20. De fato, tão integra<strong>do</strong> à prestação in<strong>de</strong>nizatória, o procedimento<br />

regulatório <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> como parte <strong>do</strong> objeto obrigacional, que,<br />

juridicamente correspon<strong>de</strong> “a toda ativida<strong>de</strong> projetada para satisfação <strong>do</strong> cre<strong>do</strong>r” 21.<br />

Em outras palavras: ocorri<strong>do</strong> o sinistro surge o direito <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> à in<strong>de</strong>nização, mas<br />

para exigir seu cumprimento, tem <strong>de</strong> ser supera<strong>do</strong> o estágio da regulação, a ser<br />

pratica<strong>do</strong> por provocação <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> e mediante diligência <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r. Eis porque,<br />

20 “A regulação será instrumento para o cumprimento e, simultaneamente, parte integrante <strong>do</strong> cumprimento”<br />

(TZIRULNIK, Ernesto. <strong>Regulação</strong> <strong>de</strong> sinistro. 3.ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 35).<br />

21 BUERES, Alberto J. Responsabilidad civil <strong>de</strong> las clínicas y establecinientos médicos, 2. ed., Buenos Aires: Abaco, 1981,<br />

p. 130 e 140; apud TZIRULNIK, Ernesto. <strong>Regulação</strong> <strong>de</strong> sinistro cit., p. 40.<br />

8


funcionalmente, o procedimento regulatório integra a "conduta a prestar", a cargo <strong>do</strong><br />

segura<strong>do</strong>r 22.<br />

5. Conceito <strong>de</strong> regulação <strong>de</strong> sinistro<br />

Ocorri<strong>do</strong> o sinistro, o segura<strong>do</strong> não po<strong>de</strong> imediatamente exigir a in<strong>de</strong>nização. Cabe-<br />

lhe, antes, comunicar ao segura<strong>do</strong>r a ocorrência <strong>do</strong> fato danoso 23, para que este<br />

cumpra a obrigação <strong>de</strong> tomar conhecimento <strong>do</strong> dano e <strong>de</strong> cotejá-lo com os termos <strong>do</strong><br />

contrato <strong>de</strong> seguro. Trata-se <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> investigatória necessária <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong><br />

sistema <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro, que incumbe ao segura<strong>do</strong>r <strong>de</strong>sempenhar, como parte<br />

<strong>de</strong> suas obrigações contraídas nesse tipo <strong>de</strong> negócio jurídico. O procedimento é <strong>de</strong><br />

interesse comum das partes <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro, e compõe-se <strong>do</strong>s seguintes estágios<br />

ou diligências:<br />

a) principia-se pela <strong>de</strong>signação, em regra pelo segura<strong>do</strong>r, <strong>de</strong> um técnico<br />

para executar o procedimento, que po<strong>de</strong> ser um funcionário seu, ou<br />

terceiro (regula<strong>do</strong>r in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte), o qual proce<strong>de</strong>rá às diligências<br />

necessárias para preparar o relatório <strong>do</strong> sinistro 24;<br />

b) a primeira diligência <strong>do</strong> regula<strong>do</strong>r consiste na apuração da cobertura<br />

(ou seja, a <strong>de</strong>terminação exata <strong>do</strong> risco assumi<strong>do</strong> pelo segura<strong>do</strong>r, nos<br />

termos <strong>do</strong> contrato);<br />

c) em seguida, virá a apuração da situação <strong>do</strong> risco anterior ao sinistro;<br />

<strong>de</strong>pois,<br />

d) a verificação da ocorrência <strong>do</strong> sinistro, com apuração <strong>de</strong> suas causas<br />

e conseqüências; e<br />

e) a elaboração, enfim, <strong>do</strong> relatório, que concluirá pelo cabimento, ou<br />

não, da prestação in<strong>de</strong>nizatória.<br />

22 AGOGLIA, Maria M. Responsabilidad por incumplimiento contractual, Buenos Aires: Hammurabi, 1993, p. 47 e seg.;<br />

TZIRULNIK, Ernesto. <strong>Regulação</strong> <strong>de</strong> sinistro cit., p. 44.<br />

23 Código Civil, art. 771. Sob pena <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o direito à in<strong>de</strong>nização, o segura<strong>do</strong> participará o sinistro ao<br />

segura<strong>do</strong>r, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências. Parágrafo<br />

único. Correm à conta <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r, até o limite fixa<strong>do</strong> no contrato, as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> salvamento conseqüente ao<br />

sinistro.<br />

24 No caso <strong>de</strong> resseguro, a função <strong>de</strong> regula<strong>do</strong>r é reservada ao Instituto <strong>de</strong> Resseguros <strong>do</strong> Brasil (IRB), nos<br />

termos <strong>do</strong> Decreto-Lei n. 73/66, art. 44, I, ‘g’.<br />

9


O regula<strong>do</strong>r atua, na verda<strong>de</strong> como um elo entre o segura<strong>do</strong>r e o segura<strong>do</strong>, buscan<strong>do</strong><br />

dar ao procedimento regulatório um caráter consensual, pois o i<strong>de</strong>al é que se obtenha<br />

um acor<strong>do</strong> entre as partes acerca da in<strong>de</strong>nização a que efetivamente faça jus o<br />

segura<strong>do</strong> 25.<br />

Não se trata <strong>de</strong> um simples cálculo <strong>de</strong> valores, mas <strong>de</strong> investigação e análise técnica <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong>s os fatos relevantes para solucionar a pretensão <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> à in<strong>de</strong>nização<br />

prevista no contrato <strong>de</strong> seguro. O <strong>de</strong>sempenho da função regulatória, à luz <strong>do</strong><br />

princípio da boa-fé, obrigatoriamente observável no cumprimento <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong><br />

seguro, reclama a participação leal tanto <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r como <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>. Cabe, assim,<br />

ao segura<strong>do</strong> não só franquear ao regula<strong>do</strong>r o acesso aos bens e locais a serem<br />

inspeciona<strong>do</strong>s, como fornecer-lhe to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>cumentos, registros e da<strong>do</strong>s relevantes á<br />

formação <strong>de</strong> um juízo completo sobre o sinistro e suas repercussões sobre o contrato<br />

<strong>de</strong> seguro.<br />

As análises <strong>do</strong> regula<strong>do</strong>r po<strong>de</strong>m ser praticadas por ele pessoalmente ou por meio <strong>de</strong><br />

recurso a técnicos e especialistas da área <strong>de</strong> conhecimento reclamada para investigação<br />

<strong>do</strong>s fatos, mensuração <strong>do</strong>s danos e, às vezes, para <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> questões controvertidas<br />

no plano exegético <strong>do</strong> contrato.<br />

Não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> liquidar o sinistro pelas vias judiciais. A vocação da regulação<br />

<strong>do</strong> sinistro é o procedimento consensual. Somente em último caso é <strong>de</strong> se buscar a<br />

sentença, para tal fim. Dentro ainda <strong>do</strong> propósito amistoso, po<strong>de</strong>-se, <strong>de</strong> comum<br />

acor<strong>do</strong>, utilizar-se o arbitramento para solucionar pontos controverti<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />

procedimento regulatório.<br />

Presta-se a regulação <strong>do</strong> sinistro para empregar as mais variadas técnicas, judiciais ou<br />

não, para realizar investigações sobre to<strong>do</strong>s os fatos influentes na operação <strong>de</strong><br />

enquadrar a ocorrência nos mol<strong>de</strong>s <strong>do</strong> seguro, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong> causas e<br />

responsabilida<strong>de</strong>s, assim como a dimensão <strong>do</strong> dano, para efeito da in<strong>de</strong>nização<br />

securitária.<br />

25 "<strong>Regulação</strong> <strong>de</strong> um sinistro significa o processo <strong>de</strong> apurar o montante <strong>do</strong>s prejuízos in<strong>de</strong>nizáveis e chegar a um<br />

acor<strong>do</strong> com a pessoa que sofreu os prejuízos" (PRAHAL, Robert. Introdução a sinistros. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fundação<br />

Nacional <strong>de</strong> <strong>Seguro</strong>s, 1997, p. 70).<br />

10


Pela natureza <strong>do</strong> procedimento e <strong>de</strong> sua vinculação ao cumprimento <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong><br />

seguro, cumpre ao segura<strong>do</strong>r dar-lhe a mais rápida solução, por força <strong>do</strong> princípio da<br />

boa-fé, empenhan<strong>do</strong>-se na busca <strong>de</strong> solução amistosa e evitan<strong>do</strong> comportamentos<br />

procrastinatórios.<br />

6. Efeitos materiais da regulação<br />

Não se po<strong>de</strong> esquecer que "a regulação <strong>de</strong> sinistro é um procedimento <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong><br />

serviço integrante da dívida <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r perante o segura<strong>do</strong>" 26, nascida <strong>do</strong> contrato<br />

<strong>de</strong> seguro. Manobras maliciosas, caprichosas ou infundadas para obstar ou retardar a<br />

liqüidação <strong>do</strong> sinistro representam <strong>de</strong>scumprimento, ou cumprimento <strong>de</strong>feituoso, <strong>do</strong><br />

contrato e, <strong>de</strong>ssa maneira, provocam a responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r pelas perdas e<br />

danos oriundas <strong>do</strong> atraso na satisfação <strong>do</strong> direito <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> 27.<br />

Concluí<strong>do</strong>, <strong>de</strong> forma satisfatória a regulação, torna-se líqüida a obrigação securitária. O<br />

segura<strong>do</strong>r po<strong>de</strong> liberar-se <strong>de</strong> sua obrigação pagan<strong>do</strong> a in<strong>de</strong>nização ao segura<strong>do</strong>. Se este<br />

a recusar, ou lhe impuser condições exorbitantes <strong>do</strong> seguro, cabível será a consignação<br />

em pagamento. Por parte <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>, não ocorren<strong>do</strong> pronto pagamento, estará<br />

autoriza<strong>do</strong> o uso das vias judiciais para reclamar a in<strong>de</strong>nização, pelo procedimento<br />

cabível: ação <strong>de</strong> cobrança ou <strong>de</strong> execução, conforme o tipo <strong>de</strong> seguro (CPC, arts. 275,<br />

II e 585, III), sen<strong>do</strong> admissível até mesmo o procedimento monitório 28.<br />

Por sua natureza consensual, o procedimento regulatório que se ultima com o acor<strong>do</strong><br />

entre as partes, assume força vinculante para ambas, configuran<strong>do</strong> negócio jurídico<br />

perfeito para impedir litígios futuros (Código Civil, art. 840), visto que se apresenta<br />

como irretratável e só se po<strong>de</strong> anular por <strong>do</strong>lo, coação ou erro essencial (Código Civil,<br />

art. 849).<br />

26 TZIRULNIK, Ernesto. <strong>Regulação</strong> <strong>de</strong> sinistro cit., p. 97.<br />

27 “Configura ato ilícito a mora da segura<strong>do</strong>ra em efetuar a cobertura <strong>de</strong> sinistro ocorri<strong>do</strong> em estabelecimento<br />

comercial. Se, em conseqüência, o segura<strong>do</strong> tem que <strong>de</strong>sativar seu negócio por longo perío<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ve ser<br />

in<strong>de</strong>niza<strong>do</strong> por perdas e danos, incluin<strong>do</strong>-se os lucros cessantes” (TJSP, Ap. 69.057-1, Rel. Des. Luís <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>,<br />

ac. 02.12.1986, RT 618/50).<br />

28 “<strong>Contrato</strong> <strong>de</strong> seguro. É cabível o ajuizamento da ação monitória calcada em contrato <strong>de</strong> seguro inadimpli<strong>do</strong>,<br />

sen<strong>do</strong> possível sua impugnação em embargos, nos quais será discutida, quanto ao mérito, a ocorrência <strong>de</strong><br />

incêndio criminoso ou não, versan<strong>do</strong> acerca da exigibilida<strong>de</strong> da dívida e sua liqui<strong>de</strong>z” (STJ, 3ªT, REsp.<br />

250.513/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 26.03.2001, DJU 23.04.2001, p. 160).<br />

11


Afastan<strong>do</strong> o pagamento da in<strong>de</strong>nização, em casos <strong>de</strong> frau<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> não enquadramento<br />

<strong>do</strong> sinistro na cobertura <strong>do</strong> seguro, ou reduzin<strong>do</strong> o quantum ressarcível aos limites <strong>do</strong><br />

contrato, a regulação tutelará não só o interesse individual <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>r, mas também<br />

e, sobretu<strong>do</strong>, os interesses transindividuais <strong>do</strong>s diversos segura<strong>do</strong>s integrantes da<br />

coletivida<strong>de</strong> acobertada pelo segura<strong>do</strong>r. Cumpre-se, assim, a função social atribuída ao<br />

negócio <strong>de</strong> seguro 29.<br />

Outro efeito material importante <strong>do</strong> procedimento regulatório se passa no terreno da<br />

prescrição. Na técnica <strong>do</strong> Código Civil, a prescrição começa a fluir <strong>de</strong>pois que nasce<br />

para o cre<strong>do</strong>r a pretensão, ou seja, somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> exigível a prestação a cargo <strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>ve<strong>do</strong>r é que se po<strong>de</strong> ter, pelo seu inadimplemento, como viola<strong>do</strong> o seu direito<br />

subjetivo, e a partir <strong>de</strong> então flui, o prazo extintivo em questão (Cód. Civil, art. 189).<br />

Somente dívidas vencidas, portanto, se mostram alcançáveis pela exceção <strong>de</strong><br />

prescrição.<br />

Aplican<strong>do</strong>-se tal sistemática ao contrato <strong>de</strong> seguro, conclui-se que enquanto não<br />

ultima<strong>do</strong> o procedimento regulatório não se po<strong>de</strong> cogitar <strong>de</strong> prescrição por<br />

inexigibilida<strong>de</strong> da in<strong>de</strong>nização <strong>do</strong> sinistro. A regulação <strong>do</strong> sinistro, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> processo<br />

obrigacional, é parte integrante da prestação <strong>de</strong>vida pelo segura<strong>do</strong>r. É condição <strong>de</strong> sua<br />

exigibilida<strong>de</strong>, pois sem ela não se sabe se o segura<strong>do</strong> tem realmente direito à<br />

in<strong>de</strong>nização, nem quanto é o montante a ser cumpri<strong>do</strong> pelo segura<strong>do</strong>r. Por<br />

conseguinte, a dívida <strong>de</strong>rivada <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro só se vence, efetivamente, após<br />

concluída a regulação. Somente a partir <strong>de</strong> então se colocará o segura<strong>do</strong> sujeito aos<br />

efeitos da prescrição.<br />

É claro que, para efeitos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pelos prejuízos <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>, o segura<strong>do</strong>r<br />

se consi<strong>de</strong>ra sujeito a reparação <strong>de</strong> perdas e danos pela procrastinação in<strong>de</strong>vida <strong>do</strong><br />

procedimento regulatório 30. Mas, o fato <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>mora por culpa da segura<strong>do</strong>ra não<br />

29 MORANDI, Juan Carlos Félix Morandi. El riesgo en el contrato <strong>de</strong> seguro. Buenos Aires: Astrea, 1974, p. 27;<br />

TZIRULNIK, Ernesto. <strong>Regulação</strong> <strong>de</strong> sinistro cit., p. 97.<br />

30 “Si la liquidación se prolongar excessivamente, por culpa imputable a asegura<strong>do</strong>r o al liquida<strong>do</strong>r, esta situación<br />

pue<strong>de</strong> dar lugar a que el segura<strong>do</strong> reclame los daños e intereses que esa morosidad le ha ocasiona<strong>do</strong>, pues em<br />

este supueto el asegura<strong>do</strong> no actuará con la buena fe-lealtad qu le es impuesta por el art. 119 <strong>de</strong>l Código Civil”<br />

(ALEU, Ama<strong>de</strong>u Soler <strong>Seguro</strong> <strong>de</strong> incendio. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1980, p. 271). No mesmo senti<strong>do</strong>:<br />

STIGLITZ, Rubén S. Derecho <strong>de</strong> seguros. Buenos Aires: Abele<strong>do</strong>-Perrot, 1997, v. II, p. 459; L’ISLE, Goerge Brière<br />

<strong>de</strong>. Droit <strong>de</strong>s assurances. 2.ed. Paris: Presses Universitaires <strong>de</strong> France, 1986, p. 12; TZIRULNIK, Ernesto. <strong>Regulação</strong><br />

<strong>de</strong> sinistro cit., p. 71. Também segue igual entendimento a jurisprudência segun<strong>do</strong> a qual “configura ato ilícito a<br />

mora da segura<strong>do</strong>ra em efetuar a cobertura <strong>de</strong> sinistro ocorri<strong>do</strong> em estabelecimento comercial. Se, em<br />

conseqüência, o segura<strong>do</strong> tem que <strong>de</strong>sativar seu negócio por longo perío<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ve ser in<strong>de</strong>niza<strong>do</strong> por perdas e<br />

12


antecipa a fluência <strong>do</strong> prazo <strong>de</strong> prescrição, a qual somente se dará a partir <strong>de</strong> quan<strong>do</strong> o<br />

segura<strong>do</strong> tiver condições <strong>de</strong> exigir a in<strong>de</strong>nização, isto é, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ultima<strong>do</strong> o<br />

procedimento regulatório 31.<br />

Eis o que comentamos, sobre o tema, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>utrina:<br />

“Outro ponto que oferece certa dificulda<strong>de</strong> é o pertinente ao curso<br />

<strong>do</strong> prazo anual <strong>de</strong>pois que o segura<strong>do</strong> comunica o sinistro ao<br />

segura<strong>do</strong>r (art. 771), a lei simplesmente dispõe que dito prazo <strong>de</strong>ve<br />

ser conta<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> momento “da ciência <strong>do</strong> fato gera<strong>do</strong>r da<br />

pretensão”. Acontece, porém, que não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo acionar o<br />

segura<strong>do</strong>r para exigir-lhe o cumprimento <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro.<br />

Primeiro tem <strong>de</strong> comunicar-lhe o sinistro e pedir-lhe a cobertura, na<br />

forma contratual. Este terá <strong>de</strong> processar internamente o pedi<strong>do</strong> e<br />

analisar o sinistro para verificar se a pretensão <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> realmente<br />

se enquadra no seguro ajusta<strong>do</strong>. Enquanto se cumprem os trâmites<br />

contratuais e regulamentares, ainda não tem o segura<strong>do</strong> interesse que<br />

justifique a propositura <strong>de</strong> ação contra o segura<strong>do</strong>r. O interesse, na<br />

espécie, surgirá da <strong>de</strong>cisão negativa que se <strong>de</strong>r ao pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> cobertura.<br />

Aí sim a inércia <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> em recorrer às vias judiciais ensejará a<br />

fluência <strong>do</strong> prazo prescricional.<br />

Enquanto estiver cumprin<strong>do</strong> o procedimento <strong>do</strong> pleito<br />

extrajudicial imposto pela natureza <strong>do</strong> contrato e pela regulamentação<br />

que o cerca, a pretensão estará sen<strong>do</strong> exercitada, porque não é apenas<br />

em juízo que se exercem pretensões como adverte PONTES DE<br />

MIRANDA 32.<br />

Se é certo que o pedi<strong>do</strong> extrajudicial da in<strong>de</strong>nização não é<br />

previsto pela lei como causa idônea para interromper a prescrição,<br />

correspon<strong>de</strong>, entretanto, a uma obrigação legal <strong>de</strong> segura<strong>do</strong>, que<br />

condiciona o exercício <strong>do</strong> direito à in<strong>de</strong>nização ajustada pelo contrato<br />

<strong>de</strong> seguro (art. 771). Assim, a abertura pelo segura<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

procedimento junto ao segura<strong>do</strong>r, para receber a in<strong>de</strong>nização que lhe<br />

cabe “não interrompe o prazo prescricional, mas apenas o suspen<strong>de</strong>,<br />

recomeçan<strong>do</strong> daí a contagem <strong>do</strong> tempo faltante”, como tem <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong><br />

o STJ 33.<br />

Não corre, <strong>de</strong> tal sorte, o prazo ânuo, inicia<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong><br />

conhecimento <strong>do</strong> sinistro pelo segura<strong>do</strong>, no intervalo necessário para<br />

o processamento <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> in<strong>de</strong>nizatório junto ao segura<strong>do</strong>r. O que<br />

danos, incluin<strong>do</strong>-se os lucros cessantes” (TJSP, Ap. 69.057-1, Rel. Des. Luís <strong>de</strong> Mace<strong>do</strong>, ac. 02.12.1986, RT<br />

618/50).<br />

31 “Na verda<strong>de</strong>, o prazo <strong>de</strong> prescrição para ação <strong>do</strong> segura<strong>do</strong> contra o segura<strong>do</strong>r não po<strong>de</strong> ter o seu termo inicial<br />

na data em que ocorri<strong>do</strong> o evento danoso, quan<strong>do</strong> aquele solicita junto a esta a in<strong>de</strong>nização que enten<strong>de</strong> haver<br />

direito, isto porque, enquanto aguarda ele a resposta, fica o seu direito subordina<strong>do</strong> a condição suspensiva,<br />

impossibilitan<strong>do</strong> o acesso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a via judicial. Como se <strong>de</strong>cidiu a tal respeito, ‘o direto subordina<strong>do</strong> a<br />

condição suspensiva, não é ainda, direito adquiri<strong>do</strong>, ao qual corresponda uma ação, nos termos <strong>do</strong> art. 118 <strong>do</strong><br />

Código Civil. Aplica -se, pois, em tal hipótese, o princípio actio nata, segun<strong>do</strong> o qual, enquanto não nasce a ação,<br />

não po<strong>de</strong> ela prescrever” (TJSP, 1ªCC., Ap. 122.497-1, Rel. Des. Roque Komatsu, ac. 22.05.1990, RJTJESP,<br />

127/144). No mesmo senti<strong>do</strong>: 1ºTACivSP, 8ªC., Ap. 344.189, Rel. Des. Roberto Rubens, ac. 22.10.1985, Lex-<br />

JTA 98/167.<br />

32 MIRANDA, Pontes <strong>de</strong>. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> direito priva<strong>do</strong>. 3.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1998, t. VI, §660, p. 93-94.<br />

33 STJ, 4ªT., REsp. 8.770/SP, Rel. Min. Athos Carneiro, ac. 16.04.1991, RT 670/195.<br />

13


autorizará, após isto, o ajuizamento da causa relativa ao seguro será a<br />

solução dada ao pleito extrajudicial, ou seja, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> não cumprir<br />

o contrato. A partir daí, então, se <strong>de</strong>verá contar o restante <strong>do</strong> prazo<br />

prescricional34” 35.<br />

O entendimento exposto tem si<strong>do</strong> prestigia<strong>do</strong> pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o<br />

qual não só consi<strong>de</strong>ra não suscetível <strong>de</strong> contagem o prazo <strong>de</strong> prescrição enquanto o<br />

segura<strong>do</strong>r não recusar formalmente o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização, no to<strong>do</strong> ou em parte,<br />

como reconhece não aplicável ao contrato <strong>de</strong> seguro o prazo qüinqüenal <strong>do</strong> Código <strong>de</strong><br />

Defesa <strong>do</strong> Consumi<strong>do</strong>r, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> prevalecer o prazo ânuo <strong>do</strong> art. 206, §1º, II <strong>do</strong><br />

Código Civil, sem embargo <strong>de</strong> configurar-se relação <strong>de</strong> consumo na espécie 36.<br />

7. Efeitos processuais da regulação<br />

Embora <strong>de</strong> natureza pre<strong>do</strong>minantemente consensual, o procedimento <strong>de</strong> regulação <strong>do</strong><br />

seguro atribui a ambos os contratantes ônus <strong>de</strong> prova acerca <strong>do</strong>s fatos que justifiquem<br />

as respectivas pretensões, isto é, ao segura<strong>do</strong> compete comprovar o sinistro e sua<br />

causa, e à segura<strong>do</strong>ra, os fatos que, diante <strong>do</strong> dano, excluam seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar.<br />

Trata-se <strong>de</strong> um mecanismo menos enérgico <strong>do</strong> que o <strong>do</strong>s processos judiciais,<br />

porquanto ao regula<strong>do</strong>r compete diretamente o empenho <strong>de</strong> apurar o dano e sua<br />

ressarcibilida<strong>de</strong>, e, para esse <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato, ambos os contratantes têm o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

cooperação oriun<strong>do</strong> <strong>do</strong> princípio da boa-fé e lealda<strong>de</strong>.<br />

De qualquer maneira, por iniciativa <strong>de</strong> uma ou outra parte, <strong>de</strong>ntro da regulação<br />

colhem-se <strong>do</strong>cumentos, informações e <strong>de</strong>claração, realizam-se lau<strong>do</strong>s técnicos,<br />

ultimam-se acor<strong>do</strong>s etc.<br />

Se a regulação não alcança o seu objetivo natural, que é o <strong>de</strong> fixar, por acor<strong>do</strong>, o<br />

direito à in<strong>de</strong>nização e respectivo valor, servirá, nada obstante, como importante fonte<br />

<strong>de</strong> provas para ulterior solução <strong>do</strong> litígio em juízo. Nesse âmbito, merecem <strong>de</strong>staque:<br />

34 TJRS, 5ªCC., Ap. 596.032.078, Rel. Des. Luiz Gonzaga Pilar Hofmeister, ac. 29.08.1996, in RODRIGUES<br />

FILHO, Eulâmpio. Código civil anota<strong>do</strong>. 3.ed. São Paulo: Síntese, 1996, p. 344.<br />

35 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Código Civil. 2.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2004, v. III, t.<br />

II, n. 380, p. 319-320.<br />

36 STJ, 2ª Seção, Emb. Div. no REsp. 474.147/MG, Rel. Min. César Asfor Rocha, julga<strong>do</strong> em 14.04.2002, com<br />

invocação <strong>de</strong> numerosos prece<strong>de</strong>ntes (REsp. 402.953/RJ, DJU 26.08.2002; REsp. 492.821/SP, DJU 23.06.2003;<br />

REsp. 555.065/RJ, DJU 15.12.2003; REsp. 518.625/RJ, DJU 25.05.2004; REsp. 480.276/RJ, DJU 28.10.2003 e<br />

REsp. 232.483/RJ, DJU 27.03.2000).<br />

14


as perícias, mesmo sen<strong>do</strong> realizadas extrajudicialmente; os <strong>do</strong>cumentos coleta<strong>do</strong>s pelo<br />

regula<strong>do</strong>r; e os atos próprios pratica<strong>do</strong>s pela parte (segura<strong>do</strong> ou segura<strong>do</strong>r) durante o<br />

mesmo procedimento.<br />

8. Valor probante <strong>do</strong>s elementos colhi<strong>do</strong>s durante o procedimento regulatório<br />

Um <strong>do</strong>s elementos <strong>de</strong> prova mais importantes colhi<strong>do</strong>s durante a regulação <strong>do</strong> sinistro<br />

são os lau<strong>do</strong>s periciais sobre os diversos eventos que influem no enquadramento da<br />

pretensão in<strong>de</strong>nizatória <strong>do</strong> segura<strong>do</strong>, e que po<strong>de</strong>m se referir a exames, vistorias e<br />

avaliações, tal como prevê o art. 420 <strong>do</strong> CPC.<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> o CPC regular o procedimento da perícia judicial, existem também as<br />

perícias extrajudiciais promovidas por iniciativa das partes, através <strong>de</strong> técnicos<br />

particulares ou agentes administrativos. O art. 427 <strong>do</strong> CPC abre, com cautelas, ensejo<br />

ao uso <strong>de</strong> pareceres técnicos extrajudiciais com força <strong>de</strong> lau<strong>do</strong> pericial.<br />

Sua força <strong>de</strong> convencimento, naturalmente, não será a mesma <strong>de</strong> uma perícia judicial,<br />

produzida em contraditório. Porém, não se po<strong>de</strong> negar-lhe a qualida<strong>de</strong> e a força <strong>de</strong><br />

prova. E como prova, o Juiz não lhe po<strong>de</strong> negar valor senão motivada e<br />

justificadamente. O juiz examinará tais lau<strong>do</strong>s como pareceres, dan<strong>do</strong>-lhes a<br />

credibilida<strong>de</strong> que merecerem, em face das <strong>de</strong>mais provas produzidas.<br />

Lembre-se que o exame pericial é o relato das impressões captadas pelo técnico, em<br />

torno <strong>de</strong> fato litigioso, por meio <strong>do</strong>s conhecimentos especiais <strong>de</strong> quem o examinou. O<br />

perito é um auxiliar da justiça e não um substituto <strong>do</strong> juiz na apreciação <strong>do</strong> evento<br />

proban<strong>do</strong>. Sua missão é apurar a existência <strong>de</strong> fatos cuja certificação <strong>de</strong>penda <strong>de</strong><br />

conhecimento técnico. Seu parecer não é uma sentença, mas fonte <strong>de</strong> informação para<br />

o juiz, que po<strong>de</strong> ainda <strong>de</strong>le divergir com base em outros elementos ou fatos prova<strong>do</strong>s.<br />

“O parecer <strong>do</strong> perito é meramente opinativo e vale pela força <strong>do</strong>s argumentos em que<br />

repousa” 37.<br />

Mas para recusar o trabalho técnico <strong>de</strong>verá o Juiz motivar convincentemente a<br />

37 MARTINS, Pedro Batista. Comentários ao código <strong>de</strong> processo civil. 2. ed.. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1960, v. III, t. 2º,<br />

n. 77, p. 99.<br />

15


formação <strong>de</strong> seu convencimento em rumo diverso 38.<br />

Os elementos que conferem maior valor <strong>de</strong> convencimento ao exame pericial são, em<br />

linhas gerais, a lógica <strong>de</strong> sua fundamentação, a veracida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas premissas fáticas, o<br />

grau e a profundida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s conhecimentos técnicos e científicos <strong>de</strong> que goza o vistor<br />

(autorida<strong>de</strong> científica), a harmonia ou sintonia com os <strong>de</strong>mais elementos <strong>de</strong> prova.<br />

De mo<strong>do</strong> algum, sem base em outras provas igualmente idôneas, po<strong>de</strong>rá investir-se o<br />

julga<strong>do</strong>r <strong>de</strong> competência para fazer juízos que requerem conhecimento técnico<br />

científico reservada ao perito. Ao juiz não cabe, no sistema processual brasileiro,<br />

representar, reproduzir ou fixar os fatos, isto é, “não cabem funções próprias <strong>de</strong><br />

testemunhas ou peritos” 39.<br />

Do mesmo mo<strong>do</strong> que o juiz não po<strong>de</strong> ser testemunha, também não po<strong>de</strong> ser o perito<br />

no processo que presi<strong>de</strong>.<br />

Daí a valida<strong>de</strong> e o valor <strong>do</strong>s pareceres técnicos, exames e vistorias realiza<strong>do</strong>s na<br />

regulação <strong>do</strong> sinistro, que prevalecem até prova em contrário.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, as conclusões <strong>do</strong>s diversos institutos <strong>de</strong> pesquisa científica <strong>de</strong><br />

Universida<strong>de</strong>s Fe<strong>de</strong>rais, a que se costuma recorrer nas regulações <strong>de</strong> sinistro e que<br />

quase sempre são exaradas após aprofundadas pesquisas e investigações científicas em<br />

exames laboratoriais complexos (químicos, físicos e mecânicos), amparadas em<br />

instrumentos <strong>de</strong> avançada tecnologia, sobre os fatos e circunstâncias que têm<br />

relevância para a <strong>de</strong>limitação das obrigações que emanam <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro,<br />

gozam <strong>de</strong> presunção relativa <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> que só po<strong>de</strong>rá ce<strong>de</strong>r em face <strong>de</strong> prova<br />

cabal em contrário 40.<br />

Em razão das prerrogativas da Administração Pública, que conferem a seus atos a<br />

presunção <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> e legalida<strong>de</strong>, <strong>do</strong>tan<strong>do</strong> <strong>de</strong> fé pública os <strong>do</strong>cumentos que seus<br />

agentes emitem, a jurisprudência tem acolhi<strong>do</strong> com amplitu<strong>de</strong> os lau<strong>do</strong>s <strong>de</strong> seus<br />

institutos técnicos, conferin<strong>do</strong>-lhes natureza <strong>de</strong> prova pericial idônea, ainda que<br />

realiza<strong>do</strong>s extrajudicialmente. Em favor <strong>de</strong>sses lau<strong>do</strong>s expedi<strong>do</strong>s por tais entida<strong>de</strong>s,<br />

38 STJ, 3ªT., REsp. 30.380-5/RJ, ac. 22.11.94, RT 718/253.<br />

39 SANTOS, Amaral. Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1976, v. IV, n. 75, p. 171.<br />

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entre as quais figuram as Universida<strong>de</strong>s, milita presunção iuris tantum <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong>,<br />

que segun<strong>do</strong> farta jurisprudência, não po<strong>de</strong> ser infirmada por “simples suscitação <strong>de</strong><br />

dúvidas”. 41 Nesse senti<strong>do</strong>, é o pronunciamento da mais abalizada jurisprudência in<br />

verbis:<br />

“Os atos <strong>de</strong> funcionários públicos, <strong>de</strong>vidamente autoriza<strong>do</strong>s para o<br />

exercício <strong>de</strong> sua função, gozam <strong>de</strong> fé pública. (...) Os atos pratica<strong>do</strong>s<br />

pelos policiais da Polícia Militar, como os <strong>de</strong> toda Administração em<br />

Geral, gozam <strong>de</strong> presunção <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, só po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser ilidi<strong>do</strong>s em<br />

juízo diante da evi<strong>de</strong>nte prova em contrário” 42.<br />

Trata-se, pois, <strong>de</strong> prova pericial capaz <strong>de</strong> formar, com segurança, o convencimento <strong>do</strong><br />

juiz sobre a ocorrência <strong>do</strong>s fatos, a seqüência causal e cronológica <strong>do</strong>s fenômenos<br />

aprecia<strong>do</strong>s e sobre a respectiva natureza <strong>do</strong>s diversos eventos investiga<strong>do</strong>s, mesmo<br />

quan<strong>do</strong> colhida antes e fora <strong>do</strong> processo judicial relativo a in<strong>de</strong>nização cabível em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> seguro.<br />

Valem, ainda, como prova <strong>do</strong>cumental to<strong>do</strong>s os registros físicos <strong>de</strong> fatos efetua<strong>do</strong>s ao<br />

longo <strong>de</strong>sses trabalhos. Na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> CARNELUTTI 43, <strong>do</strong>cumento é "uma coisa<br />

capaz <strong>de</strong> representar um fato". É o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma obra humana que tenha por<br />

objetivo a fixação ou retratação material <strong>de</strong> algum acontecimento e compreen<strong>de</strong> não<br />

só os escritos, mas toda e qualquer coisa que transmita diretamente um registro físico a<br />

respeito <strong>de</strong> algum fato e que não possa sofrer adulteração sem <strong>de</strong>ixar vestígio.<br />

São exemplos <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos os textos manuscritos ou assina<strong>do</strong>s, os <strong>de</strong>senhos, as<br />

fotografias, as gravações sonoras, cinematográficas etc. E vários são os <strong>do</strong>cumentos<br />

que, em regra, acompanham os trabalhos periciais produzi<strong>do</strong>s durante o procedimento<br />

<strong>de</strong> regulação <strong>do</strong> sinistro, os quais po<strong>de</strong>m se revelar hábeis a <strong>de</strong>monstrar os fatos<br />

alega<strong>do</strong>s como premissa para as conclusões exaradas: v.g., fotos, registros <strong>de</strong> imagem<br />

microscópica, fotomicrografia, macrografia, registros <strong>de</strong> análises químicas e<br />

ultrassonográficas, assim como relatórios, correspondências, mapas <strong>de</strong> produção e<br />

tantos outros <strong>do</strong>cumentos eventualmente forneci<strong>do</strong>s e confecciona<strong>do</strong>s pelo segura<strong>do</strong><br />

e que, por isso, fazem prova contra ele.<br />

40 TAPR, Ap. 413, ac. <strong>de</strong> 25.10.99, Rel. Juiz Jorge Andriguetto, Revista Lemi, 69/221.<br />

41 TJMT, Ap. 8.679, ac. <strong>de</strong> 19.01.76, Rel. Des. Athaí<strong>de</strong> Monteiro da Silva, RT, 486/168; TJGO, Ap. 36.412-<br />

2/188, Rel. Des. Fenelon Teo<strong>do</strong>ro Reis, in Adcoas 30.08.95, nº 1000486.<br />

42 TJDF, Ap.3702795/DF, ac. 04.03.1996, Rel. Des. A<strong>de</strong>lith <strong>de</strong> Carvalho Lopes, DJDF, 07.08.1996, p. 13.099.<br />

17


Dessarte, ainda que se produza em juízo novo exame pericial, serão valiosos os<br />

<strong>do</strong>cumentos, exames laboratoriais, relatos e testemunhos das pessoas e <strong>do</strong>s técnicos<br />

envolvi<strong>do</strong>s na regulação, sobre os quais recairão, eventualmente, a vistoria e o exame<br />

<strong>do</strong> perito nomea<strong>do</strong> pelo Juiz. É que, como comumente ocorre, não se preserva o<br />

ambiente <strong>do</strong> sinistro, senão através <strong>do</strong>s vestígios colhi<strong>do</strong>s e reuni<strong>do</strong>s pelo regula<strong>do</strong>r.<br />

Quan<strong>do</strong> não existe mais o objeto a ser pericia<strong>do</strong>, é admissível a perícia indireta. Se<br />

existem, por exemplo, registros oficiais acerca <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> aci<strong>de</strong>nte, é possível ao<br />

perito, muitas vezes, um juízo lógico acerca <strong>de</strong> suas causas, conforme o teor <strong>de</strong> tais<br />

da<strong>do</strong>s e sua i<strong>do</strong>neida<strong>de</strong> para uma análise técnica.<br />

Em suma: os <strong>do</strong>cumentos, lau<strong>do</strong>s, e pareceres submeti<strong>do</strong>s a exame configuram provas<br />

que se <strong>de</strong>bruçam sobre fatos complexos, que exigem conhecimento técnico científico.<br />

Não substituem o juízo <strong>do</strong> magistra<strong>do</strong>, que sobre eles po<strong>de</strong>rá se pronunciar e até<br />

recusar-lhes valor, se encontrar provas em contrário. Mas para recusar-lhes valor terá<br />

<strong>de</strong> fundamentar-se em outras fontes <strong>de</strong> convencimento igualmente idôneas e robustas.<br />

9. Direito <strong>de</strong> aceso ao conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> procedimento<br />

Fruto que é <strong>do</strong> interesse mútuo e <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> cooperação pertinente a ambas as partes,<br />

<strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro, o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> procedimento <strong>de</strong> regulação <strong>do</strong> sinistro constitui<br />

<strong>do</strong>cumento comum, livremente utilizável por qualquer <strong>de</strong>las para eventual <strong>de</strong>fesa em juízo,<br />

ou mesmo para exercício <strong>de</strong> direitos e faculda<strong>de</strong>s fora <strong>do</strong> juízo.<br />

Cabível, por isso, a pretensão à exibição judicial, seja em caráter cautelar preparatório<br />

(CPC, art. 844, II), ou como instrução <strong>de</strong> processo principal já em curso (CPC, arts.<br />

355 e 358, III).<br />

10. A teoria <strong>do</strong>s atos próprios e o comportamento das partes durante a<br />

regulação <strong>do</strong> sinistro<br />

43 CARNELUTTI, Francesco. La prueba civil. Buenos Aires, 1995, n. 34-35, p. 154-155, apud AGUIAR, João<br />

Carlos Pestana <strong>de</strong>. Comentários ao código <strong>de</strong> processo civil. São Paulo: RT, 1974, v. IV, p. 158.<br />

18


Não se alcançan<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong> consensual no término <strong>do</strong> procedimento da regulação<br />

<strong>do</strong> sinistro, e sen<strong>do</strong> o problema da in<strong>de</strong>nização leva<strong>do</strong> a juízo, assume importante<br />

influência na formação <strong>do</strong> convencimento <strong>do</strong> juiz a conduta <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s durante<br />

as diligências extrajudiciais da apuração <strong>do</strong> evento danoso.<br />

Com efeito, não se admite que, no litígio, alguém venha a negar seus próprios atos, ou<br />

como já proclamava a glosa <strong>do</strong> direito romano: venire contra factum proprium non valet.<br />

Deve-se ressaltar que “entre os romanos reconhecia-se gran<strong>de</strong> valor à palavra dada e<br />

sancionava-se o ir contra ela. Assim, quem se obrigava contratualmente ou por meio<br />

<strong>de</strong> um pacto, não podia <strong>de</strong>sconhecer a obrigação assumida. Do mesmo mo<strong>do</strong>, não<br />

podia <strong>de</strong>sconhecer sua anterior <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> nem tampouco exigir a prova<br />

<strong>de</strong> causa quan<strong>do</strong> se havia obriga<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentalmente” 44.<br />

Foi na Ida<strong>de</strong> Média que os glosa<strong>do</strong>res, no afã <strong>de</strong> sintetizar a sabe<strong>do</strong>ria romana em<br />

brocar<strong>do</strong>s, chegaram ao aforisma venire contra factum proprium nulli conceditur, que também<br />

se expressava como adversus factum suum quis venire non potest 45.<br />

Esse princípio foi acolhi<strong>do</strong> pelos pós-glosa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> século XIV, como se vê em<br />

BÁRTOLO e BALDO 46, pelos canonistas, pelos práticos e pelos tratadistas <strong>do</strong> século<br />

XVII 47, encontran<strong>do</strong> larga consagração nos direitos anglo-saxônico e alemão<br />

contemporâneos 48.<br />

Refletin<strong>do</strong> o pensamento <strong>do</strong>minante, no direito compara<strong>do</strong> <strong>do</strong> nosso século, ensinam<br />

ENNECCERUS e NIPERDEY:<br />

“A nadie le es licito hacer valer un <strong>de</strong>recho en contradicción con su anterior conducta,<br />

cuan<strong>do</strong> esta conduta interpretada objetivamente según la ley, según las buenas<br />

costumbres o la buena fe, justifica la conclusión <strong>de</strong> que no se hará valer el <strong>de</strong>recho, o<br />

44 BORDA, Alejandro. La teoria <strong>de</strong> los actos propios. Buenos Aires, Abele<strong>do</strong>-Perrot, 1987, n. 7-f, p. 21-22; DIEZ-<br />

PICAZO, Luis. La Doctrina <strong>de</strong> los proprios actos - un Estudio Crítico sobre la Jurispru<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>l Tribunal Supremo,<br />

Barcelona: Bosch, 1963, p. 40<br />

45 GOYTISOLO, Vallet <strong>de</strong>. Notas Críticas a “la <strong>do</strong>ctrina <strong>de</strong> los actos proprios, in Anuario <strong>de</strong> Derecho Civil, t. XVI,<br />

fascículo II, p. 467.<br />

46 DIEZ-PICAZO, Luis. La Doctrina <strong>de</strong> los proprios actos cit., 1963, p. 45<br />

47 DIEZ-PICAZO, Luis. La Doctrina <strong>de</strong> los proprios actos cit., p. 52-54.<br />

48 BRUTAU, Puig. Estudios <strong>de</strong> Derecho Compara<strong>do</strong>. La <strong>do</strong>ctrina <strong>de</strong> los actos propios. Barcelona: Ed. Ariel, 1951, p. 104;<br />

DIEZ-PICAZO, Luis. La Doctrina <strong>de</strong> los proprios actos cit., p. 87.<br />

19


cuan<strong>do</strong> el ejercicio posterior choque contra la ley, las buenas costumbres o la buena<br />

fe” 49.<br />

Mesmo sem regra expressa no direito positivo nacional, <strong>do</strong>utrina e jurisprudência<br />

atuais reconhecem “que as partes não po<strong>de</strong>m contradizer em juízo seus próprios atos<br />

anteriores, voluntários, juridicamente relevantes e plenamente eficazes, bem como se<br />

tornam inadmissíveis pretensões que coloquem a parte em contradição com seu<br />

comportamento anterior juridicamente relevante” 50.<br />

A aplicação da teoria <strong>do</strong>s atos próprios, enfim, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> norma legislada,<br />

porque constituí “uma regra <strong>de</strong>rivada <strong>do</strong> princípio geral da boa fé” 51:<br />

“Son las reglas objetivas <strong>de</strong> la honra<strong>de</strong>z en el comercio o en tráfico, que llevan a<br />

creer en la palabra empeñada y en que el acto sea concerta<strong>do</strong> lealmente, obran<strong>do</strong><br />

con rectitud...<br />

La buona fe lealtad es esencial para resolver el problema plantea<strong>do</strong> por el tema <strong>de</strong><br />

los actos proprios, porque ella impone - como hemos dicho - el <strong>de</strong>ber <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r<br />

con rectitu<strong>de</strong> y honra<strong>de</strong>z en el <strong>de</strong>senvolvimiento <strong>de</strong> las relaciones jurídicas y en la<br />

celebración, interpretación y ejecución <strong>de</strong> los negocios jurídicos. Por ello, es<br />

inadmisible la conducta contradictoria” 52.<br />

É como conseqüência lógica da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um comportamento coerente que o<br />

direito veta a conduta contraditória, qualifican<strong>do</strong>-a <strong>de</strong> contrária ao princípio geral da<br />

boa fé 53. Entre as mesmas partes, e acerca da mesma relação jurídica, portanto, a<br />

primeira conduta <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las, sen<strong>do</strong> relevante para a realização e execução <strong>do</strong><br />

negócio, vincula o respectivo agente, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a impedir-lhe qualquer outra futura<br />

atitu<strong>de</strong> que não seja coerente com a primitiva.<br />

Assim, quan<strong>do</strong> o juiz se <strong>de</strong>para com duas atitu<strong>de</strong>s contraditórias da mesma parte, <strong>de</strong>ve<br />

solucionar a li<strong>de</strong> levan<strong>do</strong> em conta a que primeiro foi manifestada, porque, na relação<br />

com a outra parte <strong>do</strong> negócio jurídico, ela assumiu força vinculante 54. Do contrário,<br />

prevaleceria a <strong>de</strong>slealda<strong>de</strong>, e “no es admisible que se premie la conduta contradictória, porque se<br />

violaria el princípio general <strong>de</strong> la buena fe” 55.<br />

49 ENNECERUS, Ludwig, NIPERDEY. Trata<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho civil – parte general. Barcelona: Bosch, 1947, t. I, v. II, n.<br />

208, p. 482.<br />

50 La Ley, t. 1984-A, p. 152<br />

51 BORDA, Alejandro. La teoria <strong>de</strong> los actos propios cit., n. 53, p. 56.<br />

52 IDEM, Ob. cit., n.s 68 e 69, p. 63-64<br />

53 DIEZ-PICAZO, Luis. La Doctrina <strong>de</strong> los proprios actos cit., p. 142<br />

54 BORDA, Alejandro. La teoria <strong>de</strong> los actos propios cit., n. 77, p. 71.<br />

55 IDEM, ob. cit., n. 122, p. 131.<br />

20


Repita-se: a incidência da regra “ninguém po<strong>de</strong>r ir contra seus próprios atos” não<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão expressa ou literal na legislação “porque é uma <strong>de</strong>rivação <strong>do</strong><br />

princípio geral <strong>de</strong> direito da boa fé, <strong>do</strong> qual constitui uma aplicação” 56.<br />

Aplican<strong>do</strong>-se a teoria <strong>do</strong>s atos próprios ao seguro, resulta que segura<strong>do</strong> e segura<strong>do</strong>r<br />

ficam vincula<strong>do</strong>s às <strong>de</strong>clarações e informações prestadas durante o procedimento <strong>de</strong><br />

regulação <strong>do</strong> sinistro, bem como a todas atitu<strong>de</strong>s e comportamentos <strong>de</strong> significa<strong>do</strong><br />

jurídico então a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s. Não lhes sen<strong>do</strong> lícito inovar em seus posicionamentos em<br />

juízo, os eventos protagoniza<strong>do</strong>s diretamente pelas partes no procedimento pré-<br />

processual transformam-se em importantes elementos para a instrução da causa em<br />

juízo.<br />

Na formação e execução <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> observância da mais estrita<br />

boa-fé e lealda<strong>de</strong> é imposto por preceito legal categórico (Código Civil, art. 765).<br />

Instaura<strong>do</strong> o procedimento regulatório, esse <strong>de</strong>ver traduz-se na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cooperação leal e veraz entre segura<strong>do</strong> e segura<strong>do</strong>r, para a precisa e justa apuração <strong>do</strong><br />

sinistro. Por isso, tu<strong>do</strong> que uma parte pratica em relação à outra, cria-lhe a expectativa<br />

<strong>de</strong> confiança e veracida<strong>de</strong>.<br />

A repulsa contida no princípio <strong>do</strong> venire contra factum proprium volta-se justamente<br />

contra o exercício <strong>de</strong> uma nova posição jurídica que se ponha em contradição com o<br />

comportamento anterior, com “quebra da boa-fé porque se volta contra as<br />

expectativas criadas” 57.<br />

É claro que o princípio não é absoluto e po<strong>de</strong> ser afasta<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> houver motivo<br />

para justificar, convenientemente, a inovação <strong>de</strong> comportamento, tal como o advento<br />

<strong>de</strong> fato novo ou a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> fato anterior <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> ao tempo <strong>do</strong><br />

comportamento pretérito que agora já não mais se sustenta. Inexistin<strong>do</strong>, todavia, causa<br />

para justificar a contradição, há <strong>de</strong> prevalecer, em nome da boa-fé e lealda<strong>de</strong>, a atitu<strong>de</strong><br />

primitiva, que, no caso em análise, seriam as <strong>de</strong>clarações e comportamentos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />

no curso <strong>do</strong> procedimento liqüidatório. Inaceitável seria, portanto, simplesmente a<br />

56 DOBSON, Juan M. El abuso <strong>de</strong> la personalidad juridica en el <strong>de</strong>recho priva<strong>do</strong>. Buenos Aires: Desalma, 1985, n. 162,<br />

p. 281.<br />

57 NEGREIROS, Teresa. Teoria <strong>do</strong> contrato. Novos paradigmas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar: 2002, p. 147. Por exemplo,<br />

a jurisprudência já <strong>de</strong>cidiu que o segura<strong>do</strong>r que consentiu em receber pagamento <strong>do</strong> prêmio em atraso, sem<br />

qualquer ressalva, não po<strong>de</strong> invocar esse mesmo atraso como exceptio non adimpleti contractus para não cumprir a<br />

21


postura <strong>de</strong> dar em juízo versão diversa da que voluntariamente se a<strong>do</strong>tara na regulação<br />

<strong>do</strong> sinistro.<br />

11. Conclusões<br />

À luz <strong>do</strong> que se expôs, impõem-se as seguintes conclusões:<br />

a) a execução <strong>do</strong> contrato <strong>de</strong> seguro <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> leal e efetiva<br />

cooperação entre segura<strong>do</strong> e segura<strong>do</strong>r, uma vez que nesse tipo <strong>de</strong> negócio jurídico<br />

assume especial relevo o princípio da boa-fé;<br />

b) a regulação <strong>do</strong> sinistro é fase indispensável <strong>do</strong> cumprimento <strong>do</strong><br />

contrato e se inclui entre as prestações <strong>de</strong>vidas pelo segura<strong>do</strong>r e segura<strong>do</strong>;<br />

c) trata-se <strong>de</strong> procedimento, em regra, extrajudicial, <strong>do</strong> que resultam<br />

importantes efeitos tanto no plano material como processual;<br />

d) na superveniência <strong>de</strong> litígio leva<strong>do</strong> à composição em juízo, presta-se a<br />

regulação <strong>do</strong> sinistro como fonte relevante <strong>de</strong> provas úteis para o processo judicial,<br />

tais como as <strong>do</strong>cumentais e periciais, assim como as que se extraem das <strong>de</strong>clarações e<br />

comportamentos das partes, em face da teoria <strong>do</strong>s atos próprios.<br />

Belo Horizonte, maio <strong>de</strong> 2004.<br />

Humberto Theo<strong>do</strong>ro Júnior<br />

in<strong>de</strong>nização <strong>do</strong> sinistro (STJ, 4ªT., REsp. 36.022-6/SP, Rel. Min. Sálvio <strong>de</strong> Figueire<strong>do</strong>, ac. 16.05.1995, LEXSTJ<br />

79/146 ).<br />

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