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Análise de obrAs literáriAs

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<strong>Análise</strong> <strong>de</strong> <strong>obrAs</strong> <strong>literáriAs</strong><br />

iracema<br />

josé mArtiniAno <strong>de</strong><br />

AlencAr júnior<br />

Rua General Celso <strong>de</strong> Mello Rezen<strong>de</strong>, 301 – Tel.: (16) 3603·9700<br />

CEP 14095-270 – Lagoinha – Ribeirão Preto-SP<br />

www.sistemacoc.com.br


Aol-11<br />

sumário<br />

1. contexto sociAl e HistÓrico .................................................... 7<br />

2. estilo literário dA épocA ........................................................... 8<br />

3. o Autor ................................................................................................. 12<br />

4. A obrA .................................................................................................... 14<br />

5. exercÍcios ........................................................................................... 28


iracema<br />

josé mArtiniAno <strong>de</strong><br />

AlencAr júnior


Aol-11 1. Contexto soCial e HistÓRiCo<br />

7<br />

iracema<br />

A vinda <strong>de</strong> d. joão Vi para o brasil e as consequentes transformações ocorridas<br />

em nosso quadro cultural, como a inauguração da biblioteca pública (hoje<br />

biblioteca nacional), a criação <strong>de</strong> cursos médico-cirúrgicos na bahia e no rio <strong>de</strong><br />

janeiro, a Aca<strong>de</strong>mia da marinha e a Aca<strong>de</strong>mia militar, o real Horto (jardim<br />

botânico) e o museu real, contribuíram para a inserção <strong>de</strong> um ensino técnico e<br />

científico em nosso meio, embora visasse sobretudo à reorganização do Exército e<br />

da Marinha. A criação <strong>de</strong> escolas e <strong>de</strong> cursos profissionais visava a uma resposta<br />

imediata para os problemas do governo português recém-transladado ao brasil.<br />

A nova configuração do meio brasileiro, que adquiria aspectos urbanos, necessitava<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados profissionais. A in<strong>de</strong>pendência política, realizada catorze<br />

anos após a chegada <strong>de</strong> d. joão Vi, e as lutas para sustentá-la contra portugal,<br />

como os problemas militares externos (a Cisplatina) e internos (a Confe<strong>de</strong>ração<br />

do equador), colocaram a questão política e militar em primeiro plano, apresentando<br />

como único empreendimento cultural do primeiro império a criação das<br />

Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ciências jurídicas e sociais, em 1827, em olinda e em são paulo.<br />

no período da regência (1831-1840), foi criado o colégio pedro ii.<br />

no dia 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1808, começou a funcionar no brasil a primeira tipografia,<br />

que imprimia livros científicos e um jornal, A Gazeta do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Aos poucos, numa terra <strong>de</strong> analfabetos, foram-se criando um público leitor e as<br />

condições necessárias para a consolidação <strong>de</strong> uma literatura.<br />

Após a in<strong>de</strong>pendência do brasil, em 1822, cresceu entre os intelectuais brasileiros<br />

o sentimento <strong>de</strong> nacionalismo e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> criar uma literatura i<strong>de</strong>ntificada com<br />

as raízes históricas do país e do seu povo, com o intuito <strong>de</strong> diferenciá-la da literatura<br />

portuguesa. os escritores românticos brasileiros ansiavam por criar uma literatura<br />

que contivesse os elementos essenciais da cultura brasileira; surgiu, então, a primeira<br />

geração romântica, que trabalhava os temas do indianismo e do nacionalismo.<br />

O teatro romântico brasileiro surgiu <strong>de</strong>ntro do programa <strong>de</strong> nacionalização<br />

da literatura.


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

2. estilo liteRáRio da époCa<br />

8


Aol-11<br />

9<br />

iracema<br />

A palavra romântico <strong>de</strong>riva do latim romanice e significa “à maneira dos<br />

romanos”. no século xii, o termo rommant referia-se à língua vulgar, ou seja,<br />

toda língua que não fosse o latim.<br />

das acepções da palavra romantismo, convém distinguir: 1) a palavra romantismo<br />

<strong>de</strong>riva <strong>de</strong> romântico (romantic), que, por sua vez, <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> romance<br />

(roman). o adjetivo romântico <strong>de</strong>signava, na inglaterra do século xVii, as narrativas<br />

fantasiosas das novelas <strong>de</strong> cavalaria; 2) no século xViii, na França, <strong>de</strong>signava<br />

paisagens selvagens e pitorescas; 3) no século xix, na Alemanha, <strong>de</strong>signava uma<br />

tendência artística contrária ao classicismo.<br />

como o adjetivo romântico é empregado sem muito rigor, normalmente<br />

ocorrem algumas confusões, porque ora <strong>de</strong>signa um estado <strong>de</strong> espírito, uma<br />

atitu<strong>de</strong>, estando, portanto, presente em todas as épocas, ora <strong>de</strong>signa uma escola<br />

literária do início do século xix.<br />

como escola literária, o romantismo surgiu na Alemanha, com a publicação<br />

da revista athenäeum, editada pelos irmãos schlegal, <strong>de</strong> 1798 a 1800, em iena,<br />

espalhando-se daí para o restante do mundo.<br />

na inglaterra, o romantismo teve início em 1798, com a edição <strong>de</strong><br />

Lyrical Ballads, <strong>de</strong> autoria conjunta <strong>de</strong> Wordsworth e coleridge. na França, o<br />

romantismo passou a ter plena aceitação em 1820, com méditations, do poeta<br />

lamartine.<br />

em portugal, o ano <strong>de</strong> 1825, com a publicação <strong>de</strong> camões, <strong>de</strong> Almeida<br />

Garrett, marcou o início do Romantismo português. O Romantismo no Brasil teve<br />

início em 1836, com a publicação <strong>de</strong> Suspiros poéticos e sauda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> Gonçalves<br />

<strong>de</strong> magalhães.<br />

O Romantismo valoriza, sobremaneira, o i<strong>de</strong>alismo e o espiritualismo. Por<br />

i<strong>de</strong>alismo, entenda-se o primado do sujeito sobre o objeto, ou seja, o universo<br />

interior é mais importante que a realida<strong>de</strong> exterior e, por isso, as emoções importam<br />

mais que a realida<strong>de</strong>, a subjetivida<strong>de</strong> vale mais que a realida<strong>de</strong> externa,<br />

e as emoções falam mais alto que a razão. Por espiritualismo, entenda-se que a<br />

realida<strong>de</strong> é o espírito e a matéria (o real) é inferior ao espírito, <strong>de</strong>vendo apenas<br />

servi-lo.<br />

O Romantismo valoriza a noite, o sonho, a dor, a arte e a natureza como<br />

formas <strong>de</strong> fugir da realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> negar a razão. Para os românticos, em oposição<br />

ao Iluminismo do século XVIII, não é a razão que leva o homem ao conhecimento<br />

do infinito, mas o sentimento e a fantasia. Por isso, cabe ao poeta, e não ao<br />

racionalista, a <strong>de</strong>scoberta do sentido da vida.<br />

o homem romântico encontra-se no limiar <strong>de</strong> dois mundos: pela alma, está<br />

ligado ao divino, e aí resi<strong>de</strong> sua gran<strong>de</strong>za; pelo corpo, está preso à matéria, e aí


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

resi<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>sgraça. Sua meta<strong>de</strong> matéria o pren<strong>de</strong> ao mundo físico, o que faz<br />

com que ele sinta uma profunda nostalgia do infinito e do divino, e toda separação,<br />

seja da infância, do lar, da amada ou da pátria, <strong>de</strong>sperta nele a sauda<strong>de</strong> do<br />

infinito. Por isso, para ele a vida é insuportável, e a morte é vista como solução<br />

para o sofrimento. como os cristãos chamam o mundo terreno <strong>de</strong> século, vem<br />

daí o “mal do século”, isto é, a consciência <strong>de</strong> que este mundo é apenas sofrimento<br />

e, portanto, o melhor a fazer é abandoná-lo, seja através do sonho, seja<br />

através da morte, vista como “a recompensa da vida”. O homem nasceu para a<br />

dor, não para a alegria.<br />

para o romântico, o sentimento mais importante é o amor, porque liga o<br />

homem ao infinito. Todo o amor terreno é apenas a superfície do amor infinito,<br />

que só po<strong>de</strong> ser alcançado pela morte. daí a morte completar o amor, pois só<br />

no infinito o homem po<strong>de</strong> viver a plenitu<strong>de</strong> do sentimento amoroso. Por isso,<br />

o final feliz não é importante, porque a única felicida<strong>de</strong> possível resi<strong>de</strong> na comunhão<br />

com o infinito. O sentimento elevado ao infinito é o que o romântico<br />

chama <strong>de</strong> sublime.<br />

como a alma do homem não é <strong>de</strong>ste mundo, ele se rebela contra toda regra<br />

que <strong>de</strong>seje prendê-lo, pois acredita que a sua alma é livre. nada, portanto,<br />

po<strong>de</strong> prendê-lo, nem as regras da socieda<strong>de</strong> nem as regras da criação literária.<br />

daí a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ruptura com todas as regras da arte e com tudo o que aprisiona<br />

o homem.<br />

A relação do homem com sua parte divina po<strong>de</strong> ocorrer por intermédio<br />

da nação, que o romântico enten<strong>de</strong> como um povo que se organiza politicamente<br />

num território, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> divina. por isso, a inspiração vem<br />

do povo, e o artista é nacionalista, <strong>de</strong>vendo saber traduzir, em seus textos, a<br />

“alma do povo”. Não é por acaso que, no Romantismo, surgiu uma ciência que<br />

procurava investigar a sabedoria popular, recebendo o nome <strong>de</strong> folclore.<br />

o individualismo romântico não é contrário ao sentimento nacionalista,<br />

porque, em sua solidão, o romântico sente simpatia por todos os seres do universo<br />

e em particular pelo ser humano. em seu egocentrismo, ele se sente integrado<br />

ao cosmos.<br />

o movimento romântico brasileiro coinci<strong>de</strong> com o momento <strong>de</strong>cisivo <strong>de</strong><br />

autonomia da pátria. os escritores tomam para si a missão <strong>de</strong> reconhecer e valorizar<br />

o passado brasileiro, conferindo à literatura cores locais e esforçando-se<br />

para criar uma literatura legitimamente brasileira, capaz <strong>de</strong> revelar as qualida<strong>de</strong>s<br />

grandiosas da pátria que se tornara in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. neste sentido, josé <strong>de</strong> Alencar<br />

aparece na literatura brasileira como o consolidador do romance, realizando, na<br />

10


Aol-11<br />

11<br />

iracema<br />

prosa <strong>de</strong> ficção, sobretudo em romances como O Guarani e iracema, a tendência<br />

nacionalista que vinha sendo reclamada pela crítica.<br />

o gosto pelo teatro foi uma das características marcantes do romantismo<br />

em todos os países. No Brasil, coube a Gonçalves <strong>de</strong> Magalhães a encenação da<br />

primeira tragédia, intitulada antônio José ou O poeta e a inquisição, no dia 13 <strong>de</strong><br />

março <strong>de</strong> 1863, no palco do constitucional Fluminense, no rio <strong>de</strong> janeiro, sob<br />

os cuidados do ator joão caetano.<br />

o gran<strong>de</strong> nome do teatro romântico brasileiro é martins pena, consi<strong>de</strong>rado<br />

o inventor da comédia <strong>de</strong> costumes brasileira.<br />

o teatro <strong>de</strong> josé <strong>de</strong> Alencar é marcado por uma preocupação moral. A<br />

comédia O <strong>de</strong>mônio familiar apresenta a figura do menino escravo Pedro, o “<strong>de</strong>mônio<br />

familiar”, como um malandro e aproveitador, capaz apenas <strong>de</strong> fazer o<br />

mal para a família brasileira.<br />

Resumo das principais características românticas<br />

• Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<br />

• Escapismo, fuga da realida<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong> um retorno à infância e ao pas-<br />

sado histórico e por meio do sonho e da morte.<br />

• Individualismo, egocentrismo<br />

• Subjetivismo, valorização das emoções<br />

• Nacionalismo<br />

• I<strong>de</strong>alização da realida<strong>de</strong>


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

3. o aUtoR<br />

josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior nasceu em<br />

mecejana, ceará, no dia primeiro <strong>de</strong> maio <strong>de</strong><br />

1829. Era primogênito dos sete filhos <strong>de</strong> um<br />

padre que largou a batina, após conhecer<br />

uma prima, para se casar.<br />

seu pai, josé martiniano <strong>de</strong> Alencar,<br />

foi um importante político, tendo sido senador<br />

e presi<strong>de</strong>nte da província do ceará.<br />

josé <strong>de</strong> Alencar estudou direito<br />

na faculda<strong>de</strong> do largo são Francisco,<br />

em São Paulo, on<strong>de</strong> travou amiza<strong>de</strong><br />

com Álvares <strong>de</strong> Azevedo, Aureliano<br />

Lessa e Bernardo Guimarães, com<br />

quem fundou a famosa epicureia,<br />

uma socieda<strong>de</strong> “etílico-literária-<br />

-charutesca”, que marcou época<br />

naquela faculda<strong>de</strong>.<br />

Formado em Direito, exerceu<br />

a advocacia, seguindo também<br />

uma promissora carreira política, sendo ministro da justiça <strong>de</strong> pedro ii e<br />

<strong>de</strong>putado por vários mandatos. entretanto, teve o seu nome vetado pelo próprio<br />

imperador a uma ca<strong>de</strong>ira no Senado, em razão <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>savença literária envolvendo<br />

o poeta Gonçalves <strong>de</strong> Magalhães (1811-1882), que havia publicado o seu<br />

poema épico-indianista, confe<strong>de</strong>ração dos Tamoios, sob as expensas <strong>de</strong> Pedro II.<br />

Ao <strong>de</strong>clarar que sua obra se tornaria o símbolo da poesia brasileira (assim como<br />

Os lusíadas, <strong>de</strong> Camões, simbolizavam a poesia <strong>de</strong> Portugal), recebeu críticas<br />

negativas <strong>de</strong> Alencar em artigos assinados sob o pseudônimo <strong>de</strong> ig. pedro ii saiu<br />

em <strong>de</strong>fesa do amigo poeta, com o artigo Um outro amigo do poeta. não satisfeito,<br />

proibiu Alencar <strong>de</strong> assumir o senado, alegando que ele ainda era jovem para tal<br />

cargo. inconformado, Alencar retrucou, perguntando ao imperador como alguém<br />

<strong>de</strong> 14 anos po<strong>de</strong>ria, então, ter assumido o império.<br />

<strong>de</strong>cepcionado com a política, passou a <strong>de</strong>dicar-se com mais frequência<br />

à carreira literária (e também à jornalística), explorando o romance, a crônica,<br />

o teatro, a poesia e a crítica literária, tornando-se o mais completo escritor do<br />

romantismo brasileiro. josé <strong>de</strong> Alencar morreu no rio <strong>de</strong> janeiro, em 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 1877, acometido pela tuberculose.<br />

12


Romances sociais<br />

1856 – cinco minutos<br />

1857 – a viuvinha<br />

1862 – Lucíola<br />

1864 – Diva<br />

1870 – a pata da gazela<br />

1872 – Sonhos D’Ouro<br />

1875 – Senhora<br />

1893 – encarnação<br />

Romances indianistas<br />

1857 – O Guarani<br />

1865 – iracema<br />

1874 – Ubirajara<br />

Romances regionalistas<br />

1870 – O gaúcho<br />

1871 – O tronco do ipê<br />

1874 – Til<br />

1875 – O sertanejo<br />

Romances históricos<br />

1865 – as minas <strong>de</strong> prata<br />

1871 – Guerra dos mascates<br />

1873 – alfarrábios<br />

Aol-11 obRas<br />

13<br />

Narrativa autobiográfica<br />

iracema<br />

1893 – como e por que sou romancista<br />

teatro<br />

1857 – O crédito<br />

1857 – Verso e reverso<br />

1857 – O <strong>de</strong>mônio familiar<br />

1858 – as asas <strong>de</strong> um anjo<br />

1860 – mãe<br />

1867 – a expiação<br />

1875 – O jesuíta<br />

Crítica literária e polêmica<br />

1856 – cartas sobre a confe<strong>de</strong>ração dos<br />

Tamoios<br />

1865 – ao imperador: cartas políticas <strong>de</strong><br />

erasmo e novas cartas políticas <strong>de</strong><br />

erasmo<br />

1866 – ao povo: cartas políticas <strong>de</strong> erasmo<br />

1866 – O sistema representativo<br />

Crônica<br />

1874 – ao correr da pena


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

4. a obRa<br />

14


Aol-11<br />

CaRaCteRÍstiCas GeRais<br />

15<br />

iracema<br />

José <strong>de</strong> Alencar soube como ninguém explorar o espaço que lhe era concedido<br />

no jornal. criou colunas para suas crônicas, publicou seus romances <strong>de</strong><br />

folhetim, já que era muito difícil conseguir quem os editasse em livros – vale<br />

a pena lembrarmos que a primeira editora nacional só surgiu no começo do<br />

século XX, fundada por Monteiro Lobato (1882-1948). Também não se <strong>de</strong>ixou<br />

intimidar, escrevendo críticas e criando polêmicas, que fizeram <strong>de</strong>le um dos<br />

nomes mais respeitados, admirados e temidos no meio jornalístico da época.<br />

Alguns <strong>de</strong> seus romances, como Senhora e Lucíola, já <strong>de</strong>ixavam transparecer,<br />

<strong>de</strong>vido aos temas tratados, características realistas; já outros, como O<br />

Guarani e iracema, fizeram <strong>de</strong> Alencar o maior romancista romântico <strong>de</strong> nossa<br />

literatura. o primeiro, quando publicado no Diário do rio <strong>de</strong> Janeiro, sob a forma<br />

<strong>de</strong> folhetim, causou tanto impacto, furor e frenesi na época que era comum<br />

ver pessoas em círculo escutando um leitor <strong>de</strong> boa voz contar o capítulo do<br />

dia. já iracema, uma das obras-primas <strong>de</strong> nossa literatura, é consi<strong>de</strong>rada um<br />

verda<strong>de</strong>iro poema em prosa (ou uma prosa poética?), <strong>de</strong>vido à beleza e à rara<br />

sensibilida<strong>de</strong> com que nos é contada a história <strong>de</strong> martim e iracema.<br />

Conhecedor <strong>de</strong> nossa cultura indígena – assim como Gonçalves Dias (1823-<br />

1864) na poesia –, Alencar, como vimos, escreveu três romances indianistas: o<br />

Guarani (este também com valor histórico, daí ser consi<strong>de</strong>rado o introdutor do<br />

romance histórico na literatura brasileira), iracema e Ubirajara. em O Guarani, temos<br />

a figura do índio assimilando a cultura europeia <strong>de</strong> Ceci e <strong>de</strong> sua família; em<br />

iracema, temos o contrário, isto é, a figura do europeu, no caso Martim, assimilando<br />

a cultura indígena <strong>de</strong> poti e iracema. em Ubirajara, temos somente a presença<br />

do índio, já que, ao contrário das duas anteriores, que se passam por volta <strong>de</strong><br />

1600, esta se passa antes <strong>de</strong> 1500, portanto sem a presença do elemento branco.<br />

por isso, consi<strong>de</strong>ramos ubirajara o mais aborígene romance <strong>de</strong> Alencar.<br />

Quanto à linguagem, Alencar adotou a coloquial. Assim, encontramos<br />

alguns erros que não ferem gravemente a nossa gramática, mas que foram duramente<br />

criticados pelo seu conterrâneo Franklin távora (1842-1888), autor <strong>de</strong><br />

O cabeleira e iniciador da literatura regionalista nor<strong>de</strong>stina. távora, que lutava<br />

por uma literatura tipicamente brasileira (e essa literatura, para ele, obrigatoriamente<br />

tinha <strong>de</strong> ser a nor<strong>de</strong>stina, única região que não havia sido influenciada<br />

pelos costumes europeus, apesar das invasões holan<strong>de</strong>sas e francesas),<br />

não se conformava que um cearense, assim como ele, escrevesse <strong>de</strong> maneira<br />

europeizada. Trocaram, então, farpas literárias: Távora sob o pseudônimo <strong>de</strong><br />

semprônio, Alencar, sob o <strong>de</strong> cincinato.


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

CaRaCteRÍstiCas <strong>de</strong> iRaCeMa<br />

o poeta mo<strong>de</strong>rnista manuel ban<strong>de</strong>ira (1886-1968), em seu livro Louvações, homenageou<br />

josé <strong>de</strong> Alencar e sua obra iracema pelo centenário <strong>de</strong> sua publicação:<br />

Louvo o Padre, louvo o Filho<br />

e louvo o espírito Santo.<br />

i<strong>de</strong>m louvo, exalto e canto<br />

O prosador, gran<strong>de</strong> filho<br />

Do Norte, e que no <strong>de</strong>serto<br />

Do romance nacional<br />

ergueu, escorreito e diserto,<br />

Seu mundo, – um mundo imortal.<br />

além, muito além da serra<br />

Que lá azula no horizonte,<br />

inventou a donzela insonte,<br />

Símbolo da nossa terra,<br />

e escreveu o que é mais poema<br />

Que romance, e poema menos<br />

Que um mito, melhor que Vênus:<br />

a doce, a meiga iracema.<br />

e o mito inda está tão jovem<br />

Qual quando o criou alencar.<br />

Debal<strong>de</strong> sobre ele chovem<br />

Os anos, sem o alterar.<br />

Nem uma ruga no canto<br />

Dos olhos <strong>de</strong> moço brilho!<br />

Louvo o Padre, louvo o Filho<br />

e louvo o espírito Santo<br />

para muitos, a palavra iracema é o anagrama <strong>de</strong> américa, isto é, o novo<br />

mundo nascido do cruzamento do Velho Mundo com o Mundo Selvagem. Temos,<br />

então, a seguinte equação:<br />

Velho Mundo (europa / martim) + Mundo selvagem (indígena / iracema)<br />

= novo Mundo (América / moacir).<br />

16


Aol-11<br />

17<br />

iracema<br />

tendo como subtítulo Lenda do ceará, daí não possuir o mesmo valor<br />

histórico contido em O Guarani (que trata da fundação do rio <strong>de</strong> janeiro), iracema<br />

é, portanto, uma obra alegórica sobre a colonização do Ceará, po<strong>de</strong>ndo,<br />

perfeitamente, representar toda a colonização brasileira. Desse modo, po<strong>de</strong>mos<br />

consi<strong>de</strong>rar Moacir, o filho do sofrimento, não só o primeiro cearense, mas o<br />

primeiro brasileiro.<br />

são características românticas presentes em iracema: nacionalismo; i<strong>de</strong>alização<br />

do índio como um herói (aí entra também a figura do guerreiro branco,<br />

Martim); sentimentalismo exagerado; retorno ao passado; e sentimento <strong>de</strong> religiosida<strong>de</strong><br />

cristã, como po<strong>de</strong>mos perceber neste trecho:<br />

O cristão repeliu do seio a virgem indiana. ele não <strong>de</strong>ixará o rastro da <strong>de</strong>sgraça<br />

na cabana hospe<strong>de</strong>ira. cerra os olhos para não ver, e enche sua alma com o nome e a<br />

veneração <strong>de</strong> seu Deus:<br />

– cristo!... cristo!...<br />

Quanto ao foco narrativo<br />

narrado em terceira pessoa, o narrador, dotado <strong>de</strong> onisciência, isto é, sabe<br />

<strong>de</strong> tudo o que acontece com os seus personagens, mostra-se tão inspirado quanto<br />

qualquer exaltado poeta do período, <strong>de</strong>ixando pelo caminho <strong>de</strong> sua narrativa<br />

um rastro <strong>de</strong> mensagens <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, amor, sabedoria, felicida<strong>de</strong> e família, que<br />

po<strong>de</strong>mos sintetizar nesta fala <strong>de</strong> Poti:<br />

– O guerreiro sem amigo é como a árvore solitária que o vento açouta no meio do<br />

campo; o fruto <strong>de</strong>la nunca amadurece. a felicida<strong>de</strong> do varão é a prole, que nasce <strong>de</strong>le e<br />

faz seu orgulho; cada guerreiro que sai <strong>de</strong> suas veias é mais um galho que leva seu nome<br />

às nuvens, como a grimpa do cedro. amado <strong>de</strong> Tupã, é o guerreiro que tem uma esposa,<br />

um amigo e muitos filhos; ele nada mais <strong>de</strong>seja senão a morte gloriosa.<br />

Quanto à linguagem<br />

como bem disse manuel ban<strong>de</strong>ira, Alencar escreveu um romance que<br />

se parece mais com um poema. Isso porque o romancista-poeta se utilizou <strong>de</strong><br />

recursos estilísticos, principalmente <strong>de</strong> símiles e metáforas da fauna e da flora<br />

<strong>de</strong> nossa natureza, para a caracterização <strong>de</strong> seus personagens, tanto no aspecto<br />

físico quanto no emocional, fazendo com que eles surgissem amalgamados a<br />

essa natureza.<br />

– O gavião paira nos ares. Quando o nambu levanta, ele cai das nuvens e rasga as<br />

entranhas da vítima. O guerreiro tabajara, filho da serra é o gavião.<br />

– O guerreiro pitiguara é a ema que voa sobre a terra; nós o seguiremos como suas<br />

asas – disse iracema.<br />

– as lágrimas da mulher amolecem o coração do guerreiro, como o orvalho da<br />

manhã amolece a terra.


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

Quanto ao tempo<br />

o romance iracema se passa por volta <strong>de</strong> 1600, já com a presença do colonizador<br />

europeu. Essa é uma época <strong>de</strong> lutas entre os portugueses e os invasores<br />

franceses e holan<strong>de</strong>ses.<br />

Tempos <strong>de</strong>pois, quando veio albuquerque, o gran<strong>de</strong> chefe dos guerreiros brancos,<br />

martim e camarão partiram para as margens do mearim a castigar o feroz tupinambá<br />

e expulsar o branco tapuia.<br />

Quanto ao espaço<br />

As ações se passam no território cearense. A tribo tabajara (senhor das<br />

al<strong>de</strong>ias) domina o interior da província. já a tribo pitiguara ou potiguara (senhor<br />

dos vales) domina o litoral (daí uma tribo <strong>de</strong> pescadores ou, pejorativamente, os<br />

comedores <strong>de</strong> camarão, segundo os seus inimigos).<br />

Poti saudou o amigo e falou assim:<br />

– antes que o pai <strong>de</strong> Jacaúna e Poti, o valente guerreiro Jatobá, mandasse sobre<br />

todos os guerreiros pitiguaras o gran<strong>de</strong> tacape da nação estava na <strong>de</strong>stra <strong>de</strong> Batuireté,<br />

o maior chefe, pai <strong>de</strong> Jatobá. Foi ele que veio pelas praias do mar até o rio do jaguar, e<br />

expulsou os tabajaras para <strong>de</strong>ntro das terras, marcando a cada tribo seu lugar; <strong>de</strong>pois<br />

entrou pelo sertão até a serra que tomou seu nome.<br />

enRedo<br />

O primeiro capítulo, na verda<strong>de</strong>, é o último, em que Martim, seu filho,<br />

moacir, e o cão partem para portugal, logo após a morte <strong>de</strong> iracema. mas vamos<br />

ao enredo:<br />

martim, o guerreiro branco, vive entre os índios pitiguaras e tem o guerreiro<br />

poti como um irmão. os pitiguaras vivem no litoral, daí serem chamados<br />

também <strong>de</strong> senhores das palmeiras. numa caçada com poti, martim se per<strong>de</strong> do<br />

amigo, entrando na área habitada pelos inimigos tabajaras, tribo da índia iracema.<br />

e é justamente ela, ao sair do seu banho, quem o encontra e, pensando ser<br />

talvez ele algum mau espírito da floresta, atira nele sua flecha, acertando-o <strong>de</strong><br />

raspão no rosto.<br />

Foi rápido, como o olhar, o gesto <strong>de</strong> Iracema. A flecha embebida no arco partiu.<br />

Gotas <strong>de</strong> sangue borbulham na face do <strong>de</strong>sconhecido.<br />

mas iracema percebe que martim não era um espírito, tampouco um inimigo,<br />

e o amor entre eles nasce <strong>de</strong> maneira repentina. preocupada com o ferimento,<br />

iracema leva martim para sua tribo, apresentando-o ao pajé e seu pai, Araquém,<br />

como um convidado <strong>de</strong> tupã.<br />

18


Aol-11<br />

a virgem aponta para o estrangeiro e diz:<br />

– ele veio, pai.<br />

– Veio bem. É Tupã que traz o hóspe<strong>de</strong> à cabana <strong>de</strong> araquém.<br />

19<br />

iracema<br />

assim dizendo, o Pajé passou o cachimbo ao estrangeiro; e entraram ambos na<br />

cabana.<br />

iracema era a responsável por preparar o licor da jurema, uma bebida<br />

alucinógena que, segundo a crença, fazia com que os índios entrassem em contato<br />

com tupã, o seu <strong>de</strong>us, e com outros sonhos. mas para isso ela tinha <strong>de</strong> se<br />

manter virgem.<br />

iracema voltara com as mulheres chamadas para servir o hóspe<strong>de</strong> <strong>de</strong> araquém, e<br />

os guerreiros vindos para obe<strong>de</strong>cer-lhe.<br />

– Guerreiro branco – disse a virgem –, o prazer embale tua re<strong>de</strong> durante a noite; e o<br />

sol traga luz a teus olhos, alegria à tua alma.<br />

e assim dizendo, iracema tinha o lábio trêmulo, e úmida a pálpebra.<br />

– Tu me <strong>de</strong>ixas?<br />

– As mais belas mulheres da gran<strong>de</strong> taba contigo ficam.<br />

– Para elas a filha <strong>de</strong> Araquém não <strong>de</strong>via ter conduzido o hóspe<strong>de</strong> à cabana do Pajé.<br />

– estrangeiro, iracema não po<strong>de</strong> ser sua serva. É ela que guarda o segredo da jurema<br />

e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a bebida <strong>de</strong> Tupã.<br />

por estar martim com sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua pátria e <strong>de</strong> seus pais, e sabendo ainda<br />

que ele <strong>de</strong>ixara a sua noiva em Portugal, Iracema lhe prepara a bebida, para que<br />

ele os visse e matasse assim a sua sauda<strong>de</strong>.<br />

– Bebe!<br />

martim sentiu perpassar nos olhos o sono da morte; porém logo a luz inundou-lhe<br />

os seios d’alma; a força exuberou em seu coração. reviveu os dias passados melhor do que<br />

os tinha vivido: fruiu a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas mais belas esperanças.<br />

ei-lo que volta à terra natal, abraça a velha mãe, revê mais lindo e terno o anjo<br />

puro dos amores infantis.<br />

irapuã, chefe dos tabajaras, ao saber da presença do branco em sua tribo<br />

e <strong>de</strong> seu envolvimento com Iracema, por quem era apaixonado, enciúma-se e o<br />

<strong>de</strong>safia para um combate.<br />

– O coração aqui no peito <strong>de</strong> Irapuã ficou tigre. Pulou <strong>de</strong> raiva. Veio farejando a<br />

presa. O estrangeiro está no bosque, e iracema o acompanhava. Quero beber-lhe o sangue<br />

todo: quando o sangue do guerreiro branco correr nas veias do chefe tabajara, talvez o<br />

ame a filha <strong>de</strong> Araquém.


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

iracema protege martim da ira <strong>de</strong> irapuã. mas o seu <strong>de</strong>sejo é vê-lo longe<br />

dos campos tabajaras e revela-lhe o seu segredo:<br />

– Guerreiro branco, Iracema é filha do Pajé, e guarda o segredo da jurema. O<br />

guerreiro que possuísse a virgem <strong>de</strong> Tupã morreria.<br />

caubi é <strong>de</strong>stinado por seu pai, Araquém, a ser o guia <strong>de</strong> martim, levando-<br />

-o em segurança até a presença <strong>de</strong> poti. entretanto, os tabajaras os perseguem e<br />

Iracema tem <strong>de</strong> voltar à cabana <strong>de</strong> seu pai, on<strong>de</strong> Martim é escondido.<br />

Quem seus olhos primeiro viram, martim, estava tranquilamente sentado em<br />

uma sapopema, olhando o que passava ali. contra, cem guerreiros tabajaras com irapuã<br />

à frente, formavam arco. O bravo caubi os afrontava a todos, com o olhar cheio <strong>de</strong> ira e<br />

as armas valentes empunhadas na mão robusta.<br />

O chefe exigira a entrega do estrangeiro, e o guia respon<strong>de</strong>ra simplesmente:<br />

– matai caubi antes.<br />

A filha do Pajé passara como uma flecha: ei-la diante <strong>de</strong> Martim, opondo também<br />

seu corpo gentil aos golpes dos guerreiros. irapuã soltou o bramido da onça atacada na<br />

furna.<br />

– Filha do Pajé – disse caubi em voz baixa –, conduz o estrangeiro à cabana: só<br />

araquém po<strong>de</strong> salvá-lo.<br />

Iracema prepara novamente o licor da jurema para Martim, que <strong>de</strong>sta vez<br />

sonha em possuir a bela índia.<br />

– Vai, e torna com o vinho <strong>de</strong> Tupã.<br />

Quando iracema foi <strong>de</strong> volta, já o Pajé não estava na cabana; tirou a virgem do<br />

seio o vaso que ali trazia oculto sob a carioba <strong>de</strong> algodão entretecida <strong>de</strong> penas. martim<br />

lhe arrebatou das mãos, e libou as gotas do ver<strong>de</strong> e amargo licor.<br />

Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo, que ali viçava<br />

entre sorrisos, como o fruto na corola da flor. Podia amá-la, e sugar <strong>de</strong>sse amor o mel e<br />

o perfume, sem <strong>de</strong>ixar veneno no seio da virgem.<br />

(...)<br />

A filha <strong>de</strong> Araquém escon<strong>de</strong>u no coração a sua ventura. Ficou tímida e inquieta,<br />

como a ave que pressente a borrasca no horizonte. afastou-se rápida, e partiu.<br />

as águas do rio banharam o corpo casto <strong>de</strong> recente esposa.<br />

Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras.<br />

os guerreiros tabajaras vão ao encontro <strong>de</strong> Araquém no bosque sagrado<br />

para o ritual do mistério da jurema. o pajé <strong>de</strong>creta a cada guerreiro um sonho<br />

enquanto distribui a bebida <strong>de</strong> tupã preparada por iracema:<br />

este, gran<strong>de</strong> caçador, sonha que os veados e as pacas correm <strong>de</strong> encontro às suas<br />

flechas para se transpassarem nelas (...).<br />

20


Aol-11<br />

21<br />

iracema<br />

Outro, fogoso em amores, sonha que as mais belas virgens tabajaras <strong>de</strong>ixam a<br />

cabana <strong>de</strong> seus pais e o seguem cativas <strong>de</strong> seu querer (...).<br />

O herói sonha tremendas lutas e horríveis combates, <strong>de</strong> que sai vencedor, cheio <strong>de</strong><br />

glória e fama.<br />

enquanto estão sob o efeito da bebida, iracema, proibida <strong>de</strong> presenciar o<br />

ritual, aproveita para levar martim ao encontro <strong>de</strong> poti. Ao transporem as terras<br />

dos tabajaras, pisando já na dos pitiguaras, a índia dos lábios <strong>de</strong> mel revela a<br />

martim que o que houve entre eles não tinha sido um sonho, portanto ela não<br />

era mais virgem, muito menos a protegida <strong>de</strong> tupã. e já se consi<strong>de</strong>rava mulher<br />

<strong>de</strong> martim, que a aceita como tal. mas os índios tabajaras, já refeitos do ritual<br />

sagrado, perseguem-nos novamente. Quando tudo parecia perdido, surgem os<br />

guerreiros pitiguaras, chefiados por Jacaúna, irmão <strong>de</strong> Poti, que <strong>de</strong>rrotam os<br />

tabajaras. iracema se entristece ao ver os cadáveres <strong>de</strong> seus irmãos no campo <strong>de</strong><br />

batalha, enquanto os sobreviventes fugiam envergonhados.<br />

iracema silvou como a boicininga; e arrojou-se contra a fúria do guerreiro tabajara.<br />

a arma rígida tremeu na <strong>de</strong>stra possante do chefe e o braço caiu-lhe <strong>de</strong>sfalecido.<br />

Soava a pocema da vitória. Os guerreiros pitiguaras conduzidos por Jacaúna e Poti<br />

varriam a floresta. Fugindo, os tabajaras arrebataram seu chefe ao ódio da filha <strong>de</strong> Araquém<br />

que o podia abater, como a jandaia abate o prócero coqueiro roendo-lhe o cerne.<br />

Os olhos <strong>de</strong> Iracema, estendidos pela floresta, viram o chão juncado <strong>de</strong> cadáveres<br />

<strong>de</strong> seus irmãos; e longe o bando dos guerreiros tabajaras que fugiam nuvem negra <strong>de</strong><br />

pó. aquele sangue que enrubescia a terra, era o mesmo sangue brioso que lhe ardia nas<br />

faces <strong>de</strong> vergonha.<br />

O pranto orvalhou seu lindo semblante.<br />

martim afastou-se para não envergonhar a tristeza <strong>de</strong> iracema.<br />

Ao chegarem ao litoral, martim e iracema se hospedam na tribo pitiguara.<br />

Mas a índia não se sente à vonta<strong>de</strong> vivendo numa tribo inimiga da sua. Partem,<br />

então, à procura <strong>de</strong> uma terra que não fosse dominada pela gran<strong>de</strong> nação “dos<br />

comedores <strong>de</strong> camarão”. Com o auxílio <strong>de</strong> Poti, Martim constrói a cabana na<br />

terra em que nasceria o próprio Alencar, mecejana.<br />

– estes campos são alegres, e ainda mais serão quando iracema neles habitar. Que<br />

diz teu coração?<br />

– O coração da esposa está sempre alegre junto <strong>de</strong> seu guerreiro e senhor.<br />

Seguindo pela margem do rio, o cristão escolheu um lugar para levantar a cabana.<br />

Poti cortou esteios dos troncos da carnaúba; a filha <strong>de</strong> Araquém ligava os leques<br />

da palmeira para vestir o teto e as pare<strong>de</strong>s; martim cavou a terra e fabricou a porta das<br />

fasquias da taquara.<br />

Quando veio a noite, os dois esposos armaram a re<strong>de</strong> em sua nova cabana; e o amigo<br />

no copiar que olhava para o nascente.


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

Iracema dá a Martim a notícia <strong>de</strong> sua gravi<strong>de</strong>z:<br />

Travou da mão do esposo, e impôs no regaço:<br />

– Teu sangue já vive no seio <strong>de</strong> Iracema. Ela será mãe <strong>de</strong> teu filho.<br />

– Filho, dizes tu? – exclamou o cristão em júbilo.<br />

Ajoelhou ali e cingindo-a com os braços, beijou o seio fecundo da esposa.<br />

mas um mensageiro pitiguara, mandado por jacaúna, convoca poti para<br />

uma gran<strong>de</strong> batalha: irapuã havia feito uma aliança com os brancos tapuias,<br />

como eram chamados os franceses pelos pitiguaras, para combater a gran<strong>de</strong><br />

nação <strong>de</strong> Jacaúna. Martim, guerreiro branco, <strong>de</strong>ixa Iracema grávida, partindo<br />

ao lado <strong>de</strong> poti.<br />

caminhando, caminhando, chegaram os guerreiros à margem <strong>de</strong> um lago, que<br />

havia nos tabuleiros.<br />

O cristão parou <strong>de</strong> repente e voltou o rosto para as bandas do mar: a tristeza saiu<br />

<strong>de</strong> seu coração e subiu à fronte.<br />

– Meu irmão – disse o chefe –, teu pé criou raiz na terra do amor, fica. Poti voltará<br />

breve.<br />

– Teu irmão te acompanha – ele disse –; e sua palavra é como a seta <strong>de</strong> teu arco:<br />

quando soa, é chegada.<br />

– Queres tu que iracema te acompanhe às margens do acaracu?<br />

– Nós vamos combater seus irmãos. a taba dos pitiguaras não terá para ela mais<br />

que tristeza e dor. A filha dos tabajaras <strong>de</strong>ve ficar.<br />

novamente os pitiguaras <strong>de</strong>rrotam os tabajaras, irmãos <strong>de</strong> iracema:<br />

martim e seu irmão haviam chegado à taba <strong>de</strong> Jacaúna, quando soava a inúbia: eles<br />

guiaram ao combate os mil arcos <strong>de</strong> Poti. ainda <strong>de</strong>ssa vez os tabajaras, apesar da aliança<br />

dos brancos tapuias do mearim, foram levados <strong>de</strong> vencida pelos valentes pitiguaras.<br />

Nunca tão disputada vitória e tão renhida pugna, se pelejou nos campos que regam<br />

o acararu e o camucim; o valor era igual <strong>de</strong> parte a parte, e nenhum dos dois povos fora<br />

vencido, se o <strong>de</strong>us da guerra, o torvo aresqui, não tivesse <strong>de</strong>cidido dar estas plagas à raça<br />

do guerreiro branco, aliada dos pitiguaras.<br />

Ao retornar, martim encontra iracema triste, pois percebe que o seu amado<br />

tem o pensamento em sua terra natal e na noiva que <strong>de</strong>ixara por lá:<br />

– O que espreme as lágrimas do coração <strong>de</strong> iracema?<br />

– Chora o cajueiro quando fica tronco seco e triste. Iracema per<strong>de</strong>u sua felicida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>pois que te separaste <strong>de</strong>la.<br />

– Não estou eu junto <strong>de</strong> ti?<br />

22


Aol-11<br />

23<br />

iracema<br />

– Teu corpo está aqui; mas tua alma voa à terra <strong>de</strong> teus pais, e busca a virgem<br />

branca, que te espera.<br />

martim doeu-se. Os gran<strong>de</strong>s olhos negros que a indiana pousara nele o tinham<br />

ferido no íntimo.<br />

– O guerreiro branco é teu esposo, ele te pertence.<br />

Sorriu em sua tristeza a formosa tabajara:<br />

– Quanto tempo há que retiraste <strong>de</strong> iracema teu espírito? Dantes, teu passo te<br />

guiava para as frescas serras e alegres tabuleiros: teu pé gostava <strong>de</strong> pisar a terra da felicida<strong>de</strong>,<br />

e seguir o rasto da esposa. agora só buscas as praias ar<strong>de</strong>ntes, porque o mar que<br />

lá murmura vem dos campos em que nasceste; e o morro das areias, porque do alto se<br />

avista a igara que passa.<br />

Iracema tem consciência <strong>de</strong> que faz do seu amado um infeliz. Martim parte<br />

novamente para guerrear ao lado dos pitiguaras. enquanto martim guerreia,<br />

nasce o seu filho. Iracema dá-lhe o nome <strong>de</strong> Moacir:<br />

iracema, sentindo que se lhe rompia o seio, buscou a margem do rio, on<strong>de</strong> crescia<br />

o coqueiro.<br />

estreitou-se com a haste da palmeira. a dor lacerou suas entranhas; porém logo o<br />

choro infantil inundou sua alma <strong>de</strong> júbilo.<br />

A jovem mãe, orgulhosa <strong>de</strong> tanta ventura, tomou o tenro filho nos braços e com<br />

ele arrojou-se às águas límpidas do rio. Depois suspen<strong>de</strong>u-o à teta mimosa; seus olhos o<br />

envolviam <strong>de</strong> tristeza e amor.<br />

– Tu és moacir, o nascido <strong>de</strong> meu sofrimento.<br />

caubi, irmão <strong>de</strong> iracema, aparece, dando-lhe notícias <strong>de</strong> Araquém,<br />

que nunca mais ergueu a cabeça <strong>de</strong>pois que a filha partiu. iracema pe<strong>de</strong><br />

a caubi que conte ao pai sobre a morte da filha, para, assim, aliviar o seu<br />

sofrimento.<br />

Iracema não tem leite para amamentar o seu filho. Filhotes <strong>de</strong> cachorro<br />

sugam o seu peito e:<br />

A feliz mãe arroja <strong>de</strong> si os cachorrinhos, e cheia <strong>de</strong> júbilo mata a fome ao filho. Ele<br />

é agora duas vezes filho <strong>de</strong> sua dor, nascido <strong>de</strong>la e também nutrido.<br />

Ao retornar para iracema, martim a encontra enfraquecida e ela, com gran<strong>de</strong><br />

esforço, entrega-lhe Moacir. Antes <strong>de</strong> morrer, faz um último pedido:<br />

– enterra o corpo <strong>de</strong> tua esposa ao pé do coqueiro que tu amavas. Quando o<br />

vento do mar soprar nas folhas, iracema pensará que é tua voz que fala entre seus<br />

cabelos.


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

Martim, seu filho, Moacir, e o cão partem para Portugal. Algum tempo<br />

<strong>de</strong>pois, voltam e colonizam o Ceará.<br />

O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a pre<strong>de</strong>stinação<br />

<strong>de</strong> uma raça.<br />

(...)<br />

Afinal volta Martim <strong>de</strong> novo às terras, que foram <strong>de</strong> sua felicida<strong>de</strong>, e são agora <strong>de</strong><br />

amarga sauda<strong>de</strong>.<br />

(...)<br />

era sempre com emoção que o esposo <strong>de</strong> iracema revia as plagas on<strong>de</strong> fora tão feliz,<br />

e as ver<strong>de</strong>s folhas a cuja sombra dormia a formosa tabajara.<br />

peRsonaGens<br />

iracema (lábios <strong>de</strong> mel) – Índia tabajara, responsável por preparar o licor<br />

da jurema, bebida que provoca alucinações em seus guerreiros. Apaixona-se por<br />

Martim, colonizador português, com quem per<strong>de</strong> a sua virginda<strong>de</strong>, quebrando a<br />

tradição da jurema. iracema representa o amor e a abnegação, morrendo em favor<br />

da colonização europeia. Como sabemos, Iracema é o anagrama <strong>de</strong> América. Na<br />

<strong>de</strong>scrição abaixo, note que a natureza serve <strong>de</strong> recurso para a caracterização da<br />

índia, entretanto a índia é superior à natureza:<br />

iracema, a virgem dos lábios <strong>de</strong> mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da<br />

graúna, e mais longos que seu talhe <strong>de</strong> palmeira.<br />

O favo da jati não era doce como o seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque<br />

como seu hálito perfumado.<br />

mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do<br />

ipu, on<strong>de</strong> campeava sua guerreira tribo, da gran<strong>de</strong> nação tabajara. O pé grácil e nu, mal<br />

roçando, alisava apenas a ver<strong>de</strong> pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.<br />

Martim (filho <strong>de</strong> guerreiro) – Português que passa a viver entre os índios<br />

pitiguaras. seu nome <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> marte, <strong>de</strong>us da guerra, daí dar mais importância<br />

às batalhas do que propriamente ao amor que nutria por Iracema.<br />

E é a própria Iracema quem o batiza com o nome indígena <strong>de</strong> Coatiabo,<br />

isto é, guerreiro pintado.<br />

Aliás, martim não sente remorso nenhum em lutar contra os tabajaras, tribo<br />

a que pertencia iracema. Historicamente, martim soares moreno participou das<br />

lutas contra os holan<strong>de</strong>ses e franceses que invadiram o nor<strong>de</strong>ste brasileiro.<br />

Diante <strong>de</strong>la e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e<br />

não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar,<br />

nos olhos o azul triste das águas profundas. ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe<br />

o corpo.<br />

24


Aol-11<br />

25<br />

iracema<br />

poti (camarão) – Guerreiro pitiguara, amigo <strong>de</strong> Martim. Convertido ao<br />

cristianismo, recebeu o nome <strong>de</strong> Antônio Filipe camarão. Historicamente,<br />

participou, ao lado dos portugueses, da guerra contra os invasores holan<strong>de</strong>ses,<br />

com a patente <strong>de</strong> capitão-mor dos índios. em iracema, Poti simboliza a amiza<strong>de</strong><br />

sincera e inquebrantável.<br />

O valente Poti, resvalando pela relva, como o ligeiro camarão, <strong>de</strong> que ele tomara<br />

o nome e a viveza, <strong>de</strong>sapareceu no lago profundo. a água não soltou um murmúrio, e<br />

cerrou sobre ele sua onda límpida.<br />

araquém – pajé dos tabajaras e pai <strong>de</strong> iracema. recebe martim em sua tribo,<br />

julgando-o ser um convidado <strong>de</strong> Tupã. Simboliza a sabedoria adquirida com a<br />

velhice (como todo pajé em uma tribo). é o responsável, no bosque sagrado, por<br />

distribuir os sonhos no momento em que os guerreiros tabajaras bebem o licor<br />

da jurema, preparado por Iracema. Com a partida da filha, sua cabeça vergou para<br />

o peito e não se ergueu mais.<br />

O ancião fumava à porta, sentado na esteira <strong>de</strong> carnaúba, meditando os sagrados<br />

ritos <strong>de</strong> Tupã. O tênue sopro da brisa carmeava, como frocos <strong>de</strong> algodão, os compridos e<br />

raros cabelos brancos. De imóvel que estava, sumia a vida nos olhos cavos e nas rugas<br />

profundas.<br />

Caubi (senhor do caminho) – irmão <strong>de</strong> iracema. é <strong>de</strong>signado por seu<br />

pai, Araquém, para ser o guia <strong>de</strong> martim até o encontro com poti. mais tar<strong>de</strong>,<br />

reencontra a irmã, quando, pela primeira vez, Martim a <strong>de</strong>ixara para guerrear,<br />

trazendo-lhe notícias <strong>de</strong> seu pai, Araquém.<br />

– Filha <strong>de</strong> araquém, escolhe para teu hóspe<strong>de</strong> o presente da volta e prepara o moquém<br />

da viagem. Se o estrangeiro precisa <strong>de</strong> guia, o guerreiro caubi, senhor do caminho,<br />

o acompanhará.<br />

andira (morcego) – Índio tabajara, irmão do pajé Araquém. Assim como<br />

o irmão, é pru<strong>de</strong>nte, mas acaba sendo ofendido por irapuã, por este não aceitar<br />

o seu conselho <strong>de</strong> não ir atrás dos pitiguaras e esperá-los para o combate.<br />

– andira, o velho andira, bebeu mais sangue na guerra do que já beberam cauim<br />

nas festas <strong>de</strong> Tupã, todos quantos guerreiros alumia agora a luz <strong>de</strong> seus olhos. ele viu mais<br />

combates em sua vida, do que as luas lhe <strong>de</strong>spiram a fronte. Quanto crânio <strong>de</strong> potiguara<br />

escalpelou sua mão implacável, antes que o tempo lhe arrancasse o primeiro cabelo? e<br />

o velho andira nunca temeu que o inimigo pisasse a terra <strong>de</strong> seus pais; mas alegrava-se<br />

quando ele vinha, e sentia com o faro da guerra a juventu<strong>de</strong> renascer no corpo <strong>de</strong>crépito,<br />

como a árvore seca renasce com o sopro do inverno. a nação tabajara é pru<strong>de</strong>nte. ela<br />

<strong>de</strong>ve encostar o tacape da luta para tanger o membi da festa. celebra, irapuã, a vinda<br />

dos emboabas e <strong>de</strong>ixa que cheguem todos aos nossos campos. então andira te promete o<br />

banquete da vitória.


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

irapuã (mel redondo) – Chefe dos tabajaras e apaixonado por Iracema. Daí<br />

o seu ciúme doentio, o seu ódio por martim e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> matá-lo a qualquer<br />

custo. Assim como poti e martim, irapuã também é um personagem histórico, só<br />

que é inimigo <strong>de</strong>clarado dos portugueses e aliado dos franceses que invadiram<br />

o maranhão.<br />

Desabriu, enfim, Irapuã a funda cólera:<br />

– Fica tu, escondido entre as igaçabas <strong>de</strong> vinho, fica, velho morcego, porque temes<br />

a luz do dia, e só bebes o sangue da vítima que dorme. irapuã leva a guerra no punho <strong>de</strong><br />

seu tacape. O terror que ele inspira voa com o rouco som do boré. O potiguara já tremeu<br />

ouvindo o rugir na serra, mais forte que o ribombo do mar.<br />

Jacaúna (jacarandá preto) – Gran<strong>de</strong> chefe dos pitiguaras e irmão <strong>de</strong> Poti.<br />

outro personagem histórico, foi amigo <strong>de</strong> martim soares moreno, lutando ao seu<br />

lado contra os holan<strong>de</strong>ses e franceses. Assim como Araquém, jacaúna representa<br />

a boa hospitalida<strong>de</strong>. Seu colar <strong>de</strong> guerra fazia voltas em seu pescoço, exibindo<br />

os <strong>de</strong>ntes dos inimigos por ele <strong>de</strong>rrotados.<br />

– Jacaúna é um gran<strong>de</strong> chefe, seu colar <strong>de</strong> guerra dá três voltas ao peito. O tabajara<br />

pertence ao guerreiro branco.<br />

Moacir (filho do sofrimento) – Filho <strong>de</strong> Iracema e Martim, simboliza não<br />

só o primeiro cearense, mas o primeiro brasileiro. com a morte <strong>de</strong> iracema,<br />

Martim o leva para Portugal, para <strong>de</strong>pois retornarem, dando início à colonização<br />

europeia.<br />

O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a pre<strong>de</strong>stinação<br />

<strong>de</strong> uma raça?<br />

QUatRo Índias e UM sÓ <strong>de</strong>stino<br />

O sofrimento que só vê o seu alívio com a morte não é exclusivo da índia<br />

iracema. outras três índias também foram marcadas em nossa literatura por essa<br />

tragicida<strong>de</strong>: lindoia, moema e ci.<br />

lindoia, personagem <strong>de</strong> O Uraguai, poema épico do árca<strong>de</strong> josé basílio<br />

da Gama (1740-1795), protagoniza a parte mais importante da obra ao se <strong>de</strong>ixar<br />

picar por uma serpente no seio. Após a morte <strong>de</strong> seu marido e chefe cacambo,<br />

envenenado a mando do padre Balda, Lindoia não se submete às or<strong>de</strong>ns do sacerdote,<br />

que a obrigava a ser casar com Bal<strong>de</strong>ta (filho do padre Balda com uma<br />

índia), optando, então, por morrer.<br />

o mesmo acontece com moema – personagem <strong>de</strong> caramuru, outro poema<br />

épico do também árca<strong>de</strong> frei josé <strong>de</strong> santa rita durão (1722-1784) –, que se <strong>de</strong>ixa<br />

afogar quando seguia a nado o navio que levava o seu gran<strong>de</strong> amor, Diogo<br />

álvares correia, e a índia paraguaçu para a França, on<strong>de</strong> se casariam.<br />

26


Aol-11<br />

27<br />

iracema<br />

ci – personagem <strong>de</strong> macunaíma, do mo<strong>de</strong>rnista mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (1893-<br />

1945) –, chefe das amazonas, é seduzida por Macunaíma, apaixona-se por ele, mas<br />

“sobe ao céu por um cipó” após per<strong>de</strong>r o seu filho recém-nascido, que mamara<br />

em seu peito envenenado pela gran<strong>de</strong> cobra preta.<br />

portanto, quatro índias unidas pelo mesmo sofrimento, que se <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia,<br />

inevitavelmente, para a morte, como po<strong>de</strong>mos notar nos três trechos a seguir:<br />

cansada <strong>de</strong> viver, tinha escolhido<br />

Para morrer a mísera Lindoia.<br />

(...)<br />

O <strong>de</strong>sgraçado irmão, que ao <strong>de</strong>spertá-la<br />

conhece, com que dor! no frio rosto<br />

Os sinais do veneno, e vê ferido<br />

Pelo <strong>de</strong>nte sutil o brando peito.<br />

(...)<br />

e por todas as vezes repetido<br />

O suspirado nome <strong>de</strong> cacambo.<br />

inda conserva o pálido semblante<br />

Um não sei quê <strong>de</strong> magoado e triste,<br />

Que os corações mais duros enternece<br />

Tanto era bela em seu rosto a morte.<br />

Tão dura ingratidão menos sentira<br />

e esse fado cruel e doce me fora,<br />

Se o meu <strong>de</strong>speito triunfar não vira<br />

O Uraguai<br />

essa indigna, essa infame, essa traidora.<br />

Por serva, por escrava, te seguira.<br />

Se não temera <strong>de</strong> chamar senhora<br />

a vil Paraguaçu, que, sem que o creia,<br />

Sobre ser-me inferior, é néscia e feia.<br />

Enfim, tens coração <strong>de</strong> ver-me aflita,<br />

Flutuar, moribunda, entre estas ondas;<br />

a um ai somente, com que aos meus respondas.<br />

Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,<br />

Nem o passado amor teu peito incita


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

(Disse, vendo-o fugir) ah, não te escondas<br />

Dispara sobre mim teu cruel raio...”<br />

e indo a dizer o mais, cai num <strong>de</strong>smaio.<br />

Per<strong>de</strong> o lume dos olhos, pasma e treme,<br />

Pálida a cor, o aspecto moribundo;<br />

com a mão já sem vigor, soltando o leme,<br />

entre as salsas escumas <strong>de</strong>sce ao fundo.<br />

mas na onda do mar, que, irado, freme<br />

Tornando a aparecer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o profundo,<br />

– ah, Diogo cruel! – disse com mágoa, –<br />

e sem mais vista ser, sorveu-se na água<br />

caramuru<br />

Terminada a função a companheira <strong>de</strong> macunaíma toda enfeitada ainda, tirou do<br />

colar uma muiraquitã famosa, <strong>de</strong>u-a pro companheiro e subiu pro céu por um cipó. É<br />

lá que ci vive agora nos trinques passeando, liberta das formigas, toda enfeitada ainda,<br />

toda enfeitada <strong>de</strong> luz, virada uma estrela. É a Beta do centauro.<br />

5. exeRCÍCios<br />

28<br />

macunaíma<br />

1. UFMG<br />

todas as personagens <strong>de</strong> iracema, <strong>de</strong> josé <strong>de</strong><br />

Alencar, estão corretamente explicadas, exceto:<br />

a) A filha <strong>de</strong> Araquém escon<strong>de</strong>u no coração a sua<br />

ventura. Ficou tímida e quieta como a ave que<br />

pressente a borrasca no horizonte.<br />

= iracema entrega-se a martim.<br />

b) iracema preparou as tintas. O chefe, embebendo as<br />

ramas da pluma, traçou pelo corpo os riscos vermelhos e pretos, que ornavam a gran<strong>de</strong><br />

nação pitiguara.<br />

= o chefe pinta martim, preparando-o para o combate com os tabajaras.<br />

c) iracema, sentindo que se lhe rompia o seio, buscou a margem do rio, on<strong>de</strong> crescia o coqueiro.<br />

= Iracema prepara-se para dar à luz Moacir.<br />

d) O guerreiro branco é hóspe<strong>de</strong> <strong>de</strong> araquém. a paz o trouxe aos campos do ipu, a paz<br />

o guarda.<br />

= iracema protege martim da fúria <strong>de</strong> irapuã.<br />

e) rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. ergue a virgem os olhos, que o sol<br />

não <strong>de</strong>slumbra, sua vista perturba-se.<br />

= Martim aparece pela primeira vez a Iracema, que saía do banho.


Aol-11<br />

29<br />

iracema<br />

2. iMe-RJ<br />

na visão romântica <strong>de</strong> josé <strong>de</strong> Alencar, o índio é:<br />

a) <strong>de</strong>scrito como um ser preguiçoso, que passa o tempo sentado à porta da cabana.<br />

b) um <strong>de</strong>fensor árduo dos animais que são por ele atraídos.<br />

c) i<strong>de</strong>alizado para assumir características europeias.<br />

d) exterminado para que os cristãos povoem as nossas terras.<br />

e) nenhuma das repostas anteriores.<br />

3. Fatec-sp<br />

em iracema, <strong>de</strong> josé <strong>de</strong> Alencar, observa-se que o autor:<br />

a) procurou ser fiel à tradição histórica, e suas personagens foram participantes<br />

<strong>de</strong> episódios reais da colonização brasileira.<br />

b) procurou basear-se na história da colonização para recompor, em termos<br />

poéticos, as origens do ceará.<br />

c) procurou explorar o lado pitoresco e sentimental da vida dos índios, na época<br />

em que os portugueses ainda não haviam chegado.<br />

d) procurou enfatizar o problema da <strong>de</strong>struição da cultura indígena pelo domínio<br />

português.<br />

e) procurou negar a existência <strong>de</strong> conflitos culturais entre colonizadores e nativos.<br />

4. pUC-sp<br />

iracema constitui com O Guarani e Ubirajara a trilogia dos romances indianistas<br />

<strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar. Na poesia, Gonçalves Dias também exaltou o índio em textos<br />

como i-Juca Pirama, Leito <strong>de</strong> folhas ver<strong>de</strong>s, marabá, O canto do piaga, além do poema<br />

épico Os Timbiras. pergunta-se: o que representou o indianismo na literatura<br />

romântica brasileira?<br />

5.<br />

Leia o trecho abaixo:<br />

estreitou-se com a haste da palmeira. a dor lacerou suas entranhas; porém logo o choro<br />

infantil inundou sua alma <strong>de</strong> júbilo. a jovem mãe, orgulhosa <strong>de</strong> tanta ventura, tomou o<br />

tenro filho nos braços e com ele arrojou-se às águas límpidas do rio. Depois suspen<strong>de</strong>u-o<br />

à teta mimosa; seus olhos então o envolviam <strong>de</strong> tristeza e amor.<br />

– Tu és moacir, o nascido <strong>de</strong> meu sofrimento.<br />

Consi<strong>de</strong>re atentamente as seguintes afirmações, que se referem não só ao texto<br />

anterior como também ao contexto do romance Iracema.<br />

I. A protagonista divi<strong>de</strong>-se entre a tristeza e a alegria: esta, pelo nascimento do<br />

filho mestiço; aquela, por sentir que não viverá para vê-lo crescer.


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

ii. um dos procedimentos estilísticos <strong>de</strong> Alencar em seu romance está nas sugestivas<br />

aproximações entre expressões em tupi e o significado em português,<br />

como a que se dá na fala da protagonista.<br />

iii. o nascimento <strong>de</strong> moacir representa, simbolicamente, a heroica, mas inútil,<br />

resistência dos guerreiros tabajaras à colonização do branco europeu.<br />

Das afirmações anteriores:<br />

a) apenas ii é verda<strong>de</strong>ira.<br />

b) apenas iii é verda<strong>de</strong>ira.<br />

c) apenas i e ii são verda<strong>de</strong>iras.<br />

d) apenas ii e iii são verda<strong>de</strong>iras.<br />

e) i, ii e iii são verda<strong>de</strong>iras.<br />

6. Fuvest-sp<br />

Sobre o romance indianista <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar, po<strong>de</strong>-se afirmar que:<br />

a) analisa as reações psicológicas da personagem como um efeito das influências<br />

sociais.<br />

b) é um composto resultante <strong>de</strong> formas originais do conto.<br />

c) dá forma ao herói, amalgamando-o à vida da natureza.<br />

d) representa contestação política ao domínio português.<br />

e) mantém-se preso aos mo<strong>de</strong>los legados pelos clássicos.<br />

7. Unisul-sC<br />

Assinale a alternativa incorreta a respeito <strong>de</strong> iracema, <strong>de</strong> josé <strong>de</strong> Alencar.<br />

a) Nela aponta-se a confluência dos gêneros literários lírico e épico.<br />

b) É uma exaltação da flora, da fauna e da terra brasileiras.<br />

c) Retrata a luta pela colonização do Ceará, no início do século XVII.<br />

d) é uma obra essencialmente lírica, pois é repleta <strong>de</strong> elementos sonoros.<br />

e) Iracema po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada a personagem-símbolo da terra-mãe que seduz<br />

o estrangeiro.<br />

8. Fuvest-sp<br />

iracema faz parte da tría<strong>de</strong> indianista <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar, juntamente com outros<br />

dois romances.<br />

a) Quais?<br />

b) Cada um <strong>de</strong>sses romances teria uma finalida<strong>de</strong> histórica. Qual teria sido a<br />

intenção do autor com iracema?<br />

30


Aol-11<br />

31<br />

iracema<br />

9. UFMG<br />

Leia a afirmativa a seguir, em que José <strong>de</strong> Alencar critica a visão dos cronistas<br />

europeus sobre os indígenas:<br />

Os historiadores, cronistas e viajantes da primeira época, se não <strong>de</strong> todo o período<br />

colonial, <strong>de</strong>vem ser lidos à luz <strong>de</strong> uma crítica severa (...) Homens cultos, filhos <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> velha e curtida por longo trato <strong>de</strong> séculos, queriam esses forasteiros achar nos<br />

indígenas <strong>de</strong> um mundo novo e segregado da civilização universal uma perfeita conformida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e costumes.<br />

Apesar <strong>de</strong> sua visão crítica, Alencar, em iracema, adota a mesma atitu<strong>de</strong>, quando:<br />

a) apresenta metaforicamente o índio como representante do homem<br />

brasileiro.<br />

b) atribui às personagens indígenas um comportamento baseado em códigos<br />

europeus.<br />

c) recupera para a literatura a memória da fauna, da flora e da toponímia indígenas.<br />

d) tenta ser fiel ao espírito da língua indígena na composição das imagens.<br />

10.<br />

Assinale a alternativa incorreta a respeito <strong>de</strong> iracema, <strong>de</strong> josé <strong>de</strong> Alencar.<br />

a) O livro faz parte <strong>de</strong> um painel que mostra a contribuição <strong>de</strong> brancos, índios e<br />

negros na constituição da nacionalida<strong>de</strong> brasileira, ao lado <strong>de</strong> romances como<br />

O gaúcho e as minas <strong>de</strong> prata.<br />

b) esta obra correspon<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> josé <strong>de</strong> Alencar <strong>de</strong> escrever um livro que<br />

tratasse das origens da nacionalida<strong>de</strong> brasileira, característica comum aos<br />

projetos românticos brasileiros.<br />

c) As personagens indígenas são i<strong>de</strong>alizadas como boas ou más, conforme o<br />

apoio que davam ou não ao colonizador português, num maniqueísmo bastante<br />

comum ao romantismo.<br />

d) “– Senhor <strong>de</strong> Iracema, cerra seus ouvidos para que ela não ouça.” – esta é<br />

uma fala <strong>de</strong> iracema. o uso da terceira pessoa dirigida a ela própria é um<br />

recurso do autor para tentar recriar a linguagem que ele consi<strong>de</strong>rava próxima<br />

à indígena.<br />

e) símiles <strong>de</strong> elementos da terra – vegetais e animais – e da linguagem indígena<br />

dão à narrativa um certo exotismo buscado pelo autor, aproximando-a, ao<br />

mesmo tempo, do mito.


josé martiniano <strong>de</strong> Alencar júnior<br />

GabaRito<br />

1. b<br />

2. c<br />

3. b<br />

4. o índio, para o romantismo brasileiro, tem<br />

a mesma simbologia que o cavaleiro medieval<br />

para o romantismo português, isto é, o símbolo<br />

da nacionalida<strong>de</strong>, do heroísmo <strong>de</strong> uma pátria<br />

livre.<br />

5. c<br />

6. c<br />

32<br />

7. d<br />

8.<br />

a) O Guarani e Ubirajara<br />

b) narrar a lenda da fundação do ceará e a<br />

mistura das raças indígena (iracema) e branca<br />

(martim), criando o primeiro brasileiro (moa-<br />

cir).<br />

9. b<br />

10. A

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