Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Edição nº 31
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<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 1
Entrevista<br />
Nova tecnologia<br />
no combate ao<br />
“mal da vaca louca”<br />
mal da vaca louca, conhecido cientificamente como<br />
BSE (sigla em inglês para encefalopatia<br />
espongiforme bovina), afeta o cérebro do animal,<br />
provocando descontrole motor. As células morrem<br />
e o cérebro fica com a aparência de uma esponja.<br />
A vaca passa a agir como se estivesse enlouquecida, o que explica<br />
o fato de ser conhecida popularmente como mal da vaca louca.<br />
Não há tratamento conhecido para essa doença, que já foi<br />
detectada em cerca de 20 países da Europa, atingindo mais de 180<br />
mil cabeças de gado. Ao contrário da maior parte das enfermidades,<br />
o mal da vaca louca não é transmitido por fungos, vírus ou<br />
bactérias, e sim por proteínas específicas denominadas prions.<br />
Essa doença nunca foi detectada no Brasil e a sua entrada, certamente,<br />
resultaria em um desastre para o país, que tem na pecuária um de seus<br />
principais alicerces econômicos, representando ganhos de mais de R$ 55<br />
bilhões por ano. Sem falar que o rebanho brasileiro é hoje maior do que a<br />
soma dos rebanhos da Argentina, Paraguai e Uruguai. Diante da necessidade<br />
urgente de conter a sua disseminação, a Empresa Brasileira de Pesquisa<br />
Agropecuária (Embrapa), por meio de uma de suas 40 unidades de pesquisa,<br />
a Embrapa Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>, localizada em Brasília, DF,<br />
desenvolveu um método para detecção de proteínas de origem animal em<br />
rações destinadas a mamíferos, especialmente ruminantes, que tem como<br />
objetivo monitorar a qualidade do alimento e evitar a transmissão de doenças<br />
causadas por substâncias infecciosas, tais como prions transmissores de<br />
encefalopatias espongiformes transmissíveis (TSE), principalmente o mal da<br />
vaca louca.<br />
O método, desenvolvido pela equipe do pesquisador Carlos Bloch Jr há<br />
cerca de três anos, cuja patente foi depositada pela Embrapa em 2002, utiliza<br />
aparelhos de última geração denominados espectrômetros de massa, para a<br />
detecção das proteínas. Para se ter uma idéia do grau de modernidade e de<br />
eficiência desses aparelhos, eles possuem tecnologia comparável à que está<br />
sendo usada pelos robôs Spirit e Opportunity nas pesquisas que estão sendo<br />
feitas pela NASA no Planeta Marte, para a detecção de outros tipos de<br />
moléculas. De acordo com o pesquisador, esses aparelhos são hipersensíveis,<br />
com um limite de detecção altíssimo, de uma parte por milhão, ou seja, se<br />
fizermos uma comparação com uma balança na qual fossem colocadas um<br />
milhão de pessoas, o espectrômetro de massa seria capaz de detectar a ausência<br />
de apenas uma delas.<br />
2 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Metodologia detecta proteínas na ração e evita a contaminação de animais<br />
Entrevista concedida a<br />
Maria Fernanda Diniz
Para falar sobre essa metodologia<br />
e a sua importância para a pesquisa<br />
agropecuária brasileira, a revista<br />
<strong>Biotecnologia</strong>, <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong><br />
entrevistou o pesquisador<br />
da Embrapa Recursos Genéticos<br />
e <strong>Biotecnologia</strong>, Carlos Bloch Jr. Durante<br />
a entrevista, ele falou sobre o<br />
método desenvolvido por sua equipe<br />
e das vantagens que representa<br />
sobre os outros métodos utilizados<br />
até o momento, além dos rumos<br />
dessas pesquisas para o futuro.<br />
BC&D – Em que consiste o<br />
método utilizado pela Embrapa<br />
Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong><br />
e há quanto tempo foi desenvolvido?<br />
Bloch – O método começou a<br />
ser desenvolvido pela nossa equipe<br />
há cerca de três anos, foi aperfeiçoado<br />
ao longo de 2001 e em 2002 foi<br />
depositada a patente. O objetivo<br />
desse método é avaliar a qualidade<br />
das rações destinadas a ruminantes<br />
e, assim, evitar a transmissão de<br />
TSE’s (encefalopatias espongiformes<br />
transmissíveis), especialmente a<br />
encefalopatia espongiforme bovina<br />
(BSE), pela detecção de proteínas de<br />
origem animal, em particular daquelas<br />
provenientes de restos de carcaças<br />
de animais abatidos que pudessem<br />
ser misturados à ração. O<br />
desenvolvimento dessa metodologia<br />
compreende três etapas: a primeira e<br />
mais trabalhosa é a extração do material<br />
protéico para separá-lo, principalmente<br />
de lipídeos e dos carboidratos.<br />
Em seguida, cada amostra<br />
pode ser analisada em dois tipos de<br />
espectrômetros de massa simultaneamente,<br />
o primeiro analisa em poucos<br />
minutos a presença de moléculas<br />
de proteína animal, como a mioglobina,<br />
cadeias alfa e beta da hemoglobina<br />
e proteínas plasmáticas, para<br />
dizer se existe ou não algum indício<br />
de contaminação. O segundo analisa<br />
e quantifica os seus fragmentos<br />
(peptídeos) derivados de moléculas<br />
inteiras de contaminantes, que podem<br />
se formar a partir do ataque de<br />
microrganismos e/ou da ação mecâ-<br />
nica durante o processo de fabricação.<br />
A terceira etapa é a interpretação<br />
dos dados para determinar os<br />
níveis de contaminação e a sua origem,<br />
ou seja, se as moléculas contaminantes<br />
encontradas eram provenientes<br />
de bovinos, suínos, eqüinos,<br />
ovinos, aves, peixes, etc.<br />
“O O grande grande avanço avanço propiciado<br />
propiciado<br />
por por essa essa metodologia metodologia é é o o fato<br />
fato<br />
de de poder poder detectar detectar as as proteínas<br />
proteínas<br />
inteiras inteiras ou ou fragmentos fragmentos delas<br />
delas<br />
com com uma uma precisão precisão de de uma<br />
uma<br />
parte parte por por milhão milhão (PPM).”<br />
(PPM).”<br />
BC&D – Qual é a vantagem da<br />
espectrometria de massa sobre<br />
os outros métodos utilizados para<br />
o controle dessas doenças?<br />
Bloch – A espectrometria de<br />
massa é um método muito mais sensível,<br />
rápido e seguro para se diagnosticar<br />
a presença desse tipo de<br />
molécula. Não é à toa que você<br />
encontra espectrômetros de massa<br />
espalhados por locais e em atividades<br />
que até bem pouco tempo atrás<br />
não se poderia imaginar. Só para<br />
citar alguns exemplos, encontram-se<br />
hoje espectrômetros de massa nos<br />
aeroportos, nos correios, nos esportes,<br />
nos tanques e aviões de guerra,<br />
sem falar nas missões espaciais. São<br />
esses equipamentos que produzem,<br />
com mais rapidez e eficiência, respostas<br />
sobre a presença ou não de<br />
explosivos, material de guerra química<br />
ou biológica. Atualmente, são<br />
utilizados três métodos para monitorar<br />
a qualidade dos alimentos dos ruminantes:<br />
o primeiro é o de microscopia<br />
ótica, que se baseia na procura de<br />
fragmentos de pele, ossos etc. na<br />
ração; o segundo é o método ELISA,<br />
que utiliza anticorpos para detectar<br />
as proteínas alvo; e o terceiro e mais<br />
novo é o método PCR, que detecta o<br />
DNA das proteínas por meio de um<br />
primer (um tipo de gene marcador).<br />
Todos esses métodos apresentam li-<br />
mitações da mesma natureza, ou seja,<br />
não detectam diretamente a presença<br />
de proteína. O primeiro, e mais<br />
utilizado ainda hoje na União Européia<br />
é também o mais falho de todos,<br />
já que a microscopia ótica não permite<br />
a detecção de proteínas. O método<br />
ELISA tem como fator limitante o<br />
fato de utilizar anticorpos específicos<br />
para determinadas classes de proteínas,<br />
o que impede a identificação de<br />
outros grupos; e o terceiro, o de PCR,<br />
esbarra no problema do DNA ser<br />
fragmentado depois do processo de<br />
industrialização, tornando difícil a<br />
sua amplificação para a análise. Logo,<br />
a espectrometria de massa aparece<br />
como o método mais preciso para a<br />
detecção direta e não indireta de<br />
proteínas. O grande avanço propiciado<br />
por essa metodologia é o fato de<br />
poder detectar as proteínas inteiras<br />
ou fragmentos delas com uma precisão<br />
de uma parte por milhão (PPM).<br />
O que isso significa? Se fizermos uma<br />
analogia com uma balança na qual<br />
são colocadas um milhão de pessoas,<br />
o espectrômetro é capaz de detectar<br />
a ausência de apenas uma delas. E os<br />
níveis de detecção estão sendo melhorados<br />
cada vez mais. Os últimos<br />
espectrômetros lançados já têm poder<br />
de menos de uma parte por<br />
milhão, ou seja, menos de uma pessoa,<br />
se continuarmos a seguir aquela<br />
analogia, e tudo isso com muita rapidez<br />
e eficiência automatizáveis. A<br />
parte mais demorada desse processo<br />
é a primeira etapa, na qual é feita a<br />
extração do material a ser analisado.<br />
Essa etapa pode demorar de 36 a 72<br />
horas, mas é comum a todos os<br />
outros métodos. Em suma, ao que<br />
tudo indica, essa metodologia é o<br />
que existe hoje de mais moderno e<br />
seguro para monitorar a qualidade<br />
dos alimentos oferecidos aos ruminantes<br />
e, logo, controlar a disseminação<br />
das encefalopatias espongiformes<br />
transmissíveis, ou TSE’s, como<br />
são conhecidas.<br />
BC&D – As TSE’ s , entre as<br />
quais a mais nociva é a BSE<br />
(encefalopatia espongiforme bovina),<br />
ou mal da vaca louca, re-<br />
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presentam uma ameaça não apenas<br />
para os animais como também<br />
para os seres humanos.<br />
Como se dá a contaminação e<br />
qual o tratamento existente hoje<br />
para essas doenças?<br />
Bloch – As encefalopatias espongiformes<br />
transmissíveis, ou TSE’s,<br />
são doenças progressivas e letais que<br />
afetam o sistema nervoso central e se<br />
caracterizam por alterações anatômicas<br />
localizadas no cérebro. Essas alterações<br />
são um tipo de lesão histológica,<br />
constituídas de vacúolos e depósitos<br />
protéicos. As TSE’s podem resultar de<br />
infecções espontâneas, transmissão<br />
hereditária ou exposição a materiais<br />
contaminados. As TSE’s incluem: a<br />
BSE, conhecida popularmente como<br />
“mal da vaca louca”; a scrapie, ou<br />
paraplexia enzoótica dos ovinos, que<br />
afeta ovinos e caprinos em muitos<br />
países há mais de 200 anos; e a<br />
doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD)<br />
que afeta seres humanos, principalmente<br />
com mais de 50 anos de idade.<br />
Essa doença tem distribuição mundial,<br />
com incidência anual de aproximadamente<br />
um caso por milhão e ocorre<br />
de três formas: esporádica (responsável<br />
por 85 a 90% dos casos). familiar<br />
(associada a mutações genéticas, representa<br />
5 a 10% dos casos) e<br />
iatrogênica, ou seja, por contaminação,<br />
(responsável por menos de 5%<br />
dos casos). Logo, em humanos, a<br />
chance de desenvolver a doença por<br />
contaminação é de menos de 5%. Nos<br />
outros 95% dos casos, a doença se<br />
desenvolve naturalmente. Em ovinos<br />
e bovinos, os principais sintomas são<br />
agressividade e falta de coordenação<br />
motora. Em humanos, os principais<br />
sintomas são: mioclonia – contração<br />
muscular brusca e breve – e demência.<br />
Não existe tratamento conhecido<br />
para a BSE, portanto, a única forma de<br />
combatê-la é evitando a contaminação.<br />
Cerca de 125 casos foram<br />
registrados no mundo em humanos,<br />
segundo os Centros de Controle e<br />
Prevenção de Doenças dos Estados<br />
Unidos, e na Europa, aproximadamente<br />
100 pessoas morreram em função<br />
dessa doença. Mas, para os ani-<br />
mais, a situação é bem mais séria,<br />
visto que já foi detectada em mais de<br />
20 países da Europa, atingindo mais<br />
de 180 mil cabeças de gado.<br />
BC&D – Então a BSE tem se<br />
disseminado de forma rápida, especialmente<br />
na Europa. Como se<br />
dá a contaminação?<br />
Bloch – A natureza do agente<br />
infeccioso da BSE, assim como das<br />
outras TSE’s, é ainda motivo de<br />
controvérsia. Acredita-se que as<br />
partículas infecciosas responsáveis<br />
pela BSE são predominantemente<br />
proteínas específicas denominadas<br />
prions, que são compostas, em quase<br />
a sua totalidade, de uma<br />
glicoproteína de conformação anormal,<br />
que se prende à superfície<br />
externa das células. Em outras<br />
palavras, a teoria mais aceita hoje<br />
afirma que o agente infeccioso,<br />
prion, é derivado de uma proteína<br />
da membrana celular, que sofre<br />
uma mutação e forma um tipo insolúvel<br />
e patogênico de prion. Ainda<br />
hoje não está totalmente esclarecido<br />
o mecanismo pelo qual essa<br />
proteína anormal produz as alterações<br />
patológicas no cérebro dos<br />
animais ou indivíduos afetados.<br />
BC&D – Desde que foi diagnosticada<br />
pela primeira vez no<br />
mundo, como se deu a evolução<br />
da BSE ao longo dos anos?<br />
Bloch – Os primeiros casos de<br />
BSE foram diagnosticados no Reino<br />
Unido, em 1986. No final de 1987,<br />
o Departamento de Epidemiologia<br />
do Laboratório Veterinário Central<br />
daquele país concluiu que a disseminação<br />
da doença entre os bovinos<br />
ocorria mediante o consumo de<br />
farinha de carne e ossos, obtida a<br />
partir de carcaças de animais contaminados<br />
e incorporada à ração oferecida<br />
aos bovinos. Essa teoria foi<br />
plenamente confirmada, já que a<br />
proibição do uso daquele produto<br />
na alimentação de ruminantes teve<br />
efeito claro, resultando em redução<br />
significativa no aparecimento de<br />
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novos casos de BSE. Foram levantadas<br />
outras possibilidades de contaminação,<br />
como por exemplo, a<br />
transmissão vertical da vaca para o<br />
bezerro. Mas, o que se sabe de fato<br />
é que a epidemia do “mal da vaca<br />
louca” não teria acontecido se não<br />
houvesse disseminação por meio<br />
da farinha de carne e ossos. Diante<br />
disso, pode-se dizer que se um<br />
bovino contaminado for introduzido<br />
num país ou região onde não<br />
existe BSE, como é o caso do Brasil,<br />
só poderá ocorrer uma epidemia se<br />
a carcaça desse animal for utilizada<br />
para produzir farinha destinada à<br />
alimentação de ruminantes porque<br />
isso gera um sistema de disseminação<br />
e amplificação do agente infeccioso<br />
na população animal. Após<br />
o início da epidemia no Reino Unido,<br />
surgiu a teoria de que os primeiros<br />
casos de BSE teriam resultado<br />
da utilização de carcaças de ovinos<br />
contaminados com scrapie na alimentação<br />
de bovinos e que uma<br />
mudança no processo industrial de<br />
produção de farinha de carne e<br />
ossos teria diminuído a probabilidade<br />
de inativação do agente infeccioso.<br />
Entretanto, foram surgindo<br />
evidências de que a BSE e a scrapie<br />
são doenças diferentes, embora pertencentes<br />
ao mesmo grupo. Uma<br />
das evidências foi obtida a partir da<br />
inoculação experimental de scrapie<br />
em bovinos, que resultou em uma<br />
doença diferente da BSE. Além<br />
disso, a BSE mantém as suas características<br />
durante toda a epidemia,<br />
mesmo quando é transmitida a outra<br />
espécie animal, ao contrário da<br />
scrapie. Sem falar que essa doença<br />
não pode contaminar seres humanos,<br />
como é o caso da BSE. Na<br />
verdade, o ponto em comum entre<br />
as TSE’s é a elevada resistência a<br />
tratamentos físico-químicos de esterilização.<br />
BC&D – Mas há indícios de<br />
que a doença possa ter surgido<br />
antes de 1986, não é verdade?<br />
Bloch – Alguns relatórios técnicos<br />
mais recentes indicam que os
casos de BSE diagnosticados a partir<br />
de 1986 não teriam sido os primeiros<br />
casos da doença que, provavelmente,<br />
já existia no Reino Unido<br />
anteriormente. Alguns veterinários<br />
britânicos alegam ter visto casos<br />
semelhantes antes de 1986 que, na<br />
época, foram diagnosticados como<br />
doenças metabólicas comuns em<br />
vacas de alta produção. Mas não há<br />
comprovação científica sobre essas<br />
evidências.<br />
BC&D – Então a causa mais<br />
provável para a transmissão da<br />
BSE em bovinos está mesmo na<br />
mudança no processo de fabricação<br />
de farinha de carne e ossos,<br />
que tornou possível a reciclagem<br />
do agente infeccioso?<br />
Bloch – Essa, sem dúvida, é a<br />
causa mais provável para a transmissão<br />
dessa doença, o que tem representado<br />
um prejuízo para os produtores<br />
em escala mundial, já que as<br />
rações à base de farinha de osso,<br />
sangue e carne vinham sendo largamente<br />
recomendadas e usadas na<br />
alimentação de animais, como uma<br />
fonte de proteína, devido à presença<br />
de aminoácidos essenciais, minerais<br />
e vitamina B12. Além disso, essa<br />
forma de aproveitamento é uma maneira<br />
eficaz de reciclar os subprodutos<br />
proveniente do abate, evitando custos<br />
econômicos e ambientais adicionais.<br />
No entanto, como os materiais<br />
à base de osso e carnes de animais<br />
mamíferos presentes em dietas para<br />
ruminantes foram considerados a provável<br />
causa da BSE em bovinos, o seu<br />
uso foi proibido na Comunidade Européia,<br />
nos EUA e também no Brasil.<br />
Diante das vantagens desse tipo de<br />
alimentação para os bovinos, várias<br />
têm sido as tentativas de cessar a<br />
transmissão das TSE’s, em particular<br />
da BSE. Alguns trabalhos têm sido<br />
direcionados para a inativação das<br />
partículas infecciosas, favorecendo,<br />
assim, o aproveitamento dos resíduos<br />
do abate. Outros têm visado eliminar<br />
a possibilidade da transmissão<br />
pela detecção de proteínas animais<br />
nas rações e a sua rejeição no caso de<br />
teste positivo. Ambas as formas fazem<br />
uso de procedimentos analíticos<br />
para garantir a ausência de agentes<br />
causadores das TSE’s na alimentação<br />
animal. Dentre esses procedimentos,<br />
estão os que eu já descrevi na questão<br />
anterior, ou seja, a microscopia<br />
ótica, o método ELISA e as análises<br />
de DNA por PCR. A complexidade e<br />
especificidade das biomoléculas têm<br />
dificultado em muito a aplicação das<br />
técnicas freqüentemente utilizadas<br />
para a identificação e caracterização<br />
de compostos inorgânicos e orgânicos<br />
nas rações. Esse fato vem motivando<br />
o desenvolvimento de técnicas<br />
analíticas cada vez mais sofisticadas<br />
e eficientes, com ênfase na precisão<br />
requerida pela moderna biotecnologia.<br />
Dessa forma, chegamos hoje<br />
aos espectrômetros de massa que,<br />
como eu também já mencionei antes,<br />
são o que há de mais moderno e<br />
preciso para a detecção de proteínas<br />
nas rações de ruminantes.<br />
BC&D – E quais são os passos<br />
daqui pra frente, já existe alguma<br />
parceria para repasse dessa<br />
tecnologia à iniciativa privada?<br />
Existe alguma demanda do governo<br />
brasileiro para que essa<br />
tecnologia se torne obrigatória,<br />
de modo a evitar a entrada do<br />
“mal da vaca louca” no Brasil?<br />
Bloch – Creio firmemente que<br />
antes de nos preocuparmos com<br />
qualquer tipo de avanço tecnológico<br />
e sua comercialização, como é o<br />
caso desse método, devemos vê-lo<br />
como uma ferramenta de trabalho.<br />
Ela só poderá servir ao seu propósito<br />
e alcançar sua plenitude de uso<br />
se houver a visão clara do objetivo<br />
final que queremos atingir. Ou seja,<br />
se o nosso objetivo final for o lucro<br />
imediato, puro e simples para satisfazer<br />
acionistas, balanças de pagamentos<br />
e manutenção dos mesmos<br />
paradigmas de produção vigentes<br />
há décadas, essa tecnologia terá um<br />
impacto modesto e servirá somente<br />
nos momentos de crise, como o que<br />
estamos vivendo hoje, caso contrário<br />
cairá no esquecimento, como de<br />
fato ela se encontrava, até o<br />
surgimento da BSE nos Estados Unidos.<br />
Contudo, se tomarmos a decisão<br />
de priorizar a vida, a qualidade<br />
e a sanidade dos alimentos que<br />
chegam às mesas dessa geração e<br />
das próximas, essa tecnologia com<br />
certeza será de grande utilidade,<br />
não somente no processo de identificação<br />
de contaminantes intencionais<br />
ou acidentais, mas poderá<br />
didaticamente demonstrar internamente<br />
e para o exterior que esse<br />
país possui tecnologia de alto nível<br />
para responder a problemas mundiais<br />
imediatos, bem como para<br />
oferecer alternativas mais inteligentes<br />
e com visão de perspectiva para<br />
um setor tão importante como o do<br />
agronegócio. No que diz respeito<br />
aos aspectos legais dessa tecnologia,<br />
ela já está patenteada e pronta para<br />
ser licenciada à iniciativa privada.<br />
Estamos aguardando propostas de<br />
empresas interessadas em utilizála.<br />
Quanto ao governo brasileiro, a<br />
Embrapa e o Ministério da Agricultura,<br />
Pecuária e Abastecimento<br />
(MAPA) estão em entendimento<br />
para discutir a melhor forma de<br />
implementá-la e, assim, dar um grande<br />
passo para reduzir ainda mais a<br />
possibilidade da presença de proteínas<br />
animais nas rações. Provavelmente,<br />
será por meio de uma portaria<br />
que obrigue as empresas a testarem<br />
seus produtos. A nossa equipe<br />
da Embrapa Recursos Genéticos e<br />
<strong>Biotecnologia</strong> tem plenas condições<br />
de atender a essas demandas. Serão<br />
necessárias apenas algumas<br />
adaptações nos laboratórios de espectrometria<br />
de massa, de forma a<br />
torná-los mais aptos a prestar serviços<br />
– visto que hoje são laboratórios<br />
de pesquisa – além da contratação<br />
de pessoal especializado. Nós já<br />
atendemos a uma demanda do<br />
MAPA para análise de 800 amostras<br />
e, dessas, grande parte continha<br />
proteínas animais. No final do mês<br />
de fevereiro, teremos uma nova<br />
reunião com a equipe do Ministério<br />
para fechar essa questão.<br />
___________________________________<br />
O e-mail do Professor Carlos Bloch Júnior é:<br />
cbloch@cenargen.embrapa.br<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 5
BIOTECNOLOGIA <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong><br />
KL3 Publicações<br />
Fundador<br />
Dr. Henrique da Silva Castro<br />
Direção Geral e <strong>Edição</strong><br />
Ana Lúcia de Almeida<br />
E-mail<br />
biotecnologia@biotecnologia.com.br<br />
Home-Page<br />
www.biotecnologia.com.br<br />
Projeto Gráfico<br />
KL3 Publicações LTDA<br />
SHIN CA 05 Conjunto “J”<br />
Bloco “B” Sala 105<br />
Lago Norte - Brasília - DF<br />
Tel.: (061) 468-6099<br />
Fax: (061) 468-3214<br />
Os artigos assinados são de<br />
inteira responsabilidade<br />
de seus autores.<br />
ISSN 1414-4522<br />
Carta ao Leitor<br />
Prezados Leitores,<br />
Já está bem divulgado o problema do “mal da vaca<br />
louca” no mundo todo, principalmente sobre os surtos<br />
que aconteceram na Europa e dizimaram milhares de<br />
cabeças de gado, causando imenso prejuízo.<br />
Aqui no Brasil, felizmente até agora, fomos poupados,<br />
mas sabemos também que pode ser apenas uma<br />
questão de tempo. Por isso mesmo o apoio à pesquisa<br />
dessa importante doença é primordial para a pecuária<br />
no país.<br />
Para falar sobre o assunto convidamos o Dr. Carlos<br />
Bloch Jr., que desenvolve, na Embrapa-Cenargen, um<br />
método de combate à doença. Confira a entrevista.<br />
Dr. Henrique da Silva Castro<br />
Nota: Todas as edições da <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> &<br />
<strong>Desenvolvimento</strong> estão sendo indexadas para o AGRIS<br />
(International Information System for the Agricultural Sciences<br />
and Technology) da FAO e para a AGROBASE (Base de Dados<br />
da Agricultura Brasileira).
Conselho Científico<br />
Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal<br />
Dr. Henrique da Silva Castro - Saúde;<br />
Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia;<br />
Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal;<br />
Dr. Naftale Katz - Saúde;<br />
Dr. Pedro Jurberg - <strong>Ciência</strong>s;<br />
Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas;<br />
Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos;<br />
Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental.<br />
Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi<br />
Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia<br />
Fundação Dalmo Catauli Giacometti<br />
Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética;<br />
Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico;<br />
Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos<br />
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN<br />
Dr. José Roberto Rogero<br />
Sociedade Brasileira de <strong>Biotecnologia</strong> - SBBiotec<br />
Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA<br />
Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS<br />
Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE<br />
Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ<br />
Entrevista<br />
Entrevista<br />
Colaboraram nesta edição:<br />
Adriano Luiz Tonetti, Alessandra Pereira Fávero, Alexandre<br />
Patto Kanegae, Ana Paula Pacheco Clemente, Anderson<br />
Kurunczi Domingos, Antonio Costa de Oliveira, Bruno<br />
Coraucci Filho, Carla M. Y. Lemos, Celso Omoto, David<br />
John Bertioli, Eleni Gomes, Eliane Cristina Gruszka<br />
Vendruscolo, Elza Fernandes de Araújo, Enio Luiz Pedrotti,<br />
Erica Fuchs, Everaldo Gonçalves de Barros, Fábio Rueda<br />
Faucz, Fernando Irajá Félix de Carvalho, Francismar Corrêa<br />
Marcelino, Gabrielle Mouco, Gaspar Malone, Gláucia Maria<br />
Pastore, Helena Maria Wilhelm, Jorge Fernando Pereira,<br />
José Fernandes Barbosa Neto, Juliana Oliveira Lima, Karina<br />
Proite, Karla Thomas Kucek, Luiz Pereira Ramos, Maira<br />
Jardim Bernardino, Marcio Antônio Silva Pimenta, Márcio<br />
de Carvalho Moretzsohn, Márcio Nitschke, Marcos Barros<br />
de Medeiros, Maria Fernanda Diniz, Maria José Araújo<br />
Wanderley, Marisa Vieira de Queiroz, Marta Fonseca<br />
Martins, Maurílio Alves Moreira, Melânia Lopes Cornélio,<br />
Monita Fiori de Abreu, Patrícia Messenberg Guimarães,<br />
Paulo Alves Wanderley, Paulo Dejalma Zimmer, Paulo<br />
Henrique Machniewicz, Pilar Ximena Lizarazo Medina,<br />
Ricardo Antonio Polanczyk, Roberto da Silva, Rodrigo<br />
Barros Rocha, Ronaldo Stefanutti, Rubens Onofre Nodari,<br />
Samuel Martinelli, Sérgio Batista Alves, Soraya Cristina<br />
Leal-Bertioli, Valdir Marcos Stefenon.<br />
Nova tecnologia no combate ao “mal da vaca louca” 2<br />
Pesquisa esquisa<br />
Silenciamento Gênico e Transgênicos 8<br />
Detecção de resíduos de transgênicos em grãos e produtos derivados 14<br />
Bacillus thuringiensis no Manejo Integrado de Pragas 18<br />
Biodiesel 28<br />
Biofertilizantes Líquidos 38<br />
Iniciativas Genômicas 45<br />
Associação de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 53<br />
Biosurfatantes a partir de resíduos agroindustriais 63<br />
Controle de qualidade de ervas medicinais 68<br />
Nitrato Redutase em Fungos Filamentosos 74<br />
Glucoamilase:Estrutura e termoestabilização 86<br />
Marcadores Moleculares no Melhoramento Genético de Araucária 95<br />
Micropropagação de Macieira 100<br />
Método Alternativo de Tratamento de Esgotos 109<br />
Amendoim Selvagem 116<br />
Bioética 120
Pesquisa<br />
Eliane Cristina Gruszka Vendruscolo<br />
MSc, Melhoramento Genético Vegetal.<br />
Professora de Genética/UFPR - Campus Palotina<br />
vendruscolo.1@osu.edu;<br />
egvendru@vn.com.br<br />
Silenciamento Gênico<br />
e Transgênicos<br />
Introdução<br />
A estrutura genômica de plantas<br />
pode ser alterada por transformação<br />
genética durante o processo<br />
de transferência gênica utilizandose<br />
Agrobacterium tumefaciens, biobalística<br />
e outras técnicas que integram<br />
parte de um genoma (gene<br />
exógeno) em um outro genoma (no<br />
caso, vegetal). A transgenia tem sido<br />
usada com o propósito de integrar<br />
seqüências gênicas de interesse com<br />
conseqüente alteração da expressão<br />
gênica. A expressão desse transgene<br />
nem sempre pode ser predita. Desse<br />
modo, o estudo das conseqüências<br />
dessas transformações tem-se tornado<br />
relevante nos últimos anos<br />
(VOINNET & BAULCOMBE, 1997;<br />
WATERHOUSE et al., 1998;<br />
VAUCHERET et al., 2001).<br />
Vários termos podem ser encontrados<br />
na literatura para descrever<br />
o silenciamento gênico. Esses<br />
incluem cossupressão, RNAi (RNA<br />
de interferência) e quelling (interrupção<br />
da seqüência gênica) em<br />
leveduras. A cossupressão seria o<br />
termo aplicado ao silenciamento<br />
gênico do gene endógeno pela ação<br />
do RNA do transgene. Aqui ambos<br />
os genes, exógeno e endógeno, são<br />
coordenadamente suprimidos.<br />
Quelling é um termo de cossupressão<br />
usado em Neurospora crassa, e<br />
o RNAi é aplicado ao silenciamento<br />
gênico em animais, quando esse<br />
acontece pela ação de uma fita dupla<br />
de RNA, causando a não transcrição<br />
nem a tradução de determinado<br />
gene(BAULCOMBE, 2002).<br />
8 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Importância, mecanismos e modelos do silenciamento gênico<br />
Em vários experimentos, foram<br />
obtidas evidências do silenciamento<br />
gênico em plantas, que levaram<br />
à conclusão que, ao aumentar<br />
o número de cópias de um gene de<br />
interesse em particular, poderia reduzir<br />
a sua expressão (MAZTKE &<br />
MAZTKE, 1995; DEPICKER & VAN<br />
MONTAGU, 1997). WEI et al. (2001)<br />
comentam sobre uma correlação<br />
positiva entre o número de insertos<br />
com pobre expressão gênica. Vários<br />
transgenes inseridos podem ser<br />
silenciados após uma (relativamente)<br />
longa fase de expressão e podem,<br />
às vezes, silenciar a expressão<br />
(parcialmente) de genes homólogos<br />
localizados em posições<br />
ectópicas no genoma (FAGARD &<br />
VAUCHERET, 2000). Em alguns casos,<br />
o silenciamento gênico de<br />
transgenes pode desencadear a resistência<br />
a vírus e, em outros casos,<br />
a infecção viral pode silenciar a<br />
expressão de genes endógenos nas<br />
plantas (BAULCOMBE, 1996).<br />
Mecanismos de<br />
silenciamento gênico<br />
O silenciamento gênico, como<br />
processo, corresponde a uma interação<br />
entre seqüências homólogas de<br />
DNA ou RNA. Até hoje, sabe-se que<br />
o RNA está envolvido em 2 tipos de<br />
silenciamento gênico dependente de<br />
homologia (SGDH): 1) SGPTS (silenciamento<br />
gênico pós-transcricional),<br />
onde a degradação de RNAs<br />
homólogos no citoplasma levaria a<br />
não tradução e 2) SGT (silenciamento<br />
gênico transcricional), que está
elacionado com o bloqueio na transcrição<br />
induzido por um RNA antisenso<br />
derivado do próprio DNA,<br />
que promoveria uma metilação na<br />
região promotora, a nível nuclear, e<br />
a homologia para a metilação dirigida<br />
ocorreria nas regiões transcritas<br />
(WASSENEGGER, 2000; FAGARD &<br />
VAUCHERET, 2000; VAUCHERET et<br />
al., 2001).<br />
Embora os genes que interagem<br />
podem estar muito próximos no<br />
mesmo cromossomo e iniciar a<br />
inativação em cis, muitos sistemas<br />
estudados envolvem a interação de<br />
seqüências localizadas em diferentes<br />
cromossomos ou a transinativação.<br />
Ambos os tipos de SGDH<br />
estão freqüentemente associados<br />
com metilações de novo em seqüências-específicas<br />
do DNA nuclear<br />
(KOOTER et al., 1999;<br />
WASSENEGGER, 2000).<br />
O mecanismo de silenciamento<br />
gênico transcricional (SGT) estaria associado<br />
a metilações de novo na região<br />
do promotor do transgene, que poderiam<br />
ser meioticamente herdáveis<br />
(KOOTER et al., 1999). Essa metilação<br />
seria induzida por pareamento de regiões<br />
homólogas de DNA ou ainda DNA-<br />
RNA. Esse pareamento constitui o passo<br />
inicial para a iniciação do SGPT<br />
(WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998).<br />
O pareamento induziria a uma<br />
metilação dentro da região codificante<br />
do transgene, que levaria a uma prematura<br />
interrupção de sua transcrição.<br />
Como resultado dessa síntese irregular<br />
de mRNA, um RNA aberrante (abRNA)<br />
seria formado (WASSENEGGER &<br />
PÉLISSIER, 1998; HAMILTON &<br />
BAULCOMBE, 1999; MATZKE et al.,<br />
2001).<br />
Estudos recentes têm encontrado<br />
presença de um RNA de, aproximadamente,<br />
25 nt em sense e<br />
antisense, com homologia ao RNA<br />
alvo, em plantas que apresentam<br />
cossupressão e resistência a vírus,<br />
mas que não são encontradas em<br />
plantas usadas como controle. Tal<br />
fato contribui para evidenciar que<br />
existem diferentes formas de silenciamento,<br />
porém todas agindo num<br />
mesmo mecanismo (HAMILTON &<br />
BAULCOMBE, 1999).<br />
A resistência a vírus seria<br />
explicada pelo fato de estes abRNA<br />
serem o molde para que as RNA<br />
polimerases dependentes de RNA<br />
(RPdR) do hospedeiro (vegetal) possam<br />
sintetizar pequenas moléculas<br />
de RNA anti-sense (METTE et al.,<br />
1999; MATZKE et al., 2001;<br />
MLOTSHWA et al., 2002). Esses pequenos<br />
RNA antisense agiriam em<br />
trans, em seqüências de RNA complementares<br />
(RNA viral), levando à<br />
formação de RNA fita dupla (dfRNA).<br />
Um complexo de RNAses específicas<br />
para esses dfRNAs (conhecidas<br />
como Complexo DICER ou RNAses<br />
tipo III, específicas para as dfRNAs),<br />
levariam a degradação dessas moléculas<br />
híbridas e, em conseqüência,<br />
tornariam a planta resistente ao vírus<br />
(METZLAFF et al., 1997;<br />
CERUTTI, 2003).<br />
No caso das integrações múltiplas,<br />
como as cópias do transgene, o<br />
silenciamento se iniciaria por um<br />
pareamento não recíproco entre o<br />
transgene e o gene endógeno, ou<br />
entre os transgenes e, como conseqüência<br />
desse pareamento, o locus<br />
receptor seria metilado, levando a<br />
uma terminação prematura da transcrição<br />
(ENGLISH & BAULCOMBE,<br />
1996; WASSENEGGER, 2000).<br />
A posição de integração do<br />
transgene também parece ser importante<br />
para o silenciamento pelo fato<br />
de o loci silenciador usualmente consistir<br />
de múltiplas cópias do transgene<br />
ligadas. Outro modelo que explica o<br />
silenciamento de transgenes em cópias<br />
múltiplas e invertidas é a formação<br />
de um RNA em alça (alRNA),<br />
que, posteriormente, se transformaria<br />
em dfRNA pela ação de RNA<br />
nucleases causando o efeito do silenciamento<br />
conforme foi descrito acima<br />
(WATERHOUSE et al., 2001). De<br />
modo similar, o dfRNA poderia também<br />
ser usado como molde para<br />
algumas RNA polimerases que transcreveriam<br />
moléculas de RNA antisenso,<br />
homólogos aos mRNAs, formando<br />
os dfRNAs e continuando o<br />
ciclo de silenciamento por indução<br />
do SGT e SGPT (KOOTER et al.,<br />
1999; FAGARD & VAUCHERET,<br />
2000).<br />
Modelos para explicar o<br />
silenciamento gênico<br />
Vários autores têm sugerido<br />
modelos para os mecanismos moleculares<br />
envolvidos no silenciamento<br />
gênico, que não são eventos mutuamente<br />
exclusivos, mas que podem<br />
ser usados individualmente ou<br />
em conjunto para explicar o silenciamento<br />
gênico.<br />
1. Silenciamento mediado<br />
pelo pareamento DNA-DNA<br />
Esse modelo tem sido proposto<br />
para explicar certos tipos de cossupresssão<br />
(JORGENSEN, 1990; MEYER<br />
& SAEDLER, 1996); a trans-inativação<br />
(MATZKE & MATZKE; 1990;<br />
CHANDLER & VAUCHERET, 2001) e<br />
a paramutação (MEYER et al., 1993;<br />
CHANDLER & VAUCHERET, 2001).<br />
O pareamento de regiões homólogas<br />
do DNA, devido à interação<br />
entre duas seqüências homólogas<br />
numa interfase da meiose, levaria à<br />
formação de estruturas em alças, que<br />
seria o precursor da difusão de<br />
metilações no DNA, induzindo o SGT<br />
(ENGLISH & BAULCOMBE, 1996).<br />
Os transgenes diferem muito em<br />
sua capacidade de trans-inativar cópias<br />
homólogas, o que parece estar associado<br />
à capacidade de procurar outras<br />
posições cromossomais com homologia.<br />
A presença de genes silenciadores<br />
muito próximos ao telômero sugere<br />
que regiões teloméricas são sítios favoráveis<br />
para a interação com seqüências<br />
homólogas (MEYER & SAEDLER, 2001).<br />
2. Degradação de RNA em<br />
excesso<br />
Em transgênicos, é comum o<br />
uso de promotores fortes para se<br />
conseguir a alta expressão do<br />
transgene. Como conseqüência, para<br />
a detecção de planta com o inserto,<br />
são esperados níveis altos do mRNA<br />
do transgene. Nesse modelo, os<br />
abRNA seriam produzidos devido a<br />
uma alta taxa de transcrição do DNA,<br />
com isso, os altos níveis de mRNA. Se<br />
essa taxa de mRNA exceder a taxa de<br />
tradução, pode ocorrer, além da de-<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 9
gradação parcial desses mRNA, a<br />
terminação abrupta da transcrição, o<br />
processamento irregular, originando<br />
abRNAs e induzindo ao SGPT<br />
(WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998).<br />
Outrossim, o excesso de produção<br />
de uma determinada proteína pode<br />
transmitir um sinal para a maquinaria<br />
de tradução a fim de induzir a terminação<br />
de sua própria transcrição. As<br />
proteínas em excesso seriam marcadas<br />
por ubiquitinas, por fosforilação ou<br />
por outras modificações pós-transcricionais<br />
(HOCHSTRASSER, 1996;<br />
WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998).<br />
3. Híbridos DNA-RNA<br />
A observação de que o pareamento<br />
DNA-RNA pode induzir padrões<br />
de metilação sugere mudanças<br />
no estado epigenético caracterizado<br />
por um estado específico de metilação<br />
do DNA ou da estrutura da cromatina,<br />
durante o período pré-meiótico ou<br />
de hibridização somática (MEYER &<br />
SAEDLER, 2001). Estudos indicaram<br />
que fragmentos de RNA poderiam<br />
induzir uma hipermetilação em seqüências<br />
homólogas (pareamento<br />
DNA -RNA), causando as mudanças<br />
epigenéticas. Tal fenômeno foi comprovado<br />
em estudos com plantas<br />
transgênicas que continham o cDNA<br />
dos virióides do PSTV da batata. A<br />
metilação no genoma do viróide foi<br />
observada mesmo sem que a<br />
replicação do seu RNA tivesse ocorrido<br />
(WASSENEGGER et al., 1994;<br />
WASSENEGGER, 2000).<br />
Os transcritos poderiam induzir<br />
a metilação em regiões homólogas<br />
de DNA, que seria comum em transformantes,<br />
os quais acumulariam<br />
grandes concentrações dos transcritos<br />
no núcleo, devido às altas taxas<br />
de tradução e do processamento irregular<br />
desses RNAs. Como conseqüência<br />
dessa marcação, a proteína e<br />
seus produtos, após degradação, poderiam<br />
reconhecer seqüências homólogas<br />
surgindo nos ribossomos, e<br />
levando ao término prematuro da<br />
transcrição, além de uma deadenilação<br />
na posição 3’ e, com isso, ao<br />
surgimento dos abRNAs e a indução<br />
do SGPT (JONES et al., 1999).<br />
4. Modelo mediado por<br />
RNA antisenso<br />
O RNA antisenso parece ser<br />
fundamental nos mecanismos de<br />
cossupressão. As fitas duplas de RNA<br />
seriam alvos gerados pelos promotores<br />
presentes no DNA do transgene<br />
e pela ação de RNA polimerases<br />
dependente de RNA ( RPdR)<br />
(LINDBO et al., 1993).<br />
WASSENEGGER & PÉLISSIER<br />
(1998) ainda propõem que esse RNA<br />
poderia surgir devido à posição da<br />
seqüência de DNA produtora do<br />
RNA antisenso, próximo a um promotor<br />
localizado adjacente a uma<br />
cópia de T-DNA integrado e em<br />
anti-senso .<br />
A produção de RNA antisenso<br />
pelas RPdR dependeria de níveis<br />
específicos do RNA senso e do<br />
acúmulo de intermediários de RNA<br />
(durante o processamento ou transporte).<br />
Essa hipótese se baseia no<br />
fato de que as RPdR reconheceriam<br />
os transcritos aberrantes, que seriam<br />
derivados de transcrição, transporte<br />
ou tradução incorreta do<br />
transgene. A produção de abRNA<br />
poderia induzir as mudanças<br />
epigenéticas do gene que influenciaria<br />
o seu processamento (MEYER &<br />
SAEDLER, 1996; WASSENEGGER,<br />
2000).<br />
Certos transgenes somente podem<br />
silenciar ou cossuprimir seqüências<br />
caso contenham um final 3’<br />
homólogo, enquanto certos transgenes<br />
com regiões 5’ homólogas não são<br />
afetadas (ENGLISH et al., 1996). Essas<br />
observações sugerem que os transcritos<br />
antisenso são feitos preferencialmente<br />
nas regiões 3’ do transgene<br />
(WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998).<br />
O papel da metilação e da<br />
estrutura da cromatina no<br />
silenciamento gênico<br />
Em recentes estudos sobre silenciamento<br />
em plantas, a ocorrência<br />
de pareamento entre seqüências<br />
homólogas parece ser condição importante<br />
para o silenciamento<br />
(BAULCOMBE & ENGLISH, 1996;<br />
VOINNET et al., 1998). O silencia-<br />
10 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
mento em trans seria quando uma<br />
região metilada teria homologia com<br />
a região promotora de um determinado<br />
gene, dirigindo uma metilação<br />
de novo nessa região, para induzir o<br />
SGT. Tal fenômeno é conhecido<br />
como metilação do DNA dirigida<br />
por DNA (MDdD)(JONES et al., 1999;<br />
METTE et al., 1999; WASSENEGGER,<br />
2000).<br />
Muitos genes eucarióticos e elementos<br />
transponíveis exibem uma<br />
forte correlação inversa entre densidade<br />
de metilação do DNA e atividade<br />
transcricional ou transposicional.<br />
Ao certo, não se sabe se a<br />
ação da metilação da citosina alteraria<br />
a estrutura da cromatina, mas<br />
estudos em plantas demonstram<br />
uma correlação positiva entre o<br />
número de cópias do transgene, o<br />
aumento da metilação e a diminuição<br />
da atividade transcricional<br />
(KUMPATLA et al.,1997).<br />
Em eucariontes, os resíduos de<br />
citosina do DNA genômico podem<br />
ser metilados na posição 5’da citidina.<br />
As enzimas das DNA metiltransferases<br />
que realizam essa reação têm preferências<br />
por grupos CpG ou CpNpG.<br />
Em ambos os casos, o DNA recentemente<br />
replicado, que contém grupos<br />
CpG ou CpNpG hemimetilados, são<br />
fortes substratos para a ação das<br />
DNA metiltransferases. Tal padrão<br />
asseguraria as metilações de manutenção<br />
e de padrões de metilação<br />
pré-existentes nos cromossomos filhos<br />
(ATHERLY et al.,1999).<br />
Em transgenes, esse padrão de<br />
metilação não é igual. As metilações<br />
localizadas em resíduos de citosina<br />
não estão localizadas em seqüências<br />
CpG ou CpNpGp. Os fatores que<br />
especificam esse padrão de metilação<br />
não simétrico são ainda uma incógnita,<br />
mas parece que a metilação do<br />
DNA é dirigida por um RNA. Não se<br />
sabe se esse RNA seria o sinal em<br />
todos os casos da metilação não<br />
simétrica das citosinas em plantas<br />
(FINNEGAN et al., 1998). Alguns<br />
autores denominam esse fenômeno<br />
de metilação do DNA dirigida por<br />
RNA (MDdR)(WASSENEGGER, 2000;<br />
BAULCOMBE, 2002). Esse padrão<br />
também não parece ser conservado
durante a meiose, em contraste com<br />
o padrão de metilação simétrica<br />
(PARK et al., 1996; LUFF et al.,<br />
1999).<br />
Estudos têm demonstrado que<br />
a metilação do DNA e a estrutura da<br />
cromatina têm um importante papel<br />
no SGT e SGPT. Nessa forma de<br />
silenciamento, a região promotora<br />
e, às vezes, a região codificante dos<br />
transgenes silenciados apresentamse<br />
densamente metilados (KOOTER<br />
et al., 1999). Plantas mutantes para<br />
o gene da proteína DDM1, que remodela<br />
a cromatina, não apresentaram<br />
o silenciamento gênico. Isso<br />
indica um possível papel da<br />
metilação do DNA e da estrutura da<br />
cromatina no estabelecimento e na<br />
manutenção de SGPT. Supõe-se que<br />
o aumento da metilação leve à<br />
heterocromatização do DNA e, com<br />
isso, ao difícil acesso às RNA<br />
polimerases, diminuindo a ação<br />
transcricional (YE et al., 1996;<br />
WASSENEGGER & PÉLISSIER, 1998;<br />
WASSENEGGER et al., 2000).<br />
Embora os modelos atuais proponham<br />
que a produção de um<br />
RNA aberrante, fruto de uma<br />
metilação, seja o causador de uma<br />
finalização prematura da transcrição<br />
do mRNA, existem estudos com<br />
linhagens defeituosas de N. crassa<br />
para o gene da metilase da citosina<br />
(dim2) que exibiram a mesma capacidade<br />
de silenciamento que a linhagem<br />
controle (dim +) (COGONI<br />
& MACINO, 1999). Fato semelhante<br />
foi observado em estudos realizados<br />
com plantas transgênicas de<br />
fumo, onde o gene nptII (neomicina<br />
fosfotransferase) metilado teve a<br />
transcrição e o SGPT normais quando<br />
comparado com uma cópia do<br />
gene nptII não metilado e não silenciado<br />
(VAN HOUDT et al., 1997).<br />
Tais fatos indicam que a metilação<br />
não parece ser condição sine qua<br />
non para a indução e a manutenção<br />
do SGPT (PARK et al., 1996).<br />
Razões para a ocorrência do<br />
silenciamento gênico<br />
Diversos autores têm levantado<br />
o papel do silenciamento gênico . O<br />
silenciamento gênico parece estar<br />
envolvido com a defesa a ácidos<br />
nucléicos estranhos (COVEY, 2000;<br />
JORGENSEN, 1995; MOURAIN et al.,<br />
2000), com a proteção do genoma<br />
contra a inserção de elementos<br />
transponíveis (KETTING et al., 1999;<br />
BAULCOMBE, 2002) e com a<br />
regulação da expressão gênica de<br />
famílias de multigenes ou ainda<br />
genes duplicados em plantas<br />
(TANZER et al., 1997; CHANDLER &<br />
VAUCHERET, 2001).<br />
Uma outra questão poderia ser<br />
levantada, se seqüências homólogas<br />
de DNA podem parear e se tornar<br />
silenciadas, como então explicar que<br />
membros de famílias de genes poderiam<br />
escapar da inativação? MATZKE<br />
& MATZKE (1995) propõem a existência<br />
de duas maneiras de prevenir<br />
esse pareamento: ou pela divergência<br />
de seqüências encontradas em<br />
alelos (heterozigosidade) ou devido<br />
à redução do comprimento de seqüências<br />
homólogas, o que sugere<br />
um papel muito importante para os<br />
íntrons, que dividiriam a região<br />
codificante da proteína em segmentos<br />
pequenos demais para realizar<br />
um pareamento efetivo.<br />
Parece bastante unânime entre<br />
vários autores que o silenciamento<br />
gênico tem como função<br />
principal prevenir a superexpressão<br />
gênica, controlando o número<br />
de cópias de determinado gene ou<br />
ainda ser um mecanismo de defesa<br />
contra a superexpressão de<br />
transgenes (WASSENEGGER &<br />
PÉLISSIER, 1998; KOOTER et al.,<br />
1999; WASSENEGGER, 2000).<br />
Difusão e amplificação do<br />
silenciamento gênico<br />
Um dos mais importantes aspectos<br />
do silenciamento gênico é que<br />
este é um mecanismo autômato, isto<br />
é, pode ser induzido localmente e<br />
pode se espalhar para distantes locais<br />
no organismo (VOINNET et al., 1998;<br />
COVEY, 2000). Esse transporte<br />
sistêmico do sinal de silenciamento<br />
parece relacionar-se com um sinal<br />
móvel, não metabólico, ainda não<br />
completamente identificado. Esse si-<br />
nal, sendo parte integral do processo<br />
de silenciamento, parece interagir com<br />
proteínas de membranas, movendose<br />
de célula em célula através do<br />
floema (plasmodesmata), assemelhando-se<br />
com o padrão de infecção de<br />
vírus nas plantas (PALAUQUI et al.,<br />
1997; VOINNET & BAULCOMBE, 1997;<br />
VOINNET et al., 1998; MLOTSHWA<br />
et al., 2002).<br />
O SGPT teria três fases: início,<br />
manutenção e difusão propriamente<br />
dita. Os transgenes, os vírus e até<br />
mesmo o DNA exógeno (proveniente<br />
da transformação) poderiam<br />
iniciar o SGPT. Alguns autores sugerem<br />
que esse sinal seja na forma<br />
de RNA, mas não é conhecido ainda<br />
qual o tipo de RNA que estaria<br />
envolvido: se abRNA, dfRNA ou<br />
ainda o asRNA (METTE et al., 1999;<br />
KOOTER et al., 1999; MATZKE et<br />
al., 2001; MLOSTHWA et al., 2001).<br />
Esse conceito de difusão célulacélula<br />
e de transporte a longas distâncias<br />
não pode ser descartado,<br />
visto que o vírus tem seu genoma<br />
composto por RNA e esse RNA difunde-se<br />
para dentro da planta, podendo<br />
se mover de célula-célula<br />
através de proteínas codificadas pelo<br />
seu próprio genoma (WATERHOUSE<br />
et al., 2001).<br />
Ainda não está completamente<br />
elucidado como o sinal para o silenciamento<br />
pode se espalhar sistemicamente<br />
pela planta e ainda ter seus<br />
efeitos amplificados. O silenciamento<br />
parece ser um mecanismo de prevenção,<br />
como a vacina é para os<br />
humanos. Parece sensato estabelecer<br />
que o silenciamento nada mais é<br />
que uma mensagem enviada pelas<br />
células já infectadas pelo vírus para<br />
aquelas que ainda não o foram, mas<br />
que estejam na iminência de o ser,<br />
para que essas preparem suas defesas<br />
contra o agente invasor. Se esse<br />
sinal contiver fragmentos da seqüência<br />
viral, as células receptoras poderiam<br />
estar preparadas para degradar<br />
qualquer RNA que contivesse essas<br />
seqüências, mesmo antes de o vírus<br />
chegar (RATCLIFF et al., 1997;<br />
WATERHOUSE et al., 2001).<br />
Esse modelo poderia explicar algumas<br />
observações:1) de que plantas<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 11
transgênicas com transgenes derivados<br />
de vírus podem apresentar uma<br />
recuperação, isto é, apresentar os sintomas<br />
da infecção inicial do vírus,<br />
seguida de crescimento sem os sintomas<br />
e de resistência ao vírus. 2) plantas<br />
transgênicas apresentando cossupressão<br />
tendem, inicialmente, a apresentar<br />
atividade do transgene, mas<br />
um silenciamento progressivo em tecidos<br />
em crescimento (WATERHOUSE<br />
et al., 2001).<br />
Considerações finais<br />
Na última década, o estudo do<br />
silenciamento gênico cresceu consideravelmente.<br />
Já existem evidências<br />
de que características específicas<br />
do DNA, como a metilação e a estrutura<br />
da cromatina, são importantes<br />
para o fenômeno do silenciamento.<br />
Todavia, o seu mecanismo molecular<br />
ainda não foi totalmente<br />
elucidado, mas, em razão de observações<br />
funcionais dos RNA anti-senso,<br />
abRNA, dfRNA, RNA polimerases<br />
e RNA nucleases, os estudiosos desse<br />
assunto puderam elaborar modelos<br />
para os mecanismos de SGDH ,<br />
o SGT e SGPT.<br />
É notória a existência de algumas<br />
dificuldades para o estudo do<br />
silenciamento gênico em plantas<br />
transgênicas. Variações entre as linhas<br />
de plantas transgênicas constituem<br />
uma grande barreira para o<br />
completo estudo desses mecanismos.<br />
Duas linhas transgênicas não são<br />
similares pelo fato de o transgene em<br />
cada planta se situar em diferente<br />
domínio no cromossomo, em diferente<br />
arranjo e também devido à<br />
associação com diferentes quantidades<br />
de DNA do vetor de transformação<br />
(IGLESIAS et al., 1997; STAM et<br />
al., 1997).<br />
Apesar das dificuldades, vislumbram-se<br />
para essa área da ciência<br />
grandes e importantes descobertas: o<br />
completo entendimento da regulação<br />
gênica, a identificação dos fatores<br />
que podem afetar a expressão gênica<br />
e dos transgenes (talvez se discuta no<br />
futuro algumas propriedades dessa<br />
tecnologia) e, ainda mais, a compreensão<br />
dos mecanismos evolutivos.<br />
Agradecimentos<br />
Aos pesquisadores Ivan<br />
Schuster (Coodetec) e Maria Júlia<br />
Corazza Nunes (UEM/PR) pelas<br />
correções e sugestões dadas. Agradeço<br />
a Deus por tudo.<br />
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<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 13
Pesquisa<br />
Francismar Corrêa Marcelino<br />
Mestre em Genética Molecular, Laboratório<br />
de Análises Genéticas - AgroGenética<br />
eg34680@vicosa.ufv.br<br />
Marta Fonseca Martins<br />
Doutora em Genética Molecular, Laboratório<br />
de Análises Genéticas - AgroGenética<br />
mmartins@tdnet.com.br<br />
Marcio Antonio Silva Pimenta<br />
Doutor em Genética Molecular,<br />
Universidade Federal de Viçosa<br />
marciopimenta@vicosa.ufv.br<br />
Maurilio Alves Moreira<br />
PhD, Bioquímica & Genética de Plantas,<br />
Universidade Federal de Viçosa<br />
moreira@ufv.br<br />
Everaldo Gonçalves de Barros<br />
PhD, Biologia Molecular de Plantas,<br />
Universidade Federal de Viçosa<br />
ebarros@ufv.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Detecção de resíduos de<br />
transgênicos em grãos e<br />
produtos derivados<br />
Mais de 58 milhões de hectares são<br />
cultivados atualmente no mundo com<br />
espécies transgênicas, sendo a soja, o<br />
milho, o algodão e a canola, as principais<br />
delas. Os países com as maiores áreas<br />
cultivadas com transgênicos são, nesta<br />
ordem, os Estados Unidos, a Argentina, o<br />
Canadá e a China. Estes países respondem<br />
por cerca de 99% da área total plantada<br />
com cultivos transgênicos. O cultivo de<br />
plantas geneticamente modificadas vem<br />
crescendo rapidamente em vários países,<br />
inclusive no Brasil, onde no mês de<br />
setembro foi aprovado, embora com restrições,<br />
o plantio de soja transgênica para<br />
o ano agrícola 2003/2004 (Medida Provisória<br />
1<strong>31</strong>, de 25 de setembro de 2003).<br />
A demanda por análises da presença<br />
de resíduos de transgênicos em matérias-primas<br />
e em alimentos tem aumentado<br />
significativamente no Brasil, nos últimos<br />
dois anos, principalmente após a<br />
comprovação do cultivo ilegal da soja<br />
transgênica, resistente ao herbicida<br />
glifosato, destacadamente no estado do<br />
Rio Grande do Sul, com sementes provenientes<br />
da Argentina. A maior parte das<br />
14 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
A experiência da Universidade Federal de Viçosa<br />
análises tem sido demandada por empresas<br />
exportadoras de grãos de soja e de<br />
produtos derivados. Esses produtos são<br />
exportados, na maioria, para a Europa,<br />
Japão e Coréia. Já antevendo esse cenário,<br />
a Universidade Federal de Viçosa<br />
(UFV), por intermédio do Instituto de<br />
<strong>Biotecnologia</strong> (BIOAGRO), desenvolveu<br />
e otimizou metodologias baseadas na<br />
técnica de PCR (Polymerase Chain<br />
Reaction) para determinar a presença e<br />
quantificar resíduos de transgênicos em<br />
amostras de DNA extraídas de grãos,<br />
bem como de seus produtos derivados.<br />
Recentemente, a AgroGenética, laboratório<br />
incubado na Incubadora de Empresas<br />
de Base Tecnológica da UFV, foi<br />
credenciado junto ao Ministério da Agricultura,<br />
Pecuária e Abastecimento (MAPA)<br />
- Portaria Nº 27, de 15 de maio de 2003,<br />
para a “detecção de modificação genética<br />
em produtos de origem vegetal”.<br />
As modificações genéticas introduzidas<br />
que derivam os organismos<br />
geneticamente modificados (OGMs)<br />
podem ser produzidas por pelo menos<br />
três metodologias:<br />
Figura 1 - Representação da construção presente na soja RR® (Roundup Ready).<br />
Região promotora 35S do vírus do mosaico da couve flor, peptídeo de trânsito de<br />
Petúnia, gene que codifica a proteína EPSPS, que confere a resistência ao herbicida,<br />
e o terminador do gene da nopalina sintase (NOS).
Figura 2 - Análise qualitativa de OGM em amostras de grãos de soja. O DNA das amostras foi<br />
extraído pelo método Wizard e amplificado com primers específicos que anelam ou no gene<br />
da lectina (controle A e B), ou na região do promotor 35S do CaMV (C e D), ou na região<br />
terminadora NOS (E e F), ou na região codificadora do gene EPSPS (G e H). Após a reação de<br />
PCR, os produtos amplificados foram separados em géis de agarose. À esquerda (A, C, E e G)<br />
está exemplificado um resultado negativo e à direita (B, D, F e H), um resultado positivo. Os<br />
símbolos nas canaletas representam: (–), reação de PCR sem DNA (controle); N, soja normal<br />
(controle); T, soja transgênica (controle); 1, 2 e 3, referem-se a amostras de grãos de soja. As<br />
setas indicam as bandas de DNA de interesse.<br />
Figura 3 - Curva de amplificação de uma análise quantitativa em PCR de tempo real. A<br />
determinação da porcentagem de resíduos de OGM é baseada na comparação da curva de<br />
amplificação da amostra analisada com as curvas de amplificação de padrões certificados<br />
contendo quantidades conhecidas de OGMs.<br />
- técnicas do DNA recombinante,<br />
utilizando vetores para transformação<br />
de plantas;<br />
- técnicas envolvendo a introdução<br />
direta do material genético no<br />
organismo;<br />
- fusão celular por métodos não<br />
naturais.<br />
A construção genética utilizada para<br />
produzir OGMs consiste de três elementos<br />
básicos: o promotor, que controla a<br />
expressão do transgene no organismo;<br />
a região codificadora, que codifica a<br />
proteína de interesse; e a região<br />
terminadora, que determina o final do<br />
processo de transcrição do gene. Além<br />
disso, pode ser usado um gene marcador<br />
que serve para selecionar as células que,<br />
de fato, foram transformadas. A soja<br />
resistente ao herbicida glifosato, por<br />
exemplo, tem como região reguladora o<br />
promotor 35S do vírus do mosaico da<br />
couve flor (CaMV); como região<br />
codificadora, o gene para a proteína<br />
EPSPS de Agrobacterium tumefasciens,<br />
que confere a resistência ao herbicida, e<br />
como região terminadora, o terminador<br />
do gene da nopalina sintase (NOS),<br />
também de Agrobacterium (Figura 1).<br />
A identificação de alimentos geneticamente<br />
modificados pode ser feita facilmente<br />
com o auxílio de técnicas de<br />
biologia molecular. OGMs podem ser<br />
identificados pela detecção direta do DNA<br />
exógeno nele contido, do mRNA correspondente<br />
produzido, da proteína resultante<br />
ou, ainda, pela característica introduzida.<br />
Os principais métodos analíticos<br />
de detecção utilizam a técnica da reação<br />
em Cadeia da DNA Polimerase (PCR) para<br />
detectar o DNA exógeno, ou métodos<br />
imunológicos, como o ELISA, para detectar<br />
a proteína. O método analítico escolhido<br />
deve ser sensível, confiável,<br />
reprodutível, minimizando, assim, falsos<br />
positivos e falsos negativos.<br />
Em nosso laboratório a detecção e<br />
quantificação de resíduos de OGMs em<br />
grãos, ingredientes e produtos derivados<br />
é feita pela técnica de PCR. Para tal, é<br />
necessária a extração de DNA das amostras<br />
e amplificação do fragmento de interesse.<br />
Para ser amplificado, o DNA purificado<br />
deve apresentar boa qualidade. Além<br />
disso, como controle, um gene normalmente<br />
presente no organismo, é amplificado<br />
em uma reação paralela. Para produtos<br />
que contenham soja na sua composição<br />
é utilizado o gene da lectina. Para<br />
produtos à base de milho, é utilizado o<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 15
Figura 4 - Percentual dos diferentes produtos analisados para a detecção de OGMs em 2000.<br />
Figura 5 - Percentual dos diferentes produtos analisados para a detecção de OGMs em 2001.<br />
Figura 6 - Percentual dos diferentes produtos analisados para a detecção de OGMs em 2002<br />
Figura 7 - Percentual dos diferentes produtos analisados para a detecção de OGMs em 2003.<br />
16 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
gene da delta zeína. Quando se quer<br />
detectar a presença de OGM em uma<br />
amostra de salsicha, por exemplo, amplifica-se<br />
como controle o gene da lectina,<br />
uma vez que a salsicha geralmente contém<br />
pelo menos 2% de proteína de soja na<br />
sua composição.<br />
O nosso laboratório procura utilizar<br />
métodos validados internacionalmente<br />
nas suas análises. Para a extração<br />
de DNA das amostras é utilizada a<br />
metodologia Wizard, método já validado<br />
pela Comunidade Econômica Européia.<br />
O transgene, ou seja, o segmento<br />
de DNA que foi introduzido na planta,<br />
é amplificado com primers específicos.<br />
Para a detecção do gene RR (Roundup<br />
Ready) são utilizados primers que se<br />
ligam ou à região do promotor 35S do<br />
CaMV, ou à região codificadora, ou ao<br />
terminador NOS. Após a reação de PCR<br />
os produtos amplificados são separados<br />
em géis de agarose. Para as análises<br />
quantitativas, o DNA das amostras é<br />
extraído pela metodologia PrepMan-<br />
Ultra e a análise é baseada no método<br />
TaqMan ® , que utiliza a técnica de PCR<br />
em Tempo Real, para amplificar a seqüência<br />
de DNA do promotor 35S, o<br />
qual está presente na maioria dos OGMs<br />
comercializados até o momento. O procedimento<br />
é extremamente preciso devido<br />
à perfeita complementaridade entre<br />
os primers usados na reação de PCR,<br />
a sonda TaqMan ® e as seqüências alvo<br />
de DNA que estão sendo amplificadas.<br />
A fluorescência liberada durante a reação<br />
é lida pelo sistema de detecção ABI<br />
PRISM ® 7000 e os dados gerados são<br />
analisados eletronicamente. Como a<br />
metodologia é bastante sensível, podese<br />
detectar, numa dada amostra, uma<br />
contaminação da ordem de 0,01%. No<br />
entanto, devido ao limite de recuperação<br />
do DNA durante o processo de<br />
extração e também aos erros inerentes<br />
ao processo de amostragem, temos trabalhado<br />
com um nível de detecção e<br />
quantificação da ordem de 0,1%. Isto é,<br />
uma amostra contendo 0,1% de transgênicos<br />
é classificada como positiva na<br />
nossa análise, tendo como referência<br />
um padrão certificado. Amostras com<br />
uma contaminação menor que 0,1% são<br />
classificadas como negativas. A Figura 2<br />
mostra os possíveis resultados obtidos<br />
em uma análise qualitativa, enquanto<br />
que na Figura 3 pode ser visualizada<br />
uma curva de amplificação numa análise<br />
quantitativa em tempo real. A<br />
quantificação de uma determinada amos-
tra é feita com base na comparação da<br />
sua curva de amplificação com as de<br />
padrões certificados contendo quantidades<br />
conhecidas de OGMs.<br />
Desde o ano de 2000, o laboratório<br />
vem realizando a detecção de OGMs em<br />
grãos e em produtos derivados. Inicialmente<br />
a demanda era concentrada em<br />
amostras de grãos de soja e milho e em<br />
diferentes tipos de preparações de proteínas<br />
de soja. Com o passar dos anos,<br />
observamos um aumento na demanda<br />
pelas análises bem como uma diversificação<br />
das amostras enviadas. Atual-<br />
mente, temos recebido amostras de condimentos<br />
e temperos, óleos, amido de<br />
milho, sopas, fubá, entre outras. A partir<br />
de 2001 foram feitas as primeiras análises<br />
de produtos cárneos. A partir de<br />
2002 houve um aumento expressivo no<br />
número de análises para esse tipo de<br />
produto. Naquele ano, 12,3% do total de<br />
amostras analisadas foram de produtos<br />
cárneos. Até setembro de 2003 a porcentagem<br />
foi de 7,3%.<br />
As Figuras 4, 5, 6 e 7 mostram a<br />
porcentagem de cada classe de produto<br />
analisado em relação ao total de amos-<br />
Figura 8 - Percentual de amostras positivas para a presença de resíduos de OGMs com<br />
relação ao número total de amostras analisadas, entre os anos de 2000 e 2003.<br />
Quadro<br />
1 - Porcentagem<br />
de<br />
amostras<br />
positivas<br />
dentro<br />
de<br />
cada<br />
classe<br />
de<br />
amostras<br />
e com<br />
relação<br />
ao<br />
total<br />
de<br />
amostras<br />
analisadas<br />
% de<br />
% de<br />
% de<br />
% de<br />
% de<br />
% de<br />
% de<br />
% de<br />
amostras<br />
amostras<br />
amostras<br />
amostras<br />
amostras<br />
amostras<br />
amostras<br />
amostras<br />
Tipo<br />
de<br />
Amostra<br />
positivas<br />
pelo<br />
total<br />
de<br />
positivas<br />
dentro<br />
da<br />
classe<br />
positivas<br />
pelo<br />
total<br />
de<br />
positivas<br />
dentro<br />
da<br />
classe<br />
positivas<br />
pelo<br />
total<br />
de<br />
positivas<br />
dentro<br />
da<br />
classe<br />
positivas<br />
pelo<br />
total<br />
de<br />
positivas<br />
dentro<br />
da<br />
classe<br />
amostras<br />
analisada<br />
amostras<br />
analisada<br />
amostras<br />
analisada<br />
amostras<br />
analisada<br />
em<br />
2000<br />
em<br />
2000<br />
em<br />
2001<br />
em<br />
2001<br />
em<br />
2002<br />
em<br />
2002<br />
em<br />
2003<br />
em<br />
2003<br />
Soja grão<br />
Diferentes<br />
3, 89<br />
12, 96<br />
7, 74<br />
35, 42<br />
6, 16<br />
<strong>31</strong>, 69<br />
9, 22<br />
64,<br />
20<br />
tipos<br />
de<br />
proteínas<br />
de<br />
soja<br />
0, 00<br />
0, 0020<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 96<br />
3, 91<br />
2, 13<br />
7,<br />
41<br />
Farelo<br />
de<br />
soja<br />
1, 11<br />
11, 76<br />
1, 37<br />
14, 64<br />
7, 93<br />
54, 72<br />
8, 33<br />
54,<br />
49<br />
Produ<br />
tos<br />
cárneos<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
7, 93<br />
63, 04<br />
5, 32<br />
73,<br />
17<br />
Milho grão<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
1, 06<br />
13,<br />
04<br />
Ração 0, 00<br />
0, 00<br />
1, 82<br />
21, 62<br />
3, 56<br />
49, 06<br />
2, 30<br />
35,<br />
14<br />
Hidrolisad<br />
o<br />
de<br />
soja<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 23<br />
4, 76<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 18<br />
25,<br />
00<br />
Sopas 0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0,<br />
00<br />
Fubá<br />
de<br />
milho<br />
Condimen-<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 18<br />
14,<br />
29<br />
tos<br />
e<br />
temperos<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 55<br />
36, 36<br />
1, 42<br />
61,<br />
54<br />
Lecitina<br />
de<br />
soja<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 82<br />
75, 00<br />
0, 00<br />
0,<br />
00<br />
Óleos<br />
e<br />
gorduras<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 00<br />
0, 27<br />
40, 00<br />
0, 00<br />
0,<br />
00<br />
Outros 0, 00<br />
0, 00<br />
0, 23<br />
2, 22<br />
0, 27<br />
5, 88<br />
2, 30<br />
37,<br />
14<br />
tras desde o ano de 2000. Ao longo dos<br />
anos que temos realizado análises de<br />
OGM em grãos e diferentes tipos de<br />
alimentos, pudemos observar um aumento<br />
gradual no número de amostras<br />
positivas, demonstrando que embora<br />
seja proibido o plantio e a comercialização<br />
de OGM no país, estes de alguma<br />
forma estão presentes no mercado, pelo<br />
menos, desde o ano de 2000. Naquele<br />
ano apenas 5% das amostras analisadas<br />
foram positivas para a presença de<br />
resíduos de OGM. Em 2001, esse<br />
percentual subiu para 11,5%. Em 2002,<br />
para 28,5%, e até setembro de 2003,<br />
32,3% das amostras apresentaram resultado<br />
positivo. A Figura 8 representa de<br />
forma gráfica estes resultados.<br />
A porcentagem de amostras positivas<br />
dentro de cada classe de produtos<br />
também sofreu elevação, principalmente<br />
no caso de grãos de soja, farelo de soja e<br />
ração. A porcentagem de amostras de<br />
grãos de soja positivas para a presença de<br />
OGM em 2000 foi de 3,89 % com relação<br />
ao total de amostras analisadas. Com<br />
relação apenas às amostras de grãos<br />
analisadas, esse percentual foi de 12,96%,<br />
atingindo 35,42%, <strong>31</strong>,69% e 64,20%, respectivamente,<br />
em 2001, 2002 e 2003. As<br />
amostras de farelo OGM subiram de<br />
1,11% do total de amostras analisadas,<br />
em 2000, para 8,33% em 2003, enquanto<br />
as de ração eram 1,82% em 2001 e 2,3%<br />
em 2003. A porcentagem de amostras de<br />
produtos cárneos contendo resíduos de<br />
OGM foi de 7,93% do total de amostras<br />
analisadas e 63,04% com relação ao total<br />
de amostras dessa classe de produtos em<br />
2002. Em 2003, esses valores foram de<br />
5,32% e 73,17%, respectivamente. Com<br />
relação às amostras de milho e derivados<br />
apenas em 2003 começamos a detectar<br />
algumas amostras positivas, o que reflete<br />
a presença de outros cultivos transgênicos,<br />
que não a soja RR®, no mercado<br />
mundial. O Quadro 1 mostra a porcentagem<br />
de amostras positivas em relação ao<br />
número total de amostras analisadas e<br />
dentro de cada classe de amostras.<br />
Os nossos dados permitem concluir<br />
que no período de 2000 a 2003 houve um<br />
aumento gradual da presença de resíduos<br />
de transgênicos em grãos, ingredientes e<br />
alimentos derivados no país, especialmente<br />
com relação à soja. Os dados apontam<br />
também para a necessidade de definição<br />
de normas claras de rotulagem de alimentos.<br />
Para esse fim, é importante que se<br />
disponham de laboratórios qualificados<br />
para realizar esse tipo de análise.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 17
Pesquisa<br />
Ricardo Antonio. Polanczyk<br />
Engenheiro Agrônomo, Doutorando – Programa de<br />
Pós Graduação em Entomologia (Escola Superior de<br />
Agricultura Luiz de Queiroz, ESALQ -USP).<br />
rapolanc@esalq.usp.br<br />
Samuel Martinelli<br />
Engenheiro Agrônomo, Doutorando – Programa de<br />
Pós Graduação em Entomologia (Escola Superior de<br />
Agricultura Luiz de Queiroz, ESALQ -USP).<br />
smartine@esalq.usp.br<br />
Celso Omoto<br />
Engenheiro Agrônomo, Prof. Dr. Depto<br />
Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola<br />
(ESALQ-USP).<br />
celomoto@esalq.usp.br<br />
Sérgio Batista Alves<br />
Engenheiro Agrônomo, Prof. Dr. Depto<br />
Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola<br />
(ESALQ-USP).<br />
sebalves@esalq.usp.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Bacillus thuringiensis<br />
no Manejo Integrado de Pragas<br />
1. Introdução<br />
A exploração agrícola intensiva,<br />
necessária para atender à crescente<br />
demanda interna por alimentos,<br />
aumento do volume de exportações<br />
agrícolas e necessidade por<br />
produtos como fibras, tem como<br />
fator limitante o impacto negativo<br />
nos ecossistemas. De acordo com<br />
Tilman et al. (2001), diante da continuidade<br />
dos impactos ambientais<br />
globais provocados pela agricultura,<br />
10 9 hectares de ecossistemas naturais<br />
serão convertidos em sistemas<br />
agrícolas até o ano de 2050. Do<br />
mesmo modo, os agroquímicos, utilizados<br />
para o controle de pragas<br />
agrícolas são muitas vezes responsáveis<br />
por contaminações do meio<br />
ambiente e intoxicações de produtores<br />
rurais. Portanto, é importante<br />
o desenvolvimento e implementação<br />
de táticas de controle de pragas<br />
menos agressivas, que estejam de<br />
acordo com as premissas do Manejo<br />
Integrado de Pragas, e que, ao<br />
mesmo tempo, proporcionem o retorno<br />
econômico ao agricultor.<br />
Neste sentido, o controle biológico<br />
é uma importante estratégia<br />
que, através da liberação, incremento<br />
e conservação de insetos parasitóides,<br />
predadores e microrganismos,<br />
impede que os insetos-praga<br />
atinjam níveis populacionais capazes<br />
de causar dano econômico. Indiretamente,<br />
diminui o impacto dos<br />
agroquímicos sobre o meio ambiente,<br />
pois minimiza ou torna desnecessário<br />
o seu uso. Entre os microrganismos<br />
com potencial para serem<br />
empregados no controle biológico<br />
18 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Do uso convencional em Pulverização à <strong>Biotecnologia</strong><br />
destaca-se o entomopatógeno<br />
Bacillus thuringiensis (Bt). Esta bactéria<br />
é capaz de produzir inclusões<br />
cristalinas durante a esporulação,<br />
que são responsáveis pela sua atividade<br />
tóxica. As suas toxinas, após a<br />
ingestão, solubilização e ativação<br />
no intestino do inseto, unem-se às<br />
células do epitélio, formando poros<br />
e desestabilizando os gradientes<br />
osmótico e iônico, fazendo com que<br />
este cesse a alimentação, morrendo<br />
por inanição ou septicemia (Priest,<br />
2000; Glare & O´Callagham, 2000).<br />
Para que a patologia de Bt ocorra é<br />
necessário que o intestino do inseto<br />
permita a eficiente solubilização do<br />
cristal e que proteases ativem as<br />
protoxinas resultantes desta solubilização.<br />
Estas etapas são essenciais<br />
para que a toxina passe pela membrana<br />
peritrófica e se ligue aos receptores<br />
presentes na parede do<br />
intestino médio do inseto. Em função<br />
da variabilidade genética, entre<br />
os insetos há diferenças específicas<br />
e não específicas com relação à<br />
especificidade dos receptores das<br />
toxinas de Bt. A especificidade do<br />
receptor assume papel vital na defesa<br />
do organismo contra esta ação<br />
inseticida, juntamente com a solubilização<br />
do cristal e ativação da toxina.<br />
A ausência de necessidade de<br />
solubilizar o cristal e ativar as toxinas<br />
produzidas pelas plantas transgênicas<br />
pode influenciar a suscetibilidade<br />
dos organismos-alvos e nãoalvos<br />
de controle. A morte do inseto,<br />
no caso de produtos à base de Bt é<br />
uma interação da ação da toxina e<br />
dos esporos; o primeiro fator leva à<br />
formação de poros no tecido epitelial,
causando desiquilíbrio osmótico e<br />
iônico e a segundo causa septicemia<br />
devido à germinação dos esporos,<br />
proporcionada pela redução do pH<br />
intestinal devido à ação das toxinas.<br />
No caso de plantas-Bt, a causa da<br />
morte é somente a toxina.<br />
As primeiras tentativas de utilização<br />
de Bt no controle de pragas<br />
foram feitas na Europa durante a<br />
década de 30. Devido aos êxitos<br />
iniciais, a produção deste patógeno<br />
começou na França em 1938. Nos<br />
EUA, o interesse por este patógeno<br />
aumentou após 1950, principalmente<br />
para o controle de lepidópteros<br />
(Lambert & Peferoen, 1992; Beegle &<br />
Yamamoto, 1992).<br />
Deve-se salientar que a pressão<br />
da opinião pública quanto à saúde<br />
humana e preservação do meio ambiente<br />
incentivou a utilização de produtos<br />
microbianos, principalmente em<br />
hortaliças e frutíferas com alto valor<br />
comercial. Em 1970 foi lançado no<br />
mercado o Dipel (Bt kurstaki) que<br />
provou ser 20 a 200 vezes mais potente<br />
que outros isolados desta bactéria<br />
(Beegle & Yamamoto, 1992). Este<br />
produto, atualmente, é utilizado para<br />
o controle de mais de 167 lepidópterospraga<br />
(Glare & O’Callagham, 2000).<br />
Além disso, em 1976 foi caracterizado<br />
um isolado eficaz para o controle de<br />
insetos da ordem Diptera, denominado<br />
Bt israelensis e em 1983 outro letal<br />
para coleópteros denominado de Bt<br />
tenebrionis. O sucesso do uso de Bt<br />
no mundo só não é maior até agora,<br />
em função da existência de inseticidas<br />
químicos baratos que podem substituí-lo<br />
no controle de lepidópteros.<br />
Além de ser utilizado como<br />
bioinseticida, a partir da metade da<br />
década de 1980, foram obtidas as<br />
primeiras plantas transgênicas com<br />
a incorporação dos genes codificadores<br />
das proteínas tóxicas de Bt<br />
em plantas de fumo e tomate (Dias,<br />
1992). Segundo Ely (1993), mais de<br />
50 espécies de plantas sofreram<br />
transformações deste tipo com resultados<br />
satisfatórios. Formas<br />
truncadas dos genes que codificam<br />
proteínas inseticidas de Bt na sua<br />
forma ativa foram introduzidas e<br />
expressas com sucesso em plantas<br />
de fumo (Vaeck et al., 1987) e<br />
algodão (Perlak et al., 1990). Koziel<br />
et al. (1993), através da inserção de<br />
uma versão modificada do gene<br />
truncado cry1Ab, conseguiram a expressão<br />
da proteína Cry1Ab em altos<br />
níveis em plantas de milho e,<br />
em testes de campo, foi verificada a<br />
proteção contra o consumo foliar e<br />
perfuração de colmos por Ostrinia<br />
nubillalis, uma importante praga<br />
da cultura do milho nos EUA.<br />
De acordo com Clive (2002),<br />
estima-se que foram ocupados cerca<br />
de 58,7 milhões de hectares com<br />
culturas transgênicas no ano de 2002,<br />
com um aumento de 11,6% em relação<br />
ao ano anterior (Figura 1). A<br />
Índia, o maior produtor mundial de<br />
algodão, comercializou algodão-Bt<br />
pela primeira vez em 2002. Também,<br />
foi verificado um aumento da área<br />
pré-comercial de algodão-Bt na Colômbia<br />
e em Honduras. O EUA foi o<br />
país com maior área plantada, cerca<br />
de 39 milhões de hectares (66%),<br />
seguido pela Argentina (23%), Canadá<br />
(6%) e China (4%). A China apresentou<br />
o maior incremento anual<br />
(40%) entre 2001 e 2002 na área<br />
plantada com algodão-Bt, ocupando<br />
51% da área cultivada com esta espécie.<br />
Em termos mundiais, o milho<br />
geneticamente modificado ocupou<br />
12,4 milhões de hectares (com aumento<br />
de 9% em relação à área de<br />
2001), seguido pelo algodão e canola<br />
com 6,8 e 3 milhões de hectares,<br />
respectivamente (Figura 2).<br />
2. Vantagens e Limitações<br />
O emprego de biopesticidas à<br />
base de Bt é altamente desejável em<br />
programas de controle de insetos devi-<br />
do à sua alta especificidade e rápida<br />
degradação do ambiente. No entanto,<br />
de acordo com Vaeck et al. (1987),<br />
independentemente das vantagens do<br />
uso de inseticidas à base de toxinas<br />
produzidas pela bactéria Bt, o emprego<br />
destes produtos em escala comercial<br />
é limitado em função da instabilidade<br />
do cristal protéico em campo, devido<br />
à ação da luz ultravioleta e do seu<br />
alto custo de produção. Em relação ao<br />
efeito destas toxinas sobre insetos benéficos,<br />
Glare & O´Callagham (2000)<br />
relatam estudos realizados sobre o<br />
efeito de várias subespécies e produtos<br />
à base de Bt sobre 9 ordens de<br />
predadores, distribuídos em 25 famílias.<br />
Em relação aos parasitóides, os<br />
mesmos autores enumeram uma série<br />
de trabalhos realizados com Diptera<br />
(Tachinidae) e Hymenoptera<br />
(Aphelinidae, Braconidae, Chalcididae,<br />
Encyrtidae, Eulophidae, Eupelmidae,<br />
Ichneumonidae, Pteromalidae, Scelionidae<br />
e Trichogrammatidae). Em ambos<br />
os casos, embora os estudos tenham<br />
mostrado alguma variação nos<br />
resultados, os produtos formulados com<br />
Bt e suas subespécies apresentam pouco<br />
ou nenhum efeito sobre estes inimigos<br />
naturais.<br />
Os benefícios potenciais do uso<br />
de plantas geneticamente modificadas<br />
como, por exemplo, milho-Bt,<br />
não se limitam apenas à redução na<br />
aplicação de inseticidas de largo<br />
espectro. Estudos mostram a diminuição<br />
dos níveis de micotoxinas<br />
nos grãos destas plantas (Munkvold<br />
et al., 1999).<br />
De acordo com Obrycki et al.<br />
(2001), os riscos ou limitações no<br />
uso das plantas geneticamente mo-<br />
Figura 1. Adoção mundial de plantas geneticamente modificadas (GM)<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 19
dificadas podem ser agrupados em<br />
três categorias: troca de material<br />
genético entre as plantas geneticamente<br />
modificadas e espécies selvagens<br />
aparentadas por meio da dispersão<br />
de grãos de pólen; a seleção<br />
de indivíduos resistentes na população<br />
do inseto-alvo de controle e o<br />
impacto da tecnologia sobre outros<br />
insetos e organismos não-alvos do<br />
controle. Com relação à troca de<br />
material genético, segundo Ellstrand<br />
et al. (1999), as plantas domesticadas<br />
e utilizadas em sistemas agrícolas<br />
não podem ser consideradas<br />
como indivíduos evolutivamente separados<br />
de seus parentes selvagens.<br />
Dentre as 13 mais importantes espécies<br />
utilizadas para a produção de<br />
alimentos, 90% destas formam híbridos<br />
com seus parentes selvagens<br />
em algum local dentro de sua área<br />
de distribuição agrícola. Deste modo,<br />
os centros de origem das espécies<br />
seriam os locais mais suscetíveis a<br />
tal fenômeno. A taxa de fluxo gênico<br />
neste caso tende a ser extremamente<br />
variável e as suas conseqüências<br />
evolutivas dependem de sua magnitude.<br />
A conseqüência evolutiva mais<br />
clara do fluxo gênico é a sua tendência<br />
em homogeneizar a composição<br />
genética das populações. A taxa de<br />
fluxo gênico pode ser efetivamente<br />
zero entre plantas com incompatibilidade<br />
de cruzamento que estejam<br />
isoladas espacialmente ou que não<br />
apresentem sobreposição de suas<br />
épocas de florescimento. Porém, os<br />
autores chamam a atenção em particular<br />
para os agroecossistemas. Em<br />
tais casos, o plantio concentrado de<br />
uma espécie de interesse econômico<br />
pode permitir que outras espécies<br />
(ex: plantas daninhas) sofram<br />
hibridização e introgressão de genes<br />
vindos do campo de produção agrícola.<br />
Assim, o fluxo gênico entre as<br />
plantas domesticadas e seus parentes<br />
selvagens apresenta potencialmente<br />
duas conseqüências danosas:<br />
o aumento da capacidade de invasão<br />
de ambientes por algumas espécies<br />
e o aumento do risco de extinção<br />
destes parentes selvagens. De acordo<br />
com Wolfenbarger & Phifer<br />
(2000), modificações genéticas através<br />
do melhoramento genético, convencional<br />
ou através de engenharia<br />
genética, de uma espécie cultivada,<br />
ou não, podem produzir mudanças<br />
e promover a habilidade de um organismo<br />
se tornar invasor de diferentes<br />
ecossistemas. Deste modo, a<br />
transferência de pólen de plantas de<br />
milho-Bt para plantas selvagens aparentadas<br />
é uma preocupação decorrente<br />
da adoção desta tecnologia<br />
(Bergelson et al., 1998). No entanto,<br />
esta transferência é limitada a regiões<br />
do México e América Central<br />
onde ocorrem plantas do grupo dos<br />
teosíntos (Ellstrand et al., 1999).<br />
O impacto das plantas geneticamente<br />
modificadas sobre a entomofauna<br />
benéfica começou a receber<br />
grande atenção após a publicação de<br />
Losey et al. (1999) na revista Nature.<br />
Este estudo mostrou que o pólen do<br />
milho transgênico expressando toxinas<br />
de Bt causou mortalidade de<br />
cerca de 50% das lagartas da borboleta<br />
monarca (Dannaus plexippus)<br />
(Lepidoptera: Nymphalidae), quatro<br />
dias após a ingestão. Porém, este<br />
trabalho foi bastante criticado, principalmente,<br />
por não relatar precisamente<br />
a quantidade de toxina utilizada<br />
nos bioensaios. Outros estudos,<br />
como os realizados por Leong et al.<br />
(1992) e Hansen & Obrycki (1999)<br />
indicam que este inseto pode ser<br />
afetado pelo milho-Bt, porém os níveis<br />
de mortalidade são bastante inferiores<br />
aos verificados por Losey et<br />
al., (1999). Glare & O´Callagham<br />
(2000) ressaltam que o comportamento<br />
do inseto, migração a partir de<br />
áreas com esta toxina, poderia reduzir<br />
o efeito da toxina sobre esta<br />
espécie.<br />
20 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Figura 2. Taxa de adoção mundial das principais culturas GM em 2002<br />
Deve-se ressaltar que o impacto<br />
das plantas geneticamente<br />
modificadas sobre os organismos<br />
não-alvos do controle pode ser<br />
avaliado através de estudos<br />
toxicológicos e/ou ecológicos<br />
(Obrycki et al., 2001). Nos estudos<br />
toxicológicos, o parâmetro avaliado<br />
é a mortalidade dos herbívoros<br />
e dos consumidores de pólen quando<br />
expostos às toxinas de Bt como<br />
realizado por Losey et al. (1999).<br />
Por sua vez, nos estudos ecológicos<br />
são observados os efeitos da<br />
utilização destas plantas sobre os<br />
demais níveis tróficos constituintes<br />
de uma cadeia alimentar (herbívoros<br />
predadores e parasitóides).<br />
Ainda existem questionamentos<br />
quanto ao impacto das toxinas presentes<br />
em plantas de milho-Bt sobre<br />
insetos polinizadores de outras<br />
plantas. Vandenberg (1990)<br />
detectou valores significativos de<br />
mortalidade de abelhas domesticadas<br />
quando expostas à solução de<br />
Bt tenebrionis, o qual é considerado<br />
específico para coleópteros. Ainda,<br />
segundo Obrycki et al. (2001),<br />
os efeitos das plantas de milho-Bt<br />
também deveriam ser avaliados<br />
sobre decompositores presentes no<br />
solo (ex: Collembola) e outros predadores<br />
vertebrados. Estes últimos<br />
estudos se justificam já que algumas<br />
espécies de pássaros e morcegos<br />
são predadoras de lepidópteros<br />
que freqüentemente ocorrem em<br />
campos de milho.<br />
Em relação ao efeito de plantas<br />
transgênicas sobre inimigos naturais,<br />
de acordo com Orr & Landis
(1997), o número de predadores e<br />
o parasitismo de massas de ovos<br />
de O. nubilalis não foram adversamente<br />
afetados por plantas de milho-Bt<br />
expressando Cry1A(b). Entre<br />
os predadores foram avaliados<br />
adultos e ninfas do percevejo predador<br />
Orius insidiosus, bem como<br />
adultos e larvas de coccinelídeos e<br />
crisopídeos.<br />
Pilcher et al. (1997) conduziram<br />
estudos em laboratório e campo para<br />
determinar os efeitos de milho-Bt<br />
expressando Cry1A(b) sobre insetos<br />
predadores. No laboratório, não foi<br />
verificado qualquer efeito detrimental<br />
agudo sobre o desenvolvimento<br />
pré-imaginal e sobrevivência de<br />
Coleomegilla maculata, O.<br />
insidiosus e Chrysoperla carnea. No<br />
campo, em estudo realizado por dois<br />
anos consecutivos, não foram observados<br />
efeitos adversos sobre a<br />
abundância de predadores de O.<br />
nubilalis (coccinelídeos, crisopídeos<br />
e antocorídeos) quando comparadas<br />
a áreas de milho não geneticamente<br />
modificado. Ainda, os números<br />
de predadores observados antes,<br />
durante e após a liberação dos<br />
grãos de pólen pelas plantas de<br />
milho-Bt sugerem que movimento<br />
dos inimigos naturais no campo não<br />
foi afetado por este tipo de pólen.<br />
Os efeitos de presas alimentadas<br />
com milho-Bt sobre a mortalidade<br />
e desenvolvimento de larvas do<br />
predador C. carnea foram estudados<br />
em condições de laboratório por<br />
Hilbeck et al. (1998a). O predador<br />
foi criado com lagartas de O.<br />
nubilalis, e Spodoptera litorallis alimentadas<br />
com milho contendo a<br />
toxina Cry1A(b). Foi observado prolongamento<br />
no período larval de<br />
crisopídeos criadas continuamente<br />
com presas que foram alimentadas<br />
com o milho geneticamente modificado<br />
foi significativamente maior<br />
comparada com a testemunha, baixo<br />
valor nutricional. Ainda, foi observado<br />
prolongamento no período<br />
larval de crisopídeos criados com<br />
lagartas de O. nubilalis alimentas<br />
com milho geneticamente modificado.<br />
Este efeito pode ser atribuído à<br />
exposição à toxina inseticida em<br />
conjunto com o uso de presas de<br />
baixo valor nutricional.<br />
O desenvolvimento e mortalidade<br />
de formas larvais do predador<br />
Orius majusculus criadas sobre<br />
tripes Anaphothrips obscurus,<br />
alimentados com milho geneticamente<br />
modificado expressando a<br />
d-endotoxina Cry1A(b), foi estudado<br />
por Zwahlen et al. (2000). A<br />
atividade inseticida das plantas de<br />
milho Bt foi comprovada através<br />
de bioensaios utilizando-se lagartas<br />
de O. nubilalis. Não houve<br />
diferença significativa na mortalidade<br />
e no desenvolvimento das<br />
formas imaturas do predador criadas<br />
em A. obscurus alimentados<br />
com milho transgênico expressando<br />
a toxina Cry1A(b), quando comparados<br />
à testemunha criada com<br />
tripes não expostos à proteína inseticida<br />
de B. thuringiensis. Os<br />
resultados obtidos não evidenciaram<br />
efeitos letais ou subletais nos<br />
indivíduos de O. majusculus no<br />
modelo de interação tritrófica (milho<br />
Bt – herbívoro – predador)<br />
elaborado pelos autores. Segundo<br />
os autores, a resposta de O.<br />
majusculus alimentados com tripes<br />
expostos à Cry1A(b) pode ser<br />
explicada pela insensibilidade deste<br />
percevejo à toxina ou pela baixa<br />
quantidade de proteína inseticida<br />
ingerida pelos tripes que se alimentaram<br />
do milho Bt.<br />
AlDeeb & Wilde (2003) não<br />
identificaram diferenças significativas<br />
entre parcelas com milho Bt<br />
Cry3Bb1 e o isogênico, com relação<br />
ao número de insetos não alvos de<br />
controle coletados em armadilhas<br />
do tipo alçapão. As inspeções visuais<br />
de adultos e formas imaturas de<br />
C. maculata , O. insidiosus e<br />
Hippodamia convergens também<br />
não mostraram diferenças significativas<br />
entre os materiais testados.<br />
Segundo Al-Deeb et al. (2001), não<br />
houve diferença significativa entre o<br />
número de adultos e ninfas de O.<br />
insidiosus em plantas milho Bt expressando<br />
a toxina Cry1A(b) e milho<br />
convencional em condições de<br />
campo, em duas localidades estudadas.<br />
Ainda os autores conduziram<br />
teste em laboratório para avaliar os<br />
efeitos de estilo-estigmas de milho-<br />
Bt na mortalidade de formas imaturas<br />
de O. insidiosus. Os resultados<br />
mostraram que quando criados continuamente<br />
sobre estilo-estigmas de<br />
milho convencional ou milho Bt as<br />
ninfas deste percevejo predador<br />
apresentaram 100% de mortalidade,<br />
sugerindo que estes insetos sofreram<br />
com insuficiência nutricional<br />
nesta dieta. Porém, não houve diferença<br />
significativa na mortalidade<br />
das ninfas do percevejo quando alimentadas<br />
com estilo-estigmas de milho-Bt<br />
ou convencional e ovos de O.<br />
nubilalis em dias alternados.<br />
Segundo Barton & Dracup et al.<br />
(2000), as práticas agrícolas têm causado<br />
impactos ambientais nos ecossistemas.<br />
Deste modo, os riscos e<br />
benefícios em potencial da adoção da<br />
tecnologia de plantas geneticamente<br />
modificadas devem ser ponderados<br />
tomando-se como referencial os impactos<br />
ambientais decorridos dos sistemas<br />
atuais de produção agrícola.<br />
Porém, os riscos ao ambiente das<br />
plantas geneticamente modificadas<br />
devem ser avaliados antes de sua<br />
liberação para o plantio comercial, e<br />
posteriormente as áreas ocupadas com<br />
estas culturas devem ser monitoradas.<br />
Portanto, conforme apontado por<br />
Fernandes & Martinelli (2000), os estudos<br />
com plantas transgênicas resistentes<br />
a insetos em áreas extensas<br />
com o objetivo de se determinar quais<br />
são as espécies indicadoras de impacto<br />
ambiental destas plantas em um<br />
determinado sistema devem ser<br />
priorizados. Ainda há a necessidade<br />
de se padronizar métodos de avaliação<br />
e interpretação de resultados, possibilitando<br />
a avaliação destas plantas<br />
por todo o Brasil. Deste modo, estes<br />
resultados poderiam ser levados a<br />
público promovendo uma ampla discussão<br />
sobre o tema.<br />
Não obstante, a evolução da resistência<br />
às toxinas presentes nas<br />
plantas geneticamente modificadas<br />
resistentes a insetos é uma das principais<br />
preocupações para a liberação<br />
comercial destas plantas. De acordo<br />
com Heckel (1997) a partir do momento<br />
em que ocorrer a liberação<br />
para plantio em áreas extensas, as<br />
toxinas de Bt representarão um importante<br />
fator de mortalidade para as<br />
populações dos insetos-alvos. Esta<br />
alta pressão de seleção pode conduzir<br />
à evolução da resistência a estas<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 21
toxinas inseticidas nas populações<br />
dos insetos expostos. Existem várias<br />
conseqüências negativas no desenvolvimento<br />
de resistência às toxinas<br />
de Bt. Além da perda das plantas<br />
transgênicas que expressam tais toxinas<br />
como opção no controle de<br />
insetos, há o risco de que o uso de<br />
formulações comerciais de inseticidas<br />
à base de Bt não seja mais viável<br />
para a aplicação em lavouras de milho<br />
ou em outras culturas. Os produtores<br />
orgânicos perderiam uma importante<br />
opção para o manejo de<br />
pragas, o qual é certificado para o seu<br />
sistema de produção. Além disso, as<br />
possibilidades de substituição destes<br />
produtos de origem biológica por<br />
outros são mínimas. O aumento da<br />
utilização de inseticidas sintéticos<br />
também é outra conseqüência em<br />
potencial do desenvolvimento da resistência<br />
às toxinas de Bt (EPA, 1998).<br />
3. Evolução da Resistência<br />
a Produtos à Base de Bt e<br />
Plantas Geneticamente<br />
Modificadas<br />
A resistência é um fenômeno<br />
pré-adaptativo que se desenvolve<br />
por seleção de indivíduos raros que<br />
podem sobreviver à aplicação de<br />
um inseticida a uma determinada<br />
dose. Um grande número de fatores<br />
genéticos, bio-ecológicos e operacionais<br />
influenciam a taxa de evolução<br />
da resistência. Os fatores genéticos<br />
incluem a variabilidade natural<br />
nas populações, número de<br />
genes envolvidos na manifestação<br />
da resistência e sua freqüência inicial<br />
na população (Georghiou &<br />
Taylor, 1977), a herança da característica<br />
(ex: grau de dominância) e<br />
custo adaptativo associado à resistência<br />
(Van Rie & Ferré, 2000). O<br />
potencial das populações de insetos<br />
em desenvolver resistência aos<br />
produtos formulados com Bt utilizados<br />
no controle de pragas é uma<br />
das principais ameaças ao emprego<br />
desta estratégia de controle de pragas<br />
agrícolas. A evolução da resistência<br />
dos insetos para inseticidas<br />
químicos é bastante comum, com<br />
mais de 500 espécies sendo resistentes<br />
a um ou vários inseticidas Já<br />
para os bioinseticidas é comparati-<br />
vamente mais rara, principalmente<br />
devido ao fato de que estes são<br />
pouco utilizados, se compararmos<br />
com a área tratada com inseticidas<br />
químicos em todo mundo.<br />
Há dois modos de estudar a influência<br />
da variabilidade em populações<br />
naturais sobre a resistência a Bt. A<br />
primeira envolve os estudo das diferenças<br />
na suscetibilidade entre e dentro<br />
de populações. Trabalhos neste<br />
sentido foram desenvolvidos por van<br />
Frankenhuyzen et al. (1995) e Huang<br />
et al. (1997) para Choristoneura<br />
fumiferana e O. nubilalis, respectivamente.<br />
Outra estimativa da variabilidade<br />
para genes de resistência em populações<br />
naturais é medir a herdabilidade<br />
(h 2 ) em experimentos laboratoriais a<br />
partir de uma amostra da população.<br />
Este índice representa a proporção da<br />
variação fenotípica de um determinado<br />
caráter responsável pela variação<br />
genética. Tabashnik (1994a) estimou o<br />
h 2 para 8 espécies de insetos, com valor<br />
relativamente alto para Plodia<br />
interpunctella, mostrando abaixa variação<br />
fenotípica e alta variação genética<br />
aditiva deste inseto.<br />
A estimativa indireta da freqüência<br />
dos alelos de resistência é<br />
fornecida por experimentos laboratoriais<br />
que obtiveram êxito em selecionar<br />
populações resistentes a Bt<br />
(Van Rie & Ferré, 2000). Nestes casos,<br />
pelo menos uma cópia do alelo<br />
de resistência deve estar presente<br />
para o início da seleção. Em experimentos<br />
com lepidópteros (Gould et<br />
al., 1992; 1995), a freqüência de<br />
alelos de resistência nas populações<br />
testadas foi relativamente alta (de 1<br />
a 5 x 10 -3 ).<br />
Quanto à herança da resistência,<br />
McGaughey (1985, 1988) mostraram<br />
que para P. interpunctella a<br />
herança é autossômica de parcialmente<br />
a completamente recessiva.<br />
O mesmo foi verificado para Plutella<br />
xylostella por Tabashnik et al. (1992)<br />
e Tang et al. (1997). Em outro trabalho<br />
com este mesmo inseto, (Ferré<br />
et al., 1991) verificaram que a suscetibilidade<br />
da progênie F1 depende<br />
do sexo do inseto no cruzamento<br />
parental, ainda que a ligação com o<br />
sexo tenha sido eliminada com base<br />
na razão sexual 1:1 dos sobreviventes<br />
da F1 a várias doses da Cry1Ab.<br />
22 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Já para H. virescens os trabalhos<br />
demostraram que os resultados dependem<br />
da linhagem do inseto estudada.<br />
Por exemplo: para a linhagem<br />
SEL a herança mostrou-se autossômica,<br />
incompletamente dominante,<br />
e controlado por vários fatores genéticos<br />
(Sims et al., 1991).<br />
Em relação ao número de genes<br />
envolvidos na resistência, para P.<br />
xylostella há trabalhos que indicam<br />
a ocorrência de mais de um gene<br />
envolvido (Tang et al., 1997). Porém,<br />
segundo Glare & O´Callagham<br />
(2000), a resistência deste inseto<br />
para Cry1Ab mostra-se recessiva<br />
controlada principalmente por um<br />
único alelo autossômico e recessivo,<br />
embora isto não seja sempre atribuído<br />
ao mesmo “loci”. Tabashnik et<br />
al. (1997) relatou que populações<br />
do Hawai e Pensilvânia dividem um<br />
“locus” em que uma mutação recessiva<br />
associada com a reduzida ligação<br />
ao receptor confere resistência<br />
extremamente alta a 4 toxinas de<br />
Bt. Entretanto, outra população, das<br />
Filipinas, mostrou um controle<br />
“multilocus”, de espectro mais reduzido,<br />
e para algumas toxinas de<br />
Bt, a herança genética não é recessiva<br />
e não está associada com a<br />
redução da ligação ao receptor. Já<br />
para Heliothis virescens é provável<br />
que um gene principal parcialmente<br />
recessivo confere resistência a<br />
várias toxinas: Cry1Aa, Cry1Ab,<br />
Cry1Ac e Cry1Fa, causando modificações<br />
no receptor (Gould et al.,<br />
1995; Lee et al., 1995).<br />
Embora a resistência em laboratório<br />
seja obtida em poucas gerações<br />
em alguns insetos, ela é na<br />
maioria dos casos instável, reduzindo<br />
logo após a diminuição da pressão<br />
de seleção, como foi observado<br />
por Tabashnik et al. (1994) e Tang et<br />
al. (1997) para P. xylostella. O custo<br />
adaptativo associado à evolução da<br />
resistência é a causa mais provável<br />
da instabilidade da resistência em P.<br />
xyllostella. Groeters et al. (1994)<br />
mostraram tal redução no custo adaptativo,<br />
sendo que após 5 gerações, a<br />
eclosão das lagartas e fecundidade<br />
foram reduzidos em 10% na linhagem<br />
resistente em comparação com<br />
a suscetível. A compreensão desta<br />
instabilidade pode indicar porque a
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 23<br />
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Tabela<br />
2 - Relatos<br />
de<br />
possível<br />
desenvolvimento<br />
de<br />
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de<br />
insetos<br />
para B acil<br />
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48<br />
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evolução da resistência ao Bt é tão<br />
rara e pode auxiliar na elaboração<br />
de estratégias para incrementar a<br />
utilização deste bioinseticida<br />
(Tabashnik et al., 1994).<br />
A alteração da atividade proteolítica<br />
(ativação da toxina) foi verificada<br />
em P. interpunctella para Bt<br />
entomocidus e Bt kurstaki (Johnson<br />
et al., 1990; Oppert et al., 1997). Em<br />
trabalho semelhante realizado por<br />
Van Rie et al. (1990), foi observada a<br />
redução de 50 vezes na afinidade da<br />
toxina pelo receptor. Porém, os autores<br />
não verificaram alteração no número<br />
de receptores presentes para<br />
Cry1Ab na linhagem resistente. Estes<br />
dados indicam que a resistência, neste<br />
caso, é devida a alterações no<br />
receptor de Cry1Ab, pois o mesmo<br />
decréscimo de afinidade não foi observado<br />
para Cry1Ca, que possui 3<br />
vezes mais receptores que a outra<br />
toxina. Este elevado número de receptores<br />
pode explicar a alta suscetibilidade<br />
da linhagem selecionada para<br />
Cry1Ca. Para H. virescens foi verificado<br />
por Lee et al. (1995) que a ligação<br />
da toxina Cry1Aa ao receptor foi<br />
drasticamente reduzida, mas o mesmo<br />
não foi verificado para Cry1Ab e<br />
Cry1Ac. Porém, as toxinas do grupo<br />
Cry1A dividem os mesmos receptores<br />
nesta espécie de inseto, portanto<br />
Cry1Ac e Cry1Ab também se ligam<br />
ao receptor de Cry1Aa. Consequentemente<br />
foi considerada a hipótese<br />
que o receptor alterado para Cry1Aa<br />
causa resistência ao 3 subclasses de<br />
Cry1A (Van Rie & Ferré, 2000).<br />
Exemplos de Resistência de Insetos<br />
a produtos à base de Bacillus<br />
thuringiensis:<br />
1) Em laboratório<br />
Existem vários relatos de evolução<br />
da resistência a Bt em laboratório<br />
(Tabela 1). Para a maioria das espécies<br />
testadas a resistência evolui rapidamente<br />
para Bt kurstaki, Bt<br />
entomocidus e Bt tenebrionis ou Bt<br />
aizawai. Quando a diferença entre<br />
as populações suscetíveis e resistentes<br />
é menor que 10, não fica claro se<br />
a população desenvolveu resistência,<br />
propriamente dita, ou se existe<br />
tolerância entre subgrupos ou<br />
genótipos da espécie em questão<br />
(Glare & O´Callagham, 2000).<br />
O primeiro exemplo de resistência<br />
em laboratório ocorreu com Musca<br />
domestica ao Bt thuringiensis, provavelmente<br />
envolvendo b-exotoxina.<br />
De modo semelhante, trabalhos mostraram<br />
uma evolução de resistência<br />
de 10 da mesma toxina para<br />
Drosophila melanogaster em 30 gerações<br />
(Harvey & Howell, 1964; Wilson<br />
& Burns, 1968; Carlberg &<br />
Lindstrom, 1987).<br />
A partir do primeiro relato de<br />
resistência de Plodia interpunctella a<br />
d-endotoxina (McGaughey &<br />
Beeman, 1988), vários relatos de desenvolvimento<br />
de resistência em laboratório<br />
foram feitos. Em alguns<br />
casos os estudos envolvem a suspensão<br />
esporo + cristal enquanto que em<br />
outros casos apenas toxina(s). Em<br />
alguns casos níveis elevados de resistência<br />
foram obtidos em apenas<br />
algumas gerações usando-se alta pressão<br />
de seleção, como por exemplo:<br />
P. interpunctella para Bt kurstaki e P.<br />
xylostella para Bt aizawai Cry1C, de<br />
3 e 6 gerações respectivamente (Glare<br />
& O´Callagham, 2000).<br />
2) Em campo<br />
Embora alguns trabalhos realizados<br />
em laboratório com alta pressão<br />
de seleção de Bt sobre P.<br />
xylostella (traça-das-crucíferas) [sic]<br />
não tenha sido verificado alteração<br />
significativa na suscetibilidade<br />
24 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
(Devriendt & Martouret, 1976), este<br />
inseto foi o primeiro a mostrar evolução<br />
de resistência para Bt em<br />
campo (Tabashnik et al., 1997),<br />
sendo, até o momento, o único<br />
exemplo em que foi verificada a<br />
evolução da resistência em campo<br />
de um inseto para Bt, embora para<br />
outras espécies de lepidópteros (Tabela<br />
1) tenha sido sugerido esta<br />
possibilidade, porém pouca diferença<br />
na suscetibilidade foi verificada<br />
entre as populações de campo<br />
(resistente) e a de referência em<br />
laboratório (suscetível). Segundo<br />
Glare & O´Callagham (2000), outros<br />
relatos de resistência deste inseto<br />
a produtos à base de Bt foram<br />
feitos em vários países como<br />
Tailândia, Havaí, Japão, Coréia, China,<br />
EUA e América Central.<br />
A espécie influencia a probabilidade<br />
de evolução da resistência<br />
devido à variabilidade genética na<br />
população e à possibilidade de encontrar<br />
o inóculo. Por exemplo, o<br />
hábito migratório e polífago de<br />
Helicoverpa punctigera leva à diluição<br />
de qualquer população resistente<br />
devido ao cruzamento de indivíduos<br />
resistentes com suscetíveis,<br />
entretanto, P. xylostella é um inseto<br />
com mobilidade limitada, não ocorrendo<br />
à diluição da resistência, pelo<br />
cruzamento com insetos suscetíveis<br />
vindos de outras áreas (Glare &<br />
O´Callagham, 2000).<br />
A incidência de resistência cruzada<br />
é geralmente baixa, mas foi<br />
verificada para várias toxinas (Tabela<br />
1). Esta parece estar ligada a<br />
composição da toxina do isolado<br />
utilizado. McGaughey & Johnson<br />
(1994) realizam um estudo detalhado<br />
abordando a resistência para as<br />
toxinas individualmente após a seleção<br />
para resistência aos isolados<br />
Bt kurstaki (HD-1), Bt aizawai (HD-<br />
112 e 133) e Bt entomocidus (HD-<br />
198). Para P. interpunctella, HD-1<br />
resultou em resistência para Cry1Ab<br />
e Cry1Ac, mas não para Cry1Aa,<br />
Cry1B, Cry1C e Cry2A. Resistência<br />
para HD-133 e HD-198 resultou em<br />
resistência a uma maior gama de<br />
toxinas: Cry1Aa, Cry1Ab, Cry1Ac,<br />
Cry1B, Cry1C e Cry2A. Os autores<br />
sugeriram que o espectro relativamente<br />
limitado de resistência às
diferentes toxinas em Bt kurstaki<br />
indicou que a resistência cruzada a<br />
outras subespécies era menos provável<br />
de ocorrer, portanto produtos<br />
baseados em Bt kurstaki deveriam<br />
ser utilizados primeiro. A resistência<br />
de Heliothis virescens é normalmente<br />
relatada à toxina Cry1Ac,<br />
porém existem relatos de resistência<br />
para outras toxinas como:<br />
Cry1Aa, Cry1Ab, Cry1F e Cry2A<br />
(Gould et al., 1992).<br />
4. Manejo da Resistência<br />
Os programas de manejo da<br />
resistência apresentam 3 objetivos<br />
principais: evitar, retardar e reverter<br />
a evolução da resistência (Croft,<br />
1990). Estes objetivos são os mesmos<br />
para o manejo da resistência a<br />
produtos à base de Bt sendo muitas<br />
táticas baseadas nos princípios<br />
mostrados para plantas geneticamente<br />
modificadas. No caso das<br />
plantas Bt são preconizadas várias<br />
estratégias, tais como plantas com<br />
altas doses das toxinas associadas<br />
a áreas de refúgio, misturas de<br />
plantas com diferentes toxinas, mosaicos<br />
de plantas geneticamente<br />
modificadas, combinações de toxinas<br />
com diferentes modos de ação,<br />
ou a combinação de plantas expressando<br />
baixas doses das toxinas<br />
e controle complementar das<br />
pragas pelos inimigos naturais e a<br />
expressão das toxinas em determinados<br />
tecidos ou em um período<br />
de ataque mais intenso da praga<br />
(Neppl, 2000).<br />
A estratégia empregada nos<br />
países com plantio de milho Bt<br />
onde as pragas apresentam hábito<br />
migratório dos adultos e alta mobilidade<br />
nas formas larvais tem sido<br />
a utilização de plantas expressando<br />
altas doses das toxinas associadas<br />
às áreas de refúgio. Esta tática<br />
começou a ser adotada baseandose<br />
no princípio de que os insetos<br />
suscetíveis poderiam imigrar para<br />
uma área com predominância de<br />
insetos resistentes e, por cruzamento,<br />
diluir os alelos de resistência<br />
na população da praga. Este<br />
princípio apenas é valido com a<br />
expressão das toxinas de Bt em<br />
altas doses de modo que a resis-<br />
tência seja funcionalmente recessiva.<br />
Deste modo, apenas restariam<br />
na área com plantas geneticamente<br />
modificadas os indivíduos<br />
resistentes. O refúgio pode variar<br />
em tamanho e disposição e servir<br />
como reservatório de insetos suscetíveis.<br />
O sucesso desta estratégia<br />
depende das seguintes condições:<br />
que o acasalamento seja aleatório<br />
entre os indivíduos resistentes<br />
e suscetíveis, que os insetos<br />
suscetíveis migrem da área de refúgio<br />
para a área com as plantas<br />
geneticamente modificadas e exista<br />
sincronia na emergência de insetos<br />
entre as duas áreas.<br />
Outra estratégia possível para<br />
a liberação de plantas geneticamente<br />
modificadas é a mistura de<br />
sementes transgênicas e convencionais<br />
na forma de linhas da cultura<br />
ou faixas de plantio. Uma área que<br />
utilize esta estratégia resulta numa<br />
mistura de plantas-Bt e convencionais.<br />
Deste modo, o refúgio de<br />
plantas convencionais seria disposto<br />
internamente na área com as<br />
plantas transgênicas. Este refúgio<br />
interno consistiria no reservatório<br />
de suscetibilidade para o fornecimento<br />
de indivíduos suscetíceis<br />
para acasalamento aleatório com<br />
os resistentes que restariam nas<br />
plantas geneticamente modificadas.<br />
A principal limitação deste<br />
método é a taxa de movimento<br />
entre plantas nas formas larvais da<br />
praga-alvo de controle. Esta tática<br />
é indicada para casos específicos<br />
nos quais a forma larval da praga<br />
que se encontra nas plantas convencionais<br />
não se disperse para<br />
plantas geneticamente modificadas<br />
resistentes causando a morte dos<br />
indivíduos suscetíveis.<br />
A mistura de sementes na forma<br />
de linhas de plantio com sementes<br />
convencionais internamente à<br />
área de algodão Bt têm sido utilizada<br />
com sucesso no Arizona, EUA,<br />
para o manejo de lagarta rosada<br />
Pectinophora gossypiella. Neste<br />
caso, a lagarta rosada permanece<br />
dentro das maçãs atacadas o que<br />
limita o movimento das formas<br />
larvais desta espécie entre as plantas<br />
garantindo a sobrevivência dos<br />
indivíduos suscetíveis. Esta estraté-<br />
gia não seria adequada para o manejo<br />
de S. frugiperda já que está<br />
espécie apresenta alta mobilidade<br />
na sua larval. A técnica do plantio<br />
em forma de mosaico envolve áreas<br />
com plantas Bt expressando diferentes<br />
toxinas inseticidas. Deste<br />
modo, os insetos estariam sofrendo<br />
diferentes pressões de seleção ao<br />
longo da faixa de plantio de áreas<br />
geneticamente modificadas. No<br />
entanto, para que esta estratégia<br />
funcione é importante que não ocorra<br />
resistência cruzada entre as toxinas<br />
empregadas. Além disso, existem<br />
críticas quanto à possível eficiência<br />
das diferentes áreas Bt em<br />
atuarem como reservatórios de suscetibilidade<br />
recíprocos, o que possibilitaria<br />
a imigração de indivíduos<br />
suscetíveis entre as diferentes áreas<br />
para a diluição dos alelos de<br />
resistência.<br />
Outra alternativa viável é a rotação<br />
de plantas dispondo deferentes<br />
toxinas inseticidas. Assim como no<br />
caso do mosaico, a resistência cruzada<br />
entre as toxinas pode comprometer<br />
a eficácia deste método. As bases<br />
teóricas na estratégia da rotação são<br />
que o custo adaptativo associado à<br />
resistência leva a redução da freqüência<br />
dos indivíduos suscetíveis e<br />
a imigração de indivíduos suscetíveis.<br />
(Hoy, 1988).<br />
A expressão da toxina de Bt em<br />
tecidos e estádio fenológicos adequados<br />
específicos é uma estratégia<br />
que visa diminuir a pressão de seleção<br />
das plantas-Bt sobre a população<br />
de insetos (Frutos et al., 1999).<br />
Esta estratégia é similar ao uso de<br />
áreas refúgio e mistura de sementes<br />
no sentido que a própria planta<br />
pode atuar como refúgio (Mallet &<br />
Porter, 1992). As plantas poderiam<br />
produzir as toxinas somente quando<br />
o nível de dano fosse alcançado ou<br />
em determinados tecidos mais propensos<br />
ao ataque. No entanto, esta<br />
estratégia não funcionaria para pragas<br />
que atacam todas as partes da<br />
planta. Além disso, esta tática é<br />
dependente de estudos avançados<br />
em biologia molecular a fim de se<br />
encontrar os promotores específicos<br />
que seriam responsáveis pelo<br />
direcionamento da expressão das<br />
toxinas inseticidas.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 25
Embora estudos conduzidos em<br />
laboratório relatem a casos de resistência<br />
as toxinas de Bt e freqüência<br />
inicial elevada de resistência, nos<br />
países que adotam a tecnologia de<br />
plantas Bt no manejo das pragas os<br />
programas de monitoramento não<br />
detectaram ainda aumento na<br />
frequência de resistência (Tabashnik<br />
et. al.,2003). Exemplos de programas<br />
de monitoramento estabelecidos<br />
e bem sucedidos incluem O.<br />
nubilalis (Estados Unidos – 6 anos),<br />
P. gossypiella (Arizona-5 anos),<br />
Helicoverpa armigera (Nordeste da<br />
China-3 anos) e Helicoverpa zea (Carolina<br />
do Norte-2 anos).<br />
Assim, torna-se fundamental o<br />
desenvolvimento de programas de<br />
monitoramento como parte dos programas<br />
que visem manejar a evolução<br />
da resistência. Entretanto, as<br />
estratégias para o manejo da resistência<br />
somente obtêm o êxito esperado<br />
se forem adequadamente<br />
implementadas. É importante que o<br />
agricultor compreenda estas estratégias,<br />
além do monitoramento e assistência<br />
técnica para o sucesso destes<br />
programas (Neppl, 2000). Ainda<br />
são necessários estudos para otimizar<br />
os resultados obtidos com as estratégias<br />
de manejo da resistência, entre<br />
estes, destacam-se as pesquisas<br />
voltadas para os hábitos dos insetos<br />
(migração e acasalamento) que podem<br />
influenciar decisivamente na<br />
viabilidade das táticas empregadas.<br />
Dificilmente pode-se assegurar o<br />
êxito destes programas, pois em<br />
campo muitas variáveis são somadas<br />
aos modelos propostos e, atualmente,<br />
nenhuma das táticas acima<br />
descritas são completamente aceitáveis<br />
em termos de eficácia.<br />
5. Considerações Finais<br />
O uso das estratégias de manejo<br />
implica significativa demanda de<br />
mão-de-obra especializada, principalmente<br />
no sentido de monitorar a<br />
evolução da resistência em áreas<br />
cultivadas com plantas geneticamente<br />
modificadas expressando<br />
toxinas de Bt. Geralmente, a assistência<br />
técnica disponível aos agricultores<br />
limita-se a recomendação<br />
de insumos para viabilizar sua ativi-<br />
dade agrícola, de maneira que os<br />
extensionistas dificilmente atuam<br />
como agentes introdutórios de novas<br />
tecnologias e conhecedores do<br />
seu impacto sobre o meio onde<br />
atuam. Além de determinar o impacto<br />
das plantas transgênicas sobre<br />
o meio ambiente, é necessário<br />
também instruir e qualificar tanto o<br />
agricultor como o extensionista sobre<br />
o potencial desta moderna tática<br />
de controle de pragas. A implementação<br />
de estratégias de manejo<br />
de resistência e programas de monitoramento<br />
são fundamentais para<br />
a exploração sustentável da tecnologia<br />
das plantas Bt. Estas atividades<br />
são exigentes em mão-de-obra<br />
treinada e apoio logístico pelos produtores<br />
rurais, órgãos de assistência<br />
técnica, grupos de consultores<br />
envolvidos com a cultura e das<br />
empresas produtoras de sementes<br />
geneticamente modificadas.<br />
Por fim, não é correto se pensar<br />
que as plantas geneticamente modificadas<br />
serão a alternativa definitiva<br />
para o controle de pragas. O sistema<br />
planta-inseto deve ser estudado e<br />
avaliada a relação custo x benefício<br />
da adoção destas plantas geneticamente<br />
modificadas resistentes a insetos.<br />
Deve-se conhecer toda a gama<br />
de alternativas existentes e escolher<br />
aquela que melhor viabiliza a atividade<br />
agrícola, porém levando-se em<br />
conta o seu impacto sobre o meio<br />
ambiente em comparação às demais<br />
alternativas disponíveis para o controle<br />
de pragas.<br />
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<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 27
Pesquisa<br />
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Professor Adjunto IV, Departamento de Química,<br />
Universidade Federal do Paraná<br />
lramos@quimica.ufpr.br<br />
Karla Thomas Kucek, B.Sc.<br />
Mestranda em Química Orgânica, Departamento<br />
de Química, Universidade Federal do Paraná<br />
k.kucek@hotmail.com<br />
Anderson Kurunczi Domingos, B.Sc.<br />
Mestrando em Química Orgânica, Departamento<br />
de Química, Universidade Federal do Paraná<br />
anderson@quimica.ufpr.br<br />
Helena Maria Wilhelm, Ph.D.<br />
Pesquisadora, Unidade Tecnológica de Química<br />
Aplicada, Depto. de Química Aplicada, Instituto<br />
de Tecnologia para o <strong>Desenvolvimento</strong>, LACTEC<br />
helenaw@lactec.org.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Biodiesel<br />
28 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Um projeto de sustentabilidade econômica e sócio-ambiental para o Brasil<br />
1 - Introdução<br />
Desde o século passado, os combustíveis<br />
derivados do petróleo têm<br />
sido a principal fonte de energia<br />
mundial. No entanto, previsões de<br />
que esse recurso deva chegar ao fim,<br />
somadas às crescentes preocupações<br />
com o ambiente, têm instigado a<br />
busca de fontes de energia renovável<br />
(Ghassan et al., 2003).<br />
O Protocolo de Quioto, concebido<br />
durante o fórum ambiental Rio-92<br />
e ratificado, desde então, por mais de<br />
93 países, vem tentando mobilizar a<br />
comunidade internacional para que<br />
promova uma ação conjunta com o<br />
objetivo de estabilizar na atmosfera a<br />
concentração dos gases causadores<br />
do efeito estufa e, assim, limitar a<br />
interferência antropogênica sobre o<br />
sistema climático global (Greenpeace<br />
International, 2003). Infelizmente, os<br />
termos do referido acordo somente<br />
entrarão rigorosamente em vigor<br />
quando o conjunto de seus signatários<br />
somar, no mínimo, 55% do total de<br />
países emissores do globo, algo que<br />
somente será possível com a ratificação<br />
de, pelo menos, uma das grandes<br />
potências mundiais, a Rússia ou os<br />
Estados Unidos. Em pronunciamentos<br />
recentes, o Presidente da Rússia,<br />
Vladimir Putin, declarou estar ainda<br />
avaliando as condições que levarão o<br />
seu país a tomar tal decisão, demonstrando<br />
que, apesar da evidência de<br />
que o acúmulo desses gases na atmosfera<br />
comprometa fortemente o<br />
equilíbrio dos diferentes ecossistemas<br />
terrestres, interesses geopolíticos<br />
e/ou comerciais têm prevalecido so-<br />
bre os mais eloqüentes interesses da<br />
humanidade.<br />
O Brasil, apesar de não ser um<br />
grande emissor de gases poluentes,<br />
vem promovendo medidas condizentes<br />
com essa nova conjuntura, através<br />
do desenvolvimento e da atualização<br />
periódica de inventários nacionais<br />
sobre o tema (Ministério da<br />
<strong>Ciência</strong> e Tecnologia, 2002). No<br />
momento em que o mercado de carbono<br />
estiver regulamentado, esses<br />
inventários terão uma importância<br />
vital para que o país possa conquistar<br />
espaço e usufruir dessa nova estratégia<br />
de redistribuição de riquezas e de<br />
inclusão social.<br />
Sabe-se que as metas estabelecidas<br />
pelo Protocolo de Quioto somente<br />
poderão ser alcançadas pelo<br />
uso sustentado da biomassa para<br />
fins energéticos. No entanto, recentes<br />
levantamentos demonstram que<br />
apenas 2,2% da energia consumida<br />
no mundo é proveniente de fontes<br />
renováveis (Pessuti, 2003), o que<br />
evidencia um extraordinário potencial<br />
para a exploração de outras<br />
fontes. Considerando-se apenas a<br />
biomassa proveniente de atividades<br />
agroindustriais, ou seja, resíduos<br />
agrícolas, florestais e agropecuários,<br />
calcula-se que o potencial<br />
combustível desse material seja<br />
equivalente a, aproximadamente,<br />
6.587 milhões de litros de petróleo<br />
ao ano (Staiss e Pereira, 2001). Diante<br />
de todo esse potencial, tem<br />
havido uma crescente disseminação<br />
de projetos e de ações voltados<br />
para o uso de óleos vegetais e de<br />
resíduos urbanos e agroindustriais
para a geração de energia, particularmente<br />
por meio de projetos de<br />
co-geração (Cenbio, 2003).<br />
2 - Óleos vegetais como<br />
fonte de energia renovável<br />
Por se tratar de uma fonte de<br />
energia renovável e por seu uso<br />
sustentado não provocar danos ao<br />
meio ambiente, a biomassa tem atraído<br />
muita atenção nos últimos tempos<br />
(Ministério da Indústria e do<br />
Comércio, 1985; Ministério da <strong>Ciência</strong><br />
e Tecnologia, 2002; U.S.<br />
Department of Energy, 1998). Dentre<br />
as fontes de biomassa prontamente<br />
disponíveis, os óleos vegetais<br />
têm sido largamente investigados<br />
como candidatos a programas<br />
de energia renovável, pois proporcionam<br />
uma geração descentralizada<br />
de energia e um apoio à agricultura<br />
familiar, criando melhores condições<br />
de vida (infra-estrutura) em<br />
regiões carentes, valorizando potencialidades<br />
regionais e oferecendo<br />
alternativas a problemas econômicos<br />
e sócio-ambientais de difícil<br />
solução.<br />
A utilização de óleos vegetais in<br />
natura como combustível alternativo<br />
tem sido alvo de diversos estudos<br />
nas últimas décadas (Nag et al., 1995;<br />
Piyaporn et al., 1996). No Brasil, já<br />
foram realizadas pesquisas com os<br />
óleos virgens de macaúba, pinhãomanso,<br />
dendê, indaiá, buriti, pequi,<br />
mamona, babaçu, cotieira, tingui e<br />
pupunha (Barreto, 1982; Ministério<br />
da Indústria e do Comércio, 1985;<br />
Serruya, 1991) e nos testes realizados<br />
com esses óleos em caminhões e<br />
máquinas agrícolas, foi ultrapassada<br />
a meta de um milhão de quilômetros<br />
rodados (Ministério da Indústria e do<br />
Comércio, 1985). No entanto, esses<br />
estudos demonstraram a existência<br />
de algumas desvantagens no uso direto<br />
de óleos virgens: (a) a ocorrência<br />
de excessivos depósitos de carbono<br />
no motor; (b) a obstrução nos<br />
filtros de óleo e bicos injetores; (c) a<br />
diluição parcial do combustível no<br />
lubrificante; (d) o comprometimento<br />
da durabilidade do motor; e (e) um<br />
aumento considerável em seus custos<br />
de manutenção.<br />
Outros autores (Goering e Fry,<br />
1984; Kobmehl e Heinrich, 1998;<br />
Ghassan et al., 2003) demonstraram<br />
que a alta viscosidade e a baixa<br />
volatilidade dos óleos vegetais in<br />
natura podem provocar sérios problemas<br />
ao bom funcionamento do<br />
motor. Dentre os problemas que<br />
geralmente aparecem após longos<br />
períodos de utilização, destacam-se<br />
a formação de depósitos de carbono<br />
por combustão incompleta, a diminuição<br />
da eficiência de lubrificação<br />
do óleo pela ocorrência de polimerização<br />
(no caso de óleos poli-insaturados)<br />
e a atomização ineficiente<br />
e/ou entupimento dos sistemas de<br />
injeção (Peterson et al., 1983; Pryde,<br />
1983; Ma e Hanna, 1999).<br />
Para resolver as desconformidades<br />
descritas acima, houve um<br />
considerável investimento na adaptação<br />
dos motores para que o uso<br />
de óleos vegetais in natura pudesse<br />
ser viabilizado, particularmente<br />
na produção de energia elétrica em<br />
geradores movidos por motores estacionários<br />
de grande porte. Nesses<br />
casos, o regime de operação do<br />
motor é constante e isso facilita o<br />
ajuste dos parâmetros para garantir<br />
uma combustão eficiente do óleo<br />
vegetal, podendo ser utilizada, inclusive,<br />
uma etapa de pré-aquecimento<br />
(pré-câmaras) para diminuir<br />
a sua viscosidade e facilitar a injeção<br />
na câmara de combustão. No<br />
entanto, para motores em que o<br />
regime de funcionamento é variável<br />
(e.g., no setor de transportes),<br />
foi necessário desenvolver uma metodologia<br />
de transformação química<br />
do óleo para que suas propriedades<br />
se tornassem mais adequadas<br />
ao seu uso como combustível. Assim,<br />
em meados da década de 70,<br />
surgiram as primeiras propostas de<br />
modificação de óleos vegetais através<br />
da reação de transesterificação<br />
(Figura 1), cujos objetivos eram os<br />
de melhorar a sua qualidade de<br />
ignição, reduzir o seu ponto de<br />
fluidez, e ajustar os seus índices de<br />
viscosidade e densidade específica<br />
(Shay, 1993, Stournas et al., 1995;<br />
Ma e Hanna, 1999).<br />
3 - O biodiesel como<br />
alternativa para a matriz<br />
energética nacional<br />
Por definição, biodiesel é um<br />
substituto natural do diesel de petróleo,<br />
que pode ser produzido a<br />
partir de fontes renováveis como<br />
óleos vegetais, gorduras animais e<br />
óleos utilizados para cocção de alimentos<br />
(fritura). Quimicamente, é<br />
definido como éster monoalquílico<br />
de ácidos graxos derivados de<br />
lipídeos de ocorrência natural e<br />
pode ser produzido, juntamente com<br />
a glicerina, através da reação de<br />
triacilgliceróis (ou triglicerídeos)<br />
com etanol ou metanol, na presença<br />
de um catalisador ácido ou básico<br />
(Schuchardt et al., 1998; Zagonel<br />
e Ramos, 2001; Ramos, 1999, 2003).<br />
Embora essa tenha sido a definição<br />
mais amplamente aceita desde os<br />
primeiros trabalhos relacionados<br />
com o tema, alguns autores preferem<br />
generalizar o termo e associálo<br />
a qualquer tipo de ação que<br />
promova a substituição do diesel<br />
na matriz energética mundial, como<br />
nos casos do uso de: (a) óleos<br />
vegetais in natura, quer puros ou<br />
em mistura; (b) bioóleos, produzidos<br />
pela conversão catalítica de<br />
óleos vegetais (pirólise); e (c) microemulsões,<br />
que envolvem a injeção<br />
simultânea de dois ou mais<br />
combustíveis, geralmente<br />
imiscíveis, na câmara de combustão<br />
de motores do ciclo diesel (Ma<br />
e Hanna, 1999). Portanto, é importante<br />
frisar que, para os objetivos<br />
deste artigo, biodiesel é tão-somente<br />
definido como o produto da transesterificação<br />
de óleos vegetais que<br />
atende aos parâmetros fixados pelas<br />
normas ASTM D6751 (American<br />
Standard Testing Methods, 2003) e<br />
Figura 1. Reação de transesterificação de óleos vegetais e/ou gorduras animais.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 29
DIN 14214 (Deutsches Institut für<br />
Normung, 2003), ou pela Portaria<br />
n o 255 da ANP (Agência Nacional<br />
do Petróleo, 2003) que, apesar de<br />
provisória, já estabelece as especificações<br />
que serão exigidas para<br />
que esse produto seja aceito no<br />
mercado brasileiro. A grande compatibilidade<br />
do biodiesel com o<br />
diesel convencional o caracteriza<br />
como uma alternativa capaz de atender<br />
à maior parte da frota de veículos<br />
a diesel já existente no mercado,<br />
sem qualquer necessidade de<br />
investimentos tecnológicos no desenvolvimento<br />
dos motores. Por<br />
outro lado, o uso de outros combustíveis<br />
limpos, como o óleo in<br />
natura, as microemulsões, o gás<br />
natural ou o biogás requerem uma<br />
adaptação considerável para que o<br />
desempenho exigido pelos motores<br />
seja mantido (Laurindo, 2003).<br />
Do ponto de vista econômico, a<br />
viabilidade do biodiesel está relacionada<br />
com o estabelecimento de um<br />
equilíbrio favorável na balança comercial<br />
brasileira, visto que o diesel<br />
é o derivado de petróleo mais consumido<br />
no Brasil, e que uma fração<br />
crescente desse produto vem sendo<br />
importada anualmente (Nogueira e<br />
Pikman, 2002).<br />
Em termos ambientais, a adoção<br />
do biodiesel, mesmo que de<br />
forma progressiva, ou seja, em adições<br />
de 2% a 5% no diesel de<br />
petróleo (Ministério da <strong>Ciência</strong> e<br />
Tecnologia, 2002), resultará em uma<br />
redução significativa no padrão de<br />
emissões de materiais particulados,<br />
óxidos de enxofre e gases que contribuem<br />
para o efeito estufa<br />
(Mittelbach et al., 1985). Sendo assim,<br />
sua difusão, em longo prazo,<br />
proporcionará maiores expectativas<br />
de vida à população e, como<br />
conseqüência, um declínio nos gastos<br />
com saúde pública, possibilitando<br />
o redirecionamento de verbas<br />
para outros setores, como educação<br />
e previdência. Cabe aqui ainda<br />
ressaltar que a adição de biodiesel<br />
ao petrodiesel, em termos gerais,<br />
melhora as características do combustível<br />
fóssil, pois possibilita a<br />
redução dos níveis de ruído e melhora<br />
a eficiência da combustão<br />
pelo aumento do número de cetano<br />
(Gallo, 2003).<br />
Em diversos países, o biodiesel<br />
já é uma realidade. Na Alemanha,<br />
por exemplo, existe uma frota significativa<br />
de veículos leves, coletivos<br />
e de carga, que utilizam biodiesel<br />
derivado de plantações específicas<br />
para fins energéticos e distribuído<br />
por mais de 1.000 postos de abastecimento.<br />
Outros países também têm<br />
desenvolvido os seus programas nacionais<br />
de biodiesel e, como conseqüência,<br />
o consumo europeu de biodiesel<br />
aumentou em 200.000 ton.<br />
entre os anos de 1998 e 2000. Já nos<br />
Estados Unidos, leis aprovadas nos<br />
estados de Minnesotta e na Carolina<br />
do Norte determinaram que, a partir<br />
de 1º/1/2002, todo o diesel consumido<br />
deveria ter a incorporação de,<br />
pelo menos, 2% de biodiesel em<br />
base volumétrica.<br />
No Brasil, desde as iniciativas<br />
realizadas na década de 80, pouco se<br />
investiu nesse importante setor da<br />
economia, mas a reincidência de turbulências<br />
no mercado internacional<br />
do petróleo, aliada às pressões que o<br />
setor automotivo vem sofrendo dos<br />
órgãos ambientais, fez com que o<br />
Governo atual iniciasse um novo tra-<br />
30 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
balho com vistas à utilizar óleos vegetais<br />
transesterificados na matriz<br />
energética nacional. Esse trabalho foi<br />
recentemente materializado na forma<br />
de um programa nacional,<br />
intitulado PROBIODIESEL (Portaria<br />
n o . 702 do MCT, de 30 de outubro de<br />
2002), cujo lançamento solene foi<br />
realizado em Curitiba durante a cerimônia<br />
de abertura do Seminário Internacional<br />
de Biodiesel (24 a 26 de<br />
outubro, Blue Tree Towers Hotel).<br />
Naquela mesma ocasião, foi também<br />
divulgada a criação do CERBIO, Centro<br />
Nacional de Referência em Biocombustíveis,<br />
nas dependências do<br />
Tecpar, em Curitiba. A missão do<br />
CERBIO será a de desenvolver o<br />
conceito de biocombustíveis em sua<br />
plenitude, desde a certificação de<br />
produtos até o desenvolvimento tecnológico<br />
de novas rotas que contribuam<br />
para o aumento da viabilidade<br />
e competitividade técnica do biodiesel<br />
nacional.<br />
Ao longo dos últimos anos, o<br />
PROBIODIESEL vem se desenvolvendo<br />
por meio de ações integradas<br />
entre instituições de tecnologia, ensino<br />
e pesquisa, e empresas e associações<br />
direta ou indiretamente ligadas<br />
ao tema, sob a forma de grupos<br />
de trabalho que integram a chamada<br />
Rede Brasileira de Biodiesel. Esse<br />
programa tem como principal objetivo<br />
promover o desenvolvimento<br />
das tecnologias de produção e avaliar<br />
a viabilidade e a competitividade<br />
técnica, sócio-ambiental e econômica<br />
do biodiesel para os mercados<br />
interno e externo, bem como de sua<br />
produção e distribuição espacial nas<br />
diferentes regiões do país (Andrade,<br />
2003; Ministério da <strong>Ciência</strong> e Tecnologia,<br />
2002).<br />
Tabela<br />
1.<br />
Número<br />
de<br />
iodo<br />
e composição<br />
química<br />
em<br />
ácidos<br />
graxos<br />
de<br />
alguns<br />
dos<br />
principais<br />
óleos<br />
vegetais<br />
e gorduras<br />
animais<br />
disponíveis<br />
para<br />
a produção<br />
de<br />
biodiesel<br />
( adaptad<br />
o de<br />
Alsberg<br />
e Taylor,<br />
1928)<br />
.<br />
Fonte<br />
Número<br />
de<br />
Iodo<br />
Láurico Mirístico Principais<br />
Ácidos<br />
Graxos<br />
Palmítico Esteárico Oléico Linoléico Linolênico<br />
Sebo bovino<br />
38-46 - 2, 0 29, 0 24, 5 44, 5 - -<br />
Banha ( suíno<br />
s)<br />
46-70 - - 24, 6 15, 0 50, 4 10, 0 -<br />
Côco 8, 10<br />
45, 0 20, 0 5, 0 3, 0 6, 0 - -<br />
Oliva 79-88 - - 14, 6 - 75, 4 10, 0 -<br />
Amend oin<br />
83-100 - - 8, 5 6, 0 51, 6 26, 0 -<br />
Algodão 108-110 - - 23, 4 - <strong>31</strong>, 6 45, 0 -<br />
Milho 111-130 - - 6, 0 2, 0 44, 0 48, 0 -<br />
Flax 173-201 - 3, 0 6, 0 - - 74, 0 17,<br />
0<br />
Soja 137-143 - - 11, 0 2, 0 20, 0 64, 0 3,<br />
0
4 - Principais matériasprimas<br />
para a produção de<br />
biodiesel<br />
De uma forma geral, pode-se<br />
afirmar que monoalquil-ésteres de<br />
ácidos graxos podem ser produzidos<br />
a partir de qualquer tipo de<br />
óleo vegetal (Tabela 1), mas nem<br />
todo óleo vegetal pode (ou deve)<br />
ser utilizado como matéria-prima<br />
para a produção de biodiesel. Isso<br />
porque alguns óleos vegetais apresentam<br />
propriedades não ideais,<br />
como alta viscosidade ou alto número<br />
de iodo, que são transferidas<br />
para o biocombustível e que o tornam<br />
inadequado para uso direto<br />
em motores do ciclo diesel. Portanto,<br />
a viabilidade de cada matériaprima<br />
dependerá de suas respectivas<br />
competitividades técnica, econômica<br />
e sócio-ambiental, e passam,<br />
inclusive, por importantes aspectos<br />
agronômicos, tais como: (a)<br />
o teor em óleos vegetais; (b) a<br />
produtividade por unidade de área;<br />
(c) o equilíbrio agronômico e demais<br />
aspectos relacionados com o<br />
ciclo de vida da planta; (d) a atenção<br />
a diferentes sistemas produtivos;<br />
(e) o ciclo da planta (sazonalidade);<br />
e (f) sua adaptação territorial,<br />
que deve ser tão ampla quanto<br />
possível, atendendo a diferentes<br />
condições edafoclimáticas (Ramos,<br />
1999, 2003).<br />
Dada a grandeza do agronegócio<br />
da soja no mercado brasileiro,<br />
é relativamente fácil e imediado<br />
reconhecer que essa oleaginosa<br />
apresenta o maior potencial para<br />
servir de modelo para o desenvolvimento<br />
de um programa nacional<br />
de biodiesel. Apenas como exemplo,<br />
dados divulgados pela Abiove<br />
(Associação Brasileira dos Produtores<br />
de Óleos Vegetais) demonstram<br />
que o setor produtivo da soja<br />
já está preparado para atender à<br />
demanda nacional de misturar até<br />
5% de biodiesel no diesel de petróleo,<br />
sendo que proporções superiores<br />
a esta mereceriam uma nova<br />
avaliação para que não haja dúvidas<br />
quanto ao abastecimento de<br />
óleo a esse novo setor da economia.<br />
Por outro lado, segundo da-<br />
dos oficiais da Embrapa (Peres e<br />
Junior, 2003), o Brasil apresenta<br />
um potencial de 90 milhões de<br />
hectares disponíveis, em áreas degradadas<br />
e/ou não exploradas, para<br />
a expansão da atual fronteira agrícola.<br />
Considerando-se apenas a utilização<br />
da soja como matéria-prima<br />
para a produção de biodiesel,<br />
serão necessários apenas 3 milhões<br />
de hectares, ou 1,8 bilhões de litros<br />
de óleo, para a implementação<br />
do B5 (mistura composta de<br />
5% de biodiesel e 95% do petrodiesel),<br />
o que culminaria na geração<br />
de cerca de 234 mil empregos diretos<br />
e indiretos.<br />
Além da soja, várias outras oleaginosas<br />
(e.g., Tabela 1), que ainda<br />
se encontram em fase de avaliação<br />
e desenvolvimento de suas cadeias<br />
produtivas, podem ser empregadas<br />
para a produção do biodiesel (Parente,<br />
2003). A região norte, por<br />
exemplo, apresenta potencial para<br />
uso de dendê, babaçu e soja; a<br />
região nordeste, de babaçu, soja,<br />
mamona, dendê, algodão e coco; a<br />
região centro-oeste, de soja,<br />
mamona, algodão, girassol, dendê<br />
e gordura animal; a região sul, de<br />
soja, colza, girassol e algodão; e a<br />
região sudeste, de soja, mamona,<br />
algodão e girassol (Campos, 2003;<br />
Peres e Junior, 2003). Várias dessas<br />
oleaginosas já tiveram as suas respectivas<br />
competitividades técnica e<br />
sócio-ambiental demonstradas para<br />
a produção de biodiesel, restando,<br />
na maioria dos casos, um estudo<br />
agronômico mais aprofundado que<br />
ratifique os estudos de viabilidade.<br />
Deve-se ainda destacar que a<br />
inserção do biodiesel na matriz energética<br />
nacional representa um poderoso<br />
elemento de sinergia para<br />
com o agronegócio da cana, cujo<br />
efeito será extremamente benéfico<br />
para a economia nacional (Ramos,<br />
1999, 2003). A produção de etanol<br />
é expressiva em, praticamente, todas<br />
as regiões do país, e o novo<br />
programa somente terá a contribuir<br />
para o aumento da competitividade<br />
do setor, valendo-se, inclusive, da<br />
rede de distribuição já existente e<br />
do excelente desempenho das tecnologias<br />
desenvolvidas para a ca-<br />
deia produtiva da cana (Campos,<br />
2003). Nesse contexto, o Brasil se<br />
encontra em uma condição que país<br />
algum jamais esteve na história do<br />
mundo globalizado. Com a evidente<br />
decadência das fontes fósseis,<br />
nenhuma outra região tropical tem<br />
porte e condições tão favoráveis<br />
para assumir a posição de um dos<br />
principais fornecedores de biocombustíveis<br />
e tecnologias limpas para<br />
o século XXI (Vidal, 2000).<br />
5 - O processo de produção<br />
de biodiesel por catálise<br />
homogênea em meio<br />
alcalino<br />
A transesterificação de óleos vegetais<br />
ou gordura animal, também<br />
denominada de alcoólise, pode ser<br />
conduzida por uma variedade de rotas<br />
tecnológicas em que diferentes<br />
tipos de catalisadores podem ser empregados,<br />
como bases inorgânicas<br />
(hidróxidos de sódio e potássio e<br />
bases de Lewis), ácidos minerais (ácido<br />
sulfúrico), resinas de troca iônica<br />
(resinas catiônicas fortemente ácidas),<br />
argilominerais ativados, hidróxidos<br />
duplos lamelares, superácidos,<br />
superbases e enzimas lipolíticas<br />
(lipases) (Schuchardt et al., 1998; Ramos,<br />
2003). Não há dúvidas de que<br />
algumas dessas rotas tecnológicas,<br />
particularmente aquelas que empregam<br />
catalisadores heterogêneos, apresentam<br />
vantagens interessantes como<br />
a obtenção de uma fração glicerínica<br />
mais pura, que não exija grandes<br />
investimentos de capital para atingir<br />
um bom padrão de mercado. Porém,<br />
é também correta a afirmação de que<br />
a catálise homogênea em meio alcalino<br />
ainda prevalece como a opção<br />
mais imediata e economicamente viável<br />
para a transesterificação de óleos<br />
vegetais (Zagonel e Ramos, 2001; Ramos,<br />
2003). Um fluxograma simplificado<br />
do processo de produção de<br />
biodiesel, utilizando a transesterificação<br />
etílica em meio alcalino como<br />
modelo, encontra-se apresentado na<br />
Figura 2.<br />
Seja qual for a rota tecnológica<br />
escolhida, a transesterificação de<br />
óleos vegetais corresponde a uma<br />
reação reversível, cuja cinética é<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 <strong>31</strong>
Figura 2. Fluxograma simplificado de produção de ésteres etílicos a partir de óleos<br />
vegetais e gordura animal.<br />
regida pelo princípio enunciado em<br />
1888 pelo químico francês Henry-<br />
Louis Le Chatelier (1850-1936) (Figura<br />
1). Portanto, o rendimento da<br />
reação dependerá do deslocamento<br />
do equilíbrio químico em favor<br />
dos ésteres, através da otimização<br />
de fatores, tais como a temperatura<br />
de reação, a concentração e caráter<br />
ácido-base do catalisador, bem<br />
como o excesso estequiométrico<br />
do agente de transesterificação (álcool).<br />
Porém, conversões totais serão<br />
literalmente impraticáveis em<br />
uma única etapa reacional, pois,<br />
além de reversível, tem-se a ocorrência<br />
de reações secundárias como<br />
a saponificação. Para limitar a presença<br />
de triacilgliceróis não reagidos<br />
além dos limites tolerados pelo<br />
motor, muitos processos recorrem<br />
à condução da reação em duas etapas<br />
seqüenciais, que garantam taxas<br />
de conversão superiores a 98%.<br />
Por outro lado, a eliminação de<br />
sabões, catalisador residual e<br />
glicerol livre somente é possível<br />
através de etapas eficientes de lavagem.<br />
De acordo com a literatura, a<br />
reação de obtenção do éster metílico<br />
exige um excesso estequiométrico de<br />
metanol igual a 100% (razão molar<br />
álcool:óleo de 6:1), e uma quantidade<br />
de catalisador alcalino equivalente a<br />
0,5% a 1,0% em relação à massa de<br />
óleo, para que sejam obtidos rendimentos<br />
superiores a 95% (Freedman<br />
et al., 1986). No entanto, duas observações<br />
limitam a simples aplicação de<br />
uma recomendação como esta: (a)<br />
primeiramente, a matéria-prima a ser<br />
32 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
utilizada em cada região é diferente e<br />
isso implica na necessidade de estudos<br />
localizados, que permitam uma<br />
otimização realística ligada a avaliações<br />
confiáveis de toda a cadeia produtiva;<br />
e (b) as condições utilizadas<br />
para a reação de metanólise não podem<br />
ser transferidas para situações<br />
em que outros álcoois, como o etanol,<br />
sirvam de modelo. Com efeito, a transesterificação<br />
com metanol é tecnicamente<br />
mais viável do que a com<br />
etanol comercial, porque a água existente<br />
no etanol (4%-6%) retarda a<br />
reação. O uso de etanol anidro efetivamente<br />
minimiza esse inconveniente<br />
(Figura 2), embora não implique<br />
solução para o problema inerente à<br />
separação da glicerina do meio de<br />
reação que, no caso da síntese do<br />
éster metílico, é indiscutivelmente<br />
muito mais facilitada (Freedman et al.,<br />
1986; Schuchardt et al., 1998; Ramos,<br />
1999). No entanto, basta um ajuste nas<br />
condições de reação para que a separação<br />
de fases aconteça espontaneamente,<br />
sendo que a eficiência do<br />
processo de decantação (da fração<br />
glicerínica) pode ser acelerada pelo<br />
uso de centrífugas contínuas, auxiliadas<br />
ou não pela adição de compostos<br />
tensoativos (Ramos, 2003).<br />
O processo de produção de biodiesel<br />
deve reduzir ao máximo a<br />
presença de contaminações no produto,<br />
como glicerina livre e ligada,<br />
sabões ou água (Figura 2). No caso<br />
da glicerina, reações de desidratação<br />
que ocorrem durante a combustão<br />
podem gerar acroleína, um<br />
poluente atmosférico muito perigoso,<br />
que pode, devido a sua<br />
reatividade, envolver-se em reações<br />
de condensação, que acarretam um<br />
aumento na ocorrência de depósitos<br />
de carbono no motor (Mittelbach et<br />
al., 1985). Sabões e ácidos graxos<br />
livres acarretam a degradação de<br />
componentes do motor, e a umidade,<br />
desde que acima de um limite<br />
tolerável, pode interferir na acidez<br />
do éster por motivar a sua hidrólise<br />
sob condições não ideais de estocagem.<br />
Por essas e outras razões, é<br />
imprescindível que sejam definidas<br />
especificações rígidas para o biodiesel,<br />
de forma que o sucesso do<br />
programa não venha a ser compro-
metido por ocorrências associadas<br />
ao mau controle de qualidade do<br />
produto.<br />
Independentemente da rota<br />
tecnológica, a aceitação do biodiesel<br />
no mercado precisa ser assegurada<br />
e, para isso, é indispensável<br />
que esse produto esteja dentro das<br />
especificações internacionalmente<br />
aceitas para o seu uso. No Brasil,<br />
esses parâmetros de qualidade encontram-se<br />
pré-fixados pela Portaria<br />
n o . 255 da ANP, cuja proposta foi<br />
baseada em normas já existentes na<br />
Alemanha (DIN) e nos Estados Unidos<br />
(ASTM). Tais características e/<br />
ou propriedades, determinantes dos<br />
padrões de identidade e qualidade<br />
do biodiesel, incluem ponto de fulgor,<br />
teor de água e sedimentos,<br />
viscosidade, cinzas, teor de enxofre,<br />
corrosividade ao cobre, número<br />
de cetano, ponto de névoa, resíduo<br />
de carbono, número de acidez,<br />
curva de destilação (ou a temperatura<br />
necessária para a recuperação<br />
de 90% do destilado), estabilidade<br />
à oxidação, teor de glicerina livre e<br />
total, cor e aspecto (Agência Nacional<br />
do Petróleo, 2003). Dentre<br />
esses parâmetros, alguns têm merecido<br />
críticas da comunidade científica<br />
por não apresentarem aplicação<br />
direta ao biodiesel, como o<br />
índice de corrosividade ao cobre e<br />
a curva de destilação. Por essa razão,<br />
a especificação definida pela<br />
portaria é ainda provisional e poderá<br />
ser modificada em função de<br />
novas argumentações e dados experimentais<br />
gerados pela comunidade<br />
científica.<br />
Um aspecto extremamente importante<br />
da Portaria n o 255 da ANP<br />
está relacionado com as limitações<br />
que oferece para o aproveitamento<br />
de todos os óleos vegetais que se<br />
encontram disponíveis no território<br />
nacional. No entanto, é importante<br />
esclarecer que a especificação define<br />
a qualidade do produto a ser<br />
utilizado puro, ou seja, sem a sua<br />
diluição com diesel de petróleo.<br />
Por outro lado, se a concepção do<br />
programa nacional é a de facultar o<br />
uso de misturas dos tipos de B2 a<br />
B20, restringindo o uso de B100<br />
apenas a situações especiais (como<br />
na geração de energia elétrica em<br />
grupo-geradores), talvez fosse adequada<br />
(e possível) a flexibilização<br />
das especificações com vistas a uma<br />
maior inserção das diferentes oleaginosas<br />
que compõem o conjunto<br />
de alternativas regionais de nosso<br />
território. Essa flexibilização estaria,<br />
portanto, restrita somente ao<br />
uso do biodiesel em misturas, valendo-se<br />
do fator de diluição que a<br />
razão volumétrica definida pela<br />
mistura proporciona (Ramos, 2003).<br />
Vale ressaltar que a adição de um<br />
biodiesel de qualidade ao diesel,<br />
até um limite de 20% (B20), não<br />
modifica drasticamente as suas propriedades<br />
e não o desqualifica perante<br />
a Portaria n o . <strong>31</strong>0 da ANP, cujo<br />
conteúdo estabelece as especificações<br />
para comercialização de óleo<br />
diesel automotivo em todo o território<br />
nacional. Obviamente, tal hipótese<br />
precisa ser estudada em todas<br />
as suas implicações, pois precisam<br />
ser dadas garantias para que a<br />
credibilidade do programa não sofra<br />
o impacto de serem consideradas<br />
experiências mal sucedidas<br />
possíveis falhas no funcionamento<br />
do motor e o subseqüente aumento<br />
nos seus custos de manutenção.<br />
Da mesma forma como foram<br />
definidos alguns aspectos agronômicos<br />
essenciais para que um determinado<br />
óleo vegetal apresente competitividade<br />
como matéria-prima<br />
para a produção de biodiesel, importantes<br />
aspectos tecnológicos também<br />
precisam ser atendidos e estes<br />
estão relacionados: (a) à complexidade<br />
exigida para o processo de<br />
extração e tratamento do óleo; (b) à<br />
presença de componentes indesejáveis<br />
no óleo, como é o caso dos<br />
fosfolipídeos presentes no óleo de<br />
soja; (c) ao teor de ácidos graxos<br />
poli-insaturados; (d) ao tipo e teor<br />
de ácidos graxos saturados; e (e) ao<br />
valor agregado dos co-produtos,<br />
como hormônios vegetais, vitaminas,<br />
anti-oxidantes, proteína e fibras<br />
de alto valor comercial.<br />
Diferentes oleaginosas apresentam<br />
diferentes teores em óleos<br />
vegetais (Tabela 1) e a complexidade<br />
exigida para a extração do óleo<br />
pode contribuir negativamente para<br />
a viabilidade do processo (Alsberg<br />
e Taylor, 1928). Oleaginosas de<br />
baixo teor de óleo, como a soja,<br />
exigem procedimentos de extração<br />
caros e relativamente complexos<br />
que praticamente restringem a viabilidade<br />
dessa matéria-prima àquelas<br />
regiões em que já exista uma<br />
razoável capacidade instalada para<br />
o esmagamento de grãos. Porém,<br />
oleaginosas de maior teor em óleos<br />
vegetais, cujos processos de extração<br />
sejam mais simplificados, certamente<br />
apresentarão melhor competitividade<br />
econômica por não exigirem<br />
a instalação de operações<br />
unitárias complexas para esse objetivo.<br />
Por outro lado, a qualidade do<br />
óleo poderá exigir uma etapa de<br />
refino para que também a qualidade<br />
no produto final seja garantida.<br />
Esse é certamente o caso da soja,<br />
que depende do refino para reduzir<br />
a presença de gomas e fosfolipídeos<br />
no biodiesel. Mais uma vez, é<br />
provável que essa observação tenha<br />
pouco significado para regiões<br />
onde a agroindústria da soja esteja<br />
verticalizada ao óleo refinado, mas,<br />
onde não haja esse potencial<br />
agroindustrial, seria desejável que<br />
as matérias-primas selecionadas<br />
para a produção não apresentassem<br />
tal limitação e pudessem sofrer<br />
a alcoólise sem exigir a implantação<br />
de uma unidade de refino. Há<br />
evidências de que alguns óleos vegetais<br />
podem oferecer essa vantagem,<br />
como os de girassol e de<br />
várias espécies de palmáceas (óleos<br />
laurílicos).<br />
O tipo e o teor de ácidos graxos<br />
presentes no óleo vegetal (Tabela<br />
1) têm um efeito marcante sobre a<br />
estabilidade do biodiesel diante do<br />
armazenamento e da oxidação. Por<br />
exemplo, quedas bruscas na temperatura<br />
ambiente promovem o aumento<br />
da viscosidade e a cristalização<br />
de ésteres graxos saturados<br />
que, eventualmente, podem causar<br />
o entupimento de filtros de óleo e<br />
sistemas de injeção. A tendência à<br />
“solidificação” do combustível é<br />
medida através dos pontos de névoa<br />
e de fluidez (ou de entupimento),<br />
que devem ser tanto mais baixo<br />
quanto possível. Abaixamentos no<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 33
ponto de fluidez, muitas vezes motivados<br />
pela aditivação de inibidores<br />
de cristalização (Stournas et<br />
al., 1995; Ramos, 2003), representam<br />
menores restrições do biocombustível<br />
à variações de temperatura,<br />
evitando problemas de estocagem<br />
e de utilização em regiões<br />
mais frias. Obviamente, esse problema<br />
não é exclusivo do biodiesel,<br />
pois o diesel de petróleo contém<br />
parafinas que apresentam tipicamente<br />
o mesmo comportamento.<br />
A formação de depósitos por<br />
precipitação também ocorre em função<br />
do envelhecimento e/ou oxidação<br />
do biodiesel. Testes realizados<br />
pela Bosch (Dabague, 2003), em<br />
parceria com a ANFAVEA (Associação<br />
Nacional dos Fabricantes de<br />
Veículos Automotores), AEA (Associação<br />
Brasileira de Engenharia<br />
Automotiva) e Sindipeças (Sindicato<br />
Nacional da Indústria de Componentes<br />
para Veículos Automotores),<br />
constataram que a degradação<br />
oxidativa do biodiesel gera resinificação<br />
que, por aderência, constitui<br />
uma das principais causas da formação<br />
de depósitos nos equipamentos<br />
de injeção. Em decorrência<br />
desse fenômeno, foi também observada<br />
uma queda no desempenho,<br />
aumento da susceptibilidade à<br />
corrosão e diminuição da vida útil<br />
dos motores.<br />
O ranço oxidativo está diretamente<br />
relacionado com a presença<br />
de ésteres monoalquílicos insaturados.<br />
Trata-se da reação do oxigênio<br />
atmosférico com as duplas ligações<br />
desses ésteres, cuja reatividade aumenta<br />
com o aumento do número<br />
de insaturações na cadeia (Moretto<br />
e Fett, 1989). Assim, por ser relativamente<br />
insaturado, o biodiesel derivado<br />
do óleo de soja é muito<br />
susceptível à oxidação. Os ácidos<br />
linoleico e linolênico, que, juntos,<br />
correspondem a mais de 61% da<br />
composição desse óleo, apresentam,<br />
respectivamente, duas e três<br />
duplas ligações, que podem reagir<br />
facilmente com o oxigênio.<br />
A oxidação de óleos insaturados<br />
representa um processo relativamente<br />
complexo que envolve reações<br />
entre radicais livres e oxigê-<br />
nio molecular. Todo esse processo<br />
é geralmente resumido em três etapas,<br />
denominadas de iniciação, propagação<br />
e finalização. O processo<br />
de polimerização pode ser iniciado<br />
por traços de metais, calor (termólise),<br />
luz (fotólise) ou radicais<br />
hidroxila e hidroperoxila, gerados<br />
pela cisão homolítica de moléculas<br />
de água expostas à radiação<br />
(Kumarathasan et al., 1992).<br />
Os peróxidos e hidroperóxidos<br />
produzidos através da reação<br />
de auto-oxidação podem se polimerizar<br />
com outros radicais e produzir<br />
moléculas de elevada massa<br />
molar, sedimentos insolúveis, gomas<br />
e, em alguns casos, pode quebrar<br />
a cadeia do ácido graxo oxidado,<br />
produzindo ácidos de cadeias<br />
menores e aldeídos (Prankl e<br />
Schindlbauer, 1998). Estudos anteriores<br />
(Clark et al., 1984; Tao, 1995;<br />
System Lab Services, 1997) constataram<br />
que a formação desses ácidos<br />
pode estar ligada à corrosão do<br />
sistema combustível dos motores<br />
porque, devido à alta instabilidade<br />
dos hidroperóxidos, eles apresentam<br />
forte tendência a atacar<br />
elastômeros.<br />
A maioria dos trabalhos até então<br />
realizados sobre a estabilidade<br />
diante da oxidação do biodiesel referem-se<br />
ao estudo de ésteres<br />
metílicos (Prankl e Schindlbauer,<br />
1998; Ishido et al., 2001; Pedersen e<br />
Ingermarsson, 1999), visto que a<br />
maioria dos países que instituíram o<br />
uso desse biocombustível não apresenta<br />
disponibilidade nem infra-estrutura<br />
para produzir etanol como o<br />
Brasil. Esses trabalhos têm confirmado<br />
que, de um modo geral, o<br />
biodiesel de natureza metílica se<br />
oxida após curtos períodos de estocagem,<br />
e que sua inércia química<br />
está diretamente relacionada com<br />
os óleos vegetais empregados na<br />
sua produção (Prankl e Schindlbauer,<br />
1998).<br />
Um dos meios mais comumente<br />
utilizados para se inferir sobre a<br />
susceptibilidade de um determinado<br />
óleo à oxidação é a avaliação de<br />
seu número de iodo. O número de<br />
iodo revela o número de insaturações<br />
de uma determinada amostra e<br />
34 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
esse valor constitui um dos parâmetros<br />
de identidade dos óleos vegetais.<br />
Sendo assim, diferentes tipos<br />
de biodiesel apresentam números<br />
de iodo semelhantes aos dos triglicerídeos<br />
de origem. No entanto,<br />
deve-se salientar que, quando o<br />
objetivo é avaliar a estabilidade à<br />
oxidação de um dado óleo, as informações<br />
obtidas através desse método<br />
não são adequadas, pois o<br />
número de iodo não discrimina que<br />
compostos estão contribuindo para<br />
o valor encontrado. Desse modo,<br />
há óleos diferentes com números<br />
de iodo semelhantes, porém, com<br />
estabilidades à oxidação consideravelmente<br />
distintas. Para se inferir<br />
previsões acerca da estabilidade à<br />
oxidação de um dado óleo é, portanto,<br />
necessário que se conheça a<br />
sua composição percentual em ácidos<br />
graxos, o que só é possível<br />
através do emprego de métodos<br />
cromatográficos de análise.<br />
Somente através do conhecimento<br />
pleno das propriedades que<br />
determinam os padrões de identidade<br />
e a qualidade do biodiesel é<br />
que será possível estabelecer parâmetros<br />
de controle que garantirão<br />
a qualidade do produto a ser<br />
incorporado na matriz energética<br />
nacional.<br />
6 - Aspectos ambientais<br />
relacionados com o uso do<br />
biodiesel<br />
Sabe-se que o aumento na concentração<br />
dos gases causadores do<br />
efeito estufa, como o dióxido de<br />
carbono (CO 2 ) e o metano (CH 4 ), tem<br />
acarretado sérias mudanças climáticas<br />
no planeta. Efeitos como o aumento<br />
da temperatura média global,<br />
as alterações no perfil das precipitações<br />
pluviométricas e a elevação do<br />
nível dos oceanos poderão ser catastróficos<br />
frente à contínua tendência<br />
de aumento da população mundial<br />
(Peterson e Hustrulid, 1998; Shay,<br />
1993). Nesse sentido, a inserção de<br />
combustíveis renováveis em nossa<br />
matriz energética precisa ser incentivada<br />
para frear as emissões causadas<br />
pelo uso continuado de combustíveis<br />
fósseis.
Vários estudos têm demonstrado<br />
que a substituição do diesel de<br />
petróleo por óleos vegetais transesterificados<br />
reduziria a quantidade<br />
de CO 2 introduzida na atmosfera. A<br />
redução não se daria exatamente na<br />
proporção de 1:1, pois cada litro de<br />
biodiesel libera cerca de 1,1 a 1,2<br />
vezes a quantidade de CO 2 liberada<br />
na atmosfera por um litro de diesel<br />
convencional. Todavia, diferentemente<br />
do combustível fóssil, o CO 2<br />
proveniente do biodiesel é reciclado<br />
nas áreas agricultáveis, que geram<br />
uma nova partida de óleo vegetal<br />
para um novo ciclo de produção.<br />
Isso acaba proporcionando um balanço<br />
muito mais equilibrado entre a<br />
massa de carbono fixada e aquela<br />
presente na atmosfera que, por sua<br />
vez, atua no chamado efeito estufa.<br />
Portanto, uma redução real no<br />
acúmulo de CO 2 somente será possível<br />
com a diminuição do uso de<br />
derivados do petróleo. Para cada<br />
quilograma de diesel não usado, um<br />
equivalente a 3,11 kg de CO 2 , mais<br />
um adicional de 15% a 20%, referente<br />
à sua energia de produção, deixará<br />
de ser lançado na atmosfera. Foi<br />
também estimado que a redução<br />
máxima na produção de CO 2 , devido<br />
ao uso global de biodiesel, será<br />
de, aproximadamente, 113-136 bilhões<br />
de kg por ano (Peterson e<br />
Hustrulid, 1998).<br />
A utilização de biodiesel no<br />
transporte rodoviário e urbano oferece<br />
grandes vantagens para o meio<br />
ambiente, tendo em vista que a<br />
emissão de poluentes é menor que a<br />
do diesel de petróleo (Masjuk e<br />
Sapuan, 1995; Clark et al., 1984).<br />
Chang et al. (1996) demonstraram<br />
que as emissões de monóxido e<br />
dióxido de carbono e material<br />
particulado foram inferiores às do<br />
diesel convencional, enquanto que<br />
os níveis de emissões de gases nitrogenados<br />
(NOx) foram ligeiramente<br />
maiores para o biodiesel. Por outro<br />
lado, a ausência total de enxofre<br />
confere ao biodiesel uma grande<br />
vantagem, pois não há qualquer<br />
emissão dos gases sulfurados (e.g.,<br />
mercaptanas, dióxido de enxofre)<br />
normalmente detectados no escape<br />
dos motores movidos a diesel.<br />
Outro aspecto de interesse ambiental<br />
está relacionado com as emissões<br />
de compostos sulfurados. Sabese<br />
que a redução do teor de enxofre<br />
no diesel comercial também reduz a<br />
viscosidade do produto a níveis não<br />
compatíveis com a sua especificação<br />
e que, para corrigir esse problema,<br />
faz-se necessária a incorporação de<br />
aditivos com poder lubrificante. Consumada<br />
a obrigatoriedade na redução<br />
dos níveis de emissão de compostos<br />
sulfurados a partir da combustão<br />
do diesel, a adição de biodiesel<br />
em níveis de até 5% (B5) corrigirá<br />
esta deficiência viscosimétrica, que<br />
confere à mistura propriedades lubrificantes<br />
vantajosas para o motor.<br />
Trabalhos já desenvolvidos no<br />
Brasil na década de 80, quando<br />
foram utilizados vários óleos vegetais<br />
transesterificados, também demonstraram<br />
bons resultados quando<br />
utilizados em motores de caminhões<br />
e tratores, tanto puros quanto<br />
em misturas do tipo B30 (Ministério<br />
da Indústria e do Comércio,<br />
1985). Mais recentemente, foram<br />
realizados testes no transporte urbano<br />
da cidade de Curitiba com<br />
ésteres metílicos de óleo de soja<br />
(Laurindo, 2003). Cerca de 80 mil<br />
litros de biodiesel foram cedidos<br />
pela American Soybean Association<br />
(EUA) e testados na forma da mistura<br />
B20, apresentando resultados<br />
bastante satisfatórios em relação ao<br />
controle. Os testes foram realizados<br />
em 20 ônibus de diferentes<br />
marcas durante três meses consecutivos,<br />
no primeiro semestre de<br />
1998; ao final dos trabalhos, os<br />
resultados obtidos mostraram uma<br />
redução média da fumaça emitida<br />
pelos veículos de, no mínimo, 35%<br />
(Laurindo e Bussyguin, 1999).<br />
O caráter renovável do biodiesel<br />
está apoiado no fato de as matériasprimas<br />
utilizadas para a sua produção<br />
serem oriundas de fontes renováveis,<br />
isto é, de derivados de práticas agrícolas,<br />
ao contrário dos derivados de<br />
petróleo. Uma exceção a essa regra<br />
diz respeito à utilização do metanol,<br />
derivado de petróleo, como agente<br />
transesterificante, sendo esta a matéria-prima<br />
mais abundantemente utilizada<br />
na Europa e nos Estados Unidos.<br />
Isso significa que a prática adotada no<br />
Brasil, isto é, a utilização do etanol,<br />
derivado de biomassa, torna o biodiesel<br />
um produto que pode ser considerado<br />
como verdadeiramente<br />
renovável (Zagonel, 2000). Assim, por<br />
envolver a participação de vários segmentos<br />
da sociedade, tais como as<br />
cadeias produtivas do etanol e das<br />
oleaginosas, a implementação do biodiesel<br />
de natureza etílica no mercado<br />
nacional abre oportunidades para grandes<br />
benefícios sociais decorrentes do<br />
alto índice de geração de empregos,<br />
culminando com a valorização do campo<br />
e a promoção do trabalhador rural.<br />
Além disso, há ainda as demandas por<br />
mão-de-obra qualificada para o processamento<br />
dos óleos vegetais, permitindo<br />
a integração, quando necessária,<br />
entre os pequenos produtores e<br />
as grandes empresas (Campos, 2003).<br />
5 - Conclusão<br />
A intensidade com que o tema<br />
biodiesel tem sido abordado em reuniões<br />
políticas, científicas e tecnológicas<br />
tem dado testemunho do interesse<br />
com que a sociedade e o setor<br />
produtivo vem encarando essa nova<br />
oportunidade de negócios para o<br />
país. Com efeito, diante de tantos<br />
benefícios, como a criação de novos<br />
empregos no setor agroindustrial, a<br />
geração de renda, o fomento ao<br />
cooperativismo, a perspectiva de<br />
contribuição ao equilíbrio de nossa<br />
balança comercial e pelos comprovados<br />
benefícios ao meio ambiente,<br />
pode-se dizer que o biodiesel tem<br />
potencial para constituir um dos principais<br />
programas sociais do governo<br />
brasileiro, representando fator de<br />
distribuição de renda, inclusão social<br />
e apoio à agricultura familiar. No<br />
entanto, neste momento em que as<br />
bases do programa nacional estão<br />
sendo ainda definidas, o desenvolvimento<br />
de projetos de cunho científico<br />
e tecnológico, que possam<br />
oferecer maior segurança aos nossos<br />
tomadores de decisão, é, no<br />
mínino, estrategicamente imprescindível<br />
ao país.<br />
No que diz respeito à evolução<br />
do programa nacional de biocombustíveis,<br />
algumas ações governa-<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 35
mentais poderiam ser de extrema<br />
importância para acelerar o atendimento<br />
às suas principais metas tecnológicas:<br />
(a) instalação de uma<br />
unidade-piloto, desinteressada de<br />
qualquer ganho comercial e preferencialmente<br />
estabelecida em parceria<br />
com instituições públicas de<br />
pesquisa e desenvolvimento, para<br />
auxiliarem nos estudos de viabilidade<br />
técnica e econômica do biodiesel;<br />
(b) estabelecimento das especificações<br />
a serem exigidas para o<br />
licenciamento do produto (processo<br />
já iniciado pela ANP, através da<br />
Portaria n o . 255); (c) ampliação<br />
dos testes em frota cativa para dirimir<br />
quaisquer dúvidas que ainda<br />
persistam sobre o desempenho e a<br />
viabilidade do biodiesel, particularmente<br />
de natureza etílica, seja<br />
puro ou em misturas do tipo B2 a<br />
B20; e (d) abertura de linhas de<br />
financiamento para o desenvolvimento<br />
de novas rotas tecnológicas,<br />
com vistas a simplificar e/ou a<br />
otimizar o processo, a ampliação<br />
das perspectivas para a utilização<br />
de seus subprodutos e a diversificação<br />
da matéria-prima para atender<br />
a vocações regionais.<br />
6 - Referências<br />
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<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 37
Pesquisa<br />
Marcos Barros de Medeiros<br />
Doutor em Entomologia - ESALQ/USP<br />
Professor Adjunto Centro de Formação de<br />
Tecnólogos / UFPB - Campus de Bananeiras.<br />
barros@iwpb.com.br;<br />
ciagra@cft.ufpb.br<br />
Paulo Alves Wanderley<br />
Doutor em Agronomia - FCAV/UNESP,<br />
Professor nível E do Centro de Formação de<br />
Tecnólogos / UFPB - Campus de Bananeiras<br />
Maria José Araújo Wanderley<br />
Doutora em Agronomia - FCAV/UNESP,<br />
Bolsista de <strong>Desenvolvimento</strong> Científico Regional<br />
CNPq, UFPB Departamento de <strong>Ciência</strong>s Básicas e<br />
Sociais, Campus de Bananeiras<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Biofertilizantes<br />
Líquidos<br />
38 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Processo trofobiótico para proteção de plantas em cultivos orgânicos<br />
1 - Introdução<br />
Nos países desenvolvidos e em<br />
vários outros em desenvolvimento,<br />
como o Brasil, os organoclorados foram<br />
proibidos para o uso agrícola.<br />
Porém, essa foi apenas uma medida<br />
isolada, uma vez que tais produtos<br />
circulam hoje por toda a biosfera<br />
(Paschoal, 1995). O uso de produtos<br />
químicos sem a observação da complexidade<br />
de fatores que interagem<br />
nos agroecossistemas tem sido a maior<br />
causa de desequilíbrio nesses sistemas,<br />
tais como o desenvolvimento de<br />
resistência ao pesticida, ressurgimento<br />
e desencadeamento de pragas secundárias<br />
e quebra de cadeias alimentares<br />
a partir da eliminação de seus<br />
inimigos naturais (parasitóides e predadores)<br />
(Medeiros, 1998).<br />
Até 1945 os ácaros fitófagos eram<br />
tidos como pragas secundárias da<br />
agricultura. No entanto, o desenvolvimento<br />
destas espécies nocivas vem<br />
atingindo, cada vez mais, uma elevada<br />
significação econômica, ao mesmo<br />
tempo em que sua lista não pára<br />
de crescer. Antes de 1946, havia<br />
apenas 10 espécies de insetos e carrapatos<br />
resistentes, todas a produtos<br />
inorgânicos minerais. Em 1969 a resistência<br />
foi confirmada para 424 espécies,<br />
sendo 97 de importância<br />
médica ou veterinária e 127 de importância<br />
agrícola e florestal e de<br />
produtos armazenados (Paschoal,<br />
1979; Chaboussou 1980). Na década<br />
de 90, pelo menos 504 espécies de<br />
insetos e ácaros foram dadas como<br />
resistentes a pelo menos um pesticida.<br />
Destas, 23 espécies são benéficas e<br />
481 são nocivas, sendo 283 de impor-<br />
tância agrícola e 198 de importância<br />
médico-veterinária (Georghiou &<br />
Lagunes-Tejeda, 1991).<br />
Uma nova teoria, hoje amplamente<br />
difundida, converge ao explicar<br />
que, além destes fatores, estes<br />
desequilíbrios também estão fortemente<br />
associados ao estado de<br />
proteólise dominante nos tecidos da<br />
planta. Estudos comprovam que produtos<br />
químicos sintéticos, tais como<br />
agrotóxicos e fertilizantes minerais<br />
solúveis, contêm substâncias que interferem<br />
na proteossíntese, provocam<br />
o acúmulo de aminoácidos livres e<br />
açúcares redutores nos tecidos da planta,<br />
reduzindo sua resistência às pragas<br />
e doenças (Alves et al., 2001;<br />
Chaboussou, 1999; Tokeshi, 2002).<br />
Segundo Primavesi (1998), três<br />
condições são necessárias para que<br />
uma planta seja atacada por pragas e<br />
doenças: 1) a planta deve ser deficientemente<br />
nutrida, oferecendo alguma<br />
substância utilizável para o agente;<br />
2) o agente possa se multiplicar<br />
livremente sem controle biológico, o<br />
que ocorre mais facilmente em<br />
monoculturas; 3) o sistema de autodefesa<br />
da planta deve estar desequilibrado,<br />
em função da nutrição e do<br />
uso de agrotóxicos. Estes princípios<br />
convergem com os fundamentados<br />
por Francis Chaboussou, então diretor<br />
do “Institut National de la<br />
Recherche Agronomique” (INRA) na<br />
França, que em 1979 formulou a<br />
Teoria da Trofobiose. Segundo essa<br />
teoria, todo processo vital está na<br />
dependência da satisfação das necessidades<br />
dos organismos vivos,<br />
sejam eles vegetais ou animais. Dessa<br />
forma, a planta, ou mais precisa-
Figura 01. Simulação da cinética de crescimento celular e da produção de metabólitos<br />
ao longo da fermentação aeróbica do biofertilizante no processo de CLC. Metabólitos<br />
primários: (Etapas de anabolismo e catabolismo): Açúcares, aminoácidos, ácidos<br />
graxos, proteínas, lipídeos, bases nitrogenadas (nucleotídeos e ácidos nucleicos),<br />
precursores moleculares etc. Metabólitos secundários: (Biossíntese de macromoléculas<br />
de elevado peso molecular): toxinas, antibióticos, fitoreguladores (IAA<br />
e giberelinas), ácidos graxos de cadeia longa, fosfolipídeos, polissacarídeos, terpenos<br />
fenóis, polifenois, citoquininas, etc.<br />
mente o órgão vegetal, será atacado<br />
somente quando seu estado bioquímico,<br />
determinado pela natureza e<br />
pelo teor de substâncias nutritivas<br />
solúveis, corresponder às exigências<br />
tróficas (de alimentação) da praga ou<br />
do patógeno em questão.<br />
Estudando-se a relação entre o<br />
estado nutricional de plantas e sua<br />
resistência às doenças constatou-se<br />
que toda circunstância desfavorável<br />
ao crescimento celular tende a provocar<br />
um acúmulo de compostos<br />
solúveis não utilizados, como açúcares<br />
e aminoácidos, diminuindo a<br />
resistência da planta ao ataque de<br />
pragas e doenças (Dufrenoy, 1936).<br />
Comprovou-se mais tarde que a ação<br />
dos agrotóxicos na planta resulta na<br />
inibição da proteossíntese, resultando<br />
num aumento de ácaros, pulgões<br />
e lepidópteros e de doenças<br />
(Chaboussou, 1999; Tokeshi, 2002).<br />
Espécies de pulgões, cochonilhas,<br />
cigarrinhas, cigarras, tripes, outros<br />
insetos sugadores e várias espécies<br />
de ácaros fitófagos, não são capazes<br />
de desdobrar proteínas em aminoácidos<br />
para serem posteriormente<br />
recombinados à conveniência de<br />
cada um. Por isso, eles dependem<br />
de aminoácidos livres existentes na<br />
seiva das plantas ou suco celular e<br />
de microrganismos simbiontes<br />
(Chaboussou, 1980; Panizzi & Parra,<br />
1991; Pinheiro & Barreto, 1996; Gallo<br />
et al., 2002) Os adubos minerais<br />
solúveis, especialmente os nitrogenados,<br />
e os agrotóxicos orgânicos<br />
sintéticos, que quando absorvidos<br />
pelas plantas e translocados em seu<br />
interior, são capazes de interferir<br />
com a fisiologia vegetal, reduzem a<br />
proteossíntese, desencadeando processo<br />
de acúmulo de aminoácidos<br />
livres e açúcares redutores, substâncias<br />
prontamente utilizáveis pelas<br />
pragas e agentes fitopatogênicos, o<br />
que foi correlacionado positivamente<br />
com o aumento populacional desses<br />
organismos (Chaboussou, 1985).<br />
Na agricultura orgânica o uso de<br />
biofertilizantes líquidos, na forma de<br />
fermentados microbianos enriquecidos,<br />
têm sido um dos processos mais<br />
empregados no manejo trofobiótico<br />
de pragas e doenças. Essa estratégia<br />
é baseada no equilíbrio nutricional<br />
da planta (trofobiose), onde a resistência<br />
é gerada pelo melhor equilíbrio<br />
energético e metabólico do vegetal<br />
(Chaboussou, 1985; Pinheiro &<br />
Barreto, 1996). Os biofertilizantes funcionam<br />
como promotores de crescimento<br />
(equilíbrio nutricional) e como<br />
elicitores na indução de resistência<br />
sistêmica na planta. Além disso, ajudam<br />
na proteção da planta contra o<br />
ataque de doenças, por antibiose<br />
(Bettiol et al, 1998) e contra o ataque<br />
de pragas, por ação repelente,<br />
fagodeterrente (inibidores de alimen-<br />
tação) ou afetando o seu desenvolvimento<br />
e reprodução.<br />
2 - Biofertilizantes líquidos<br />
e sua aplicação na<br />
proteção de plantas<br />
Os biofertilizantes possuem compostos<br />
bioativos, resultantes da<br />
biodigestão de compostos orgânicos<br />
de origem animal e vegetal. Em seu<br />
conteúdo são encontradas células vivas<br />
ou latentes de microrganismos<br />
de metabolismo aeróbico, anaeróbico<br />
e fermentação (bactérias, leveduras,<br />
algas e fungos filamentosos) e também<br />
metabólitos e quelatos organominerais<br />
em soluto aquoso. Segundo<br />
Santos & Akiba (1996), os metabólitos<br />
são compostos de proteínas, enzimas,<br />
antibióticos, vitaminas, toxinas,<br />
fenóis, ésteres e ácidos, inclusive de<br />
ação fitohormonal produzidos e liberados<br />
pelos microrganismos.<br />
Na citricultura paulista, os biofertilizantes<br />
vêm sendo produzidos<br />
pelo método de compostagem líquida<br />
contínua em “piscinas” escavadas<br />
no solo, revestidas de lona plástica<br />
de polietileno, com capacidade de<br />
até 50 mil litros. No processo são<br />
utilizados água não clorada e o<br />
inoculante à base de esterco fresco<br />
bovino, e posteriormente enriquecido<br />
com um composto orgânico nutritivo.<br />
O Microgeo é um composto<br />
orgânico, com registro no Ministério<br />
da Agricultura e certificado pelo IBD,<br />
preparado à base de diversas fontes<br />
orgânicas e inorgânicas, sendo enriquecido<br />
com rochas moídas que contêm<br />
cerca de 48% de silicatos de<br />
magnésio, cálcio, ferro e outros<br />
oligoelementos, fundamentais para<br />
estimulação do metabolismo primário<br />
e secundário das plantas. Segundo<br />
Alves et al. (2001) biofertilizantes<br />
obtidos com o Microgeo vêm sendo<br />
utilizados, em pulverização sobre as<br />
plantas, em mais de 8 milhões de pés<br />
de laranja no estado de São Paulo.<br />
A potência biológica de um biofertilizante<br />
é expressa pela grande<br />
quantidade de microrganismos ali<br />
existentes, responsáveis pela liberação<br />
de metabólitos e antimetabólitos,<br />
entre eles vários antibióticos e<br />
hormônios vegetais. Castro et al.<br />
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<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 39
Figura 2. Produção de biofertilizantes pelo sistema de compostagem líquida contínua<br />
a céu aberto, em recipientes plásticos.<br />
várias leveduras e bactérias, destacando<br />
Bacillus subitilis, reconhecido<br />
produtor de antibióticos. Atualmente<br />
os biofertilizantes vêm sendo aplicados<br />
em diversas culturas associadas<br />
com o fungo entomopatogênico<br />
Beauveria bassiana, importante inimigo<br />
natural de pragas.<br />
Os efeitos do biofertilizante no<br />
controle de pragas e doenças de plantas<br />
têm sido bem evidenciados. Efeitos<br />
fungistático, bacteriostático e repelente<br />
sobre insetos já foram constatados. Santos<br />
& Sampaio (1993) verificaram uma<br />
propriedade coloidal do biofertilizante<br />
que provoca a aderência do inseto<br />
sobre a superfície do tecido vegetal. Os<br />
autores destacaram também o efeito<br />
repelente e deterrente de alimentação<br />
contra pulgões e moscas-das-frutas.<br />
Medeiros et al. (2000b) verificaram que<br />
o biofertilizante à base de conteúdo de<br />
rúmen bovino e o composto orgânico<br />
Microgeo Ò reduziu a fecundidade, período<br />
de oviposição e longevidade de<br />
fêmeas do ácaro-da-leprose dos citros,<br />
Brevipalpus phoenicis, quando pulverizado<br />
em diferentes concentrações. Esses<br />
mesmos autores comprovaram que<br />
este biofertilizante agiu sinergicamente<br />
com Bacillus thuringiensis e o fungo B.<br />
bassiana, reduzindo a viabilidade dos<br />
ovos e sobrevivência de larvas do bicho-furão-dos-citros<br />
(Ecdytolopha<br />
aurantiana) (Medeiros et al. 2000c).<br />
Estudos recentes comprovaram a redução<br />
de até 95% da fecundidade do ácaro<br />
rajado Tetranychus urticae, de hábito<br />
polífago, em concentrações entre 5 e<br />
50% (Medeiros et al., 2000a; Berzaghi et<br />
al., 2001). Também verificou-se redução<br />
de até 64% da população do pulgão<br />
Aphis sp., quando utilizado o biofertilizante<br />
(10%) associado aos inseticidas<br />
Boveril ® e Metarril ® , 5 kg/ha, em cultivo<br />
de acerola (Medeiros et al., 2001). Aplicações<br />
do biofertilizante associadas à<br />
calda viçosa ou com o Bacillus<br />
thuringiensis reduziram significativamente<br />
o ataque da traça (Tuta absoluta)<br />
e a broca pequena (Neoleucocinodes<br />
elegantalis) em tomateiros (Picanço et<br />
al., 1999; Nunes & Leal, 2001). Também<br />
foi constatado menor severidade de<br />
oídio e de cigarrinha verde em plantas<br />
de feijoeiro pulverizadas com diferentes<br />
misturas de biofertilizantes (Cunha<br />
et al., 2000). Trabalhos conduzidos por<br />
Medeiros (2002) no Laboratório de Patologia<br />
e Controle Microbiano de Insetos<br />
da ESALQ/USP comprovaram que o<br />
biofertilizante líquido reduziu de modo<br />
crônico e significativamente a fecundidade<br />
e o potencial de crescimento populacional<br />
e o tempo de desenvolvimento<br />
de descendentes dos ácaros da<br />
leprose dos citros Brevipalpus phoenicis,<br />
criados sobre plantas tratadas com biofertilizantes.<br />
O estudo comprovou que<br />
o biofertilizante testado agiu por conta-<br />
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to direto e residual e também funcionou<br />
de forma sistêmica na planta.<br />
A ação antibiótica e indução de<br />
resistência sistêmica da planta são<br />
provavelmente os principais mecanismos<br />
de ação do biofertilizante<br />
sobre a praga (D´Andréa & Medeiros,<br />
2002). Os fenômenos podem estar<br />
diretamente associados à complexa<br />
e pouco conhecida composição química<br />
e biológica dos biofertilizantes.<br />
Compostos metabólitos (micro e<br />
macromoléculas), tais como enzimas,<br />
antibióticos, vitaminas, toxinas, fenóis<br />
e outros voláteis, ésteres e ácidos,<br />
inclusive de ação fitohormonal têm<br />
sido identificados nos biofertilizantes<br />
(Santos, 1992). Um composto<br />
coloidal, de consistência mucilaginosa<br />
(goma) e de composição ainda<br />
não conhecida, foi observado por<br />
Medeiros (2002) causando a imobilização<br />
e morte do ácaro B. phoenicis<br />
sobre a folha devido à obstrução de<br />
seu sistema digestivo.<br />
3 - Processos envolvidos na<br />
produção de<br />
biofertilizantes<br />
Não existe uma fórmula padrão<br />
para produção de biofertilizantes.<br />
Receitas variadas vêm sendo testadas,<br />
utilizando-se componentes minerais<br />
para o enriquecimento do meio de<br />
cultivo (Santos, 1992; Magro, 1994).<br />
O processo de fermentação é<br />
complexo e os microrganismos existentes<br />
passam quatro fases distintas<br />
de crescimento celular: 1) Latência -<br />
Compreende o período de adaptação<br />
dos microrganismos, após o qual as<br />
células dão início à fermentação. 2)<br />
Crescimento exponencial – Nessa fase<br />
ocorre elevado processo de divisão<br />
celular, com a produção de biomassa<br />
e liberação dos metabólitos primários:<br />
carboidratos, aminoácidos,<br />
lipídeos, nucleotídeos, vitaminas e<br />
proteínas e enzimas. 3) Fase estacionária<br />
– As células param de se dividir<br />
e as colônias, após juntarem-se, iniciam<br />
um processo de diferenciação<br />
celular produzindo metabólitos secundários<br />
como forma de defesa (antibióticos,<br />
toxinas, fenóis, ácidos orgânicos<br />
e outras proteínas de cadeia<br />
longa, de alto interesse biotecnológico).<br />
4) Morte Celular-Esgotadas to-
Figura 3. Detalhes do experimento utilizando-se ácaros de B. phoenicis criados em<br />
arena, sobre a folha a planta de Canavalia ensiformis. Fonte: Medeiros (2002)<br />
das as reservas de energia, as células<br />
começam a morrer numa velocidade<br />
exponencial.<br />
Cada microrganismo participante<br />
degrada alimento para outro, numa<br />
relação de interdependência mútua e<br />
harmônica e, assim, o processo de<br />
fermentação acaba sendo contínuo,<br />
desde que seja alimentado com meio<br />
nutritivo, o que fundamentou o processo<br />
de compostagem líquida descrito<br />
por D’Andréa & Medeiros (2002).<br />
4 - Produção do<br />
biofertilizante pelo<br />
processo de Compostagem<br />
Líquida Contínua (CLC)<br />
4.1 - Dimensionamento da<br />
Produção<br />
Tanques para compostagem do<br />
biofertilizante podem ser utilizados<br />
para volumes de até 1.000 litros, caixas<br />
de fibrocimento ou plásticas. Para<br />
volumes maiores constrói-se diretamente<br />
no solo, ‘piscinas’ com as dimensões<br />
do volume pretendido, e<br />
com a profundidade máxima de um<br />
metro, as quais são revestidas com<br />
lona plástica. A localização do tanque<br />
deve ser em área ensolarada, mantendo-o<br />
descoberto. Para o dimensionamento<br />
do volume do tanque, deverá<br />
ser considerado um consumo diário<br />
máximo de 10% de biofertilizante, da<br />
sua capacidade. Exemplo: Para um<br />
consumo diário de 100 litros de biofertilizante,<br />
o tanque deverá ter o<br />
volume de 1.000 litros.<br />
4.2- CLC com uso de esterco e<br />
composto orgânico enriquecido<br />
Início da CLC: Para início da<br />
produção do biofertilizante, adicionase<br />
no tanque o esterco fresco de gado<br />
(inoculante), um composto orgânico<br />
enriquecido com minerais (Ex.:<br />
MICROGEO MCO) e água (não<br />
clorada). No caso do Microgeo,<br />
pesquisado e desenvolvido pela equipe<br />
do Laboratório de Patologia e Controle<br />
Microbiano da ESALQ, o preparo<br />
é feito nas seguintes proporções:1,0<br />
quilo do composto orgânico / 4,0<br />
litros esterco de gado / 20,0 litros água<br />
(completando o volume ). Exemplo:<br />
Para a produção de 1.000 litros de<br />
biofertilizante, adiciona-se no tanque<br />
50 quilos do composto, mais 200 litros<br />
de esterco de gado de qualquer origem,<br />
completando com água o<br />
volume de 1.000 litros do tanque.<br />
Agitar duas vezes ao dia manualmente<br />
com um ‘rodo’, que também permitirá<br />
determinar a espessura da camada<br />
orgânica (biomassa) depositada no<br />
fundo do tanque, com o objetivo de se<br />
quantificar a reposição do esterco de<br />
gado no processo CLC. Iniciar o uso<br />
do biofertilizante com aproximadamente<br />
15 dias, após a mistura inicial<br />
dos insumos. Manutenção da CLC:<br />
Para manter a compostagem em meio<br />
líquido de forma contínua, contabilizar<br />
diariamente os volumes de biofertilizante<br />
consumidos repondo no tanque<br />
os insumos nas seguintes proporções:<br />
a) Reposição do composto orgânico:<br />
para cada 30,0 a 40,0 litros de biofertilizante<br />
usado, repor 1,0 quilo do<br />
composto/inoculante. O intervalo de<br />
reposição poderá ser semanal até<br />
mensal, ou seja, intervalos menores<br />
quanto maior o volume de biofertilizante<br />
utilizado. b) Reposição do esterco<br />
de gado: adicionar um volume de<br />
esterco de gado (fresco) suficiente<br />
para manter a mesma proporção<br />
biomassa/ água do início do processo,<br />
sempre quando se verificar com<br />
ajuda do ‘rodo’ a diminuição da camada<br />
orgânica no fundo do tanque. c)<br />
Reposição da água: está em função do<br />
volume de biofertilizante consumido,<br />
da evaporação e das chuvas. O volume<br />
de água a ser adicionado deverá<br />
ser o suficiente para a manutenção do<br />
nível inicial do tanque. A freqüência<br />
de reposição poderá ser diária, usando-se<br />
registro bóia ou até mensal,<br />
também em função do volume de<br />
biofertilizante usado. Nos períodos de<br />
chuvas, recomenda-se fechar os tanques<br />
de até 1.000 litros nos momentos<br />
de ocorrência delas. Manter descobertos<br />
os tanques maiores de 1.000 litros,<br />
retirando para uso posterior o volume<br />
do biofertilizante que eventualmente<br />
poderá transbordar, armazenando-o<br />
em tambores. É importante sempre<br />
manter as proporções de composto<br />
inoculante e esterco de gado, descritas<br />
acima, evitando o uso do biofertilizante<br />
muito diluído (Microbiol, 2001;<br />
D’Andréa & Medeiros, 2002).<br />
5 - Recomendações de uso<br />
Segundo Pinheiro & Barreto<br />
(1996), devido aos elevados efeitos<br />
hormonais e altos teores das substâncias<br />
sintetizadas, o uso de biofertilizantes<br />
em pulverizações foliares normalmente<br />
são feitos com diluições<br />
entre 0,1 e 5%. Concentrações maiores,<br />
entre 20 e 50%, foram utilizadas<br />
por Santos & Akiba (1996) com o<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 41
Figura 4. Caracterização de cadáveres do ácaro da leprose dos citros Brevipalpus<br />
phoenicis: (a) control, (b) Ácaro morto por ação de contato do biofertilizante; (c) e (d)<br />
Foco microbiano e vista ventral e dorçal do gnatosoma e pernas anteriores aderidas<br />
por uma substancia coloidal (goma). Fonte: Medeiros (2002).<br />
biofertilizante “Vairo”. Porém, em<br />
concentrações muito elevadas, o biofertilizante<br />
pode causar estresse fisiológico<br />
na planta retardando seu<br />
crescimento, floração ou frutificação.<br />
Isso se deve provavelmente ao excessivo<br />
desvio metabólico para produção<br />
de substâncias de defesa. Para<br />
hortaliças recomendam-se pulverizações<br />
semanais, utilizando entre 0,1 e<br />
3 % de concentração do biofertilizante,<br />
considerando que as plantas são<br />
de ciclo vegetativo curto e possuem<br />
maior velocidade de crescimento, com<br />
demanda constante de nutrientes.<br />
Em fruteiras, pulverizações entre 1 e<br />
5% do biofertilizante com Microgeo<br />
produziram resultados significativos<br />
na sanidade na cultura. Este biofertilizante<br />
também vem sendo empregado<br />
sobre o solo em concentrações de<br />
até 20%. Este quando aplicado sobre<br />
o mato roçado, como “input”<br />
microbiano, é capaz de aumentar a<br />
compostagem laminar, isto é diretamente<br />
no campo, acelerando os processos<br />
bioquímicos e potencializando<br />
maior atividade microbiana sobre o<br />
solo (D’Andréa & Medeiros, 2002).<br />
As aplicações de biofertilizantes<br />
deverão ser realizadas durante as<br />
fases de crescimento e/ou produção,<br />
evitando-se no florescimento. Devese<br />
dar preferência pelos dias de chu-<br />
va ou irrigação e os horários vespertino<br />
ou noturno, evitando-se os períodos<br />
secos e as horas mais quentes<br />
do dia. Altas concentrações do biofertilizante<br />
podem provocar na planta<br />
demanda de água muito maior<br />
para o seu equilíbrio. Mesmo assim,<br />
pulverizações com o biofertilizante,<br />
na diluição de 1%, nos períodos secos<br />
são possíveis. Apesar de estarem<br />
sob os efeitos do estresse hídrico, as<br />
plantas estarão recebendo energia<br />
entrópica (não utilizável pelos insetos)<br />
e outros fatores de proteção.<br />
6 - Biofertilizantes,<br />
bioinseticidas e<br />
biorremediação<br />
O aumento da população e a<br />
maior atividade industrial fizeram com<br />
que o problema da poluição do ambiente<br />
atingisse níveis alarmantes.<br />
Além de contaminação por detritos<br />
pouco biodegradáveis, como plásticos<br />
e detergentes, soma-se o problema<br />
dos resíduos de industrias e, principalmente,<br />
dos resíduos agroindustriais,<br />
como a vinhaça ou o vinhoto,<br />
resultante da produção de etanol em<br />
grande escala. Estes problemas podem<br />
ser atacados pelo desenvolvimento<br />
de linhagens microbianas capazes<br />
de degradar ou assimilar esses<br />
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compostos para uso como agentes<br />
de biorremediação.<br />
O processo da biorremediação<br />
consiste na descoberta e procriação<br />
de bactérias capazes de “comer” os<br />
agrotóxicos que ficam por muitos anos<br />
no solo e na água. Estas bactérias<br />
devoram os componentes químicos<br />
existentes nos venenos, fazendo com<br />
que o produto perca sua capacidade<br />
de poluir o solo, a água e até mesmo<br />
o organismo humano. Estas bactérias<br />
também não são prejudiciais ao meio<br />
ambiente. Caso os resultados da pesquisa<br />
sejam confirmados, será um<br />
grande avanço para a preservação do<br />
meio ambiente, pois o uso do veneno<br />
é um grande vilão que prejudica o<br />
solo, a água, os animais e o homem<br />
(Azevedo, 1998). Uma saída promissora<br />
para esses problemas seria a<br />
multiplicação em massa desses agentes<br />
de biodegradação de agentes químicos,<br />
em tanques abertos, adotandose<br />
a técnica de cultura em compostagem<br />
líquida contínua. A produção de<br />
biofertilizantes líquidos, à base de<br />
resíduos oriundos da agricultura e da<br />
indústria, modificados por microorganismos,<br />
gerarão substratos úteis como<br />
fertilizantes de solo e como bioprotetores<br />
de plantas para a agricultura.<br />
A partir de compostos ricos em<br />
nutrientes, facilmente acessíveis e de<br />
baixo custo operacional, como os<br />
resíduos sólidos e líquidos oriundos<br />
da agricultura e da indústria, é possível<br />
a adição de microrganismos (leveduras,<br />
bactérias e actinomicetos,<br />
por exemplo) previamente selecionadas,<br />
com as condições necessárias<br />
de ecologia nutricional, que promoverem<br />
o rápido crescimento populacional,<br />
resultando em alta produção<br />
de massa microbiana.<br />
Técnicas sofisticadas, porém com<br />
o mesmo princípio, têm sido utilizadas<br />
em laboratórios, sob condições<br />
controladas em biofermentadores, na<br />
produção líquida de inseticidas à base<br />
de microrganismos entomo patogênicos<br />
(fungos, vírus, bactérias e<br />
nematóides) capazes de controlar as<br />
pragas em níveis aceitáveis, econômicos<br />
e ecológicos (Alves, 1998).<br />
A preocupação em se gerar alternativas<br />
ecológicas ao problema dos<br />
rejeitos líquidos e sólidos na agricultura,<br />
transformá-los em insumos de bai-
Figura 5. Crescimento do fungo entomopatogênico Beauveria bassiana em meio<br />
de biofertilizante líquido<br />
Figura 6. Leveduras isoladas de um biofertilizante produzido por compostagem<br />
líquida contínua<br />
xo custo e capazes de serem aplicados<br />
na atividade produtiva primária, em<br />
cultivos orgânicos, representa um grande<br />
avanço na preservação do meio<br />
ambiente. Contudo, serão necessários<br />
alguns anos de investigação e desenvolvimento,<br />
para que se produzam<br />
metodologias de elevado alcance social,<br />
e grandes esforços no sentido de se<br />
consolidar o emprego desses processos<br />
bioquímicos como forma de se<br />
promover a sustentabilidade dos ambientes<br />
agrícolas.<br />
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Pesquisa<br />
Paulo Dejalma Zimmer, Dr.<br />
Professor do Departamentode de Fitotecnia<br />
FAEM / UFPel<br />
djzimmer@ufpel.tche.br<br />
Gaspar Malone<br />
Doutorando do Programa de Pós Graduação em<br />
<strong>Ciência</strong> e Tecnologia de Sementes / FAEM / UFPel<br />
malone@gaspar.com.ar<br />
Fernando Irajá Félix de Carvalho, PhD.<br />
Professor do Departamento de Fitotecnia<br />
FAEM / UFPel<br />
carvalho@ufpel.tche.br<br />
José Fernandes Barbosa Neto, PhD.<br />
Professor do Departamento de Plantas de Lavoura<br />
Faculdade de Agronomia / UFRGS<br />
jfbn@ufrgs.br<br />
Antonio Costa de Oliveira, PhD.<br />
Professor do Departamento de Fitotecnia<br />
FAEM / UFPel<br />
acosta@ufpel.tche.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Iniciativas<br />
Genômicas<br />
Aplicações da ciência genômica no melhoramento de plantas para as regiões de várzea do sul do Brasil<br />
melhoramento genético<br />
de plantas<br />
tem contribuído de<br />
forma decisiva para<br />
o incremento da<br />
produção mundial<br />
de grãos (BORLAUG, 1983). Entretanto,<br />
a necessidade e os desafios<br />
para as próximas duas décadas são<br />
imensos, o ganho genético para a<br />
produtividade está se reduzindo a<br />
cada ano e já não acompanha mais o<br />
aumento da demanda por alimentos<br />
(BORLAUG, 1997; MANN, 1997 e<br />
1999). Atualmente, grandes esforços<br />
estão sendo direcionados no<br />
sentido de elucidar o potencial genético<br />
das espécies cultivadas,<br />
objetivando incrementar a produtividade<br />
e a qualidade. Para o lançamento<br />
de novos cultivares que atendam<br />
à demanda crescente por alimentos,<br />
os programas de melhoramento<br />
de plantas necessitam de grandes<br />
mudanças, principalmente no<br />
que tange à estrutura, à estratégia e<br />
à própria ciência envolvida (STUBER<br />
et al., 1999; KOORNNEEF & STAM,<br />
2001). Além do foco na qualidade e<br />
na produtividade, o melhoramento<br />
genético também pode ser direcionado<br />
no sentido de aumentar a adaptabilidade<br />
das espécies. Essa também<br />
pode ser considerada uma forma<br />
de incrementar a produção de<br />
alimentos, pois áreas marginais podem<br />
ser incorporadas ao sistema<br />
produtivo mediante o desenvolvimento<br />
de genótipos adaptados. No<br />
Sul do Brasil, há cerca de 6,8 milhões<br />
de hectares de terras baixas,<br />
caracterizadas por solos hidromórficos,<br />
que têm o seu sistema agrícola<br />
alicerçado na pecuária extensiva e<br />
no plantio do arroz irrigado. A exploração<br />
inadequada dessa região,<br />
possivelmente associada às dificuldades<br />
operacionais, não tem permitido<br />
uma apropriada rotação de culturas<br />
nem o requerido tempo de<br />
pousio, o que favorece a infestação<br />
da cultura por espécies daninhas,<br />
principalmente o arroz vermelho. A<br />
degradação das características físicas<br />
do solo provocada pela intensa<br />
movimentação de máquinas e equipamentos<br />
extremamente pesados<br />
também impõe a necessidade de<br />
pousio (Figura 1).<br />
Dessa forma, extensas áreas<br />
estão sendo inviabilizadas a cada<br />
ano, tornando-se, muitas vezes, extremamente<br />
árdua a sua recuperação.<br />
A busca de alternativas para<br />
compor o sistema agrícola regional<br />
tem motivado iniciativas importantes<br />
nas Universidades Federais de<br />
Pelotas e do Rio Grande do Sul<br />
(UFPel e UFRGS) e na Embrapa<br />
Clima Temperado (PORTO et al.,<br />
1998). A inclusão de novas culturas,<br />
como a aveia, o milho e o<br />
azevém, no sistema agrícola das<br />
áreas de várzea tem recebido atenção<br />
especial, porém a simples introdução<br />
de genótipos não é suficiente<br />
para a correção, em função da<br />
inexistência de constituições genéticas<br />
adaptadas à condição de encharcamento<br />
dos locais. Desse<br />
modo, há uma grande demanda por<br />
iniciativas voltadas para a geração<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 45
de variabilidade genética, seleção de<br />
constituições genéticas adaptadas às<br />
condições do ambiente e aumento da<br />
eficiência dos programas de melhoramento<br />
de plantas.<br />
Advento das Técnicas<br />
Moleculares<br />
Até a década de 70, pouco se<br />
conhecia sobre a organização do<br />
DNA. A composição dos pequenos<br />
segmentos com função conhecida,<br />
os genes, era a jóia mais desejada<br />
naquela época. Nos últimos anos,<br />
com o surgimento das técnicas<br />
moleculares, e entre elas a técnica<br />
de clonagem molecular, tornou-se<br />
possível o isolamento e a purificação<br />
de porções genômicas. Esses<br />
avanços contribuíram para tornar a<br />
molécula de DNA o foco das principais<br />
investigações nos últimos anos.<br />
A clonagem molecular consiste no<br />
isolamento e na multiplicação de<br />
moléculas de DNA idênticas, e compreende,<br />
pelo menos, dois estágios<br />
importantes: primeiro, o fragmento<br />
do DNA de interesse, chamado de<br />
inserto, é ligado a uma outra molécula<br />
de DNA, denominada vetor,<br />
para formar o que se chama de DNA<br />
recombinante; segundo, a molécula<br />
do DNA recombinante é introduzida<br />
numa célula hospedeira compatível,<br />
num processo chamado<br />
transformação bacteriana. A célula<br />
hospedeira que adquiriu a molécula<br />
do DNA recombinante passa,<br />
então, a ser chamada transformante<br />
ou célula transformada. Atualmente,<br />
as fronteiras da Tecnologia do<br />
DNA recombinante, principalmente<br />
para fins comerciais, parecem ser<br />
ilimitadas. Além dos reflexos diretos,<br />
a tecnologia do DNA recombinante<br />
proporcionou avanços em<br />
todas as áreas da bioquímica, da<br />
fisiologia e da genética. Esses avanços<br />
permitiram a caracterização, a<br />
identificação e a clonagem de uma<br />
série de genes de enzimas, que se<br />
tornaram ferramentas decisivas para<br />
o surgimento de técnicas como a de<br />
marcadores moleculares e de seqüenciamento<br />
de DNA, o que con-<br />
tribuiu para a elucidação de importantes<br />
vias de biossíntese.<br />
No que tange aos desafios para<br />
tornar eficiente o melhoramento de<br />
plantas e para incrementar a produção<br />
mundial de grãos, várias ferramentas<br />
moleculares podem ser incorporadas<br />
aos programas de melhoramento<br />
de plantas com o objetivo de<br />
otimizar a obtenção de genótipos<br />
superiores, por exemplo, a transgenia<br />
(YE et al., 2000), a seleção assistida<br />
por marcadores (FRARY et al., 2000),<br />
a mutação induzida (MALUSZYNSKI,<br />
1998) e a genômica (LIU, 1998;<br />
McCOUCH, 2001).<br />
A busca por soluções para diversificar<br />
o sistema agrícola nas áreas de<br />
várzea do sul do Brasil passa pela<br />
elucidação dos mecanismos fisiogenéticos<br />
envolvidos na tolerância dos<br />
cereais ao encharcamento. Embora já<br />
tenham sido relatadas (DANTAS et al.,<br />
2001), algumas respostas à deficiência<br />
de oxigênio no solo provocada<br />
pelo excesso de água (encharcamento),<br />
ainda permanecem muitas dúvidas<br />
relacionadas com as interações<br />
genéticas que facultam algumas espécies<br />
ou variedades a suportarem solos<br />
com hipoxia decorrente do excesso<br />
de água. A incorporação de tecnologias<br />
moleculares e a formação de<br />
melhoristas treinados para selecionar<br />
genes poderão se refletir em grandes<br />
ganhos de eficiência nos programas<br />
de melhoramento de plantas.<br />
46 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Figura 1 - Sistema de preparação do solo para plantio de arroz pré-germinado em solos<br />
de várzea, utilizando máquinas extremamente pesadas em solos inundados. Essa<br />
associação afeta negativamente a estrutura física do solo. Cortesia Prof. Silmar Peske.<br />
Sintenia e Genomas<br />
Modelos<br />
A sintenia é caracterizada pela<br />
conservação na ordem e no conteúdo<br />
de genes, ou grupos gênicos,<br />
entre espécies relacionadas. Essa<br />
característica também é denominada<br />
colinearidade, e poderá ser altamente<br />
informativa para estudos<br />
comparativos de função, ação e<br />
regulação gênica entre diferentes<br />
genomas (Figura 2). Embora não<br />
seja uma condição estável, pois a<br />
sintenia pode ser perdida no decorrer<br />
da evolução, vários trabalhos<br />
evidenciam a importância das regiões<br />
cromossômicas conservadas<br />
para estudos genéticos comparativos<br />
(BENNETZEN et al., 1998; GALE<br />
& DEVOS, 1998; DEVOS et al., 1999;<br />
FEUILLET & KELLER, 2002).<br />
A sintenia é bastante estudada<br />
na família Brassicaceae e na família<br />
Gramineae, atualmente denominada<br />
Poaceae. Essa família é constituída<br />
por muitas espécies, entre elas<br />
algumas das principais espécies agrícolas<br />
como milho, arroz, trigo, sorgo,<br />
cevada, centeio e aveia (cereais).<br />
Além das variações fenotípicas e<br />
genotípicas existentes entre os cereais,<br />
há muitas variações na estrutura<br />
desses genomas. A variação pode<br />
ser no número de cromossomos, no<br />
nível de ploidia e no tamanho do<br />
genoma - estimado em pares de
Figura 2 – Sintenia entre os genomas do arroz, milho, cevada e trigo. As informações<br />
provenientes do genoma menor podem ser utilizadas para guiar ações no sentido de<br />
localizar, mapear e clonar genes em genomas maiores. Os pontos em amarelo<br />
indicam o posicionamento de alguns genes e os números indicam o cromossomo<br />
(Modificado de GALE & DEVOS, 1998).<br />
bases (pb), podendo existir genomas<br />
muito grandes como o genoma do<br />
trigo, com cerca de 16 bilhões de<br />
bases, como também pode ocorrer<br />
genomas muito pequenos, como é o<br />
caso do do arroz, com cerca de 430<br />
milhões de bases. A estratégia atual<br />
está sendo estudar e caracterizar os<br />
sistemas gênicos em genomas pequenos<br />
(arabidopsis e arroz) e, considerando<br />
a sintenia existente, inferir<br />
sobre os genomas grandes (milho<br />
– 2 500 Mpb, trigo – 16 000 Mpb e<br />
cevada - 4 800 Mpb, por exemplo).<br />
Características de um<br />
Genoma Modelo<br />
A presença de determinadas características<br />
numa espécie pode<br />
torná-la altamente atraente para a<br />
ciência. Sob esse enfoque, as características<br />
mais atraentes numa espécie<br />
vegetal, as quais poderão contribuir<br />
para que ela se torne um modelo,<br />
estão relacionadas com a duração<br />
do ciclo, com o número de<br />
sementes produzidas, com o tamanho<br />
do seu genoma, com a capacidade<br />
de multiplicação em diferentes<br />
ambientes, com a facilidade de manipulação<br />
da polinização (direcionamento<br />
de cruzamentos), com a<br />
capacidade de cultivo in vitro e com<br />
a disponibilidade de informações já<br />
existentes (banco de dados para a<br />
espécie). Essas características geralmente<br />
definem a facilidade de se<br />
obterem resultados, bem como o<br />
seu volume e sua qualidade. A primeira<br />
espécie vegetal utilizada como<br />
modelo para estudos genéticos foi a<br />
ervilha (Pisum sativum L.), quando<br />
Gregor Mendel publicou os resultados<br />
dos primeiros estudos genéticos,<br />
no ano de 1865. É lógico que<br />
naquela época Mendel não considerou<br />
os critérios utilizados atualmente,<br />
mas certamente escolheu a ervilha<br />
pela familiaridade que ele tinha<br />
com o cultivo daquela espécie. Embora<br />
as leis de Mendel não tenham<br />
sido validadas até o seu redescobrimento,<br />
no início do século XX, cons-<br />
tituíram a base científica dos estudos<br />
realizados até hoje. Na história<br />
recente da Biologia de Plantas, uma<br />
outra espécie apresentava muitas<br />
características atraentes e surgia<br />
como modelo entre as dicotiledôneas;<br />
tratava-se da Arabidopsis<br />
thaliana. Essa espécie vegetal é<br />
membro da família Brassicaceae, a<br />
qual inclui espécies cultivadas como<br />
o repolho, o rabanete e a canola.<br />
Embora a arabidopsis não possua<br />
importância agronômica, essa espécie<br />
apresenta vantagens importantes<br />
para a pesquisa básica em genética<br />
e biologia molecular. Além disso,<br />
ou como conseqüência disso,<br />
essa espécie possui o maior volume<br />
de informação disponível dentre todos<br />
os vegetais. No entanto, o modelo<br />
genético Arabidopsis thaliana<br />
limitava-se principalmente ao sistema<br />
genético das dicotiledôneas,<br />
quando um complemento para as<br />
monocotiledôneas começou a ser<br />
procurado. Nos últimos anos, está<br />
sendo dispensada muita atenção a<br />
uma outra espécie, o arroz (Oryza<br />
sativa L.), por ele possuir também<br />
bons atributos para se tornar um<br />
modelo genético vegetal. Embora<br />
seu genoma seja pouco maior, cerca<br />
de três vezes maior que o genoma<br />
de Arabidopsis thaliana L., ainda<br />
assim é cerca de 40 vezes menor do<br />
que o genoma do trigo (Triticum<br />
aestivum L.). Entretanto, a estratégia<br />
de direcionar os esforços para<br />
tornar o arroz um genoma modelo<br />
está alicerçada no interesse de se<br />
obter um modelo entre as gramíneas,<br />
principalmente aquelas produtoras<br />
de grãos, pois, praticamente, todas<br />
as ações dos programas de melhoramento<br />
de plantas estão voltadas para<br />
produtividade, resistência a moléstias<br />
e adaptabilidade. Outro fator<br />
fundamental no interesse de tornar<br />
o arroz um genoma modelo é a<br />
existência de sintenia ou colinearidade<br />
entre os genomas dessa família.<br />
Atividades voltadas para a identificação<br />
e a clonagem de genes com<br />
a utilização de genomas modelos,<br />
como o arroz, são bem mais eficientes<br />
do que em genomas grandes.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 47
Portanto, atualmente a estratégia<br />
mais racional será estudar o arroz,<br />
identificar, clonar e caracterizar seus<br />
genes e, quando tudo estiver<br />
mensurado, atingir os genomas mais<br />
complexos, como os do trigo e do<br />
milho. Dessa forma, os programas de<br />
melhoramento de plantas poderão<br />
aumentar em muito sua eficiência.<br />
A particularidade que o arroz<br />
possui, de ser cultivado sob irrigação<br />
por inundação (várzeas) e sequeiro<br />
(terras altas), também torna essa espécie<br />
modelo para o entendimento<br />
dos mecanismos que controlam a adaptabilidade<br />
das plantas. O Centro de<br />
Genômica e Fitomelhoramento (CGF)<br />
da UFPel está buscando, mediante a<br />
utilização de tecnologias modernas, o<br />
entendimento do sistema de raízes do<br />
arroz (modelo genético). A identificação<br />
de mecanismos morfofisiológicos<br />
e os respectivos controles genéticos<br />
permitirão a identificação e a clonagem<br />
dos genes envolvidos. A sintenia e a<br />
utilização de ferramentas genômicas<br />
adequadas conduzirão à rápida utilização<br />
desse conhecimento para o desenvolvimento<br />
e lançamento de<br />
genótipos superiores, de diversas espécies<br />
que poderão ser adaptadas aos<br />
solos encharcados do sul do Brasil.<br />
Seqüenciamento de<br />
Genomas<br />
Os primeiros passos para o seqüenciamento<br />
de DNA foram dados<br />
por Sanger, em 1977, com o desenvolvimento<br />
do método de seqüenciamento<br />
manual conhecido também<br />
como método da cadeia interrompida.<br />
Hoje o método de Sanger baseiase<br />
na amplificação, por PCR, de fragmentos<br />
de DNA clonados previamente<br />
dentro de vetores conhecidos. Dessa<br />
forma, oligonucleotídeos iniciadores<br />
(primers), complementares à seqüência<br />
do vetor, são utilizados para<br />
amplificar o inserto do DNA a ser<br />
seqüenciado. A metodologia foi chamada<br />
de “cadeia interrompida” em<br />
função de que são utilizados dNTPs<br />
(deoxi-Nucleotídeos Trifosfatos) modificados,<br />
os ddNTPs (dideoxi-Nucleotídeos<br />
Trifosfatos), os quais, quando<br />
incorporados pela enzima Taq polimerase<br />
(a enzima que amplifica o<br />
DNA), não permitem a inclusão do<br />
nucleotídeo seguinte por não apresentarem<br />
a hidroxila no carbono 3 da<br />
dideoxi-ribose do nucleotídeo<br />
terminador. Portanto, a síntese da<br />
molécula de DNA pára nesse ponto<br />
(Figura 3).<br />
Pelo método de Sanger, o processo<br />
de seqüenciamento é realizado<br />
em quatro reações independentes.<br />
Em cada uma delas é adicionado um<br />
ddNTP diferente (ddATP, ddCTP,<br />
ddGTP e ddTTP), geralmente marcados<br />
radiativamente com 32 P. Na cópia<br />
de cada fita de DNA, a partir do<br />
molde, as moléculas são sintetizadas<br />
até que incorporem o nucleotídeo<br />
terminador (ddNTP). O acúmulo de<br />
moléculas terminadas numa mesma<br />
base possibilita sua visualização no<br />
gel. A geração aleatória de moléculas<br />
terminadas nas bases distintas de uma<br />
fita molde de DNA permitirá o estabelecimento<br />
da seqüência de nucleotídeos<br />
do referido molde. A leitura da<br />
seqüência de bases é realizada mediante<br />
a separação, num gel de poliacrilamida<br />
de alta resolução, dos fragmentos<br />
amplificados por PCR. Nesse<br />
tipo de técnica, é possível identificar<br />
cerca de 200 a 300 nucleotídeos. A<br />
Figura 3 apresenta um esquema sintetizado<br />
dessa metodologia.<br />
48 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Figura 3 – Esquema representativo do método de seqüenciamento desenvolvido por<br />
Sanger (A) e do método de seqüenciamento automatizado (B). Consulte o texto para<br />
conferir os detalhes de cada método.<br />
Na última década, o surgimento<br />
dos seqüenciadores automáticos, aliado<br />
à elevada capacidade de processar<br />
informações que a informática<br />
proporcionou, revolucionou a<br />
genômica, dando origem a bioinformática.<br />
O seqüenciamento automático<br />
mantém o mesmo princípio do<br />
método de seqüenciamento manual<br />
proposto por Sanger, mas a possibilidade<br />
de utilizar ddNTPs marcados<br />
fluorescentemente com cores distintas<br />
para cada um deles (ddCTP,<br />
ddGTP, ddATP e ddTTP) permitiu<br />
automatizar o processo (veja Figura<br />
3). Outra grande vantagem do seqüenciamento<br />
automático é a incorporação<br />
de metodologias laser e programas<br />
computacionais que fazem a<br />
leitura dos resultados. As moléculas<br />
fluorescentes utilizadas nos ddNTPs,<br />
quando sensibilizadas pelo laser, emitem<br />
um comprimento de onda, que é<br />
capturada por uma câmera acoplada<br />
ao seqüenciador. A informação é processada<br />
e transformada em seqüências<br />
nucleotídicas por softwares adequados.<br />
Devido à baixa capacidade de<br />
produção proporcionada pelo método<br />
de Sanger, as primeiras seqüências<br />
nucleotídicas foram geradas para estudos<br />
pontuais, como o estabelecimento<br />
da seqüência de alguns genes<br />
e de pequenas regiões cromossômi-
Figura 4 – Detalhes de um exemplar de<br />
Arabidopsis thaliana L. cultivado em<br />
laboratório. Cortesia Dra. M. E. Alvarez.<br />
CIQUIB – CONICET, Universidad Nacional<br />
de Córdoba – Argentina.<br />
cas. À medida que foram desenvolvidos<br />
os seqüenciadores de nucleotídeos<br />
automatizados, a capacidade de<br />
produção de seqüências foi aumentada<br />
muito rapidamente. Em função<br />
disso, surgiram, mediante a associação<br />
de grupos de pesquisa, várias<br />
iniciativas voltadas para o seqüenciamento<br />
de alguns genomas. Os primeiros<br />
esforços foram direcionados para<br />
alguns microorganismos e, em seguida,<br />
para a Arabidopsis thaliana (The<br />
Arabidopsis Genome Initiative*, 2000)<br />
e para a Drosophila melanogaster<br />
(ADAMS et al., 2000), dois organismos<br />
utilizados como modelo na biologia.<br />
Na seqüência, apresentaremos o<br />
que já foi realizado com o intuito de<br />
gerar informações genéticas das principais<br />
espécies, com vistas ao melhoramento<br />
vegetal.<br />
Arabidopsis thaliana - o<br />
genoma da Arabidopis (125 milhões<br />
de nucleotídeos – 125 Mpb) foi<br />
seqüenciado por uma associação internacional<br />
de pesquisadores cha-<br />
Figura 5 – Esquema representativo das principais etapas na geração de bibliotecas<br />
de seqüenciamento. A – Para seqüenciamento estrutural via construção de biblioteca<br />
BAC (Bacterial Artificial Chromosomes). 1 – DNA genômico; 2 – Alinhamento de<br />
fragmentos de 100 a 200 kb em mapa físico (Biblioteca BAC); 3 – Fragmentação<br />
individual dos BACs; 4 – Subclonagem de fragmentos entre 2 e 5 kb. B – Para<br />
seqüenciamento de ESTs (Expressed sequence tags) ou do transcriptoma. 1 – Extração<br />
de RNA mensageiro; 2 – Síntese reversa utilizando RT-PCR; 3 – Síntese de cDNA dupla<br />
fita; 4 – Clonagem dos cDNAs.<br />
mada de Iniciativa Genoma da Arabidopsis<br />
(The Arabidopsis Genome<br />
Initiative * , 2000). A seqüência, o mapa<br />
e as anotações disponíveis atualmente<br />
são resultado de esforços conjuntos<br />
do TIGR (The Institute for<br />
Genomic Research), MIPS (Munich<br />
Information Center for Protein<br />
Sequences) e TAIR (The Arabidopsis<br />
Information resource). Veja uma foto<br />
dessa espécie vegetal observando a<br />
Figura 4.<br />
Arroz (Oryza sativa L.) – Foram<br />
empregados esforços públicos e<br />
privados para seqüenciar essa espécie.<br />
O primeiro esforço privado foi<br />
realizado pela Monsanto (PENNISI,<br />
2000). Mais tarde, os resultados gerados<br />
seriam somados aos resultados do<br />
IRGSP (International Rice Genome<br />
Sequencing Project). O segundo esforço<br />
privado, uma associação entre<br />
duas empresas, a Myriad Genetics e a<br />
Syngenta, utilizou o método whole<br />
genome shotgun, e não acrescentou<br />
resultados significativos ao conjunto<br />
de dados disponibilizados pelos outros<br />
projetos (GOFF et al., 2002).<br />
Foram implementados também dois<br />
esforços públicos para o seqüenciamento<br />
do arroz. O primeiro deles, o<br />
Projeto Internacional de Seqüenciamento<br />
do Genoma do Arroz (IRGSP –<br />
International Rice Genome Sequencing<br />
Project), teve como objetivo seqüenciar<br />
a subespécie japonica. Essa associação<br />
teve início no ano de 1997, em<br />
uma reunião do Simpósio Internacional<br />
de Biologia Molecular de Plantas<br />
realizado em Singapura. Naquela ocasião,<br />
o objetivo da comunidade científica<br />
era socorrer o idealizador do<br />
projeto de seqüenciamento estrutural<br />
do arroz, o RGP (Rice Genome Project)<br />
do Japão. O segundo esforço público<br />
foi liderado pela Academia Chinesa<br />
de <strong>Ciência</strong>s (Chinese Academy of<br />
Sciences) de Beijing, China. Esse projeto<br />
iniciou-se em abril de 2000 e, dois<br />
anos mais tarde, seus resultados foram<br />
publicados pela revista Science<br />
(YU et al., 2002). A grande distinção<br />
estabelecida entre as subespécies<br />
seqüenciadas por esses dois esforços<br />
públicos foi em relação à importância<br />
econômica e geográfica que elas apresentam.<br />
A subespécie seqüenciada<br />
pelo grupo liderado pelos japoneses,<br />
spp japonica, é amplamente cultivada<br />
no Japão, nos Estados Unidos, na<br />
Coréia do Sul e em parte da China. Por<br />
outro lado, a subespécie seqüenciada<br />
pelos chineses, spp indica, é bastante<br />
cultivada na China e no Sudeste Asiático,<br />
bem como no Sul do Brasil. Além<br />
disso, as estratégias de seqüenciamento<br />
utilizadas pelos dois grupos<br />
foram distintas; enquanto o grupo dos<br />
chineses focava a anotação de genes,<br />
pois utilizou a estratégia whole genome<br />
shotgun, o grupo liderado pelo RGP<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 49
Figura 6 – Detalhes de uma lavoura de<br />
arroz irrigado do cultivar BRS 7 “Taim”.<br />
Cortesia Prof. Silmar Peske.<br />
Figura 7 – Detalhes de uma lavoura de<br />
trigo (Triticum aestivum). Cortesia Prof.<br />
Silmar Peske.<br />
focou, além da anotação dos genes, a<br />
geração de informações precisas ao<br />
nível de estruturação e organização<br />
do genoma, pois utilizou a técnica de<br />
seqüenciamento estrutural via construção<br />
de bibliotecas BAC (Bacterial<br />
Artificial Chromosomes) (Figura 5 A).<br />
Veja uma foto dessa espécie vegetal<br />
observando a Figura 6.<br />
Trigo (Triticum aestivum) –<br />
os esforços para determinar a seqüência<br />
de nucleotídeos do trigo<br />
depararam-se com duas grandes barreiras.<br />
A primeira delas se refere ao<br />
tamanho do genoma, que é, aproximadamente,<br />
de 16 bilhões de nucleotídeos<br />
(16.000 Mpb) - cerca de 40<br />
vezes maior que o genoma do arroz.<br />
A segunda delas é que o seu genoma<br />
é diferente do do arroz e da<br />
arabidopsis, ambos diplóides, enquanto<br />
o trigo é hexaplóide. Esses<br />
impedimentos impuseram uma estratégia<br />
preliminar para que fossem<br />
determinadas as seqüências transcritas:<br />
o transcriptoma (bibliotecas<br />
de cDNA) de diferentes estádios do<br />
desenvolvimento da planta (Figura<br />
5 B) Portanto, considerando a estrutura<br />
e o tamanho do genoma do<br />
trigo essa ação é mais lógica do que<br />
pensar num inexeqüível projeto de<br />
seqüenciamento estrutural dessa espécie.<br />
De uma forma geral, a estratégia<br />
visa a gerar seqüências nucleotídicas<br />
dos genes transcritos em<br />
determinados estádios de desenvolvimento<br />
ou sob determinados<br />
estresses do ambiente. O esboço de<br />
uma associação internacional voltada<br />
para a geração dessas informações<br />
começou a ser definido em<br />
1998, com a criação de uma ação<br />
Internacional Cooperativa para a produção<br />
de ESTs (Expressed Sequence<br />
Tags) de trigo. Atualmente, as ações<br />
50 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Figura 8 - Detalhes de uma lavoura de cevada (Hordeum vulgare), safra 2003, da<br />
Linhagem CEV 97043 da propriedade do Produtor Adelar Crespi.<br />
com a intenção de determinar a<br />
posição no mapa dos transcritos são<br />
coordenadas pelo International<br />
Triticeae Mapping Initiative. Os principais<br />
esforços para a criação de<br />
uma coleção de ESTs representativos<br />
do trigo estão sendo liderados<br />
pelos EUA (U. S. Wheat Genome<br />
Project), pelo Canadá (AAFC –<br />
Agriculture and Agri-Food Canada)<br />
e pela Inglaterra (BBSRC –<br />
Biotechnology and Biological<br />
Sciences Research Council). Veja uma<br />
foto dessa espécie vegetal observando<br />
a Figura 7.<br />
Cevada (Hordeum vulgare) –<br />
os esforços para determinar a seqüência<br />
de nucleotídeos da cevada<br />
também sofrem impedimentos devido<br />
ao tamanho do seu genoma ~ 4,8<br />
bilhões de nucleotídeos (4800 Mpb).<br />
O primeiro passo para contornar esse<br />
impedimento foi a produção de mapas<br />
físicos do genoma da cevada com<br />
alta densidade de marcadores; isso<br />
proporcionará a realização de comparações<br />
com o genoma do arroz. O<br />
próximo passo será a criação do<br />
transcriptoma da espécie. Essas decisões<br />
estão sendo implementadas em<br />
um esforço combinado entre cientistas<br />
da América do Norte (North<br />
American Barley Genome Mapping
Figura 9 – Detalhes de uma lavoura de milho (Zea mays) e de espigas maduras<br />
(direita inferior). Cortesia Prof. Silmar Peske.<br />
Project, USA e North American Barley<br />
Genome Mapping Project, Canadá) e<br />
da Europa (Plant Genome Resource<br />
Centre, Alemanha e Scottish Crop<br />
Research Institute, Inglaterra), para<br />
criar uma biblioteca de ESTs<br />
(Expressed Sequence Tags) o mais<br />
completa possível (Figura 5 B). Veja<br />
uma foto dessa espécie vegetal observando<br />
a Figura 8.<br />
Milho (Zea mays) – a principal<br />
iniciativa para seqüenciamento do<br />
genoma do milho foi anunciada em<br />
setembro de 2002 pelo NFS (National<br />
Science Foundation) dos Estados<br />
Unidos. No entanto, há muito tempo<br />
os geneticistas da área do milho<br />
buscavam somar esforços com esse<br />
objetivo (BENNETZEN et al., 2001).<br />
Quatro fatores contribuíram para que<br />
essa iniciativa fosse retardada até<br />
2002. Primeiro, os avanços na<br />
tecnologia de seqüenciamento reduziram<br />
consideravelmente o custo<br />
em comparação com o passado. Segundo,<br />
novas metodologias de<br />
fingerprinting, de alta resolução e<br />
produção, permitiram aumentar a<br />
eficiência na seleção de clones para<br />
o seqüenciamento, reduzindo ao mínimo<br />
a sobreposição de regiões<br />
seqüenciadas. Terceiro, foram desenvolvidas<br />
novas metodologias para<br />
preparar frações do genoma do milho<br />
ricas em genes (YUAN et al.,<br />
2002). Quarto, análises comparativas<br />
do milho com o arroz (Oryza<br />
sativa) ou Arabidopsis sugerem que<br />
a seqüência do genoma dessas duas<br />
espécies não serão suficientes para<br />
entender detalhadamente o conteúdo<br />
de genes do milho e sua expressão<br />
(BENNETZEN et. al., 2001;<br />
CHANDLER & BRENDEL, 2002).<br />
Além disso, algumas características<br />
no genoma do milho sempre dificultaram<br />
a implementação de projetos<br />
de seqüenciamento da espécie. Destaca-se<br />
a existência de várias<br />
subespécies importantes (Zea mays<br />
spp. Huehuetenangensis, Zea mays<br />
spp. mays (mayze), Zea mays spp.<br />
mexicana (teosinto), e Zea mays<br />
spp. Parviglumis); o elevado conteúdo<br />
de DNA repetitivo (regiões<br />
duplicadas) presente no genoma do<br />
milho (HELENTJARIS, 1995) e o tamanho<br />
do seu genoma, cerca de<br />
2500 Mpb.<br />
Da mesma forma que está ocorrendo<br />
na geração de seqüências<br />
nucleotídicas da cevada e do trigo, o<br />
foco para o milho também será a<br />
geração de seqüências dos genes (o<br />
transcriptoma). As interações do sistema<br />
gênico poderão ser obtidas em<br />
genomas como o arroz, principalmente<br />
devido à ocorrência da<br />
sintenia entre os cereais. Veja uma<br />
foto dessa espécie vegetal observando<br />
a Figura 9.<br />
Reflexos da Tecnologia na<br />
Produção de Cereais<br />
Os grandes avanços na produção<br />
mundial de grãos, gerados a<br />
partir de meados do século passado,<br />
são decorrentes de uma contribuição<br />
decisiva do melhoramento clássico<br />
de plantas (BORLAUG, 1983). Ao<br />
contrário do que alguns entusiastas<br />
esperavam, as grandes expectativas<br />
decorrentes das inovações científicas<br />
dos últimos 30 anos não se refletiram<br />
em significativos incrementos na produção<br />
de grãos. Para que as<br />
tecnologias moleculares possam render<br />
os resultados esperados, algumas<br />
barreiras precisam ser superadas.<br />
A principal delas diz respeito à<br />
mudança de cultura nos programas<br />
de melhoramento de plantas, sendo<br />
necessário selecionar genes ao invés<br />
de selecionar plantas (KOORNNEEF<br />
& STAM, 2001). Superadas as barreiras<br />
culturais, a eficiência na implementação<br />
de ferramentas moleculares<br />
em programas de melhoramento<br />
de plantas poderá ser incrementada<br />
mediante a automatização dos processos<br />
de extração de DNA, a geração<br />
de um maior número de seqüências<br />
ligadas (marcadores) a caracteres<br />
de importância agronômica e o barateamento<br />
dos equipamentos e<br />
insumos utilizados. O treinamento<br />
de novos melhoristas também deverá<br />
merecer atenção especial, pois,<br />
além da sólida formação em melhoramento<br />
clássico e em estatística, é<br />
recomendado que esses profissionais<br />
sejam treinados em genética<br />
molecular e técnicas moleculares<br />
aplicadas ao melhoramento de plantas.<br />
Principalmente por que é através<br />
desses novos profissionais que os<br />
programas de melhoramento clássicos<br />
poderão incorporar as novas ferramentas<br />
da biologia molecular.<br />
O setor de melhoramento de<br />
plantas também necessita se articular<br />
para melhorar a capacidade de<br />
processamento das informações já<br />
disponíveis, principalmente aquelas<br />
decorrentes dos diferentes projetos<br />
de seqüenciamento de genomas.<br />
Atualmente, dois fatores contribu-<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 51
em para que as informações disponíveis<br />
não sejam aplicadas rotineiramente.<br />
A primeira delas é que há<br />
carência de bons sistemas de<br />
informática capazes de trocar informações<br />
com os bancos de dados<br />
com a agilidade requerida; a segunda<br />
é que poucos profissionais estão<br />
habilitados a realizarem buscas e a<br />
fazerem comparações de seqüências<br />
através de computadores.<br />
Buscando alternativas para compor<br />
o sistema agrícola das várzeas do<br />
Sul do Brasil, sugerimos a implementação<br />
de ferramentas moleculares e<br />
de bons sistemas de informática para<br />
os programas de melhoramento locais.<br />
Essas ações devem estar voltadas<br />
para a: i) identificação de genes<br />
de tolerância a estresses abióticos em<br />
genomas “modelo” (arroz), com posterior<br />
caracterização em espécies de<br />
interesse (trigo, milho, cevada, sorgo,<br />
aveia e azevém); ii) caracterização<br />
molecular do germoplasma local; iii)<br />
identificação de “genes maiores”, responsáveis<br />
pela adaptação do arroz<br />
ao encharcamento; e, iv) criação de<br />
um banco de mutantes para o sistema<br />
de raízes.<br />
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_______________________________________<br />
* A autoria deste trabalho deverá ser “The Arabidopsis Genome Iniative”. Uma lista completa dos colaboradores aparece no final do artigo original<br />
(Nature, 408: 796-815).
Pesquisa<br />
Paulo Henrique Machniewicz<br />
Biólogo - Faculdades Integradas “Esprírita”<br />
Especialista em Genética Humana PUC-PR,<br />
Responsável pelos laboratórios de Genética,<br />
Imunologia e Microbiologia do Centro Universitário<br />
Campos de Andrade - UniAndrade - Curitiba-PR<br />
paulo.mach@bol.com.br<br />
Fábio Rueda Faucz, Dr<br />
Biologo - UFPR<br />
Mestrado em <strong>Ciência</strong>s Biológicas - UFPR<br />
Doutorado em Genética - UFPR<br />
Professor adjunto - PUC-PR<br />
Professor Titular - UNICEMP-PR<br />
fabiogenetica@yahoo.com<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Associação de mutações nos<br />
genes BRCA1 e BRCA2<br />
Associação de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 causadoras do câncer de mama hereditário<br />
Resumo<br />
Cerca de 10% dos cânceres de<br />
mama podem ser associados a mutações<br />
na linhagem germinativa. Em<br />
1990, foi identificado, no cromossomo<br />
17, o gene BRCA1, composto de<br />
24 exons e codifica para uma proteína<br />
de 1.863 aminoácidos. Mutações neste<br />
gene são responsáveis por metade<br />
de todos os casos familiares de câncer<br />
de mama. Já em 1995, identificaram o<br />
BRCA2, com 27 exons, codificando<br />
para uma proteína de 3.350 aminoácidos.<br />
Este gene encontra-se no cromossomo<br />
13. Mutações neste gene<br />
são responsáveis por cerca de 35%<br />
dos casos familiares precoces de câncer<br />
de mama. Estes dois genes, associados<br />
a outras proteínas, desencadeiam<br />
a doença que mais mata mulheres.<br />
No Brasil, registram-se cerca de 35.000<br />
novos casos de câncer de mama por<br />
ano. O câncer representa uma proliferação<br />
maligna das células ou lóbulos<br />
epiteliais que revestem os ductos<br />
ou lóbulos da mama. O câncer feminino<br />
é raramente encontrado antes dos<br />
25 anos de idade, exceto em casos<br />
hereditários. A transmissão hereditária<br />
de câncer de mama segue o clássico<br />
padrão mendeliano de transmissão<br />
autossômica dominante, com 50% das<br />
crianças de carreadoras, herdando mutações<br />
BRCA1. As portadoras femininas<br />
de mutações são estimadas a<br />
terem um risco de 85% de desenvolvimento<br />
de câncer de mama e ovário,<br />
com maior incidência de câncer bilateral<br />
e mais de 50% dos cânceres de<br />
mama, ocorrendo, antes dos 50 anos.<br />
A prevalência de mutações de BRCA1<br />
e BRCA2 é ocasionalmente mais alta<br />
que o esperado, devido à transmissão<br />
aumentada de algumas mutações, em<br />
certas populações, devido ao efeito<br />
do fundador. A população de Judeus<br />
Askenazi é a que representa um exemplo<br />
claro de mutações, devido ao<br />
efeito do fundador, por cultivarem<br />
suas tradições de união restrita. Por<br />
conseqüência, as mutações encontradas<br />
nesta população são iguais em<br />
inúmeros países para onde migraram.<br />
Outras populações, como Espanhóis,<br />
Indianos, Paquista-neses, Russos e até<br />
tribos Aborígines do Canadá, também<br />
apresentam algumas mutações que<br />
são mais freqüentes e que podem ser<br />
atribuídas ao efeito do fundador.<br />
1. Introdução<br />
O nosso organismo é constituído<br />
por trilhões de células, que se reproduzem<br />
pelo processo de divisão celular.<br />
Este é um processo ordenado e<br />
controlado, responsável pela formação,<br />
crescimento e regeneração de<br />
tecidos saudáveis do corpo. Algumas<br />
vezes, no entanto, as células perdem<br />
a capacidade de limitar e comandar<br />
seu próprio crescimento, passando,<br />
então, a se multiplicarem muito rapidamente<br />
e de maneira aleatória e<br />
desordenada, formando nódulos.<br />
O câncer surge por causa de<br />
alterações no DNA, que resulta na<br />
proliferação incontrolável de células.<br />
A maioria dessas alterações envolve<br />
modificações seqüenciais reais<br />
de DNA. Elas podem surgir como<br />
conseqüência de erros de replicação<br />
aleatórios, exposição a carcinógenos,<br />
ou processos defeituosos de reparo<br />
do DNA.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 53
As lesões da mama limitam-se,<br />
predominantemente, ao sexo feminino<br />
por possuir uma estrutura mamária<br />
mais complexa, volume mamário<br />
maior e extrema sensibilidade<br />
às influências endócrinas predispõem<br />
esse órgão a diversas condições<br />
patológicas (COTRAN, KUMAR,<br />
COLLINS, 2001).<br />
As neoplasias constituem as lesões<br />
mais importantes da mama feminina,<br />
apesar de não serem as mais<br />
comuns. Elas podem surgir a partir<br />
de epitélio escamoso, estruturas glandulares<br />
e tecido conjuntivo.<br />
Existem três grupos de influências<br />
importantes no câncer de mama:<br />
• Fatores genéticos;<br />
• Influências hormonais;<br />
• Fatores ambientais.<br />
No Brasil, registram-se 35.000<br />
novos casos de câncer de mama por<br />
ano, 11.000 deles, só no Estado de São<br />
Paulo. Fatores de risco de câncer na<br />
família, alimentação rica em gorduras,<br />
início precoce da menstruação, menopausa<br />
tardia, 1ª gestação após os 30<br />
anos e o fato de a mulher nunca ter<br />
engravidado são alguns dos fatores<br />
que influenciam para desenvolver um<br />
tumor maligno na mama.<br />
O câncer de mama representa<br />
uma proliferação maligna das células<br />
epiteliais que revestem os ductos<br />
ou lóbulos da mama. É considerado<br />
o mais comum em mulheres, podendo<br />
existir por um longo período,<br />
como doença não-invasiva ou<br />
invasiva, mas não-metástica. Este<br />
fato torna-se mais urgente a necessidade<br />
do diagnóstico precoce e da<br />
conduta apropriada.<br />
Cerca de 10% dos cânceres de<br />
mama podem ser associados a mutações<br />
na linhagem germinativa. Esta<br />
área tem sofrido uma elevação notável<br />
com a identificação de genes<br />
responsáveis por casos em famílias<br />
(BATES, HOCKELMAN, 1982 ).<br />
KING, et al. (1990), usou análise<br />
genética de ligação para identificar o<br />
gene BRCA1 localizado no cromossomo<br />
17q21. Ele é responsável por<br />
aproximadamente metade de todos<br />
os casos familiares precoces de câncer<br />
de mama, bem como pela maioria<br />
dos casos familiares de câncer de<br />
mama e ovário.<br />
SCHUTTE, et al. (1995), identificou<br />
um gene na região 13q12-q13,<br />
com seis mutações diferentes em famílias<br />
com câncer de mama e identificou<br />
como BRCA2. Mutações nesse gene<br />
são responsáveis por aproximadamente<br />
35% dos casos familiares precoces de<br />
câncer de mama. Estão ainda associados<br />
a um risco aumentado de câncer de<br />
mama e de próstata em homens, e de<br />
câncer ovariano e pancreático.<br />
Estes dois genes associados a<br />
outras proteínas desencadeiam a doença<br />
que mais mata mulheres.<br />
Para que se tenha uma avaliação<br />
precisa do risco de desenvolver um<br />
câncer é necessário que se obtenha<br />
uma história da paciente, uma<br />
genealogia do câncer precisa, onde é<br />
possível confirmar os tipos de cânceres<br />
através de documentos hospitalares<br />
e exames.<br />
Devido aos altos custos e dificuldades<br />
para testar mutações em<br />
BRCA1 e BRCA2, são realizadas provas<br />
nas mutações mais prováveis<br />
nas populações. Nas famílias de Judeus<br />
as três principais mutações de<br />
fundador mais freqüentes, 185 del<br />
AG, 5382 ins C em BRCA1 e 617 del<br />
T em BRCA2. Estas três mutações<br />
mais freqüentes respondem por mais<br />
de 90% da população. Quando uma<br />
mutação de fundador é encontrada,<br />
esta já é suficiente para autorizar a<br />
blindagem para todos as três mutações<br />
(BAST, et al 2000).<br />
2. Localização da mama<br />
A mama está localizada entre a<br />
2ª e a 6ª costela, entre a margem<br />
esternal e a linha medioaxilar. O<br />
tecido mamário possui três componentes<br />
principais:<br />
• Tecido glandular: é organizado<br />
em 12 a 20 lobos, onde cada<br />
qual termina num canal que se<br />
abre na superfície do mamilo.<br />
• O tecido glandular é sustentado<br />
por tecido fibroso, incluindo<br />
os ligamentos suspensórios que<br />
estão conectados tanto à pele<br />
quanto à fascia que fica por<br />
debaixo da mama.<br />
• A gordura circunda a mama e<br />
predomina tanto superficialmente,<br />
quanto na periferia<br />
(SPENCER, 1991).<br />
54 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Os vasos linfáticos de grande<br />
parte da mama drenam para a axila.<br />
A borda anterior da axila é formada<br />
pelos músculos peitorais; as bordas<br />
posteriores incluem o subescapular e<br />
o grande dorsal; a borda interna pelo<br />
quadril cortal e músculo denteado<br />
anterior; e a borda externa pela parte<br />
superior do braço.<br />
Os gânglios axilares na parte<br />
alta da axila, perto das costelas e do<br />
denteado anterior. Para dentro deles,<br />
drenam canais provenientes de três<br />
outros grupos de gânglios linfáticos:<br />
1. o grupo peitoral ou anterior;<br />
2. o grupo subescapular (posterior);<br />
3. o grupo lateral;<br />
Convém observar que nem todos<br />
os linfáticos da mama drenam<br />
para a axila. Dependendo da localização<br />
de uma lesão no seio, a disseminação<br />
pode se processar diretamente<br />
para os gânglios infraclaviculares,<br />
para dentro dos canais profundos<br />
existentes no interior do tórax ou<br />
do abdômen, e até para a mama<br />
oposta (BATESE, HOCKENAM, 1982).<br />
Na glândula mamária, os lobos<br />
possuem muitas subdivisões que<br />
são chamadas de lóbulos; estes terminam<br />
em dezenas de pequenos<br />
bulbos produtores de leite. Os lobos,<br />
lóbulos e bulbos são interligados<br />
por tubos finos denominados<br />
ductos. Estes ductos vão até o mamilo<br />
(papilo), localizado no centro<br />
da área escura da pele que se chama<br />
auréola.<br />
Somente com o início da gravidez<br />
é que a mama assume a<br />
maturação morfológica e atividade<br />
funcional completa. Após a cessação<br />
da lactação, os lóbulos regridem<br />
e sofrem atrofia, havendo uma redução<br />
notável no tamanho total da<br />
mama. A maioria das neoplasias<br />
mamárias não contém tecido<br />
adiposo e, em exames como a mamografia,<br />
elas aparecem como massas<br />
de maior densidade, contrastando<br />
com o estroma circundante.<br />
Por conseguinte, a mamografia é<br />
menos sensível em mulheres jovens,<br />
nas quais essas massas podem<br />
ser obscurecidas por tecido<br />
denso circundante (COTRAN,<br />
KUMAR, COLLINS, 2001).
3. Sinais visíveis de Câncer<br />
Mamário<br />
BATES, HOCKELMAN, (1982)<br />
descreveram alterações na mama que<br />
caracterizam um tumor, entre elas<br />
destacam-se:<br />
• Produção de fibrose, ou formação<br />
de tecido cicatricial;<br />
• Sinais de retração que incluem<br />
covas cutâneas, alterações<br />
nos contornos mamários e achatamento<br />
ou desvio do mamilo;<br />
• Aparecimento de nódulo ou<br />
endurecimento da mama ou embaixo<br />
do braço;<br />
• Mudanças no tamanho e ou<br />
formato da mama;<br />
• Alteração na coloração ou na<br />
sensibilidade da pele da mama<br />
ou da auréola;<br />
• Secreção contínua por um<br />
dos ductos;<br />
• Retração da pele da mama ou<br />
do mamilo;<br />
• Inchaço significativo ou<br />
distorção da pele.<br />
• As alterações no contorno<br />
são identificadas por inspeção<br />
cuidadosa das superfícies normalmente<br />
convexas das mamas<br />
e comparando uma mama<br />
com a outra.<br />
• Edema de pele, produzindo<br />
por bloqueio linfático.<br />
4. Classificação dos tipos<br />
de Câncer de Mama<br />
O câncer de mama é subdividido<br />
em dois grandes grupos:<br />
• Carcinomas: que podem ser<br />
diferenciados em câncer lobular<br />
onde começa nos bulbos (pequenos<br />
sacos que produzem<br />
leite); ou câncer dos ductal,<br />
que se formam nos ductos que<br />
levam o leite dos lóbulos para o<br />
mamilo (papila).<br />
• Sarcomas: formam-se nos<br />
tecidos conjuntivos, onde é mais<br />
comum o câncer se dissipar<br />
para outras partes do corpo.<br />
O carcinoma é o mais comum.<br />
Ele é mais comumente encontrado e<br />
diagnosticado na mama esquerda do<br />
que na mama direita.<br />
Os cânceres são bilatérias ou<br />
seqüenciais na mesma mama em 4%<br />
ou mais dos casos. Entre os carcinomas<br />
de mama pequenos o suficiente para<br />
identificar sua área de origem, cerca de<br />
50% surgem no quadrante superior<br />
externo, 10% em cada um dos<br />
quadrantes restantes e cerca de 20% na<br />
região central ou subareolar, o local de<br />
origem influência de modo considerável<br />
o padrão de metástase linfonodal.<br />
Os carcinomas são divididos em<br />
carcinomas não–inflitrantes ou in situ<br />
e carcinomas inflitrantes.<br />
♦ Carcinomas in situ:<br />
• Carcinoma ductal in situ;<br />
• Carcinoma lobular in situ;<br />
♦ Carcinomas Invasivos (infiltrante):<br />
• Carcinoma ductal infiltrante<br />
sem tipo específico;<br />
• Carcinoma lobular invasivo<br />
ou infiltrante;<br />
• Carcinoma medular;<br />
• Carcinoma colóide;<br />
• Carcinoma tubular;<br />
• Carcinoma papilar invasivo.<br />
5. Estágios de<br />
desenvolvimento do<br />
Câncer de Mama<br />
Os diferentes tipos de câncer de<br />
mama, quando são diagnosticados e<br />
confirmados com exame laboratorial,<br />
são classificados conforme o seu tamanho<br />
e presença de metástases nos<br />
linfonodos e a distância. Esta classificação<br />
foi criada para que o médico<br />
possa saber indicar qual o tratamento<br />
mais adequado para o paciente (<br />
HARRISON, et al. 1998 ).<br />
• TX: tumor primário que não<br />
pode ser demonstrado.<br />
• T0: não existe evidência de<br />
tumor primário.<br />
• TIS carcinoma in situ: carcinoma<br />
intraductal e carcinoma<br />
lobular in situ.<br />
• T1: tumor de até 2 cm.<br />
• T1a: tumor de até 0,5 cm.<br />
• T1b: tumor 0,5 > 1 cm.<br />
• T1c: tumor 1cm > 2 cm.<br />
• T2: tumor com mais de 2 cm<br />
e menos de 5 cm.<br />
• T3: tumor com mais de 5 cm.<br />
• T4: tumor de qualquer tamanho<br />
com possível extensão direta<br />
a parede do tórax.<br />
• T4a: extensão a parede do<br />
tórax.<br />
• T4b: edema, ou ulceração, ou<br />
nódulos satélites na parede da<br />
mesma mama.<br />
• T4c: quando encontra-se T4a<br />
e T4b.<br />
• T4d: carcinoma inflamatório.<br />
Gânglios Linfáticos (N)<br />
• NX: quando não se pode afirmar<br />
o comprometimento dos gânglios.<br />
• N0: sem metástase em gânglios<br />
regionais.<br />
• N1: metástase em gânglios axilares<br />
unidos uns aos outros e a outras<br />
estruturas.<br />
• N3: metástase em gânglios linfáticos<br />
da mama interna.<br />
Classificação Patológica<br />
• PNX: quando não se pode<br />
excluir a presença de gânglios.<br />
• PN0: sem metástase em gânglios<br />
regionais.<br />
• PN1: metástase em gânglios<br />
regionais laterais móveis.<br />
• PN1a: somente micrometástases<br />
< 0,2 cm.<br />
• PN1b: metástase em gânglios<br />
maiores de 0,2 cm.<br />
• PN1b1: metástase de 1 a 3<br />
gânglios > 0,2 < 2 cm.<br />
• PN1b2: metástases de 4 ou<br />
mais gânglios > 0,2 a < 2 cm.<br />
• PN1b3: quando atravesa a<br />
parede do gânglio < 2 cm.<br />
• PN1b4: metástase a gânglios<br />
linfáticos de 2 cm ou massa e<br />
dimensão maior.<br />
• PN2: metástase em gânglios<br />
axilares unidos uns aos outros e<br />
a outras estruturas.<br />
• PN3: metástase em gânglios<br />
linfáticos da mama interna.<br />
Metástase a Distância (M)<br />
• MX: presença de metástase à<br />
distância, mas que não pode ser<br />
demonstrado.<br />
• M0: não há evidência de<br />
metástase à distância.<br />
• M1: presença de metástase<br />
supraclaviculares.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 55
São considerados cinco estágios<br />
de desenvolvimento de tumor segundo<br />
o Comitê Americano de Câncer.<br />
• Estágio 0:Carcinoma ductal in<br />
situ e carcinoma lobular in situ.<br />
Sem evidência de tumor nos<br />
linfonodos e metástase à distância.<br />
• Estágio 1: Quando o tumor<br />
tem até 2 cm , mas sem qualquer<br />
evidência de ter se espalhado<br />
pelos gânglios linfáticos<br />
próximos.<br />
• Estágio 2: Inclui tumores de<br />
até 2 cm, mas com envolvimento<br />
de gânglios linfáticos, ou,<br />
então, um tumor primário de<br />
até 5 cm, com linfonodos axilares<br />
afetados, porém móveis, sem<br />
metástase à distância, ou tumor<br />
com mais de 5 cm sem comprometimento<br />
linfonodal nem<br />
metástases distantes.<br />
• Estágio 3: Quando o tumor<br />
tem mais de 5 cm e há envolvimento<br />
dos gânglios linfáticos<br />
da axila do lado da mama afetada.<br />
• Estágio 4: Quando existem<br />
metástases distantes, como no<br />
fígado, ossos, pulmão, pele ou<br />
outras partes do corpo.<br />
6. Frequência e<br />
epidemiologia<br />
O câncer de mama feminino é<br />
raramente encontrado antes dos 25<br />
anos de idade, exceto em casos<br />
familiares. A idade habitual que se<br />
identifica gira em torno dos 30–80<br />
anos, sendo mais comum na meia<br />
idade e velhice.<br />
Encontra-se entre as doenças<br />
mais comuns e a que mais mata<br />
mulheres no Brasil. Dados do Instituto<br />
Nacional do Câncer –I NCA<br />
mostram que foram diagnosticados<br />
neste ano cerca de 30 mil casos<br />
novos e oito mil morreram por causa<br />
da doença.<br />
Este tipo de tumor foi considerado<br />
o 3º que mais mata no Brasil. A<br />
obtenção de uma história familiar<br />
constitui um fator de risco para desenvolvimento<br />
do câncer de mama; 5<br />
a 10% dos casos são atribuíveis á<br />
herança de um gene autossômico<br />
dominante.<br />
A probabilidade de herança genética<br />
aumenta se houver vários parentes<br />
afetados e se for constatada a<br />
ocorrência do câncer numa idade<br />
jovem.<br />
Dois genes são responsáveis pela<br />
maioria dos cânceres de mama hereditário:<br />
o BRCA1 e BRCA2.<br />
O BRCA1, localizado no cromos-somo<br />
17, quando mutante, é<br />
capaz de produzir alto risco (talvez<br />
até 85% ao longo da vida) de câncer<br />
de mama e também de câncer ovariano<br />
(talvez50% de risco ao longo da<br />
vida). Cerca de 1/500 mulheres carregam<br />
uma mutação BRCA1 na linhagem<br />
germinativa, com freqüência,<br />
dando origem a uma história familiar<br />
consistente. Homens com mutações<br />
BRCA1 podem ter um aumento modesto<br />
no risco de câncer de próstata.<br />
“... há uma série de heterogeneidade<br />
mutacional descrito para o<br />
BRCA1, como em geral é o caso nos<br />
distúrbios genéticos. Uma exceção são<br />
as populações Judia Askenazi, em<br />
que um de 100 indivíduos carregam<br />
uma deleção 2-pb particular a 185<br />
del AG no BRCA1.” 1<br />
Mutações em outro gene no cromossomo<br />
13, o BRCA2 também<br />
confere alto risco de câncer de mama,<br />
e um risco um pouco menor de<br />
câncer ovariano; em homens essas<br />
mutações também os tornam propensos<br />
ao desenvolvimento de câncer<br />
de mama.<br />
“Estima-se que a freqüência das<br />
Mutações BRCA 2 seja cerca da<br />
metade da freqüência do BRCA 1 .<br />
Cerca de 1% de Judeus Askenazi<br />
outra vez tem uma mutação comum<br />
há 6174 del T .” 2<br />
A incidência global do câncer de<br />
mama é menor em mulheres negras.<br />
As mulheres nesse grupo desenvolvem<br />
câncer com uma idade mais<br />
avançada e apresentam um aumento<br />
da taxa de mortalidade, em comparação<br />
com as caucasóides.<br />
Os Estados Unidos e a Europa<br />
Setentrional apresentam a maior incidência<br />
da doença.<br />
Tumores de mama associados<br />
ao BRCA1 são mais prováveis em<br />
mulheres com filhos, possuem uma<br />
56 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
fase S maior, e quantidade elevada<br />
de estrógeno e baixos receptores de<br />
progesterona.<br />
7. Hereditariedade<br />
A transmissão hereditária de câncer<br />
de mama segue o clássico padrão<br />
mendeliano de transmissão autossômica<br />
dominante, com 50% das crianças<br />
de carreadoras herdando mutações<br />
BRCA1.<br />
As portadoras femininas de mutações<br />
são estimadas a ter um risco<br />
de 85% de desenvolvimento de câncer<br />
de mama e/ou ovariano, com<br />
uma maior incidência de câncer bilateral<br />
e mais de 50% dos cânceres de<br />
mama ocorrendo antes dos 50 anos.<br />
(BIESECKER, et al. 1993).<br />
“... o câncer de mama genético<br />
incide, geralmente, em mulheres jovens,<br />
antes dos 50 anos de idade. A<br />
ocorrência de mais de 2 casos em<br />
uma família de mulheres jovens,<br />
com menos de 50 anos, sugere que<br />
existe a possibilidade de que seja um<br />
defeito genético na família. Além disso,<br />
estes tumores costumam ser bilaterais;<br />
é freqüente que surjam nas<br />
duas mama, ás vezes não ao mesmo<br />
tempo. A ocorrência de múltiplos casos<br />
em mulheres jovens de tumores<br />
bilaterais, chama a atenção para<br />
que esta seja pela falta de risco .<br />
Outro sinal se dá pelo fato de o câncer<br />
de mama estar associado, nestes casos<br />
genéticos, ao câncer de ovário. A<br />
incidência, em uma mesma família,<br />
de uma mutação genética que predisponha<br />
à ocorrência do câncer.<br />
Estes casos constituem, aproximadamente,<br />
de 6% a 10% dos casos genéticos<br />
de câncer de mama. De 90% a<br />
94% não temos uma história familiar.”<br />
3<br />
CROOP, et al (1990), constataram<br />
que mutações na linhagem germinativa<br />
do BRCA1 são responsáveis<br />
por 2% a 4% de todos os cânceres<br />
mamários. Embora mais que 90%<br />
deles sejam casos esorádicos ocorrendo<br />
em mulheres sem evidências<br />
de susceptibilidade hereditária, análises<br />
de espécies de tumores mamá-<br />
_________________________________________________________________<br />
1 COLLINS,Francis S. 1998.<br />
2 TRENT, Jeffrey M. 1998.<br />
3 <strong>Revista</strong> Hands <strong>nº</strong>3 , 2002.
ios sugerem que anormalidades<br />
somáticas adquiridas no BRCA1 possam<br />
também desempenhar um papel<br />
em muitos desses cânceres.<br />
8. Estudo de associação<br />
Os dois principais genes responsáveis<br />
pela transmissão hereditária do<br />
câncer de mama, o BRCA1 e BRCA2,<br />
codificam proteínas de 1.863 e 3.350<br />
aminoácidos, respectivamente (Anexo<br />
03). Ambos os genes são complexos<br />
formados por mais de 20 exons.<br />
O BRCA1 foi identificado no<br />
lócus 17q21. Este gene codifica uma<br />
proteína zíncica cujo produto pode,<br />
portanto, atuar como fator de transcrição.<br />
(FAUCI, et al 1998) descreveu<br />
que este gene possui 22 exons codificantes<br />
e 2 exons não-codificantes,<br />
estendendo-se por cerca de 100 kb<br />
de seqüência genômica. Seu produto<br />
é uma proteína de 1.863 aminoácidos.<br />
O BRCA2, localizado no cromos-somo<br />
13q12-q13, está associado<br />
com uma maior incidência de câncer<br />
da mama em homens do que em<br />
mulheres, (FAUCI, et al 1998). Este<br />
gene possui 27 exons dispersos por<br />
70 kb de DNA genômico, e seu transcrito<br />
estende-se por cerca de 10 à 12<br />
kb codificando para uma proteína de<br />
3.418 aminoácidos.<br />
Acredita-se que o BRCA1 e o<br />
BRCA2 se comportam como genes<br />
supressores de tumores clássicos, e<br />
que com a perda de uma cópia predispõem<br />
o portador ao desenvolvimento<br />
do câncer (BAST, et al. 2000).<br />
WOOSTER, et al. (1994), estudaram<br />
o acoplamento do genoma em<br />
15 famílias com alto risco de câncer<br />
de mama no BRCA1 em 17q21. Esta<br />
análise descobriu um segundo lugar<br />
suscetível ao câncer de mama, o<br />
BRCA2 no cromossomo 13q12–q13.<br />
O estudo em BRCA2 confere um alto<br />
risco de câncer de mama e não confere<br />
um risco substancialmente elevado<br />
de câncer ovariano, como é o<br />
risco do BRCA1.<br />
Várias pesquisas indicaram uma<br />
associação entre BRCA1 e a proteína<br />
p53, e o encarecimento subseqüente<br />
de atividade de p53 incrimina BRCA1.<br />
O BRCA1 forma complexos com<br />
BRCA2 e Rad 51, que é homólogo do<br />
gene Rec A da E. coli em humanos e<br />
que é essencial à recombinação normal<br />
e estabilidade do genoma (BAST,<br />
et al 2000).<br />
O BRCA1 também pode fazer<br />
um papel de regulação na transcri-<br />
ção, controle do ciclo celular e desenvolvimento.<br />
O BRCA1 foi associado<br />
com a RNA polimerase holoenzima<br />
32 e fita CREB33, que implica na<br />
regulação de transcrição.<br />
Em uma mulher que desenvolve<br />
câncer de mama, antes dos 40 anos, a<br />
chance que ela leva uma mutação em<br />
BRCA1 pode ser tão alta quanto 10%.<br />
O que não é aplicado para BRCA2,<br />
que pode ser associado a uma idade<br />
ligeiramente mais elevada.<br />
A prevalência de certas mutações<br />
de BRCA1 e BRCA2 é ocasionalmente<br />
mais alta que o esperado,<br />
devido à transmissão aumentada de<br />
algumas mutações, em certas populações,<br />
devido ao efeito do fundador<br />
(BAST, et al. 2000).<br />
Foram identificadas mutações de<br />
fundador características para BRCA1<br />
e BRCA2 em famílias de Judeus<br />
Ashkenazi e de descendentes na Islândia,<br />
Finlândia, Hungria, Rússia,<br />
França, Holanda, Bélgica, Suécia, Dinamarca<br />
e Noruega. A maioria dos<br />
estudos realizados em BCRA1 e<br />
BCRA2 foram feitos em caucasóides<br />
dos Estados Unidos e Europa (BAST,<br />
et al. 2000).<br />
Significantemente, existem menos<br />
dados sobre as taxas de muta-<br />
Tabela<br />
1:<br />
Quadro<br />
comparativo<br />
mostrand<br />
o as<br />
propriedades<br />
e funções<br />
dos<br />
genes<br />
BRCA1<br />
e BRCA2<br />
BCRA1 BCRA2<br />
Cromo s<br />
omo<br />
17q21 13q12<br />
Gene 100kb 70kb<br />
Prote ína<br />
1.<br />
863<br />
amino<br />
ácidos<br />
Compo<br />
nente<br />
da<br />
holoen<br />
zima<br />
RNA-polime<br />
rase<br />
3.<br />
418<br />
amino<br />
ácidos<br />
Funçã o<br />
Supre<br />
s<br />
or<br />
tumo<br />
ral<br />
Inter<br />
age<br />
com<br />
Supre<br />
ssor<br />
tumo<br />
ral<br />
Inter<br />
age<br />
com<br />
prot<br />
eínas<br />
nucle<br />
ares<br />
Possí<br />
vel<br />
papel<br />
no<br />
prot<br />
eínas<br />
nucle<br />
aresP<br />
ossív<br />
el<br />
papel<br />
no<br />
repa<br />
ro<br />
do<br />
DNA<br />
repa<br />
ro<br />
do<br />
DNA<br />
Mutaçõ es<br />
> 500<br />
identi<br />
ficadas<br />
> 200<br />
identi<br />
ficadas<br />
Risc o de<br />
cânce<br />
r de<br />
mama<br />
Mais de<br />
70%<br />
aos<br />
80<br />
anos<br />
de<br />
idade<br />
Mais<br />
de<br />
60%<br />
aos<br />
70<br />
anos<br />
de<br />
idade<br />
Idade de<br />
iníci<br />
o<br />
Idade<br />
mais<br />
jovem<br />
( quart<br />
a á quinta<br />
década<br />
de<br />
vida)<br />
50<br />
anos;<br />
mais<br />
idosa<br />
do<br />
que<br />
o BCRA1.<br />
Risc o de<br />
outro<br />
s tumo<br />
res<br />
Risc<br />
o de<br />
cânce<br />
r ovari<br />
ano<br />
de<br />
30-60%<br />
aos<br />
Câncer<br />
de<br />
mama<br />
masc<br />
ulina<br />
, ovári<br />
o,<br />
70<br />
anos<br />
de<br />
idade<br />
Próst<br />
ata,<br />
cólon.<br />
bexig<br />
a,<br />
prós<br />
tata,<br />
pâncr<br />
eas.<br />
Mutaçõ<br />
es<br />
no<br />
cânce<br />
r não<br />
-<br />
famil<br />
iar<br />
M uito<br />
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ficas.<br />
Fonte<br />
: COTRAN,<br />
R.<br />
S.<br />
; KUMAR,<br />
V.<br />
; COLLINS,<br />
T.<br />
2001.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 57
ções de BRCA1 e BRCA2 em famílias<br />
de outros grupos étnicos e raciais<br />
(BAST, et al 2000).<br />
TRAVTIGIAN, et al (1996), observaram<br />
como o BRCA1, a proteína<br />
de BRCA2 é altamente carregada,<br />
¼ dos resíduos é ácido ou básico.<br />
Porém, havia poucas pistas sobre<br />
a função bioquímica de BRCA2.<br />
Foram observados níveis mais altos<br />
de expressão em mama e timo, e<br />
ligeiramente níveis mais baixos em<br />
pulmão, ovário e baço. Em estudo<br />
de 18 famílias, em 9 foi observado<br />
a deleção de 3 nucleotídeos que<br />
altera a armação de leitura, e conduzem<br />
a mutilação da proteína<br />
BRCA2. Os autores notaram que o<br />
BRCA2 é notavelmente semelhante<br />
a BRCA1. Ambos possuem o exon<br />
11 grande; em ambos a tradução<br />
começa no exon 2; ambos têm sucessões<br />
de codificação que são ricas<br />
em Adenina; e são compostos<br />
de aproximadamente 70 Kb de Dna<br />
genômico. O BRCA2 é composto de<br />
27 exons.<br />
WEBER, et al. (1996), estudaram<br />
3 exons de BRCA2 ( exons 10, 11 e<br />
27) em 69 amostras aleatórias de<br />
tumor de mama congelados. Eles<br />
identificaram uma mutação somática<br />
truncada de BRCA2 em carcinoma<br />
ductal primário: deleção de 1 par de<br />
bases e substituídas pela adição de 9<br />
aminoácidos modernos e terminação<br />
da tradução no códon 894.<br />
CONNOR, et al. (1997), em seus<br />
estudos com ratos observaram que o<br />
BRCA1 e BRCA2 são altamente expressos<br />
proliferando células ao limite<br />
de G1/S do ciclo celular da mama<br />
comum vistos em pacientes com<br />
mutações nestes genes, sugere que<br />
BRCA1 e BRCA2 possam estar agindo<br />
no mesmo tempo.<br />
SARAN, et al. (1997), identificaram<br />
uma interação de proteína de<br />
BRCA2 com a proteína de DNA conserto<br />
Rad51. DAVIS, et al. (2001)<br />
mostrou que o BRCA2 faz um papel<br />
duplo na regulação da Rad51, que é<br />
uma proteína essencial para a recombinação<br />
homóloga e conserto de DNA.<br />
Primeiramente, as interações de<br />
Rad51 e o BCR3, ou regiões de BCR4<br />
do BRCA 2, bloqueiam a formação de<br />
filamentos nucleoprotéicos por<br />
Rad51. Alterações para a região de<br />
BCR3 que imitam mutações associa-<br />
das ao câncer de BRCA2 não exibem<br />
este efeito.<br />
Em segundo, o transporte de<br />
Rad51 para o núcleo estava defeituoso<br />
em células que carregam uma<br />
mutação associada ao câncer de<br />
BRCA2. Assim, BRCA2 regula a localização<br />
intracelular e a habilidade de<br />
ligação de DNA de Rad51.<br />
STRUEWING, et al. (1997), estudaram<br />
120 portadoras de mutações<br />
em BRCA1 e BRCA2. As mutações<br />
em BRCA1 estudadas eram 185delAG,<br />
e 5382insC; a mutação de BRCA2<br />
estudada era 6174delT. O risco calculado<br />
de câncer de mama em pacientes<br />
com até 70 anos era de 56%, de<br />
câncer ovariano 16%; e de câncer de<br />
próstata 16%, não havia diferença<br />
significante no risco de câncer de<br />
cólon entre os parentes dos portadores.<br />
Concluíram que de 2% de Judeus<br />
Ashkenazi levam mutações em<br />
BRCA1 e BRCA2, o que confere um<br />
risco aumentado de câncer de mama,<br />
ovário e próstata.<br />
NEUHAUSEN, et al. (1998), analisaram<br />
famílias Judias e identificou 3<br />
mutações mais freqüentes, possivelmente<br />
através do efeito do fundador<br />
que são: 185del AG e 5832 ins C em<br />
BRCA1 e 6174 del T em BRCA2.<br />
JERNISTON, et al. (1999), concluíram<br />
em seus estudos que os portadores<br />
do BRCA1 e mutações do<br />
BRCA2, que têm filhos, estão mais<br />
suscetíveis a desenvolverem câncer<br />
de mama, antes dos 40 anos, que as<br />
portadoras que são nulíparas. Cada<br />
gravidez aumenta o risco de desenvolver<br />
câncer de mama.<br />
As mutações da linhagem germinativa<br />
do BRCA1 são responsáveis<br />
por 2% a 4% de todos os cânceres<br />
mamários. Embora mais que 90%<br />
deles sejam casos esporádicos, ocorrendo<br />
em mulheres sem evidências<br />
de susceptibilidade hereditária, análises<br />
de espécies de tumores mamários<br />
sugerem que anormalidades<br />
somáticas adquiridas no BRCA1 possam<br />
também desempenhar um papel<br />
em muitos desses cânceres (CROOP,<br />
et al. 1990).<br />
FODOR, et al. (1998) determinando<br />
a freqüência do BRCA1 comum<br />
e mutações de BCRA2: 185 del<br />
AG, 5382 ins C e 6174 del T, o DNA<br />
foi analisado para as 3 mutações<br />
através de hibridização de oligonu-<br />
58 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
cleotídeos alelo–específicos (ASO).<br />
Oito pacientes (3%) eram heterozigotos<br />
para a mutação 185 del AG,<br />
dois pacientes (0,75%) para 5382 ins<br />
C e oito pacientes (3%) para 6174<br />
del T. O risco vitalício para câncer<br />
de mama em Judeus Ashkenazi portadores<br />
do BCRA1 185del AG ou<br />
BRCA2 6147 del T foram calculadas<br />
para ser 36%, aproximadamente 3<br />
vezes o risco global para a população<br />
em geral.<br />
Na Austrália, BAHAR, et al.<br />
(2001), encontraram em Judeus<br />
Ashkenazi a mesma prevalência alta<br />
de 4 mutações do fundador, da mesma<br />
forma que acha em Judeus<br />
Ashkenazi nos Estados Unidos e Israel.<br />
As quatro mutações analisadas era<br />
185 del AG e 5182 ins C em BRCA1;<br />
6174 del T em BRCA2 e 11307K em<br />
APC.<br />
STRUEWING, et al. (1995) declarou<br />
que mais de 50 mutações sem<br />
igual tinham sido descobertas no gene<br />
BRCA1, em indivíduos com câncer<br />
de mama e ovário. Em genealogias<br />
de alto risco, portadoras femininas<br />
de uma mutação de BRCA1 tiveram<br />
80 a 90% de risco vitalício em câncer<br />
de mama e 40 a 50% de risco de<br />
câncer de ovário.<br />
STRUEWING, et al. (1995), determinaram<br />
a freqüência da mutação<br />
185 del AG em 858 Ashkenazi, que<br />
buscam prova genética para condições<br />
sem conexão para câncer, e em<br />
815 pessoas de referência não selecionadas<br />
pela origem étnica. Eles acharam<br />
a mutação 185 del AG em 0,9%<br />
de Ashkenazi . Os resultados sugeriam<br />
que 1/100 mulheres de descendência<br />
Ashkenazi possam ter alto<br />
risco de desenvolver câncer de mama<br />
ou ovário.<br />
Entre as 39 mulheres Judias com<br />
câncer de mama antes dos 40 anos,<br />
(FITZ, et al. 1996) acha que 8 (2%)<br />
carregam a mutação 185 del AG.<br />
Em câncer de mama esporádico,<br />
(THOMPSON, et al. 1995) acha o<br />
RNAm do BRCA1 em níveis notadamente<br />
diminuídos durante a transcrição<br />
de carcinoma in situ para câncer<br />
invasivo.<br />
THOMPSON, et al. (1995), acharam<br />
que aquela inibição experimental<br />
da expressão de BRCA1 com oligonucleotídeos<br />
antisense produziu<br />
crescimento acelerado de células nor-
mais e células malignas, mas não<br />
teve nenhum efeito em células<br />
epiteliais não mamárias. Eles interpretaram<br />
estes resultados como indicado<br />
que o BRCA1, normalmente<br />
pode servir como um regulador negativo<br />
de crescimento de células<br />
epiteliais mamárias.<br />
HEDENFALK, et al. (2001),<br />
usando a tecnologia de microarray<br />
para determinar a expressão de<br />
genes em câncer de mama, foi achado<br />
BRCA1 positivos como constatado<br />
com cânceres de mama BRCA2<br />
positivos. A suspeita de que uma<br />
diferença poderia ser achada veio<br />
do fato que os 2 tipos de tumores<br />
são freqüentemente distintos,<br />
histologicamente. Além disso, tumores<br />
com mutações de BRCA1 são<br />
geralmente negativos para estrógeno<br />
e receptores de progesterona,<br />
considerando que a maioria dos<br />
tumores, com mutações de BRCA2,<br />
é positivo para receptores de<br />
hormônios. Amostras de RNA de<br />
tumores primários de 7 portadores<br />
da mutação de BCRA1 e 7 portadores<br />
da mutação de BCRA2 foi com<br />
um microarray de 6.512 clones de<br />
cDNA de 5.361 genes.<br />
ROA, et al. (1996), observaram a<br />
mutação 185 del AG em 1,09% de<br />
aproximadamente 3000 Judeus<br />
Ashkenazi, e a mutação 5382 ins C<br />
em 0,13%, a análise do BCRA2 em<br />
3.058 indivíduos da mesma população<br />
mostraram uma freqüência de<br />
portador de 1,52% pela 6174 del T.<br />
Estes dois alelos são os mais freqüentes,<br />
que predispõem o câncer de<br />
mama hereditário entre Judeus<br />
Ashkenazi .<br />
BAR–SADE, et al. (1997), em<br />
estudo com 639 Judeus Iraquianos<br />
saudáveis, que são um grupo de<br />
pouco risco para a mutação 185 del<br />
AG, que é predominantemente em<br />
Ashkenazi, foram identificados 3 indivíduos<br />
portadores da mutação 185<br />
del AG . As análises de haplótipo<br />
iraquiano mostram que 2 compartilham<br />
um haplótipo em comum com 6<br />
portadores Ashkenazi, e um terço<br />
teve um haplótipo que diferiu por um<br />
único marcador. Isto sugeriu que a<br />
mutação 185 del AG do BCRA1 pode<br />
ter sugerido antes da dispersão das<br />
pessoas judias no Diáspora, pela<br />
mesma época de Cristo.<br />
Alelos mutantes de genes<br />
supressores de tumores, quando herdados,<br />
predispõem os indivíduos a<br />
tipos particulares de câncer. Além<br />
de um envolvimento na suscetibilidade<br />
herdada para câncer, estes<br />
genes de supressão tumoral são<br />
objetivos para mutações somáticas<br />
em tipos de câncer esporádicos. Uma<br />
exceção é o BRCA1, que contribui<br />
com uma fração significante de câncer<br />
de mama e ovário, mas sofre<br />
mutação a taxas baixas em câncer<br />
de mama e ovário esporádicos. Este<br />
achado sugere que outros genes<br />
possam ter como objetivo principal<br />
causar mutações somática em carcinoma<br />
de mama. O outro gene BRCA2<br />
conta, neste estudo, com uma proporção<br />
quase igual a do BRCA1. O<br />
BRCA1 e o BRCA2 se comportam de<br />
forma dominante, tendo em vista<br />
que herda um alelo mutante e têm<br />
um risco maior de desenvolver um<br />
tumor; tumores que eles desenvolverem<br />
perdem o alelo do tipo selvagem<br />
através da perda da heterogozidade.<br />
(TENG, et al. 2002.)<br />
STEPHENSON, em (2003), estudou<br />
mulheres com mutações no<br />
BRCA1 e BRCA2, que têm um risco<br />
mais elevado de desenvolverem câncer<br />
de mama, se fizeram uso de<br />
métodos contraceptivos orais, por,<br />
pelo menos, 5 anos ou antes de 1975<br />
(quando preservativos orais geralmente<br />
tinham um conteúdo de estrógeno<br />
mais alto que os produzidos<br />
depois). Estas têm um risco vitalício<br />
de 50 a 80% de desenvolverem câncer<br />
de mama. O estudo contou com<br />
1<strong>31</strong>1 pares de mulheres que eram<br />
portadoras de mutações danosas, em<br />
um ou ambos genes, a metade de<br />
quem teve câncer de mama e a metade<br />
de quem não tiveram.<br />
LLORT, et al. (2002), em seus<br />
estudos com pacientes espanholas,<br />
analisando mutações em BRCA1 e<br />
BRCA2 têm uma proporção hereditária<br />
significativa baixa, no que diz<br />
respeito ao câncer de mama. O espectro<br />
mutacional nestes genes é muito<br />
grande, com centenas de mutações de<br />
BRCA diferentes mundialmente informadas.<br />
Mutações devido ao efeito do<br />
fundador têm uma fração significativa<br />
de todas as mutações de grupos étnicos.<br />
Em estudo com 35 famílias espanholas<br />
que desenvolveram câncer de<br />
ovário e mama, foram achadas 13<br />
mutações, das quais se tinham notícias<br />
de apenas 3, na Espanha. As dez<br />
mutações modernas são: IVS5+1G>A,<br />
1491delA Leu 1086 Ter, e Gln 895Ter<br />
em BRCA1; Glu 49 Ter, 5373del GTAT,<br />
5947del CTCT, 6672 del TA, 8281 ins<br />
A, e Pro 3039 Leu em BRCA2. Este<br />
estudo, comparado com outros realizados<br />
no país, mostra que das várias<br />
mutações encontradas na Espanha,<br />
nenhuma parece ter relação, com efeito,<br />
do fundador.<br />
KUMAR, et al. (2002), analisaram<br />
a sucessão de codificação do<br />
gene BRCA1 e BRCA2 em 14 pacientes<br />
de câncer de mama hereditário<br />
em mulheres Indianas. A análise foi<br />
realizada em gel de eletroforese sensível<br />
(CSGE), seguido de seqüenciamento.<br />
Três mutações delas modernas<br />
no exon 7, enquanto a outra é um<br />
apagamento de par básico no exon<br />
11 que resulta em mutilação de proteína.<br />
A mutação 185 del AG, previamente<br />
descrita, em Judeus Askenazi,<br />
também foi encontrada nesta população.<br />
Mesmo este sendo o 1º estudo<br />
realizado com famílias da Índia (14<br />
no total) sugestiona uma baixa<br />
prevalência, mas com um envolvimento<br />
definitivo de mutações no<br />
gene BCRA1, entre mulheres Indianas<br />
com câncer de mama.<br />
A população do Paquistão possui<br />
uma taxa de câncer de mama<br />
extremamente alta para populações<br />
Asiáticas e uma das taxas mais altas,<br />
mundialmente, do câncer ovariano.<br />
Neste estudo com 341 casos de câncer<br />
de mama, 120 casos de câncer<br />
ovariano e 200 controles femininos.<br />
A prevalência de mutações no BRCA1<br />
e BRCA2 em pacientes com câncer<br />
de mama são de 6,7%, de câncer<br />
ovariano são 15,8%. Mutações no<br />
gene BRCA1 respondem por 84% das<br />
mutações de câncer ovariano e 65%<br />
das mutações de câncer de mama. A<br />
maioria das mutações descobertas<br />
são novas para o Paquistão. Cinco<br />
mutações de BRCA1: 2080 ins A,<br />
3889 del AG, 4184 del 4, 4284 del AG,<br />
e IVS14 – 1A>G , e uma mutação de<br />
BRCA2 3337C>T, foram encontradas<br />
em múltiplos casos e representam<br />
fortes candidatos ao efeito do fundador,<br />
segundo (LIEDE, et al. 2002).<br />
TERESCHENKO, et al. (2002), estudaram<br />
25 famílias Russas com cân-<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 59
cer de mama e ovário, onde analisaram<br />
mutações nos genes BRCA1 e<br />
BRCA2, usando análise de heteroduplex<br />
e multiplex. Além disso, foram<br />
testadas 22 pacientes com câncer de<br />
mama diagnosticados antes dos 40<br />
anos, sem história familiar e 6 pacientes<br />
com câncer de mama bilateral. A<br />
freqüência de mutações no BRCA1<br />
era de 16%. Uma mutação de BRCA1,<br />
5382 ins C, foi achada em 3 famílias.<br />
Este estudo juntamente com outro<br />
sugere que 5382 ins C no BRCA1 é<br />
uma mutação de fundador na população<br />
Russa. No BRCA2 foram encontradas<br />
3 mutações em pacientes com<br />
câncer de mama sem história familiar,<br />
2 em pacientes jovens e 1 em pacientes<br />
com câncer bilateral. Foram encontradas<br />
4 mutações modernas : 695<br />
ins T, 1528 del 4, 9<strong>31</strong>8 del 4, S1099X.<br />
No ano de 2000 foram diagnosticados<br />
quase 80.000 casos novos de<br />
câncer de mama na Índia. Embora a<br />
identificação de BRCA1 e BRCA2 aumentou<br />
a compreensão na genética<br />
do câncer de mama em populações de<br />
descendência da Europa Ocidental, o<br />
papel destes genes no restante da<br />
população indiana é inexplorado. A<br />
análise de 20 pacientes com câncer de<br />
mama com qualquer história familiar,<br />
ou idade precoce, conduziu a identificação<br />
de duas variantes (3<strong>31</strong>+1G>T;<br />
4476+2T>C) em BRCA1 (10%)<br />
(SAXENA, et al. 2002).<br />
RUIZ, et al. (2002), analisaram<br />
heteroduplex de pacientes mexicanos<br />
com câncer de mama, onde<br />
identificaram mutação truncada em<br />
BRCA1 e BRCA2 (3857 del T; 2663 –<br />
2664 ins A) e oito variantes raras de<br />
significação desconhecida, principalmente<br />
no gene BRCA2, um caso<br />
de câncer de mama masculino também<br />
foi identificada. A maioria das<br />
alterações parecia ser distinta com<br />
uma única observada em mais de<br />
uma família.<br />
LIEDE, et al. (2002), encontraram<br />
duas famílias de descendência<br />
aborígines, ambas com as mesmas<br />
alterações de BRCA1 (1510 ins G;<br />
1506 A>G). As famílias representam<br />
duas Aborígines de tribos canadenses,<br />
embora uma origem ancestral<br />
comum é provável. Esta é a primeira<br />
evidência de uma mutação de BRCA1,<br />
específica para pessoas aborígines<br />
do Norte da América.<br />
A detecção de mutações nos genes<br />
BRCA1 e BRCA2 é feita por técnicas de<br />
biologia molecular capazes de identificar<br />
a alteração de uma única base na<br />
seqüência de DNA. Devido ao grande<br />
tamanho das seqüências de BRCA1 e 2,<br />
primeiramente, busca-se identificar qual<br />
exon contém o sítio mutado, antes de<br />
se proceder ao sequenciamento do<br />
DNA. A seqüência de DNA correspondente<br />
aos vários exons é amplificada<br />
por PCR (reação em cadeia da polimerase)<br />
para a realização desses testes.<br />
Para o screening inicial de mutações,<br />
uma técnica muito utilizada é a<br />
de single strand conformation<br />
polymorphism - SSCP, combinada<br />
com heteroduplex analysis. A técnica<br />
de SSCP baseia-se no fato de que a<br />
conformação tridimensional de fragmentos<br />
de DNA de fita simples<br />
depende da seqüência de nucleotídeos,<br />
sendo que a diferença de um<br />
nucleotídeo altera o padrão de migração<br />
eletrofo-rética. A técnica de<br />
heteroduplex analysis deriva da observação<br />
de que, em reações de PCR,<br />
onde estão presentes moléculas de<br />
DNA selvagens e mutantes, durante<br />
os últimos ciclos, podem ser formados<br />
heteroduplex entre essas duas<br />
espécies de moléculas, os quais terão<br />
um padrão de migração eletroforética<br />
diferente dos homoduplexes. Utilizando-se<br />
fragmentos de tamanho entre<br />
100 e 350 pares de bases, a taxa de<br />
detecção de mutações para o SSCP<br />
como para o heteroduplex analysis, e<br />
a associação dos dois métodos pode<br />
elevar essa taxa para perto de 100%<br />
(sob condições bem controladas e<br />
processamento semi-automatizado).<br />
Após a identificação do exon,<br />
que a abriga a mutação, esta é caracterizada<br />
pelo sequenciamento do<br />
DNA. Conhecida a mutação, torna-se<br />
possível, também, por sequenciamento,<br />
pesquisá-lo em outros membros<br />
da família do paciente, com vistas ao<br />
aconselhamento genético.<br />
9. Discussão<br />
Com a identificação dos dois<br />
principais genes responsáveis pelo<br />
câncer de mama hereditário, o BRCA1<br />
e o BRCA2, a genética deu um grande<br />
salto em busca da cura de doenças<br />
que são estritamente comuns e que<br />
mais matam mulheres.<br />
60 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Em muitas populações, algumas<br />
mutações tornam-se mais freqüentes<br />
devido ao efeito do fundador. Uma<br />
das populações que teve suas mutações<br />
amplamente estudadas foi o de<br />
Judeus Askenazi, onde cerca de 2%<br />
da população leva mutações em<br />
BRCA1 e BRCA2 o que confere um<br />
risco aumentado de câncer de mama,<br />
ovário e próstata.<br />
Em Judeus Askenazi, as principais<br />
mutações encontradas devido<br />
ao efeito do fundador e que já<br />
foram descritas em inúmeros países,<br />
são a 185 del AG e 5382 ins C<br />
no gene BRCA1, e no BRCA2 a 6174<br />
del T. A prevalência alta destas<br />
mutações de fundador na linhagem<br />
germinativa são responsáveis por<br />
2% a 4% de todos os tipos de câncer<br />
mamário.<br />
Em pacientes Espanholas, das<br />
inúmeras mutações já analisadas em<br />
BRCA1 e BRCA2 tem uma proporção<br />
hereditária significativa baixa. A comparação<br />
com outros estudos realizados<br />
no país mostra que nenhuma tem<br />
relação, com efeito, do fundador.<br />
Em mulheres indianas, 3 mutações<br />
modernas foram encontradas e<br />
a 185 del AG foi amplamente encontrada.<br />
Existe uma baixa prevalência,<br />
mas com um envolvimento definitivo<br />
de mutações no gene BRCA1.<br />
No Paquistão, dentre as muitas<br />
mutações já descritas, a 3337 C>T no<br />
BRCA2 representam uma forte<br />
candidata ao efeito do fundador.<br />
Na Rússia, a mutação no BRCA1<br />
5382 ins C foi caracterizada por ser<br />
uma mutação de fundador, e tribos<br />
do Canadá também têm 2 mutações<br />
que são estritamente freqüentes.<br />
A identificação de portadoras de<br />
mutações BRCA1 está limitada a um<br />
número contado de laboratórios, com<br />
acesso para raras famílias, na qual a<br />
análise de vários parentes oferece<br />
informação suficiente para identificar<br />
carreadores com um alto grau de<br />
certeza. Com base na taxa de<br />
carreadoras de uma em 200 a 400<br />
mulheres, a demanda para um<br />
rastreamento populacional será provavelmente<br />
substancial.<br />
A atenção deve ser voltada para<br />
os riscos sociais do teste genético,<br />
como potencial perda de seguro,<br />
estigmatização e discriminação do<br />
empregado.
Uma vez que o gene BRCA1 e<br />
BRCA2 tenham sido identificados e<br />
um teste clínico para mutações comuns<br />
esteja disponível, os problemas<br />
levantados no aconselhamento<br />
de uma única família irão assumir<br />
enormes proporções. A prevalência<br />
de carreadoras de mutações BRCA1,<br />
com um risco de aproximadamente<br />
85% de desenvolverem câncer de<br />
mama, em muito excedem a incidência<br />
de qualquer outra doença<br />
genética para qual o rastreamento<br />
pré-sintomático esteja atualmente<br />
disponível.<br />
O rastreamento para mutação<br />
BRCA1 é provavelmente o 1º teste<br />
pré-sintomático que terá lugar na<br />
prática clínica geral, e um sucesso<br />
ou falha desses esforços trará um<br />
grande impacto no futuro deste campo,<br />
com todo o seu potencial para o<br />
avanço da medicina preventiva,<br />
evitando doenças e reduzindo os<br />
custos da saúde. Tem-se a esperança<br />
de que, com o rastreamento genético,<br />
a suscetibilidade ao câncer<br />
de mama, muitas armadilhas possam<br />
ser evitadas.<br />
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Doutoranda em <strong>Ciência</strong> de Alimentos<br />
Faculdade de Engenharia de Alimentos – UNICAMP<br />
nitschke@bol.com.br<br />
Gláucia Maria Pastore<br />
Prof a Dr a - Laboratório Bioquímica de Alimentos<br />
Faculdade de Engenharia de Alimentos – UNICAMP<br />
glaupast@fea.unicamp.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Biosurfatantes a partir de<br />
resíduos agroindustriais<br />
Avaliação de resíduos agroindustriais como substratos para a produção de biosurfatantes por Bacillus<br />
Introdução<br />
Os surfatantes constituem uma<br />
classe importante de compostos químicos<br />
amplamente utilizados em diversos<br />
setores industriais. Estima-se<br />
que a produção mundial de surfatantes<br />
exceda 3 milhões de toneladas<br />
por ano (Banat, 2000), sendo utilizados<br />
principalmente como matériaprima<br />
na fabricação de detergentes<br />
de uso doméstico.<br />
A grande maioria dos surfatantes<br />
disponíveis comercialmente é<br />
sintetizada a partir de derivados de<br />
petróleo. Entretanto, o crescimento<br />
da preocupação ambiental dos consumidores<br />
combinado com novas<br />
legislações de controle do meio ambiente<br />
levaram os cientistas a<br />
pesquisar surfatantes biológicos<br />
como alternativa para os produtos<br />
existentes.<br />
Os biosurfatantes produzidos<br />
por microrganismos vêm, nos últimos<br />
anos, despertando considerável<br />
interesse devido à sua natureza<br />
biodegradável, baixa toxicidade e<br />
diversidade de aplicações. Entre as<br />
aplicações comerciais dos biosurfatantes<br />
destacam-se a recuperação<br />
do petróleo, biorremediação de<br />
poluentes, formulação de lubrificantes,<br />
além de diferentes utilizações<br />
na indústria têxtil, cosmética, alimentícia<br />
e farmacêutica.<br />
Atualmente, os biosurfatantes<br />
ainda não são amplamente utilizados<br />
pela indústria, devido ao seu alto<br />
custo de produção, associado a métodos<br />
ineficientes de recuperação do<br />
produto e ao uso de substratos caros.<br />
Porém, o problema econômico da<br />
produção de biosurfatantes pode ser<br />
significativamente reduzido por meio<br />
do uso de fontes alternativas de nutrientes<br />
facilmente disponíveis e de<br />
baixo custo.<br />
Uma possível alternativa para<br />
a produção de biosurfatantes seria<br />
o uso de subprodutos agrícolas ou<br />
de processamento industrial. Atualmente,<br />
o aproveitamento de resíduos<br />
vem sendo incentivado por<br />
contribuir para a redução da poluição<br />
ambiental, bem como por permitir<br />
a valorização econômica dos<br />
resíduos que seriam simplesmente<br />
descartados.<br />
O que são biosurfatantes?<br />
Os biosurfatantes possuem uma<br />
estrutura comum: uma porção<br />
lipofílica, usualmente composta por<br />
cadeia hidrocarbonada de um ou mais<br />
ácidos graxos, que podem ser<br />
saturados, insaturados, hidroxilados<br />
ou ramificados, ligados a uma porção<br />
hidrofílica, que pode ser um éster,<br />
um grupo hidróxi, fosfato, carboxilato<br />
ou carbohidrato (Cameotra & Makkar,<br />
1998; Bognolo, 1999). Os microrganismos<br />
produtores distribuem-se em<br />
diversos gêneros, sendo a maioria<br />
produzida por bactérias. As principais<br />
classes de biosurfatantes incluem<br />
glicolipídios, lipopeptídios e<br />
lipoproteínas; fosfolipídios e ácidos<br />
graxos; surfatantes poliméricos e surfatantes<br />
particulados (Desai &<br />
Desai,1993).<br />
Em relação aos surfatantes convencionais,<br />
os biosurfatantes apre-<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 63
sentam vantagens como (Bognolo,<br />
1999):<br />
• elevada atividade superficial e<br />
interfacial, o que os torna comparáveis<br />
ou superiores aos sintéticos<br />
(detergentes aniônicos<br />
sulfatados) em termos de<br />
efetividade e eficiência;<br />
• maior tolerância a pH, temperatura<br />
e força iônica;<br />
• biodegradabilidade;<br />
• baixa toxicidade.<br />
Os biosurfatantes apresentam<br />
ainda a vantagem de poder ser sintetizados<br />
a partir de substratos<br />
renováveis e de possuir grande diversidade<br />
química, possibilitando<br />
aplicações específicas para cada caso<br />
particular (Desai & Banat, 1997).<br />
Outra vantagem dos biosurfatantes<br />
reside no fato de não serem compostos<br />
derivados de petróleo, fator<br />
importante à medida que os preços<br />
do petróleo aumentam. Além disso,<br />
a estrutura química e as propriedades<br />
físicas dos biosurfatantes podem<br />
ser modificadas através de manipulações<br />
genéticas, biológicas ou<br />
químicas, permitindo o desenvolvimento<br />
de novos produtos para necessidades<br />
específicas.<br />
Substratos não convencionais<br />
O sucesso da produção industrial<br />
de biosurfatantes depende do<br />
desenvolvimento de processos mais<br />
baratos e do uso de matérias-primas<br />
de baixo custo, uma vez que estas<br />
representam entre 10% a 30% do<br />
custo total (Cameotra & Makkar,<br />
1998). Apesar disso, poucos trabalhos<br />
têm sido publicados com vistas<br />
a produzir biosurfatantes a partir de<br />
resíduos (Tabela 1). A dificuldade<br />
na seleção de um resíduo está em<br />
encontrar a composição adequada<br />
de nutrientes que permita o crescimento<br />
celular e o acúmulo do produto<br />
de interesse. Em geral, substratos<br />
agroindustriais que contenham<br />
altos níveis de carbohidratos ou de<br />
lipídeos suprem a necessidade de<br />
fonte de carbono para a produção<br />
de biosurfatantes. O estabelecimento<br />
de um processo biotecnológico a<br />
partir desses substratos alternativos<br />
também apresenta outra dificuldade,<br />
que é a padronização devido às<br />
variações naturais de composição,<br />
bem como os custos de transporte ,<br />
armazenagem e tratamento prévio<br />
necessários. Entretanto, a utilização<br />
de resíduos pode diminuir os custos<br />
de produção para níveis competitivos<br />
em relação aos similares obtidos<br />
por via petroquímica e, ao mesmo<br />
tempo, reduzir os problemas ambientais<br />
relativos ao descarte e aos<br />
custos do tratamento (Mercade &<br />
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1999a; Makkar & Cameotra, 2002).<br />
Finalmente, deve-se considerar que<br />
o Brasil é um país essencialmente<br />
agrícola e que, portanto, a quantidade<br />
e a facilidade de acesso aos<br />
subprodutos agroindustriais é bastante<br />
significativa.<br />
64 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Biosurfatantes produzidos por<br />
Bacillus<br />
Algumas bactérias do gênero<br />
Bacillus produzem diversos lipopeptídeos<br />
que demonstram atividade<br />
tensoativa ( Rosenberg & Ron,<br />
1999). As culturas de Bacillus<br />
subtilis produzem um lipopeptídeo<br />
cíclico conhecido como surfactina<br />
ou subtilisina (Arima et al., 1968),<br />
considerado um dos mais potentes<br />
biosurfatantes conhecidos (Figura<br />
1). A surfactina também demonstrou<br />
atividade anticoagulante, antitumoral,<br />
antimicrobiana, e, mais recentemente,<br />
estudos comprovaram<br />
atividade antiviral e antimicoplasma<br />
(Vollenbroich et al, 1997a,<br />
1997b).<br />
O objetivo deste estudo foi verificar<br />
a potencialidade do uso de substratos<br />
alternativos para a produção<br />
de biosurfatante por isolados de<br />
Bacillus.<br />
Materiais e Métodos<br />
Foram utilizados cinco isolados<br />
de Bacillus sp. produtores de<br />
biosurfatante pertencentes à coleção<br />
de culturas do Laboratório de<br />
Bioquímica de Alimentos. Para a<br />
Figura 1. Estrutura da surfactina produzida por Bacillus subtilis.<br />
Tabela<br />
1.<br />
Exemplos<br />
de<br />
utilização<br />
de<br />
resíduo<br />
s na<br />
produção<br />
de<br />
biosurfatan<br />
tes<br />
Substrato s<br />
Classe química<br />
Microrganismo Referência<br />
Efluente extração<br />
óleo<br />
oliva<br />
r hamnolipídeos<br />
Pseudomonas sp.<br />
M ercade<br />
et al.<br />
, 1993<br />
Residuos refino<br />
óleo<br />
de<br />
soja<br />
rhamnolipídeos P. aeruginosa<br />
Abalos et al,<br />
2001<br />
Água lavagem<br />
de<br />
batatas<br />
lipopeptídeos B. subtilis<br />
Fox & Bala, 2000<br />
Melaço lipopeptídeos B. subtilis<br />
Makkar<br />
& Cameotra,<br />
1997<br />
Soro de<br />
leite<br />
rhamnolipídeos P. aeruginosa<br />
Koch et al,<br />
1988<br />
Água de<br />
turfa<br />
lipopeptídeos B. subtilis<br />
Sheppard&<br />
Mulligan<br />
1987<br />
Óleo de<br />
fritura<br />
usado<br />
rhamnolipídeos P. aeruginosa<br />
Haba et al,<br />
2000<br />
Óleo lubrificante<br />
usado<br />
g licolipídeos<br />
Rhodococcus sp.<br />
Mercade et al,<br />
1996<br />
Soro leite<br />
desproteinizado<br />
sophorolipídeos C. bombicola<br />
Daniel et al,<br />
1998<br />
Manipueira lipopeptídeos B. subtilis<br />
Santos et al,<br />
1999
produção de biosurfatante foram<br />
utilizados:<br />
• melaço (3% v/v sólidos solúveis)<br />
pH 6,0;<br />
• manipueira (resíduo líquido<br />
proveniente da fabricação de farinha<br />
de mandioca) pH 5,8-5,9;<br />
• soro de leite (fabricação de<br />
queijo mussarela) pH 6,4 ;<br />
• meio sintético proposto por<br />
Cooper et al. (1981) pH 6,8-6,9.<br />
A manipueira foi tratada previamente<br />
com aquecimento a 100°C,<br />
por 3 minutos e centrifugação a<br />
10.000 rpm, por 20 minutos, para<br />
remoção de sólidos. O pH dos resíduos<br />
não foi ajustado. Os meios<br />
foram esterilizados em autoclave a<br />
121°C, por 20 minutos.<br />
Uma alçada das culturas mantidas<br />
a 4°C foi transferida para erlenmeyer de<br />
50 mL, com 20 mL de caldo nutriente e<br />
incubada em agitador rotatório a 120<br />
rpm, 30°C, por 24 horas. Após, 1 mL de<br />
cada cultura a ser testada foi inoculado<br />
em frascos erlenmeyers de 50 mL contendo<br />
15 mL dos respectivos meios,<br />
que foram incubados em agitador<br />
rotativo tipo shaker a 30°C e 150 rpm,<br />
por 72 horas. Os meios foram centrifugados<br />
a 10.000 rpm, por 15 minutos, e<br />
o sobrenadante, livre de células, utilizado<br />
para determinações analíticas.<br />
A tensão superficial foi determinada<br />
em tensiômetro Krüss, modelo<br />
K12, utilizando o método da placa. O<br />
biosurfatante foi isolado do meio de<br />
cultivo por precipitação ácida a pH<br />
2,0, seguida de extração com clorofórmio/metanol<br />
(65:15), segundo<br />
Makkar & Cameotra (1999b). A atividade<br />
emulsificante (E 24 ) foi realizada<br />
em tubos com tampa rosca contendo<br />
4 mL de solução aquosa, 1mg/mL de<br />
biosurfatante (obtido em manipueira)<br />
adicionados de 6 mL de hidrocarbonetos,<br />
sendo que cada tubo foi submetido<br />
a vortex máximo por 2 minutos<br />
e deixado em repouso por 24<br />
horas. O índice E 24 foi determinado<br />
medindo-se a altura da camada emulsionada<br />
(cm) dividindo-a pela altura<br />
total de líquido x 100. A remoção de<br />
petróleo de areia contaminada foi<br />
testada através da saturação de 60g de<br />
areia com 5 mL de petróleo. Porções<br />
de 20g da areia contaminada foram<br />
Figura 2. Percentagem de redução na tensão superficial obtida por isolados de Bacillus<br />
sp. em diferentes substratos.<br />
Figura 3. Atividade emulsificante (E 24 ) de solução de biosurfatante frente à diferentes<br />
hidrocarbonetos. (1) Hexano, (2) Tolueno, (3) Heptano, (4) Decano, (5) Querosene,<br />
(6) Tetradecano, (7) Hexadecano, (8) Óleo de soja, (9) Gordura de côco.<br />
colocadas em erlenmeyer de 250 mL,<br />
adicionando-se-lhe 20 mL de água<br />
(frasco controle) e 20 mL de solução<br />
aquosa 1mg/mL de biosurfatante obtido<br />
(frasco teste). Os frascos foram<br />
agitados a 150 rpm, por 12 horas em<br />
temperatura ambiente. Retirou-se<br />
deles o líquido da primeira lavagem e<br />
procedeu-se a uma segunda adição de<br />
20 mL de água e biosurfatante, incubando-os<br />
nas mesmas condições acima.<br />
O líquido da segunda lavagem foi<br />
removido e a areia foi retirada do<br />
frasco sendo colocada em estufa a<br />
50°C até a secagem.<br />
Resultados e Discussão<br />
Os resultados obtidos nos ensaios<br />
de produção de biosurfatante em<br />
diferentes substratos alternativos são<br />
mostrados na Figura 2. Nota-se que<br />
todos os isolados testados demonstraram<br />
capacidade de produzir biosurfatante<br />
e, conseqüentemente, de reduzir<br />
a tensão superficial dos meios testados,<br />
sendo que a manipueira forneceu<br />
as maiores percentagens de redução ,<br />
na ordem de 42% , para todos os<br />
isolados testados; entretanto, o soro de<br />
leite apresentou uma redução média<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 65
Figura 4. Capacidade de remoção de petróleo de amostra de areia utilizando solução de biosurfactante.<br />
(1) Biosurfatantes, (2) controle, (3) água.<br />
Tabela<br />
2.<br />
Atividade<br />
emulsificante<br />
do<br />
biosurfatan<br />
te<br />
obtido<br />
em<br />
manipueira<br />
H idrocar<br />
boneto<br />
E24<br />
( % )<br />
Hexano 66,<br />
6<br />
Tolueno 72,<br />
7<br />
Heptano 66,<br />
6<br />
Decano 70,<br />
4<br />
Querosene 70,<br />
4<br />
Tetradeca no<br />
70,<br />
9<br />
Hexadecano 69,<br />
0<br />
Óleo de<br />
soja<br />
74,<br />
0<br />
Gordura e côco<br />
70,<br />
9<br />
Petróleo 69,<br />
0<br />
de 10% , ressaltando que o isolado<br />
LB5a não produziu surfatante nesse<br />
resíduo. O melaço também demonstrou<br />
boa potencialidade como substrato<br />
para produção de biosurfatante pelos<br />
microrganismos testados e apresentou<br />
redução média de, aproximadamente,<br />
33%. O meio sintético utilizado<br />
como padrão foi definido por<br />
Cooper et al. (1981), para a produção<br />
de surfactina por Bacillus subtilis ATCC<br />
21332 e vem sendo utilizado, desde<br />
então, como uma referência para a<br />
produção de biosurfatantes de Bacillus.<br />
Nota-se que, apesar de permitir a produção<br />
de biosurfatante por todos os<br />
isolados, esse meio mostrou resultados<br />
inferiores (com redução média de<br />
21,5%) aos da manipueira e do melaço,<br />
sugerindo que estes dois resíduos<br />
possuem uma composição de nutrientes<br />
adequada para a produção de biosurfatantes.<br />
Embora a composição química<br />
varie de acordo com a época do ano e<br />
com o tipo de cultivar de mandioca, a<br />
manipueira possui em sua composição<br />
uma grande quantidade de carbohidratos<br />
(40-60 g/L ) destacando-se ainda a<br />
presença de frutose, glicose e sacarose,<br />
além de nitrogênio (1-2 g/L) e mine-<br />
rais como P, K, Mg, Mn, S, Fe, Cu, Zn,<br />
Ca (Cereda, 1994). Segundo Cooper et<br />
al. (1981), os sais minerais, principalmente<br />
Fe e Mn, são fatores nutricionais<br />
importantes para a produção de surfatantes<br />
por linhagens de Bacillus. A<br />
presença desses minerais, além de<br />
fontes de carbono e nitrogênio, seja,<br />
provavelmente, o principal motivo de<br />
haver maior produção de biosurfatantes<br />
nesse resíduo.<br />
Em adição à tensão superficial,<br />
a estabilização de emulsões é freqüentemente<br />
utilizada como um indicador<br />
da atividade superficial (Abu-Ruwaida<br />
66 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Figura 5 . Águas de lavagem da areia impregnada com petróleo.<br />
A1-A2: água; BS1-BS2: solução biosurfatante 1mg/mL.<br />
et al, 1991). A capacidade emulsificante<br />
do biosurfatante obtido em manipueira<br />
pelo isolado LB5a foi avaliada através<br />
do índice E 24 com diferentes hidrocarbonetos<br />
(Tabela 2). Os índices obtidos<br />
(60%-80%) revelam alta especificidade<br />
do biosurfatante contra todos os<br />
hidrocarbonetos testados, formando<br />
emulsões estáveis do tipo A/O (Figura<br />
3). O composto obtido possui potencial<br />
para uso na biorremediação, recuperação<br />
de petróleo e emulsificação de<br />
óleos e gorduras.<br />
Com vistas a avaliar a capacidade<br />
do biosurfatante produzido em
manipueira pelo isolado LB5a em remover<br />
petróleo de areia contaminada,<br />
procedeu-se a um experimento<br />
ilustrado nas Figuras 4 e 5, onde se<br />
observa que a areia tratada com solução<br />
de biosurfatante apresenta aspecto<br />
mais claro e as respectivas águas de<br />
lavagem demonstram maior capacidade<br />
de recuperação do petróleo em<br />
relação ao tratamento sem tensoativo.<br />
Conclusões<br />
Entre os resíduos agroindustriais<br />
testados, a manipueira foi que demonstrou<br />
a maior potencialidade para<br />
uso como substrato alternativo na<br />
produção de biosurfatantes por isolados<br />
de Bacillus, sendo que o composto<br />
obtido apresentou capacidade para<br />
uso em biorremediação de poluentes<br />
e em recuperação de petróleo.<br />
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<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 67
Pesquisa<br />
Gabrielle Mouco<br />
Aluna de graduação em Farmácia - UNIP<br />
gabimouco@yahoo.com.br<br />
Maira Jardim Bernardino<br />
Aluna de graduação em Farmácia - UNIP<br />
mjb@ajato.com.br<br />
Melânia Lopes Cornélio, Ph.D<br />
Farmacêutica, Ph.D- Química de Produtos Naturais<br />
Professora Titular da Disciplina de Farmacognosia<br />
UNIP - Universidade Paulista-SP<br />
melaniacornelio@yahoo.com.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Controle de qualidade<br />
de ervas medicinais<br />
68 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Controle de qualidade de Phyllanthus niruri L. (quebra-pedra)<br />
Introdução<br />
O controle de qualidade da<br />
droga vegetal é imprescindível,<br />
pois muitas espécies vegetais são<br />
vendidas sem nenhuma garantia<br />
de qualidade, o que favorece desde<br />
a venda de espécies falsificadas<br />
até o armazenamento inadequado<br />
da droga vegetal durante a sua<br />
comercialização. A análise aqui descrita<br />
foi realizado com a droga<br />
vegetal adquirida e conhecida popularmente<br />
como quebra-pedra. O<br />
controle de qualidade dessa droga<br />
vegetal foi feito a começar da sua<br />
descrição microscópica, para verificar<br />
a autenticidade da espécie a<br />
fim de evitar equívocos. Também<br />
foram realizados testes químicos<br />
para confirmar as principais classes<br />
de seus constituintes químicos<br />
descritos na literatura (De Souza<br />
et. al., 2002; Duke, 2000). Os interesses<br />
terapêuticos do Phyllanthus<br />
niruri L. provêm principalmente<br />
de suas propriedades diuréticas<br />
para o combate de cálculos renais.<br />
Devido a isso, estão sendo desenvolvidos<br />
vários estudos para isolar<br />
a substância responsável por tais<br />
propriedades, além de elucidar a<br />
melhor maneira de tratamento<br />
(Teske et. al., 1995).<br />
Estudos experimentais com as<br />
folhas e as sementes também têm<br />
demonstrado a sua ação hipoglicemiante,<br />
antibacteriana e anticancerígena.<br />
Em ensaios especiais, mostrou-se<br />
que é ativa contra o vírus da<br />
hepatite B in vivo e in vitro. Além<br />
disso, possui a virtude de dissolver<br />
cálculos renais, impedindo a contração<br />
do ureter e promovendo a<br />
sua desobstrução. Desenvolve atividade<br />
diurética pela elevação da<br />
filtração glomerular e excreção<br />
urinária dos sais de uratos (Tona et.<br />
al., 2001; Teske et. al., 1995; Ogata<br />
et. al., 1992).<br />
Outro estudo realizado mostrou<br />
o efeito do Phyllanthus niruri<br />
sobre a cristalização do oxalato de<br />
cálcio in vitro. Por meio desse estudo,<br />
pôde-se concluir que o extrato<br />
de quebra-pedra interfere no crescimento<br />
e na agregação dos cristais<br />
na urina humana, sugerindo que<br />
essa planta tem um papel potencial<br />
na prevenção de cálculo renal ou<br />
do desenvolvimento (Barros, 2002;<br />
Freitas et. al., 2002; Campos et. al.,<br />
1999; Dias et. al., 1995).<br />
Materiais e Métodos<br />
1 - Dados da Amostra<br />
A amostra analisada foi adquirida<br />
em uma farmácia comercial e<br />
apresentava as folhas secas em fragmentos<br />
de 0,5 cm a 1,0 cm.<br />
Apresentava uma coloração<br />
esverdeada que indicava que a<br />
amostra havia passado por processo<br />
de secagem.<br />
2 - Controle Físico<br />
Processo de Catação -<br />
Determinação da Pureza<br />
Esse processo visou a avaliar<br />
se a amostra apresentava material
estranho, partículas que não correspondessem<br />
à droga analisada. A<br />
quantidade de amostra analisada<br />
foi de 25 g de material vegetal.<br />
3 - Descrição<br />
microscópica<br />
Os fragmentos da parte da folha<br />
foram submetidos a estudo<br />
histológico, e neles foram realizados<br />
cortes do tipo paradérmico e<br />
transversal<br />
4 - Análise química<br />
As folhas secas foram submetidas<br />
a processos químicos de identificação<br />
das seguintes classes de<br />
constituintes químicos: taninos,<br />
heterosídeos flavanoídicos, heterosídeos<br />
saponínicos, heterosídeo<br />
antraquinônicos, alcalóides e óleos<br />
voláteis (Costa, 2001).<br />
A seguir serão apresentadas as<br />
metodologias dos ensaios de identificação<br />
das classes dos constituintes<br />
químicos mencionados. Vale<br />
lembrar que são testes qualitativos<br />
com vistas a somente verificar a<br />
presença ou a ausência do constituinte<br />
químico em questão.<br />
4.1 - Métodos de Identificação<br />
4.1.1 - Taninos<br />
Os taninos são substâncias<br />
polifenólicas, polihidroxiladas, de<br />
alto peso molecular, de origens vegetais,<br />
capazes de precipitar proteínas,<br />
pectinas, alcalóides e metais<br />
pesados em solução aquosa (Simões<br />
et. al., 2001).<br />
A estrutura química é complexa<br />
na sua maioria, apresenta características<br />
adstringentes ao paladar e são<br />
capazes de curtir a pele dos animais,<br />
transformando-a em couro.<br />
Os taninos são sólidos, amorfos<br />
na sua maioria, solúveis em água,<br />
álcool, glicerina e polietilenoglicol.<br />
São insolúveis em solventes orgânicos<br />
apolares.<br />
Classifica-se em gálicos, hidrolisáveis,<br />
catequínicos ou condensados.<br />
Extração Genérica de Taninos<br />
Pesou-se cerca de 2g da droga<br />
(quebra-pedra) pulverizada;<br />
Extraíram-se os taninos com<br />
cerca de 40 mL de água destilada,<br />
deixando-a ferver durante, aproximadamente,<br />
2 minutos;<br />
Filtrou-se em papel de filtro,<br />
procurando manter o pó no fundo<br />
do recipiente;<br />
Repetiram-se mais duas extrações,<br />
com cerca de 10 mL de água cada;<br />
Filtrou-se novamente, como indicado<br />
anteriormente;<br />
Utilizou-se o filtrado para as<br />
reações de identificação seguintes.<br />
Reação com Cloreto Férrico<br />
Em um tubo de ensaio colocou-se<br />
cerca de 1,0 mL da solução<br />
extrativa e adicionaram-se-lhe 5,0<br />
mL de água destilada e uma gota de<br />
cloreto férrico 2% (escorrendo-o<br />
pela parede do tubo).<br />
Foi necessário que se observasse<br />
a formação de um precipitado<br />
ou o aparecimento de colorações:<br />
preta, verde, azul, conforme o<br />
tipo de estrutura química.<br />
Reação com Solução Aquosa de<br />
Alcalóides<br />
Em um tubo de ensaio colocou-se<br />
1,0 mL da solução extrativa,<br />
diluída a uma proporção 1:5. Adicionaram-se-lhe<br />
5 gotas de ácido clorídrico<br />
a 5% e 1 ou 2 gotas de<br />
solução de sulfato de alcalóides.<br />
Esperou-se para observar a formação<br />
de um precipitado branco<br />
ou castanho esbranquiçado.<br />
Reação com Acetato Neutro de<br />
Chumbo<br />
Em um tubo de ensaio colocou-se<br />
1,0 mL da solução extrativa<br />
diluída na proporção 1:5. Adicionaram-se-lhe<br />
1 ou 2 gotas de solução<br />
aquosa de acetato neutro de<br />
chumbo a 10%.<br />
Esperou-se para observar a formação<br />
de um precipitado castanho<br />
avermelhado volumoso e denso.<br />
Reação com Solução de Acetato<br />
de Cobre<br />
Em um tubo de ensaio colocou-se<br />
cerca de 1,0 mL de solução<br />
extrativa diluída na proporção de<br />
1:5. Adicionaram-se-lhe 1 ou 2 gotas<br />
de solução aquosa de acetato de<br />
cobre a 5%.<br />
Esperou-se para se observar a<br />
formação de um precipitado castanho<br />
avermelhado.<br />
Reações Específicas de<br />
Taninos:<br />
Reação com Acetato de<br />
chumbo e Ácido Acético<br />
Glacial<br />
Em um tubo de ensaio colocaram-se<br />
cerca de 3 mL de solução<br />
extrativa e adicionaram-se-lhe cerca<br />
de 2 ml de ácido acético glacial<br />
a 10% e 3 mL da solução de acetato<br />
de chumbo a 10%.<br />
Esperou-se para observar a formação<br />
de um precipitado castanho<br />
avermelhado que indicasse a presença<br />
de taninos gálicos.<br />
Obs: A adição de ácido acético<br />
impede a precipitação de taninos<br />
catequínicos.<br />
Reação com Reativo de<br />
Wasicky<br />
Eliminou-se o precipitado da<br />
reação com acetato de cobre (anterior)<br />
por filtração e utilizou-se o<br />
filtrado.<br />
Adicionaram-se cerca de 0,5<br />
mL de solução de poli-metil-aminobenzaldeído.<br />
Esperou-se para observar<br />
a formação de um precipitado<br />
carmim ou róseo que indicasse a<br />
presença de tanino catequínico.<br />
4.1.2– Saponinas<br />
Saponinas são glicosídeos de<br />
esteróides ou terpenos policíclicos.<br />
Esse tipo de estrutura, que possui<br />
uma parte lipofílica (triterpeno ou<br />
esteróide) e outra hidrofílica (açúcares),<br />
determina a propriedade de<br />
redução da tensão superficial da<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 69
água, característica de suas ações<br />
detergente e emulsificante (Simões<br />
et. al., 2001).<br />
Extração Genérica das<br />
Saponinas<br />
Em um aparelho de refluxo<br />
colocaram-se 90 mL de extrato aquoso<br />
1% da droga.<br />
Adicionaram-se-lhe cerca de 10<br />
mL de ácido clorídrico.<br />
Deixou-se o processo em refluxo<br />
por aproximadamente uma<br />
hora para, em seguida, desligá-lo e<br />
deixá-lo esfriar.<br />
Transferiu-se o líquido para um<br />
funil de separação de 200 mL e<br />
adicionaram-se-lhe 50 mL de clorofórmio.<br />
Repetiu-se a extração com<br />
clorofórmio por mais duas vezes.<br />
Reduziu-se o volume a 75 mL<br />
em banho-maria.<br />
Processos Gerais de<br />
Identificação de Saponinas<br />
Obs.: Para cada reação de identificação,<br />
evaporou-se cerca de 5<br />
mL da fase orgânica obtida anteriormente.<br />
Reação de Rossol: No tubo de<br />
ensaio onde se realizou a evaporação<br />
de 5 mL da fase orgânica, adicionou-se<br />
uma gota de ácido sulfúrico<br />
concentrado.<br />
Esperou-se para observar o<br />
aparecimento de uma coloração vermelha<br />
ou violeta que indicasse a<br />
presença da sapogenina.<br />
Reação de Mitchell: No tubo<br />
de ensaio onde se realizou a evaporação<br />
de 5 mL da fase orgânica,<br />
adicionou-se uma gota de ácido<br />
sulfúrico concentrado e vestígios<br />
de nitrato de prata.<br />
Esperou-se para observar o aparecimento<br />
de uma coloração avermelhada<br />
que indicasse a presença<br />
de sapogenina.<br />
Reação de Rosenthalen: No<br />
tubo de ensaio onde se realizou a<br />
evaporação de 5 mL da fase orgânica,<br />
adicionaram-se uma ou duas<br />
gotas de solução de vanilina a 1%<br />
em ácido clorídrico.<br />
Esperou-se para observar o<br />
aparecimento de coloração azul que<br />
se desenvolvesse somente a quente.<br />
Reação com Reativo de<br />
Sulfo-vanílico: No tubo de ensaio<br />
onde se realizou a evaporação<br />
de 5 mL da fase orgânica,<br />
adicionaram-se uma ou duas gotas<br />
de solução de vanilina 1% em<br />
ácido sulfúrico.<br />
Esperou-se para observar o<br />
aparecimento de coloração violetaazulada.<br />
Reação de Liebermann: No<br />
tubo de ensaio onde se realizou<br />
a evaporação de 5 mL da fase<br />
orgânica, dissolveu-se o resíduo<br />
em 2 mL de ácido acético glacial.<br />
Adicionaram-se-lhe 1 ou 2 gotas<br />
de cloreto férrico a 3%. Em seguida,<br />
verteram-se , pela parede<br />
do tubo, 1 ou 2 mL de ácido<br />
sulfúrico sem agitar . Na superfície<br />
de contato entre os dois líquidos,<br />
poderia formar-se um<br />
anel com coloração pardo-avermelhada<br />
ou verde, que indicaria<br />
a presença de derivados esteroidais,<br />
ou com coloração azul, que<br />
indicaria a presença de derivados<br />
triterpenóides.<br />
4.1.3- Flavonóides<br />
Os flavonóides, biossintetizados<br />
a partir da via dos fenilpropanóides,<br />
constituem uma importante<br />
classe de polifenóis, presentes com<br />
relativa abundância entre os<br />
metabólitos secundários de vegetais<br />
(Simões et. al. 2001).<br />
Extração Genérica de<br />
Compostos Flavonoídicos:<br />
Pesaram-se cerca de 2,0 g da<br />
droga;<br />
Colocada em um béquer, adicionaram-se-lhe<br />
cerca de 15 mL de<br />
etanol a 75%;<br />
Foi fervida por alguns minutos;<br />
Em seguida, foi esfriada e filtrada<br />
em papel de filtro;<br />
70 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Reservou-se esse extrato para<br />
executar as reações gerais de identificação.<br />
Reações Genéricas de<br />
Identificação de Flavonóides<br />
Reação de Shinoda: Adicionaram-se<br />
cerca de 5 mL do extrato<br />
em um tubo de ensaio que continha<br />
uma pitada de magnésio metálico.<br />
Acrescentaram-se-lhe 0,5 - 1,0 mL<br />
de ácido clorídrico.<br />
Observou-se o desenvolvimento<br />
de coloração rósea-avermelhada<br />
indicaria a presença de flavonóis;<br />
violeta indicaria a presença de<br />
flavanonas e laranja indicaria a presença<br />
de flavonas.<br />
Obs.: O desenvolvimento da<br />
cor pode ocorrer imediatamente ou<br />
após algum tempo.<br />
Reação com Cloreto de Alumínio:<br />
Sobre um papel de filtro,<br />
demarcaram-se duas áreas A e B.<br />
Depositaram-se em cada uma delas<br />
algumas gotas do extrato da<br />
droga e esperou-se secar. Em seguida,<br />
colocou-se em uma das áreas<br />
1 gota de solução de cloreto de<br />
alumínio 5% em etanol. Eliminouse<br />
o etanol. Verificou-se o comportamento<br />
da substância nas duas<br />
áreas frente à luz ultravioleta. Observou-se<br />
o aspecto fluorescente<br />
que indicasse a presença de<br />
flavonóides.<br />
Reação com Cloreto Férrico:<br />
Diluiu-se o extrato com água na<br />
proporção de 1:5, em seguida, colocaram-se<br />
em dois tubos de ensaio<br />
5 mL do extrato diluído. Adicionouse<br />
pela parede de um dos tubos 1<br />
gota de cloreto férrico 2%.<br />
Esperou-se para observar o desenvolvimento<br />
de cor, que poderia<br />
variar entre verde, amarelo-castanho<br />
e violeta, de acordo com o tipo<br />
de composto flavonoídico.<br />
Reação com Hidróxido de<br />
Sódio: Diluiu-se o extrato na proporção<br />
de 1:5. Colocaram-se 5 mL<br />
desse extrato diluído em um tubo<br />
de ensaio e adicionaram-se-lhe 1
ou 2 gotas de NaOH 5%.<br />
Observou-se o desenvolvimento<br />
de coloração amarela, que varia<br />
de intensidade.<br />
4.1.4- Glicosídeos<br />
Antraquinônicos<br />
São compostos naturais encontrados<br />
sob forma glicosídica ou<br />
livres derivados do núcleo antracênico.<br />
Relacionam-se diretamente<br />
com antraquinona, uma dicetona<br />
insaturada. Possuem ação catártica<br />
e são classificadas, como catártico<br />
estimulante (Akisue, 2002).<br />
Extração dos glicosídoes<br />
antraquinônicos<br />
Reação de Bornträeger: Pesouse<br />
cerca de 1g da droga, adicionaram-se-lhe<br />
cerca de 20 mL de etanol<br />
a 75% e foi aquecida durante 2<br />
minutos em banho-maria.<br />
Em seguida, realizou-se a filtração<br />
em funil simples e adicionaram-se<br />
ao filtrado cerca de 2mL<br />
de ácido sulfúrico que foi levado<br />
ao banho-maria durante 1 minuto.<br />
Deixou-se o filtrado acidificado<br />
esfriar.<br />
Realizou-se a extração em um<br />
funil de separação com 10 mL de<br />
acetato de etila, e repetiu-se a extração<br />
por mais duas vezes.<br />
Mediram-se cerca de 5 mL da<br />
fase orgânica e adicionaram-se-lhe<br />
cerca de 1 ou 2 gotas de hidróxido<br />
de amônio.<br />
Esperou-se para observar a formação<br />
de uma coloração amarela,<br />
que indicasse a presença da antraquinona<br />
na forma reduzida, ou vermelha,<br />
que indicasse a presença da<br />
antraquinona na forma oxidada.<br />
Reação com Hidróxido de<br />
sódio: Pesaram-se 0,5 g de droga,<br />
que foi colocada em um vidro<br />
de relógio e adicionaram-se-lhe<br />
algumas gotas de hidróxido de<br />
sódio a 0,5%.<br />
Esperou-se para observar o<br />
aparecimento de uma coloração<br />
amarelada, que indicasse a pre-<br />
sença da antraquinona na forma<br />
reduzida, ou de uma coloração<br />
avermelhada que indicasse a presença<br />
da antraquinona na forma<br />
oxidada.<br />
4.1.5 - Alcalóides<br />
Os alcalóides que contêm um<br />
átomo de nitrogênio em um anel<br />
heterocíclico são chamados de<br />
alcalóides verdadeiros e são classificados<br />
de acordo com o sistema<br />
anelar presente na molécula. As<br />
substâncias com o átomo de nitrogênio<br />
que não pertença a um sistema<br />
heterocíclico são denominados<br />
de protoalcalóides.<br />
Compostos nitrogenados com<br />
e sem anéis heterocíclicos, que não<br />
são derivados de aminoácido, são<br />
chamados de pseudoalcalóides<br />
(Simões et. al., 2001).<br />
Métodos de Identificação de<br />
Alcalóides<br />
Pesar cerca de 1g da droga em<br />
um béquer, adicionar 30 mL de<br />
solução de HCL 1,5% e aquecer por<br />
aproximadamente 3 minutos. Em<br />
seguida, filtrar o sobrenadante em<br />
algodão e transferir o filtrado para<br />
um funil de separação.<br />
Testes de Identificação<br />
Alcalinizar o filtrado obtido<br />
anteriormente com solução de<br />
Hidróxido de Amônio (NH 4 OH)<br />
até atingir um pH entre 9 e 10<br />
(utilizar papel tornassol para determinar<br />
o pH).<br />
Em seguida, adicionar ao filtrado<br />
alcalinizado cerca de 15 mL de<br />
Clorofórmio (CHCl 3 ) e agitar para<br />
que os alcalóides presentes passem<br />
para a porção orgânica. Colocar<br />
cinco gotas do extrato em cada<br />
cápsula de porcelana, colocá-las em<br />
uma chapa e esperar secar, após<br />
isso, dissolver o resíduo com 4 gotas<br />
de solução de HCl 1,5% em<br />
todas as cápsulas e em cada uma<br />
adicionar o reagente de identificação<br />
de alcalóides:<br />
Reagente de Sheibler - Adicio-<br />
nar algumas gotas sobre o resíduo e<br />
observar desenvolvimento de coloração<br />
amarelo claro.<br />
Reagente de Bourchardat - Adicionar<br />
algumas gotas sobre o resíduo<br />
e observar o desenvolvimento<br />
de coloração amarelo tijolo.<br />
Reagente de Bertrand - Adicionar<br />
algumas gotas sobre o resíduo e<br />
observar o desenvolvimento de coloração<br />
amarelo tijolo.<br />
Reagente de Mayer - Adicionar<br />
algumas gotas sobre o resíduo e<br />
observar desenvolvimento de um<br />
precipitado floculoso branco.<br />
Reagente de Dragendorff - Adicionar<br />
algumas sobre o resíduo e<br />
observar desenvolvimento de coloração<br />
amarelo tijolo.<br />
4.1.6 - Óleos voláteis<br />
Os óleos voláteis são definidos<br />
como produtos obtidos de partes de<br />
planta por meio da destilação por<br />
arraste com vapor d’água. São misturas<br />
complexas de substâncias voláteis<br />
lipofílicas, geralmente odoríferas<br />
e líquidas (Simões et. al., 2001).<br />
Pesar cerca de 1 g da droga a<br />
ser analisada, colocar em um gral<br />
de vidro, adicionar cerca de 1 mL de<br />
etanol absoluto e triturar. Pingar<br />
uma gota em um papel de filtro,<br />
evaporar e sentir o aroma, o qual<br />
indica a presença de óleos voláteis.<br />
5 - Resultados<br />
Na amostra continha fragmentos<br />
de folhas e caules de tamanhos<br />
que variavam de 0,1 a 1,0 cm de<br />
tamanho.<br />
Observou-se que em 25 g da<br />
amostra que 0,75 g correspondia a<br />
fragmentos de materiais estranhos<br />
à planta. A Farmacopéia Brasileira<br />
recomenda que a porcentagem de<br />
material estranho de outra parte da<br />
planta tenha um limite de tolerência<br />
em torno de 10%.<br />
A análise microscópica da droga<br />
vegetal através dos cortes<br />
histológicos e a sua descrição<br />
macroscópica foram comparadas<br />
com dados da literatura, o que permitiu<br />
confirmar que a droga vegetal<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 71
Tabela 1-<br />
Resultados<br />
das<br />
reações<br />
indicativas<br />
da<br />
presença<br />
ou<br />
ausência<br />
de<br />
taninos<br />
em<br />
P.<br />
niruri<br />
Reativos Anacardium occidentale<br />
Phyllanthus<br />
niruri<br />
Reação com<br />
clore<br />
to<br />
Fér<br />
r ico<br />
( Gerai<br />
s)<br />
PRECIPI TADO<br />
AZUL<br />
-<br />
Reação<br />
com<br />
Solução<br />
Aquosa<br />
de<br />
Alcaló<br />
ides<br />
PRECIPI TADO<br />
CASTANH<br />
O<br />
-<br />
Reação<br />
com<br />
Acetat<br />
o Neutro<br />
de<br />
Chumb<br />
o<br />
PRECIPI TADO<br />
CASTANH<br />
O<br />
-<br />
Reação<br />
com<br />
Solução<br />
de<br />
Acetat<br />
o de<br />
Cobre<br />
PRECIPI TADO<br />
CASTANH<br />
O<br />
-<br />
Reação<br />
com<br />
Acetat<br />
o de<br />
Chumb<br />
o e<br />
Ácido<br />
acétic<br />
o Glacial<br />
PRECIPI TADO<br />
CASTANH<br />
O<br />
-<br />
Reati vo<br />
de<br />
WASICK<br />
Y<br />
PRECIPI TADO<br />
ROSA<br />
-<br />
Reação<br />
com<br />
Clore<br />
to<br />
Fér<br />
r ico<br />
( Especí<br />
fica)<br />
( -)<br />
ausênc<br />
ia<br />
COLORAÇÃO VERDE<br />
-<br />
Tabela<br />
2-<br />
Resultados<br />
das<br />
reações<br />
indicativas<br />
da<br />
presença<br />
ou<br />
ausência<br />
de<br />
glicosídeos<br />
saponínicos.<br />
Reativos Quilaia saponaria<br />
Phyllanthus<br />
niruri<br />
R ossol<br />
+ -<br />
M itche<br />
ll<br />
+ -<br />
R osent<br />
halen<br />
+ -<br />
R eativo<br />
Sulfo-Vaníl<br />
ico<br />
+ -<br />
L ieberm<br />
ann<br />
( + ) pres<br />
ença<br />
( -)<br />
ausênc<br />
ia<br />
+ -<br />
Tabela<br />
3-<br />
Resultado<br />
das<br />
reações<br />
indicativas<br />
da<br />
presença<br />
ou<br />
ausência<br />
de<br />
glicosídeos<br />
flavanoídicos.<br />
Reativos Ginkgo biloba<br />
Phyllanthus<br />
niruri<br />
S hino<br />
da<br />
V ERDE<br />
( flavona<br />
s)<br />
VERDE<br />
( flavona<br />
s)<br />
Clore<br />
to<br />
de<br />
Alumí<br />
nio<br />
FLORESC<br />
ÊN<br />
CIA<br />
AMARELO<br />
-<br />
ACASTAN<br />
HADO<br />
( flavono<br />
l)<br />
FLORESC<br />
ÊN<br />
CIAAMARE<br />
LO-ACASTA-<br />
NHADO<br />
( flavono<br />
l)<br />
Clore<br />
to<br />
Fér<br />
r ico<br />
AMARELO<br />
-ACASTAN<br />
HADO<br />
( flavono<br />
l)<br />
VERDE<br />
( flavona<br />
s)<br />
H idró<br />
xido<br />
de<br />
sódio<br />
A MARELA<br />
( flavono<br />
l)<br />
AMARELA<br />
( flavono<br />
l)<br />
Tabela<br />
4-<br />
Resultado<br />
das<br />
reações<br />
da<br />
presença<br />
ou<br />
ausência<br />
de<br />
glicosídeos<br />
antraquinônicos.<br />
Reativos Dimorphandra mollis<br />
Phyllanthus<br />
niruri<br />
Bornt räege<br />
r<br />
verme lho<br />
verme<br />
lho<br />
Hidró xido<br />
de<br />
Sódio<br />
verme lho<br />
verme<br />
lho<br />
Tabela<br />
5-<br />
Resultados<br />
das<br />
reações<br />
indicativas<br />
da<br />
presença<br />
ou<br />
ausência<br />
de<br />
alcalóides.<br />
Reativos Chichona calisaya<br />
Phyllanthus<br />
niruri<br />
Sheibl er<br />
AMARELO CLARO<br />
AMARELO<br />
CLARO<br />
Bourch ardat<br />
AMARELO TIJOLO<br />
AMARELO<br />
TIJOLO<br />
Dragen dorff<br />
AMARELO TIJOLO<br />
AMARELO<br />
TIJOLO<br />
Bertr and<br />
AMARELO TIJOLO<br />
AMARELO<br />
TIJOLO<br />
Mayer BRANCO BRANCO<br />
em análise era mesmo a espécie<br />
Phyllanthus niruri L (Souza, 2003).<br />
Nos testes realizados para identificar<br />
os taninos, foi usada como<br />
droga padrão o cajueiro (Anacardium<br />
occidentale), droga vegetal que tem<br />
como principais constituintes químicos<br />
os taninos, e a droga em estudo<br />
não indicou a presença de taninos<br />
nos testes realizados (Tabela-1).<br />
5.1 - Saponinas<br />
Para as reações de identificação<br />
de heterosídeos saponínicos<br />
foi utilizada como droga padrão a<br />
quilaia (Quilaia saponaria) para<br />
compará-la com a droga em estudo.<br />
Os resultados demonstraram que a<br />
P. niruri não possui saponinas (Tabela-2).<br />
72 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
5.2 - Flavonóides<br />
Para as reações de identificação<br />
de flavonóides, utilizou-se como droga<br />
padrão a Ginkgo (Ginkgo biloba<br />
). Os resultados das análises mostraram<br />
que a espécie P. niruri apresentou<br />
flavonóides na sua composição<br />
química, de acordo com que se pode<br />
observar na tabela (Tabela-3).
5.3 - Glicosídeos<br />
Antraderivados<br />
Para os resultados das reações<br />
indicativas da presença ou<br />
ausência foi utilizada como droga<br />
padrão o faveiro (Dimorphandra<br />
mollis ) e a droga vegetal em<br />
análise - P. niruri – apresentou,<br />
na sua composição química,<br />
indicativo da presença de glicosídeos<br />
antraquinônicos na forma<br />
oxidada, como podemos observar<br />
na tabela (Tabela-4).<br />
5.4 - Alcalóides<br />
Para as reações de identificação<br />
de alcalóides, utilizou-se como<br />
droga padrão a quina (Chichona<br />
calisaya) e a espécie P. niruri em<br />
estudo apresentou resultado positivo<br />
na presença dos reativos para<br />
alcalóides, como se pode observar<br />
na tabela (Tabela-5).<br />
5.5 - Óleos Voláteis<br />
No teste realizado para indicar<br />
a presença ou ausência de<br />
óleos voláteis, não foi possível,<br />
por meio dele, verificar a presença<br />
de óleos voláteis na espécie em<br />
análise - P. niruri<br />
6 - Discussão<br />
Por meio das análises realizadas,<br />
foi possível identificar a droga<br />
vegetal em estudo como<br />
Phyllanthus niruri (quebra-pedra).<br />
Antes de se utilizar qualquer<br />
droga no preparo de medicamentos,<br />
deve-se submetê-la a uma<br />
análise rigorosa. A identificação e<br />
a pureza da droga, bem como a<br />
avaliação de seus princípios ativos<br />
são tarefas indispensáveis<br />
àqueles que buscam produtos de<br />
qualidade.<br />
De acordo com a literatura, o<br />
Phyllanthus niruri apresenta em<br />
sua constituição substâncias como<br />
glicosídeos antraquinônicos, flavonóides<br />
e alcalóides, além de<br />
outras que não foram investigadas<br />
no presente trabalho, mas que se<br />
sabe fazem parte da constituição<br />
química da planta. Acredita-se que<br />
algumas dessas substâncias sejam<br />
responsáveis pelo efeito terapêutico<br />
atribuído ao quebra-pedra,<br />
porém não se sabe ao certo qual<br />
dessas substâncias é especificamente<br />
a responsável por tal propriedade.<br />
Assim, os constituintes<br />
identificados na análise<br />
fitoquímica foram suficientes para<br />
afirmarmos que a planta utilizada<br />
era realmente o Phyllanthus<br />
niruri, sendo identificada a droga<br />
como verdadeira.<br />
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<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 73
Pesquisa<br />
Jorge Fernando Pereira<br />
Biólogo, MS em Microbiologia Agrícola,<br />
Doutorando em Microbiologia Agrícola;<br />
Universidade Federal de Viçosa.<br />
dgfernando@yahoo.com<br />
Juliana Oliveira Lima<br />
Bióloga; Mestranda em Microbiologia Agrícola;<br />
Universidade Federal de Viçosa.<br />
ju.olima@bol.com.br<br />
Rodrigo Barros Rocha<br />
Biólogo; Mestrando em Genética e Melhoramento;<br />
Universidade Federal de Viçosa.<br />
rodrigobarrosrocha@yahoo.com.br<br />
Pilar Ximena Lizarazo Medina<br />
Bacteriologista; MS em Microbiologia Agrícola;<br />
Doutoranda em Microbiologia Agrícola;<br />
Universidade Federal de Viçosa.<br />
pixilime@hotmail.com<br />
Elza Fernandes de Araújo<br />
Bióloga; DS em Genética UFRGS;<br />
Profª Titular do Departamento de Microbiologia;<br />
Universidade Federal de Viçosa.<br />
ezfa@ufv.br<br />
Marisa Vieira de Queiroz<br />
Bióloga; DS em Genética e Melhoramento ESALQ-<br />
USP; Professora Adjunta do Departamento de<br />
Microbiologia; Universidade Federal de Viçosa.<br />
mvqueiro@ufv.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Nitrato Redutase em<br />
Fungos Filamentosos<br />
O potencial multifuncional da nitrato redutase em pesquisas com biologia molecular de fungos<br />
Introdução<br />
ungos filamentosos podem<br />
metabolizar uma série de<br />
compostos nitrogenados<br />
para obterem o requerimento<br />
nutricional necessário<br />
para seu desenvolvimento.<br />
Nesses organismos, o metabolismo<br />
do nitrogênio é um processo<br />
altamente controlado por um complexo<br />
de proteínas reguladoras, que<br />
assegura grande eficiência na utilização<br />
das fontes de nitrogênio disponíveis.<br />
Esse complexo é constituído<br />
por uma série de proteínas que são<br />
requeridas para que vários compostos<br />
secundários sejam assimilados<br />
quando as fontes preferenciais de<br />
nitrogênio, isto é, o amônio ou a<br />
glutamina, não estão disponíveis<br />
(Caddick et al., 1994; Marzluf, 1997).<br />
Entre os compostos secundários, o<br />
nitrato inorgânico é uma excelente<br />
fonte utilizável por muitos fungos<br />
filamentosos. Seu transporte para o<br />
meio intracelular é mediado pela<br />
permease do nitrato, e após sua assimilação,<br />
ocorre a redução seqüencial<br />
do nitrato a nitrito e do nitrito a<br />
amônio, catalisada, respectivamente,<br />
pelas enzimas nitrato e nitrito<br />
redutase. O amônio é considerado o<br />
ponto de partida para o metabolismo<br />
anabólico do nitrogênio em fungos e<br />
a sua incorporação em moléculas<br />
orgânicas é, então, realizada por dois<br />
sistemas: glutamato desidrogenase<br />
(GDH) ou glutamina sintase (GS)/<br />
Glutaminaamida: 2-oxoglutarato<br />
amino transferase (GOGAT), que produzem<br />
glutamato e glutamina (Griffin,<br />
1994) (Figura 1). A enzima nitrato<br />
redutase de fungos é um grande<br />
complexo multiredox, que possui<br />
74 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
duas subunidades idênticas, cada uma<br />
composta de três grupos prostéticos<br />
em domínios separados. Na extremidade<br />
C-terminal, localiza-se o domínio<br />
FAD, mais ao centro da proteína,<br />
o domínio heme, e, na extremidade<br />
N-terminal, o domínio molibdênio. A<br />
reação catalítica envolve a transferência<br />
de um par de elétrons do<br />
NADH ou NADPH para os domínios<br />
FAD, heme e molibdênio e, então,<br />
para o nitrato. A especificidade pelo<br />
doador de elétrons é utilizada para<br />
classificar as nitrato redutases<br />
eucarióticas em 3 grupos: NADHespecífica<br />
(EC 1.6.6.1), que está presente<br />
na maioria das plantas superiores<br />
e em algumas algas, NADPHespecífica<br />
(EC 1.6.6.2), que é encontrada<br />
em fungos e NAD(P)Hbiespecífica,<br />
que é encontrada em<br />
algumas plantas e em algumas algas<br />
(Losada, 1976; Shen et al., 1976;<br />
Renosto et al., 1982).<br />
Em 1989, foi descrito o isolamento<br />
do primeiro gene da nitrato<br />
redutase de fungos filamentosos utilizando-se<br />
o organismo modelo<br />
Aspergillus nidulans (Malardier et al.,<br />
1989). Desde então, genes que codificam<br />
para a enzima nitrato redutase<br />
vêm sendo clonados e seqüenciados<br />
em diversas espécies de fungos<br />
filamentosos representados por organismos<br />
modelos de estudos genéticos<br />
em eucariotos, espécies com<br />
potencial de aplicação industrial ou<br />
com importância fitopatológica e<br />
micorrízica. O interesse na clonagem<br />
desse gene é baseado, principalmente,<br />
no estabelecimento de protocolos<br />
de transformação genética cujo valor<br />
biotecnológico é muito importante<br />
por representar um método de seleção<br />
geral e conveniente. Mas, além
de marca de seleção para transformação,<br />
esse gene também pode ser<br />
utilizado para estudos de organização<br />
e regulação gênica, análises<br />
filogenéticas, obtenção de mutantes,<br />
estudos de grupos de compatibilidade<br />
vegetativa e como isca para<br />
detecção e isolamento de elementos<br />
transponíveis. Baseado nesse contexto,<br />
este trabalho tem como objetivo<br />
apresentar resultados que contribuam<br />
para esse potencial multifuncional<br />
do gene da nitrato redutase em<br />
fungos filamentosos. Mesmo que,<br />
muitas vezes, dentro de uma mesma<br />
espécie, esse gene possa não ser<br />
utilizado com toda essa potencialidade,<br />
ele representa uma das maiores<br />
versatilidades de uso na micologia<br />
molecular.<br />
Organização dos genes de<br />
assimilação do nitrato<br />
O seqüenciamento e a comparação<br />
das seqüências de genes que<br />
codificam para nitrato redutase têm<br />
contribuído para estudos de organização<br />
gênica em fungos filamentosos,<br />
sendo esses estudos imprescindíveis<br />
para o conhecimento de características<br />
importantes como número<br />
e tamanho de íntrons, seqüências<br />
envolvidas com mecanismo de<br />
splicing, tamanho de regiões promotoras,<br />
ligação de genes e sentido da<br />
transcrição entre genes ligados. Um<br />
quadro comparativo da organização<br />
gênica entre os genes da nitrato<br />
redutase de 16 diferentes espécies de<br />
fungos filamentosos é apresentado<br />
na Figura 2.<br />
A análise de seqüências do gene<br />
da nitrato redutase revela a ausência<br />
de íntrons nos fungos Ustilago maydis<br />
(Banks et al., 1993) e Botryotinia<br />
fuckeliana (Levis et al., 1997a) e um<br />
máximo de 12 íntrons para Hebeloma<br />
cylindrosporum (Jargeat et al., 2000).<br />
Em Aspergillus fumigatus, A.<br />
nidulans, A. niger, A. oryzae, A.<br />
parasiticus, Penicillium chrysogenum<br />
e P. griseoroseum, ocorre a presença<br />
de 6 íntrons que, embora possuam<br />
tamanhos diferentes, estão localizados<br />
nas mesmas posições (Johnstone<br />
et al., 1990; Unkles et al., 1992;<br />
Kitamoto et al., 1995; Chang et al.,<br />
1996; Haas et al., 1996; Amaar e<br />
Moore, 1998; Pereira, 2001). Em<br />
Leptosphaeria maculans e<br />
Stagonospora nodorum, esse gene é<br />
interrompido por 4 íntrons que correspondem<br />
aos íntrons II, III, IV e VI<br />
de Aspergillus e Penicillium (Williams<br />
et al., 1994; Cutler et al., 1998), enquanto<br />
em Beauveria bassiana (número<br />
de acesso no Genbank X84950),<br />
Fusarium oxysporum, Gibberella<br />
fujikuroi, Metarhizium anisopliae<br />
(número de acesso no Genbank<br />
AJ001141) e Neurospora crassa, apenas<br />
1 íntron está presente na mesma<br />
posição do íntron VI de Aspergillus e<br />
Penicillium (Okamoto et al. 1991;<br />
Diolez et al., 1993; Tudzynski et al.,<br />
1996). O gene da nitrato redutase de<br />
H. cylindrosporum parece ser o único<br />
que possui íntrons (11 e 12) na<br />
região correspondente ao domínio<br />
FAD (Jargeat et al., 2000). Pode-se<br />
observar na Figura 2 que o tamanho<br />
médio dos íntrons é de, aproximadamente,<br />
58 pares de bases (pb), sendo<br />
o menor de 46 pb e o maior de 92 pb.<br />
Na grande maioria das vezes, esses<br />
íntrons não apresentam similaridade<br />
a não ser nas seqüências envolvidas<br />
com o processo de sua retirada<br />
(splicing). Os íntrons encontrados<br />
Figura 1 - Assimilação de nitrato em fungos filamentosos.<br />
nos genes que codificam a nitrato<br />
redutase em eucariotos não interrompem<br />
a seqüência codificadora<br />
em éxons com os respectivos domínios<br />
funcionais da enzima, sendo<br />
que a maioria deles parece estar<br />
dentro e não entre os domínios funcionais<br />
(Zhou e Kleinhofs, 1996). A<br />
localização dos íntrons é conservada<br />
dentro de fungos, algas e plantas<br />
superiores, em relação a genes para<br />
nitrato redutase, mas, mesmo assim,<br />
difere entre esses grupos. Em algas,<br />
os genes da nitrato redutase de<br />
Chlamydomonas reinhardtii e Volvox<br />
carteri possuem 15 e 9 íntrons, respectivamente,<br />
localizados nos domínios<br />
molibdênio, heme e FAD. A<br />
posição de 8 dos 10 íntrons em Volvox<br />
é idêntica à de Chlamydomonas. Os<br />
quatro íntrons presentes em Oryzae<br />
sativa, Phaseolus vulgaris, Lypersicon<br />
esculentum e Nicotiana tobacum estão<br />
localizados, precisamente, na mesma<br />
posição (Zhou e Kleinhofs, 1996).<br />
Com base no número e na posição<br />
dos íntrons presentes nos genes da<br />
nitrato redutase de fungos filamentosos,<br />
algas e plantas, Zhou e Kleinhofs<br />
(1996) não puderam afirmar se, durante<br />
a evolução, os íntrons foram<br />
incorporados (gain hypotheses) ou<br />
perdidos (loss hypotheses). Então, os<br />
íntrons podem ter sido inseridos no<br />
gene da nitrato redutase após a divergência<br />
entre fungos e plantas, ou o<br />
ancestral desses grupos possuía todos<br />
os íntrons e esses foram perdidos<br />
independentemente após a divergência.<br />
Ainda, segundo esses autores, a<br />
hipótese de embaralhamento de<br />
éxons (exon shuffling), em que as<br />
seqüências que codificam regiões estruturais<br />
ou funcionais da proteína<br />
estariam delimitadas por íntrons, não<br />
parece se aplicar a esse caso, pois as<br />
seqüências que codificam os domínios<br />
funcionais das proteínas nitrato<br />
redutase apenas são separadas por<br />
íntrons em H. cylindrosporum (íntron<br />
9 entre domínios molibdênio e heme).<br />
Além dos íntrons, a organização<br />
dos três genes relacionados com a<br />
assimilação do nitrato em fungos filamentosos<br />
pode ser separada em, pelo<br />
menos, quatro grupos diferentes (de<br />
A a D). No grupo A, os três genes<br />
estão ligados, mas os genes da nitrato<br />
e nitrito redutase são transcritos em<br />
direções opostas, sendo o gene do<br />
transportador transcrito na mesma<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 75
Figura 2 - Comparação da organização dos genes de assimilação do nitrato em fungos filamentosos. Em alaranjado, a região<br />
promotora intergênica dos genes nos quais foram relatadas ligação entre nitrito e nitrato redutase. As setas representam o sentido<br />
da transcrição nesses genes. As caixas abertas indicam a região estrutural com tamanho e posição dos íntrons em relação às regiões<br />
codificadoras dos domínios molibdênio, heme e FAD. O tamanho da região promotora e dos íntrons é dado em pares de bases.<br />
O número de aminoácidos das respectivas proteínas é dado à direita.<br />
direção da nitrito redutase. Essa organização<br />
é encontrada em A. nidulans,<br />
A. niger, A. parasiticus, A. fumigatus<br />
e P. chrysogenum (Johnstone et al.,<br />
1990; Unkles et al., 1992; Chang et al.,<br />
1996; Amaar e Moore, 1998; Haas e<br />
Marzluf, 1995). O tamanho da região<br />
intergênica é de 1.262 pb em A.<br />
nidulans (Johnstone et al., 1990), 1.668<br />
pb em A. niger (Unkles et al., 1992),<br />
1.670 pb em A. parasiticus (Chang et<br />
al., 1996), 1.229 pb em A. fumigatus<br />
(Amaar e Moore, 1998) e 661 pb em P.<br />
chrysogenum (Haas e Marzluf, 1995).<br />
No grupo B, os três genes também<br />
estão ligados, mas o gene do transportador<br />
está entre os genes da nitrato e<br />
da nitrito redutase, sendo transcritos<br />
na mesma direção descrita no grupo<br />
A. Essa organização é encontrada em<br />
H. cylindrosporum (Jargeat et al.,<br />
2003). No grupo C, os genes da nitrato<br />
e da nitrito redutase estão ligados, são<br />
transcritos na mesma direção, mas o<br />
gene do transportador não está ligado,<br />
como é observado em L. maculans<br />
e S. nodorum (Williams et al., 1994;<br />
Cutler e Caten, 1999). O tamanho da<br />
região intergênica é de 1.438 pb em L.<br />
maculans (Williams et al., 1994) e 829<br />
pb em S. nodorum (Cutler e Caten<br />
1999). No grupo D, apesar da posição<br />
do transportador ainda não ter sido<br />
determinada, os três genes não parecem<br />
estar ligados, como ocorre em<br />
Neurospora crassa (Exley et al., 1993)<br />
e em Gibberella fujikuroi (Tudzynski<br />
et al., 1996).<br />
76 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Regulação do gene da<br />
nitrato redutase<br />
As maiores contribuições para o<br />
conhecimento da regulação do metabolismo<br />
do nitrogênio em fungos<br />
filamentosos baseiam-se nos trabalhos<br />
realizados com os organismos A.<br />
nidulans e Neurospora crassa<br />
(Caddick et al., 1994; Marzluf, 1997),<br />
sendo que, nos últimos anos, estudos<br />
também têm sido relatados para outras<br />
espécies como, por exemplo,<br />
Penicillium chrysogenum (Haas e<br />
Marzluf, 1995; Haas et al., 1996).<br />
A utilização de fontes de nitrogênio<br />
secundárias é controlada de maneira<br />
positiva e negativa, existindo<br />
um sistema de controle global e um
específico. A desrepressão de mais de<br />
100 genes estruturais, incluindo, por<br />
exemplo, genes que codificam transportadores<br />
de aminoácidos, transportadores<br />
de purinas, proteases<br />
extracelulares e enzimas catabólicas,<br />
é dependente da presença do indutor<br />
e da ausência de fontes preferenciais<br />
de nitrogênio (amônio e glutamina).<br />
Essa desrepressão é realizada tanto<br />
pelo regulador global positivo areA<br />
em A. nidulans e seus correspondentes<br />
nit-2 em N. crassa e nre em P.<br />
chrysogenum, quanto por reguladores<br />
específicos. O gene areA codifica<br />
uma proteína reguladora de 876 resíduos<br />
de aminoácidos que contém um<br />
único domínio de ligação ao DNA, o<br />
qual reconhece e se liga a seqüências<br />
que contêm o core GATA (Kudla et<br />
al., 1990; Langdon et al., 1995). As<br />
proteínas AREA, NIT-2 e NRE possuem<br />
somente 30% de homologia, mas,<br />
considerando apenas o domínio de<br />
ligação ao DNA, a identidade é de<br />
98% (Haas e Marzluf, 1995). Em AREA,<br />
o domínio de ligação ao DNA é constituído<br />
por um único dedo de Zn com<br />
quatro cisteínas, seguido de um domínio<br />
terminal básico, que apresenta<br />
uma estrutura compacta formada por<br />
dois pares de folhas-β seguidas por<br />
uma α-hélice e uma cauda não<br />
estruturada. As cadeias laterais ao<br />
dedo de Zn fazem contato altamente<br />
hidrofóbico no sulco maior da molécula<br />
de DNA e a cauda carboxi-terminal<br />
faz contato com o esqueleto de<br />
fosfato (Scazzocchio, 2000). Elementos<br />
com, pelo menos, duas cópias de<br />
seqüências GATA, que podem estar<br />
na mesma direção, ou em direções<br />
opostas, e com espaço de, pelo menos,<br />
30 pb, são considerados fortes<br />
sítios de ligação para NIT-2 (Chiang e<br />
Marzluf, 1994). Para P. chrysogenum,<br />
Haas e Marzluf (1995) descreveram<br />
fortes sítios de ligação de NRE como<br />
regiões com, pelo menos, duas seqüências<br />
GATA com espaçamento<br />
entre 5 e 27 pb, configuradas na<br />
mesma direção ou em direções opostas.<br />
Elementos GATA separados por<br />
74 ou 96 pb não demonstraram ser<br />
fortes sítios de ligação NRE (Haas e<br />
Marzluf, 1995). Para A. parasiticus,<br />
Chang et al. (2000) relataram a ligação<br />
de AREA a segmentos de 42 pb da<br />
região promotora dos genes da nitrato<br />
e da nitrito redutase que continham<br />
um ou dois elementos GATA.<br />
Outro gene importante para o<br />
metabolismo do nitrogênio é o nmr<br />
(do inglês nitrogen metabolism<br />
repressor), que atua de maneira negativa,<br />
reprimindo a síntese de vários<br />
genes. O gene nmr codifica uma<br />
proteína de 54,8 KDa, que não possui<br />
domínio de ligação ao DNA, mas<br />
é capaz de se ligar a uma pequena<br />
região do domínio de ligação ao<br />
DNA e à região carboxi-terminal da<br />
proteína NIT-2 (e possivelmente de<br />
AREA), impedindo a ação dessa proteína,<br />
sendo a glutamina o possível<br />
sinal para essa ligação (Xiao et al.,<br />
1995). Pelo menos para AREA, ainda<br />
existem outros dois níveis de<br />
regulação: a transcrição de areA é<br />
auto-regulada e a estabilidade do<br />
mRNA de areA é menor em células<br />
que crescem em fontes de nitrogênio<br />
preferenciais (Platt et al., 1996). Dessa<br />
forma, na presença de fontes preferenciais,<br />
além de uma menor estabilidade<br />
do mRNA do gene areA, o<br />
regulador NMR se liga à proteína<br />
AREA já sintetizada e impede que<br />
essa proteína se ligue aos promotores<br />
e induza a transcrição dos genes<br />
relacionados com o metabolismo de<br />
fontes secundárias de nitrogênio. Assim,<br />
a célula assegura a assimilação<br />
de nitrogênio a partir de compostos<br />
que são prontamente metabolizáveis.<br />
A indução do gene da permease<br />
do nitrato e dos genes da nitrato<br />
redutase (niaD para Aspergillus sp. e<br />
P. chrysogenum ou nit-3 para N.<br />
crassa) e nitrito redutase (niiA para<br />
Aspergillus sp. e P. chrysogenum ou<br />
nit-6 para N. crassa) requer síntese<br />
de novo, sendo necessária a ausência<br />
das fontes preferenciais e a presença<br />
de nitrato como indutor. Nesse caso,<br />
além do fator de regulação global, é<br />
necessária a presença de um fator<br />
específico chamado nirA em A.<br />
nidulans e nit-4 em N. crassa<br />
(Caddick et al., 1994; Marzluf, 1997).<br />
A proteína NIRA liga-se ao DNA a<br />
partir de um domínio na sua região<br />
amino-terminal (Burger et al., 1991).<br />
Essa proteína se liga à seqüência 5’-<br />
CTCCGHGG-3’, sendo que foram detectados<br />
sítios putativos ou já comprovados<br />
para essa proteína em várias<br />
espécies de ascomicetos (Punt et<br />
al., 1995). Para o reconhecimento de<br />
cis-elementos e expressão do gene<br />
nit-3 em N. crassa (Feng e Marzluf,<br />
1998), é requerida uma interação<br />
específica entre os fatores de<br />
regulação NIT-2 e NIT-4. Em N. crassa,<br />
um acúmulo máximo de mRNA<br />
de nit-3 ocorre apenas 15 minutos<br />
após a indução por nitrato, sendo<br />
que o acúmulo máximo de proteína<br />
ocorre após 60 minutos, e em P.<br />
chrysogenum transcritos de niaD são<br />
detectados com 15 minutos de<br />
indução, e atingem um nível máximo<br />
após 60 minutos (Okamoto et al.,<br />
1991; Haas et al., 1996). Até a presente<br />
data, a única exceção é o<br />
basidiomiceto H. cylindrosporum,<br />
onde o gene da nitrato redutase possui<br />
alto nível de transcrição na presença<br />
de nitrato, uréia, serina e glicina,<br />
sendo possível, neste caso, a<br />
inexistência de fatores de regulação<br />
específicos. Entretanto, na presença<br />
de amônio, ocorre uma forte, mas<br />
incompleta, repressão desse gene,<br />
indicando a existência de um sistema<br />
de regulação geral (Jargeat et al.,<br />
2000). Recentemente, foi reportado,<br />
para H. cylindrosporum, que a transcrição<br />
dos genes da permease do<br />
nitrato e da nitrito redutase também<br />
não é induzida por nitrato, mas é<br />
completamente reprimida por amônio<br />
(Jargeat et al., 2003).<br />
Relações filogenéticas<br />
baseadas na proteína<br />
nitrato redutase<br />
Apesar da proteína nitrato redutase<br />
apresentar regiões comprovadamente<br />
importantes para seu funcionamento,<br />
outras regiões parecem poder sofrer<br />
variação sem acarretar perda de funcionalidade<br />
para a proteína. A região Nterminal<br />
e 2 regiões curtas, entre os<br />
domínios molibdênio e heme e heme e<br />
FAD, apresentaram menor identidade<br />
entre 17 outras proteínas nitrato redutase<br />
de plantas, algas e fungos quando foram<br />
comparadas por Zhou e Kleinhofs<br />
(1996). Essa característica de apresentar<br />
regiões conservadas que flanqueiam<br />
regiões que podem sofrer variação é<br />
interessante para estudos de filogenia.<br />
Esses mesmos autores verificaram que<br />
o gene da nitrato redutase pode ser<br />
utilizado como relógio molecular, pois<br />
genes de diferentes espécies evoluem<br />
em uma taxa constante, e, baseados<br />
nesse gene, estimaram o tempo de<br />
divergência entre fungos e plantas, em<br />
torno de 1 bilhão de anos e, entre algas<br />
e plantas superiores, em torno de 750<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 77
milhões de anos. Além do uso como<br />
relógio molecular, estudos filogenéticos<br />
com a proteína nitrato redutase de fungos<br />
filamentosos têm revelado uma<br />
tendência de agrupar espécies que pertençam<br />
a categorias taxonômicas comuns<br />
(Williams et al., 1994; Cutler et al.,<br />
1998). Assim, esse gene possui características<br />
interessantes para uso em estudos<br />
evolucionários. Na Figura 3 é apresentada<br />
uma árvore filogenética não<br />
enraizada baseada na seqüência de<br />
aminoácidos da proteína nitrato redutase.<br />
Para a construção dessa árvore, seqüências<br />
da proteína nitrato redutase de 16<br />
fungos filamentosos e 1 planta foram<br />
retiradas do GenBank na página do<br />
National Center for Biotechnology<br />
Information (www.ncbi.nlm.nih.gov)<br />
por meio dos seguintes números:<br />
Aspergillus fumigatus (AF336236), A.<br />
nidulans (M58291), A. niger (M77022),<br />
A. oryzae (D49701), A. parasiticus<br />
(U38948), Arabdopsis thaliana<br />
(P11832), Beauveria bassiana<br />
(X84950), Botryotinia fuckeliana<br />
(U43783), Fusarium oxysporum<br />
(Z22549), Gibberella fujikuroi<br />
(X90699), Hebeloma cylindrosporum<br />
(AJ238664), Leptosphaeria maculans<br />
(U04445), Metarhizium anisopliae<br />
(AJ001141), Neurospora crassa<br />
(X61303), Penicillium chrysogenum<br />
(U20779), P. griseoroseum (AY255803),<br />
Stagonospora nodorum (AJ009827) e<br />
Ustilago maydis (AJ<strong>31</strong>5577). O alinhamento<br />
de toda a seqüência de aminoácidos<br />
foi realizado no programa<br />
Clustal X (Thompson et al., 1997),<br />
sendo o alinhamento resultante analisado<br />
pelo método de parsimônia no<br />
programa PAUP* versão 3.1 (Swofford,<br />
1993). Foi feita uma busca heurística<br />
e análise de bootstrap com 1.000 réplicas<br />
para gerar índices de confiabilidade<br />
para cada ramo.<br />
Pode-se observar claramente a<br />
tendência de se agruparem as espécies<br />
analisadas pela ordem à qual<br />
essas pertencem de acordo com a<br />
Figura 3 - Árvore filogenética não enraizada, baseada em análises pelo método de<br />
parsimônia da seqüência de aminoácidos da proteína nitrato redutase de vários fungos<br />
filamentosos. Os números indicam porcentagem dos valores de bootstrap em análise<br />
com 1.000 réplicas.<br />
78 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
taxonomia clássica. Dessa forma, a<br />
seqüência de aminoácidos da proteína<br />
nitrato redutase apresenta uma<br />
aplicação para estudos filogenéticos,<br />
com forte reflexo da história natural<br />
dos fungos filamentosos.<br />
Obtenção de mutantes<br />
deficientes na enzima<br />
nitrato redutase<br />
Uma das grandes vantagens na<br />
aplicação do gene da nitrato redutase<br />
é a fácil obtenção de mutantes espontâneos<br />
por seleção positiva via<br />
resistência ao clorato. Essa seleção<br />
positiva, que favorece o crescimento<br />
do mutante em relação ao selvagem,<br />
é baseada na “similaridade” entre a<br />
molécula de nitrato e seu análogo<br />
tóxico, o clorato. Da mesma forma<br />
que o nitrato, o clorato presente no<br />
meio de cultura é transportado para<br />
o meio intracelular pela permease do<br />
nitrato e é reduzido a clorito pela<br />
ação da enzima nitrato redutase. Entretanto,<br />
diferentemente do nitrito, o<br />
clorito é um composto tóxico que<br />
promove a morte da célula. A teoria<br />
de que o clorato por si só não é<br />
tóxico, mas se torna tóxico pela conversão<br />
a clorito como resultado da<br />
ação da nitrato redutase, foi primeiramente<br />
sugerida por Aberg (1947) e<br />
tem sido confirmada por uma série<br />
de trabalhos. Análises do efeito do<br />
clorito de sódio, tanto in vitro como<br />
in vivo, sugerem que o clorito cause<br />
estresse oxidativo em células de fungos<br />
e, por causar oxidação de<br />
biomoléculas importantes, torna-se<br />
tóxico (Ingram et al., 2003). Dessa<br />
maneira, a célula que apresenta uma<br />
enzima nitrato redutase funcional<br />
morre e aquela que apresenta uma<br />
forma não-funcional sobrevive, pois<br />
não é capaz de reduzir o clorato a<br />
clorito.<br />
Nesse momento, a colônia<br />
mutante, que cresce no meio de cultura,<br />
é resistente ao clorato, mas não<br />
necessariamente é mutante para a<br />
enzima nitrato redutase. Mutações<br />
em, pelo menos, cinco genes podem<br />
levar ao fenótipo de resistência ao<br />
clorato: (i) mutação no gene da<br />
permease do nitrato (crnA), que incapacite<br />
a célula de absorver o clorato<br />
do meio extracelular; (ii) mutação no<br />
gene do regulador específico da assimilação<br />
de nitrato (nirA), que impos-
Figura 4 - Obtenção de mutantes nitrato redutase. 1-) Esquema do protocolo para obtenção de mutantes resistentes ao clorato e<br />
testes de crescimento para anotação da mutação; 2-) Vias metabólicas envolvidas com o fenótipo de resistência ao clorato (possíveis<br />
genes mutados são mostrados em laranja); 3-) Fenótipo de crescimento em placas contendo MM + nitrato (A), MM + nitrito (B) e<br />
MM + hipoxantina (C) de mutantes de Penicillium griseoroseum resistentes ao clorato. Colônias que não crescem em A mas crescem<br />
em B e C são mutantes nitrato redutase; S indica o tipo selvagem utilizado como controle positivo.<br />
sibilite a célula de expressar a enzima<br />
nitrato redutase; (iii) mutação no gene<br />
do regulador geral da assimilação de<br />
nitrogênio (areA), que também impossibilite<br />
a célula de expressar a<br />
enzima nitrato redutase; (iv) mutação<br />
em algum gene envolvido na<br />
biosíntese do cofator molibdênio<br />
(cnxA-J), que, não estando presente,<br />
torna ineficazes a enzima nitrato<br />
redutase e outras enzimas dependentes<br />
desse cofator; e (v) mutação<br />
no próprio gene da nitrato redutase<br />
(niaD), impossibilitando a célula de<br />
sintetizar essa enzima (Cove, 1976;<br />
Cove, 1979). Dessa forma, após a<br />
obtenção das colônias resistentes ao<br />
clorato, é necessário fazer uma discriminação<br />
do fenótipo mutante por<br />
meio de um fácil teste de crescimento<br />
em meio mínimo contendo as<br />
seguintes fontes de nitrogênio: nitrato,<br />
nitrito, hipoxantina, glutamato e<br />
amônio . O crescimento ou não nes-<br />
Tabela<br />
1 - Testes<br />
de<br />
crescimento<br />
de<br />
mutantes<br />
resistentes<br />
ao<br />
clorato,<br />
em<br />
diferentes<br />
fontes<br />
de<br />
nitrogênio.<br />
Mutação<br />
Designação<br />
do<br />
mutante*<br />
Testes<br />
de<br />
crescimento<br />
Clorato Nitrato Nitrito Hipoxantina Glutamato Amônio<br />
Nenhu ma<br />
Selvagem - + + + + +<br />
Nitra to<br />
redut<br />
ase<br />
n iaD<br />
+ - + + + +<br />
Regula dor<br />
especí<br />
fico<br />
n irA<br />
+ - - + + +<br />
Cofator molib<br />
dênio<br />
c nxA-J<br />
+ - + - + +<br />
Regula dor<br />
geral<br />
a reA<br />
+ - - - - +<br />
Perme ase<br />
c rnA<br />
+ + + + + +<br />
* denomi<br />
nação<br />
dos<br />
genes<br />
para<br />
A spe<br />
rgillus<br />
nidulan<br />
s;<br />
+<br />
indic<br />
a cres<br />
cime<br />
nto<br />
e - indic<br />
a ausênc<br />
ia<br />
de<br />
cres<br />
cime<br />
nto.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 79
sas diferentes fontes (Tabela 1) é,<br />
então, correlacionado com a mutação<br />
em um dos cinco possíveis genes<br />
acima relacionados (Figura 4). Como<br />
em todas as espécies de fungos<br />
filamentosos estudadas até o momento,<br />
apenas uma cópia funcional<br />
do gene da nitrato redutase foi encontrada,<br />
mutantes nitrato redutase<br />
são reportados com alta freqüência.<br />
A razão do teste de crescimento<br />
em hipoxantina é que, além do requerimento<br />
por NAD(P)H, as<br />
enzimas nitrato redutase são dependentes<br />
de uma molécula chamada<br />
cofator molibdênio. A ausência desse<br />
cofator impossibilita a célula de<br />
utilizar o nitrato como também<br />
purinas como adenina, hipoxantina<br />
e xantina como única fonte de nitrogênio.<br />
Os mutantes incapazes de<br />
crescer em nitrato e hipoxantina<br />
apresentam uma perda pleiotrópica<br />
da atividade das enzimas nitrato<br />
redutase e xantina desidrogenase,<br />
respectivamente. Como esses<br />
mutantes são defectivos na síntese<br />
de um cofator comum, tanto para a<br />
nitrato redutase como para xantina<br />
desidrogenase, os genes envolvidos<br />
na síntese desse cofator foram denominados<br />
cnx (do inglês common<br />
component for nitrate reductase and<br />
xanthine dehydrogenase) (Pateman<br />
et al., 1964; Cove, 1979). Por meio<br />
de testes de complementação entre<br />
diferentes mutantes, Pateman et al.<br />
(1964) reportaram a existência de<br />
vários loci (cnx ABC, E, F, G e H)<br />
relacionados com vários genes responsáveis<br />
pela produção do cofator<br />
molibdênio, e Arst et al. (1982) relataram<br />
a existência de outro locus<br />
(cnxJ). Unkles et al. (1997) comprovaram<br />
que o locus cnxABC é parte<br />
de um único gene que codifica uma<br />
proteína com dois domínios catalíticos<br />
requeridos para a síntese de um<br />
intermediário do cofator molibdênio.<br />
Um protocolo para obtenção de<br />
mutantes deficientes na enzima nitrato<br />
redutase é apresentado a seguir<br />
e está esquematizado na Figura 4.<br />
Esse protocolo baseia-se em espécies<br />
que apresentam reprodução<br />
assexual e/ou sexual possibilitando<br />
o uso de esporos na análise. Como na<br />
grande maioria das espécies de fungos<br />
filamentosos os esporos são<br />
uninucleados e contêm genoma<br />
haplóide, a mutação é expressa sem<br />
efeito de dominância. Mesmo assim,<br />
algumas espécies de fungos não produzem<br />
esporos in vitro, e esse protocolo<br />
pode ser modificado para obtenção<br />
de mutantes por intermédio<br />
de fragmentos de micélio, onde setores<br />
resistentes ao clorato apresentam<br />
crescimento mais vigoroso. Entretanto,<br />
em algumas espécies de fungos, a<br />
resistência ao clorato parece ser natural,<br />
o que impossibilita a obtenção<br />
de mutantes por essa técnica.<br />
Protocolo para obtenção de<br />
mutantes nitrato redutase (segundo<br />
Cove, 1976; Cove, 1979; Unkles et<br />
al., 1989):<br />
• Preparar uma suspensão de<br />
esporos em tween 80 0,05%<br />
contendo cerca de 10 7 .ml -1<br />
esporos;<br />
• Plaquear 0,1 ml dessa solução<br />
em meio mínimo (MM) sólido<br />
(Pontecorvo et al., 1953) sem<br />
nitrato e acrescido de 470 mM<br />
de clorato de potássio e 10 mM<br />
de glutamato de sódio (clorato<br />
de potássio 57,6 g; glutamato<br />
de sódio monobásico 1,87 g;<br />
KH 2 PO 4 1,5 g; KCl 0,5 g; MgSO 4<br />
0,5 g; FeSO 4 0,01 g; ZnSO 4 0,01<br />
g; glicose 10 g; ágar 15 g; água<br />
destilada 1.000 ml; pH 6,8);<br />
• Incubar as placas a 25 o C por<br />
cerca de 7 a 10 dias;<br />
• Transferir as colônias resistentes<br />
ao clorato para placas<br />
contendo meio completo (MC)<br />
sólido, Pontecorvo et al. (1953)<br />
modificado por Azevedo e Costa<br />
(1973) [meio mínimo adicionado<br />
de peptona 2,0 g; caseína<br />
hidrolisada 1,5 g; extrato de<br />
levedura 2,0 g; solução de vitaminas<br />
1,0 ml; (biotina 0,2 mg;<br />
ácido p-aminobenzóico 10,0 mg;<br />
piridoxina 50,0 mg; tiamina 50,0<br />
mg; ácido nicotínico 100,0 mg;<br />
riboflavina 100,0 mg; água destilada<br />
100 ml); ágar 15 g; água<br />
destilada 1.000 ml; pH 6,8];<br />
• Fazer purificação monospórica<br />
dos mutantes;<br />
• Inocular as colônias resistentes<br />
em placas de MM contendo<br />
10 mM das seguintes fontes de<br />
nitrogênio : nitrato de sódio,<br />
nitrito de sódio, cloreto de<br />
amônio, hipoxantina e glutamato<br />
de sódio;<br />
• Incubar a 25 o C por 3 a 5 dias;<br />
80 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
• Verificar o crescimento e anotar<br />
os fenótipos mutantes;<br />
• Separar e identificar os<br />
mutantes nitrato redutase.<br />
Assim, o sistema nitrato redutase<br />
apresenta vantagens sobre outros<br />
sistemas, como a fácil obtenção de<br />
mutantes espontâneos por seleção<br />
positiva via resistência ao clorato, e,<br />
como não há emprego de mutagênese,<br />
a possibilidade de mutações<br />
secundárias que atinjam genes importantes<br />
ou de interesse é reduzida.<br />
Também esses mutantes apresentam<br />
um único fenótipo desejável,<br />
não utilizar nitrato como única<br />
fonte de nitrogênio, sendo que esse<br />
fenótipo é dispensável sem alterar o<br />
crescimento ou fluxos metabólicos<br />
importantes.<br />
Utilização de mutantes<br />
deficientes na utilização do<br />
nitrato em estudos de<br />
grupos de compatibilidade<br />
vegetativa<br />
Isolados de uma espécie fúngica<br />
podem ser caracterizados pela compatibilidade<br />
ou incompatibilidade vegetativa.<br />
A compatibilidade ocorre<br />
quando micélios de diferentes isolados<br />
podem sofrer anastomoses e originar<br />
heterocários (hifas que contêm<br />
núcleos geneticamente diferentes),<br />
enquanto a incompatibilidade ocorre<br />
quando não há formação de heterocários.<br />
Nem sempre é possível formar<br />
essas anastomoses, principalmente<br />
quando os cruzamentos são<br />
interespecíficos ou intergenéricos,<br />
pois o fator determinante da interação<br />
entre as células pode estar na<br />
parede celular manifestando-se como<br />
bloqueio da fusão celular (Peberdy,<br />
1991). Os isolados que apresentem<br />
compatibilidade podem ser colocados<br />
dentro de um mesmo grupo,<br />
formando um grupo de compatibilidade<br />
vegetativa (GCV). Em fungos<br />
de reprodução assexuada, isolados<br />
de um mesmo GCV são mais similares<br />
geneticamente que isolados de<br />
diferentes GCV.<br />
A heterocariose também é a primeira<br />
etapa para que fungos<br />
assexuados troquem material genético<br />
por meio de um ciclo alternativo<br />
chamado parassexual. Nesse ciclo,<br />
os diferentes núcleos no heterocário<br />
se fundem, originando diplóides he-
terozigotos, e, a seguir, ocorre a produção<br />
de recombinantes por meio de<br />
recombinação mitótica e haploidização<br />
(Pontecorvo & Roper, 1952).<br />
A detecção de heterocários pode<br />
ser alcançada pelo cruzamento de<br />
indivíduos portadores de diferentes<br />
mutações. Quando são formadas<br />
anastomoses entre as hifas desses<br />
diferentes mutantes, o heterocário<br />
pode ser visualizado já que o núcleo<br />
de um indivíduo contém o gene selvagem<br />
que complementa a mutação<br />
do outro. As diferentes mutações<br />
podem estar relacionadas, por exemplo,<br />
à coloração da colônia, mas a<br />
obtenção de mutantes por técnicas<br />
de mutagênese tradicionais é muito<br />
trabalhosa, o que torna esse procedimento<br />
difícil de ser empregado para<br />
estudo com muitos isolados de campo.<br />
Assim, vários trabalhos reportam<br />
o estudo de GCVs utilizando mutações<br />
auxotróficas que incapacitem a<br />
célula de utilizar nitrato como única<br />
fonte de nitrogênio (Puhala, 1985;<br />
Correl et al., 1986; Brooker et al.,<br />
1991). Nesses estudos, é suficiente<br />
fazer a triagem de populações utilizando<br />
indivíduos que contenham mutações<br />
únicas em diferentes genes da<br />
assimilação do nitrato, que possam<br />
ser testados para a sua habilidade de<br />
complementar as mutações e de formar<br />
heterocário em meio contendo<br />
nitrato como única fonte de nitrogênio.<br />
Como o isolamento de mutantes<br />
resistentes ao clorato gera mutações<br />
de diferentes tipos, essas mutações<br />
podem ser utilizadas como marcas<br />
de seleção para a formação dos heterocários.<br />
Assim, esse sistema tornase<br />
simples e rápido para ser utilizado<br />
para essa finalidade.<br />
Estudos de compatibilidade vegetativa<br />
são de particular interesse<br />
em fungos que se reproduzem<br />
assexuadamente, já que os indivíduos<br />
dentro de um GCV podem trocar<br />
informações genéticas por meio de<br />
heterocariose e de ciclo parasexual.<br />
Em fungos fitopatogênicos, os GCVs<br />
podem ser correlacionados com a<br />
patogenicidade, embora essa correlação<br />
não esteja sempre ligada.<br />
Puhalla (1985) utilizou mutantes deficientes<br />
na assimilação de nitrato<br />
para testar a compatibilidade vegetativa<br />
entre 21 isolados de F. oxysporum,<br />
reportando que membros do mesmo<br />
GCV pertenciam à mesma formae<br />
speciales. Correl et al. (1986) também<br />
utilizaram mutantes incapazes de<br />
metabolizar nitrato em testes de compatibilidade<br />
vegetativa para identificar<br />
F. oxysporum f. sp. apii raça 2 de<br />
uma população de raças de F.<br />
oxysporum que colonizava raízes de<br />
aipo. Assim, o teste de compatibilidade<br />
vegetativa é uma ótima ferramenta<br />
para estudos de diversidade<br />
genética constituindo marcadores genéticos<br />
naturais que podem ser utilizados<br />
para diferenciar isolados. Além<br />
disso, em fungos que se reproduzem<br />
sexuadamente, esses estudos também<br />
são importantes para determinar<br />
genes relacionados com o tipo<br />
sexual (mating type), importantes no<br />
reconhecimento e desenvolvimento<br />
do ciclo sexual.<br />
Transformação genética<br />
baseada no gene da nitrato<br />
redutase<br />
Um dos principais passos no desenvolvimento<br />
de uma tecnologia para<br />
manipulação e análise molecular de<br />
um organismo é o estabelecimento de<br />
um protocolo que permita introduzir<br />
seqüências de DNA clonadas em uma<br />
linhagem recipiente. A disponibilidade<br />
de um sistema de transformação<br />
oferece possibilidade de adição e de<br />
deleção de rotas metabólicas em um<br />
organismo de interesse, alterando o<br />
fenótipo selvagem para uma aplicação<br />
específica. As seqüências a serem<br />
introduzidas têm interesses distintos,<br />
dependendo do tipo de organismo<br />
estudado. Dessa forma, o principal<br />
objetivo da clonagem de genes que<br />
codificam nitrato redutase é o estabelecimento<br />
de protocolos de transformação<br />
baseados na complementação<br />
de mutações no gene da nitrato<br />
redutase. Nesse ponto, além das vantagens<br />
inerentes a esse sistema, outra<br />
característica importante é ser baseado<br />
na complementação de uma mutação<br />
auxotrófica, o que evita a introdução<br />
de genes de seleção baseados na<br />
resistência a drogas.<br />
A transformação é realizada pela<br />
introdução do gene da nitrato redutase<br />
em um mutante nitrato redutase por<br />
biobalística ou Agrobacterium<br />
tumefaciens, sendo que o método<br />
mais comum é o da transformação de<br />
protoplastos pela técnica do polietilenoglicol<br />
(PEG)/CaCl 2 . Após a trans-<br />
formação, os protoplastos são<br />
plaqueados por pour-plate em meio<br />
mínimo contendo estabilizador<br />
osmótico e nitrato como única fonte<br />
de nitrogênio. Apenas aquelas células<br />
mutantes onde o gene da nitrato<br />
redutase se integrar, serão capazes<br />
de crescer (Figura 5). Para tanto,<br />
pode-se utilizar um gene da nitrato<br />
redutase já isolado de um organismo<br />
em uma espécie de interesse. Quando<br />
o gene é de uma espécie diferente<br />
da espécie receptora, o sistema é dito<br />
heterólogo, e quando o gene foi<br />
isolado do organismo receptor, o<br />
sistema é dito homólogo.<br />
Nos sistemas heterólogos, geralmente<br />
há baixa similaridade entre o<br />
vetor de transformação e o genoma<br />
do organismo receptor, o que resulta<br />
em baixa freqüência de transformação,<br />
integração aleatória e alto número<br />
de cópias do vetor. Esse padrão de<br />
integração aleatório pode ser interessante<br />
para obtenção de mutantes pela<br />
técnica de REMI (do inglês restriction<br />
enzyme-mediated integration), descrita<br />
por Schiestl e Petes (1991), que é<br />
uma variação da técnica de transformação,<br />
onde enzima de restrição é<br />
adicionada à mistura de transformação<br />
juntamente com o plasmídeo linear.<br />
Queiroz et al. (1998) verificaram<br />
que o gene da nitrato redutase de F.<br />
oxysporum se integrava aleatoriamente<br />
no genoma de P. griseoroseum,<br />
sendo essa característica utilizada por<br />
Soares (2002) para obtenção de<br />
mutantes de P. griseoroseum pela técnica<br />
de REMI.<br />
Mesmo assim, sistemas de transformação<br />
homólogos têm sido desenvolvidos<br />
para vários fungos filamentosos,<br />
incluindo A. oryzae<br />
(Unkles et al., 1989), Cephalosporium<br />
Figura 5 - Seleção de transformantes baseada<br />
no gene da nitrato redutase. Placas com<br />
meio mínimo contendo nitrato como única<br />
fonte de nitrogênio. (A) Controle negativo<br />
- protoplastos do mutante nitrato<br />
redutase que não foram transformados;<br />
(B) protoplastos do mesmo mutante que<br />
foram transformados com gene homólogo<br />
da nitrato redutase.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 81
acremonium (Whithead et al., 1990),<br />
P. chrysogenum (Gouka et al., 1991),<br />
Fusarium oxysporum (Diolez et al.,<br />
1993), G. fujikuroi (Tudzynski et al.,<br />
1996), B. cinerea (Levis et al., 1997a),<br />
S. nodorum (Cutler et al., 1998) e P.<br />
griseoroseum (Pereira, 2001). Na literatura,<br />
existem relatos para A. oryzae<br />
(Unkles et al., 1989) e S. nodorum<br />
(Cutler et al., 1998) de 100% de<br />
integração do vetor no locus da nitrato<br />
redutase, sendo que nesses estudos<br />
foram analisados 22 transformantes<br />
para A. oryzae e 13 transformantes<br />
para S. nodorum. Para B.<br />
cinerea (Levis et al., 1997a), a análise<br />
de 36 transformantes revelou 34<br />
integrações homólogas, sendo 29<br />
eventos de troca gênica. Mesmo que<br />
a utilização de genes homólogos aumente<br />
a probabilidade de ocorrência<br />
de integração em sítios homólogos,<br />
para fungos filamentosos e outros<br />
organismos eucariotos, parecem ser<br />
mais comuns eventos de integração<br />
heteróloga. Sistemas de transformação<br />
homólogos, baseados na complementação<br />
de mutações nitrato<br />
redutase, desenvolvidos para<br />
Cephalosporium acremonium<br />
(Whitehead et al., 1990) e P.<br />
chrysogenum (Gouka et al., 1991)<br />
resultam, na maioria dos transformantes,<br />
na integração do vetor em<br />
sítios diferentes do locus da nitrato<br />
redutase, enquanto que G. fujikuroi<br />
(Tudzynski et al., 1996) e F.<br />
oxysporum (Diolez et al., 1993) ocorreu<br />
um número similar de integrações,<br />
dentro e fora desse locus.<br />
Um sistema de transformação com<br />
alta incidência de integração homóloga,<br />
especialmente troca gênica, pode<br />
ser utilizado para estudos de regiões<br />
importantes, tanto em nível de<br />
regulação como em nível estrutural.<br />
Assim, mutações geradas in vitro,<br />
como alteração dos sítios de ligação<br />
de proteínas reguladoras, podem ser<br />
introduzidas e avaliadas in vivo no<br />
exato local onde reside o gene. Além<br />
disso, essa alta taxa de integração<br />
homóloga é interessante em experimentos<br />
de co-transformação, pois diminui<br />
a probabilidade de integrações<br />
em sítios heterólogos que sejam importantes<br />
para o metabolismo celular<br />
e/ou de interesse biotecnológico.<br />
Vários trabalhos relatam a utilização<br />
de vetores de transformação<br />
que carregam o gene da nitrato<br />
redutase como marcadores de seleção<br />
em experimentos de co-transformação<br />
para introduzir genes de<br />
interesse biotecnológico. Por exemplo,<br />
Ribeiro (2001) relatou a obtenção<br />
de transformantes com até 89%<br />
de aumento na produção de poligalacturonase<br />
quando co-transformou<br />
um mutante nitrato redutase de P.<br />
expansum com o plasmídeo pPE 15,<br />
que carrega o gene homólogo de<br />
poligalacturonase, e o plasmídeo<br />
pNH24, contendo o gene da nitrato<br />
redutase de F. oxysporum como<br />
marcador de seleção. Linhagens<br />
transformantes de A. oryzae apresentaram<br />
a produção de poligalacturonase<br />
aumentada em até 3,2 vezes<br />
quando transformadas com um gene<br />
de poligalacturonase de Penicillium<br />
janthinellum, sendo os transformantes<br />
selecionados pela complementação<br />
de uma mutação nitrato<br />
redutase (Ishida et al. 1997). Cardoso<br />
et al. (2003) utilizaram o gene<br />
homólogo da nitrato redutase de P.<br />
griseoroseum para introduzir uma<br />
construção do gene da pectina liase<br />
e obtiveram transformantes com aumento<br />
expressivo na atividade dessa<br />
enzima.<br />
Utilização do gene da<br />
nitrato redutase como<br />
vetor de expressão<br />
Uma outra perspectiva na aplicação<br />
biotecnológica do gene da nitrato<br />
redutase é sua utilização como<br />
vetor de expressão. Isso é baseado<br />
nas análises de expressão onde são<br />
observadas grandes quantidades de<br />
transcrito do gene da nitrato redutase<br />
apenas poucos minutos após sua<br />
indução por nitrato (Okamoto et al.,<br />
1991; Haas et al., 1996), sendo esse<br />
indutor acessível e de baixo custo.<br />
Essa perspectiva é importante uma<br />
vez que muitos genes de valor biotecnológico<br />
somente são expressos<br />
na presença de um indutor específico<br />
que, muitas vezes, é oneroso e<br />
acarreta a inviabilidade da aplicação<br />
industrial. Para tanto, a região estrutural<br />
do gene de interesse pode ser<br />
clonada sob controle do promotor do<br />
gene da nitrato redutase, abrindo a<br />
possibilidade para a indução do gene<br />
por uma fonte mais acessível e apenas<br />
no momento em que o indutor<br />
estiver presente.<br />
82 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Uso da nitrato redutase<br />
para detecção e isolamento<br />
de elementos<br />
transponíveis<br />
Elementos transponíveis são seqüências<br />
de DNA que podem se<br />
mover no genoma integrando-se<br />
em regiões não homólogas, e que<br />
constituem importantes agentes de<br />
mutação e reorganização gênica,<br />
sendo também utilizados em sistemas<br />
de inativação de genes. Assim,<br />
detectar e isolar esses elementos é<br />
um importante passo para estudos<br />
de biologia básica e aplicada em<br />
um organismo. Diferentes estratégias<br />
são empregadas para o isolamento<br />
de elementos transponíveis<br />
em fungos filamentosos. Entre essas<br />
diferentes estratégias, o método<br />
de armadilha para transposons<br />
(“transposons trapping”) é o melhor<br />
método para detecção e isolamento<br />
de elementos transponíveis<br />
ativos. Esse método requer, além<br />
de um sistema de seleção positiva<br />
de mutantes espontâneos, que o<br />
gene alvo esteja clonado e caracterizado.<br />
Conforme discutido anteriormente,<br />
um dos melhores sistemas<br />
para seleção positiva de<br />
mutantes espontâneos é o sistema<br />
nitrato redutase. Dessa maneira,<br />
esse sistema vem sendo empregado<br />
com muito sucesso para o isolamento<br />
de vários elementos transponíveis<br />
em fungos filamentosos.<br />
Os elementos Fot1, impala, Ant1,<br />
Vader, Flipper e hupfer, são exemplos<br />
de transposons clonados pela<br />
seleção de mutações espontâneas<br />
no gene da nitrato redutase em<br />
Fusarium oxysporum, Aspergillus<br />
niger, A. fumigatus, Botrytis cinerea<br />
e Beauveria bassiana (Daboussi et<br />
al., 1992; Langin et al., 1995; Glayzer<br />
et al., 1995; Amutan et al., 1996;<br />
Levis et al., 1997b; Maurer et al.,<br />
1997).<br />
Para isolar esses elementos utilizando-se<br />
o sistema nitrato redutase,<br />
é necessário isolar mutantes nitrato<br />
redutase e caracterizar, por hibridização<br />
com o gene alvo, o tipo de<br />
mutação que originou o fenótipo<br />
mutante. Nos mutantes isolados podem<br />
ocorrer mutações de diferentes<br />
tipos no gene da nitrato redutase,<br />
como, por exemplo, mutações pontuais,<br />
deleções ou inversões. Além
Figura 6 - Esquema da detecção e isolamento de elementos transponíveis utilizando o gene da nitrato redutase como isca.<br />
desses tipos, também pode ocorrer a<br />
inserção de um fragmento de DNA,<br />
como a inserção de um elemento<br />
transponível. Assim, espera-se que o<br />
resultado da hibridização apresente<br />
algum mutante com o fragmento do<br />
gene alvo maior quando comparado<br />
ao tipo selvagem (Figura 6). Após a<br />
obtenção de um mutante com a inserção,<br />
pode-se fazer um teste de<br />
estabilidade plaqueando-se esporos<br />
do mutante em meio mínimo contendo<br />
nitrato como única fonte de nitrogênio.<br />
Se a inserção for oriunda de<br />
um transposon ativo, esse pode saltar<br />
e reconstituir o fenótipo selvagem,<br />
apresentando maior instabilidade.<br />
O fragmento inserido, ou parte<br />
dele, pode ser recuperado por meio<br />
de bancos genômicos parciais ou de<br />
amplificação com oligonucleotídeos<br />
específicos e, então, seqüenciado e<br />
caracterizado.<br />
Mesmo que o gene da nitrato<br />
redutase não tenha sido clonado para<br />
uma espécie de interesse, há possibilidade<br />
de usar um gene heterólogo<br />
conforme realizado com sucesso por<br />
Daboussi et al. (1992). Esses autores<br />
introduziram o gene da nitrato redutase<br />
de A. nidulans em uma linhagem<br />
mutante para nitrato redutase de F.<br />
oxysporum e isolaram o elemento<br />
Fot1 inserido no gene heterólogo.<br />
Assim, a fácil seleção de mutantes<br />
nitrato redutase têm-se mostrado uma<br />
ótima ferramenta no isolamento de<br />
elementos transponíveis ativos em<br />
diferentes espécies de fungos filamentosos.<br />
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<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 85
Pesquisa<br />
Carla M. Y. Lemos<br />
Lab. de Bioquímica e Microbiologia aplicada<br />
IBILCE - UNESP, Pós Graduação em Microbiologia<br />
Aplicada IB/UNESP - Rio Claro-SP<br />
Erica Fuchs<br />
Department of Food Science and Human Nutrition<br />
Iowa State University, IA-USA<br />
Eleni Gomes<br />
Lab. de Bioquímica e Microbiologia aplicada<br />
Departamento de Biologia<br />
IBILCE - UNESP - São José Rio Preto-SP<br />
Roberto Da Silva<br />
Lab. de Bioquímica e Microbiologia aplicada,<br />
Departamento de Química e <strong>Ciência</strong>s Ambientais,<br />
IBILCE - UNESP - São José Rio Preto-SP<br />
dasilva@qca.ibilce.unesp.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Glucoamilase:<br />
Estrutura e termoestabilização<br />
86 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Estrutura e termoestabilização de glucoamilase por técnicas moleculares<br />
Resumo<br />
A glucoamilase (GA) é uma<br />
enzima hidrolítica que catalisa a liberação<br />
sucessiva de β-D-glucose a partir<br />
do amido e oligossacarídeos relacionados.<br />
A GA catalisa eficientemente<br />
a reação de sacarificação do amido<br />
dentro de uma faixa estreita de temperatura.<br />
A sua termoestabilidade limitada<br />
afeta seu uso no processo<br />
industrial, onde a incubação prolongada<br />
em altas temperaturas é necessária.<br />
As estratégias tradicionais para<br />
melhorar a termoestabilidade da GA<br />
de Aspergillus, tais como a imobilização<br />
e modificação química têm falhado<br />
no uso industrial. Atualmente, as<br />
técnicas de evolução dirigida utilizando<br />
a biologia molecular proporcionam<br />
uma importante ferramenta para<br />
melhorar ou mesmo criar novas propriedades<br />
nas enzimas existentes, em<br />
um curto espaço de tempo. Esta revisão<br />
apresenta a importância, estrutura<br />
e função da glucoamilase e as recentes<br />
estratégias da biologia molecular<br />
como ferramenta para melhorar a termoestabilidade<br />
desta enzima.<br />
1. Glucoamilase de<br />
Aspergillus<br />
A glucoamilase (α-1,4-glucan<br />
glucohidrolase, EC 3.2.1.3), também<br />
conhecida como amiloglucosidase, é<br />
uma enzima hidrolítica que catalisa a<br />
quebra das ligações glicosídicas α-<br />
1,4 a partir de uma extremidade não<br />
redutora das moléculas de amilose<br />
ou amilopectina do grânulo de amido<br />
e oligossacarídeos relacionados<br />
liberando β-D-glucose. Em uma ve-<br />
locidade menor, a glucoamilase também<br />
atua hidrolisando as ligações α-<br />
1,6 (Fleetwood e Weigel, 1962). Sugere-se,<br />
portanto, que a ação da<br />
glucoamilase ocorra através de um<br />
mecanismo multisseriado no qual a<br />
enzima atua aleatoriamente em toda<br />
a molécula de substrato (James e Lee,<br />
1997).<br />
A glucoamilase (GA) é amplamente<br />
usada na indústria alimentícia<br />
para a produção de xaropes com alto<br />
teor de glucose e também é empregada<br />
na produção de álcool e xaropes<br />
com alto teor de frutose (1989;<br />
Brumm, 1998; Mathewson, 1998).<br />
Vários microrganismos, plantas<br />
e animais produzem glucoamilase.<br />
Estas enzimas disponíveis comercialmente<br />
são, na sua maior parte, produzidas<br />
por linhagens dos fungos<br />
Aspergillus e Rhizopus. Dentre estas,<br />
a glucoamilase de Aspergillus é a<br />
mais termoestável, apresentando a<br />
máxima atividade em torno do pH<br />
4,5, em temperaturas de 50 a 55°C,<br />
mas ela é rapidamente inativada em<br />
temperaturas próximas a 60°C<br />
(Manjunath et al.,1983; Brumm, 1998).<br />
A glucoamilase catalisa eficientemente<br />
a reação de sacarificação<br />
dentro de um limite relativamente<br />
estreito de temperatura, porque a<br />
sua conformação cataliticamente ativa<br />
muda com o aumento da temperatura.<br />
Esta termoestabilidade limitada<br />
afeta seu uso no processo industrial,<br />
onde a atuação prolongada<br />
em altas temperaturas é necessária.<br />
Na produção de xaropes com alto<br />
teor de glucose, uma pasta de amido<br />
(30-40% BS) é primeiro liquefeita a<br />
105°C por 5 minutos e em seguida,
Figura 1. Imagem da estrutura estendida da glucoamilase de Aspergillus niger idêntica a glucoamilase de Aspergillus awamori.<br />
No lado esquerdo o domínio catalítico (DC), ao centro o filamento ligante ou “linker” (L) e à direita o domínio de ligação ao<br />
substrato (amido) (DLS).<br />
http://nte-serveur.univ-lyon1.fr/nte/heyde/www.public.iastate.edu/_pedro/glase/glase.html (10/10/03)<br />
a 95°C por 2 horas, usando a aamilase<br />
bacteriana termoestável, em<br />
pH 6.0-6.5. Finalmente, o amido<br />
liquefeito é resfriado a 60°C e<br />
hidrolisado por mais 48 a 72 horas<br />
usando a glucoamilase (James e Lee,<br />
1997, Brumm, 1998). Está claro que<br />
a termoestabilidade da glucoamilase<br />
determina a velocidade do processo<br />
como um todo. Trabalhar em<br />
altas temperaturas não apenas pode<br />
acelerar a taxa da reação e consequentemente<br />
diminuir o tempo do<br />
processo, como também pode prevenir<br />
a contaminação microbiológica,<br />
além de reduzir a viscosidade da<br />
mistura de reação. Portanto, o desenvolvimento<br />
de uma glucoamilase<br />
mais termoestável poderá contribuir<br />
para a otimização do processo<br />
de sacarificação do amido. Entretanto,<br />
o conhecimento da estrutura da<br />
proteína e o processo de termoinativação<br />
da enzima são necessários<br />
para elaboração de prognósticos racionais<br />
e planos efetivos de experimentos<br />
de estabilização da estrutura<br />
proteica.<br />
A glucoamilase de Aspergillus é<br />
codificada por um único gene, mas<br />
existem duas ou três formas variáveis<br />
da enzima produzidas por proteólise<br />
limitada (Svensson et al., 1986). Pazur<br />
et al (1971) constatou que as formas<br />
da glucoamilases de Aspergillus niger<br />
são glicoproteinas que possuem quantidades<br />
diferentes de glicosilações.<br />
Como em outras proteínas, após a<br />
síntese no citoplasma, a GA é transportada<br />
em um estado desdobrado<br />
através da membrana do retículo<br />
DC L DLS<br />
endoplasmático (RE). Durante o subseqüente<br />
processo de dobramento,<br />
ocorre a O-glicosilação do “linker”,<br />
filamento que liga o domínio catalítico<br />
(CD) ao domínio de ligação ao substrato<br />
(DLS), e pontes dissulfetos são<br />
formadas (Pryer et al, 1992; Gaut e<br />
Hendershot, 1993). Assim, a GA, na<br />
sua conformação nativa estendida,<br />
assume uma forma de alteres, onde<br />
dois domínios volumosos, o domínio<br />
catalítico e o domínio de ligação ao<br />
amido, estão ligados por um filamento<br />
fino como mostra a figura 1. Esta é<br />
uma imagem simplificada ilustrativa,<br />
uma vez que a estrutura real da GA<br />
completa ainda não está disponível.<br />
A organização dos domínios da molécula<br />
tem sido deduzida através das<br />
diferentes técnicas biofísicas e relatos<br />
disponíveis (Coutinho, 1997;<br />
Sauer, 2000).<br />
As inúmeras proteínas desdobradas,<br />
que entram no lúmem do RE,<br />
devem ser protegidas de quaisquer<br />
agressões e serem mantidas em um<br />
estado de dobramento-competente.<br />
Dobramentos ineficientes ou mutações<br />
em proteínas secretadas resultam<br />
em enzimas com conformação<br />
incorreta e defeito na atividade<br />
(Bonifacino e Klausner, 1994).<br />
Em Aspergillus awamori, o gene<br />
codifica uma GAI de tamanho completo<br />
contendo de 615 a 616 resíduos<br />
de aminoácidos (figura 2), bem como<br />
o peptídeo sinalizador de secreção<br />
no N-terminal. O peptídeo sinalizador<br />
é cortado após a secreção da proteína<br />
pela célula. O outro maior produto<br />
de proteólise da GAI (diz-se da GA<br />
competente) é a GAII resultante da<br />
perda do sítio de ligação ao substrato<br />
localizado na extremidade C-terminal.<br />
A GAII é uma mistura de<br />
polipeptídeos de tamanhos entre 512<br />
e 514 resíduos de aminoácidos, com<br />
atividade catalítica normal mas sem a<br />
habilidade para se ligar ao amido no<br />
estado natural, não gelatinizado<br />
(Svensson et al., 1986).<br />
As proteínas originais de<br />
Aspergillus niger e Aspergillus<br />
awamori, cujas seqüências são idênticas<br />
(Svensson et al., 1989; Nunberg<br />
et al., 1984), consistem de três principais<br />
áreas funcionais (Coutinho e<br />
Reilly, 1994 a-b, Coutinho e Reilly,<br />
1997): (1) o domínio catalítico, constituído<br />
dos resíduos 1 ao 440, (2) o<br />
filamento ligante, formado pelos resíduo<br />
441 ao 512, que é altamente Oglicosilado,<br />
e (3) um domínio de<br />
ligação ao amido no estado natural<br />
na extremidade C-terminal, contendo<br />
os resíduo 513 a 616 (Svensson et<br />
al., 1986; et al., 1989). Além da região<br />
de O-glicosilação do “linker”, dois<br />
outros sítios de N-glicosilação estão<br />
localizados nos resíduos Asn 171 e<br />
Asn 395 (Svensson et al., 1989; Aleshin<br />
et al., 1992). Acredita-se que os resíduos<br />
de carboidratos desempenham<br />
uma importante função na estabilização<br />
da glucoamilase (Manjunath et<br />
al.,1983, Svensson et al.,1989;<br />
Williamson et al., 1992a). Em altas<br />
temperaturas, a GA de A. niger, quimicamente<br />
desglicosilada, (Shenoy<br />
et al., 1984) e a glucoamilase de A.<br />
awamori, geneticamente truncada,<br />
sem parte da região de O-glicosilação<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 87
(Evans et al, 1990), deterioraram-se<br />
mais rapidamente do que as suas<br />
formas selvagens. Além disso, a GAII<br />
em que falta apenas do domínio de<br />
ligação ao substrato, tem termoestabilidade<br />
similar a da GAI (Svensson<br />
et al., 1986), enquanto que uma<br />
glucoamilase especial (GAI’), na qual<br />
faltam parte da região O-glicosilada e<br />
o domínio de ligação ao amido, é<br />
menos estável do que a sua forma<br />
original (Hayashida et al., 1989). A<br />
região de O-glicosilação também facilita<br />
a secreção de GA (Evans et al.,<br />
1990).<br />
A estrutura da GA nativa é muito<br />
difícil de determinar em função do<br />
alto grau de glicosilação. Aleshin et<br />
al (1992) determinou a estrutura cristalina<br />
de uma GA muito próxima da<br />
forma nativa denominada A. awamori<br />
var. X100 (GA’) (figura 3), a qual foi<br />
obtida por proteólise limitada com<br />
subtilisina e apresenta os primeiros<br />
470 resíduos de aminoácidos da proteína<br />
original. Esta seqüência de aminoácidos<br />
da GA’ é 99,4% similar a<br />
GAI de A. niger e A. awamori, com<br />
uma deleção no resíduo 102 (Aleshin<br />
et al, 1992, 1994a). Assim, o estudo<br />
desta estrutura cristalina elucidou a<br />
conformação do domínio catalítico<br />
completo e a conformação da primeira<br />
metade N-terminal da região Oglicosilada<br />
da glucoamilase de<br />
Aspergillus. A estrutura cristalina da<br />
GA de A. awamori var. X100 mostrou<br />
que o domínio catalítico consiste<br />
de treze a-hélices que compreendem<br />
cerca de 51% dos resíduos de<br />
aminoácidos do polipeptídeo total, e<br />
regiões menores de β filamentos<br />
antiparalelos. Doze das α-hélices<br />
estão arranjadas dentro de uma estrutura<br />
denominada barril α/α, consistindo<br />
de seis α-hélices externas e seis<br />
internas que envolvem o sítio<br />
catalítico em forma de funil, constituído<br />
por seis segmentos α/α altamente<br />
conservados (Sauer, 2000). O sítio<br />
catalítico da GA possui uma barreira<br />
de resíduos hidrofóbicos no centro,<br />
os quais separam o núcleo em duas<br />
regiões de volume morto (void), contendo<br />
apenas água. Uma serve como<br />
o sítio ativo propriamente dito e a<br />
outra, tem uma função ainda não<br />
conhecida (Aleshin et al., 1994a). O<br />
sítio ativo contém Glu179 e Glu400<br />
como os dois resíduos de aminoácidos<br />
catalíticos localizados no fundo<br />
do sítio (Harris et al., 1993; Sauer,<br />
2000). A estrutura em barril α/α do<br />
DC da GA de A. awamori, A. niger e<br />
de Saccharomyces fibuligera são similares,<br />
sendo que esta última apresenta<br />
14 α-hélices, 12 das quais estão<br />
na conformação barril α/α (Sevcik et<br />
al, 1998; Sauer et al, 2000). Esta<br />
conformação contrasta com a<br />
topologia de organização em barril<br />
α/β encontrada em outras enzimas<br />
amilolíticas tais como α e β-amilases<br />
(Buisson et al., 1987; e Mikami et al.,<br />
1993) e ciclodestrina glucosiltransferases<br />
(Klein e Schulz, 1991). Observou-se<br />
uma pequena similaridade<br />
entre a estrutura da GA e proteínas<br />
transportadoras de glucose. Assim, a<br />
organização das hélices na GA pode<br />
ser relevante para a conformação de<br />
proteínas que transportam glucose<br />
(Aleshin et al, 1994a).<br />
O segmento O-glicosilado está<br />
numa conformação de cinto estendido<br />
em torno do barril α/α catalítico.<br />
Isto sugere que este segmento serve<br />
como um elo de ligação estrutural<br />
entre o domínio catalítico e o domínio<br />
de ligação. A primeira parte (aminoácidos<br />
441 a 471) desta região Oglicosilada<br />
possui cerca de 10 resíduos<br />
de manoses expostos, que juntos<br />
88 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Figura 2. Seqüência de aminoácidos (1 letra) da GA de A. niger. Letras vermelhas: αhelice;<br />
letras azuis: fita-β; C dentro dos retângulos: resíduos de cisteínas envolvidos<br />
em pontes dissulfetos; N dentro dos retângulos: sitios N-glicosilados; T e S dentro dos<br />
retângulos: sítios O-glicosilados; E dentro dos retângulos: resíduos dos aminoácidos<br />
catalíticos glutâmico 179 e 400; seqüências sombreadas: regiões conservadas S1 a S5;<br />
seqüência sublinhada: sitio de ligação ao substrato. Fonte: Flory, 1993.<br />
com 2 unidades de glucoses ligadas<br />
N-glicosidicamente nos resíduos Asn<br />
171 e Asn 395, formam um cinto de<br />
glicosilações ao redor do domínio<br />
catalítico (Aleshin et al, 1992). Foi<br />
sugerido que a outra parte altamente<br />
O-glicosilada (aminoácidos de 472 a<br />
512) envolva o domínio catalítico<br />
como uma continuação do resíduo<br />
471, fazendo com que o domínio de<br />
ligação ao amido fique próximo ao<br />
sítio ativo (Sauer et al, 2000). O<br />
segmento C-terminal do “linker” contém<br />
cerca de 30 aminoácidos, principalmente<br />
serina e treonina, sendo,<br />
portanto, muito O-glicosilado. A esta<br />
parte particular do linker tem sido<br />
atribuída papéis na estabilidade, secreção<br />
e na digestão do amido cru<br />
(Libby et al, 1994; Sauer et al, 2000).<br />
Embora algumas características como<br />
a compactação da conformação do<br />
barril α/α, a proteção dos carboidratos<br />
e a região O-glicosilada, façam a<br />
GA de Aspergillus mais estável do<br />
que algumas proteínas, uma maior<br />
estabilidade ainda é requerida para<br />
os processos industriais, como explicado<br />
anteriormente.<br />
O domínio de ligação ao amido<br />
possui este nome por causa da sua<br />
capacidade de se ligar ao grânulo de<br />
amido nativo e permitir sua digestão<br />
pelo domínio catalítico (Svensson et
Figura 3. Esquema da glucoamilase (GA’) de Aspergillus awamori var. X100 (Aleshin<br />
et al., 1992). α- hélices (H1 a H13) são simbolizadas por cilindros, sítios de Oglicosilação<br />
são representados por hexágonos simples, e sítios de N-glicosilação são<br />
simbolizados por cadeias de três hexágonos.<br />
al., 1983). Este domínio parece ter a<br />
capacidade de ligar a GA à parede da<br />
célula isto porque tem afinidade por<br />
α-1,4 e α-1,6 glucanos que pertencem<br />
à parede celular. Esta afinidade aumenta<br />
a concentração de GA próxima<br />
da micromembrana da célula<br />
(Neustroev et al., 1993). A GAII, na<br />
qual faltam os resíduos 513 a 616, tem<br />
uma habilidade semelhante a GAI<br />
para digerir amido solúvel, mas possui<br />
uma habilidade drasticamente reduzida<br />
para se ligar e hidrolisar o<br />
amido nativo (Svensson et al., 1989).<br />
Recentemente, foi demonstrado que<br />
o DLS isolado, atuando em grânulos<br />
de amido juntamente com a GAII,<br />
apresentaram um efeito sinergístico<br />
na degradação do substrato insolúvel,<br />
sugerindo que o domínio de ligação<br />
ao substrato se liga ao amido como<br />
uma porção individual e rompe a<br />
compacta estrutura do grânulo de<br />
amido facilitando a hidrólise pelo<br />
domínio catalítico (Southall et al, 1999;<br />
Sauer et al, 2000). O domínio de<br />
ligação ao amido da GA possui uma<br />
significante similaridade de seqüência<br />
de aminoácidos com o domínio de<br />
ligação ao amido da ciclodextrina glicosiltransferase<br />
(CGTase) (Svensson<br />
et al., 1989). A estrutura tridimensional<br />
da CGTase é globular, contendo de 6<br />
a 8 fitas β (Klein e Schulz, 1991). A<br />
estrutura do domínio de ligação ao<br />
amido da GA revela uma estrutura<br />
bem definida em fitas β consistindo<br />
de um par paralelo e 6 pares<br />
antiparalelos que formam um barril β<br />
aberto na lateral. Dois sítios de ligação<br />
para outros ligantes foram encontrados<br />
neste domínio, sendo cada um<br />
no final da molécula em faces opostas<br />
(Sorimachi et al., 1996). O mecanismo<br />
proposto de ligação deste domínio<br />
aos grânulos de amido, parece envolver<br />
a formação de um complexo de<br />
inclusão entre os resíduos hidrofóbicos<br />
do domínio de ligação e os grânulos<br />
de amido (Goto et al., 1994).<br />
Existem quatro pontes dissulfetos<br />
na GA, das quais três estão no<br />
domínio catalítico e uma no domínio<br />
de ligação. No domínio catalítico, as<br />
pontes estão entre os resíduos 210 e<br />
213 (conectando o N-terminal com o<br />
meio da hélice 7), 262 e 270 (contendo<br />
um filamento β antiparalelo) e 222<br />
e 449 (associando o trigésimo resíduo<br />
O-glicosilado do “cinto” com o<br />
domínio catalítico) (Aleshin et al.,<br />
1992). Experimentos sugerem que<br />
existe uma ligação dissulfeto entre os<br />
resíduos 509 e 604 que conecta o Nterminal<br />
com o C-terminal do domínio<br />
de ligação ao substrato (Coutinho<br />
e Reilly, 1994 b).<br />
Existem dois resíduos N-glicosilados<br />
(Asn 171 e Asn 395) na GA, nos<br />
arredores do sítio ativo. Em cada<br />
caso, o N da Asn está ligado à posição<br />
C1 do primeiro resíduo de açúcar (Nacetil-D-glucosamina),<br />
que está ligado<br />
por β (1→4) ao segundo (Nacetil-D-glucosamina)<br />
que por sua<br />
vez se liga ao terceiro resíduo (Dmanose)<br />
(Aleshin et al., 1992). O<br />
número total de resíduos de açúcares<br />
para formar a cadeia glicosil ligada a<br />
Asn 171 e Asn 395 é 5 e 8 respectivamente<br />
(Aleshin et al., 1994 a). A<br />
mutação Asn 395→ Gln que removeu<br />
o sítio de N- glicosilação no resíduo<br />
395, diminuiu drasticamente tanto a<br />
secreção como a termoestabilidade,<br />
mas não alterou a atividade específica<br />
(Chen et al., 1994 b).<br />
Embora a GA de A. awamori<br />
primariamente catalise a clivagem<br />
hidrolítica de ligações a (1,4) com<br />
liberação de β-glucose a partir de<br />
uma extremidade não redutora da<br />
cadeia de amido e oligossacarídeos,<br />
ela também cliva ligações glicosídicas<br />
a (1,6) com uma eficiência catalítica<br />
(Kca t / Km) por volta de 500 vezes<br />
menor do que para as ligações a (1,4)<br />
(Fleetwood e Weigel, 1962).<br />
2. Termoestabilização da<br />
Glucoamilase<br />
2.1. Estratégias tradicionais<br />
A modificação química e a imobilização<br />
são as duas principais estratégias<br />
tradicionais que têm sido exploradas<br />
para melhorar a termoestabilidade<br />
da GA.<br />
Modificação química: altera um<br />
grupo funcional específico nas proteínas,<br />
tal como um grupo carboxila,<br />
por reação química. Embora esta<br />
técnica tenha aumentado a estabilização<br />
da a α-quimotripsina em 1000<br />
vezes (Moshaev et al., 1988), ela<br />
geralmente tem um rendimento negativo<br />
ou relativamente muito pequeno<br />
na termoestabilização da GA<br />
(Sinitsyn et al.,1978; Munch e Tritsch,<br />
1990).<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 89
Imobilização: geralmente resulta<br />
em alguma perda da atividade<br />
enzimática (Lee et al., 1976; Svensson<br />
e Ottesen, 1981; Lenders e Crichton,<br />
1988), mas apesar disso, foi usada<br />
em GA porque ela permite o processo<br />
contínuo de operação. Embora<br />
muitas GAs imobilizadas tenham<br />
melhor estabilidade do que as formas<br />
solúveis, elas ainda não substituíram<br />
estas últimas no uso industrial, isto<br />
porque as GAs imobilizadas devem<br />
ser usadas em temperaturas operacionais<br />
baixas a fim de serem preservadas<br />
por vários meses, e continuarem<br />
viáveis (Lee et al., 1976). Desde que<br />
a energia de ativação para a atividade<br />
enzimática deva ser menor do que<br />
para a inativação da enzima, uma<br />
temperatura de 38 a 40°C é recomendada<br />
para a GA imobilizada. Entretanto,<br />
o decréscimo na temperatura<br />
operacional resulta numa baixa taxa<br />
de reação e em contaminação<br />
microbiológica, que é menos facilmente<br />
controlado em fábricas do que<br />
em laboratório. Lee et al., (1976)<br />
relataram que a GA imobilizada rendeu<br />
xaropes com teores mais baixo<br />
de glucose, 1,0-1,5%, e de Dextrose<br />
Equivalente (DE), 1,0-1,5 unidades,<br />
do que aqueles produzidos por<br />
enzimas solúveis. Isto é atribuído a<br />
limitação da difusão de partículas de<br />
glucose, que resulta em um gradiente<br />
de concentração de glucose e,<br />
consequentemente, leva a uma maior<br />
incidência de reações reversíveis<br />
do que se o gradiente não estivesse<br />
presente (Lee et al., 1980). Além<br />
disso, numa aplicação real, as altas<br />
concentrações do substrato estabilizam<br />
tão bem a GA que o aumento da<br />
termoestabilização proporcionado<br />
pela imobilização torna-se relativamente<br />
insignificante (Klesov e<br />
Gerasimas, 1979).<br />
2.2. Estratégias<br />
moleculares (Evolução<br />
Dirigida de Enzimas)<br />
O advento da engenharia de<br />
proteínas, empregando técnicas de<br />
biologia molecular, proporcionou<br />
novas estratégias para a termoestabilização<br />
de enzimas. O gene da GA de<br />
A. awamori foi clonado e expressado<br />
em Saccharomyces cerevisiae (Innis<br />
et al., 1985) e em Pichia pastoris<br />
(Fierobe et al. 1997), o que permitiu<br />
o emprego da manipulação genética<br />
como uma maneira de modificar a<br />
enzima para melhorar suas propriedades<br />
catalíticas ou físicas.<br />
Estas estratégias para criar novas<br />
ou melhoradas propriedades em<br />
enzimas, atualmente podem ser separadas<br />
em duas estratégias complementares<br />
1) desenho racional e 2)<br />
evolução dirigida. O desenho racional<br />
de proteínas é baseado no conhecimento<br />
detalhado da seqüência primaria,<br />
estrutura, função e mecanismo<br />
de catálise. Através destes conhecimentos,<br />
alterações são introduzidas,<br />
principalmente, por mutação sitio<br />
dirigida, como será discutido abaixo.<br />
A evolução dirigida, (Zhang, 1997)<br />
não exige conhecimento da relação<br />
estrutura-função da enzima. A evolução<br />
dirigida é também chamada de<br />
biotecnologia evolutiva (Arnold e<br />
Volkov, 1999; Reetz e Jaeger, 1999;<br />
Sutherland,2000). O termo evolução<br />
dirigida subtende uma série de experimentos<br />
que reproduzem, de forma<br />
acelerada e em tubos de ensaios, a<br />
evolução da diversidade natural e<br />
adaptação ambiental. Mutações e<br />
recombinações são feitas dando ao<br />
processo uma direção no sentido de<br />
atingir a otimização de uma propriedade<br />
específica (Lehman e Wyss,<br />
2001). Muitas pistas de como melhorar<br />
enzimas vêm dos estudos de como<br />
as enzimas evoluem na natureza. Assim,<br />
esta poderosa técnica objetiva<br />
otimizar o processo de melhoramento<br />
das enzimas utilizando mecanismos<br />
envolvidos na evolução natural (mutação,<br />
recombinação e seleção natural).<br />
Entretanto, a evolução dirigida<br />
difere do processo natural no sentido<br />
em que são os pesquisadores que<br />
definem as propriedades a serem<br />
otimizadas e o processo biotecnológico<br />
acontece em um período curto de<br />
tempo (semanas ou meses) (Reetz,<br />
1999).<br />
Num experimento de evolução<br />
dirigida, primeiramente é induzida<br />
uma alteração no DNA visando uma<br />
resposta específica. Isto resulta em<br />
uma biblioteca de populações com<br />
diferentes graus de possíveis respostas,<br />
incluindo ou não a resposta esperada.<br />
O próximo passo é encontrar<br />
90 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
dentre as milhões de possibilidades,<br />
a solução ou as soluções corretas, ou<br />
seja, a enzima que exibe a propriedade<br />
desejada (Arnold, 1996).<br />
Em suma, este processo consiste<br />
na combinação de técnicas da biologia<br />
molecular apropriadas para a<br />
mutação e expressão do gene,<br />
acopladas a um eficiente e rápido<br />
sistema de seleção. (Reetz e Jaeger,<br />
2000). A idéia é partir de uma enzima<br />
selvagem, realizar a mutagênese no<br />
gene que codifica a enzima e selecionar<br />
os melhores mutantes de acordo<br />
com a característica fenotípica<br />
desejada (Zhang, 1997). Após a seleção<br />
dos mutantes, segue-se novos<br />
ciclos de mutações buscando melhores<br />
mutantes.<br />
Quando a taxa de mutação, tamanho<br />
da biblioteca e o processo de<br />
seleção são adequados, o fenótipo<br />
desejado de uma enzima geralmente<br />
aumenta a cada ciclo de mutações<br />
(Zhang, 1997).<br />
Existe um grande número de<br />
diferentes estratégias de mutagênese<br />
para criar diversidade de seqüências,<br />
tais como a mutação pontual ao acaso<br />
por PCR mutagênico (error-prone<br />
PCR), e o embaralhamento de DNA<br />
(DNA shuffling). Combinações destas<br />
técnicas também vêm sendo utilizadas.<br />
Tais estratégias serão discutidas<br />
a seguir:<br />
2.2.1 Mutação Sítio Dirigida<br />
(MSD)<br />
É uma poderosa técnica na qual<br />
apenas um ou poucos aminoácidos<br />
específicos são substituídos por outros<br />
aminoácidos, por alteração nos<br />
correspondentes nucleotídeos no<br />
gene codificador da proteína. Quando<br />
realizada com sucesso, ela tem a<br />
vantagem de melhorar a característica<br />
desejada da enzima sem afetar<br />
outras propriedades e até mesmo de<br />
criar mutantes carregando várias características<br />
melhoradas.<br />
Nesta ferramenta, as mudanças<br />
precisas, efetuadas na seqüência dos<br />
aminoácidos, são baseadas no conhecimento<br />
detalhado da estrutura da<br />
proteína, função e mecanismo (Chen,<br />
1999). Por exemplo, um resíduo particular<br />
de aminoácido pode ser identificado<br />
como sendo importante para
a atividade catalítica da enzima (Reetz,<br />
1999), sendo assim, uma substituição<br />
individual deste aminoácido poderia<br />
provocar mudanças na estrutura secundária<br />
resultando em enzimas com<br />
características desejáveis (Chen, 1999).<br />
Entretanto, seria impossível predizer<br />
qual dos 19 aminoácidos remanescentes<br />
seria o melhor alvo para a<br />
mutação que resultaria em subsequente<br />
melhoria da propriedade procurada<br />
(Reetz, 1999). Muitas tentativas para<br />
alterar especificamente algumas das<br />
propriedades das enzimas através<br />
desta técnica falharam, isto porque a<br />
introdução de aminoácidos substitutos<br />
têm efeitos inesperados na estrutura<br />
e função da enzima. (Kikuchi,<br />
1999). Além disso, tem sido observado<br />
que em muitos estudos de mutação<br />
sítio dirigida, o aumento da termoestabilidade<br />
está vinculada ao decréscimo<br />
da atividade catalítica (Carrea<br />
e Colombo, 2000). As falhas também<br />
podem ser porque este processo requer<br />
conhecimento de detalhes da<br />
estrutura tridimensional da enzima,<br />
de seu mecanismo de catálise, bem<br />
como um certo grau de intuição na<br />
escolha do aminoácido a ser substituído<br />
(Reetz, 1997). Em muitos casos,<br />
estas substituições foram feitas sem<br />
levar em consideração as propriedades<br />
estruturais da proteína (Chen, 1999).<br />
2.2.2. PCR mutagênico (Errorprone<br />
PCR):<br />
A introdução de mutações através<br />
desta técnica envolve uma modificação<br />
no protocolo de PCR (Jaeger<br />
e Reetz, 2000). Uma reação de PCR é<br />
normalmente realizada de modo a<br />
amplificar qualquer dado DNA com<br />
alta fidelidade. A atividade de correção<br />
de erro 3’ → 5’ da DNA polimerase<br />
assegura que a amplificação do<br />
DNA siga de maneira precisa. Ocasionalmente,<br />
nucleotídeos errados são<br />
incorporados durante a amplificação<br />
levando a mutações com uma freqüência<br />
de 0,1 a 2x 10 -4 por<br />
nucleotídeo para a DNA polimerase<br />
termoestável do Thermus aquaticus<br />
(Taq polimerase). Esta baixa taxa de<br />
erro pode ser aumentada para 7x 10 -3<br />
por nucleotídeo através de um ou<br />
mais dos seguintes procedimentos:<br />
aumento da concentração de MgCl 2 ,<br />
adição de MnCl 2 , aumento na concentração<br />
de dCTP e dTTP e aumento<br />
na quantidade taq polimerase. Para o<br />
propósito de evolução dirigida de<br />
enzima, estas condições devem ser<br />
modificadas a fim de se obter uma<br />
taxa média de 1 a 2 nucleotídeos<br />
mutados por gene, levando a uma<br />
mudança média de 1 aminoácido por<br />
enzima mutante (Reetz, 1999). A vantagem<br />
de tal processo é que pode ser<br />
realizado rapidamente envolvendo<br />
qualquer proteína, mesmo sem o<br />
conhecimento preciso de sua estrutura<br />
(Zhang et al, 1997 e Jaeger e<br />
Reetz, 2000).<br />
2.2.3. Embaralhamento de DNA<br />
(DNA shuffling)<br />
Este poderoso processo de evolução<br />
dirigida, que gera diversidade<br />
por recombinação, é baseado na combinação<br />
de mutações úteis de genes<br />
individuais. Bibliotecas de genes quiméricos<br />
podem ser geradas por fragmentação<br />
aleatória de um gene, seguido<br />
por recombinação dos fragmentos<br />
em uma reação de PCR<br />
(Crameri, 1998).<br />
O embaralhamento de DNA<br />
combinado com uma seleção para a<br />
atividade pode acelerar a evolução<br />
dirigida das características desejadas.<br />
Nesta técnica, a diversidade é<br />
introduzida a partir de uma biblioteca<br />
de mutações pontuais aleatórias<br />
(Christians et al, 1999). Os genes<br />
selecionados podem ser submetidos<br />
a mais ciclos de mutações (reembaralhamento)<br />
e melhorar ainda mais a<br />
sua mutação benéfica original<br />
(Stemmer, 1994a) simulando de forma<br />
acelerada, o processo natural de<br />
recombinação sexual (Christians et<br />
al, 1999).<br />
A técnica consiste basicamente<br />
na fragmentação de um gene com<br />
diferentes mutações pontuais por<br />
DNAse I. A recombinação dos fragmentos<br />
aleatoriamente resulta em<br />
moldes trocados e recombinados. Um<br />
gene recombinante contendo 4<br />
“crossovers” pode ser selecionado da<br />
biblioteca de recombinantes baseado<br />
na função melhorada. O conjunto<br />
selecionado promove o ponto de<br />
partida para outro ciclo de mutações<br />
e recombinações. Este processo iso-<br />
lado causa um baixo número de<br />
mutações pontuais, mas se for desejado,<br />
mutações adicionais podem ser<br />
incorporadas por PCR mutagênico<br />
ou mutagênese por UV no “pool” de<br />
genes (Stemmer, 1994a).<br />
A técnica de embaralhamento<br />
pode ser realizada com mutantes do<br />
mesmo gene e também com genes<br />
homólogos de diferentes espécies<br />
(family shuffling) (Reetz e Jaeger,<br />
1999). Esta recente adaptação permite<br />
que duas ou mais seqüências que<br />
ocorram naturalmente sejam usadas<br />
como material genético iniciador.<br />
Neste método, genes similares são<br />
misturados, fragmentados aleatoriamente<br />
e recombinados sob condições<br />
que permitam o anelamento e a<br />
extensão de fitas complementares<br />
não idênticas (Christians et al, 1999).<br />
A recombinação que ocorre nesta<br />
técnica é causada pela incorporação<br />
de um fragmento derivado de uma<br />
seqüência dentro de outra, baseado<br />
na homologia.<br />
Análises evolutivas de famílias<br />
de enzimas sugerem que mudanças<br />
drásticas na função da enzima exigem<br />
uma considerável mudança na<br />
seqüência de aminoácidos de um<br />
polipeptídeo. Tais mudanças provavelmente<br />
não ocorrem durante o processo<br />
de evolução in vitro, no qual as<br />
enzimas são principalmente melhoradas<br />
por mutações de ponto com<br />
uma tendência a transições e<br />
transversões limitando o acesso a um<br />
amplo espectro de substituições. Em<br />
contraste, a mutação natural, tipicamente<br />
resultante de recombinação<br />
sexual ou homóloga, gera deleções,<br />
inserções, duplicações ou fusões.<br />
Neste último processo, tais mutações<br />
alteram o espaçamento entre<br />
os resíduos de aminoácidos e segmentos<br />
de cadeias de polipeptídeos<br />
e pode resultar em mudanças na<br />
especificidade e novas atividades<br />
catalíticas (Chen, 2001).<br />
“Screening” e Seleção: Grandes<br />
bibliotecas de mais de 10 10 genes<br />
mutantes podem facilmente ser criadas<br />
usando as técnicas acima. Portanto,<br />
o desenvolvimento de um<br />
sistema apropriado de seleção é de<br />
importância chave no processo de<br />
evolução dirigida de enzimas (Reetz,<br />
1999). Seleções efetivas, nas quais<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 91
apenas aqueles clones carregando a<br />
característica desejada sobrevivam<br />
ou cresçam mais rápido são raras<br />
(Arnold e Volkov, 1999). No caso do<br />
emprego de vetores (plasmídios), o<br />
“screening” é feito para obter os<br />
mutantes que incorporaram o vetor<br />
contendo o gene desejado. O vetor<br />
geralmente carrega um gene para<br />
resistência a algum antibiótico, por<br />
isso utiliza-se o plaqueamento das<br />
linhagens submetidas ao processo<br />
de mutagênese em um meio contendo<br />
o antibiótico. As colônias que<br />
crescerem neste meio, certamente<br />
incorporaram o vetor e podem ser<br />
escolhidas para a próxima etapa. Em<br />
outros casos, a mutação positiva<br />
resulta em reparo de algum defeito<br />
que poderá ser usado como ferramenta<br />
para a seleção. Por exemplo,<br />
a recuperação da habilidade de produção<br />
de enzimas formadoras de<br />
halos na placa de seleção. A etapa<br />
seguinte é a escolha de colônias que<br />
tenham a característica desejada, por<br />
exemplo, o aumento na termoestabilidade<br />
enzimática. Assim, as<br />
enzimas das colônias positivas no<br />
“screening” serão submetidas a testes<br />
de termoinativação a fim de se<br />
isolar as colônias produtoras de<br />
enzimas termoestáveis.<br />
2.3. Enzimas<br />
termoestabilizadas por<br />
estratégias moleculares<br />
Akanuma et al (1998) introduziram<br />
o gene leuB (que codifica para a<br />
3-isopropilmalato desidrogenase envolvida<br />
na biossíntese de leucina) no<br />
microrganismo termofílico Thermus<br />
thermophilus usando técnicas de evolução<br />
dirigida de enzimas. Após mutação<br />
no gene da enzima, eles obtiveram<br />
uma variante termoestável. A<br />
estabilidade térmica da enzima<br />
mutante foi 10°C acima da observada<br />
na enzima selvagem.<br />
A técnica da evolução dirigida<br />
foi aplicada à kanamicina nucleotidiltransferase<br />
(KNTase), uma enzima<br />
que confere resistência ao antibiótico<br />
kanamicina. Variantes desta<br />
enzima apresentaram resistência a<br />
kanamicina a uma temperatura de<br />
63°C e foram produzidas por dois<br />
ciclos seguidos de mutações resul-<br />
tando em duas substituições de aminoácidos<br />
(Reetz e Jaeger, 1999).<br />
Kikuchi et al (1999) aplicaram<br />
esta técnica nos genes xylE e nahH<br />
que codificam para a enzima catecol<br />
2,3-dioxigenase. Mais de 2000 clones<br />
híbridos foram criados e posteriormente<br />
selecionados para estabilidade<br />
térmica. A melhor enzima quimérica<br />
selecionada foi testada a 50°C e<br />
a vida média foi de 70 min, muito<br />
maior do que a enzima codificada<br />
pelos genes selvagens xylE (2,7min)<br />
e nahH (5,4min).<br />
Yang et al (2000) criaram um<br />
mutante para o gene da subtilisina E<br />
através da técnica de PCR mutagênico.<br />
Análises do seqüenciamento revelaram<br />
apenas uma substituição (A→G).<br />
O tempo de vida médio da atividade<br />
da enzima mutante, quando encubada<br />
a 65°C, foi de aproximadamente 80<br />
min enquanto que uma outra linhagem<br />
mutante (mutante original usado<br />
no PCR mutagênico) e a linhagem<br />
selvagem apresentaram um tempo de<br />
13 e 15 min respectivamente.<br />
Miyazaki et al (2000) usaram a<br />
técnica de embaralhamento de DNA<br />
em uma subtilisina S41 psicrofílica<br />
com o objetivo de aumentar sua termoestabilidade<br />
e atividade. Após a<br />
terceira geração de bibliotecas criadas<br />
por PCR mutagênico, três variantes<br />
termoestáveis foram identificadas.<br />
Das três, uma enzima mutante<br />
em particular teve a maior atividade<br />
residual após incubação a 70°C. Esta<br />
subtilisina S41 variante contém 7 substituições<br />
de aminoácidos, todas contribuindo<br />
para o aumento da sua<br />
termoestabilidade.<br />
A temperatura ótima da lipase<br />
foi aumentada em até 15°C através<br />
da mutagênese aleatórea utilizando a<br />
técnica de PCR com tendência ao<br />
erro (Kohno et al, 2001).<br />
Utilizando-se da técnica de embaralhamento<br />
de DNA Hayashi et al.<br />
(2001), obtiveram quimeras de βglucosidase<br />
com a termoestabilidade<br />
aumentada em até 16°C quando comparadas<br />
com a enzima original.<br />
A evolução dirigida foi também<br />
usada para melhorar a termoestabilidade<br />
da galactose oxidase (Sun et<br />
al, 2001). Foi observado que as<br />
enzimas mutantes obtidas, mantinham<br />
a atividade enzimática e a<br />
92 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
especificidade pelo substrato semelhantes<br />
às da enzima selvagem, entretanto,<br />
a termoestabilidade foi aumentada.<br />
O T 50 (temperatura na qual<br />
as enzimas perdem 50% da sua atividade)<br />
foi aumentado para 67°C para<br />
os dois mutantes mais termoestáveis<br />
enquanto que a selvagem não ultrapassou<br />
63°C.<br />
Experimentos com a GA usam<br />
na sua grande maioria a MSD como<br />
ferramenta para a obtenção de características<br />
desejadas melhoradas, uma<br />
boa revisão neste assunto foi apresentada<br />
por Ford (1999). Várias abordagens<br />
preconizadas para estabilização<br />
podem ser acessadas pela MSD,<br />
como por exemplo, as substituições<br />
dos resíduos flexíveis de glicina em<br />
α-helices, substituições de seqüências<br />
susceptíveis a desamidação e quebra<br />
Asn-Gly, alterações em ligações<br />
frágeis como Asp-X, introdução de<br />
prolina que reduz o número de conformações<br />
no estado desdobrado,<br />
acréscimo cisteínas para aumentar o<br />
número de pontes dissulfetos, além<br />
de combinações destas abordagens<br />
em mutantes múltiplos etc. (Ford,<br />
1999; Sauer, 2000).<br />
Libby et al (1994) testaram o<br />
efeito de deleções de aminoácidos<br />
na região O-glicosilada da GA de<br />
Aspergillus awamori. Foram feitas<br />
deleções para remover os resíduos<br />
de 466 a 512 (GAI), de 485 a 512<br />
(GAII) e de 466 a 483 (GAIII). Analisando<br />
as frações intracelulares e<br />
extracelulares, observou-se que a<br />
região deletada da GAIII afetou a<br />
secreção enquanto que a deleção da<br />
GAII contribuiu para a produção e<br />
uma estrutura estável da proteína.<br />
Para todos os mutantes foram encontradas<br />
atividades catalíticas similares<br />
à selvagem indicando que as deleções<br />
não afetaram o sítio catalítico.<br />
Chen et al. (1994) substituíram<br />
a seqüência susceptível a desamidação,<br />
Asn182-Gly, por Ala182-Gly, o<br />
que resultou em decréscimo de 2,5<br />
vezes na taxa de termoinativação a<br />
60 e 65°C.<br />
O efeito da substituição de resíduos<br />
flexíveis de glicina por alanina<br />
em quatro diferentes α-hélices na GA<br />
de Aspergillus awamori foram estudados<br />
(Chen et al, 1996). Substituições<br />
simples de Gly137 e Gly139 e
no mutante múltiplo contendo ambas<br />
as mutações estabilizaram a GA contra<br />
a termoinativação irreversível.<br />
Com o objetivo de estudar o<br />
papel das regiões conservadas na GA<br />
de Aspergillus awamori, Sierks et al<br />
(1993) realizaram substituições nos<br />
resíduos de Leu177, Trp178 e Asn182<br />
por His, Arg e Ala, respectivamente.<br />
Quando se substituiu Leu177 por His<br />
houve um grande aumento na energia<br />
de ativação para substratos com<br />
ligação α(1→4) e α(1→6); na substituição<br />
Trp178 por Arg, a energia<br />
aumentou para substratos com ligações<br />
α(1→6), mas não para α(1→4).<br />
Estas substituições indicaram que os<br />
resíduos de aminoácidos Leu177 e<br />
Trp178 estão localizados no subsítio<br />
1 e 2 respectivamente. Por outro<br />
lado, a substituição Asn182 por His<br />
não alterou os valores de energia de<br />
ativação para nenhum tipo de ligação<br />
do substrato, sugerindo que este<br />
resíduo não é crucial para o mecanismo<br />
catalítico da GA.<br />
Fiorobe et al. (1996) substituiram<br />
Ala246 por Cys, criando mais<br />
uma ponte dissulfeto entre este resíduo<br />
e o resíduo Cys320. O mutante<br />
apresentou maior atividade residual<br />
e atividade catalítica por 15 minutos<br />
comparado a linhagem selvagem.<br />
Fiorobe et al. (1998) produziram um<br />
mutante substituindo o Glu 400 por<br />
Cys. A atividade do mutante, após<br />
oxidação da cisteina para acido<br />
cisteinosulfínico, elevou a atividade<br />
do mutante para 160% em relação a<br />
linhagem selvagem. Entretanto, não<br />
houve ganho de termoestabilidade.<br />
Uma ponte dissulfeto foi criada<br />
substituindo Asn20 e Ala27 por Cys<br />
na GA de Aspergillus awamori e<br />
observou-se um aumento na termoestabilidade<br />
de 1,2 kJ/mol a 65°C (Li<br />
et al, 1998).<br />
Mutantes contendo prolina em<br />
substituição a vários aminoácidos foram<br />
estudados por Allen et al. (1998).<br />
O maior sucesso com mutação simples<br />
foi obtido no mutante Ser30→Pro,<br />
resultando em um aumento da energia<br />
livre de termoinativação de 1,6 kJ/<br />
mol a 65°C. Os autores ainda combinaram<br />
diferentes mutações termoestáveis<br />
e obtiveram um triplo mutante<br />
contendo Gly137→Ala, Ser30→Pro e<br />
Asn20→Cys/Ala27→Cys que apresen-<br />
tou aumento cumulativo de termoestabilidade<br />
de 4,4 kJ/mol.<br />
Estes experimentos, embora tenham<br />
como objetivo principal a melhora<br />
em propriedades da enzima,<br />
paralelamente desempenham um papel<br />
de extrema importância, o de<br />
elucidar as funções de inúmeros segmentos<br />
da cadeia polipeptídica da<br />
proteína.<br />
3. Conclusão e<br />
perspectivas futuras<br />
As técnicas de evolução dirigida<br />
disponíveis, associadas a considerações<br />
teóricas e às várias experiências<br />
relatadas de sucesso ou não, disponíveis<br />
na literatura, têm levado a uma<br />
crescente seleção de mutações bem<br />
sucedidas para termoestabilização da<br />
GA. Todavia, este sucesso ainda não<br />
refletiu significativamente na produção<br />
de enzima industrialmente satisfatória,<br />
deixando o campo ainda aberto<br />
para novas experiências.<br />
Os organismos atualmente disponíveis<br />
para clonagem e expressão<br />
da GA são mesofílicos, criando dificuldades<br />
para a seleção de enzimas<br />
mais termoestáveis. Além disso as<br />
linhagens de E. coli utilizadas são<br />
deficientes em glicosilação e formação<br />
de pontes dissulfetos, essenciais<br />
para a GA ativa. Pesquisas com<br />
bacterias termofílicas e/ou bacterias<br />
competentes para a clonagem e expressão<br />
da GA estruturalmente ativa,<br />
podem ser alternativas viáveis para<br />
reduzir tempo e manipulação.<br />
A maior parte das informações<br />
sobre seqüências de GA são dos<br />
fungos mesofílicos, A. niger e A.<br />
awamori. Informações de seqüências<br />
de GAs termoestáveis, seriam importantes<br />
para orientação racional de<br />
desenhos de experimentos de evolução<br />
dirigida. Entretanto, poucas GAs<br />
termoestáveis de fungos termofílicos<br />
foram relatadas. Dentre estes estão<br />
Humicola grisea var. thermoidea<br />
(Tosi et al. 1993), Aspergillus<br />
fumigatus (Brandani e Peralta, 1998)<br />
e Thermomyces lanuginosus (Li et al<br />
1998). Informações sobre seqüências<br />
genéticas são ainda mais raras. A<br />
procura por novas fontes de GAs<br />
termoestáveis, bem como informações<br />
sobre a proteína e seu gene<br />
codificador são um campo aberto e<br />
com enormes perspectivas futuras.<br />
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113-118, 2000.
Pesquisa<br />
Valdir Marcos Stefenon<br />
Biólogo – Mestre em <strong>Biotecnologia</strong><br />
Depto. de <strong>Ciência</strong>s Biológicas e da Saúde – UNIPLAC<br />
gene_mol@hotmail.com<br />
Rubens Onofre Nodari<br />
Eng. Agrônomo – Doutor em Genética<br />
Departamento de Fitotecnia – CCA – UFSC<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Marcadores Moleculares<br />
no Melhoramento Genético<br />
de Araucária<br />
Caracterização da diversidade genética em Araucaria angustifolia<br />
Introdução<br />
A exploração florestal foi uma<br />
importante alavanca para o desenvolvimento<br />
econômico do Sul do Brasil<br />
desde o início do século XX, com<br />
intensidade crescente nas décadas de<br />
1950 a 1970 (Guerra et al., 2002).<br />
A principal espécie explorada nesse<br />
ciclo foi a Araucaria angustifolia<br />
(Bert.) O. Ktze., única representante<br />
da Família Araucariaceae no Brasil e<br />
principal espécie que compõe a floresta<br />
ombrófila mista ou mata de<br />
araucária (Guerra et al., 2002). No<br />
Brasil, a distribuição natural dessa<br />
espécie se dá em amplas áreas nos<br />
estados do Rio Grande do Sul, Santa<br />
Catarina e Paraná, e em alguns pontos<br />
mais elevados de São Paulo, Rio de<br />
Janeiro e Minas Gerais (Reitz e Klein,<br />
1966).<br />
Todavia, a alta qualidade de sua<br />
madeira para os mais diversos fins,<br />
desde a construção civil até a produção<br />
de celulose e de papel, fez com<br />
que essa espécie fosse exaustivamente<br />
explorada, tendo como conseqüência<br />
uma drástica redução das grandes reservas<br />
de A. angustifolia no sul do país.<br />
Além dessa exploração desordena-da,<br />
o avanço das fronteiras agrícolas<br />
foi outro fator responsável pela<br />
redução das populações naturais dessa<br />
importante espécie florestal.<br />
Em função desses acontecimentos,<br />
a araucária encontra-se hoje na<br />
Lista Oficial de Flora Ameaçada de<br />
Extinção (IBAMA, 2002) e os remanescentes<br />
de floresta ombrófila mista<br />
estão reduzidos a fragmentos isolados<br />
de diversos tamanhos.<br />
Em alguns desses fragmentos, estima-se<br />
que grande parte da diversidade<br />
genética tenha sido perdida (Schögl,<br />
2000; Auler et al., 2002), fato que<br />
inviabiliza a regeneração natural da<br />
espécie, devido à endogamia acentuada<br />
e à redução do fluxo gênico entre<br />
suas populações.<br />
Nos últimos anos, diversas discussões<br />
a respeito desse tema vêm<br />
apontando para a necessidade de se<br />
desenvolver o melhoramento genético<br />
dessa conífera, com vista a regenerar<br />
a Floresta de Araucária e disciplinar<br />
os plantios com finalidade lucrativa,<br />
seja pela exploração da madeira,<br />
seja pela venda das sementes comestíveis<br />
ou de outros subprodutos.<br />
Entretanto, antes de os programas<br />
de melhoramento genético serem<br />
implementados, é necessário que se<br />
conheça a diversidade genética existente<br />
entre as populações remanescentes<br />
e dentro delas. Esses estudos<br />
são importantes para que se interprete<br />
o efeito da fragmentação dos remanescentes<br />
sobre a estrutura genética<br />
das populações: informação essencial<br />
para o planejamento de programas de<br />
melhoramento.<br />
Esse conhecimento, além de reduzido,<br />
tem sido produzido basicamente<br />
a partir de marcadores morfológicos<br />
(Shimizu e Higas, 1980;<br />
Monteiro e Spelz, 1980; Kageyama e<br />
Jacob, 1980) e isoenzimas (Shimizu et<br />
al., 2000; Auler et al., 2002; Mantovani<br />
et al., 2002).<br />
Considerando a utilização de marcadores<br />
RAPD (Williams et al., 1990;<br />
Welsh e McClelland, 1990) e AFLP<br />
(Vos et al., 1995) para estudos genéticos<br />
em diversas espécies florestais, o<br />
objetivo deste estudo foi determinar a<br />
capacidade informativa desses marcadores<br />
para a caracterização da diversidade<br />
genética de populações naturais<br />
de A. angustifolia.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 95
Material e Métodos:<br />
Material vegetal e<br />
Extração de DNA<br />
O material vegetal utilizado neste<br />
estudo foi composto por amostras foliares<br />
de trinta indivíduos adultos de uma<br />
população natural do Parque Ecológico<br />
Municipal de Lages, Estado de Santa<br />
Catarina, coletados e acondicionados<br />
em sacos plásticos que continham sílica<br />
gel. Inicialmente, foram testados sete<br />
protocolos para extração de DNA vegetal<br />
com base na utilização do detergente<br />
CTAB. Com esses testes, chegou-se à<br />
conclusão de que era necessário otimizar<br />
um protocolo específico para a espécie,<br />
a fim de eliminar os compostos contaminantes<br />
do DNA presentes nas folhas de<br />
araucária (principalmente proteínas e<br />
polifenóis) e a fim de evitar a liofilização<br />
do material vegetal.<br />
Aproximadamente 150 mg de folhas<br />
foram congeladas em nitrogênio<br />
líquido e maceradas completamente em<br />
gral de porcelana. Ao pó resultante,<br />
acrescentou-se 1,5 mL de tampão de<br />
extração [CTAB 2%; NaCl 1,5 M; EDTA 20<br />
mM; Tris-HCl (pH 8,0) 100 mM; PVP 2%;<br />
2-mercaptoetanol 1%]. O material foi<br />
transferido para tubos eppendorf de 2 mL<br />
e mantido em banho-maria (60°C) por 40<br />
min. A cada 15 minutos, o material foi<br />
homogeneizado por inversão. Após essa<br />
etapa, o material foi deixado sobre a<br />
bancada até alcançar a temperatura ambiente,<br />
quando lhe foram acrescidos, em<br />
cada tubo, 600 µL de CIA [clorofórmio:<br />
álcool isoamílico 24:1]. O material foi<br />
homogeneizado durante três minutos,<br />
por inversão, e centrifugado a 13.000<br />
RPM, por 5 min. A porção aquosa que<br />
continha o DNA foi transferida para dois<br />
novos tubos e foram acrescidos a ela 5 µL<br />
de RNAse A (10 µg/mL). Após 40 min, a<br />
34°C, realizou-se uma segunda extração<br />
orgânica com CIA. Após a centrifugação<br />
(13.000 RPM, por 5 min), a porção<br />
aquosa foi transferida para novos tubos,<br />
aos quais adicionaram-se 50 µL de solução<br />
de CTAB 10% [CTAB 10%; NaCl 1,4<br />
M], a 60°C. Após a homogeneização,<br />
realizou-se uma terceira extração orgânica<br />
com CIA. A porção aquosa foi<br />
transferida para novos tubos e o DNA foi<br />
precipitado pela adição de 2/3 do volume<br />
de álcool isopropílico gelado(-20°C).<br />
O material foi mantido por 30 min a -<br />
20°C e, posteriormente, centrifugado a<br />
7.000 RPM, por 5 min . O álcool<br />
isopropílico foi descartado e o DNA<br />
desidratado novamente com 1 mL de<br />
álcool etílico 95%. O material permaneceu<br />
por 10min a -20°C e centrifugado a<br />
8.000 RPM, por 5 min. O álcool etílico foi<br />
descartado e deixou-se o precipitado<br />
secar a temperatura ambiente. O DNA foi<br />
diluído em 100 µL de TE, a temperatura<br />
ambiente, por um período de 12 a 16<br />
horas, e armazenado a -20°C.<br />
A concentração de DNA foi determinada<br />
pela comparação com quantidades<br />
conhecidas de DNA de fago<br />
lambda (20, 50, 100 e 200 ng/µL), após<br />
eletroforese em gel de 0,8% de agarose,<br />
corado com solução de 0,02% de<br />
brometo de etídio. A leitura espectrofotométrica<br />
da razão OD260/OD280<br />
foi utilizada para determinar a pureza<br />
das amostras frente à contaminação<br />
por proteínas.<br />
Reações RAPD<br />
Para reações RAPD, foram utilizados<br />
seis iniciadores comercializados<br />
pela Operon Technologies ® (OPA04,<br />
OPA09, OPA17, OPC06, OPF16,<br />
OPAN15). O coquetel da reação constou<br />
de tampão de PCR 1X, 3,8 mM de<br />
MgCl 2 , 0,4 mM de dNTPs, 0,4 µM de<br />
iniciadores, 1 U de Taq DNA polimerase<br />
e 1,5 ng/ µL de DNA. As reações de PCR<br />
foram desenvolvidas em termociclador<br />
PTC-100 (MJ Research Inc.) em um<br />
volume de 13 µL. O programa utilizado<br />
foi composto de uma etapa inicial de<br />
desnaturação (4 min. a 92°C), seguida<br />
de 35 ciclos de amplificação (45 s. a<br />
92°C; 45 s. a 35°C; 1 min e 15 s. a 72°C),<br />
e terminada com uma etapa final de<br />
elongação das cadeias de DNA (3 min a<br />
72°C). Os produtos amplificados foram<br />
separados por eletroforese horizontal<br />
submersa em tampão TBE 1X, em gel de<br />
1,5% de agarose, corado com solução<br />
de 0,02% de brometo de etídio. As<br />
bandas foram visualizadas sob luz ultravioleta<br />
e os géis fotografados com filme<br />
Polaroid preto e branco.<br />
96 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Figura 1: Polimorfismo revelado em marcadores RAPD em A. angustifolia, entre os trinta<br />
indivíduos da população do Parque Ecológico Municipal de Lages, utilizando o iniciador<br />
OPA04. Linhas 1 a 30: indivíduos da população. M= marcador de peso molecular 1kb.<br />
Reações AFLP<br />
Sete combinações de iniciadores<br />
para reações AFLP foram selecionadas<br />
aleatoriamente no kit AFLP ® Analysis<br />
System I / Life Technologies ® (E-<br />
ACG+M-CAC, E-ACT+M-CAA, E-<br />
ACA+M-CTT, E-ACG+M-CAG, E-<br />
AAG+M-CTG, E-ACC+M-CAT e E-<br />
ACC+M-CAC) e as reações foram desenvolvidas<br />
de acordo com o protocolo de<br />
Vos et al. (1995), com pequenas modificações.<br />
Inicialmente, realizou-se a restrição<br />
do DNA com as enzimas EcoRI e<br />
MseI, durante duas horas, a 36°C. A<br />
ligação dos oligonucleotídeos adaptadores<br />
foi realizada por 2 horas, a 20°C,<br />
em um volume de 25 µL. Na etapa<br />
seguinte (pré-amplificação), o DNA foi<br />
amplificado com a utilização de iniciadores<br />
com uma base seletiva (EcoRI-A e<br />
MseI-C). O DNA pré-amplificado foi<br />
diluído em uma razão de 1:25 e amplificado<br />
novamente, utilizando-se iniciadores<br />
com três bases seletivas (EcoRI-<br />
ANN e MseI-CNN). As etapas de restrição<br />
enzimática, de ligação dos adaptadores<br />
e de amplificações foram realizadas<br />
em termociclador PTC-100 (MJ<br />
Research Inc.). Os produtos amplificados<br />
foram separados por eletroforese<br />
vertical em tampão TBE 1X, em gel de<br />
6% de poliacrilamida. As bandas foram<br />
visualizadas após coloração com nitrato<br />
de prata.<br />
Para a coloração, os géis foram<br />
fixados com solução de 0,5% de ácido<br />
acético + 5% de etanol, por 10 min., e<br />
com solução de 1% de ácido nítrico,<br />
por três minutos. Posteriormente, foram<br />
impregnados com solução de nitrato<br />
de prata 0,2%, durante trinta minutos.<br />
Após esse tempo, uma solução<br />
de 3% de carbonato de sódio + 0,2% de<br />
formaldeído foi utilizada para a revelação<br />
das bandas, durante o tempo necessário.<br />
As revelações foram finalizadas<br />
com a utilização de uma solução<br />
de 5% de ácido acético. Após cada
etapa, os géis foram lavados durante 20<br />
segundos com água destilada. Todos<br />
os tratamentos foram realizados sob<br />
leve agitação. Após a secagem dos géis<br />
em temperatura ambiente, as bandas<br />
foram visualizadas sob luz branca e os<br />
géis fotografados com máquina digital.<br />
Caracterização da<br />
Diversidade Genética e<br />
Capacidade Informativa<br />
Os índices de diversidade estimados<br />
foram: a similaridade genética,<br />
o número médio de bandas, a porcentagem<br />
de bandas polimórficas e a<br />
diversidade genética. Os padrões de<br />
bandas obtidos com os marcadores<br />
RAPD e AFLP foram analisados e para<br />
eles construiu-se uma matriz binária,<br />
que identificava sua presença ou sua<br />
ausência, codificadas por 1 ou 0, respectivamente.<br />
A partir dessa matriz<br />
de dados, com o auxílio do software<br />
NTSYS-pc 2.02 (Rohlf, 1990), foi determinado<br />
o índice de similaridade<br />
genética de Jaccard entre os indivíduos<br />
e pelo método de agrupamento<br />
UPGMA (método das médias das distâncias),<br />
foram gerados, separadamente<br />
e de maneira agrupada, os<br />
dendrogramas para marcadores RAPD<br />
e AFLP. Para determinação da diversidade<br />
genética, foi utilizado o índice<br />
de Shannon, dado pela fórmula H= -<br />
Σ pi ln(pi), onde pi corresponde à<br />
freqüência de cada alelo (Lewontin,<br />
Figura 2: Dendrograma de similaridade genética entre indivíduos, estimado pelo<br />
índice de Jaccard para a população de A. angustifolia do Parque Ecológico Municipal<br />
de Lages, gerado a partir de 18 marcadores RAPD (r=0,83).<br />
1970). Como ambos os marcadores<br />
apresentam característica dominante,<br />
considerou-se cada banda amplificada<br />
como sendo um loco com dois alelos,<br />
presente ou ausente no gel.<br />
Para determinar a capacidade informativa<br />
dos marcadores RAPD e<br />
AFLP, foram utilizados para a comparação<br />
dados gerados a partir de marcadores<br />
isoenzimáticos (Auler et al.,<br />
2002) e PCR-RFLP (Schögl, 2000) provenientes<br />
da mesma população. Devido<br />
à diferente natureza dos marcadores,<br />
o índice de diversidade de<br />
Shannon foi determinado para todos<br />
os dados e usado como parâmetro de<br />
comparação.<br />
Resultados e Discussão:<br />
A partir dos seis iniciadores utilizados<br />
para as reações RAPD, foram<br />
obtidos dezoito marcadores polimórficos,<br />
de um total de 62 bandas<br />
amplificadas, com uma média de 11,16<br />
bandas amplificadas por iniciador. A<br />
média de bandas polimórficas foi de<br />
3,0 por iniciador, com uma porcentagem<br />
média de 26,9%. O índice de<br />
diversidade de Shannon foi igual a 0,53<br />
(Tabela 1). A figura 1 apresenta o<br />
padrão de bandas obtido com o iniciador<br />
OPA04, para reações RAPD.<br />
As sete combinações empregadas<br />
para as reações AFLP revelaram 62<br />
Tabela<br />
1:<br />
Iniciadores<br />
utilizado<br />
s nas<br />
reações<br />
RAPD<br />
e respectivo<br />
s índices<br />
de<br />
diversid<br />
ade<br />
genética<br />
para<br />
a<br />
população<br />
de<br />
A.<br />
angustifo<br />
lia<br />
do<br />
Parque<br />
Ecológico<br />
Municipal<br />
de<br />
Lages.<br />
Iniciadores<br />
Número<br />
total<br />
de<br />
bandas<br />
Bandas polifórmicas<br />
Q uantidad<br />
e<br />
%<br />
Índice<br />
de<br />
diversid<br />
ade<br />
( H)<br />
OPA4 12 0 3<br />
25, 0%<br />
0,<br />
58<br />
OPA9 13 0 2<br />
15, 4%<br />
0,<br />
59<br />
OPA17 06 0 1<br />
16, 7%<br />
0,<br />
58<br />
OPC6 09 0 3<br />
33, 3%<br />
0,<br />
52<br />
OPF16 13 0 5<br />
38, 5%<br />
0,<br />
56<br />
OPAN15 09 0 4<br />
44, 4%<br />
0,<br />
43<br />
Médias para<br />
marcadores<br />
RAPD<br />
11, 16<br />
3 , 0<br />
26, 9 %<br />
0,<br />
53<br />
Tabela<br />
2:<br />
Combinaçõ<br />
es<br />
de<br />
iniciadores<br />
utilizado<br />
s nas<br />
reações<br />
AFLP<br />
e respectivo<br />
s índices<br />
de<br />
diversid<br />
ade<br />
genética<br />
para<br />
a população<br />
de<br />
A.<br />
angustifo<br />
lia<br />
do<br />
Parque<br />
Ecológico<br />
Municipal<br />
de<br />
Lages.<br />
Iniciadores<br />
Número<br />
total<br />
de<br />
bandas<br />
Bandas polimórficas<br />
Q uantidad<br />
e<br />
%<br />
Índice<br />
de<br />
diversid<br />
ade<br />
( H)<br />
E-AGC + M-CAC<br />
90 4 4, 4%<br />
0,<br />
65<br />
E-ACT + M-CAA<br />
100 1 0<br />
10, 0%<br />
0,<br />
45<br />
E-ACA + M-CTT<br />
60 3 5, 0%<br />
0,<br />
68<br />
E-ACG + M-CAG<br />
100 2 1<br />
21, 0%<br />
0,<br />
55<br />
E-AAG + M-CTG<br />
80 6 7, 5%<br />
0,<br />
56<br />
E-ACC + M-CAT<br />
105 7 6, 6%<br />
0,<br />
55<br />
E-ACC + M-CAC<br />
90 1 1<br />
12, 2%<br />
0,<br />
50<br />
Médias para<br />
marcadores<br />
AFLP<br />
89, 3<br />
8 , 8<br />
9, 8%<br />
0,<br />
54<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 97
marcadores polimórficos, em um total<br />
de 625 bandas amplificadas. A média<br />
de bandas totais amplificadas foi de<br />
89,3 e de bandas polimórficas foi de<br />
8,8 por combinação de iniciadores. A<br />
porcentagem média de bandas<br />
polimórficas foi de 9,8%. Para marcadores<br />
AFLP, o índice de diversidade<br />
de Shannon foi de 0,54 (Tabela 2).<br />
Quando os dois tipos de marcadores<br />
foram analisados conjuntamente,<br />
o total de bandas amplificadas foi<br />
de 687, com 80 bandas polimórficas,<br />
que correspondiam a 11,6%. As médias<br />
de bandas totais e polimórficas<br />
amplificadas foram de 52,8 e 6,15 por<br />
iniciador, respectivamente. A diversidade<br />
genética determinada pelo índice<br />
de Shannon foi de 0,54 (Tabela 3).<br />
Marcadores isoenzimáticos (Auler<br />
et al., 2002) empregados na mesma<br />
população acessaram uma diversidade<br />
genética de Shannon de H=0,29, ao<br />
passo que marcadores PCR-RFLP de<br />
DNA de cloroplastos (Schögl, 2000)<br />
detectaram um único haplótipo na<br />
população, correspondendo a uma<br />
diversidade virtualmente inexistente.<br />
Nesse caso, marcadores RAPD e AFLP<br />
mostraram-se altamente eficientes, detectando<br />
uma diversidade genética<br />
quase duas vezes maior (1,8 x) que<br />
aquela determinada por isoenzimas.<br />
Apesar de caracterizar-se pela análise<br />
da molécula de DNA da mesma<br />
forma que as técnicas RAPD e AFLP, a<br />
técnica PCR-RFLP aplicada a genomas<br />
de cloroplastos não possibilitou a<br />
detecção de diversidade nesta população.<br />
Já as técnicas RAPD e AFLP não<br />
demonstraram limitações para acessar<br />
a diversidade genética em populações<br />
altamente exploradas, como a utilizada<br />
nesta pesquisa.<br />
Quando os valores obtidos no<br />
presente trabalho são comparados a<br />
outros estudos que utilizaram as técnicas<br />
RAPD e AFLP, estes podem ser<br />
considerados baixos. Contudo, há de<br />
se considerar que os estudos com<br />
isoenzimas e PCR-RFLP utilizados como<br />
parâmetro para a comparação também<br />
apresentaram valores baixos para essa<br />
população, quando comparados a ou-<br />
tras populações de A. angustifolia analisadas<br />
antes.<br />
Por outro lado, uma criteriosa<br />
seleção de combinações de iniciadores<br />
permite que a técnica AFLP apresente<br />
um polimorfismo muito maior<br />
(Stefenon, 2003).<br />
A similaridade genética foi analisada<br />
em função dos três dendrogramas<br />
gerados: um, a partir dos 18 marcadores<br />
RAPD polimórficos (Figura 2), o<br />
segundo, a partir dos 62 marcadores<br />
AFLP polimórficos (Figura 3) e o terceiro,<br />
a partir dos 80 marcadores RAPD<br />
e AFLP polimórficos agrupados (Figu-<br />
98 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Figura 3: Dendrograma de similaridade genética entre indivíduos, estimado pelo<br />
índice de Jaccard para a população de A. angustifolia do Parque Ecológico Municipal<br />
de Lages, gerado a partir de 64 marcadores AFLP (r=0,83).<br />
Figura 4: Dendograma de similaridade genética entre indivíduos, estimado pelo índice<br />
de Jaccard para a população de A. angustifolia do Parque Ecológico Municipal de Lages,<br />
gerado a partir de 18 marcadores RAPD e 62 marcadores AFLP agrupados (r=0,80).<br />
ra 4). A maior similaridade genética<br />
entre indivíduos foi de 86% (indivíduos<br />
L11 e L13), com marcadores RAPD;<br />
81 % (indivíduos L5 e L26), com<br />
marcadores AFLP e 71% (indivíduos<br />
L6 e L7), com o agrupamento dos dois<br />
tipos de marcadores. Nesse ponto,<br />
percebe-se que o maior número de<br />
marcadores permite uma maior discriminação<br />
entre os indivíduos analisados.<br />
A comparação entre os três<br />
dendrogramas permite ainda perceber<br />
que, no agrupamento dos marcadores,<br />
o maior número de bandas<br />
Tabela<br />
3:<br />
Médias<br />
para<br />
os<br />
índices<br />
de<br />
diversid<br />
ade<br />
genética<br />
estimados<br />
para<br />
a população<br />
de<br />
A.<br />
angustifo<br />
lia<br />
do<br />
Parque<br />
Ecológico<br />
Municipal<br />
de<br />
Lages,<br />
a partir<br />
de<br />
marcadores<br />
RAPD<br />
e AFLP.<br />
Marcadores<br />
Número<br />
total<br />
de<br />
bandas<br />
Bandas polimórficas<br />
Q uantidad<br />
e<br />
%<br />
Índice<br />
de<br />
diversid<br />
ade<br />
( H)<br />
Médias para<br />
marcadores<br />
RAPD<br />
11, 16<br />
3 , 0<br />
26, 9%<br />
0,<br />
53<br />
Médias para<br />
marcadores<br />
AFLP<br />
89, 3<br />
8 , 8<br />
9, 8%<br />
0,<br />
54<br />
Médias RAPD<br />
+ AFLP<br />
52, 8<br />
6 , 15<br />
11, 6%<br />
0,<br />
54
AFLP fez com que o dendrograma<br />
ficasse muito semelhante ao gerado<br />
unicamente dos marcadores AFLP.<br />
Utilizando-se um valor máximo<br />
de 50% para a similaridade genética<br />
entre os indivíduos, o dendrograma<br />
gerado a partir de marcadores RAPD<br />
(Figura 2) dividiu-se em doze grupos.<br />
A maior similaridade genética foi observada<br />
entre os indivíduos L11 e L13,<br />
com 86% de similaridade e o ponto de<br />
união de todos os grupos apresenta<br />
30,5% de similaridade.<br />
O dendrograma gerado de marcadores<br />
AFLP (Figura 3) dividiu-se em<br />
quinze grupos, utilizando-se 50%<br />
como similaridade máxima; o ponto<br />
de união de todos os grupos apresenta<br />
24% de similaridade. Com esses<br />
marcadores, a similaridade genética<br />
entre pares de indivíduos variou de<br />
24% a 81%.<br />
Deve-se considerar que existe uma<br />
relação entre o número dado a cada<br />
planta e sua proximidade geográfica,<br />
sendo mais próximos geograficamente<br />
os indivíduos cujos números são mais<br />
próximos. Dessa forma, pode-se observar<br />
que os argumentos de plantas<br />
são aleatórios, formados por indivíduos<br />
dispersos pelo Parque, em uma área<br />
de 2,34 km 2 . Esse dado sugere que<br />
indivíduos geograficamente, os quais<br />
podem ser aparentados, não apresentam<br />
grande similaridade genética.<br />
Considerações Finais<br />
Um aspecto importante a ser considerado<br />
é que a A. angustifolia provavelmente<br />
possuía uma grande diversidade<br />
genética antes da exploração ocorrida<br />
durante o ciclo da madeira no sul<br />
do Brasil (Auler et al., 2002).<br />
Dessa forma, antes de qualquer<br />
previsão de melhoramento genético é<br />
essencial conhecer a diversidade genética<br />
existente nas populações remanescentes,<br />
para possibilitar a seleção<br />
de plantas e sementes a serem utilizadas,<br />
tanto para a produção de mudas,<br />
quanto para cruzamentos controlados.<br />
A exemplo do ocorrido no Parque<br />
Ecológico Municipal de Lages,<br />
durante o ciclo da madeira, a seleção<br />
promovida pelo homem até o momento,<br />
foi a retirada dos melhores<br />
fenótipos, em detrimento dos demais.<br />
Devido ao acesso aleatório a amplas<br />
regiões genômicas praticamente<br />
livres da ação da seleção natural, as<br />
técnicas RAPD e AFLP geram um gran-<br />
de número de marcadores virtualmente<br />
neutros. Neste caso, dos resultados<br />
obtidos no presente trabalho,<br />
pode-se concluir que essas técnicas<br />
apresentam-se como poderosas ferramentas<br />
para a caracterização da diversidade<br />
genética dos remanescentes de<br />
A. angustifolia, com vistas ao melhoramento<br />
genético da espécie.<br />
Agradecimentos<br />
Ao CNPq, UNIPLAC e FUNCITEC<br />
pelo apoio financeiro e à Prefeitura<br />
do Município de Lages, pelo apoio na<br />
obtenção do material vegetal.<br />
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M. AFLP: a new technique for DNA<br />
fingerprinting. Nucleic Acid<br />
Research, 23:4407-4414, 1995.<br />
WELSH, J.; MCCLELLAND, M.<br />
Fingerprinting genomes using PCR<br />
with arbitrary primers. Nucleic<br />
Acids Research, 18(24):7213-<br />
7218, 1990.<br />
WILLIAMS, J. G. K.; KUBELIK, A. R.;<br />
LIVAK, K. J.; RAFALSKI, J. A.;<br />
TINGEY, S. V. DNA polymorphism<br />
amplified by arbitrary primers are<br />
useful as genetic markers. Nucleic<br />
Acids Research, 18(22):65<strong>31</strong>-<br />
6535, 1990.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 99
Pesquisa<br />
Monita Fiori de Abreu<br />
Acadêmica do curso de Agronomia,<br />
Bolsista PIBIC/BIP/CNPq - Laboratório de<br />
Morfogênese e Bioquímica Vegetal - CCA/UFSC.<br />
monitaf@yahoo.com<br />
Enio Luiz Pedrotti<br />
Ph.D., Prof. Adjunto IV , Departamento de<br />
Fitotecnia - Laboratório de Morfogênese e<br />
Bioquímica Vegetal -CCA/UFSC.<br />
pedrotti@cca.ufsc.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Micropropagação<br />
de Macieira<br />
Introdução<br />
A cultura da macieira possui papel<br />
de destaque no cenário frutícola<br />
brasileiro. Atualmente, a área cultivada<br />
no Brasil está estimada em 30 mil<br />
hectares, com uma produção aproximada<br />
de 967 mil toneladas (ABPM,<br />
2003). Visando atender às demandas<br />
de mudas da pomicultura nacional,<br />
faz-se necessária a aplicação de métodos<br />
eficientes para garantir grande<br />
quantidade de material vegetal de alta<br />
qualidade genética e fitossanitária.<br />
A produção de mudas da macieira<br />
tradicionalmente é efetuada através<br />
de técnicas de propagação vegetativa,<br />
como a enxertia de cultivares<br />
copa sobre um porta-enxerto. Tradicionalmente<br />
a muda é obtida através<br />
de mergulhia de cepa (Driessen &<br />
Souza Filho, 1986). Porém, esse método<br />
restringe o número de mudas<br />
obtidas, requer muito tempo, além<br />
de poder resultar em mudas de baixa<br />
qualidade fitossanitária.<br />
Diante da problemática relacionada<br />
às técnicas convencionais de<br />
propagação, a biotecnologia através<br />
do aperfeiçoamento das técnicas de<br />
cultivo in vitro, tem sido uma excelente<br />
opção para a multiplicação desta<br />
frutífera (Figura 1). Possibilita a<br />
produção de mudas de alta qualidade<br />
sanitária oriundas da cultura de<br />
meristemas livres de vírus, evitando,<br />
desta forma, os problemas de disseminação<br />
de vírus e outros patógenos<br />
durante a fase de propagação.<br />
Diversos trabalhos vêm sendo<br />
conduzidos no Laboratório de<br />
Morfogênese e Bioquímica Vegetal<br />
(CCA/UFSC) a partir de projetos fi-<br />
100 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Avanços nos protocolos de micropropagação<br />
nanciados pelo CNPq e FINEP. As<br />
principais linhas de pesquisa foram<br />
no sentido de desenvolver metodologias<br />
que abrangem desde o isolamento<br />
e inoculação in vitro de<br />
meristemas, até a aclimatização das<br />
plantas micropropagadas.<br />
Metodologia<br />
1 - Isolamento e Inoculação<br />
in vitro<br />
A introdução e o estabelecimento<br />
de meristemas in vitro é uma<br />
das fases mais delicadas da micropropagação.<br />
O isolamento de<br />
meristemas é um processo oneroso<br />
(Nunes et al., 1999) mas é primordial,<br />
pois é uma condição que garante<br />
a produção de brotações livres de<br />
patógenos. A oxidação e a contaminação<br />
provocam grandes perdas do<br />
material. Os meristemas extraídos<br />
das gemas apicais apresentam taxas<br />
de oxidação acima de 40%. A percentagem<br />
de contaminação é constatada<br />
em cerca de 35% dos<br />
explantes. Num trabalho conduzido<br />
com o porta-enxerto M.9, todos os<br />
tubos de ensaio com meio de cultura<br />
contaminado apresentaram oxidação<br />
(Tabela 1). Os agentes contaminantes<br />
como fungos e bactérias liberam<br />
compostos que causam a oxidação.<br />
O estabelecimento in vitro é<br />
executado segundo metodologias<br />
consideradas clássicas para esta fase<br />
(Pedrotti, 1993; Nunes et al. 1999).<br />
As gemas são extraídas com o auxílio<br />
de um bisturi e estas, são submetidas<br />
à lavagem com água destilada/<br />
autoclavada e detergente Tween
Tabela<br />
1.<br />
Contaminação,<br />
oxidação,<br />
números<br />
de<br />
gemas<br />
e brotos<br />
e<br />
percentual de<br />
calos<br />
no<br />
porta-enxerto<br />
de<br />
macieira<br />
'M-9'<br />
( Malus<br />
p umilla<br />
M.<br />
) , a partir<br />
da<br />
cultura<br />
de<br />
meristemas<br />
e gemas<br />
axilares.<br />
Parâmetro<br />
s Analisados<br />
Meristemas Tratamen<br />
tos<br />
G emas<br />
CV<br />
( % )<br />
Conta mina<br />
ção<br />
( % )<br />
38, 6 a 32, 2 a 14,<br />
1<br />
Oxidaç ão<br />
( % )<br />
42, 3 b 58, 4 a 12,<br />
5<br />
Nº médi<br />
o de<br />
gema<br />
s por<br />
brot<br />
o 3, 0 b 5, 0a<br />
12,<br />
6<br />
Nº médi<br />
o de<br />
brot<br />
os<br />
form<br />
ados<br />
3, 0 a 4, 0 a 9,<br />
6<br />
Calos ( % )<br />
62, 3 a 12, 4 b 14,<br />
1<br />
Figura 1: Frascos do cultivo in vitro de macieira<br />
20®por 20 minutos. Em seguida, as<br />
gemas são imersas em solução de<br />
Anfotericina B®(25 mg.L -1 ) por 10<br />
minutos. Em câmara de fluxo laminar,<br />
as gemas são imersas em etanol 70%<br />
por 1 minuto, seguida de solução de<br />
hipoclorito de sódio 4%, por 10 minutos.<br />
Durante este processo os frascos<br />
são mantidos sob agitação contínua.<br />
Posteriormente, faz-se uma<br />
tríplice lavagem com água destilada/autoclavada<br />
e as gemas permanecem<br />
em uma solução de ácido<br />
ascórbico 15% por 10 minutos até<br />
serem inoculadas em sais e vitaminas<br />
de MS (Murashige e Skoog, 1962),<br />
sacarose (30 g.L -1 ), ágar (6 g.L -1 ) sem<br />
suplementação de fitorreguladores<br />
(Souza et al.,2003).<br />
As gemas axilares introduzidas<br />
in vitro têm apresentado oxidação<br />
acima de 50%, enquanto que os meios<br />
de cultura contaminados com fungos<br />
e bactérias são normalmente acima<br />
de 30% (Tabela 1). Da mesma<br />
forma, todos os tubos contendo meio<br />
de cultura contaminados apresentaram<br />
oxidação. Quando os explantes<br />
não apresentam oxidação nem contaminação,<br />
são transferidos de tubos<br />
de ensaio com novos meios de cultura<br />
para eliminar resíduos fenólicos<br />
liberados pelas plantas no meio de<br />
cultura inicial (Zanol, 1996). Nos tra-<br />
balhos conduzidos no laboratório,<br />
após a transferência dos meristemas<br />
provenientes de gemas apicais e segmentos<br />
nodais com gemas axilares,<br />
não ocorrem mais problemas de contaminação<br />
nem oxidação.<br />
O crescimento e desenvolvimento<br />
dos meristemas e gemas axilares<br />
são normalmente lentos até 30 dias<br />
após a inoculação, não sendo observado<br />
o crescimento de brotações.<br />
Aos 60 dias, é possível observar o<br />
desenvolvimento de brotações. Para<br />
o porta-enxerto M.9, os meristemas e<br />
gemas axilares introduzidos in vitro,<br />
formam um número médio de 3 e 5<br />
gemas por broto, respectivamente<br />
(Tabela 1).<br />
As diferenças observadas na introdução<br />
in vitro e multiplicação podem<br />
ser consequência do estado fisiológico<br />
das plantas matrizes, onde<br />
foram coletados os explantes como<br />
salientaram Grattapaglia & Machado<br />
(1990). Quando material vegetal coletado<br />
é retirado das matrizes no final<br />
do verão, possivelmente, as gemas já<br />
iniciam o processo de entrada em<br />
dormência, o que diminui a sobrevivência<br />
dos meristemas e gemas introduzidos<br />
in vitro. Desta forma, a época<br />
mais interessante para a introdução<br />
in vitro é aquela que corresponde<br />
a um intenso crescimento<br />
vegetativo nas condições naturais.<br />
2 - Multiplicação do<br />
material vegetal<br />
A composição salina mais utilizada<br />
nos meios de cultura é a MS<br />
(Murashige & Skoog, 1962), geralmente<br />
suplementada com reguladores<br />
de crescimento que permitem<br />
direcionar as respostas morfogenéticas<br />
(George, 1996). Para a<br />
fase de multiplicação in vitro da<br />
macieira, Ribas & Zanette (1992)<br />
Tabela<br />
2.<br />
Efeito<br />
de<br />
diferentes<br />
concentraçõ<br />
es<br />
de<br />
BAP<br />
em<br />
meio<br />
de<br />
cultura<br />
MS<br />
sobre<br />
a resposta<br />
de<br />
na<br />
fase<br />
de multiplicação<br />
i n vitro<br />
de macieira<br />
( M alus<br />
platycarpa)<br />
após<br />
45<br />
dias<br />
de<br />
cultura.<br />
Concentraç<br />
ão<br />
de<br />
BAP<br />
Nº<br />
de<br />
brotações<br />
por<br />
explante<br />
Altura<br />
das<br />
brotações<br />
( cm)<br />
Comprimento<br />
dos<br />
entrenós<br />
( cm)<br />
Vitrificação<br />
( % )<br />
0, 00<br />
µ M<br />
1, 0 c<br />
2, 3 a<br />
0, 59<br />
b<br />
42,<br />
0 a<br />
1, 11<br />
µ M<br />
2, 0 b<br />
2, 6 a<br />
0, 59<br />
b<br />
18,<br />
0 c<br />
2, 22<br />
µ M<br />
3, 0 a<br />
2, 6 a<br />
0, 54<br />
c<br />
18,<br />
0 c<br />
4, 44<br />
µ M<br />
2, 0 b<br />
2, 9 a<br />
0, 65<br />
a<br />
24,<br />
0 b<br />
CV ( % )<br />
14, 2<br />
15, 3<br />
13, 3<br />
18,<br />
9<br />
Médias<br />
seguid<br />
as<br />
de<br />
mesm<br />
a letra<br />
na<br />
verti<br />
cal<br />
não<br />
difere<br />
m signi<br />
ficati<br />
vament<br />
e entre<br />
si,<br />
ao<br />
nível<br />
de<br />
5%<br />
de<br />
prob<br />
abilid<br />
ade,<br />
pelo<br />
teste<br />
de<br />
Duncan.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 101
utilizaram o meio MS suplementado<br />
com 1,0 mg.L -1 de BAP e 1,0<br />
mg.L -1 de tiamina, e Modgil et al.<br />
(1999) obtiveram a maior taxa de<br />
multiplicação de brotações da cultivar<br />
Tydeman´s Early Worcester adicionando<br />
ao meio de cultura 4,4 µM<br />
de BAP e 5,0 µM de KIN. Para o<br />
porta-enxerto Marubakaido Nunes<br />
et al. (1999) utilizaram concentrações<br />
de BAP entre 1,11 e 4,44 µM.<br />
Quando se pretende estudar o<br />
comportamento de um novo genótipo,<br />
os explantes são repicados para tubos<br />
de ensaio (2,5 x 15,0 cm) contendo 15<br />
mL de sais e vitaminas de MS, suplementado<br />
com diferentes concentrações<br />
de benzilaminopurina (BAP) (0;<br />
0,25; 0,50 e 1.0 mg.L -1 ), 30,0g.L -1 de<br />
sacarose, 6,0 g.L -1 de ágar. Para um<br />
genótipo usado com planta indicadora<br />
de viroses, é possível verificar que as<br />
concentrações de BAP influenciam sua<br />
resposta in vitro (Tabela 2). O material<br />
é mantido no escuro por 48 horas, após<br />
este período, é transferido para a sala<br />
de crescimento sob fotoperíodo de 16<br />
horas e temperatura de 25 ± 2°C e 40<br />
µmol.m -2 .s -1 de radiação luminosa,<br />
fornecidas por lâmpadas fluorescentes<br />
Phillips® Super 84.<br />
3 - Microenxertia<br />
Tendo em vista as características<br />
da cultura, a associação das técnicas<br />
de micropropagação e microenxertia<br />
permite combinar as vantagens da<br />
rápida multiplicação in vitro, com a<br />
união de dois genótipos diferentes:<br />
um clone copa, selecionado para<br />
produzir frutos de alta qualidade, e<br />
um clone de porta-enxerto, que confere<br />
à cultivar copa características<br />
relevantes, como: vigor, produtividade,<br />
qualidade de frutos, resistência a<br />
fatores adversos como a patógenos<br />
do solo, além de realizar funções<br />
básicas de suporte da planta, fornecimento<br />
de água e nutrientes e a adaptação<br />
às condições de solo, clima e<br />
doenças.<br />
A micronexertia foi inicialmente<br />
desenvolvida por Murashige et al.<br />
(1972) e posteriormente melhorada<br />
por Navarro et al.(1975), buscando a<br />
produção de citrus livres de viroses.<br />
Esta técnica permite a obtenção de<br />
plantas livres de patógenos, aplica-<br />
Figura 2: Fenda do microenxerto de macieira.,<br />
início de brotação na copa, 30 dias após<br />
a microenxertia.<br />
ção de quarentena em espécies vegetais<br />
cuja disponibilidade seja de<br />
apenas algumas gemas vegetativas,<br />
separação entre viroses e outras doenças,<br />
além de estudos fisiológicos,<br />
histológicos e histoquímicos nas<br />
enxertias. Porem ainda é um desafio<br />
promover com sucesso a enxertia de<br />
um material tão pequeno e frágil<br />
como aquele proveniente de plantas<br />
produzidas in vitro. (Obeidy & Smith,<br />
1991). Para garantir a viabilidade do<br />
microenxerto é necessário que as<br />
células da base do microenxerto da<br />
cultivar copa, entrem novamente em<br />
divisão, pois são diferenciadas, ou<br />
seja, já deixaram o ciclo celular e<br />
não sofrem mais desdiferenciação.<br />
Na retomada do ciclo celular é possível<br />
induzir novas competências e<br />
diferenciar para estabelecer os tecidos<br />
estruturais e condutores (Taiz &<br />
Zeiger, 1991). O estabelecimento de<br />
novos tecidos condutores é o resultado<br />
do sucesso do método.<br />
Nos trabalhos desenvolvidos no<br />
Laboratório de Morfogênese e Bioquímica<br />
Vegetal, como modelo, foram<br />
utilizados dois porta-enxertos<br />
(M9 e Marubakaido) e uma cultivar<br />
copa (Gala) de macieira. O portaenxerto<br />
M9 (Malus pumila Mill.) é o<br />
mais utilizado no sul do Brasil, tendo<br />
como característica principal diminuir<br />
o vigor da planta. Além de redu-<br />
102 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Figura 3: Detalhes dos pontos de conexão<br />
observados no corte histológico do microenxerto<br />
de macieira, 90 dias após a microenxertia.<br />
zir o porte da planta, o M9 aumenta<br />
a precocidade e é um dos poucos<br />
porta-enxertos que apresenta boa<br />
resistência à podridão do colo<br />
(Phytophthora cactorum) (Barrit,<br />
1999). O porta-enxerto Marubakaido<br />
(Malus prunifolia Borkh.) é de origem<br />
japonesa, sendo bastante utilizado<br />
como porta-enxerto comercial<br />
no Japão, Europa bem como no Brasil<br />
(Bessho et al., 1993). É vigoroso,<br />
apresenta resistência à podridão-docolo,<br />
relativa resistência a Rosellinia<br />
sp. e é muito sensível a viroses<br />
(Denardi, 1986). A culitvar copa Gala<br />
(Malus domestica Borkh.) é a primeira<br />
em volume de produção no Brasil,<br />
apresenta frutificação precoce, alta<br />
produtividade e boa adaptação a altitudes<br />
superiores a 1000m (Denardi,<br />
1986).<br />
4 - Estudos histológicos<br />
A microenxertia é realizada em<br />
fenda simples conforme a metodologia<br />
proposta por Hartmann et al.<br />
(1990). Em câmara de fluxo laminar,<br />
a parte apical das plântulas dos<br />
porta-enxertos é retirada e a altura<br />
das plantas uniformizada em 5 cm<br />
de altura. Para a variedade copa<br />
Gala sãopreparados microgarfos<br />
com uma única gema lateral. Através<br />
de um corte em fenda simples
Tabela<br />
3.<br />
Número<br />
e comprimento<br />
de<br />
raízes<br />
em<br />
plantas<br />
micropropagad<br />
as<br />
dos<br />
porta-enxertos<br />
de<br />
macieira<br />
M.<br />
7,<br />
M.<br />
9 e Marubakaido,<br />
submetidos<br />
a diferentes<br />
concentraçõ<br />
es<br />
e formas<br />
de<br />
aplicação<br />
de<br />
Ácido<br />
Indolbutírico<br />
( AIB)<br />
e ao<br />
crescimento<br />
das<br />
raízes<br />
em<br />
diferentes<br />
substrato<br />
s.<br />
N úmero<br />
de<br />
raízes<br />
Comprimento<br />
das<br />
raízes<br />
( cm)<br />
T ratamento<br />
s " M.<br />
7"<br />
" M.<br />
9"<br />
" Marubakaido"<br />
" M.<br />
7"<br />
" M.<br />
9"<br />
" Marubakaido"<br />
1 4, 0 ± 1,<br />
0 c 5, 0 ± 1,<br />
0 a 10, 0 ± 2,<br />
0 a 1, 7 ± 0,<br />
1 b 2, 7 ± 0,<br />
5 a 1,<br />
8 ± 0,<br />
4 b<br />
2 6, 0 ± 0,<br />
5 b 3, 0 ± 1,<br />
0 b 3, 0 ± 1,<br />
0 b 1, 9 ± 0,<br />
1 ab<br />
0, 5 ± 0,<br />
2 c 0,<br />
5 ± 0,<br />
3 c<br />
3 8, 0 ± 1,<br />
0 a 0, 0 ± 0,<br />
0 c 2, 0 ± 0,<br />
5 c 2, 2 ± 0,<br />
2 a 0, 0 ± 0,<br />
0 d 0,<br />
4 ± 0,<br />
3 c<br />
4 9, 0 ± 1,<br />
0 a 5, 0 ± 1,<br />
0 a 13, 0 ± 2,<br />
0 a 2, 2 ± 0.<br />
2 a 1, 6 ± 0,<br />
2 b 3,<br />
4 ± 0,<br />
5 a<br />
Médias<br />
na<br />
coluna<br />
seguid<br />
as<br />
da<br />
mesm<br />
a letra<br />
não<br />
difere<br />
m estat<br />
isti<br />
camen<br />
te<br />
entre<br />
si,<br />
ao<br />
nível<br />
de<br />
5 % de<br />
prob<br />
abilid<br />
ade,<br />
pelo<br />
teste<br />
de<br />
Tukey.<br />
Trata<br />
ment<br />
os:<br />
1 - Induçã<br />
o in vitro<br />
em 1.<br />
5 µ M de<br />
AIB<br />
em<br />
ágar<br />
e cres<br />
cime<br />
nto<br />
das<br />
raíz<br />
es<br />
i n vitro<br />
em<br />
ágar;<br />
2 - Induçã<br />
o in vitro<br />
em 1.<br />
5 µ M de<br />
AIB<br />
em<br />
ágar<br />
e cres<br />
cime<br />
nto<br />
das<br />
raíz<br />
es<br />
i n vitro<br />
em<br />
subst<br />
rato<br />
mine<br />
ral;<br />
3 - Induçã<br />
o in vitro<br />
com 0,<br />
49<br />
M de<br />
AIB<br />
e cres<br />
cime<br />
nto<br />
i n vitro<br />
em<br />
subst<br />
rato<br />
mine<br />
ral;<br />
4 - Induçã<br />
o ex vitro<br />
com<br />
0,<br />
49<br />
M de<br />
AIB<br />
e cres<br />
cime<br />
nto<br />
das<br />
raíz<br />
es<br />
em<br />
subst<br />
rato<br />
mine<br />
ral<br />
conco<br />
mita<br />
nte<br />
com<br />
a fase<br />
de<br />
aclima<br />
tizaçã<br />
o.<br />
Tabela<br />
4.<br />
Enraizamen<br />
to,<br />
número<br />
e comprimento<br />
de<br />
raízes<br />
de<br />
microestacas<br />
do<br />
porta-enxerto<br />
de<br />
macieira M.<br />
9 ( Malus pumila)<br />
, tratadas<br />
com<br />
AIB<br />
e submetidas<br />
ao<br />
enraizamen<br />
to<br />
ex vitro,<br />
em<br />
substrato<br />
de<br />
casca<br />
de<br />
arroz<br />
carbonizad<br />
a e vermiculita<br />
1:<br />
1 ( v/<br />
v)<br />
, por<br />
um<br />
período<br />
de<br />
30<br />
dias.<br />
A IB(<br />
mg/<br />
L)<br />
Enraizamen to(<br />
% )<br />
N úmero<br />
deraízes<br />
Comprimento<br />
das<br />
raízes<br />
( cm)<br />
0 64 b<br />
3, 5 b<br />
3,<br />
5 a<br />
500 82 a<br />
6, 0 a<br />
4,<br />
1 a<br />
1000 84 a<br />
6, 0 a<br />
4,<br />
5 a<br />
1500 30 c<br />
7, 5 a<br />
4,<br />
7 a<br />
* Médias<br />
seguid<br />
as<br />
de<br />
mesm<br />
as<br />
letra<br />
s nas<br />
coluna<br />
s não<br />
difere<br />
m signi<br />
ficati<br />
vament<br />
e pelo<br />
teste<br />
de<br />
Duncan<br />
a 5%<br />
.<br />
ns<br />
- não<br />
signi<br />
ficati<br />
vo.<br />
realizado nas plântulas dos portaenxertos,<br />
e um corte em bisel no<br />
minigarfo da cultivar copa, é realizada<br />
a enxertia com o auxílio de<br />
duas pinças. Os microenxertos são<br />
então inoculados em frascos com<br />
meio de cultura MS (Murashige &<br />
Skoog, 1962) e transferidos para a<br />
sala de crescimento, com temperatura<br />
de 25±2ºC, fotoperíodo de 16<br />
horas e luminosidade de 40 µmol.m -<br />
2 .s -1 , onde permanecem até as coletas<br />
dos segmentos. Para os estudos<br />
histológicos, de ambas as combinações<br />
enxerto-porta-enxerto, Gala sobre<br />
Marubakaido e Gala sobre M9,<br />
são realizadas 120 microenxertias,<br />
o que diminuem os erros experimentais.<br />
O material vegetal coletado<br />
é fixado em glutaraldeído 2,5%<br />
em tampão fosfato de sódio 0,1M –<br />
pH7,2, desidratado em série etílica<br />
e emblocado em parafina (Johansen,<br />
1940). Os cortes são corados com<br />
azul de toluidina e montados, entre<br />
lâmina e lamínula, com bálsamo do<br />
Canadá. A análise dos cortes<br />
histológicos é feita em microscopia<br />
óptica e em lupa, 30 e 90 dias após<br />
a microenxertia (Figuras 2 e 3). A<br />
conexão dos microenxertos é<br />
vizualizada a partir de duas etapas.<br />
O primeiro momento se dá em poucos<br />
dias e é caracterizado pela morte<br />
de camadas celulares da interface<br />
do enxerto e pela formação de células<br />
parenquimáticas que preenchem<br />
o ponto de enxertia, resultando<br />
no desenvolvimento de uma<br />
camada necrótica na fenda. Na segunda<br />
etapa, ocorre a proliferação<br />
de um calo em associação com a<br />
região vascular da copa e do portaenxerto,<br />
formando uma ponte na<br />
interface do enxerto. Posteriormente,<br />
há a diferenciação de algumas<br />
células do calo em novas células<br />
cambiais. Ocorre, então, a união<br />
entre os tecidos afins da copa e do<br />
porta-enxerto resultando no estabelecimento<br />
de uma conexão cambial<br />
contínua. Na última fase, a<br />
continuidade da epiderme no ponto<br />
de enxertia é restaurada. O posterior<br />
desenvolvimento da copa pelo<br />
alongamento e desenvolvimento de<br />
brotações caracteriza o sucesso da<br />
microenxertia, observado em até<br />
30 dias em macieira (Abreu et al.,<br />
2003).<br />
5 - Enraizamento de<br />
plantas micropropagadas<br />
O enraizamento de microestacas<br />
é considerado por vários autores<br />
um dos estágios mais críticos do<br />
processo de propagação massal de<br />
plantas perenes (Wang, 1991), pois<br />
depende do genótipo e de sua condição<br />
fisiológica no momento da<br />
indução ao enraizamento (Martins &<br />
Pedrotti, 2001). A emissão de raízes<br />
por uma microestaca pode ser dividida<br />
em três fases, que compreendem<br />
a desdiferenciação celular, a indução<br />
e a organização dos primórdios<br />
radiculares (Hartmann et al., 1997;<br />
Blakesley et al., 1991). Na maioria<br />
dos protocolos estabelecidos para a<br />
micropropagação de plantas, o enraizamento<br />
é induzido in vitro, utilizando<br />
meios de cultura contendo uma<br />
auxina (Harbage & Stimart, 1996;<br />
Deklerk et al., 1997; Ferri et al., 1998).<br />
Para a maioria das espécies, a auxina<br />
é necessária na fase de indução das<br />
raízes enquanto que, na fase de diferenciação<br />
dos primórdios e no crescimento<br />
das raízes, a presença de<br />
auxinas no meio de cultura pode<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 103
inibir o processo (Deklerk et al.,1995).<br />
A concentração de auxina a ser adicionada<br />
ao meio de cultura para o<br />
estágio de indução, depende da concentração<br />
endógena deste hormônio<br />
em cada genótipo utilizado (Blakesley<br />
et al., 1991), sendo que altas concentrações,<br />
por períodos de exposição<br />
prolongados, podem determinar a<br />
formação de calos na base das microestacas.<br />
Para Pasqual & Ishida (1992),<br />
o melhor enraizamento in vitro foi<br />
obtido em meio MS, geleificado, contendo<br />
1 mg/L de AIB.<br />
As condições de temperatura, a<br />
luminosidade da câmara de crescimento<br />
e a disponibilidade de oxigênio<br />
junto à base das microestacas,<br />
além de fatores anatômicos inerentes<br />
ao genótipo, podem inibir a evolução<br />
do processo morfogenético induzido<br />
pelas auxinas. Apesar de<br />
Harbage & Stimart (1996), Deklerk et<br />
al. (1997) e outros autores utilizarem<br />
o processo de indução e crescimento<br />
das raízes in vitro, McClelland et al.<br />
(1990) ressaltam que as raízes produzidas<br />
in vitro não são funcionais quando<br />
transferidas para a fase de aclimatização.<br />
Para garantir a sobrevivência<br />
nesse estágio, é necessário que a<br />
planta produza novas raízes, o que<br />
demanda um grande consumo de<br />
reservas que deveriam ser utilizadas<br />
para o crescimento da parte aérea.<br />
Além disto, Debergh & Maene (1981)<br />
salientam a necessidade de desenvolver<br />
sistemas de indução que permitam<br />
a produção de raízes funcionais<br />
para o processo de aclimatização<br />
e para o aumento da qualidade<br />
das plântulas.<br />
5.1 - Enraizamento in vitro<br />
Os resultados obtidos com a<br />
indução in vitro de raízes em portaenxertos<br />
de macieira, mostraram diferenças<br />
em relação aos parâmetros<br />
avaliados, em função do genótipo e<br />
da concentração e forma de aplicação<br />
da auxina (Martins & Pedrotti,<br />
2001). (Tabela 3). Resultados semelhantes<br />
foram obtidos com macieira<br />
por Harbage et al. (1998), os quais<br />
concluíram que a capacidade de emitir<br />
raízes e de estabelecer um sistema<br />
radicular, é uma condição intrínseca<br />
de cada genótipo<br />
No caso do porta-enxerto M.7, o<br />
enraizamento realizado in vitro em<br />
ágar apresentou resultados inferiores<br />
quanto ao número de raízes. Provavelmente<br />
as concentrações de AIB utilizadas<br />
não possibilitaram a indução do<br />
mesmo número de raízes que foi observado<br />
para o ‘Marubakaido’, já que as<br />
respostas são dependentes do genótipo<br />
(Blakesley et al., 1991). É possível que,<br />
para este porta-enxerto, o pH do meio<br />
de cultura não tenha favorecido a absorção<br />
de auxinas pelas células da<br />
base da microestaca, tendo em vista<br />
que a penetração de auxinas nas células<br />
depende do equilíbrio entre ácidos<br />
livres e formas aniônicas, que são<br />
dependentes do pH (Harbage et al.,<br />
1998). O maior número de raízes obtido<br />
para as microestacas do ‘M.9’ e do<br />
‘Marubakaido (Tabela 4), induzidas ex<br />
vitro com o AIB dissolvido em água e<br />
transferidas diretamente para o substrato<br />
mineral para a aclimatização, reforça<br />
as conclusões emitidas por Rogers<br />
& Smith, (1992). Estes autores aumentaram<br />
a eficiência no enraizamento de<br />
roseiras quando utilizaram substratos<br />
minerais para o crescimento das raízes,<br />
comparados com meios de cultura<br />
geleificados. Estes resultados abrem<br />
perspectivas concretas para o uso de<br />
substratos porosos para o enraizamento<br />
in vitro, o que diminui os custos de<br />
produção de plantas micropropagadas.<br />
Com esta metodologia é possível<br />
substituir os meios de cultura contendo<br />
ágar por substratos minerais, o que<br />
diminui custos e produz raízes de<br />
melhor qualidade do que as produzidas<br />
in vitro.<br />
Figura 4 : Crescimento de raízes em<br />
porta-enxertos de macieira, após indução<br />
ao enraizamento<br />
104 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
5.2 - Enraizamento ex vitro<br />
Em função dos custos da fase de<br />
enraizamento e aclimatização das<br />
plantas micropropagadas, uma série<br />
de trabalhos foram conduzidos no<br />
Laboratório de Morfogênese e Bioquímica<br />
Vegetal (Pedrotti & Voltolini,<br />
2001). Os principais objetivos foram<br />
de induzir o enraizamento ex vitro<br />
em substratos porosos que servem<br />
apenas de suporte para as plântulas<br />
como acontece na estaquia tradicionalmente<br />
usada para a propagação<br />
de várias espéceis. Para isto, são<br />
utilizadas miniestacas do porta-enxerto<br />
M.9, de 2 a 2,5 cm de comprimento,<br />
com dois pares de folhas,<br />
preparadas a partir de brotações micropropagadas.<br />
A indução ao enraizamento<br />
é efetuada submergindo<br />
10mm da base das miniestacas durante<br />
10 segundos em diferentes concentrações<br />
de ácido indolbutírico (0,<br />
500, 1000, ou 1500 mg/L ). Em seguida,<br />
as miniestacas são transferidas<br />
para bandejas alveoladas contendo o<br />
substrato terra roxa e casca de arroz<br />
carbonizada 1:1 (v/v.). As bandejas<br />
são então colocadas dentro de caixas<br />
plásticas com uma lâmina de água de<br />
5 mm para manter a umidade relativa<br />
elevada. As caixas são cobertas com<br />
uma lâmina de vidro, conforme metodologia<br />
descrita por Pedrotti (1993).<br />
Durante 30 dias essas caixas são<br />
mantidas em câmara de aclimatização<br />
com temperatura de 27±2 °C,<br />
fotoperíodo de 16 horas com intensidade<br />
luminosa de 30 µmol.m -2 .s -1 .<br />
Após esse período, as plantas são<br />
avaliadas quanto ao percentual de<br />
enraizamento, número e comprimento<br />
das raízes emitidas.<br />
As maiores percentagens de enraizamento<br />
com 82 e 84 % são observadas<br />
nas miniestacas tratadas com<br />
500 e 1000 mg/L de AIB, respectivamente<br />
O menor percentual de enraizamento<br />
(29,6%) é obtido com 1500<br />
mg/L de AIB. As microestacas-controle<br />
produzem em média 3,4 raízes.<br />
Estes valores são inferiores<br />
àqueles observados nos tratamentos<br />
com AIB. Para os níveis de AIB de<br />
500, 1000 e 1500 mg/L, o resultado é<br />
a produção de 5,6 a 7,6 raízes respectivamente,<br />
não diferindo estatisticamente<br />
entre si.
Considerando que o porta-enxerto<br />
M.9 é de difícil enraizamento<br />
é possível sugerir que o mesmo<br />
necessite de níveis maiores de<br />
auxinas ou outros coofatores para<br />
aumentar o enraizamento, já que<br />
James & Thurnbon (1981) só obtiveram<br />
45% de enraizamento com<br />
este porta-enxerto quando adicionaram<br />
fluoroglucinol no meio de<br />
cultura. Possivelmente as condições<br />
de indução in vitro, utilizadas por<br />
estes autores dificultaram a absorção<br />
da auxina, como constatado<br />
por Harbage et al. (1998). Além<br />
disto, a intensidade luminosa da<br />
câmara de crescimento pode ter<br />
contribuído para inativar parte da<br />
auxina aplicada. Khosh-khui & Sink<br />
(1982) obtiveram aumento no enraizamento<br />
de roseira com o<br />
sombreamento da base das estacas.<br />
Valores mais elevados no enraizamento<br />
de pereira (Wang, 1991) e<br />
em macieira (Fortes & Leite,1993)<br />
foram obtidos com a manutenção<br />
das plantas no escuro. A maior porosidade<br />
e aeração dos substratos<br />
utilizados também podem favorecer<br />
a indução e o crescimento de<br />
raízes, como foi observado por Jay-<br />
Allemand et al. (1992).<br />
Os níveis de AIB superiores a<br />
500 mg/L não aumentam a percentagem<br />
de enraizamento do porta-enxerto<br />
M.9. Estes resultados podem<br />
estar relacionados com os teores<br />
endógenos de auxinas produzidas<br />
por gemas e folhas jovens, como<br />
sugerem Hartmann et al. (1997), pois<br />
mesmo sem aplicação de AIB, as<br />
percentagens de enraizamento do<br />
porta-enxerto M.9 foram de 63,5 %.<br />
A exposição das miniestacas ao AIB<br />
por 10 segundos é suficiente para a<br />
indução de primórdios radiculares e<br />
o desenvolvimento e crescimento<br />
posteriores das raízes (Figura 4).<br />
Jarvis et al. (1983) observaram um<br />
aumento na síntese de RNA 20 horas<br />
após a aplicação de auxina o que<br />
corresponde às primeiras divisões<br />
celulares.<br />
6 - Aclimatização<br />
Durante a fase de aclimatização,<br />
as plantas micropropagadas devem<br />
se adaptar a um ambiente completamente<br />
diferente das condições em<br />
que ela foi produzida in vitro. Durante<br />
este período a planta deve compor<br />
uma estrutura anatômica e fisiológica<br />
capaz de suportar as condições de<br />
alta demanda evaporativa da atmosfera<br />
e de alta radiação luminosa.<br />
Quando transferidas para condições<br />
ex vitro, as mudas normalmente apresentam<br />
altas taxas de transpiração,<br />
em função da alta condutividade hidráulica<br />
de suas folhas e a funcionalidade<br />
dos estômatos (Brainerd &<br />
Fuchigami, 1981; Schakel et al., 1990),<br />
o que, na maioria das situações, provoca<br />
elevado déficit hídrico, podendo<br />
provocar a morte das mudas (Díaz-<br />
Pérez et al., 1995).<br />
Apesar dos avanços nos protocolos<br />
de multiplicação in vitro, poucos<br />
trabalhos foram realizados no sentido<br />
de elucidar problemas ligados à aclimatização<br />
das plantas (Avanzato &<br />
Cherubini, 1993). Para Ziv (1995), a<br />
aclimatização pode comprometer o<br />
processo de micropropagação por envolver<br />
a neoformação de um sistema<br />
radicular e a passagem para condições<br />
de cultivo ex vitro.<br />
Durante a fase de multiplicação<br />
das brotações in vitro, os estômatos<br />
apresentam-se com formas e estruturas<br />
anormais (Blanke & Belcher,<br />
1989) e a densidade pode ser diferente<br />
das folhas de plantas cultivadas<br />
ex vitro (Cappelades et al., 1990;<br />
Sciutti & Morini, 1993). Para diver-<br />
Figura 5.: Desenho esquemático da metodologia de aclimatização de plantas micropropagadas (Pedrotti, 1993).<br />
A e B: Indução ao enraizamento in vitro.<br />
C: Indução ao enraizamento ex vitro.<br />
D: Início do processo de aclimatização.<br />
E: Plantas sendo mantidas em sala com nebulização.<br />
F: Fotoperíodo sendo mantido em 16 horas de luz para evitar a entrada em dormência.<br />
G e H: Plantas transferidas à campo para completar o crescimento.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 105
Figura 6: Crescimento e desenvolvimento de mudas de macieira após aclimatização.<br />
sos autores, (Pospisilova et al., 1997),<br />
os estômatos in vitro não são funcionais,<br />
permanecem contentemente<br />
abertos ou fechados e são insensíveis<br />
aos estímulos habituais de escuro,<br />
alta concentração de CO 2 , ABA<br />
e potencial hídrico. Desta forma, a<br />
grande transpiração pode causar dificuldades<br />
durante o processo de<br />
aclimatização.<br />
A metodologia recomendada<br />
por Pedrotti (1993) (Figura 5) e<br />
utilizada no LMBV por Pedrotti &<br />
Voltolini (2001), possibilitou bons<br />
resultados para vários genótipos de<br />
macieira. Neste processo, as plantas<br />
são induzidas ao enraizamento<br />
ex vitro e transferidas para bandejas<br />
alveoladas.<br />
As bandejas são colocadas em<br />
caixas plásticas cobertas com uma<br />
placa de vidro transparente. Esta<br />
condição, permite a manutenção da<br />
umidade relativa em 100%. Com<br />
esta metodologia, a sobrevivência<br />
das plantas situa-se entre 70 e 95%<br />
(Tabela 5). No que concerne à matéria<br />
seca produzida pelas raízes e<br />
parte aérea das plantas, os maiores<br />
valores são obtidos quando as plantas<br />
receberam 1000 mg/L de AIB na<br />
fase de indução ao enraizamento. A<br />
aclimatização pode ser efetuada em<br />
câmaras de nebulização que mantém<br />
alta umidade relativa, o que<br />
diminuem as possibilidades de desidratação<br />
e morte das plantas. Neste<br />
sentido, Maciel et al. (2002)<br />
demostraram que é possível obter<br />
altos índices de sobrevivência de<br />
plantas do porta-enxerto M.7. Neste<br />
processo, as bandejas são transferidas<br />
para diretamente para a câmara<br />
de nebulização. Aos 30 dias<br />
após a transferência ex vitro, a percentagem<br />
de enraizamento é maior<br />
nas mudas que foram aclimatizadas<br />
no substrato composto por casca de<br />
arroz carbonizada, já que esta aumenta<br />
o espaço poroso como foi<br />
observado por Lê & Collet (1991) e<br />
por Avanzato & Cherubini (1993).<br />
As altas percentagens de enraizamento<br />
coincidem com as de sobrevivência,<br />
pois todas as plantas<br />
que enraizaram sobreviveram, e co-<br />
106 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
incidem com os de crescimento das<br />
mudas (Figura 6). Maciel et al. (2002)<br />
sugerem que a umidade relativa no<br />
ambiente utilizado garantiu as condições<br />
adequadas para a aclimatização<br />
das mudas. Esta hipótese é corroborada<br />
por Campostrini & Otoni<br />
(1996), pois plântulas produzidas in<br />
vitro não estão adaptadas ao novo<br />
ambiente, pois não possuem mecanismos<br />
de proteção contra a desidratação,<br />
já que seus estômatos geralmente<br />
se encontram abertos<br />
(Schackel et al., 1990). No entanto,<br />
segundo Pospíslová et al.(1997) e<br />
Bolar et al. (1998), durante a aclimatização<br />
as mudas ativam os mecanismos<br />
que permitem sua sobrevivência<br />
após a transferência para a casa<br />
de vegetação. Possivelmente as condições<br />
de aclimatização utilizadas<br />
neste trabalho possibilitaram a sobrevivência<br />
da planta até a entrada<br />
em funcionamento dos estômatos, o<br />
que permitiu um maior controle sobre<br />
as perdas de água, o que está de<br />
acordo com Sutter (1988).<br />
Considerações Finais<br />
Os resultados obtidos nesse laboratório<br />
corroboram com aqueles<br />
que foram publicados por vários<br />
grupos de pesquisa nacionais e estrangeiros.<br />
As metodologias desenvolvidas<br />
permitem a produção comercial<br />
de mudas de porta-enxertos<br />
e copa de macieira micropropagados.<br />
Em que pese as peculiaridades de<br />
cada genótipo a grande maioria dos<br />
clones utilizados atualmente podem<br />
ser produzidos seguindo protocolos<br />
semelhantes. A perspectiva do uso<br />
da indução ao enraizamento realizado<br />
simultaneamente à aclimatização<br />
das plantas ex vitro pode diminuir em<br />
até 50% o custo de produção de uma<br />
Tabela<br />
5.<br />
Sobrevivên<br />
cia,<br />
número<br />
e comprimento<br />
de<br />
raízes<br />
altura<br />
e número<br />
de<br />
folhas<br />
de<br />
miniestacas<br />
do<br />
porta-enxerto de<br />
macieira<br />
M.<br />
9 ( Malus pumila)<br />
, submetidas<br />
ao<br />
enraizamen<br />
to<br />
ex vitro,<br />
em<br />
diferentes<br />
concentraçõ<br />
es<br />
de<br />
AIB,<br />
45<br />
dias<br />
após<br />
a repicagem<br />
para<br />
substrato<br />
mineral.<br />
AIB<br />
Sobrevivênciadas<br />
Número<br />
de<br />
Comprimen<br />
to<br />
das<br />
Comprimen<br />
to<br />
das<br />
Número<br />
de<br />
( mg/<br />
L)<br />
plantas<br />
( % )<br />
raízes<br />
raízes<br />
( cm)<br />
brotações<br />
( cm)<br />
folhas<br />
0 85 b 10, 1 ns<br />
12, 0 ns<br />
5, 3 ns<br />
7,<br />
5 ns<br />
500 95 a 11, 5<br />
12, 5<br />
6, 3<br />
8,<br />
0<br />
1000 70 c 16, 0<br />
11, 6<br />
6, 9<br />
7,<br />
5<br />
1500 73 c 20, 0<br />
11, 3<br />
6, 9<br />
7,<br />
8<br />
* Médias<br />
seguid<br />
as<br />
de<br />
mesm<br />
as<br />
letra<br />
s nas<br />
coluna<br />
s não<br />
difere<br />
m signi<br />
ficati<br />
vament<br />
e pelo<br />
teste<br />
de<br />
Duncan<br />
a 5%<br />
.<br />
ns<br />
- não<br />
signi<br />
ficati<br />
vo
muda micropropagada, o que torna<br />
viável o uso comercial da micropropagação.<br />
A produção de mudas de alta<br />
qualidade genética e sanitária é um<br />
fator de extrema importância para a<br />
garantia da competitividade da<br />
pomicultura nacional. Neste sentido,<br />
a aplicação das técnicas aqui abordadas<br />
abrem perspectivas para a instalação<br />
de laboratórios comerciais para<br />
atender à demanda de mudas para a<br />
renovação de pomares pouco produtivos<br />
e a implantação de novos pomares<br />
com alta densidade.<br />
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Pesquisa<br />
Adriano Luiz Tonetti<br />
Mestre em Saneamento e Ambiente - UNICAMP<br />
atonetti@fec.unicamp.br<br />
Bruno Coraucci Filho, Dr<br />
Professor Associado da Faculdade de Engenharia<br />
Civil - UNICAMP<br />
Alexandre Patto Kanegae<br />
Mestre em Saneamento e Ambiente - UNICAMP<br />
Ronaldo Stefanutti, Dr<br />
Doutor pelo CENA-USP<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Método Alternativo de<br />
Tratamento de Esgotos<br />
Reator anaeróbio com recheio de bambu associado com filtros biológicos de areia<br />
Resumo<br />
ste artigo apresenta os resultados<br />
encontrados para<br />
o estudo de um sistema<br />
alternativo de tratamento<br />
de esgotos constituído por<br />
reator anaeróbio com recheio<br />
de bambu associado a um filtro<br />
biológico de areia. Tal combinaçaão<br />
possui baixo custo e busca minimizar<br />
o sério problema de saneamento pelo<br />
qual o Brasil passa.<br />
O reator anaeróbio foi alimentado<br />
com uma vazão de 2 l/min e seu<br />
efluente era aplicado em cinco cargas<br />
hidráulicas (20, 40, 60, 80 e 100 l/m 2 )<br />
sobre a superfície de quatro filtros de<br />
areia com diferentes profundidades<br />
de leitos (25, 50, 75 e 100 cm).<br />
Devido à ação dos microrganismos<br />
anaeróbios e aeróbios, que aderem<br />
à superfície do bambu e da areia,<br />
obteve-se uma excelente remoção<br />
de matéria orgânica do esgoto que,<br />
caso fosse lançada em um corpo de<br />
água antes do processo de tratamento,<br />
levaria ao consumo de oxigênio e<br />
a uma mortandade da fauna e flora<br />
aquáticas. Quanto ao nitrogênio, ocorreu<br />
uma grande transformação da<br />
sua parte orgânica em nitrato, demonstrando<br />
a grande adaptação das<br />
bactérias responsáveis por esta reação<br />
bioquímica ao meio formado<br />
pela areia. Os organismos patogênicos<br />
foram em grande medida removidos,<br />
adequando o efluente a alguma<br />
prática de reuso.<br />
Palavras-chave: filtro de areia,<br />
pós-tratamento, efluente anaeróbio,<br />
baixo custo.<br />
Introdução<br />
O Brasil é um dos países que<br />
possuem o maior fluxo interno de<br />
água. Porém, há uma enorme<br />
disparidade na distribuição deste recurso<br />
entre suas diferentes regiões.<br />
Enquanto que no norte existe uma<br />
abundância hídrica, no sul e sudeste,<br />
industrializados e populosos, ocorre<br />
a escassez causada pelo elevado consumo<br />
e grande poluição dos rios,<br />
resultante da precária situação do<br />
saneamento básico.<br />
Este quadro alarmante acarreta<br />
sérios problemas à saúde pública e<br />
ao meio ambiente levando a mortandade<br />
de um grande número de espécies.<br />
Portanto, um dos desafios atuais<br />
para a melhoria desta situação é o<br />
desenvolvimento de sistemas de tratamento<br />
simples, eficientes e adaptáveis<br />
às condições econômicas e estruturais<br />
do nosso país.<br />
O Tratamento Anaeróbio<br />
O tratamento anaeróbio depende<br />
dos microrganismos que agem na<br />
ausência de oxigênio, transformando<br />
os dejetos gerados pela ação<br />
humana em produtos mais simples<br />
como metano, gás carbônico e água<br />
(METCALF e EDDY, 1991). Estes<br />
compostos mais simples podem<br />
retornar ao meio ambiente sem comprometer<br />
o planeta e seu ecossistema.<br />
Apesar da boa eficiência deste<br />
sistema, entre 10 e 30% da matéria<br />
orgânica não é degradada, o que<br />
impede que seu efluente atenda à<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 109
Figura 1: Filtro anaeróbio de fluxo ascendente.<br />
legislação brasileira quanto a este<br />
parâmetro, havendo necessidade de<br />
um pós-tratamento.<br />
O reator anaeróbio é caracterizado<br />
pela presença de um material de<br />
recheio estacionário e inerte no interior<br />
de um tanque fechado. O esgoto<br />
penetra pela parte inferior e flui até a<br />
sua saída na área superior. No decorrer<br />
do escoamento, o esgoto entra em<br />
contato com este material. Sobre a<br />
superfície deste recheio ocorre a formação<br />
natural de um biofilme que<br />
degrada o substrato contido no fluxo<br />
de esgoto (Figura 1).<br />
O material de recheio no qual<br />
os microrganismos aderem deve<br />
ter as seguintes características: estrutura<br />
resistente, ser biológica e<br />
quimicamente inerte, leveza, porosidade<br />
elevada e preço reduzido.<br />
Tal sistema possui a vantagem<br />
de consumir pouca energia e produzir<br />
uma quantidade mínima de<br />
lodo, além de não depender da<br />
utilização de complexos equipamentos<br />
mecânicos.<br />
Pesquisadores da UNICAMP diagnosticaram<br />
que o uso de anéis de<br />
bambu poderia satisfazer a tais prérequisitos<br />
(CAMARGO, 2000). Este<br />
material apresenta a vantagem de<br />
possuir um baixo custo e ser facilmente<br />
encontrado no Brasil. Desta<br />
forma, construíram e operaram quatro<br />
reatores que possuíam o bambu<br />
como recheio e obtiveram uma remoção<br />
média de matéria orgânica<br />
(DBO) superior a 75%. Quanto ao<br />
nitrogênio orgânico, somente uma<br />
parcela de sua concentração foi transformada<br />
em amônia.<br />
Pode-se concluir ao final deste<br />
trabalho inicial que, apesar dos bons<br />
resultados, havia a necessidade de se<br />
realizar um pós-tratamento do<br />
efluente anaeróbio gerado pelo reator<br />
de bambu, pois ele não se adequava<br />
à legislação brasileira. Assim,<br />
buscando manter as características<br />
de um tratamento alternativo e barato<br />
decidiu-se aplicar o efluente gerado<br />
sobre a superfície de filtros biológicos<br />
de areia.<br />
A associação do reator anaeróbio<br />
com filtros biológicos de areia<br />
seria uma alternativa que preservaria<br />
o baixo custo total. Outro item<br />
importante seria a possibilidade de<br />
dispor o efluente gerado diretamente<br />
sobre os cursos d’água, ou<br />
reutilizá-lo na irrigação, ou no consumo<br />
não-humano, seguindo a orientação<br />
da Organização Mundial de<br />
Saúde (OMS, 1989).<br />
No Brasil, esta combinação seria<br />
aplicável nas pequenas cidades, em<br />
bairros isolados e condomínios fechados<br />
das metrópoles, onde a instalação<br />
de uma rede coletora de esgotos<br />
apresentaria custo elevado.<br />
Filtros Biológicos de Areia<br />
O filtro biológico de areia é um<br />
método de tratamento bastante antigo,<br />
inicialmente adotado na remoção<br />
de turbidez da água potável. A partir<br />
do século XIX, na Europa e nos<br />
Estados Unidos, passou a ser aproveitado<br />
na depuração de esgotos<br />
(MICHELS, 1996).<br />
110 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
O funcionamento deste sistema<br />
baseia-se na aplicação de afluente<br />
intermitentemente sobre a superfície<br />
de um leito de areia. Durante a infiltração<br />
do líquido ocorre a purificação<br />
por mecanismos físicos, químicos e<br />
biológicos.<br />
O tratamento físico é resultante<br />
do peneiramento e o químico<br />
ocorre pela adsorsão de determinados<br />
compostos. A purificação depende<br />
principalmente da oxidação<br />
bioquímica que ocorre no contato<br />
do afluente com a cultura biológica.<br />
Devido a esta característica,<br />
Jordão e Pessoa (1995) afirmam<br />
que este tipo de sistema é incorretamente<br />
chamado de filtro, pois seu<br />
funcionamento não possui como<br />
explicação primordial o peneiramento<br />
ou a filtragem. Neste mesmo<br />
sentido, KRISTIANSEN (1981) sustenta<br />
que o leito de areia, em conjunto<br />
com os microrganismos, forma<br />
um filtro vivo.<br />
Material e Métodos<br />
Este projeto de pesquisa está<br />
instalado em uma área experimental<br />
situada na Estação de Tratamento de<br />
Efluentes Graminha, na cidade de<br />
Limeira, Estado de São Paulo. O esgoto<br />
bruto é originário de um bairro<br />
residencial denominado Graminha.<br />
Inicialmente esta água residuária passa<br />
por um tratamento preliminar composto<br />
por grades de retenção e caixa<br />
de areia e em seguida, uma pequena<br />
Figura 2: Vistas externa (esquerda) e interna (direita) dos reatores anaeróbios.
Tabela<br />
1:<br />
Denominação<br />
dos<br />
filtros<br />
biológico<br />
s e profund<br />
idades<br />
do<br />
leito<br />
de<br />
areia.<br />
Profund<br />
idade<br />
do<br />
Leito<br />
Filtro<br />
( centímetros)<br />
F 5<br />
F 0<br />
F 5<br />
F 0<br />
025<br />
050<br />
075<br />
100<br />
porção do seu fluxo é direcionada até<br />
quatro reatores anaeróbios com recheio<br />
de bambu.<br />
Cada reator possui volume de<br />
500 l e foi construído em aço inox<br />
tendo formato cilíndrico e fundo<br />
cônico, que funcionou como um<br />
compartimento para a distribuição<br />
do esgoto (Figura 2). O meio suporte<br />
foi constituído de anéis de bambu<br />
da espécie Bambusa tuldoides.<br />
O caule do bambu foi cortado em<br />
pedaços de aproximadamente 5 cm<br />
(CAMARGO, 2000).<br />
Estes reatores anaeróbios foram<br />
operados com fluxo ascendente, tendo<br />
uma vazão de 2 l/min e tempo de<br />
detenção hidráulica de 3 horas, controlados<br />
diariamente.<br />
Filtros de Areia<br />
Na construção do leito dos filtros<br />
foram empregadas três camadas<br />
posicionadas a partir da base. A primeira<br />
foi constituída por brita e pos-<br />
Figura 3: Esquema dos filtros de areia.<br />
2<br />
5<br />
7<br />
10<br />
suía 20 cm de profundidade. Logo<br />
acima estava a camada formada por<br />
pedregulho, com 10 cm de profundidade,<br />
que objetivava sustentar a areia,<br />
impedindo que suas partículas fossem<br />
arrastadas para fora da estrutura<br />
do sistema. Quanto à camada de<br />
areia, buscando-se determinar qual<br />
era a espessura ideal para a realização<br />
do tratamento, empregou-se quatro<br />
filtros com diferentes profundidades<br />
de leito, conforme apresentado<br />
na Tabela 1.<br />
A areia empregada foi a popularmente<br />
denominada de grossa comercial,<br />
possuindo um diâmetro efetivo<br />
(D ) de 0,093 mm. Salienta-se<br />
10<br />
que estes materiais foram os mais<br />
comumente encontrados na região<br />
de desenvolvimento do projeto.<br />
Na construção dos filtros, foi<br />
utilizada uma caixa cilíndrica com<br />
estrutura de fibra de vidro e diâmetro<br />
de 100 cm. Na Figura 3 há um esquema<br />
da disposição das diferentes camadas<br />
que compõem os filtros.<br />
Para a distribuição uniforme<br />
do afluente sobre o leito dos filtros,<br />
empregou-se uma placa quadrada<br />
de 20 cm de comprimento, feita de<br />
madeira e posicionada no centro da<br />
camada superficial (Figura 4). Após<br />
o lançamento do afluente pela tubulação<br />
de distribuição, existe o<br />
choque do líquido com esta placa,<br />
distribuindo as gotículas sobre a<br />
superfície.<br />
Buscando-se determinar a capacidade<br />
de tratamento dos filtros<br />
biológicos de areia, foram aplicadas<br />
as cargas hidráulicas de 20, 40,<br />
60, 80 e 100 l/m 2 de efluente proveniente<br />
dos reatores anaeróbios sobre<br />
as superfícies. Cada carga hidráulica<br />
foi empregada pelo período<br />
de um mês entre as segundas e<br />
sextas-feiras.<br />
Na Figura 5 está apresentado de<br />
forma esquemática o fluxograma de<br />
funcionamento deste sistema de tratamento<br />
em estudo.<br />
As seguintes amostras foram obtidas<br />
semanalmente: esgoto bruto,<br />
efluente dos reatores anaeróbios com<br />
recheio de bambu e efluentes dos<br />
filtros de areia. Todas as análises<br />
foram baseadas no Standard Methods<br />
for the Examination of Water and<br />
Wastewater (AWWA/ANHA/WEF,<br />
1999).<br />
Os parâmetros físicos, químicos<br />
e biológicos analisados foram os<br />
seguintes: pH, demanda bioquímica<br />
de oxigênio (DBO), série do nitrogênio<br />
(nitrogênio orgânico e<br />
amoniacal, nitrito e nitrato) e<br />
coliformes totais.<br />
Resultados<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 111<br />
pH<br />
O estudo deste parâmetro é de<br />
extrema importância em um sistema<br />
biológico. Isto porque os microrganismos<br />
responsáveis pelo tratamento<br />
dos esgotos necessitam de um pH<br />
que varie entre 4 e 8. Caso contrário<br />
existe o impedimento da formação<br />
do biofilme responsável pela depuração<br />
do efluente.<br />
De acordo com a Figura 6 podese<br />
fazer uma divisão dos valores de
pH encontrados para os filtros biológicos<br />
de areia em dois grupos básicos.<br />
O primeiro engloba os pHs encontrados<br />
nas cargas hidráulicas de<br />
20, 40 e 60 l/m 2 onde houve tendência<br />
para valores superiores a 7. No<br />
segundo grupo, constituído pelas<br />
cargas de 80 e 100 l/m 2 nota-se valores<br />
inferiores ao pH neutro.<br />
A característica encontrada para<br />
o primeiro grupo não se adequa aos<br />
Figura 4: Vista externa (esquerda) e superior<br />
(direita) de um filtro de areia, tendo ao centro<br />
a placa de distribuição de afluente.<br />
resultados esperados. De acordo com<br />
a análise dos compostos nitrogenados,<br />
esperava-se que a transformação<br />
dos nitrogênios orgânico e<br />
amoniacal em nitrato causasse a redução<br />
do pH. Tal fato ocorreria devido<br />
à redução de alcalinidade<br />
provocada pelas bactérias aeróbias<br />
no processo metabólico da degradação<br />
da matéria orgânica. Uma possível<br />
explicação para esta característi-<br />
Figura 5: Fluxograma do sistema de tratamento em estudo.<br />
Figura 6: Variação do pH durante as semanas de coleta.<br />
112 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
ca pode ser a formação de um sistema<br />
tampão químico pela areia. Assim,<br />
apesar do consumo de compostos<br />
alcalinos, haveria o impedimento<br />
da queda do pH do efluente dos<br />
filtros de areia.<br />
A formação do sistema tampão<br />
pelo leito de areia pode ser<br />
comprovada pelo fato do filtro<br />
F025, que possui o menor volume<br />
de areia, possuir tendência aos<br />
menores pHs e também por ter<br />
sido o primeiro a apresentar os<br />
valores mais baixos. O filtro de 100<br />
cm manteve valores altos de pH<br />
ate o final da aplicação da carga de<br />
100 l/m 2 .<br />
Vê-se também que o sistema,<br />
mesmo sob condições temporárias<br />
de aplicações de pHs bastante anormais,<br />
conforme encontrado na sexta<br />
semana, mostrou-se capaz de<br />
amortecê-los. Isso também pode<br />
ser notado nas duas últimas semanas<br />
de aplicação da carga de 100 l/<br />
m 2 , quando houve a geração de um<br />
efluente ácido pelos reatores anaeróbios<br />
de bambu. Observa-se que<br />
nesta situação os efluentes dos quatro<br />
filtros não tiveram uma tendência<br />
a acompanhá-lo nesta queda<br />
brusca.<br />
Quando se comparam os valores<br />
encontrados para o pH com aqueles<br />
exigidos pela legislação brasileira<br />
(CONAMA 20/86), que permite a<br />
emissão de um efluente cujo pH<br />
varie entre 4 e 9, nota-se que o<br />
sistema propiciou valores bastante<br />
satisfatórios.<br />
Demanda Bioquímica de<br />
Oxigênio - DBO<br />
Caso seja lançado em um corpo<br />
de água uma grande quantidade<br />
de matéria orgânica, haverá o consumo<br />
parcial dela pelos microrganismos<br />
presentes no meio. Como<br />
conseqüência desta degradação,<br />
esta colônia formada consome grande<br />
quantidade de oxigênio, levando<br />
à morte diversas espécies da<br />
fauna e da flora.<br />
No que se refere a DBO, parâmetro<br />
que determina a quantidade<br />
de matéria orgânica, os reatores
Tabela<br />
2:<br />
Remoção<br />
média<br />
de<br />
DBO<br />
no<br />
sistema<br />
de<br />
tratamento<br />
nas<br />
cargas<br />
hidráulicas<br />
aplicadas.<br />
Ponto<br />
de<br />
Remoção<br />
média<br />
de<br />
DBO<br />
( % )<br />
Coleta<br />
20 l/<br />
m2<br />
40 l/<br />
m2<br />
60 l/<br />
m2<br />
80 l/<br />
m2<br />
100<br />
l/<br />
m2<br />
F025 95, 3 97, 3 93, 7 95, 8 91,<br />
3<br />
F050 98, 0 98, 9 98, 7 96, 5 94,<br />
9<br />
F075 97, 5 98, 9 98, 8 98, 3 97,<br />
0<br />
F100 97, 6 98, 8 99, 4 99, 3 98,<br />
7<br />
Figura 7: DBO média para cada uma das cargas hidráulicas aplicadas.<br />
Figura 8: Média para a concentração dos compostos nitrogenados no esgoto bruto<br />
e efluente dos reatores de bambu em cada carga hidráulica.<br />
anaeróbios propiciaram uma remoção<br />
média de aproximadamente<br />
48%. Este resultado está de acordo<br />
com as possibilidades dos microrganismos<br />
anaeróbios e com os dados<br />
encontrados para materiais de<br />
recheio normalmente empregados<br />
em estações de tratamento de grande<br />
porte.<br />
Quanto aos filtros de areia, vêse<br />
pela Figura 7 a excelente remoção<br />
de DBO. O maior valor encontrado<br />
foi de somente 29 mg/l, obtido no<br />
efluente do filtro com 25 cm de<br />
profundidade, durante a aplicação<br />
da maior carga hidráulica. Este resultado<br />
está muito abaixo do máximo<br />
permitido pela legislação brasileira,<br />
que é de 90 mg/l.<br />
Outra característica observada<br />
é que quanto mais profundo o leito<br />
de areia, melhores foram os resultados.<br />
Isto pode ser explicado pelo<br />
fato de que quanto maior a profundidade,<br />
maior a quantidade de areia<br />
revestida com biofilme. Assim existe<br />
uma ampla possibilidade de contato<br />
do material orgânico com os<br />
microrganismos.<br />
Quando se observa a Tabela 2,<br />
que apresenta os percentuais de<br />
remoção da DBO em todo o sistema,<br />
observa-se o valor mínimo de<br />
91,3%. O filtro com 100 cm de<br />
profundidade nunca removeu menos<br />
que 97,6%, independente da<br />
carga de aplicação.<br />
Nitrogênio<br />
A remoção dos compostos nitrogenados<br />
presentes no esgoto é de<br />
extrema importância. Caso isto não<br />
ocorra tem-se o lançamento de um<br />
efluente tóxico que pode levar à<br />
morte de micro e macrorganismos.<br />
Tal fato ocorre devido ao nitrogênio<br />
amoniacal ou devido à eutrofização,<br />
que acaba por criar um meio propício<br />
à floração de algas.<br />
Pela Figura 8 percebe-se que<br />
tanto o esgoto bruto como o<br />
efluente dos reatores de bambu<br />
eram constituídos de compostos<br />
nitrogenados pouco degradados<br />
(nitrogênio orgânico e amoniacal).<br />
Assim, desde a produção dos<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 113
Figura 9: Média para a concentração dos compostos nitrogenados no filtro F025 e<br />
F050 em cada carga hidráulica.<br />
dejetos pelo ser humano até a chegada<br />
à estação de tratamento ocorreram<br />
poucas transformações em<br />
sua composição. Isto ocorre principalmente<br />
devido ao fato de os<br />
organismos responsáveis pela decomposição<br />
dos compostos nitrogenados<br />
agirem somente em presença<br />
de oxigênio.<br />
Ao comparar-se o esgoto bruto<br />
com o efluente dos reatores de bambu,<br />
nota-se que apesar da sua característica<br />
anaeróbia, a amônia na maioria<br />
das situações superava o valor<br />
de nitrogênio orgânico. Quanto às<br />
concentrações de nitrato e nitrito,<br />
observa-se que foram muito pequenas<br />
para estes dois pontos de coleta.<br />
Pelas Figuras 9 e 10, nota-se<br />
que o efluente dos reatores anaeróbios<br />
de recheio de bambu ao<br />
infiltrar-se através do leito de areia<br />
dos filtros biológicos sofreu grandes<br />
alterações no que se refere aos<br />
compostos nitrogenados. Ou seja,<br />
existiu uma grande transformação<br />
do nitrogênio orgânico e do<br />
amoniacal para nitrato, independente<br />
da carga que era empregada.<br />
Tal modificação é resultante das<br />
nitrobactérias, que em ambientes<br />
aerados levam tais compostos à sua<br />
forma mais oxidada.<br />
Para os filtros F025 e F050, a<br />
partir da carga de 60 l/m 2 passa a<br />
haver um aumento da concentração<br />
de nitrogênio amoniacal, que foi<br />
ampliada na de 80 l/m 2 . Este aumento<br />
pode ser explicado pelo<br />
acréscimo de carga, que acarretou<br />
na diminuição do tempo de contato<br />
entre o líquido que se infiltrava e a<br />
cultura biológica aderida à areia.<br />
Quanto maior era a profundidade<br />
do leito, maior era o processo de<br />
nitrificação, ou seja, de transformação<br />
do nitrogênio orgânico em nitrato.<br />
Assim, de acordo com a Figura 10,<br />
nota-se que o filtro com 100 cm de<br />
profundidade de leito propiciava uma<br />
114 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
completa nitrificação. Assim, a<br />
somatória das concentrações de todos<br />
os compostos nitrogenados era<br />
muito semelhante à de nitrato.<br />
Coliformes Totais<br />
Os coliformes totais são uma<br />
classe de organismos adotada pela<br />
engenharia sanitária como um indicador<br />
da presença de organismos<br />
patogênicos. Assim, caso esteja em<br />
pequenas quantidades, pode-se supor<br />
que a água também não conterá<br />
seres vivos que possam causar algum<br />
dano a saúde.<br />
Ao analisar-se as concentrações<br />
de coliformes totais pela Figuras 11,<br />
vê-se que o afluente sempre possuía<br />
valores superiores a 10 6 NMP/100 ml,<br />
chegando em alguns casos a superar<br />
10 9 NMP/100 ml. Desta forma, podese<br />
constatar que os reatores anaeróbios<br />
com recheio de bambu realmente<br />
não removem estes organismos,<br />
conforme afirma a literatura.<br />
Quanto aos filtros de areia, nas<br />
baixas cargas o F025 já apresentava<br />
valores mais altos que os outros três,<br />
e no decorrer do desenvolvimento do<br />
projeto, sempre possuía as maiores<br />
concentrações. Por outro lado, o filtro<br />
com 100 cm de profundidade chegava<br />
a gerar um efluente capaz de atender<br />
à legislação brasileira para a água<br />
potável quanto a coliformes totais.<br />
Ao observar-se a comparação<br />
entre o afluente e o efluente do filtro<br />
de areia apresentada na Tabela 3,<br />
percebe-se a grande remoção de<br />
coliformes totais que este sistema<br />
propiciou. O filtro com menor profundidade<br />
de leito, o F025, apresentou<br />
altos percentuais, sendo no mínimo<br />
igual a 84%. Os dois filtros mais<br />
profundos tiveram valores superiores<br />
a 99% em praticamente todas as<br />
situações em estudo.<br />
Conclusões<br />
A análise destes resultados demonstra<br />
a grande viabilidade deste<br />
sistema biológico para o tratamento<br />
de efluente de pequenas comunidades,<br />
utilizando materiais presentes<br />
nas próprias comunidades.
Figura 10: Concentração dos compostos nitrogenados nos filtros F075 e F100.<br />
Figura 11: Concentração de coliformes totais.<br />
Tabela<br />
3:<br />
Remoção<br />
média<br />
da<br />
concentração<br />
de<br />
Coliformes<br />
Totais<br />
nos<br />
filtros<br />
biológico<br />
s de<br />
areia<br />
em<br />
cada<br />
carga<br />
hidráulica.<br />
Ponto<br />
de<br />
Remoção<br />
dos<br />
Coliformes<br />
Totais<br />
( % )<br />
Coleta<br />
20 l/<br />
m2<br />
40 l/<br />
m2<br />
60 l/<br />
m2<br />
80 l/<br />
m2<br />
100<br />
l/<br />
m2<br />
F025 97, 5 89, 8 84, 8 84, 9 87,<br />
0<br />
F050 99, 9 99, 2 98, 0 87, 4 96,<br />
3<br />
F075 100, 0 99, 9 99, 4 99, 5 97,<br />
0<br />
F100 100, 0 100, 0 99, 9 99, 9 99,<br />
9<br />
O efluente gerado estava em conformidade<br />
com o exigido pela legislação<br />
brasileira para a emissão em um<br />
corpo receptor, sendo compatível com<br />
aqueles produzidos nas grandes estações<br />
de tratamento existentes nas grandes<br />
cidades brasileiras. Outro ponto é<br />
a possibilidade do reuso deste líquido<br />
em alguma atividade humana, resguardando<br />
os mananciais naturais para<br />
usos mais nobres.<br />
Agradecimentos<br />
A FAPESP, CNPq, FINEP, Caixa<br />
Econômica Federal e PROSAB pelo<br />
apoio e financiamento na construção<br />
do projeto e em sua manutenção.<br />
Referências Bibliográficas<br />
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methods for the examination of<br />
water and wastewater. 19 a edição.<br />
Nova Iorque: American Public Health<br />
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CAMARGO, S. A. R. Filtro anaeróbio<br />
com enchimento de bambu<br />
para tratamento de esgotos sanitários:<br />
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Campinas: Faculdade de Engenharia<br />
Civil, UNICAMP, 2000. Dissertação<br />
de Mestrado.<br />
JORDÃO, E. P.; PESSOA, C. A.<br />
Tratamento de esgotos domésticos.<br />
3 a edição. Rio de Janeiro: ABES, 1995.<br />
KRISTIANSEN, R. Sand-filter<br />
trenches for purification of septic<br />
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n. 10, p. 361–364, 1981c.<br />
METCALF e EDDY. Wastewater<br />
engineering, treatment, disposal<br />
and reuse. 3 a edição. Nova Iorque:<br />
McGraw - Hill, International Editions,<br />
1991.<br />
MICHELS, C. J. System suited<br />
for small communities. Water<br />
Environmental & Technology, n.<br />
8, v. 7, p. 45-48, 1996.<br />
OMS - ORGANIZAÇÃO MUN-<br />
DIAL DE SAÚDE. Directrices sanitárias<br />
sobre el uso de águas<br />
residuales en agricultura e<br />
aquicultura. Séries de reportagens<br />
técnicas. N 778. OMS, Genebra,<br />
1989.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 115
Pesquisa<br />
Soraya Cristina Leal-Bertioli - PhD<br />
Pesquisadora EMBRAPA Recursos<br />
Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>,<br />
soraya@cenargen.embrapa.br<br />
Patrícia Messenberg Guimarães - PhD<br />
Pesquisadora EMBRAPA Recursos<br />
Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>,<br />
messenbe@cenargen.embrapa.br<br />
Alessandra Pereira Fávero - MsC<br />
Pesquisadora EMBRAPA Recursos<br />
Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>,<br />
favero@cenargen.embrapa.br<br />
Márcio de Carvalho Moretzsohn - MsC<br />
Pesquisador EMBRAPA Recursos<br />
Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>,<br />
marciocm@cenargen.embrapa.br<br />
Karina Proite - MsC<br />
Estudante de doutorado da UnB,<br />
proite@cenargen.embrapa.br<br />
David John Bertioli - PhD<br />
Pesquisador Universidade Católica de Brasília<br />
david@pos.ucb.br<br />
Ilustrações cedidas pelos autores<br />
Amendoim Selvagem<br />
amendoim cultivado,<br />
Arachis hypogaea, é<br />
uma das leguminosas<br />
produtoras de grãos<br />
mais plantada em todo<br />
o mundo, devido ao seu alto conteúdo<br />
de proteína e óleos insaturados. É<br />
cultivado extensivamente na China,<br />
Índia e Estados Unidos, além de diversos<br />
países da América Latina e<br />
África (Conab, 2002). Os principais<br />
problemas da cultura estão relacionados<br />
ao ataque de fungos da parte<br />
aérea e nematóides, necessitando periodicamente<br />
da utilização de defensivos<br />
agrícolas (Hagan, 1998 ;<br />
Subrahmanyam et al., 1983; Bailey,<br />
2002). Espécies silvestres de Arachis<br />
têm-se mostrado altamente promissoras<br />
como fonte de resistência a<br />
diversas pragas que atingem o amendoim<br />
e outras culturas, sendo que já<br />
foram identificadas algumas espécies<br />
com resistência a três fungos<br />
foliares (Cercospora arachidicola,<br />
Cercosporidium personatum e<br />
Puccinia arachidis) e ao nematóide<br />
das galhas (Meloidogyne spp.). Busca-se,<br />
agora, desenvolver ferramentas<br />
para a utilização destas espécies<br />
silvestres em programas de melhoramento<br />
genético, visando à obtenção<br />
de cultivares de amendoim com resistência<br />
mais duradoura (Fig.1).<br />
O projeto “Identificação de resistências<br />
a stress biótico em Arachis selvagem<br />
e desenvolvimento de ferramentas<br />
para o melhoramento genético<br />
através de mapeamento e genômica<br />
comparativa” combina esforços e habilidades<br />
de pesquisadores da Embrapa<br />
Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>,<br />
Universidade Católica de Brasília, IBONE<br />
(Instituto Botanico del Nordeste, Argentina),<br />
Universidade de Aarhus (Di-<br />
116 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Uma fonte de resistência a pragas<br />
foto ilustrativa<br />
namarca) e Sainsbury’s Laboratories (Inglaterra)<br />
na busca de genes de resistência<br />
a fungos e nematóides patogênicos<br />
ao amendoim, e no desenvolvimento<br />
de um mapa genético para Arachis que<br />
possibilite a utilização destes genes.<br />
Produção de um mapa<br />
genético para facilitar a<br />
seleção assistida<br />
Espécies silvestres de Arachis possuem<br />
alta diversidade genética e constituem<br />
uma rica fonte de genes de<br />
resistência. Diversos trabalhos têm mostrado<br />
que as espécies silvestres são<br />
muito mais resistentes a doenças do<br />
que a espécie cultivada (Arachis<br />
hypogaea) (Holbrook et al., 2000). O<br />
amendoim cultivado é tetraplóide (tem<br />
quatro conjuntos de cromossomos, dois<br />
conjuntos do chamado genoma A e<br />
dois conjuntos do genoma B), enquan
to que a maioria das espécies silvestres<br />
é diplóide (apenas dois conjuntos de<br />
cromossomos). Esta diferença de<br />
ploidia dificulta a introgressão de genes<br />
dos parentes silvestres, uma vez que os<br />
híbridos obtidos de maneira tradicional<br />
são triplóides estéreis. Por isso,<br />
para obter híbridos férteis, necessita-se<br />
fazer cruzamentos entre espécies silvestres<br />
com genomas AA e BB. Os<br />
híbridos obtidos (AB) são então submetidos<br />
a tratamento com colchicina<br />
para duplicar o número de cromossomos,<br />
obtendo-se, assim, anfidiplóides<br />
sintéticos (AABB), que, em princípio,<br />
são compatíveis com o amendoim cultivado.<br />
Estes híbridos são então cruzados<br />
com A. hypogaea dando continuidade<br />
ao programa de pré-melhoramento<br />
de Arachis.<br />
Tradicionalmente, nos programas<br />
de melhoramento de plantas que envolvem<br />
hibridações seguidas de retrocruzamentos,<br />
grande parte do genoma<br />
da parental doadora é incorporada ao<br />
genoma da planta receptora e, por<br />
isso, são necessárias várias gerações<br />
para a eliminação gradual dos genes<br />
indesejáveis, enquanto o genótipo do<br />
Fig.1 - Sementes de diferentes espécies de Arachis<br />
parental recorrente é mantido para os<br />
demais locos. Em cada geração são<br />
selecionadas as plantas que apresentam<br />
a característica de interesse a ser<br />
introgredida, e as demais características<br />
do parental recorrente. Este processo<br />
de seleção, após a introgressão,<br />
pode ser otimizado através da construção<br />
de mapas genéticos e da identificação<br />
de marcadores moleculares<br />
fortemente associados aos genes de<br />
interesse. Desta forma, é possível, em<br />
cada fase de seleção, a escolha dos<br />
indivíduos que contenham o máximo<br />
de características do parental recorrente,<br />
diminuindo assim o tempo do<br />
processo de melhoramento. Isso é<br />
particularmente importante em programas<br />
que visam à introgressão de<br />
genes de resistência a pragas. Neste<br />
caso, a seleção indireta através de<br />
marcadores moleculares possibilita,<br />
além da redução de tempo, a identificação<br />
e seleção de genótipos resistentes<br />
na ausência do patógeno e a<br />
transferência e manutenção de mais<br />
de um gene de resistência principal<br />
durante a seleção (piramidização de<br />
genes de resistência).<br />
Para a implementação de um<br />
esquema efetivo de seleção assistida<br />
por marcadores em programas de<br />
melhoramento genético, três requerimentos<br />
são essenciais: (1) alguns<br />
marcadores devem estar fortemente<br />
ligados aos genes que controlam as<br />
características de interesse; (2) os<br />
marcadores devem estar facilmente<br />
disponíveis para a análise de grandes<br />
populações e (3) as técnicas utilizadas<br />
devem ser reproduzíveis entre<br />
laboratórios e com baixo custo.<br />
Mapeamento comparativo:<br />
Um atalho para um mapa<br />
genético<br />
Espécies de Arachis têm genomas<br />
muito grandes. O genoma<br />
haplóide de Arachis hypogaea tem<br />
aproximadamente 1,74 x 10 9 pares de<br />
bases. Isto dificulta a identificação e o<br />
mapeamento direto de genes de interesse.<br />
Uma outra espécie da família<br />
das leguminosas, Lotus japonicus, tem<br />
um genoma bem menor, tem um<br />
mapa genético de alta resolução já<br />
disponível e os projetos de seqüenci-<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 117
Fig.2 - Exemplo de estudo de sintenia: Marcadores moleculares (M1 a M4) em posições<br />
colineares nos genomas de Lotus e Arachis.<br />
amento de ESTs (expressed sequenced<br />
tags) e do genoma estrutural estão<br />
quase completos (Asamizu et al., 2000;<br />
Sato et al., 2001). Por isso, L. japonicus<br />
tem sido considerada uma plantamodelo<br />
para todas as leguminosas,<br />
auxiliando no entendimento de outras<br />
espécies de genomas mais complexos.<br />
A comparação entre estes dois<br />
gêneros e a análise da ordem dos<br />
genes nos cromossomos possibilita a<br />
identificação de regiões correlatas<br />
entre os dois genomas (chamada<br />
sintenia), ou seja, o mapeamento comparativo.<br />
Neste processo, são identificados<br />
marcadores moleculares comuns<br />
aos diversos genomas, chamados marcadores-âncoras.<br />
Como exemplo de<br />
transferência de informação da planta<br />
modelo para leguminosas cultivadas<br />
pode-se citar o caso dos fenótipos<br />
mutantes: uma vez que o gene responsável<br />
por um fenótipo mutante<br />
seja clonado em Lotus, a análise<br />
fenotípica comparativa e a informação<br />
do mapa podem ser utilizadas<br />
como base para identificar genes candidatos<br />
para o gene correspondente<br />
em outras leguminosas.<br />
No caso específico de Arachis, a<br />
análise genômica comparativa poderá<br />
auxiliar no desenvolvimento de<br />
marcadores para o melhoramento genético<br />
da cultura, o que certamente<br />
facilitará a clonagem de genes de<br />
interesse. A exploração da colinearidade<br />
entre genes de Arachis e Lotus<br />
buscando a identificação entre as duas<br />
espécies e a identificação de regiões<br />
cromossômicas ortólogas (genes homólogos<br />
localizados em genomas de<br />
diferentes organismos) tem sido realizada<br />
através do desenvolvimento de<br />
um banco de ESTs de Arachis (Guimarães<br />
et al., 2003 ). Este banco de<br />
dados deverá acelerar o mapeamento<br />
do genoma de Arachis, a identificação<br />
de resistências e o desenvolvimento<br />
de marcadores a serem utilizados nos<br />
programas de melhoramento. Um benefício<br />
adicional do projeto é o desenvolvimento<br />
de um sistema genético<br />
unificado para a família das leguminosas,<br />
pois trabalhando com Lotus que é<br />
considerado um dos gêneros mais<br />
adaptados desta família e Arachis que<br />
é considerado um dos mais primitivos,<br />
qualquer região de similaridade<br />
encontrada provavelmente existirá em<br />
todas as leguminosas. Até o momento,<br />
já foram encontradas homologias<br />
entre Lotus e Arachis em vários genes<br />
que codificam para enzimas envolvidas<br />
em importantes cadeias metabólicas,<br />
além da homologia entre genes<br />
envolvidos na simbiose destas plantas<br />
com bactérias fixadoras de nitrogênio<br />
estarem sendo estudadas (Sandal, et<br />
al., 2003) (Fig. 2). A identificação de<br />
tais regiões pode facilitar o isolamento<br />
de genes envolvidos neste processo,<br />
possibilitando o desenvolvimento<br />
de variedades de Arachis com maior<br />
capacidade de fixação de nitrogênio,<br />
o que resultaria na redução da utilização<br />
de fertilizantes nitrogenados, contribuindo<br />
para uma produção de alimentos<br />
mais sustentável.<br />
118 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Estudos de expressão gênica<br />
O estudo da expressão gênica tem<br />
demonstrado ser uma importante ferramenta<br />
no entendimento dos processos<br />
biológicos em nível molecular. Por exemplo,<br />
estes estudos podem ser utilizados<br />
na identificação de uma rede de genes<br />
expressos de fundamental importância<br />
no desenvolvimento de uma determinada<br />
estrutura, ou na resposta de um<br />
organismo a um estímulo externo. O<br />
estudo da expressão gênica diferencial<br />
pode contribuir para a caracterização de<br />
resistências, pois possibilita a identificação<br />
de genes–chave desta rede através<br />
da comparação da expressão gênica<br />
durante o desenvolvimento de uma estrutura<br />
sob condições normais e em<br />
organismos carregando uma mutação<br />
ou submetidos a algum tipo de stress.<br />
Através do acúmulo de dados da expressão<br />
diferencial de vários genes sob diferentes<br />
condições, pode-se reconstruir as<br />
vias reguladas por estes genes, predizer<br />
onde eles atuam e identificar novos<br />
genes associados ao processo.<br />
Para o entendimento da função de<br />
um gene, é fundamental o estudo de<br />
onde e quando ele é expresso. Recentemente,<br />
várias estratégias foram desenvolvidas<br />
para permitir o estudo da função<br />
de vários genes simultaneamente,<br />
entre elas: a genética reversa (geração de<br />
mutações específicas em genes de interesse),<br />
screens mutagênicos (geração de<br />
mutações randômicas e screening de um<br />
pool de mutantes para se identificar<br />
fenótipos de interesse) e bioinformática<br />
(a análise dos dados gerados por todas as<br />
estratégias acima). As estratégias acima,<br />
associadas aos projetos genoma, que<br />
têm como objetivo o sequenciamento do<br />
genoma inteiro de vários organismos,<br />
têm possibilitado o estudo sistemático da<br />
expressão diferencial de genes em nível<br />
de genoma como um todo. A análise da<br />
expressão diferencial de genes em resposta<br />
ao ataque de um patógeno constitui,<br />
portanto, uma ferramenta importante<br />
no isolamento de genes de resistência<br />
ou de fatores envolvidos com a interação<br />
patógeno-hospedeiro.<br />
Neste projeto, a identificação de<br />
genes expressos diferencialmente em<br />
germoplasma resistente de Arachis está<br />
sendo realizada através da análise de ESTs<br />
e de microarranjos. Para tal, várias bibliotecas<br />
de cDNA foram construídas a partir<br />
de Arachis stenosperma submetido a<br />
diferentes situações de stress (inoculado<br />
com nematóides e fungos) as quais estão
sendo seqüenciadas de forma massal<br />
visando à construção de um banco de<br />
dados de ESTs e dos chips de DNA.<br />
Uma vez isolados e confirmada<br />
sua função, estes genes podem ser<br />
introgredidos para o amendoim cultivado<br />
ou transferidos a outras plantas de<br />
interesse econômico, que sejam atingidas<br />
pelas mesmas pragas, como a soja<br />
e feijão, para as quais já existem disponíveis<br />
métodos de transformação.<br />
O impacto da utilização<br />
destas novas técnicas no<br />
cultivo do amendoim<br />
O Brasil produz atualmente aproximadamente<br />
170 mil toneladas de<br />
amendoim, sendo o maior produtor o<br />
estado de São Paulo, com aproximadamente<br />
60 mil ha plantados e 80-90% da<br />
produção do país (Conab, 2002). Um<br />
dos principais problemas dos produtores<br />
de amendoim deste estado é o<br />
ataque de doenças fúngicas de parte<br />
aérea, como a mancha barrenta<br />
(Didymella arachidicola), mancha castanha<br />
(Cercospora arachidicola), mancha<br />
preta (Cercosporidium personatum),<br />
ferrugem (Puccinia arachidis) e<br />
verrugose (Sphaceloma arachidis). A<br />
principal cultivar plantada no país é a<br />
cv. Tatu, com aproximadamente 80%<br />
da área plantada e é altamente susceptível<br />
às doenças acima citadas. A última<br />
cultivar de A. hypogaea lançada pelo<br />
Instituto Agronômico de Campinas<br />
(IAC), a IAC-Caiapó, é de ciclo longo<br />
(com 130 dias) e possui resistência<br />
moderada às cercosporioses, à mancha<br />
barrenta e a ferrugem (Conab, 2002).<br />
As espécies silvestres da secção<br />
Arachis têm sido utilizadas no melhoramento<br />
do amendoim na Índia, Argentina,<br />
Estados Unidos e Brasil. Várias das espécies,<br />
que, na maioria, são brasileiras,<br />
possuem níveis de resistência a pragas e<br />
doenças superiores aos encontrados em<br />
acessos de A. hypogaea (Stalker & Moss,<br />
1987; Fávero et al., 2000 e 2001). A falta de<br />
informações sobre o potencial destas<br />
espécies para o melhoramento de cultivares<br />
é a principal barreira para seu uso. As<br />
69 espécies silvestres de Arachis descritas<br />
e existentes são restritas ao Brasil, Bolívia,<br />
Paraguai, Argentina e Uruguai, sendo 57<br />
endêmicas ao Brasil. As expedições de<br />
coleta realizadas desde 1959 têm permitido<br />
a preservação de mais de 1600 acessos<br />
no banco de germoplasma, localizado na<br />
Embrapa Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>,<br />
através de seu curador e principal<br />
coletor, Dr. José Francisco M. Valls. Neste<br />
banco de germoplasma, há acessos que<br />
representam todas as espécies de Arachis,<br />
exceto uma, Arachis martii, considerada<br />
extinta.<br />
A identificação de espécies resistentes<br />
a doenças e pragas e a localização<br />
de marcadores associados aos genes de<br />
interesse auxiliarão sobremaneira a seleção<br />
de plantas com resistência, desde as<br />
primeiras fases do programa de melhoramento,<br />
até a obtenção de novas cultivares.<br />
Acredita-se que a possibilidade da<br />
piramidização de genes tornará as novas<br />
cultivares com resistências mais duradouras<br />
do que se fosse utilizada apenas<br />
a seleção baseada em avaliação agronômica<br />
e fitopatológica das plantas, pois<br />
será possível a identificação de marcadores<br />
moleculares ligados a genes de resistência<br />
localizados nos genomas A e B<br />
oriundos de espécies silvestres e incorporados<br />
ao amendoim cultivado.<br />
O projeto irá propiciar o diálogo<br />
mais intenso entre os parceiros na cooperação<br />
científica e tecnológica entre a<br />
União Européia e América Latina. Isto<br />
também beneficiará o treinamento de<br />
jovens pesquisadores em tecnologias de<br />
ponta em genômica e citogenética. Os<br />
mapas genéticos gerados e o mapeamento<br />
comparativo entre os genomas de<br />
Arachis e Lotus poderão facilitar o melhoramento<br />
de amendoim e, possivelmente,<br />
os programas de melhoramento de outras<br />
leguminosas. O desenvolvimento de variedades<br />
melhoradas de amendoim adaptadas<br />
à América Latina auxiliará na redução<br />
do uso de defensivos agrícolas e<br />
poluição associada, sem perdas na produtividade,<br />
contribuindo para o desenvolvimento<br />
sustentável da agricultura.<br />
Bibliografia Citada<br />
Asamizu, E., Nakamara, Y., Sato, S., e<br />
Tabata, S. (2000). Generation of<br />
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Bailey, J. (2002). Peanut Disease<br />
Management. North Carolina Peanut<br />
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Conab (2002). Conjuntura Semanal.<br />
Especiais 16-2009. Ministério da<br />
Agricultura, Pecuária e Abastecimento<br />
. Companhia Nacional de<br />
Abastecimento-Conab.<br />
Fávero, A. P.; Moraes, S. A.; Vello, N.<br />
A.; Valls, J. F. M. Caracterização de<br />
acessos de germoplasma de espécies<br />
silvestres de Arachis (Secção<br />
Arachis) resistentes à ferrugem<br />
(Puccinia arachidis). Anais do 46 o<br />
Congresso Nacional de Genética,<br />
19 a 23 de setembro de 2000 -<br />
Águas de Lindóia- SP, p.533-534<br />
Fávero, A. P.; Moraes, S. A.; Vello, N. A.;<br />
Valls, J. F. M. Caracterização de espécies<br />
silvestres de amendoim quanto à<br />
resistência à mancha castanha visando<br />
à introgressão de genes ao amendoim<br />
cultivado. Anais do I Congresso<br />
de Melhoramento de Plantas, 03 a 06<br />
de abril de 2001 - Goiânia, GO.<br />
Guimaraes, P.M., Leal-Bertioli, S., Seijo,<br />
G., Parniske, M., Stougaard, J., Bertioli,<br />
D. (2003). The identification of<br />
resistances to biotic stress in wild<br />
Arachis germplasm, and the<br />
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of Plant Molecular Biology, Barcelona,<br />
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Extension System. ANR-369. (http//<br />
www. Aces.edu /department/<br />
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1171.<br />
Sandal, N., Madsen, L., Radutoiu, S.,<br />
Krusell, L., Madsen, E., Kanamori,<br />
N., Sato, S., Tabata, S., James, E.,<br />
Krause, K., Udvardi, M., Stougaard,<br />
J. (2003). Mapping and Map based<br />
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model legume Lotus japonicus.<br />
Annals of the 7 th Congress of Plant<br />
Molecular Biology, Barcelona, 2003.<br />
Sato, S., Kanerko, T., Nakamura, Y.,<br />
Asamizu, E. kato, T. e Tabata, S.<br />
(2001). Strucutural analysis of a Lotus<br />
japonicus genome. I. Sequence<br />
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Research 8 <strong>31</strong>1-<strong>31</strong>8.<br />
Stalker, H.T., Moss, J.P. (1987).<br />
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Phytopathology 73 (2) 253-256.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 119
Pesquisa<br />
Ana Paula Pacheco Clemente<br />
Bióloga, Especialista em Bioética, Direito e<br />
aplicações, coordenadora e professora dos cursos de<br />
pós-graduação lato sensu e extensão em Bioética da<br />
PUCMinas e UFLA, e do curso de extensão em<br />
Tanatologia e Bioética do IEC-PUC Minas, membro<br />
da diretoria do Capítulo de Bioética da SBCM,<br />
consultora da Comissão de Bioética e Biodireito da<br />
OAB-MG, membro fundador e da Diretoria<br />
Executiva da Sociedade Brasileira de Bioética<br />
Regional Minas Gerais.<br />
paulaclemente@bioconsulte.bio.br;<br />
paulaclemente@bol.com.br<br />
Bioética<br />
A área das ciências biológicas é<br />
a que mais privilegia o conceito de<br />
Bioética da forma como foi concebido<br />
inicialmente. Ela possui um campo<br />
muito vasto de atuação para o<br />
profissional que transita entre a área<br />
da saúde e a do meio ambiente.<br />
Segundo Potter, criador do termo,<br />
que era biólogo e oncologista, a atuação<br />
da Bioética seria buscar a boa<br />
qualidade de vida, pela interação do<br />
ser humano com o meio ambiente.<br />
Esse conceito foi adaptado pelo Instituto<br />
Rose e Kennedy de Reprodução<br />
Humana e Bioética, que tornou<br />
assim a Bioética voltada para a<br />
biomedicina e a biotecnologia. A<br />
Bioética tradicional, dos EUA, é baseada<br />
em quatro princípios fundamentais,<br />
que são:<br />
Autonomia: direito do paciente<br />
de participar ativamente de seu tratamento,<br />
refutando, concordando, discutindo<br />
e decidindo junto com o<br />
médico a melhor conduta a ser tomada.<br />
Esse conceito vem da filosofia,<br />
uma vez que o termo supramencionado<br />
significa autogoverno. Entretanto,<br />
para que tal aconteça, o sujeito<br />
(paciente) deve receber informações<br />
claras e precisas sobre seu quadro<br />
clínico, diagnóstico, tratamento e<br />
prognóstico.<br />
Beneficência e não-maleficência,<br />
as quais possuem origem hipocrática.<br />
A primeira pugna por sempre buscar<br />
o bem do paciente; já a segunda<br />
determina que, existindo dúvida<br />
quanto ao bem a ser ofertado ao<br />
paciente e sobre os seus efeitos<br />
120 <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003<br />
Pluralidade e transdisciplinaridade<br />
colaterais, ou seja, se estes forem<br />
maiores que aqueles, o médico não<br />
deve atuar, uma vez que a atuação<br />
médica deve sempre buscar o bem<br />
do paciente.<br />
O princípio da justiça prega o<br />
livre acesso de todos a um tratamento<br />
médico de qualidade, e a livre<br />
distribuição dos progressos da medicina<br />
para todos os seres humanos.<br />
Deve-se ressaltar a existência,<br />
antes de Potter, dos movimentos<br />
pré-bioéticos, tais como o Código<br />
de Nuremberg, o qual estabeleceu<br />
regras mínimas para pesquisas clínicas<br />
em seres humanos, e a Declaração<br />
Universal dos Direitos Humanos,<br />
que estipula direitos e garantias<br />
mínimos de respeito à vida humana.<br />
Ambos buscaram impedir reincidências<br />
das atrocidades cometidas pela<br />
humanidade nas duas grandes guerras<br />
mundiais.<br />
Hodiernamente, bioética é a<br />
parte da ética que cuida das questões<br />
referentes à vida humana, à saúde,<br />
aos avanços da biotecnologia e aos<br />
efeitos destes sobre o homem. Busca<br />
sempre o bom e o melhor para o ser<br />
humano, possuindo, desta forma, um<br />
caráter antropocentrista bastante<br />
acentuado, que busca privilegiar a<br />
interação homem/meio ambiente.<br />
A atuação do biólogo no meio<br />
ambiente busca a proteção da biodiversidade,<br />
a manutenção de espécies<br />
em vias de extinção, a preservação<br />
do meio ambiente e da qualidade de<br />
vida. O licenciamento ambiental e o<br />
relatório de impacto ambiental de
esponsabilidade técnica do biólogo<br />
é de extrema importância para evitar<br />
acidentes ecológicos. O Brasil possui<br />
uma legislação ambiental que regulamenta<br />
as atividades dos profissionais<br />
que atuam na área. A Bioética<br />
influencia nas decisões à medida<br />
que analisa a interação do ser humano<br />
com o ambiente e os reflexos<br />
causados pelas ações propostas pelo<br />
homem.<br />
Mais recentemente temos tido<br />
discussões sobre transgênicos e<br />
OGMs, não só na área de meio<br />
ambiente, mas também na área médica,<br />
com a produção de animais<br />
transgênicos para transplante de<br />
órgãos, vacinas e medicamentos<br />
manipulados geneticamente. Temos<br />
também biotecnologia na formação<br />
de biomateriais, reprodução humana<br />
assistida, que gera grandes polêmicas<br />
por causa da doação de sêmen,<br />
óvulo, útero de substituição,<br />
que muda os pilares de filiação,<br />
trazendo gêmeos em idades diferentes,<br />
crianças com até cinco pais,<br />
crianças com material genético de<br />
três pais em resultado de exame de<br />
DNA com técnica de rejuvenescimento<br />
de óvulo; gestação após a<br />
morte dos pais biológicos, mudança<br />
de paradigma quanto à filiação, privilegiando<br />
a paternidade e maternidade<br />
sócio-afetivas.<br />
O Projeto Genoma Humana com<br />
a descoberta de todos os genes humanos<br />
, trará benefícios e proporcionará,<br />
daqui a alguns anos, a cura para<br />
várias doenças. Nesse âmbito haverá<br />
um avanço na medicina preditiva<br />
que, através da avaliação genética,<br />
pode fazer o diagnóstico de várias<br />
doenças que poderiam se manifestar<br />
ou não no futuro. Hoje já é possível<br />
fazer o diagnóstico de algumas doenças,<br />
porém não é possível curá-las, os<br />
benefícios são apresentados na<br />
melhoria da qualidade de vida e da<br />
adaptação do paciente.<br />
Já há algumas décadas, a medicina<br />
fetal proporciona, através do<br />
diagnóstico pré-natal, a possibilidade<br />
de diagnóstico de doenças cromossômicas,<br />
como a síndrome de<br />
Down. Hoje, contamos com a biotecnologia<br />
por meio do diagnóstico ge-<br />
nético pré-implantação; podemos<br />
fazer a análise genética retirando um<br />
blastômero do embrião, ou seja, uma<br />
célula totipotente, que poderá virar<br />
outro ser humano idêntico ao da<br />
célula de onde foi retirado. Dessa<br />
forma, o diagnóstico é realizado no<br />
embrião, não havendo necessidade<br />
de retirar nenhum material biológico<br />
após a implantação, para não correr<br />
o risco de um aborto.<br />
Com a descoberta de doenças<br />
genéticas pela micromanipulação de<br />
embriões, é possível descartar esses<br />
embriões “anormais” pondo em prática<br />
a chamada Eugenia doce, que<br />
seria o descarte de embriões e fetos<br />
com defeitos congênitos. Aí surge a<br />
discussão sobre o que é normal e o<br />
que é anormal. Caso do casal surdomudo<br />
que recorreu ao banco de sêmen<br />
para buscar um doador de sêmen<br />
surdo para ter seu bebê.<br />
A terapia gênica vai proporcionar<br />
através da utilização de vetores,<br />
como vírus e bactérias, a cura das<br />
doenças das quais forem localizados<br />
os genes que as causam, removendo<br />
ou acrescentando o gene saudável à<br />
pessoa.<br />
Outra questão discutida pela<br />
Bioética é o direito à identidade genética<br />
nos casos em que a criança foi<br />
adotada ou tenha nascido por intermédio<br />
de material genético doado, o<br />
que não desfaz o vínculo de paternidade;<br />
direito não para fins de herança<br />
nem tampouco para negatória de<br />
paternidade, mas, simplesmente, pelo<br />
direito de conhecer suas origens. O<br />
advento do exame de DNA trouxe a<br />
certeza biológica, mas muitos têm<br />
utilizado tal exame de forma errônea.<br />
Deve-se ter sempre o exame de DNA<br />
como mais uma prova judicial a ser<br />
juntada aos autos do processo, a fim<br />
de preservar a dignidade e a privacidade<br />
humanas. Ninguém é obrigado<br />
a fornecer prova contra si mesmo.<br />
A banalização do exame de DNA<br />
tem trazido conseqüências indesejáveis<br />
não só para o Direito de Família<br />
e de Sucessões, mas também para a<br />
Criminalística, porque ainda existem<br />
peritos despreparados para coletar o<br />
material biológico na cena do crime.<br />
É preciso seriedade e responsabilida-<br />
de para utilizar tal prova; deve-se<br />
evitar contaminação do material,<br />
armazená-lo de forma adequada, ter<br />
uma cadeia de custódia, solicitar autorização<br />
por escrito nos casos de<br />
investigação de paternidade ou de<br />
maternidade.<br />
Assim, as questões da bioética<br />
podem ser classificadas como emergentes,<br />
aquelas advindas do avanço<br />
da biotecnologia e da biociência, e<br />
persistentes as que possuem suas<br />
origens na má distribuição de recursos<br />
e em um sistema econômico<br />
excludente. Por esse motivo, a<br />
bioética deve recortar seu sujeito de<br />
trabalho por etnia, raça, sexo e condição<br />
econômica, uma vez que a<br />
busca do que é bom e melhor varia<br />
de acordo com essas características.<br />
Devido à complexidade dos valores<br />
envolvidos em sua atuação,<br />
esse campo de discussão revela-se<br />
como a ciência da composição, ou<br />
seja, todos os assuntos dentro do<br />
âmbito de atuação da bioética atingem<br />
toda a sociedade, logo, as decisões<br />
sobre eles devem ser tomadas<br />
com a participação de todas as partes<br />
envolvidas.<br />
A Bioética busca uma reflexão<br />
da biotecnologia apresentada pelas<br />
ciências biomédicas para que elas<br />
possam ser utilizadas em benefício<br />
da sociedade. Busca o melhor para a<br />
coletividade, fazendo interagir o homem<br />
com o meio ambiente, com<br />
vistas a propiciar a ele uma melhor<br />
qualidade de vida. O trabalho<br />
transdisciplinar faz-se necessário a<br />
fim de proporcionar um atendimento<br />
mais humanizado e justo na área<br />
das ciências da vida. Dessa forma,<br />
buscam-se soluções novas para conflitos<br />
novos.<br />
Destarte, a bioética representa a<br />
ciência do diálogo transdisciplinar, ou<br />
melhor, propõe a composição possível<br />
com os vários estranhos morais,<br />
pois um médico para atuar bioeticamente<br />
deve respeitar a individualidade<br />
de seu paciente e o advogado que<br />
abraçar causa tão apaixonante deve<br />
conhecer biomedicina e os avanços<br />
biotecnológicos. Assim como cada<br />
profissional, na sua área de atuação,<br />
deve buscar essa composição.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong> <strong>Ciência</strong> & <strong>Desenvolvimento</strong> - <strong>Edição</strong> <strong>nº</strong> <strong>31</strong> - julho/dezembro 2003 121