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Metaboloma - Biotecnologia

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Análise doPesquisaMETABOLOMAUma ferramenta biotecnológica emergente na era pós-genômicaSilas Granato Villas-BôasPhD em <strong>Biotecnologia</strong>, Pesquisador, AgResearchLimited, Grasslands Research CentreNova Zelândiasilas.villas-boas@agresearch.co.nzAndreas K. GombertDoutor em Engenharia QuímicaProfessor Doutor Escola PolitécnicaUSP - São Pauloandreas.gombert@poli.usp.brImagens cedidas pelos autoresGenômicaFuncionalGenomaIntroduçãoDurante as décadas de 80 e90, foi investido muito tempo e esforçono sequenciamento do códigogenético de diversos organismos,com o intuito de se elucidar completamenteo mecanismo de funcionamentocelular em nível molecular.No entanto, após todo este esforço,ficou evidente que o conhecimentodas sequências de todos os genes deum organismo não é suficiente parase entender todos os mecanismosmoleculares de uma célula. Por estarazão, na era pós-genômica, ou eraMecanismosBiológicosFigura 1- Genômica FuncionalGenômica funcional promete preencher rapidamente o “espaço” entre seqüência efunção gênica, aumentando o conhecimento sobre os mecanismos de funcionamentodos sistemas biológicospós-sequenciamento, os cientístasestão recorrendo (novamente) à bioquímicaclássica para buscar ferramentasque auxiliem na elucidaçãoda função dos milhares de genes queforam sequenciados, mas que permanecemcom função desconhecida.Como consequência, surgiuuma nova área nas ciências biológicas,conhecida como Genômica Funcional(Figura 1), que tem comoobjetivo primordial determinar funçãopara os diversos genessequenciados. Basicamente, a funçãode um gene é determinada quandosão identificados os seus respectivosprodutos gênicos, ou seja,RNAm, proteína e metabólitos. Semelhanteà nomenclatura utilizadapara a palavra genoma, que designao conjunto de todos os genes de umorganismo, os conjuntos dos respectivosprodutos gênicos também receberama terminação (ou sufixo)“oma” (Villas-Bôas et al., 2005a).Assim, o conjunto de todos os RNAmtranscritos por um organismo passoua ser chamado de transcriptoma e oconjunto de todas as proteínas deproteoma. O metaboloma, o maisrecente dos “omas”, é usado para sereferir ao conjunto de todos osmetabólitos que são produzidos e/ou modificados por um organismo.A análise dos produtos gênicosem sistemas vivos requer o uso detécnicas analíticas bastante sofisticadas,que gerem dados suficientespara serem combinados às informaçõesjá obtidas com osequenciamento dos genomas. Métodosrápidos e práticos foram desenvolvidos,os quais são capazes de58 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006


GenomaTranscriptomaProteoma<strong>Metaboloma</strong>GenesRNAmProteínasMetabólitosFigura 2 - O funcionamento celular em nível molecularA informação codificada no DNA é transcrita em uma molécula de RNA mensageiro que é traduzida em uma molécula de proteínaque, quando não exercendo um papel extrutural, irá catalizar uma ou mais reações químicas dentro e/ou fora da célula, sendoportanto responsável pela transformação de pequenas moléculas químicas chamadas de metabólitos. Os metabólitos, por suavez, regulam a atividade das proteínas, o processo de transcrição e tradução, além de servirem de substratos para modificaçãoe síntese das proteínas e lipídeos, e síntese de DNA e RNA. Portanto os metabólitos são os produtos finais do metabolismo celular.(virtualmente) determinar os níveisde todos os genes transcritos(transcriptoma) e de todas as proteínastraduzidas (proteoma) numacélula (Godovac-Zimmermann &Brown, 2001; Baldi & Hatfield, 2002;Cristoni & Bernardi, 2003). Contudo,métodos modernos para a análise dometaboloma ainda estão em desenvolvimento(Villas-Bôas et al.; 2005b).A área metabolômica surgiumuito recentemente, devido ao fatode que as alterações nos níveis deRNAm nem sempre resultavam emalterações nos níveis de proteínas(Gygi et al., 1999), e uma veztraduzida, uma proteína podia estarou não enzimaticamente ativa(Sumner et al., 2003). Assim, as alteraçõesobservadas no transcriptomae no proteoma nem semprecorrespondiam a alteraçõesfenotípicas. A Figura 2 ilustra, deforma muito simplificada, os possíveispontos de regulação em nívelmolecular do funcionamento celular.Os metabólitos, como substratos, produtosou cofatores nas reações bioquímicas,desempenham um papelmuito importante na conexão dasdiferentes vias metabólicas que operamdentro de uma célula viva. Onível dos metabólitos de uma célulaou tecido é determinado pela concentraçãoe propriedades dasenzimas, sendo portanto, função deum complexo sistema regulatóriooperante dentro das células (ex.;regulação da transcrição e da tradução,regulação das interações proteína-proteína,e regulação alostéricadas enzimas através das suasinterações com os metabólitos). Portanto,o nível dos metabólitos representauma informação integrativa dafunção celular em nível molecular,definindo assim o fenótipo de umacélula ou tecido em resposta a alteraçõesambientais ou genéticas. Aidentificação do nível dos metabólicosé, desse modo, um complementofundamental na determinação dafunção gênica.Muitos metabólitos participamde diversas reações bioquímicas diferentes,amarrando as diferentespartes do metabolismo celular à umarede metabólica altamente controlada(Nielsen, 2003). Deste modo, aalteração do nível de um únicometabólito numa célula resulta naalteração do nível de diversos outrosmetabólitos que estão direta e indiretamenteconectados ao primeiro,demonstrando assim que ometaboloma de uma célula ou tecidotem a capacidade de responderrapidamente a qualquer alteraçãoambiental e/ou genética, sendo inclusivecapaz de caracterizar mutaçõesditas silenciosas.Neste artigo, serão apresentadosalguns aspectos sobre a áreapós-genômica mais emergente, achamada metabolômica. Serão abordadasas novas tecnologias analíticasdisponíveis para a análise dosmetabólitos celulares e será apresentadauma breve discussão sobreas diversas aplicações das análisesmetabolômicas.Características e desafíos daárea metabolômicaComo o transcriptoma e oproteoma, o metaboloma é dependentedo contexto, ou seja, o nívelde cada metabólito depende do estadofisiológico, de desenvolvimento,e/ou patológico de uma célula,tecido ou organismo (Villas-Bôas etal., 2005b). No entanto, uma importantediferença é que, diferentementedos RNAm e das proteínas, édifícil, ou praticamente impossível,estabelecer uma ligação direta entregenes e metabólitos. A naturezainterconectada do metabolismo celular,no qual um mesmo metabólitopode participar de diversas viasmetabólicas, dificulta extremamentea interpretação dos dadosmetabolômicos. Além disso, acredita-seque, os organimos complexosou pluricelulares, tais como nos vegetaise animais, produzam muitomais metabólitos do que genes, pois<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 59


<strong>Metaboloma</strong>Conjunto demetabólitos {Oliveret al. 1988}MetabolômicaÁrea da ciência responsávelpela caracterização defenótipos metabólicos{ometaboloma} em determinadascondições{e.g. diferentesestágios de desenvolvimento,diferentes condiçõesambientais, diferentes modificaçõesgenotípicas} e a ligaçãodestes fenótipos com seusgenótipos correspondentesFingerprintingmetabólicoMetabólitos intracelularesidentificados ou nãoFootprintingmetabólicoMetabólitos extracelularesidentificados ou nãoEsquema 1 - Nova classificação das abordagens analíticas para a área metabolômica de acordo com oproposto por Villas-Bôas et al. (2005a).múltiplos RNAm podem ser formadosa partir de um único gene, múltiplasproteínas a partir de um únicoRNAm, e múltiplos metabólitos apartir de uma única enzima, porquemuitas enzimas aceitam mais de umsubstrato, apesar de sua altaseletividade (Schwab, 2003). Noentanto, para os organismosunicelulares têm-se detectado muitomenos metabólitos do que genes.Como exemplo, para a leveduraSaccharomyces cerevisiae foramidentificados pouco mais que 700metabólitos, para um genoma deapproximadamente 6 mil genes(Famili et al.; 2003). Para a bactériaEscherichia coli, que possui cerca de4400 genes, foram identificados poucomais de 400 metabólitos (Edwards& Palsson, 2000). Todavia, é importantelembrar que muitos intermediáriosmetabólicos possuem um tempode vida muito curto dentro dascélulas o que dificulta sua detecção.Outro grande desafio na áreametabolômica é a análise dosmetabólitos, que é muito mais complexado que as análises dos RNAme mesmo das proteínas, pois a análisedo genoma (DNA) e dotranscriptoma (RNAm) se baseia naanálise química de biopolímeros compostospor apenas 4 nucleotídeosdiferentes, e no caso do proteoma,que é consideravelmente mais complexo,de biopolímeros formados porbasicamente 22 aminoácidos diferentes.Esses biopolímeros são quimicamentemuito similares, o quefacilita o desenvolvimento de técnicasanalíticas de grande escopo. Ometaboloma, entretanto, é compostopor uma grande variedade decompostos químicos de baixa massamolar (< 1000 Da), os quais possuempropriedades químicas diversas.O metaboloma compreende desdeespécies iônicas a carboidratoshidrofílicos, álcoois e cetonas voláteis,aminoácidos e ácidos orgânicos,lipídeos hidrofóbicos e produtos naturaiscomplexos. Essa complexidadequímica, adicionada à enormevariação de concentrações (variandode pmoles a mmoles), torna a análisesimultânea de todo o metabolomade uma célula uma tarefa praticamenteimpossível. Portanto, ometaboloma vem sendo estudadoatravés da aplicação de métodos eficientesde preparação de amostrasacoplados a uma combinação de diferentestécnicas analíticas modernas,de modo a se obter a maiorquantidade de informação possível.A análise do metabolomaA análise do metaboloma envolvea determinação dos níveis (ouconcentrações) de compostos químicosde baixa massa molar (menorque 1000 Da), que estejam presentesdentro e fora das células. OliverFiehn (2002) foi o primeiro a proporuma classificação das diversas abordagensanalíticas disponíveis para aanálise de metabólitos, dividindo-asem quatro grupos principais: (i) análisedirecionada; (ii) perfil metabólico;(iii) metabolômica e (iv)“fingerprinting” metabólico (Esquema2). No entanto, hoje em dia estáevidente que essa classificação ébastante confusa e subjetiva, principalmentea abordagem denominadametabolômica, que se refere a umaanálise química na qual todos osmetabólitos de um organismo seriamsupostamente identificados equantificados, o que ainda é umatarefa impossível devido à grandecomplexidade e dinamismo dometaboloma. Portanto, foi sugeridoque a palavra metabolômica fosseusada para descrever a nova área daciência responsável pela análise dometaboloma, ao invés de se referirsomente a uma abordagem analíticaespecífica (Villas-Bôas et al. 2005a)(veja os atuais conceitos no Esquema1). Assim, do ponto de vistaanalítico há basicamente duas abordagensprincipais para se analisar o60 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006


<strong>Metaboloma</strong>Conjunto demetabólitos {Oliveret al. 1988}Análises alvoAnálise de um pequenogrupo específicode metabólitosPerfil metabólicoAnálise de um grupopré-selecionado demetabólitosMetabolômicaAnálise quantitativa equalitativa de todos osmetabólitos sintetizadospor um organismoFingerprintingmetabólicoRápida classificação deamostras contendometabólitos sem a identificaçãodos compostosPara o estudo do efeitoprimário de uma alteraçãogenéticaPara o estudo da alteraçãode uma via metabólica porintersecção de viasmetabólicasPara estudar efeitospleiotrópicos de umaalteração genéticaPara rápida caracterizaçãofenotípicaEsquema 2 - Classificação das abordagens analíticas para a área metabolômica deacordo com o proposto por Fiehn (2002).metaboloma: (a) análise direcionadae (b) perfil metabólico, sendo queeste último pode ser ainda sub-divididoem (i) “fingerprinting” metabólico,quando se refere a perfil demetabólitos intracelulares, e (ii)“footprinting” metabólico, quando serefere a perfil de metabólitosextracelulares.A diferença entre análisedirecionada e perfil metabólico éque a primeira refere-se à determinaçãode um grupo de metabólitospré-definidos, ignorando outrosmetabólitos que porventura sejamdetectados ou detectáveis durante aanálise. Por outro lado, o perfil metabólicopode ser definido como oconjunto de todos os metabólitos ouprodutos derivados dos mesmos(identificáveis ou não) e que sejamdetectados em uma amostra usandouma técnica analítica particular, acompanhadopor uma estimativa de quantidade(absoluta ou relativa). Normalmente,no perfil metabólico, fazseuso de separações cromatográficasbastante eficientes, mas, muitas vezes,uma boa resolução pode serobtida usando-se simplesmente poderososdetectores químicos, comoa ressonância magnética nuclear(NMR), a espectroscopia deinfravermelho usando transformaçãode Fourier (FT-IR) ou aespectrometria de massa de ionização“electrospray” (ESI-MS). Essesdetectores são normalmente empregadospara classificar rapidamenteas amostras por análise de dadosmultivariados ou quimiometria (Villas-Bôas et al. 2005b).a) A preparação das amostrasA preparação das amostras éuma das etapas cruciais na análise dometaboloma porque é nessa etapaque se introduz a maior parte dosartefatos analíticos. A Figura 3 resumeos principais passos na preparaçãodas amostras. O primeiro passo éa interrupção rápida do metabolismocelular, o que no inglês é chamadode “quenching” celular. A interrupçãoinstantânea do metabolismo énecessária pois os níveis metabólicosvariam muito rapidamente emfunção de quaisquer alterações noambiente da célula (ex. decréscimoou aumento do nível de oxigêniodissolvido; variação na luminosidade,no caso de organismosfotossintetizantes, entre outros). Ameia-vida típica de metabólitos primáriosintracelulares está na ordemde um segundo ou menos. Por exemplo,em Saccharomyces cerevisiae,a glicose citossólica é convertida auma velocidade de aproximadamente1 mmol/s e o ATP a aproximadamente1.5 mmol/s (de Koning e VanDam, 1992). Embora a meia-vidados metabólitos extracelulares sejamaior que dos intracelulares, ainda éimportante interromper qualquer atividadebioquímica nas amostrasextracelulares, para se evitar qualquervariação nos níveis dosmetabólitos. O “quenching” metabólicoé obtido através de uma alteraçãodrástica de temperatura ou depH. Existe uma grande variedade demetodologias descritas na literatura,sendo que a amostragem em nitrogêniolíquido ou em solução demetanol frio (< -40 o C) são as técnicasmais empregadas (Villas-Bôas etal. 2005b, c).Depois do “quenching” metabólico,é necessário separar abiomassa celular do meio de culturaextracelular (isso no caso de culturade células ou microrganismos) e se oobjetivo é analisar os metabólitos<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 61


Concentraçãoda amostraAMOSTRAGEMQuenching dometabolismoEXTRAÇÃOSeparandomoléculas pequenasAMOSTRASeparação dabiomassa domeioextracelularAMOSTRAEXTRACELULARFigura 3 - Principais etapas na preparação das amostras para análise do metabolomaA primeira etapa é a amostragem que deve ser realizada simultaneamente ao interrompimento do metabolismo celular(quenching), seguido da separação da biomassa do meio extracellular (quando possível). A segunda etapa é a extração dosmetabólitos intracelulares que poderá passar por uma etapa de concentração da amostra antes da análise (uma metodologiadetalhada sobre a análise do metaboloma de diversos organimos se encontra em Villas-Bôas et al. 2006b).intracelulares, esses deverão ser extraídosdo meio intracelular, evitando-seao máximo as perdas por degradaçãoe/ou reação bioquímica. Oobjetivo da extração dos metabólitosintracelulares é torná-los acessíveisàs diferentes técnicas analíticas. Amaioria dos procedimentos de extraçãode metabólitos é laborioso einevitavelmente ocorrem perdas devidoa diferentes fatores, sendo queo principal é a grande diversidadequímica que caracteriza ometaboloma (Villas-Bôas et al.2005b,c). Os metabólitosintracelulares são geralmente extraídoscom solventes orgânicos. Normalmente,usa-se mais de umsolvente para a extração das diferentesclasses de metabólitos. Por exemplo,solventes polares, como metanol,mistura de metanol e água, ou etanolpara se extrair metabólitos polares, esolventes apolares, como clorofórmio,acetato de etila ou hexano parase extrair os compostos lipofílicos(Villas-Bôas et al. 2005b,c).Depois da extração, as amostrascontendo os metabólitosintracelulares são geralmente muitodiluídas devido à grande razão entrebiomassa e volume dos solventesusados na extração. Essa diluição tambémpode ser observada em algumasamostras de metabólitosextracelulares. A última etapa napreparação das amostras é, portanto,a sua concentração, que normalmenteé obtida através da liofilização,evaporação à vácuo dos solventesou por técnicas de extração seletivacomo a extração e a micro-extraçãoem estado sólido (Villas-Bôas et al.2005b, c).b) A análise dos metabólitosA espectrometria de massa(MS) e a ressonância magnética nuclear(RMN) são os métodos maisusados na detecção e análise demetabólitos celulares. RMN é muitoútil na caracterização estrutural decompostos desconhecidos, e tem sidobastante empregada na análise dometaboloma. No entanto, em certascircunstâncias, o espectro de RMNde 1 H não fornece informações suficientespara se caracterizar completamenteum metabólito, principalmentequando o composto é deficienteem prótons ou quando osprótons podem ser quimicamenteintercambiados com o solvente. Poroutro lado, a RMN de 13 C é poucosensível e portanto pode-se levarhoras para a análise de uma únicaamostra, além de que os equipamentospara RMN são muito caros,se comparados às tecnologias quefazem uso da espectrometria demassa.A espectrometria de massaapresenta várias vantagens em relaçãoa outros métodos de análisequímica, entre elas estão principalmentea sua alta sensibilidade epraticidade, combinadas à possibilidadede se confirmar a identidadedos componentes presentes emamostras biológicas complexas e tambémà possibilidade de detecção e,na maioria das vezes, de identificaçãode compostos desconhecidos oucuja presença na amostra seria inesperada.Além disso, a combinação daespectrometria de massa com técnicasde separação (cromatografia,electroforese) ampliou enormementea capacidade de análise químicade amostras biológicas complexas. ATabela 1 resume as potencialidadese limitações das diferentestecnologias analíticas que fazem usoda espectrometria de massa. A informaçãobásica contida num espectrode massa é muito simples. O espectroexibe a massa de moléculas62 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006


Tabela 1 - Potencialidades e limitações das diferentes técnicas analíticas que fazem usoda espectrometria de massaTécnicaAnalíticaGC-MS(croma tografiade gase s -espectrometriade massa)LC-MS(croma tografialíquida -espectrometriade massa)CE-MS(eletroforese deca pila r -espectrometriade massa)MS(espectrometriade massa)ionizadas e seus fragmentos correspondentes,e os valores das massassão simplesmente a soma das massasdos átomos que compõe cadafragmento ou melécula. Um espectrode massa contém uma enormequantidade de informações estruturaise sua interpretação requer umconhecimento abrangente e profundoda técnica, porém quase sempreesse conhecimento não é necessáriona análise de metabólitos, pois jáexistem vários softwares disponíveisno mercado, que facilitam enormementea interpretação dos dadosobtidos por espectrometria de massa.c) O tratamento dos dadosAplicações Gerais Vantagens DesvantagensSe paração, identifica çãoe quantificaçã osimultânea de diferentesclasse s de metabólitos(voláteis e não voláteis)numa única análise.Basicamente, o tipo daanálise (direcionada ouperfil metabólico) édefinida pelo modo dedetecção empregado(S IM 1 ou SCAN 2 ).Se paração, identifica çãoe quantificaçã o dediferentes grupos demetabólitosPrincipalmente usadona separação,identificação equantificação decompostos polaresusando pequenovolume de amostraA a plicação va ria deacordo com o métodode ionização.Geralmente empregadana dete rminaçã o demetabólitos através dasua massa molar e perfilde fragmentação. Muitousada na obtenção deperfís metaból icos semidentificação doscompostos.Alta resoluçãocromatográfica, queé ideal pa ra resolveramostras biológicascomplexas; Análisesimultânea dedfere nte s classe s dematabólitos.Alta sensibilidade;Média a altaresoluçãocromatográfica;Análise decompostos nãovoláteis semderivatizaçãoFácilanálise decompostos te rmosensíveis.Útil na separação deisômerosmolecula res; Volumepequeno dea mostra;Altaresolução.Análise rápida demetabólitos; Passossimples naprepa ração dasa mostras; Altasensibilidade;Recomendado nacaracterização decompostosdesconhecidos.Difícil aná lise decompostos termosensíveis;Metaból itos nãovoláteis devem serderivat iza dos a nte sda análise; Difícilide ntificação decompostosdesconhecidos apósderivatiza çãoquímicaOs eluentes devemser voláteis;Muita svezes as amostrasdev em serdesaliniza das apósseparaçãocromatográfica; Opotencial deide ntificação élimitado sem o usode MS em séri e(MS /MS)Metodologiacomplexa;Difícilquantifica ção;Difilcudade deinterface C E comMS.Idetificação ecaracterização demetabólitos dependede MS/MS ; Gradeinterferência damatrix da amostra;Incompa tibilidadecom solventesfortemente iônicos etampões.1SIM= Análise restrita de moléculas contendo fragmentos pré-selecionados. 2 SCAN= Análiseindiscriminada da amostra (todos os fragmentos)Após a análise das amostras,os dados obtidos precisam ser aindatratados de forma que sejam convertidosem algum tipo de informaçãoútil e interpretável. Há basicamenteduas maneiras para se tratar os dadosmetabolômicos: (i) fazer uma rápidaclassificação das amostras sem identificaçãodos metabótidos ou (ii) identificaro máximo número possível demetabólitos detectados. Na primeiraabordagem usa-se uma quantificaçãorelativa dos diferentes components(ex.; intensidade dos picos) e osdiversos componentes analisados sãoclassificados empregando-se uma nomenclaturaaleatória, que não seja aidentidade do composto, como porexemplo o tempo de retenção oumassa molar dos picos, ou componentesA, B ...N. Essa abordagem égeralmente usada quando não seconsegue identificar facilmente oscompostos detectados e que geralmentesão obtidos através da injeçãodireta no espectrômetro de massaou RMN, sem separação prévia doscomponentes da amostra através decromatografia ou eletroforese. Essaabordagem é empregada quando sequer classificar rapidamente diferentesmutantes em relação aos tiposselvagens, ou diferentes estágios dedesenvolvimento de uma célula ouorganismo, ou mesmo diferenciarcélulas sadias de células enfermas;sem identificar, necessariamente, oque as diferenciam.Técnicas de análise de dadosmultivariados como a “Associaçãopor Culpa” (do inglês ‘Guilty-by-Association’; Oliver, 2000) permitemindicar áreas do metabolismoque foram alteradas através da comparaçãodos dados obtidos a partir deamostras conhecidas. Por exemplo,se um mutante na via glicolítica écomparado a um mutante desconhecidoe este último apresenta umperfil metabólico semelhante ao primeiro,isso será uma forte indicaçãode que o mutante desconhecidopossui também uma alteração queafeta a via glicolítica, pois seus dadosse associam com os dados da linhagemmutante que é conhecida porpossuir mutação na via glicolítica.Embora essa seja uma abordagemrápida e prática, ela é bastante limitadaem informações, principalmentepor não fornecer a identidade dosdiversos metabólitos detectados, oque dificulta a caracterização do estadodas diferentes vias metabólicasativas nas células, impedindo, assim,uma direta integração dos dadosmetabolômicos com os dados dasoutras áreas da Genômica Funcional.Por outro lado, hoje está evidenteque o maior potencial da análisedo metaboloma depende da identificaçãoe quantificação (relativa ouabsoluta) dos diferentes metabólitosdetectados nas amostras (Bino et al.2004; Nielsen and Oliver, 2005; Villas-Bôas et al. 2005d). Alterações observadasnos níveis de metabólitos específicospermitem identificar vias<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 63


Figura 4: Exemplos de gráficos usados na análise de dados multivariadosA: Análise do component principal; B: Análise de discriminantes múltiplos; C: Análisede agrupamentos não-hierárquico; D: Análise de agrupamentos hierárquico(dendogramas)metabólicas específicas que foramalteradas, facilitando enomermentea integração efetiva dos dados obtidosnas diferentes áreas da GenômicaFuncional, além de possibilitar a identificaçãoe caracterização de novasvias metabólicas, a caracterização demutações/genes silenciosos e mesmoa elucidação dos mecanismosregulatórios do metabolismo celular.Para esse tipo de análise, o primeiropasso é a análise estatística dos dados,ou seja, determinar se a variaçãoobservada nos níveis de cadametabólito é significativa. Normalmente,usa-se o teste ‘t” ou a análisede variância (MANOVA). Naturalmente,os requisitos básicos paraesse tipo de análise são a replicaçãodas amostras (mínimo três, normalmentede cinco a seis); a reproduçãodos cultivos (mínimo três, normalmentede três a seis); o uso decontroles, que dependerão do estudoem questão (ex.: linhagemparental das linhagens mutantes); apadronização interna (compostosexógenos adicionados às amostraspara avaliar as perdas durante a análise);além da normalização dos dadosobtidos usando-se a quantidadede biomassa coletada em cada amostrae/ou o padrão interno.O ponto chave no tratamentodos dados, no entanto, é avisualização/apresentação dos resultados.Os dados das “ômicas” sãomultivariados e portanto difíceis deserem visualizados. O objetivo principalneste tipo de análise é ilustrarcom a maior clareza possível as principaisdiferenças observadas nos níveisdos metabólitos presentes nasamostras a serem comparadas entresi. Com frequência, os resultados deníveis ou perfís metabólicos são apresentadosem gráficos de barras, oque muitas vezes é bastante confuso,tornando-se inviável à medidaem que o número de metabólitosdetectados e o número de variáveisa serem comparadas (ex. número demutantes ou linhagens) aumentam.Dessa forma, diversos softwares estãodisponíveis no mercado e nainternet, muitos deles gratuitos, quepermitem realizar tratamentos dedados multivariados, ou seja, dadosgerados a partir de umamultiplicidade de amostras que representamuma multiplicidade devariáveis. Não há um único ou melhormétodo para se tratar dadosmultivariados. A dica é escolher ummétodo versátil, aprendê-lo e saberusá-lo bem. Os principais métodossão a “Análise do Componente Principal”(do inglês PrincipalComponent Analysis or PCA), a “Análisede Discriminantes Múltiplos” (doinglês Fischer Discriminant Analysisor FDA) e as técnicas de agrupamentoou “clustering” (para maiores detalhesconsultar Villas-Bôas et al.2005b). Exemplos ilustrativos demodelos gráficos para cada métodousado no tratamento de dadosmultivariados estão apresentados naFigura 4.Outras alternativas estão tambémsendo exploradas para a apresentaçãodos dados metabolômicos,as quais podem melhorar ainda maissua interpretação e integração comos dados da proteômica etranscriptômica. Particularmente,duas alternativas que fazem uso darazão diferencial da concentração decada metabólito nas diferentes variáveistestadas, merecem ser mencionadas:(i) visualização em redemetabólica, na qual os metabólitoscom níveis aumentados ou diminuídossão apontados diretamente narede metabólica usando-se uma escalade cores (Figura 5), como exploradopor Villas-Bôas et al. (2005d),e (ii) Modelo de chips de DNA (ouDNA microarrays), nos quais os nomesdos metabólitos tomam o lugardos nomes dos genes e cada colunarepresenta duas variáveis que estãosendo comparadas (Figura 6). Ascores indicam se o nível daquelemetabólito aumentou ou diminuiuna amostra analisada, em relação auma amostra padrão. Esse tipo detratamento de dados pode ser encontradoem Villas-Bôas et al. (2005d,2006a).Algumas aplicações dasanálises metabolômicasa) Determinação dafunção gênicaA metabolômica foi criada eidealizada especificamente para serusada como ferramenta na determinaçãoda função gênica (Villas-Bôaset al. 2005a). Como já foi discutidona introdução desse artigo, o níveldos metabólitos representa uma informaçãointegrativa da função celularem nível molecular, definindoassim o fenótipo de uma célula ou64 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006


Figura 5 - Visualização em rede metabólicaEsta figura aparece em Villas-Bôas et al. (2005c) e ilustra as diferenças nos níveis dos metabólitos do metabolismo central ebiosíntese de aminoácidos da levedura Saccharomyces cerevisiae, comparando uma linhagem mutante com o tipo selvagemcorrespondente. Os nomes dos metabólitos estão abreviados. Os que aparecem dentro de um círculo negro tiveram seus níveisaumentados no mutante em comparação ao tipo selvagem. Os em cinza tiveram seus nívels diminuídos. Os que não aparecemdentro de um círculo não foram detectados. Os números indicam o número de passos na via metabólica. Interessantemente, nesseestudo particular, a maioria dos metabólitos com seus níveis aumentados no mutante envolvem uma reação de transaminaçãoentre o glutamato e o 2-oxoglutarato (como indicado na figura). Reproduzido com permissão de Villas-Bôas et al. (2005).Biochemical Journal 388: 669 – 677. Ó Biochemical Society.tecido em resposta a alteraçõesambientais ou genéticas. A avaliaçãodos níveis de metabólitos é um complementofundamental na determinaçãoda função gênica em célulasou tecidos. Porém, o metabolomatem se destacado principalmente nacaracterização fenotípica de mutaçõessilenciosas. Mutações silenciosassão modificações genéticas quenão resultam em nenhuma alteraçãoóbvia de morfologia, rendimento, velocidadede crescimento, ou de qualqueroutro parâmetro observável,em relação ao fenótipo de linhagensparentais sob uma dada condiçãofisiológica (Thorneycroft et al. 2001).Esse fenômeno é ainda mais surpreendentequando se altera genes conhecidospor desempenhar um papelfundamental no funcionamentocelular. Acredita-se que o organismoalterado tem a capacidade de contornaros efeitos deletérios do genemutado através da ativação de genessilenciosos ou através da redundânciana família do gene mutato(Weckwerth et al. 2004). A formamais comum de redundância gênicaé a frequente expressão de enzimascom diversas isoformas e que estãoenvolvidas em várias vias metabólicas(Weckwerth et al. 2004). Namaioria das vezes, as isoformas dasenzimas não podem ser diferenciadascom base na sua atividadeenzimática. É nesse ponto que ametabolômica entra como ferramentafundamental na caracterização funcionalde genes redundantes e/ougenes silenciosos que são ativadossomente quando outros são deletadosou mutados. Como os metabólitosestão inseridos dentro de uma redemetabólica muito rígida, qualquer pequenaalteração no nível de um únicometabólito irá refletir na alteraçãodos níveis de diversos outrosmetabólitos, como uma reação emcadeia que resultará numa amplificaçãoda alteração genética ocorrida. Oconhecimento das redes metabólicasé essencial na interpretação dosdados metabolômicos, que quando<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006 65


Figura 6: Visualização baseada no modelo de chip de DNA-arrayEsta figura aparece em Villas-Bôas et al. (2005c) e representa um modelo de chip deDNA-arrays, onde os nomes dos metabólitos (abreviados na figura) tomam o lugardos nomes dos genes e cada coluna representa duas variáveis que estão sendocomparadas (wt = tipo selvagem; mt = mutante; aer = cultivo aeróbico, ana = cultivoanaeróbico). As cores indicam se o nível daquele metabólito aumentou ou diminuiuna situação que está sendo comparada e a espessura do círculo em vermelho indicao nível de confiança estatística. Reproduzido com permissão de Villas-Bôas et al.(2005). Biochemical Journal 388: 669 – 677. Ó Biochemical Society.acoplados aos dados das outras“ômicas” (principalmente aproteômica) constitui uma excelenteferramenta na determinação dafunção gênica e ainda permite adescoberta de novas vias metabólicas,como exemplificado em Villas-Bôas et al. (2005e).b) Melhoramento de linhagenspor Engenharia Metabólica(EM)A EM é hoje uma área consagradadentro da <strong>Biotecnologia</strong>. Apesarde já ter sido praticada anteriormente,foi somente em 1991 que o termoapareceu oficialmente (Bailey,1991). Algumas definições de EMexistem na literatura, mas esta atividadepode ser definida de uma formabastante simples: a EM é o melhoramentodirigido das propriedadesde um organismo através daaplicação da tecnologia do DNArecombinante.A EM é uma área de trabalhoclaramente multidisciplinar, envolvendodiversas áreas do conhecimentoe diferentes atividades, asquais podem ser apresentadas naforma de um ciclo, conforme ilustradona Figura 7. Partindo-se de umdeterminado organismo / linhagem,as atividades têm início na etapa deanálise, na qual deve ser levantada amaior quantidade de informaçãopossível sobre o metabolismo doorganismo em estudo. Com estasinformações, na etapa seguinte, serápossível identificar os melhores alvospara modificações genéticas (asquais serão introduzidas na etapa desíntese), com o objetivo de melhoraras propriedades ou, em outras palavras,o fenótipo deste organismo.Nota-se, portanto, que as atividadesdentro do ciclo da EM dependemestritamente dos objetivos do trabalho,ou seja, das características quese deseja modificar no organismoem estudo, dada uma aplicaçãotecnológica específica.A informação a ser obtida naetapa de análise do ciclo de EM éobtida fazendo-se uso de um conjuntode ferramentas analíticas e matemáticas,as quais são em grande partecomuns àquelas empregadas emestudos de Genômica Funcional. Trata-sedas análises do genoma, dotranscriptoma, do proteoma e dometaboloma, entre outras, dando-sehoje preferência às ferramentas dealto processamento, ou highthroughput, como referido em inglês.Análises enzimáticasselecionadas e Análise de Redes Metabólicas(ARM) (Christensen &Nielsen, 2000), que têm como objetivoidentificar a rede metabólicaativa do organismo em estudo, assimcomo quantificar as velocidades dasreações do metabolismo (tambémdenominados fluxos metabólicos),complementam o espectro analítico-matemáticoda etapa de análise.É importante ressaltar que osobjetivos da EM raramente são atingidosapós somente um ciclo deatividades (Figura 7). Ainda que seobtenha uma linhagem melhoradaapós o primeiro ciclo, não há porquenão continuar as atividades, de formaa se obter linhagens com característicasainda melhores. Portanto, tãoimportante quanto a primeira etapade análise, a qual se refere ao organismoinicialmente escolhido para osestudos, são as etapas de análise dosciclos posteriores, ou seja, após uma,duas, ou mais etapas de modificaçõesgenéticas. Assim, o uso dasferramentas analítico-matemáticasindicadas acima, para analisar as linhagensgeradas após cada etapa demodificações genéticas, é fundamentalnão somente para verificar se asmesmas resultaram nas alteraçõesfenotípicas esperadas, mas tambémpara permitir o projeto de novasmodificações, que possam melhorarainda mais o metabolismo do organismoem questão.


Figura 7: Ciclo de atividades característico da Engenharia Metabólica (adaptado de Nielsen, J. Appl. Microbiol. Biotechnol.55:263-283, 2001)Após pouco mais de uma décadade existência oficial, contandoinclusive, desde 1999, com umapublicação específica, a revistaMetabolic Engineering (Elsevier), aEM provavelmente não causou oimpacto imaginado por seus pioneiros.Isto se deve principalmente aofato de não conhecermos ainda todosos detalhes do metabolismo dosprincipais organismos de interesseindustrial, em particular os aspectosde regulação metabólica. Como jámencionado neste artigo, a partir doconhecimento do genoma, não épossível prever o funcionamento deum organismo. Em outras palavras,uma simples modificação genéticamuito raramente produz um únicoefeito fenotípico.No caso de microrganismos,tem-se adotado nos anos recentesuma estratégia diferente e complementarao uso da tecnologia do DNArecombinante, para introduzir modificaçõesgenéticas em um organismocom o objetivo de melhorar suaspropriedades metabólicas. Trata-se,resumidamente, em exercer umapressão seletiva sobre o organismoem estudo, de forma a provocar nomesmo a expressão de um fenótipodesejado. Nesta abordagem, as mutaçõesespontâneas e a sobrevivênciados indivíduos mais bem adaptadosao ambiente imposto são oselementos responsáveis por introduziras alterações no genoma. Esteprocesso tem sido denominadoEvolutionary Engineering e resultadosmuito interessantes têm sidoobtidos, como demonstram algumaspublicações recentes (Overkamp etal., 2002; Kuyper et al., 2005). Alémdisto, este processo de seleção forçadade um determinado fenótipopermite que as modificações genéticase fisiológicas, direta ou indiretamenteligadas a este fenótipo, sejammapeadas a posteriori pelas técnicas“ômicas” de alto processamento.Isto, por sua vez, permite que novosalvos de EM sejam identificados eque as linhagens possam ser melhoradasainda mais. Este processo comoum todo tem sido denominado naliteratura como Engenharia MetabólicaInversa, ou seja, em vez de serealizar uma (ou mais) modificaçõesgenéticas, em busca de um fenótipo,provoca-se um fenótipo desejado,para depois mapear as alteraçõesresponsáveis por este fenótipo, deforma a se poder melhorá-lo aindamais (Bro & Nielsen, 2004).Combinando-se a EM direta coma EM inversa (envolvendo experimentosde EvolutionaryEngineering), pode-se imaginar umciclo de atividades ligeiramente diferentepara o melhoramento de organismosde interesse econômico,em relação àquele apresentado naFigura 7. Neste novo ciclo, na etapade síntese, opta-se por introduzir asmodificações genéticas projetadas oupela tecnologia do DNArecombinante, ou através de experimentosde seleção dirigida, conformeindicado acima. Em seguida, passa-sea uma nova etapa de análise eassim por diante.Em ambos os casos (aplicandoseEM inversa ou não), pode-se ob-


servar que a análise do metaboloma,ou o conhecimento dos níveis (ouconcentrações) dos metabólitos intraeextracelulares do organismo emestudo, é parte fundamental da caracterizaçãodo metabolismo ou fisiologia,dento da etapa de análise dociclo de atividades.c) Controle de qualidade eavaliação de equivalênciaentre OGM’sA metabolômica de plantas éa área que está mais avançada até opresente. A análise dos metabólitosde vegetais permite realizar um minuciosocontrole de qualidade dosalimentos que consumimos diariamente.Por exemplo, há muito tempose detecta adulteração em óleode oliva através da análise da composiçãode ácidos graxos que é específicapara cada óleo. Porém, omais difícil é determinar se um dadoóleo de oliva, sendo vendido comoprocedendo de uma certa origemgeográfica que lhe confere maiorprestígio e, consequentemente maiorvalor, corresponde realmente àqualidade dos óleos produzidos comazeitonas daquela região. Todavia,com a análise dos diversosmetabólitos que estão presentes noóleo e que lhe conferem sabor earoma característicos (o que dependeda variedade das azeitonas usadasna produção do óleo, do solo e domicroclima local), é possível determinara procedência precisa do produto.Outro exemplo de aplicaçãoestá relacionado aos produtos contendoorganismos geneticamentemodificados (OGM’s). Desde abrilde 2004, dentro da União Européia,todos os alimentos contendo mais de0,9% de ingredientes obtidos a partirde OGM’s devem ser rotulados comocontendo material modificado geneticamente(Anonymous, 2003). Istosignifica que produtos como farinhas,óleos e xarope de glicose produzidosa partir de OGM’s, que jáforam considerados anteriormentecomo ‘substancialmente equivalentes’aos materiais originados de fontestradicionais (desde que não contivessemna sua composição DNAmodificado), desde 2004 tiveram queser rotulados como produtos contendomaterial geneticamente modificado.Isto aumentou a preocupaçãopública sobre a qualidade e segurançados alimentos contendo componentesoriginados de OGM’s. Dessaforma, a análise do perfil metabólicotem permitido a determinação precisada equivalência entre o produtoproduzido a partir de OGM’s e o deorigem tradicional. A análise demetabólitos determina se existemdiferenças significativas com relaçãoaos metabólitos “traço” que foramdesconsiderados até o momento,podendo, portanto, fornecer evidênciasimportantes em relação à segurançae a qualidade dos produtosgeneticamente modificados.Conclusões econsiderações finaisEm 1999, o físico FreemanDyson disse que “as surpresas naciência acontecem geralmente apartir do desenvolvimento de novasferramentas e novas tecnologias enão a partir de novos conceitos”(Madou, 2002). Além disto, todos osprojetos de sequenciamentogenômico em andamento, tanto deprocariotos como de eucariotos, continuama nos lembrar que o nossoconhecimento sobre o funcionamentode um organismo ou célula, emnível molecular, é realmente muitolimitado. Tipicamente, 20 a 40 % dasfases abertas de leitura (ou OpenReading Frames, ORF’s) encontradasnos genomas sequenciados permanecemcom função desconhecida.Esses “genes órfãos”, como sãonormalmente denominados, devemter algum papel no funcionamentocelular, pois, do contrário, teriamsido perdidos durante a evolução.Portanto, o grande momentum dasCiências Biológicas atualmente é abusca da função destes genes desconhecidos,e para atingir esse objetivoserão necessários tanto o desenvolvimentode novas técnicas comoo estabelecimento de novos conceitos.A metabolômica é uma áreavibrante e diversa, que está em suafase exponencial de crescimento.Hoje já existem diversos gruposdedicados ao desenvolvimento eaplicação das técnicasmetabolômicas, concentrando-seprincipalmente na Europa, EstadosUnidos, Japão e Oceania. Uma sociedadeinternacional foi formada recentemente- The MetabolomicsSociety (metabolomicssociety.org) -cuja missão é promover o crescimentoe o desenvolvimento da áreametabolômica internacionalmente eessa mesma sociedade possui umarevista periódica trimestral chamadaMetabolomics, que é publicada pelaSpringer e já está no seu quintofascículo. A Springer tambem publicouum livro com diversos artigos derevisão especialmente dedicados àanálise do metaboloma(Vaidyanathan et al. 2005), e a Wiley& Sons publicará em 2006 o primeirolivro texto sobre metaboloma (Villas-Bôas et al. 2006b).Com este artigo introdutório,os autores esperam poder motivargrupos brasileiros a estabelecer novasplataformas para o estudo dometaboloma, com o objetivo de promoveras áreas de Genômica Funcional,Engenharia Metabólica, dentreoutras, no nosso país.“O progresso da ciência dependedo desenvolvimento de novastécnicas, de novas descobertas e denovas idéias, provavelmente nestaordem” (traduzido a partir de SydneyBrenner, Nature, 5 June 1980).AgradecimentosAgradecemos à Dr. KátiaNones (AgResearch Limited/ NovaZelândia) por suas construtivas sugestões.Referências BibliográficasANONYMOUS. Regulation no. 1829/2003 on Genetically ModifiedFood and Feed. Official Journalof European Union, L268, p. 1– 23, 2003.Bailey, 1991BALDI, P.; HATFIELD, G. 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