Figura 7: Ciclo de atividades característico da Engenharia Metabólica (adaptado de Nielsen, J. Appl. Microbiol. Biotechnol.55:263-283, 2001)Após pouco mais de uma décadade existência oficial, contandoinclusive, desde 1999, com umapublicação específica, a revistaMetabolic Engineering (Elsevier), aEM provavelmente não causou oimpacto imaginado por seus pioneiros.Isto se deve principalmente aofato de não conhecermos ainda todosos detalhes do metabolismo dosprincipais organismos de interesseindustrial, em particular os aspectosde regulação metabólica. Como jámencionado neste artigo, a partir doconhecimento do genoma, não épossível prever o funcionamento deum organismo. Em outras palavras,uma simples modificação genéticamuito raramente produz um únicoefeito fenotípico.No caso de microrganismos,tem-se adotado nos anos recentesuma estratégia diferente e complementarao uso da tecnologia do DNArecombinante, para introduzir modificaçõesgenéticas em um organismocom o objetivo de melhorar suaspropriedades metabólicas. Trata-se,resumidamente, em exercer umapressão seletiva sobre o organismoem estudo, de forma a provocar nomesmo a expressão de um fenótipodesejado. Nesta abordagem, as mutaçõesespontâneas e a sobrevivênciados indivíduos mais bem adaptadosao ambiente imposto são oselementos responsáveis por introduziras alterações no genoma. Esteprocesso tem sido denominadoEvolutionary Engineering e resultadosmuito interessantes têm sidoobtidos, como demonstram algumaspublicações recentes (Overkamp etal., 2002; Kuyper et al., 2005). Alémdisto, este processo de seleção forçadade um determinado fenótipopermite que as modificações genéticase fisiológicas, direta ou indiretamenteligadas a este fenótipo, sejammapeadas a posteriori pelas técnicas“ômicas” de alto processamento.Isto, por sua vez, permite que novosalvos de EM sejam identificados eque as linhagens possam ser melhoradasainda mais. Este processo comoum todo tem sido denominado naliteratura como Engenharia MetabólicaInversa, ou seja, em vez de serealizar uma (ou mais) modificaçõesgenéticas, em busca de um fenótipo,provoca-se um fenótipo desejado,para depois mapear as alteraçõesresponsáveis por este fenótipo, deforma a se poder melhorá-lo aindamais (Bro & Nielsen, 2004).Combinando-se a EM direta coma EM inversa (envolvendo experimentosde EvolutionaryEngineering), pode-se imaginar umciclo de atividades ligeiramente diferentepara o melhoramento de organismosde interesse econômico,em relação àquele apresentado naFigura 7. Neste novo ciclo, na etapade síntese, opta-se por introduzir asmodificações genéticas projetadas oupela tecnologia do DNArecombinante, ou através de experimentosde seleção dirigida, conformeindicado acima. Em seguida, passa-sea uma nova etapa de análise eassim por diante.Em ambos os casos (aplicandoseEM inversa ou não), pode-se ob-
servar que a análise do metaboloma,ou o conhecimento dos níveis (ouconcentrações) dos metabólitos intraeextracelulares do organismo emestudo, é parte fundamental da caracterizaçãodo metabolismo ou fisiologia,dento da etapa de análise dociclo de atividades.c) Controle de qualidade eavaliação de equivalênciaentre OGM’sA metabolômica de plantas éa área que está mais avançada até opresente. A análise dos metabólitosde vegetais permite realizar um minuciosocontrole de qualidade dosalimentos que consumimos diariamente.Por exemplo, há muito tempose detecta adulteração em óleode oliva através da análise da composiçãode ácidos graxos que é específicapara cada óleo. Porém, omais difícil é determinar se um dadoóleo de oliva, sendo vendido comoprocedendo de uma certa origemgeográfica que lhe confere maiorprestígio e, consequentemente maiorvalor, corresponde realmente àqualidade dos óleos produzidos comazeitonas daquela região. Todavia,com a análise dos diversosmetabólitos que estão presentes noóleo e que lhe conferem sabor earoma característicos (o que dependeda variedade das azeitonas usadasna produção do óleo, do solo e domicroclima local), é possível determinara procedência precisa do produto.Outro exemplo de aplicaçãoestá relacionado aos produtos contendoorganismos geneticamentemodificados (OGM’s). Desde abrilde 2004, dentro da União Européia,todos os alimentos contendo mais de0,9% de ingredientes obtidos a partirde OGM’s devem ser rotulados comocontendo material modificado geneticamente(Anonymous, 2003). Istosignifica que produtos como farinhas,óleos e xarope de glicose produzidosa partir de OGM’s, que jáforam considerados anteriormentecomo ‘substancialmente equivalentes’aos materiais originados de fontestradicionais (desde que não contivessemna sua composição DNAmodificado), desde 2004 tiveram queser rotulados como produtos contendomaterial geneticamente modificado.Isto aumentou a preocupaçãopública sobre a qualidade e segurançados alimentos contendo componentesoriginados de OGM’s. Dessaforma, a análise do perfil metabólicotem permitido a determinação precisada equivalência entre o produtoproduzido a partir de OGM’s e o deorigem tradicional. A análise demetabólitos determina se existemdiferenças significativas com relaçãoaos metabólitos “traço” que foramdesconsiderados até o momento,podendo, portanto, fornecer evidênciasimportantes em relação à segurançae a qualidade dos produtosgeneticamente modificados.Conclusões econsiderações finaisEm 1999, o físico FreemanDyson disse que “as surpresas naciência acontecem geralmente apartir do desenvolvimento de novasferramentas e novas tecnologias enão a partir de novos conceitos”(Madou, 2002). Além disto, todos osprojetos de sequenciamentogenômico em andamento, tanto deprocariotos como de eucariotos, continuama nos lembrar que o nossoconhecimento sobre o funcionamentode um organismo ou célula, emnível molecular, é realmente muitolimitado. Tipicamente, 20 a 40 % dasfases abertas de leitura (ou OpenReading Frames, ORF’s) encontradasnos genomas sequenciados permanecemcom função desconhecida.Esses “genes órfãos”, como sãonormalmente denominados, devemter algum papel no funcionamentocelular, pois, do contrário, teriamsido perdidos durante a evolução.Portanto, o grande momentum dasCiências Biológicas atualmente é abusca da função destes genes desconhecidos,e para atingir esse objetivoserão necessários tanto o desenvolvimentode novas técnicas comoo estabelecimento de novos conceitos.A metabolômica é uma áreavibrante e diversa, que está em suafase exponencial de crescimento.Hoje já existem diversos gruposdedicados ao desenvolvimento eaplicação das técnicasmetabolômicas, concentrando-seprincipalmente na Europa, EstadosUnidos, Japão e Oceania. Uma sociedadeinternacional foi formada recentemente- The MetabolomicsSociety (metabolomicssociety.org) -cuja missão é promover o crescimentoe o desenvolvimento da áreametabolômica internacionalmente eessa mesma sociedade possui umarevista periódica trimestral chamadaMetabolomics, que é publicada pelaSpringer e já está no seu quintofascículo. A Springer tambem publicouum livro com diversos artigos derevisão especialmente dedicados àanálise do metaboloma(Vaidyanathan et al. 2005), e a Wiley& Sons publicará em 2006 o primeirolivro texto sobre metaboloma (Villas-Bôas et al. 2006b).Com este artigo introdutório,os autores esperam poder motivargrupos brasileiros a estabelecer novasplataformas para o estudo dometaboloma, com o objetivo de promoveras áreas de Genômica Funcional,Engenharia Metabólica, dentreoutras, no nosso país.“O progresso da ciência dependedo desenvolvimento de novastécnicas, de novas descobertas e denovas idéias, provavelmente nestaordem” (traduzido a partir de SydneyBrenner, Nature, 5 June 1980).AgradecimentosAgradecemos à Dr. KátiaNones (AgResearch Limited/ NovaZelândia) por suas construtivas sugestões.Referências BibliográficasANONYMOUS. Regulation no. 1829/2003 on Genetically ModifiedFood and Feed. Official Journalof European Union, L268, p. 1– 23, 2003.Bailey, 1991BALDI, P.; HATFIELD, G. H (Eds).DNA microarrays and geneexpression. CambridgeUniversity Press, Cambridge,213 p., 2002.BINO, R. J.; HALL, R. D.; FIEHN, O.;KOPKA, K.; SAITO, J.; DRAPER,68 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento ano IX - nº 36 - janeiro/junho 2006