19.04.2013 Views

Elegia para uma morta Uma borboleta tropeça nas frias colunas do ...

Elegia para uma morta Uma borboleta tropeça nas frias colunas do ...

Elegia para uma morta Uma borboleta tropeça nas frias colunas do ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Elegia</strong> <strong>para</strong> <strong>uma</strong> <strong>morta</strong><br />

<strong>Uma</strong> <strong>borboleta</strong> <strong>tropeça</strong><br />

<strong>nas</strong> <strong>frias</strong> colu<strong>nas</strong> <strong>do</strong> sono<br />

que veste a brevidade inútil<br />

<strong>do</strong> homem e sua solidão.<br />

E um morcego vem feito anjo<br />

velar sobre a fotografia<br />

da <strong>morta</strong> – moça triste<br />

que traz sua beleza há muito<br />

guardada por entre os farrapos<br />

daqueles antigos lençóis.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

1


Soneto <strong>para</strong> ninar Joana<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

No feitiço da tua carne repousa a lua<br />

e a noite vem habitar o silêncio da rua<br />

por onde pasta <strong>uma</strong> réstia de saudade<br />

que vem morrer em teus seios – porto de liberdade.<br />

Tua pele rasura estas ávidas reti<strong>nas</strong><br />

que tatuam neste <strong>do</strong>rso sonhos e roti<strong>nas</strong><br />

e tuas mãos rabiscam, quase selvagens,<br />

no úmi<strong>do</strong> peito – deuses – libertinagens.<br />

No quarto, <strong>uma</strong> luz, e o vento valsa segre<strong>do</strong>s<br />

povoan<strong>do</strong> cândida nudez e teu silêncio<br />

que despertam em mim fios de me<strong>do</strong>s.<br />

Lá fora a cidade é um deserto<br />

onde um cão e seu aban<strong>do</strong>no trafegam<br />

sob olhos de ressaca - vastos e incertos.<br />

2


O cão e o homem<br />

Alguns rastros<br />

em meus ombros inúteis,<br />

lá fora, sem mapas,<br />

um cão fareja amores perdi<strong>do</strong>s.<br />

Eu e o cão<br />

espreita<strong>do</strong>s sob a noite<br />

convertemos desejos<br />

em vãs aventuras.<br />

Há um cão dentro de mim<br />

e na brevidade <strong>do</strong> quarto<br />

sinto as mãos de Deus<br />

tocan<strong>do</strong> meu fingimento.<br />

E na carne das lembranças<br />

o tempo abriga<br />

cães e homens.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

3


Por traz das gravatas<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

Por traz das gravatas<br />

os homens carregam suas febres<br />

e um punhal envelheci<strong>do</strong><br />

decepan<strong>do</strong> sonhos.<br />

Nas gravatas <strong>do</strong> vizinho<br />

repousam resíduos <strong>do</strong> último sono<br />

que traz a gravura<br />

<strong>do</strong> animal que somos.<br />

Por trás das gravatas<br />

o perfume <strong>do</strong> sexo<br />

da última amada<br />

e a ternura da sua nudez.<br />

4


Crepuscular<br />

A tarde derrama seu aroma<br />

sobre a pele <strong>do</strong>s homens<br />

e o sol vem em galopes<br />

como senhor <strong>do</strong> meu silêncio<br />

depois <strong>do</strong> rio<br />

o tempo arde dentro de mim<br />

e um filete de lua<br />

sangra a paciência <strong>do</strong> bêba<strong>do</strong><br />

que tange sobre o asfalto<br />

seus dóceis fantasmas.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

5


Mulher no espelho<br />

Um vesti<strong>do</strong> preto<br />

escorre sobre tua pele<br />

e teus seios brincam<br />

à luz <strong>do</strong> candeeiro.<br />

A noite inventa<br />

um sabor silvestre<br />

que se perde<br />

na nudez de tuas coxas.<br />

Imóvel, o espelho assiste<br />

ao segre<strong>do</strong> <strong>do</strong> teu corpo.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

6


Infância<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

As <strong>borboleta</strong>s trazem o hálito da manhã<br />

e <strong>nas</strong> suas asas repousa<br />

a leveza da minha infância.<br />

No menino de ontem<br />

só a antiga fotografia<br />

das bolas de gude no quintal<br />

e num sossego, os olhos de minha mãe<br />

carregam o azul <strong>do</strong> céu<br />

único como as <strong>borboleta</strong>s<br />

que <strong>do</strong>rmem no sono<br />

<strong>do</strong> menino<br />

habitante desses versos.<br />

7


Meditação <strong>do</strong> operário<br />

O operário medita<br />

sob um silêncio que vaga<br />

por entre far<strong>do</strong>s de ferro.<br />

Um cão quase morto parte<br />

sob o <strong>tropeça</strong>r <strong>do</strong> dia<br />

que habita alguns tijolos.<br />

E aquele mestre de obra<br />

guarda em suas reti<strong>nas</strong><br />

<strong>uma</strong> solidão rascante.<br />

Do alto – a lua vai<br />

se apassivan<strong>do</strong> por entre<br />

os de<strong>do</strong>s rudes <strong>do</strong> operário.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

8


Dentro <strong>do</strong>s homens<br />

Há pedras<br />

nos olhos <strong>do</strong>s homens<br />

e os corações encenam<br />

alguns tumultos de amor.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

Há um sertão dentro <strong>do</strong>s homens<br />

e na lâmina das tuas mãos<br />

o rasto de um rio.<br />

9


Horas <strong>morta</strong>s<br />

A peixeira de Deus<br />

sangra a lucidez <strong>do</strong> poeta<br />

e seus olhos ateus<br />

trazem os quintais de ontem.<br />

Nas horas <strong>morta</strong>s<br />

o poeta trama fingimentos<br />

enquanto os homens meditam<br />

sobre anjos e quimeras.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

Debaixo das árvores<br />

os poemas são silêncios <strong>do</strong> que sinto<br />

E a vida! A vida meu é um verso torto<br />

que esqueceu de <strong>nas</strong>cer.<br />

10


Epifanias <strong>do</strong>s meus 30 anos<br />

I<br />

O ga<strong>do</strong> rumina no pasto<br />

sonhos da antiga criança<br />

e teus olhos<br />

como duas peixeiras<br />

cortam a epiderme<br />

da minha velhice.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

11


Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

II<br />

Os morcegos carregam angústias<br />

dentro da casa<br />

onde morou minha infância.<br />

Seus vôos tortos<br />

apunhalam a noite<br />

afugentan<strong>do</strong> saudades<br />

e as íris <strong>do</strong> menino<br />

vêm como rosetas<br />

rasurar o retrato<br />

da meninice de ontem.<br />

12


III<br />

Lá fora a vida passa<br />

Sob o instante da chuva<br />

E dentro <strong>do</strong> homem<br />

Um cego tateia sonhos.<br />

Há <strong>uma</strong> multidão de pingos<br />

que varrem os soluços<br />

<strong>do</strong> antigo menino<br />

e o tempo galopa em mim.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

13


Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

IV<br />

O que vejo são os anos<br />

Sete facas sangran<strong>do</strong><br />

a última infância.<br />

Ape<strong>nas</strong> <strong>uma</strong> fotografia estendida na lembrança.<br />

No quarto, os morcegos trazem<br />

o aroma <strong>do</strong> campo.<br />

A vida é o que perdi<br />

e o que já não tenho na memória.<br />

14


Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

V<br />

Nesta antiga casa<br />

os móveis velam<br />

a bonança das <strong>borboleta</strong>s<br />

que repousam no retrato de meus pais.<br />

Na varanda, a luz <strong>do</strong> candeeiro<br />

comunga com a brisa<br />

os segre<strong>do</strong>s envelheci<strong>do</strong>s<br />

dentro da noite fechada.<br />

15


VI<br />

E as éguas <strong>do</strong> meu avô<br />

marcham no quintal<br />

onde descobri<br />

os sabores <strong>do</strong> sexo.<br />

É triste falar das mulheres<br />

que pisam como potras<br />

a inutilidade <strong>do</strong> meu sono.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

16


VII<br />

Tar<strong>do</strong>, e o chocalho das vacas<br />

ressoam um sertão<br />

que habita a inocência<br />

<strong>do</strong> meu filho.<br />

Chove dentro da madrugada<br />

e no <strong>do</strong>rso d<strong>uma</strong> égua baia<br />

a morte vem como sete sóis<br />

sideran<strong>do</strong> meus trinta anos.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

17


Dentro da noite<br />

A chuva galopa dentro da noite<br />

e um bêba<strong>do</strong> encena<br />

sob a aba <strong>do</strong> chapéu<br />

o malabarismo <strong>do</strong>s passos.<br />

Na rua, sete gatos par<strong>do</strong>s<br />

carregam no olhar<br />

tumultos de antigos amores.<br />

No telha<strong>do</strong>, réstias de flores<br />

guardam segre<strong>do</strong>s<br />

de idílios felinos.<br />

Um pequeno bloco de poemas<br />

de<br />

Adriano Eysen<br />

A chuva marcha dentro da noite<br />

e o vento sopra <strong>nas</strong> coxas<br />

que se escondem por entre o vesti<strong>do</strong><br />

da última passante.<br />

18

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!