15.04.2013 Views

EDIÇÃO 06 | MARÇO DE 2013 | FASE II - Agulha Revista de Cultura

EDIÇÃO 06 | MARÇO DE 2013 | FASE II - Agulha Revista de Cultura

EDIÇÃO 06 | MARÇO DE 2013 | FASE II - Agulha Revista de Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>EDIÇÃO</strong> <strong>06</strong> | <strong>MARÇO</strong> <strong>DE</strong> <strong>2013</strong> | <strong>FASE</strong> <strong>II</strong>


00 | EDITORIAL: DOIS LOUCOS À BEIRA DO POTE | Pg 03<br />

01 | CARLOS FRANCISCO MONGE | Un fantasma en la ventana: sobre la poesía <strong>de</strong> Francisco<br />

Amighetti | Pg <strong>06</strong><br />

02 | EDSON MANZAN CORSI | Da vonta<strong>de</strong> ao inconsciente: metafísica e metapsicologia entre<br />

Schopenhauer e Freud | Pg 08<br />

03 | FLORIANO MARTINS | Figuras no tinteiro | Pg 24<br />

04 | FLORIANO MARTINS | Susana Wald: la vastedad simbólica | Pg 33<br />

05 | LUÍS CABRERA <strong>DE</strong>LGADO | Por dón<strong>de</strong> anda la literatura juvenil latinoamericana | Pg 51<br />

<strong>06</strong> | MANUEL IRIS | Rasgos comunes: una visión <strong>de</strong> Gonzalo Rojas y Juan Sánchez Peláez.<br />

Entrevista con Armando Romero | Pg 56<br />

07 | MARITZA CINO ALVEAR | Sylvia Plath versus Alejandra Pizarnik… en un solo escenario<br />

| Pg 61<br />

08 | MATEO RELLO | Manuel Rivas: el rayo que no cesa (entrevista) | Traducción al español:<br />

Fina Iglesias | Pg 63<br />

09 | MIGUEL ESPEJO | Los meandros surrealistas | Pg 67<br />

10 | THOMAS RAIN CROWE | Nan Watkins: Yvan Goll e a erva mágica da poesia (entrevista) |<br />

Tradução do inglês: Allan Vidigal | Pg 84<br />

11 | WLADIMIR SALDANHA | Duas vezes Lêdo Ivo | Pg 89<br />

ARTISTA CONVIDADO | LUCEBERT | Lucebert: poeta e visionário, pintor e testemunha<br />

ocular. Ensaio <strong>de</strong> Eric Slagter | Tradução do inglês: Allan Vidigal | Pg 96<br />

2


EDITORIAL | Dois loucos à beira do pote<br />

Todo mundo tem uma ou duas coisas no passado que <strong>de</strong>seja esquecer.<br />

3<br />

Kaoru<br />

ZUCA SARDAN | Ciencia e Poesia se irmanaram, e agora sáo tres irmás,<br />

a mais velha sendo a Religiáo. Esta última envelheceu, hoje em dia fala<br />

meio sozinha, ou entáo com beatas italianas em dia <strong>de</strong> procissáo. Tia<br />

Religia náo po<strong>de</strong> mais torcer as orelhas <strong>de</strong> ninguém. Quem manda mesmo é<br />

a Ciéncia, tudo o que ela diz todos acreditam, ela diz pros burros, "vocés<br />

sáo uns macacos racionais", os burros acreditam e comeczam a se coczar.<br />

FLORIANO MARTINS | A Madona Religare já havia cometido tantas atrocida<strong>de</strong>s que não<br />

resmungou muito quando foi posta <strong>de</strong> lado pela Santa Lâmpada da Ciência. A <strong>de</strong>sgraça veio<br />

mesmo é quando a Mecânica do Espírito esgasgou-se com a agulha da Estatítica Ego Summer<br />

e passou a regular seus passos pelos milhos do Ibope. A Ciência tornar-se Religião é o <strong>de</strong><br />

menos. A catástrofe maior é quando a Arte se converte em Ciência.<br />

ZS | Já se transformou em artigo <strong>de</strong> luxo da Alta Porquezia… coelhos <strong>de</strong> ouro…<br />

macaquinho do Pivette Cantor em porcelana… etzzz etzzz<br />

FM | De tal forma que nessa balança comercial das artes o que ganha é do outro, mas o<br />

que se per<strong>de</strong> é para si mesmo…<br />

ZS | A balancza comercial das artes é chumbada com pornomerda pra peruas-chics<br />

<strong>de</strong>slumbradas.<br />

FM | O Carnaval é sempre antes, querido.<br />

ZS | Assim é que a gente te pega <strong>de</strong> boca na botija… sabes direitinho do kalendário da<br />

paróquia… O-Ro-Roooo… Ztás louco pra soltar foguetes na festa <strong>de</strong> Sáo Joáo… e tem<br />

também o pula-fogueira com buscapé… Padre Feijó também era fingidáo… Queria que o<br />

Vaticano permitisse casamento dos sacerdotes…<br />

FM | O gran<strong>de</strong> talento do Vaticano sempre foi comercial. E em um <strong>de</strong> seus capítulos<br />

capitais, o do comércio <strong>de</strong> almas, quanto mais triste, sofrida e <strong>de</strong>samparada a pobre dita,<br />

maior a sua cotação na Banvespa Ecomênica…<br />

ZS | O comércio metafísico se lubrifica com o tráfico <strong>de</strong> Almas Proletas… Almas<br />

Capitalistas compram aczóes <strong>de</strong> Indulgéncia… e garantem um Purgatório macio, com<br />

modormia… Mas quem trabalha nas fornalhas do Inferno?…<br />

FM | Ora, ora, mas o que é isso?! Dizem que não há calor humano mais intenso e<br />

contagiante do que o que se po<strong>de</strong> encontrar no Inferno. Ao Céu foram encaminhadas as<br />

bestas que acreditam que um dia o fogo apenas iluminará. "Não há re<strong>de</strong>nção sem chaga" -<br />

diz a tabuleta à entrada do Inferno. Mas apurando bem a vista se nota que o dizer foi<br />

adulterado e ainda dá para distinguir a versão original: "Não há re<strong>de</strong>nção nem com chaga".<br />

ZS | Como diz Frei Feijáo: A chaga é <strong>de</strong> gracza, mas náo garante a Salvaczáo. Saiu anúncio<br />

no tabloi<strong>de</strong> Nanico Torto, <strong>de</strong> propaganda do Cassino-Thermal Averno: Estamos oferecendo


<strong>de</strong>sconto especial <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> estaczáo, <strong>de</strong> 50% pra sacerdotes, e, militares que venham juntos,<br />

seráo consi<strong>de</strong>rados como uma só família, e ganharáo o especial abatimanto <strong>de</strong> 70%.<br />

Aproveite! Lamas thermais, telefone, duchas ferventes, luz elétrica, água corrente, saláo <strong>de</strong><br />

festas…<br />

FM | Os primeiros 10 inscritos ganharão a História Suscinta da Revolta das Chibatas em<br />

25 volumes, uma contribuição do Sebo Estalando-<strong>de</strong>-Novo, edição original em papel<br />

brochura, faltando o volume 17 - há dúvidas se o mesmo chegou a ser impresso - e os<br />

<strong>de</strong>mais com a borda liquidada pelo tempo. Aproveite nosso pacote <strong>de</strong> visita guiada à Granja<br />

do Torto nas noites <strong>de</strong> sábado.<br />

ZS | Noitada a bordo da Jangada da Medusa!!!… Churrasquinhos na brasa dos próprios<br />

comensais, sorteados na Tómbola <strong>de</strong> Minos… aproveite a total Liquidaczáo… Aczoites,<br />

tri<strong>de</strong>ntes, pregos, fornalhas <strong>de</strong> saláo…<br />

FM | A mulata era tão bela, quem quer fazer o cabelo <strong>de</strong>la? Cacimbinha, Cacimbona, quem<br />

quer fazer um chamego nela? Sabiá lá na janela, quem quer tirar a fitinha <strong>de</strong>la? Cacimbona,<br />

Cacimbinha, quem quer ficar um cadinho nela?<br />

ZS | O Camóes, como bom prutuca, tinhas sua escurinha, que ainda náo chegava a ser<br />

mulata, mas já era pretinha… E no Delta do Mekong a chinesa afundou com o Rolo do<br />

Brasil… dos onze Cantos… só sobraram <strong>de</strong>z.<br />

FM | O que era para ser começo <strong>de</strong> uma nova série total per<strong>de</strong>u uma perna, ficaram<br />

somente nove. O que era então para ser a triplicida<strong>de</strong> do triplo per<strong>de</strong>u uma perna, ficaram<br />

somente oito. Daí o que era para ser o símbolo da regeneração, per<strong>de</strong>u uma perna e ficaram<br />

somente sete. Foi aí quando as sete direções do espaço <strong>de</strong>ram uma topada e uma <strong>de</strong>las se<br />

per<strong>de</strong>u, ficaram somente seis. Sozinha no balacubaco, sem saber o que fazer <strong>de</strong> si, a<br />

quintessência ficou confusa, per<strong>de</strong>u uma perna, ficaram apenas quatro. A organização<br />

racional logo não se portou lá muito bem, per<strong>de</strong>u uma perna e ficaram apenas três.<br />

Finalmente a síntese espiritual, o mundo parecia estar salvo, quando <strong>de</strong>u uma ventania e<br />

umas das pernas não se manteve no lugar, ficaram apenas duas. Entre a cruz e a espada, não<br />

havia jeito das opções serem satisfatórias, então rapidamente se arrancou uma perna e ficou<br />

apenas uma. Este símbolo do princípio ativo ten<strong>de</strong> à megalomania e é melhor não lhe dar<br />

perna alguma. Restaria então o ovo órfico, com o qual já se sabe não foi possível fazer uma<br />

omelete.<br />

ZS | Perna por perna, o Pirata Perna-<strong>de</strong>-Pau náo chega à beira-dégua, porque o crocodilo já<br />

comeu a primeira, e está <strong>de</strong> olho na segunda.<br />

FM | E o terceiro foi aquele a quem a Teresa <strong>de</strong>u a mão. Quantas laranjas maduras, quanto<br />

limão pelo chão… quantos mazelos esparramados <strong>de</strong>ntro do meu coração… Uns indo pra<br />

lua, outros pr'Espanha.<br />

ZS | Pior que a Espanha, por enquanto só mesmo a Grécia. Mas Portugal também está a<br />

bulanczaire… As Tres Graczas da Latinida<strong>de</strong>…<br />

FM | Grécia, Espanha e Portugal, a fina flor do abacateiro <strong>de</strong> ponta-cabeça. Mais esperto <strong>de</strong><br />

todos foi o Banco do Vaticano, que pregou a peça religiosa em todos e converteu a mitologia<br />

greco-romana em um bem sucedido comércio <strong>de</strong> almas.<br />

4


ZS | Como sempre diz o Maquiavel, o Vaticano tem gran<strong>de</strong> experiéncia no metié. E o Papa<br />

Bórgia… sabe manobrar.<br />

FM | Charrete nova na garagem, serventia a toda prova. Os brasileiros tão polidos<br />

apren<strong>de</strong>ram logo a comer coxa <strong>de</strong> frango com talher e torciam o nariz para a porção <strong>de</strong><br />

grilos tostados. Rejeitando os hábitos da coroa e do mundo nativo, <strong>de</strong> tanto querer ser o que<br />

não tinha jeito, ainda hoje põem pra gelar o vinho tinto e recusam falar em sexo na frente<br />

das crianças.<br />

ZS | Or<strong>de</strong>m e Progresso, Serieda<strong>de</strong> e Barbas probas. Procissáo e Positivismo. Nosso céu<br />

tem mais estrelas, nossa mata mais coelhos.<br />

FM | Trat-ta-ra-t-a-tá, blém, belém, blém-blém-blém… Toró, toró, to-ró… Shi, shi, shi…<br />

ZS | Li a entrevista com a Amanda Berenguer, ao final, com gran<strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z, fala que<br />

"vivemos uma civilizaczáo anestesiada ou excitada até o crime pelas imagens visual e<br />

sonora", <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stampam os Pangarés do Apocalipse: dos ví<strong>de</strong>os e joguinhos <strong>de</strong><br />

aparelhos eletronicos manuais ou <strong>de</strong> saláo, gerando genocídios e massacres em escolas e<br />

lugares públicos, por asnosomens drogados e zumbificados… E as autorida<strong>de</strong>s médicas,<br />

teológicas e governamentais ficam se perguntando "Mas porque o celerado fulano perpretou<br />

esse assassínio coletivo <strong>de</strong> crianczas e passantes distraídos?… PORQUEEE?… Como se os<br />

assassinos soubessem lá porque fizeram a sanguinolenta asneira… A resposta é simples:<br />

eles NÁO SABEM porque fizeram. A Burrice Assassina Globalizada é a última novida<strong>de</strong> do<br />

Século XXI. Os Quatro Pangarés do Apocalipse náo viráo mais… porque foram superados<br />

pelos Asnos do Porvir.<br />

FM | Mas são apocalipses distintos. O Uruguai não é uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>formada pelo<br />

agrotóxico. Hoje seu maior dilema é o elogio da pobreza. Aqui caímos no conto <strong>de</strong> que a<br />

esperança é imortal. Já na PromiseLand, a <strong>de</strong>vastação pela overdose virtual e sonora castrou<br />

<strong>de</strong> uma paulada só luci<strong>de</strong>z e percepção, daí que certo tipo <strong>de</strong> criminoso – sobretudo aqueles<br />

criados em meio ao turbilhão fanático dos jogos <strong>de</strong> guerra – mereça mais um sanatório do<br />

que a ca<strong>de</strong>ia. No Pa-tro-pi, não, aqui ainda somos casos <strong>de</strong> xilindró. Porque o espalhafato da<br />

imagem e do ruído gera uma mescla suicida <strong>de</strong> tolice e esperteza. Somos um povo<br />

barbarizado pela malandragem e o besteirol.<br />

ZS | Mescla suicida (e assassina) <strong>de</strong> tolice e esperteza (e metralhadora), malandragem,<br />

besterol (e <strong>de</strong>funtos a granel).<br />

FM | Enquanto isto a flor do ócio <strong>de</strong>vora spa-Gretchen inculta e bela, será ela, será ela, até<br />

morrer. E <strong>de</strong>u na sétima hora do dia, na Rádio Espertinha do Monte Santo, que o morto <strong>de</strong><br />

honra, programado para o Baile da Virada, <strong>de</strong>sgostoso com a barba que lhe apararam e o<br />

cabelo cortado à quenga <strong>de</strong> coco, se escafe<strong>de</strong>u ao mínimo <strong>de</strong>slize das beatas arruma<strong>de</strong>iras,<br />

<strong>de</strong>ixando vazio o crucifixo e em silêncio as cantigas <strong>de</strong> roda.<br />

ZS | Fazemos pirambeira acima uma procissáo pra Santa Baldina… a seguir uma kermesse<br />

com sabugos <strong>de</strong> milho, pé-<strong>de</strong>-porco, balóes, baile <strong>de</strong> sanfona pula-fogueira… e está tudo<br />

resolvido.<br />

5<br />

Os Editores


CARLOS FRANCISCO MONGE | Un fantasma en la<br />

ventana: sobre la poesía <strong>de</strong> Francisco<br />

Amiguetti<br />

TRAZOS A LÁPIZ | Pue<strong>de</strong> que el mismo lápiz con que empezó a dibujar<br />

paisajes, animales y personajes lo haya empleado Francisco Amighetti<br />

para escribir sus primeros poemas. Dibujos y palabras; imágenes<br />

visuales y verbales fueron las líneas paralelas <strong>de</strong> su sen<strong>de</strong>ro artístico.<br />

La obra literaria <strong>de</strong> Amighetti la componen tres pequeños libros <strong>de</strong><br />

talante autobiográfico, poco más <strong>de</strong> un centenar <strong>de</strong> poemas y no pocos<br />

artículos dispersos en periódicos y revistas sobre arte, especialmente el mo<strong>de</strong>rno. Su<br />

primera publicación fue un opúsculo <strong>de</strong> catorce poemas, que apareció hace setenta años, con<br />

el parco título Poesía. Ya entonces Amighetti gozaba <strong>de</strong> prestigio como dibujante y como<br />

grabador. En 1947 editó en México su primer tomo en prosa: Francisco en Harlem, unas<br />

páginas parecidas a memorias <strong>de</strong> viajes, que años <strong>de</strong>spués completó con Francisco y los<br />

caminos (1963) y con Francisco en Costa Rica (1966). En 1974 compiló un nuevo tomo <strong>de</strong><br />

versos, Poesías, ampliado en 1983.<br />

<strong>DE</strong>CIR Y HACER | Para un lector habitual, los poemas pasan a veces como potrancas<br />

<strong>de</strong>sbocadas, otras como carretas cargadas <strong>de</strong> onerosas mercancías; alguna vez son ligeros<br />

como gamos en celo, sinuosos como serpientes, astutos, indolentes, <strong>de</strong>sgarbados; casi<br />

siempre danzan, fingen pasiones, gesticulan y nunca <strong>de</strong>jan <strong>de</strong> hablar. Los <strong>de</strong> Amighetti lucen<br />

más bien como estanques cristalinos, trémulos por la melancolía o por la pasión; aparentan<br />

la timi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> algún ciprés solitario pero cantan con claridad al compás <strong>de</strong> la luz que se<br />

precipita sobre el paisaje tropical y sobre el acontecer cotidiano. Son distintos <strong>de</strong> la riqueza<br />

temática y estética <strong>de</strong> su obra plástica, pero cumplen una razón <strong>de</strong> ser: hablan <strong>de</strong>l arte, como<br />

acotaciones a sus cuadros, como breves manifiestos estéticos, como testimonios o<br />

confi<strong>de</strong>ncias.<br />

Los poemas juveniles <strong>de</strong> Amighetti fueron cobijados con generosidad por las páginas <strong>de</strong>l<br />

viejo Repertorio Americano, <strong>de</strong>l editor Joaquín García Monge. A sus veinte años, el joven<br />

escritor le envió al maestro editor cuatro breves poemas, que aparecen publicados en 1928.<br />

Llegaban con la locuacidad y las extravagancias <strong>de</strong> los vanguardismos <strong>de</strong> entonces: Huele a<br />

estrellas / los rosales blancos <strong>de</strong> las constelaciones / distribuyen serenidad / el reloj cincela 7<br />

notas en el viento / todos los molinos <strong>de</strong> los astros / comienzan a fabricar la niebla / harina<br />

lunar. Es muy probable que sus viejos profesores <strong>de</strong> Castellano, atildados poetas<br />

mo<strong>de</strong>rnistas, se atusaran los bigotes con preocupación y sorpresa, al leer aquellos mo<strong>de</strong>stos<br />

(y pue<strong>de</strong> que molestos) esbozos <strong>de</strong>l novel artista.<br />

Algunos jóvenes escritores <strong>de</strong> entonces, avezados en los movimientos artísticos <strong>de</strong><br />

vanguardia <strong>de</strong> las letras europeas e hispanoamericanas, experimentaban, <strong>de</strong>safiaban,<br />

provocaban; cuando podían, publicaban sus escritos don<strong>de</strong> mejor los recibieran. Aquellos<br />

compañeros literarios <strong>de</strong> Amighetti eran Max Jiménez (1900-1947) e Isaac Felipe Azofeifa<br />

(1909-1997), a quienes poco <strong>de</strong>spués se sumarían los nombres <strong>de</strong> Carlos Salazar Herrera,<br />

Joaquín Gutiérrez y Fernando Centeno Güell. Más o menos distantes <strong>de</strong> la zarabanda<br />

vanguardista, todos a su manera le plantaron un no a la tradición literaria costarricense, tan<br />

dada a los costumbrismos <strong>de</strong> manual o al pedigrí <strong>de</strong> un mo<strong>de</strong>rnismo ramplón. Varios<br />

<strong>de</strong>cenios <strong>de</strong>spués y ya en la cima <strong>de</strong> su madurez vital y literaria, todos ellos pudieron<br />

contemplar, con cierta sonrisa melancólica y un <strong>de</strong>jo <strong>de</strong> vanidad, aquellas aventuras<br />

juveniles –quizá algo mo<strong>de</strong>stas en tierras costarricenses– que los distanciaron <strong>de</strong> los<br />

maestros literatos <strong>de</strong> entonces.<br />

6


El arco trazado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquellos primeros poemas <strong>de</strong> Amighetti y los que escribió ya<br />

octogenario es nítido, regular y continuo. No como la trayectoria <strong>de</strong> una flecha sino como la<br />

figura <strong>de</strong> un arco iris; variado y sobrio en su belleza cristalina, con una constancia llamativa<br />

y rara al mismo tiempo. Hay poetas sexagenarios que no se reconocen en sus poemas<br />

veinteañeros; los hay también que sin voz propia han cantado al son <strong>de</strong> ecos lejanos o <strong>de</strong> las<br />

oportunida<strong>de</strong>s que dan los modismos, literarios o no. Amighetti fue un poeta constante sin<br />

monotonía, fiel sin servilismo, discreto sin bajar la voz.<br />

EL ÚNICO CUADRO | Pintor-poeta, contempló su mundo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su ventana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el lugar<br />

interior hacia la circunstancia; porque la ventana fue, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el principio, uno <strong>de</strong> los gran<strong>de</strong>s<br />

temas <strong>de</strong> su pintura y <strong>de</strong> su poesía. De 1926 es uno <strong>de</strong> sus primeros dibujos , a tinta y color,<br />

con el sobrio título “La ventana”, y sus primeros autorretratos –dibujo a tinta uno y grabado<br />

en ma<strong>de</strong>ra el otro– muestran al personaje al lado <strong>de</strong> una pequeña ventana, como única<br />

compañera. Des<strong>de</strong> entonces, cuadros y poemas vuelven una y otra vez al motivo <strong>de</strong> ese<br />

cotidiano espacio enmarcado don<strong>de</strong> habitan los seres, los objetos, las sombras y los<br />

fantasmas. El simbolismo <strong>de</strong> este espacio abierto y cerrado a la vez está asociado a la<br />

concepción misma <strong>de</strong> la vida, marcada en la poesía <strong>de</strong> Amighetti por una convicción: buscar<br />

a los <strong>de</strong>más y al mismo tiempo mostrarse; en dos palabras, comunicarse con el mundo.<br />

Des<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, es el punto <strong>de</strong> partida para alcanzar la lejanía, la exploración, la aventura,<br />

aunque alguna vez <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la fijeza <strong>de</strong> quien interroga la existencia (como parece <strong>de</strong>cirlo La<br />

ventana blanca, cuadro <strong>de</strong> 1970); <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fuera, la ventana da la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> penetración y<br />

profundidad; es la impresión que arroja La gran ventana, cromoxilografía <strong>de</strong> 1983.<br />

Tal vez por eso mismo los poemas <strong>de</strong> Amighetti resultan <strong>de</strong> sus visiones; son visuales en<br />

el sentido plástico y al mismo tiempo buscan adivinar imágenes y escenarios. Sus prosas<br />

autobiográficas abundan en referencias espaciales: calles, paisajes lunares, buhardillas,<br />

plazas y parques, bares, habitaciones solitarias, colinas y pedazos <strong>de</strong> cielo gris. Y con<br />

frecuencia, todo aquel espectáculo visto «<strong>de</strong>s<strong>de</strong> mi ventana». Y lo dice el poeta con sus<br />

versos: Con la ventana los arquitectos se volvieron pintores, / hay casas en que la ventana /<br />

es el único cuadro colgado en la pared. / Nos ahogaríamos, no seríamos hombres / sin la<br />

ventana <strong>de</strong>l color <strong>de</strong>l viento, / hasta los seres recluidos en las cárceles / se les conce<strong>de</strong> un<br />

pedazo <strong>de</strong> cielo y una ración <strong>de</strong> luz. Las suyas son ventanas abiertas, nunca divididas ni<br />

acristaladas; libres y simples, como quienes se acercan a ellas para contemplar una imagen,<br />

o para completarla. Así también las palabras: El poema es también / la noche <strong>de</strong> la ventana /<br />

en don<strong>de</strong> el ruiseñor <strong>de</strong> una constelación canta.<br />

PALABRAS SIN FINAL Y SIN PRINCIPIO | Parece un tópico: la poesía <strong>de</strong> Francisco Amighetti<br />

es una larga meditación sobre la condición humana y la existencia. No lo es si hablamos <strong>de</strong><br />

una obra parca en su discurrir y proporcionalmente escasa, que gira una y otra vez en torno<br />

a dos o tres temas esenciales; mejor dicho, vitales: el origen, la permanencia, la búsqueda, el<br />

regreso al origen. ¿Por qué darles títulos particulares a los libros, si todos los poemas se<br />

pue<strong>de</strong>n reducir a eso mismo: la poesía? Es <strong>de</strong>cir, al vínculo entre el ser y el mundo, como la<br />

ventana es el espacio común entre el interior y el exterior. Amighetti nos <strong>de</strong>jó un gesto<br />

semioculto entre las líneas <strong>de</strong> su obra literaria, que la redujo a dos términos esenciales:<br />

Francisco (el ser) y poesía (la palabra); como un fantasma <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su ventana.<br />

Carlos Francisco Monge (Costa Rica, 1951). Poeta, ensayista y filólogo. Autor, entre otros, <strong>de</strong><br />

los libros <strong>de</strong> poemas Los fértiles horarios (1983), La tinta extinta (1990), Enigmas <strong>de</strong> la<br />

imperfección (2002). Entre sus ensayos están: La imagen separada (1983), La rama <strong>de</strong> fresno<br />

(1999) y El vanguardismo literario en Costa Rica (2005). Contacto: cfmonge@hotmail.com.<br />

Página ilustrada con la obra <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista invitado <strong>de</strong> la presente edición <strong>de</strong><br />

ARC.<br />

7


EDSON MANZAN CORSI | Da vonta<strong>de</strong> ao<br />

inconsciente: metafísica e metapsicologia<br />

entre Schopenhauer e Freud<br />

No artigo intitulado “As resistências à psicanálise”, Sigmund Freud<br />

apresenta que nossa mente, ante o que é novo, ten<strong>de</strong> a recuar, <strong>de</strong>vido a<br />

um fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprazer proveniente do contato com as novida<strong>de</strong>s. A<br />

fonte <strong>de</strong>sse fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprazer é a exigência feita à mente por uma<br />

percepção recente e das outras, mais comuns, distinta: “o dispêndio<br />

psíquico que ela exige, a incerteza alçada até à ansiosa expectativa que<br />

ela traz consigo”. Assim, o fato <strong>de</strong>sta prática teorizada, a psicanálise, representar uma<br />

inovação no que concerne ao saber sobre o humano já traria em si <strong>de</strong>terminada razão para<br />

que a ela se resistisse: seu cunho inovador. Além disso, após tecer alguns comentários sobre<br />

as ciências e seus avanços, Freud traz um breve histórico <strong>de</strong> seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento<br />

técnico e teórico, por exemplo, no que concerne à utilização do método catártico e a<br />

<strong>de</strong>corrente invenção da psicanálise mesma, para falar das resistências que a esta apresentou,<br />

<strong>de</strong>ntre outros, o âmbito da medicina.<br />

Em compensação, po<strong>de</strong>r-se-ia supor que a nova teoria teria muito mais probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

encontrar a boa acolhida dos filósofos, <strong>de</strong> vez que estes estavam habituados a situar<br />

conceitos abstratos (ou, como diriam as línguas malévolas, palavras nebulosas) no primeiro<br />

plano <strong>de</strong> suas explicações do universo, e seria impossível que objetassem à extensão da<br />

esfera da psicologia, para a qual a psicanálise havia preparado o caminho.<br />

Todavia, para gran<strong>de</strong> parte do campo filosófico, o funcionamento mental coinci<strong>de</strong> com a<br />

ambiência consciente, apresentando outros fatores que, mesmo parecendo escapar do<br />

domínio consciente, estariam ligados a <strong>de</strong>terminantes orgânicos ou a processos paralelos.<br />

De modo que falar, na esteira da psicanálise, que o que é mental é em si mesmo<br />

inconsciente, para muitos filósofos, torna-se uma contradição em termos. “Suce<strong>de</strong>, então,<br />

que a psicanálise nada <strong>de</strong>riva, senão <strong>de</strong>svantagens, <strong>de</strong> sua posição intermediária entre a<br />

medicina e a filosofia”. Os médicos a teriam no lugar <strong>de</strong> um sistema especulativo e se<br />

recusariam a vê-la como oriunda <strong>de</strong> verificações e experiências atinentes a aspectos<br />

perceptíveis. Já os filósofos, avaliando-a segundo os padrões <strong>de</strong> seus sistemas<br />

“artificialmente construídos”, apontariam que ela se edifica sobre premissas impossíveis,<br />

trazendo crítica concernente a seus conceitos mais gerais – “(que só agora estão em processo<br />

<strong>de</strong> evolução) carecem <strong>de</strong> clareza e precisão”.<br />

Porém, a questão não se afixa somente à esfera intelectual. As explosões <strong>de</strong> indignação,<br />

<strong>de</strong>rrisão e escárnio, <strong>de</strong>sprezando a lógica e o bom gosto, caracterizariam métodos <strong>de</strong><br />

oposição. “Uma reação <strong>de</strong>sse tipo sugere que outras resistências além <strong>de</strong> puramente<br />

intelectuais foram excitadas, e <strong>de</strong>spertadas po<strong>de</strong>rosas forças emocionais”. Aliás, segundo<br />

Freud, muitos aspectos na psicanálise seriam propícios para produzir esse tipo <strong>de</strong> reação<br />

nos homens, <strong>de</strong> efeito sobre as paixões, e não somente no que tange aos cientistas.<br />

Principalmente pela via daquele lugar muito importante na vida mental humana que é<br />

apreendido, em termos freudianos, como os instintos sexuais. Pois “a teoria psicanalítica<br />

sustentou que os sintomas das neuroses constituem satisfações substitutivas <strong>de</strong>formadas <strong>de</strong><br />

forças instintuais sexuais, das quais a satisfação direta foi frustrada por resistências<br />

internas”. Depois, ao se esten<strong>de</strong>r para além do campo clínico, a análise, aplicando-se<br />

igualmente à vida mental estabelecida como “normal”, veio a <strong>de</strong>monstrar que os<br />

componentes sexuais, passíveis <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>sviados <strong>de</strong> seus objetos iniciais e <strong>de</strong>sse modo<br />

8


guiados para ocorrências diferentes, efetivam contribuições <strong>de</strong> alta relevância às realizações<br />

culturais dos homens e, por conseguinte, para a socieda<strong>de</strong>. Mas tais perspectivas não eram<br />

absolutamente originais. “A significação incomparável da vida sexual havia sido proclamada<br />

pelo filósofo Schopenhauer em uma passagem intensamente marcante”. Em todo caso, vale<br />

ressaltar que o conceito <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong>, para a psicanálise, não é totalmente idêntico à<br />

impulsão no senso da união dos dois sexos ou <strong>de</strong> produzir sensação prazerosa nos órgãos<br />

genitais – tal conceito mais se aproxima do Eros, a tudo incluir e preservar, apresentado, por<br />

exemplo, no Banquete <strong>de</strong> Platão.<br />

Ora, a civilização repousa sobre dois pilares: um é o controle das forças naturais, outro; a<br />

restrição <strong>de</strong> nossos instintos. Segundo Freud, o trono do governante pousa “sobre escravos<br />

agrilhoados. Entre os componentes instintuais que são assim colocados a seu serviço, os<br />

instintos sexuais, no sentido mais estrito da palavra, são conspícuos por sua força e<br />

selvageria”. Se eles se libertassem, o trono seria <strong>de</strong>rrubado e violentamente <strong>de</strong>stituído o<br />

governante. A socieda<strong>de</strong> disso estaria ciente e não permitiria o vir a lume <strong>de</strong> tal matéria.<br />

Aliás, ela nem é suficientemente or<strong>de</strong>nada ou opulenta para que o indivíduo seja<br />

compensado em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua renúncia instintual. Ao último, resta <strong>de</strong>cidir como po<strong>de</strong><br />

obter, como fruto <strong>de</strong> seu sacrifício, alguma compensação, suficiente para torná-lo apto a<br />

preservar seu equilíbrio mental.<br />

A psicanálise <strong>de</strong>svelou as fragilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa sistemática e recomendou sua alteração.<br />

“Propôs uma redução no rigor com que os instintos são reprimidos, e que<br />

correspon<strong>de</strong>ntemente se <strong>de</strong>sse mais <strong>de</strong>sempenho à veracida<strong>de</strong>”. Um montante maior <strong>de</strong><br />

satisfação <strong>de</strong>veria ser facultado a alguns impulsos instintuais em cuja repressão a socieda<strong>de</strong><br />

teria se excedido. No tocante a outros, o método inócuo <strong>de</strong> suprimi-los pela repressão<br />

<strong>de</strong>veria ser suplantado por algum procedimento, em palavras freudianas, “melhor e mais<br />

seguro”.<br />

Em resultado <strong>de</strong>ssas críticas a psicanálise é encarada como ‘inamistosa à cultura’ e foi<br />

colocada sob um anátema como ‘perigo social’. Essa resistência não po<strong>de</strong> durar para<br />

sempre. Nenhuma instituição humana po<strong>de</strong>, a longo prazo, escapar à influência da crítica<br />

legítima, contudo a atitu<strong>de</strong> dos homens para com a psicanálise ainda é dominada por esse<br />

temor, que dá livre curso às suas paixões e diminui seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> argumento lógico.<br />

Desse modo, as mais intensas resistências à psicanálise não se mostram no plano<br />

intelectual. Elas aportam <strong>de</strong> fontes emocionais. Daí, seu cunho apaixonado – sua escassez <strong>de</strong><br />

lógica. A questão obe<strong>de</strong>ceria a uma sucinta formulação: “os homens na massa se<br />

comportavam para com a psicanálise exatamente do mesmo modo que os neuróticos em<br />

particular, em tratamento perante seus distúrbios”. Todavia, por meio <strong>de</strong> paciente labor,<br />

segundo Freud, é possível convencer esses últimos <strong>de</strong> que tudo ocorreu como sustentado<br />

pelo psicanalista. Aliás, é-nos ressaltado que “nós próprios não o inventamos”, pelo<br />

contrário, suas consi<strong>de</strong>rações advêm <strong>de</strong> um estudo clínico prolongado. Já a posição <strong>de</strong><br />

estudar os homens no âmbito da massa era ao mesmo tempo assustadora e reconfortante.<br />

Assustadora pela magnitu<strong>de</strong> da tarefa. Reconfortante porque, ao cabo <strong>de</strong> tudo, realizava-se o<br />

que a psicanálise apontava como importante e válido.<br />

A maioria das supracitadas resistências se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que relevantes afetos humanos<br />

são atingidos pela temática da teoria analítica. A concepção darwiniana acerca da<br />

<strong>de</strong>scendência obteve <strong>de</strong>stino similar, conforme <strong>de</strong>rrubou a barreira altivamente erguida<br />

entre homens e animais. Isso já havia sido mencionado por Freud, por exemplo, no artigo<br />

“Uma dificulda<strong>de</strong> no caminho da psicanálise”, no que ele <strong>de</strong>monstra a perspectiva sobre a<br />

relação do ego consciente com um inconsciente irresistível como construtora <strong>de</strong> um golpe<br />

austero ante o amor-próprio humano. Descreveu-o como sendo o golpe psicológico ao<br />

narcisismo dos homens, e o comparou com o golpe biológico <strong>de</strong>sfechado pela teoria da<br />

<strong>de</strong>scendência, também ressaltando o golpe cosmológico, mais antigo, à espécie humana<br />

9


dirigido mediante a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Copérnico. “Dificulda<strong>de</strong>s puramente externas também<br />

contribuíram para fortalecer a resistência à psicanálise. Não é fácil obter um juízo<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte sobre questões envolvidas com a análise sem a termos experimentado ou<br />

praticado em outrem”. Aliás, pouco se po<strong>de</strong> realizar sem a vivência e a <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>corrente,<br />

tornada possível, aquisição <strong>de</strong> técnica específica e <strong>de</strong>cididamente <strong>de</strong>licada. Pois é importante<br />

<strong>de</strong>stacar que a técnica só po<strong>de</strong> ser adquirida por quem a ela já se submeteu.<br />

Finalmente, com toda a reserva, po<strong>de</strong>-se levantar a questão <strong>de</strong> não ter sido possível que a<br />

personalida<strong>de</strong> do presente autor como um ju<strong>de</strong>u, que jamais procurou disfarçar o fato <strong>de</strong><br />

ser ju<strong>de</strong>u, concorresse em provocar a antipatia <strong>de</strong> seu meio ambiente para com a<br />

psicanálise. Um argumento <strong>de</strong>ssa espécie amiú<strong>de</strong> não se enuncia em voz alta; infelizmente,<br />

tornamo-nos tão <strong>de</strong>sconfiados que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar que esse fator po<strong>de</strong> não<br />

ter estado inteiramente sem <strong>de</strong>feito. Talvez sequer seja inteiramente um item do acaso que<br />

o primeiro advogado da psicanálise fosse um ju<strong>de</strong>u. Professar crença nessa nova teoria<br />

teria exigido <strong>de</strong>terminado grau <strong>de</strong> aptidão a aceitar uma situação <strong>de</strong> oposição solitária –<br />

situação com a qual ninguém está mais familiarizado do que um ju<strong>de</strong>u.<br />

Para Freud e, ao que tudo indica, também para seus opositores, seu contexto étnico não<br />

constitui assunto banal.<br />

Na esteira da reflexão apresentada, em apêndice ao artigo mencionado, o tradutor inglês<br />

das obras <strong>de</strong> Freud, o psicanalista James Strachey, apresenta que o inventor da psicanálise,<br />

em suas últimas elaborações, para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r das críticas ao se apoiar no estofo <strong>de</strong> uma<br />

autorida<strong>de</strong> intelectual e filosófica, promove muitas alusões à importância concedida por<br />

Arthur Schopenhauer ao valor e força da sexualida<strong>de</strong>. Ele se referia a uma comovente<br />

passagem do filósofo alemão, <strong>de</strong> palavras, como qualificava, impressivas e intensas. Strachey<br />

reproduz o possível trecho que Freud teria em mente, ressaltando que o mesmo constituiria<br />

matéria <strong>de</strong> interesse. O excerto exposto fala do <strong>de</strong>sejo sexual como diferente <strong>de</strong> qualquer<br />

outro, concluindo com a paixão sexual vista como a mais perfeita manifestação da vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> viver – e todos os outros <strong>de</strong>sejos do homem nisso confluiriam. Portanto, torna-se<br />

plausível falar <strong>de</strong> uma influência <strong>de</strong> Schopenhauer sobre Freud <strong>de</strong> maneira muito explícita,<br />

no tocante à teoria da sexualida<strong>de</strong> e a primazia do <strong>de</strong>sejo sexual como constituinte basilar<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento e condição do homem. No entanto, este trabalho ambiciona aumentar o<br />

foco da reflexão sobre tal relação <strong>de</strong> pensadores ao comparar a metafísica <strong>de</strong> Schopenhauer<br />

com a metapsicologia do inventor da psicanálise, mais especificamente, ao apresentar e<br />

mostrar afinida<strong>de</strong>s entre o conceito <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, do filósofo alemão, e a acepção freudiana <strong>de</strong><br />

inconsciente. Isso será feito ao se levar em conta a primeira e segunda tópicas do analista<br />

em tela para possibilitar questionamentos e reflexões sobre a magnitu<strong>de</strong> da influência<br />

estabelecida em sua obra pela leitura <strong>de</strong> Schopenhauer.<br />

Com esse intuito, estabeleceremos, primeiramente, a apresentação do conceito filosófico.<br />

Depois, falaremos da primeira e segunda tópicas no conjunto da obra <strong>de</strong> Freud para, assim,<br />

visualizar comparações entre a concepção do aparelho mental e, por conseguinte, <strong>de</strong><br />

inconsciente com a visão cosmológica schopenhauriana.<br />

SCHOPENHAUER | Em sua obra máxima, O mundo como vonta<strong>de</strong> e como representação, o<br />

filósofo alemão Arthur Schopenhauer, mediante a seção intitulada “Livro segundo: do<br />

mundo como vonta<strong>de</strong> – Primeira consi<strong>de</strong>ração: a objetivação da vonta<strong>de</strong>”, começa a nos<br />

apresentar sua metafísica, após ter efetivado uma incursão epistemológica na seção<br />

prece<strong>de</strong>nte, Livro primeiro, ao consi<strong>de</strong>rar a representação apenas enquanto tal, <strong>de</strong> acordo<br />

com sua forma unânime. Naquilo que diz respeito à “representação abstrata, o conceito, este<br />

também foi conhecido segundo seu conteúdo, na medida em que possui substância e<br />

significação exclusivamente em referência à representação intuitiva, sem a qual seria<br />

<strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> valor e consistência”. Então, pelo “Livro segundo...”, voltando-nos totalmente à<br />

10


epresentação intuitiva, segundo Schopenhauer, tornar-se-ia plausível conhecer seu teor,<br />

suas mais exatas <strong>de</strong>terminações e as figuras que nos faz vislumbrar.<br />

Esse filósofo sustenta que sujeito e objeto se amalgamam, que todo objeto pressupõe, em<br />

todo caso, um sujeito e, assim, permanece como representação. E isso se refere à<br />

configuração mais geral da última – a cisão entre sujeito e objeto. A<strong>de</strong>mais, o princípio <strong>de</strong><br />

razão “é apenas forma da representação, isto é, a ligação regular <strong>de</strong> uma representação com<br />

outra, em vez <strong>de</strong> a ligação <strong>de</strong> toda a série (finita ou sem fim) das representações com algo<br />

que não mais seria representação, portanto não mais po<strong>de</strong>ndo ser representado”. Destarte,<br />

após comentar como vários campos da ciência trabalham com as relações entre as<br />

representações, no âmbito <strong>de</strong>las, ou seja, conforme preenchem o tempo e o espaço,<br />

Schopenhauer traz que aquilo a impelir sua investigação é a não satisfação sobre saber-se<br />

<strong>de</strong>ssas conexões – cuja expressão geral sempre é o princípio <strong>de</strong> razão. Mais do que isso,<br />

almeja-se conhecer a significação subjacente a tais processos. Pergunta-se se o mundo não<br />

seria algo outro que o complemente – e qual seria a natureza disso? Qual o conteúdo último<br />

(a essência cosmológica) que ainda não teria sido <strong>de</strong>vidamente encontrado sob todos os<br />

fenômenos, sob o véu ilusivo das relações causais que são meras consequências do princípio<br />

<strong>de</strong> razão? Certamente, aquilo que se investiga é algo, em consonância com seu cerne,<br />

totalmente à parte da representação, tendo, nessa via, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfalcar-se integralmente às suas<br />

formas e leis. Por conseguinte, não é plausível atingi-lo partindo-se da própria representação,<br />

conforme o fio condutor das leis que simplesmente vinculam objetos, ou seja,<br />

representações entre si, que constituem as figuras do princípio <strong>de</strong> razão. Na letra <strong>de</strong><br />

Schopenhauer,<br />

vemos, pois, que <strong>DE</strong> FORA jamais se chega à essência das coisas. Por mais que se<br />

investigue, obtêm-se tão-somente imagens e nomes. Assemelhamo-nos a alguém girando<br />

em torno <strong>de</strong> um castelo, <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> procurando sua entrada, e que <strong>de</strong> vez em quando<br />

<strong>de</strong>senha as fachadas. No entanto, este foi caminho seguido por todos os filósofos que me<br />

antece<strong>de</strong>ram.<br />

Mas, em tal caso, on<strong>de</strong> procurar o que a tudo subjaz? Nosso corpo se enraíza neste<br />

mundo, “encontra-se nele como INDIVÍDUO, isto é, seu conhecimento, sustentáculo<br />

condicionante do mundo inteiro como representação, é no todo intermediado por um corpo,<br />

cujas afecções, como se mostrou, são para o entendimento o ponto <strong>de</strong> partida da intuição do<br />

mundo”. Esse corpo é para o sujeito cognoscente <strong>de</strong>terminado fenômeno como qualquer<br />

outro, objeto entre objetos. Mas não somente. Ele é dado <strong>de</strong> duas maneiras em absoluto<br />

distintas: como representação na intuição relativa ao entendimento, qual objeto entre<br />

objetos e submetido às leis dos mesmos. E no âmbito daquilo imediatamente apreendido por<br />

cada um e apontado pelo termo “vonta<strong>de</strong>”. Antes, a palavra do enigma é concedida ao<br />

sujeito do conhecimento que emerge como indivíduo. “Tal palavra se chama VONTA<strong>DE</strong>. Esta,<br />

e tão-somente esta, fornece-lhe a chave para seu próprio fenômeno, manifesta-lhe a<br />

significação, mostra-lhe a engrenagem interior <strong>de</strong> seu ser, <strong>de</strong> seu agir, <strong>de</strong> seus movimentos”.<br />

Ação do corpo e ato da vonta<strong>de</strong> não se diferenciam, mesmo aparecendo no terreno da<br />

causalida<strong>de</strong>, nem mesmo se acham na relação <strong>de</strong> causa e efeito, são uma e mesma coisa,<br />

imediatamente e no plano da intuição. Ou seja: a ação do corpo constitui o ato da vonta<strong>de</strong><br />

objetivado, que vem a aparecer na intuição. Nesse sentido, todo o corpo não passa <strong>de</strong><br />

vonta<strong>de</strong> objetivada – por essa via tornando-se representação. Corpo; “objetida<strong>de</strong>” da<br />

vonta<strong>de</strong>. Igualmente, é passível <strong>de</strong> se estabelecer: a vonta<strong>de</strong> é o conhecimento a priori<br />

relativo ao corpo, e este se torna o conhecimento a posteriori da mesma. Por conseguinte,<br />

avança-se na reflexão percebendo que<br />

apenas a execução estampa a <strong>de</strong>cisão, que até então não passa <strong>de</strong> propósito cambiável,<br />

existente apenas in abstracto na razão. Só na reflexão o querer e o agir se diferenciam; na<br />

11


efetivida<strong>de</strong> são uma única e mesma coisa. Todo ato verda<strong>de</strong>iro, autêntico, imediato da<br />

vonta<strong>de</strong> é também simultânea e imediatamente ato fenomênico do corpo (...) No entanto, é<br />

totalmente incorreto <strong>de</strong>nominar a dor e o prazer representações, o que <strong>de</strong> modo algum<br />

são, mas afecções imediatas da vonta<strong>de</strong> em seu fenômeno, o corpo, vale dizer, um querer<br />

ou não-querer impositivo e instantâneo sofrido por ele.<br />

O conhecimento <strong>de</strong> minha vonta<strong>de</strong> não se separa do meu conhecimento corporal. Logo, o<br />

corpo é via para o conhecimento daquela – não é possível a representar sem representá-lo.<br />

Como objeto, conforme conheço minha vonta<strong>de</strong> propriamente dita, apreendo-a enquanto<br />

corpo. Trata-se do conhecimento mais imediato. O filósofo brasileiro Roberto Machado<br />

(20<strong>06</strong>), no volume O nascimento do trágico: <strong>de</strong> Schiller a Nietzsche, ressalta que o ponto <strong>de</strong><br />

partida schopenhauriano para formular sua sistematização é que não é <strong>de</strong> fora o movimento<br />

a se realizar para atingir a essência das coisas, a coisa-em-si, mas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, do interior do<br />

homem. Fala-se mesmo <strong>de</strong> uma ambivalência <strong>de</strong> Schopenhauer em relação à tese kantiana,<br />

no sentido <strong>de</strong> que a representação não seria ultrapassável nas vias do conhecimento<br />

objetivo; permanecer-se-á ao lado externo, sem acesso ao íntimo: o que as coisas são em si e<br />

para si. Pois não somos somente o sujeito que conhece, mas também nos vinculamos à<br />

categoria das coisas a serem conhecidas. Abarcamos a coisa-em-si. Porém, o conhecimento<br />

subjetivo, a experiência interna, não formula um saber acerca do próprio sujeito. Apoiandose<br />

na noção <strong>de</strong> que a consciência <strong>de</strong> nós mesmos traz um elemento cognoscente e outro a<br />

ser conhecido, e <strong>de</strong> que, portanto, o sujeito cognoscente não seria conhecível enquanto<br />

adquire e elabora saber, mas somente se fosse o objeto conhecido <strong>de</strong> outro sujeito<br />

cognoscente, “Schopenhauer conclui que o elemento conhecido na consciência <strong>de</strong> nós<br />

mesmos é a vonta<strong>de</strong>, os impulsos e as modificações da vonta<strong>de</strong>”. De modo que o objeto, a<br />

matéria do tomar consciência internamente seria a vonta<strong>de</strong> – isso fazendo a experiência<br />

interna se relacionar diretamente a um conhecimento sobre o querer. “O ser do fenômeno é<br />

sentido, experimentado, vivido. Se a vonta<strong>de</strong> é conhecida é porque eu a sinto em mim, é<br />

porque tenho uma compreensão íntima, uma experiência interna, uma consciência <strong>de</strong>la em<br />

mim”. Assim, para o filósofo, na <strong>de</strong>scrita circunstância, seria estabelecida uma verda<strong>de</strong><br />

filosófica:<br />

A expressão da mesma po<strong>de</strong> ser dita <strong>de</strong> diversas maneiras: meu corpo e minha vonta<strong>de</strong> são<br />

uma coisa só; ou, o que como representação intuitiva <strong>de</strong>nomino meu corpo, por outro lado<br />

<strong>de</strong>nomino minha vonta<strong>de</strong>, visto que estou consciente <strong>de</strong>le <strong>de</strong> maneira completamente<br />

diferente, não comparável com nenhuma outra; ou, meu corpo é a objetida<strong>de</strong> da minha<br />

vonta<strong>de</strong>; ou, abstraindo-se o fato <strong>de</strong> que meu corpo é minha representação, ele é apenas<br />

minha vonta<strong>de</strong> etc.<br />

Já os outros objetos são diferentes, não abrangendo simultaneamente vonta<strong>de</strong> e<br />

representação, são meras representações, “meros fantasmas”.<br />

Mas, como operaria essa vonta<strong>de</strong>? Como <strong>de</strong>screvê-la? Ora, toda a essência <strong>de</strong> meu querer<br />

não é elucidável por razões, motivos – estes <strong>de</strong>terminam apenas sua fenomenização em<br />

algum lugar temporal. Trata-se da ocasião mediante a qual a vonta<strong>de</strong> se <strong>de</strong>svela. Se a<br />

essência <strong>de</strong> meu querer não é explicável por razões – elas <strong>de</strong>terminam exclusivamente sua<br />

exteriorização em certo ponto temporal, são somente a ocasião na qual, como veremos mais<br />

<strong>de</strong>talhadamente, a própria essência cosmológica permeia os fenômenos. Ao passo que, no<br />

entanto, se alguém se propõe a tentar abstrair seu caráter e perguntar o porquê geral <strong>de</strong><br />

querer isso e não aquilo, nenhuma resposta <strong>de</strong>finitiva é possível. Enfim, apenas o fenômeno<br />

da vonta<strong>de</strong> está submetido ao princípio <strong>de</strong> razão – não ela própria, que é para ser<br />

<strong>de</strong>nominada sem-fundamento.<br />

“Em confirmação <strong>de</strong> tudo isso, recor<strong>de</strong>-se que toda ação sobre o corpo afeta simultânea e<br />

imediatamente a vonta<strong>de</strong> e, nesse sentido, chama-se dor ou prazer, ou, em graus menores,<br />

12


sensação agradável ou <strong>de</strong>sagradável”. Contrariamente, todo movimento forte <strong>de</strong>la, <strong>de</strong>starte<br />

todo afeto e paixão, abala o corpo e perturba seu fluxo funcional. Em termos gerais, cada<br />

consi<strong>de</strong>ração etiológica só po<strong>de</strong> oferecer a posição necessariamente estabelecida em tempo e<br />

espaço <strong>de</strong> certo fenômeno, ou seja, seu necessário <strong>de</strong>spontar em acordo com uma regra fixa.<br />

Mas, nessa via, a essência íntima do fenômeno se mantém infundada, sendo pressuposta<br />

pelas explanações etiológicas e, daí, só indicada por alguma expressão como “força”, “lei<br />

natural” ou, enquanto ações, “caráter”, “vonta<strong>de</strong>”, aqui na acepção do senso comum, <strong>de</strong> mera<br />

<strong>de</strong>manda. Aquela essência íntima infundada, a vonta<strong>de</strong> schopenhauriana, torna-se visível<br />

pelo seu manifestar-se como mundo dos fenômenos. Em <strong>de</strong>corrência, o processo no qual e<br />

pelo qual subsiste o corpo não constitui outra coisa a não ser fenômeno da vonta<strong>de</strong>,<br />

objetida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la. Aí se calca a perfeita conformação do corpo humano e do animal à vonta<strong>de</strong><br />

humana e animal: numa alçada teleológica, “<strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista, as partes do corpo têm <strong>de</strong><br />

correspon<strong>de</strong>r perfeitamente às principais solicitações pelas quais a vonta<strong>de</strong> se manifesta,<br />

têm <strong>de</strong> ser a sua expressão visível”.<br />

Para aquele que por meio <strong>de</strong> todas as consi<strong>de</strong>rações também veio a ser in abstracto<br />

evi<strong>de</strong>nte e correto que aquilo que cada um apresenta in concreto imediatamente como<br />

sentimento, isto é, a essência em si do fenômeno mesmo – apresentando-se na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

representação, seja nas ações ou no substrato <strong>de</strong>las, o corpo, é a vonta<strong>de</strong> que se encontra no<br />

mais imediato <strong>de</strong> sua consciência. “Porém, como tal, sem aparecer completamente na forma<br />

<strong>de</strong> representação, na qual objeto e sujeito se contrapõem, mas dando sinal <strong>de</strong> si <strong>de</strong> modo<br />

imediato, em que sujeito e objeto não se diferenciam nitidamente”. A vonta<strong>de</strong> não aparece<br />

em seu todo, mas apresenta-se ao indivíduo à custa <strong>de</strong> atos isolados. Para Schopenhauer,<br />

quem alcançou essa convicção, alcançará, com ele, certa chave para a compreensão da mais<br />

profunda essência <strong>de</strong> toda a natureza, pois a transmitirá a todos os fenômenos que não lhe<br />

são dados, portanto, não são como seu corpo próprio – em cognoscibilida<strong>de</strong> mediata e<br />

imediata, mas só lhe aparecem <strong>de</strong> forma mediata, <strong>de</strong>sse modo, apenas parcialmente,<br />

enquanto representação. Assim, será possível vislumbrar que a vonta<strong>de</strong> não é essência<br />

íntima somente dos fenômenos similares ao homem que realiza a compreensão, como<br />

outros homens e animais; avante a esse estado, a reflexão prosseguida levará ao<br />

reconhecimento <strong>de</strong> que, igualmente, a força que palpita e vegeta na planta, a força que<br />

configura o cristal,<br />

que gira a agulha magnética para o pólo norte, que irrompe do choque <strong>de</strong> dois materiais<br />

heterogêneos, que aparece nas afinida<strong>de</strong>s eletivas dos materiais como atração e repulsão,<br />

sim (...) tudo isso é diferente apenas no fenômeno, mas conforme sua essência em si é para<br />

se reconhecer como aquilo conhecido imediatamente <strong>de</strong> maneira tão íntima e melhor que<br />

qualquer outra coisa e que, ali on<strong>de</strong> aparece do modo mais nítido, chama-se VONTA<strong>DE</strong>.<br />

Essa coisa-em-si (e utilizamos tal termo técnico na medida em que Schopenhauer mantém<br />

a expressão kantiana como “fórmula <strong>de</strong>finitiva”) possui como o mais perfeito <strong>de</strong> seus<br />

fenômenos (mais nítido, <strong>de</strong>senvolvido, diretamente elucidado pelo conhecimento)<br />

precisamente a vonta<strong>de</strong> que se expressa no homem. De todos os fenômenos, ao ser essência.<br />

“Ora, o conhecimento do idêntico em fenômenos diferentes, e do diferente em fenômenos<br />

semelhantes, é justamente, como Platão amiú<strong>de</strong> observa, a condição da filosofia”. Mas,<br />

mesmo em se tratando <strong>de</strong> realizar um exercício filosófico, utilizando-se da faculda<strong>de</strong><br />

racional – somente o fenômeno mais nítido da vonta<strong>de</strong>, Schopenhauer não atinge a verda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> seu sistema pelo exclusivo uso <strong>de</strong> conceitos e teias argumentativas, situando-se no<br />

exercício da lógica e das estruturações retóricas próprias da edificação da filosofia, apoia-se<br />

num plano para além disso, conce<strong>de</strong>ndo lugar àquilo que, por si mesmo, revela-se <strong>de</strong><br />

imediato: o termo “vonta<strong>de</strong>” <strong>de</strong> maneira alguma aponta para qualquer <strong>de</strong>sconhecida<br />

gran<strong>de</strong>za, atingível mediante alguma ca<strong>de</strong>ia silogística, mas remete a algo conhecido por<br />

inteiro – imediatamente – e conhecido <strong>de</strong> modo que a compreen<strong>de</strong>mos melhor do que<br />

13


qualquer outra coisa. Ele pensa cada força na natureza, inclusive no âmbito humano, como<br />

vonta<strong>de</strong>. Contudo, vale ressaltar que, em termos <strong>de</strong> uma conceituação mais rigorosa, o<br />

conceito <strong>de</strong> força é abstraído do campo em que regem causa e efeito, coligando-se à<br />

representação intuitiva, e diz respeito ao “ser-causa” da causa: “ponto este além do qual<br />

nada é etiologicamente mais explicável e no qual se encontra o pressuposto necessário <strong>de</strong><br />

toda explanação etiológica”. O conceito <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma distinta, é o único que não se<br />

origina do fenômeno. Não advém da mera representação intuitiva. Surge da interiorida<strong>de</strong>, da<br />

imediata consciência do indivíduo mesmo, on<strong>de</strong> este se conhece o mais diretamente,<br />

tangendo sua própria essência, <strong>de</strong>spindo-se <strong>de</strong> todas as formas, inclusive as <strong>de</strong> sujeito e<br />

objeto, já que, nesse âmbito, quem conhece afina-se com o que é conhecido. Se subsumirmos<br />

o conceito <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> ao <strong>de</strong> força, “renunciamos ao único conhecimento imediato que temos<br />

da essência íntima do mundo: fazemos tal conhecimento se dissipar num conceito abstraído<br />

do fenômeno, com o qual nunca po<strong>de</strong>remos ir além <strong>de</strong>ste último”. A vonta<strong>de</strong> qual coisa-emsi<br />

é em absoluto diversa <strong>de</strong> seu fenômeno, totalmente à parte das formas <strong>de</strong>le – mas ela as<br />

penetra conforme se manifesta.<br />

Servindo-se da escolástica, Schopenhauer abarca tempo e espaço na expressão principium<br />

individuationis. “Tempo e espaço são os únicos pelos quais aquilo que é uno e igual<br />

conforme a essência e o conceito aparece como principium individuationis” – fonte <strong>de</strong> várias<br />

reflexões sofisticadas e querelas entre os escolásticos. Já a vonta<strong>de</strong> é una, mas não no<br />

sentido <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado objeto, cuja unida<strong>de</strong> apenas se dá em oposição à<br />

pluralida<strong>de</strong> plausível, muito menos é una qual conceito, cuja unida<strong>de</strong> nasce apenas mediante<br />

a abstração da pluralida<strong>de</strong>. Não se insere na pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisas que coexistem e se<br />

suce<strong>de</strong>m. Logo, tempo e espaço são <strong>de</strong>terminada extremida<strong>de</strong>, alastrando-se no que<br />

concerne ao plano meramente físico, enquanto a vonta<strong>de</strong> se constitui una enquanto aquilo<br />

que se encontra apartado do tempo e do espaço, externo ao principium individuationis, digase,<br />

da possibilida<strong>de</strong> da pluralida<strong>de</strong>.<br />

No tocante ao fenômeno humano, aos atos do homem, vemos que eles não são livres. O<br />

homem, só a posteriori, pela experiência, percebe, para seu espanto, não ser livre, mas<br />

dominado pela necessida<strong>de</strong>. “Percebe que, apesar <strong>de</strong> todos os propósitos e reflexões, não<br />

muda sua conduta, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início até o fim <strong>de</strong> sua vida tem <strong>de</strong> conduzir o mesmo caráter<br />

por ele próprio execrado e, por assim dizer, <strong>de</strong>sempenhar até o fim o papel que lhe coube”.<br />

Exatamente a essência que em nós segue seus fins sob a luz do conhecimento, na mais sutil<br />

fenomenização, esforça-se <strong>de</strong> modo cego, silencioso, unilateral, invariável. Sob todo o<br />

cosmos, ela é mesma e una. Assim como “os primeiros raios da aurora e os intensos raios do<br />

meio-dia têm o mesmo nome <strong>de</strong> luz do sol, assim também cada um dos aqui mencionados<br />

casos têm <strong>de</strong> levar o nome <strong>de</strong> VONTA<strong>DE</strong>, que <strong>de</strong>signa o ser em si <strong>de</strong> cada coisa no mundo,<br />

sendo o único núcleo dos fenômenos”.<br />

Dos mais tênues aos mais nítidos acontecimentos, po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar a relação existente<br />

entre a coisa-em-si e a sua manifestação, noutros termos, trata-se <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o mundo<br />

como vonta<strong>de</strong> e o mundo como representação – a partir <strong>de</strong> Kant; tempo, espaço e<br />

causalida<strong>de</strong>: modos <strong>de</strong> intuição do sujeito ou qualida<strong>de</strong>s do objeto como objeto; para Kant,<br />

fenômeno, isto é, representação. Desse modo, se os objetos <strong>de</strong>spontam em tais formas, não<br />

<strong>de</strong>vem ser fantasmas inócuos. Mas, se possuem significação, então teriam <strong>de</strong> ser<br />

manifestação <strong>de</strong> algo que já não é, como eles próprios, representação, objeto meramente<br />

relativo e diante <strong>de</strong> certo sujeito. Fala-se <strong>de</strong> algo que se dá in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> alguma<br />

condição essencial e <strong>de</strong> formas contrapostas a si. Esse algo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser representação,<br />

ocupa o status <strong>de</strong> coisa-em-si, [...] “aquilo que no fenômeno NÃO é condicionado por tempo,<br />

espaço e causalida<strong>de</strong>, nem é remissível a eles, muito menos explanável a partir <strong>de</strong>les, é<br />

justamente aquilo pelo qual o que aparece, a coisa-em-si, dá sinal <strong>de</strong> si imediatamente”. O<br />

filósofo brasileiro Deyve Redyson, em seu livro Dossiê Schopenhauer, propõe que apesar <strong>de</strong><br />

toda or<strong>de</strong>nação, característica do campo da consciência, <strong>de</strong> toda regularida<strong>de</strong>, que parece<br />

fazer do âmbito da representação o lugar da verda<strong>de</strong>, tudo seria um sonho sem substância<br />

14


se não se engendrasse algo fundamental, metafisicamente subjazendo: o plano da vonta<strong>de</strong>.<br />

Afinal, como comenta Redyson, o mundo para Schopenhauer é, sobretudo, a vonta<strong>de</strong>.<br />

Mas como perceber a realida<strong>de</strong> atrás das aparências, que existe fora do espaço e do<br />

tempo? Segundo Schopenhauer, é por intermédio do corpo que se tem acesso a essa<br />

realida<strong>de</strong> mais íntima. É por intermédio do corpo que o homem tem a consciência interna<br />

<strong>de</strong> que ele é vonta<strong>de</strong>, um “em si”.<br />

Porém, não se trata do corpo visto <strong>de</strong> fora, no espaço e tempo, não na condição <strong>de</strong><br />

objetivação da vonta<strong>de</strong> (representação), mas no que tangencia o que é imediatamente<br />

vivenciado em nossa esfera afetiva. Isso se dá na alternância entre dores e prazeres,<br />

inacessibilida<strong>de</strong>s e satisfações, <strong>de</strong>cepções e <strong>de</strong>sejos; aí, a vonta<strong>de</strong> é captável como essência e<br />

princípio do mundo, inclusive <strong>de</strong> nós mesmos, “como querer sem dono, transindividual,<br />

cego e sem razão, em sua tenebrosa e abismal perpetuação”.<br />

É força que age na natureza e <strong>de</strong>sejo que mobiliza o homem. Porém, antes <strong>de</strong> se objetivar<br />

em inumeráveis fenômenos, <strong>de</strong> se expressar pelas vias da pluralida<strong>de</strong> dos indivíduos, ela se<br />

objetiva mediante formas eternas, invariáveis, fora do tempo e espaço. Schopenhauer, então,<br />

fala das i<strong>de</strong>ias platônicas – arquétipos das coisas que nos circundam, são as primevas<br />

manifestações do querer, realida<strong>de</strong>s medianas entre a unicida<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> e a<br />

multiplicação individual. A i<strong>de</strong>ia platônica, para o filósofo alemão, já constitui objeto: é<br />

representação e, assim, difere da coisa-em-si, mas extraindo-se <strong>de</strong>la. A i<strong>de</strong>ia ainda não<br />

entrou nas proprieda<strong>de</strong>s do principium individuationis, contudo, po<strong>de</strong> ser objeto para um<br />

sujeito, pois obtém forma, apresentando então a condição primeira e mais universal para ser<br />

consi<strong>de</strong>rada representação. Ao aproximar “o enunciado kantiano ao platônico, Schopenhauer<br />

mostra que, graças ao tempo, espaço, causalida<strong>de</strong> e dispositivos do intelecto humano, ‘o ser<br />

único <strong>de</strong> qualquer espécie’, ‘a essência genérica dos objetos naturais’, se apresenta como<br />

multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seres da mesma espécie”. Em sucessão infinita, incessante nascer e<br />

perecer. Para tentar saciar seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vida, a essência cosmológica se dissemina em tantas<br />

parcelas que constituiriam a ambiência fenomênica, todavia, mesmo no menor e mais<br />

remoto <strong>de</strong>sses fragmentos, conservaria sua unida<strong>de</strong>. Em seu movimento insaciável, mor<strong>de</strong> a<br />

própria carne: “o mundo vegetal serve <strong>de</strong> alimento para o mundo animal, este, <strong>de</strong> presa e<br />

alimento para outro animal, e, assim, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida não cessa <strong>de</strong> <strong>de</strong>vorar a si mesma”. O<br />

homem vê tudo que existe como algo que possa ou <strong>de</strong>va servi-lo, contribuindo, <strong>de</strong>sse modo,<br />

para pôr mais engrenagens no que constitui a luta <strong>de</strong> todos contra todos. A<strong>de</strong>mais, a vida<br />

social é habitada por egoísmos rivais, com a satisfação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado indivíduo a causar o<br />

sofrimento <strong>de</strong> outro. Conclui-se que o egoísmo abarca uma atitu<strong>de</strong> natural <strong>de</strong> um ente diante<br />

<strong>de</strong> outro. Nesse caso, como saber o que valem moralmente os homens? Basta ter em conta<br />

seu <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> sofrimento e dor inesgotável.<br />

A noção inaugural do pessimismo filosófico é atribuída ao filósofo em foco, <strong>de</strong>vido à sua<br />

obra que trabalha uma metafísica do pessimismo ao compreen<strong>de</strong>r que o mundo é<br />

representação ilusória da realida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificada com a <strong>de</strong>scrita vonta<strong>de</strong>. “O pessimismo<br />

schopenhauriano tem duas teses: 1) para cada indivíduo teria sido melhor não existir, 2) o<br />

mundo como todo é o pior dos mundos possíveis”. A mera presença do mal no mundo o<br />

tornaria algo cuja inexistência é preferível à expressão. Ele interpreta a fé cristã mesma<br />

como uma necessida<strong>de</strong>, não sendo favorável ao otimismo, afinal, nos evangelhos as<br />

concepções sobre o mundo e o mal são constantemente usadas como sinônimos, qual<br />

acontece com o amor e a <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> morrer por ele. Nessa esteira, o mundo só po<strong>de</strong>ria<br />

ser suportado ao ser transmudado em fenômeno estético.<br />

Nas palavras do escritor Rüdiger Safranski, em sua obra Schopenhauer e os anos mais<br />

selvagens da filosofia, foi este o primeiro a conce<strong>de</strong>r à estética um valor filosófico assim tão<br />

culminante, tal como nenhum outro filósofo antes <strong>de</strong>le lhe conferira. “Uma filosofia que não<br />

preten<strong>de</strong> explicar o mundo, mas somente informar a respeito <strong>de</strong>le, enten<strong>de</strong>r o que o mundo<br />

15


ealmente é e o que significa, segundo o próprio Schopenhauer, somente se po<strong>de</strong> originar da<br />

experiência estética do mundo”. Em <strong>de</strong>corrência do seguinte:<br />

...somente a arte consegue arrancar da corrente dos acontecimentos mundanos (Weltlauf) o<br />

objeto contemplado e mantê-lo isolado diante <strong>de</strong> si; e esta “coisa isolada” (Einzelne), que<br />

antes não era senão uma parte transitória e evanescente da corrente, se converte agora<br />

em uma representante do todo, um equivalente daquilo que, no espaço e no tempo, é uma<br />

“multidão sem fim” (endlich Viele): somente a arte consegue fixar este objeto singular e<br />

nele <strong>de</strong>ter a roda do tempo; as relações <strong>de</strong>saparecem para ele, seu objeto é somente o<br />

essencial, apenas a i<strong>de</strong>ia (das Wesentliche, die I<strong>de</strong>e) – po<strong>de</strong>mos portanto caracterizar a arte<br />

como sendo “a maneira <strong>de</strong> encarar as coisas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do princípio da razão”<br />

(die Betrachtungsart <strong>de</strong>r Dingeunabhängig vom Satze dês Grun<strong>de</strong>s), em contraposição ao<br />

tipo <strong>de</strong> raciocínio que segue atrás <strong>de</strong> razões e consequências e que constitui o caminho<br />

natural da experiência e da ciência.<br />

Em todo caso, a proposta do filósofo é a <strong>de</strong> que o homem não se livre dos pungentes<br />

apelos da vonta<strong>de</strong> que nele opera e o impele somente nos momentos <strong>de</strong> contemplação<br />

estética. Influenciado pelo Budismo e pelo Hinduísmo, no que ambos trazem, por exemplo,<br />

sobre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes da entrega ao exercício da meditação, acredita que o<br />

melhor que o ser humano po<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>r, diante da absurdida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>sejo e do pior dos<br />

mundos possíveis, é buscar suprimir a vonta<strong>de</strong>, extraviar-se do âmbito do querer. Contudo,<br />

ele não sugere que “seja possível produzir a negação da vonta<strong>de</strong> simplesmente por meio <strong>de</strong><br />

uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>liberada, não tem a menor intenção <strong>de</strong> mediar magicamente (hervorzaubern)<br />

tal negação mediante a aplicação <strong>de</strong> conceitos”. Antes, trata-se <strong>de</strong> torná-la inteligível no<br />

plano conceitual da metafísica da vonta<strong>de</strong>. Nesse plano, é um acontecimento da última sua<br />

negação. Até porque a imanência radical <strong>de</strong>ssa metafísica torna impossível a ingerência <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>res superiores sobrenaturais. Ao preten<strong>de</strong>r ser o único her<strong>de</strong>iro legítimo do pensar<br />

kantiano, consi<strong>de</strong>rando nulas as posturas <strong>de</strong> Fichte, Schelling e Hegel, Schopenhauer é,<br />

segundo Roberto Machado, antes mesmo <strong>de</strong> Nietzsche, o primeiro a achacar a metafísica<br />

pela primazia que ela conce<strong>de</strong> à Razão. Isso Machado afirma encontrar em certos<br />

comentadores. “Consi<strong>de</strong>rando Schopenhauer o último i<strong>de</strong>alista alemão, Alexis Philonenko<br />

ressalta que ele se distingue dos outros i<strong>de</strong>alistas na medida em que rompe com a teologia e<br />

com a imortalida<strong>de</strong> da alma”. Assim, se a vonta<strong>de</strong> a tudo constitui, não po<strong>de</strong>rá ser negada a<br />

não ser por si mesma. Para um metafísico da vonta<strong>de</strong>, sua negação somente é pensável sem<br />

qualquer influência adicional, por exemplo, <strong>de</strong> Deus, Espírito, ou como Sua expressão. Antes,<br />

é apreendida como uma autossupressão.<br />

Nos Fragmentos sobre a história da filosofia, o próprio Schopenhauer ainda avulta que a<br />

relação dos filósofos com a teologia apresenta algumas nuances importantes para a esfera<br />

das consi<strong>de</strong>rações conceituais: o panteísmo, por exemplo, adotado por vários pensadores<br />

relevantes, como no caso <strong>de</strong> Baruch <strong>de</strong> Espinoza, é uma noção que se anula. Uma condição<br />

para o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>us é o estabelecimento <strong>de</strong> seu correlato essencial – um mundo <strong>de</strong>le<br />

diferente. “Por outro lado, se o mundo em si tiver <strong>de</strong> assumir seu papel, permanecerá<br />

precisamente um mundo absoluto, sem Deus. Por essa razão, o panteísmo é apenas um<br />

eufemismo para ateísmo”. Mesmo assim, a hipótese <strong>de</strong> uma causa à parte do mundo, <strong>de</strong>le<br />

distinta, não chega a configurar <strong>de</strong> fato um teísmo. “Esse requer não apenas uma causa do<br />

mundo diferente do mundo, mas uma causa inteligente, ou seja, cognoscente e volitiva e,<br />

portanto, pessoal e individual. Somente uma causa assim é <strong>de</strong>signada com o nome <strong>de</strong> Deus”.<br />

Algo impessoal não é uma divinda<strong>de</strong>, mas um falso conceito; contradictio in adjecto. De<br />

qualquer forma, po<strong>de</strong>ríamos, na trilha kantiana, chamar o teísmo <strong>de</strong> certo postulado prático,<br />

contudo <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>stacada da por ele inferida. Pois se trata não <strong>de</strong> um produto do<br />

conhecimento; mas da vonta<strong>de</strong> mesma. “Se fosse originalmente TEORÉTICO, como todas as<br />

suas provas po<strong>de</strong>riam ser tão insustentáveis?” Até mesmo todo aquele que busca<br />

16


ecompensa por sua ação, neste ou num mundo porvir, é um egoísta: se vier a lhe escapar a<br />

recompensa mirada, pouco vai lhe importar se isso ocorre pela absurdida<strong>de</strong> que prevalece<br />

neste mundo ou pelo vácuo ilusivo que o mundo futuro lhe arquitetou. “Por essa razão, na<br />

verda<strong>de</strong>, a teologia moral <strong>de</strong> Kant também sepulta a moral”.<br />

Aliás, num plano <strong>de</strong> discussão sobre a moral, ou seja, em terreno da ética, a afirmação <strong>de</strong><br />

autonomia, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ente significaria que o mesmo possui existência; mas on<strong>de</strong><br />

figuraria sua essência? Noutras palavras, apenas existiria ao invés <strong>de</strong> ser alguma coisa e,<br />

<strong>de</strong>sse modo, nada é; porém, existe – o que faz com que simultaneamente seja e não seja.<br />

Contudo, nos Fragmentos..., encontra-se que tudo que existe é algo, obtém essência,<br />

<strong>de</strong>terminada natureza, algum caráter, atuando <strong>de</strong> acordo com este. Há <strong>de</strong> atuar; o que,<br />

logicamente, significa agir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> contexto e frente a motivos, quando ascen<strong>de</strong>rem as<br />

ocasiões exteriores passíveis <strong>de</strong> serem suscitadoras das manifestações peculiares a tal<br />

caráter. “Assim, obtém a existência, a existentia, do mesmo lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> consegue o algo, a<br />

constituição, a essentia, pois ambos po<strong>de</strong>m até ser diferentes no conceito, mas não são<br />

separáveis na realida<strong>de</strong>”. O que possui essência: uma natureza, um caráter, uma compleição<br />

– só po<strong>de</strong> incidir <strong>de</strong> acordo com a mesma: nunca d’outra maneira. Só o tempo, a imagem<br />

mais próxima e a configuração <strong>de</strong> toda ação serão estabelecidos a cada vez pelos motivos<br />

que vêm a se apresentar. “O fato <strong>de</strong> o criador ter feito o homem livre implica uma<br />

impossibilida<strong>de</strong>, a saber, a <strong>de</strong> que ele lhe conferiu uma existentias em essentia e, portanto,<br />

<strong>de</strong>u-lhe a EXISTÊNCIA apenas inabstracto, <strong>de</strong>ixando-o ser O QUE quisesse ser”.<br />

Além disso, todos os filósofos anteriores são criticados pela pena schopenhauriana, ao<br />

postularem o verda<strong>de</strong>iro ser do homem no conhecimento consciente, no intento <strong>de</strong><br />

apresentar o homem como distinto do reino animal. A novida<strong>de</strong> trazida se refere a situar a<br />

essência humana, dos animais e <strong>de</strong> todo o cosmos na vonta<strong>de</strong>.<br />

Safranski, ao <strong>de</strong>bater epistemologicamente a obra <strong>de</strong> Schopenhauer, sustenta que a<br />

questão não é competir com as ciências explicativas da natureza: “Por isso, eu mesmo<br />

<strong>de</strong>nominei o procedimento <strong>de</strong> Schopenhauer para compreen<strong>de</strong>r o mundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro para<br />

fora, a partir da vonta<strong>de</strong> vivenciada internamente <strong>de</strong> ‘hermenêutica da existência’<br />

(Daseinhermeneutik)”. A aproximação da realida<strong>de</strong>, como feita pelo filósofo, ia em busca <strong>de</strong><br />

algum significado, ao invés <strong>de</strong> estar no encalço <strong>de</strong> alguma explicação. Tal procedimento face<br />

à realida<strong>de</strong> resulta que a leitura do livro da vida <strong>de</strong>svelará que o mundo não nos leva a nada<br />

a não ser ele próprio. Aliás, aquele que se <strong>de</strong>para com o significado realiza isso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si<br />

mesmo: “eis a imanência perfeita e acabada”.<br />

Sobre tal circunstância intelectiva, nos Fragmentos..., observamos que, na obra em<br />

questão, nos meandros do sistema schopenhauriano, o mesmo po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>scrito qual um<br />

dogmatismo imanente, inclusive nas palavras do próprio filósofo, já que, se as teses são<br />

dogmáticas, não preten<strong>de</strong>m ultrapassar o mundo dado da experiência – opostamente: <strong>de</strong>vem<br />

esclarecer o que ele é, <strong>de</strong>compondo-o até seus <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros componentes.<br />

FREUD | Voltando à questão freudiana, e mais uma vez no que tange à polêmica sobre as<br />

resistências à psicanálise, encontramos, na correspondência <strong>de</strong> Freud com Carl Gustav Jung,<br />

por exemplo, numa carta datada <strong>de</strong> 19<strong>06</strong>, um <strong>de</strong>bate que une esse assunto e questões sobre<br />

terminologia. Na missiva, Freud ressalta que não é possível explicar nada a um público<br />

hostil, por conseguinte, mantinha certas coisas que po<strong>de</strong>m ser ditas a respeito dos limites da<br />

terapia e seu mecanismo apenas para si mesmo ou <strong>de</strong>las falava numa maneira inteligível<br />

apenas ao iniciado. Ele relembra a Jung que as “curas” que realizavam eram ocasionadas<br />

mediante a fixação da libido a prevalecer no inconsciente – transferência – e que tal<br />

transferência é mais facilmente obtida na histeria. A transferência fornece o impulso<br />

necessário para que se compreenda e se traduza a linguagem do inconsciente; on<strong>de</strong> ela se<br />

ausenta, segundo Freud, o paciente não faz o esforço ou não escuta quando submetemos<br />

nossa tradução para ele. Essencialmente, Freud ressalta, a cura é efetuada pelo amor. E, na<br />

verda<strong>de</strong>, a transferência fornece a mais convincente, a prova inexpugnável <strong>de</strong> que as<br />

17


neuroses são <strong>de</strong>terminadas pela vida amorosa do indivíduo. Assim, ao longo da citada<br />

correspondência, os dois autores se mantêm, <strong>de</strong>ntre outros assuntos, discutindo termos<br />

técnicos como transferência, inconsciente, libido; e Jung propõe, para que a psicanálise não<br />

viesse a sofrer tanta oposição, que Freud suavizasse esses termos basilares <strong>de</strong> sua doutrina<br />

ao substituí-los por novas talvez plausíveis opções. Um estabelecimento <strong>de</strong> Freud, <strong>de</strong> 1907, é<br />

categórico quanto a manter-se os termos: ele aprecia os motivos do colega para tentar<br />

adoçar a maçã azeda, mas não acredita que o empreendimento seria bem sucedido. Até se<br />

chamasse o inconsciente <strong>de</strong> “psicoi<strong>de</strong>”, ainda seria o inconsciente, e se não chamasse a força<br />

impulsionadora, na concepção ampliada <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> “libido”, ela ainda seria a libido.<br />

Em cada inferência na busca <strong>de</strong> alterações, voltar-se-ia ao que realmente se está falando, mas<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se tenta retirar a atenção. Não se po<strong>de</strong> evitar as resistências, por que não enfrentálas<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início? Na posição freudiana, o ataque é a melhor forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Talvez Jung<br />

estivesse subestimando a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas resistências se esperasse <strong>de</strong>sarmá-las com<br />

pequenas concessões. O único caminho residiria em propor abertamente a importância<br />

concedida à pulsão sexual.<br />

Nesse caminho, <strong>de</strong> manter a clareza e o rigor dos termos <strong>de</strong> sua doutrina sem promover<br />

concessões que no fundo e ao cabo ten<strong>de</strong>m a se mostrar inúteis, Freud, em 1915, produziu<br />

os textos conhecidos como artigos sobre metapsicologia. Neles, encontra-se um<br />

especialmente relevante para os já <strong>de</strong>scritos propósitos <strong>de</strong> nosso trabalho, simplesmente<br />

intitulado “O inconsciente”. Mas, antes <strong>de</strong> mergulharmos nas incidências conceituais <strong>de</strong>sse<br />

texto, cabe nos atermos às contribuições do psicanalista húngaro Sándor Ferenczi, tecidas<br />

mediante sua conferência <strong>de</strong> 1922, publicada postumamente, voltada a um breve histórico e<br />

<strong>de</strong>finição da metapsicologia freudiana. No âmbito da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sta, vamos que se refere<br />

à disciplina que liga os processos psíquicos a sistemas psíquicos topicamente <strong>de</strong>terminados,<br />

os quais possuem uma organização e um funcionamento específicos; são as diferentes<br />

interconexões possíveis <strong>de</strong>sses sistemas que explicam os diferentes modos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarga<br />

(normal e patológica) das excitações. Esses sistemas são acionados por forças psíquicas,<br />

<strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> transformações <strong>de</strong> forças pulsionais que funcionam por outro lado no<br />

organismo; a distribuição <strong>de</strong>ssas forças varia segundo os modos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarga da excitação.<br />

Os mecanismos psíquicos estão, portanto, carregados com certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> energia,<br />

cujo modo <strong>de</strong> manifestação varia com o sistema que ela ocupa mas que, <strong>de</strong> modo geral,<br />

po<strong>de</strong>-se imaginar como uma quantida<strong>de</strong> constante, ou seja, obe<strong>de</strong>cendo à lei da constância<br />

da energia enunciada pela física. Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter avaliado o estado <strong>de</strong> investimento dos<br />

diferentes sistemas topicamente localizados, a dinâmica das forças em conflito (dinâmica,<br />

direção e relações quantitativas <strong>de</strong>ssas forças), é que po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong> uma explicação<br />

metapsicológica do processo no sentido <strong>de</strong> Freud.<br />

No entanto, segundo Ferenczi, nunca é <strong>de</strong>mais advertir contra dois erros que as teses<br />

metapsicológicas po<strong>de</strong>riam levar a cometer. A metapsicologia <strong>de</strong> Freud não se compromete<br />

com fornecer esclarecimentos a respeito da anatomia, da fisiologia ou da física do órgão (ou<br />

aparelho) psíquico. Somente produz suportes especulativos que advêm, <strong>de</strong>liberadamente ou<br />

não, quando se analisa os processos psíquicos. “O outro erro consistiria em supor que o<br />

edifício metapsicológico é uma construção arbitrária, um sistema fechado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

princípio”. É o contrário: cada avanço, cada constatação se apoia numa pletora <strong>de</strong><br />

observações <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhe. Talvez nunca sobreveio tanta prudência “no estabelecimento <strong>de</strong> uma<br />

teoria científica. E foi somente a posteriori que o <strong>de</strong>senvolvimento da psicanálise foi <strong>de</strong>scrito<br />

como um avanço progressivo e concêntrico na direção da metapsicologia”.<br />

Por meio <strong>de</strong> seu avanço meticuloso e paulatino, vemos que a metapsicologia, em Freud, se<br />

divi<strong>de</strong> em duas tópicas. Pois, entre 1920 e 1923, ele <strong>de</strong>senvolveu sua reformulação teórica<br />

que instaurou a chamada segunda tópica, cujas instâncias são o eu, o supereu e o isso.<br />

Juntamente com os vocábulos pré-consciente e consciente, “o inconsciente per<strong>de</strong>u então sua<br />

18


qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> substantivo, transformando-se numa maneira <strong>de</strong> qualificar as três instâncias da<br />

segunda tópica: o isso, o eu e o supereu”.<br />

Até os mencionados artigos sobre metapsicologia, <strong>de</strong> 1915, o inconsciente era concebido<br />

como instaurado mediante o recalque, sendo seu conteúdo, portanto, assimilado ao<br />

recalcado. Segundo Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, excetuando-se este aspecto extraindividual:<br />

o núcleo do inconsciente, fundamento da fantasia originária, vinculado à hipótese<br />

filogenética. Então, algumas noções começam a mudar: tudo o que é recalcado tem,<br />

necessariamente, que permanecer inconsciente. Porém, o recalcado não abarca tudo o que é<br />

inconsciente. Deste, aquele configura parte.<br />

No que se relaciona à proposta <strong>de</strong> nosso trabalho, é interessante ressaltar a seguinte<br />

observação <strong>de</strong> Strachey, na sua introdução ao texto freudiano: “<strong>de</strong>ve-se esclarecer <strong>de</strong><br />

imediato que o interesse <strong>de</strong> Freud por essa suposição jamais foi <strong>de</strong> natureza filosófica –<br />

embora, sem dúvida, problemas filosóficos se encontrassem inevitavelmente próximos. Seu<br />

interesse era prático”. Assim, ele não estabeleceu <strong>de</strong>terminada entida<strong>de</strong> metafísica. “O que<br />

ele fez no Capítulo V<strong>II</strong> <strong>de</strong> A Interpretação <strong>de</strong> Sonhos foi, por assim dizer, revestir a entida<strong>de</strong><br />

metafísica <strong>de</strong> carne e sangue”. Pela primeira vez foi <strong>de</strong>svelado o inconsciente: propostas<br />

sobre como funciona e como difere <strong>de</strong> outras partes da mente e suas relações com as<br />

mesmas. Destarte, em “O inconsciente”, tais <strong>de</strong>scobertas são retomadas, ampliadas e<br />

aprofundadas. Porém, “a posição em seu todo só foi posta em perspectiva quando, em The<br />

Ego and the Id, Freud introduziu um novo quadro estrutural da mente”.<br />

Na primeira seção <strong>de</strong> “O inconsciente”, vemos que “tanto nas pessoas sadias como nas<br />

doentes ocorrem com frequência atos psíquicos que só po<strong>de</strong>m ser explicados pela<br />

pressuposição <strong>de</strong> outros atos, para os quais, não obstante, a consciência não oferece<br />

qualquer prova”. Estes não somente abarcam parapraxias e sonhos, mas tudo aquilo que é<br />

<strong>de</strong>scrito qual sintoma psíquico ou obsessão nos doentes. Aliás, nossa experiência diária mais<br />

pessoal é passível <strong>de</strong> nos familiarizar com i<strong>de</strong>ias que aportam em nossa mente sem<br />

sabermos o porquê ou <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vêm, e com conclusões intelectuais que apreen<strong>de</strong>mos sem<br />

saber como. Assim, <strong>de</strong>ve-se adotar a posição segundo a qual o fato <strong>de</strong> estabelecer tudo<br />

quanto acontece na mente como fruto da consciência significa fazer uma reivindicação<br />

precária. A<strong>de</strong>mais, em sustentação quanto à existência <strong>de</strong> um estado psíquico inconsciente,<br />

em um momento qualquer, o conteúdo da consciência é irrisório, <strong>de</strong> maneira que a maior<br />

parte do que se chama conhecimento consciente <strong>de</strong>ve permanecer, por extensos períodos,<br />

em estado latente, ou seja, psiquicamente inconsciente. Mas não se trata <strong>de</strong> falar <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>s intelectuais que não assomam por todo o tempo à consciência. A questão é<br />

que i<strong>de</strong>ntificar esta com o mental é ina<strong>de</strong>quado, tal postura rompe as continuida<strong>de</strong>s<br />

psíquicas, coloca-nos nas dificulda<strong>de</strong>s irresolvíveis do paralelismo psicofísico, está<br />

suscetível à censura <strong>de</strong>, sem um motivo razoável, “superestimar o papel <strong>de</strong>sempenhado pela<br />

consciência, forçando-nos prematuramente a abandonar o campo da pesquisa psicológica<br />

sem ser capaz <strong>de</strong> nos oferecer qualquer compensação <strong>de</strong> outros campos”. Mas como<br />

diferençar tal sistema do inconsciente? Ou melhor: como precisar as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste?<br />

“A distinção que estabelecemos entre os dois sistemas psíquicos ganha novo significado<br />

quando observamos que os processos em um dos sistemas, o Ics., apresentam características<br />

que não tornamos a encontrar no sistema imediatamente acima <strong>de</strong>le”. Ou seja, no sistema<br />

Pcs. - cs. O núcleo do primeiro diz respeito a representantes instintuais que procuram<br />

<strong>de</strong>scarregar a própria catexia – consiste, <strong>de</strong>sse modo, em impulsos carregados <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo.<br />

Esses impulsos coexistem sem mutuamente se influenciarem e não apresentam contradição<br />

mútua. Um dos impulsos não cancela o outro, ao se tornarem simultaneamente ativos se<br />

combinam para formar uma figuração intermediária, certo meio-termo. Então, não há lugar<br />

para negação ou dúvida, tal aspecto é introduzido pela censura no sistema Pcs. – cs. No Ics., o<br />

que existe são conteúdos catexizados com maior ou menor força. Neste, assim, não opera a<br />

racionalida<strong>de</strong>. É abarcado o veio do absurdo. E as intensida<strong>de</strong>s catexiais são bem mais<br />

mobilizáveis. “Pelo processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento uma i<strong>de</strong>ia po<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r a outra toda a sua quota<br />

19


<strong>de</strong> catexia; pelo processo <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsação po<strong>de</strong> apropriar-se <strong>de</strong> toda a catexia <strong>de</strong> várias<br />

outras i<strong>de</strong>ias”. De modo que Freud vem a propor que esses dois processos constituem<br />

marcas próprias do chamado processo psíquico primário, ao passo que a racionalida<strong>de</strong>, a<br />

distinção acerca <strong>de</strong> tempo e espaço, a perspectiva causal e a tendência à separação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias,<br />

no sentido conceitual, são marcas do processo psíquico secundário – dominante no sistema<br />

Pcs. - cs.<br />

Os processos do sistema Ics. são intemporais, isto é, não são or<strong>de</strong>nados temporalmente, não<br />

se alteram com a passagem do tempo; não têm absolutamente qualquer referência ao<br />

tempo. A referência ao tempo vincula-se, mais uma vez, ao trabalho do sistema Cs.<br />

Do mesmo modo os processos Ics. dispensam pouca atenção à realida<strong>de</strong>. Estão sujeitos ao<br />

princípio do prazer; seu <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas do grau <strong>de</strong> sua força e do atendimento às<br />

exigências da regulação prazer-<strong>de</strong>sprazer.<br />

Resumindo: a isenção <strong>de</strong> contradição mútua, o processo primário (mobilida<strong>de</strong> das catexias),<br />

a intemporalida<strong>de</strong> e a substituição da realida<strong>de</strong> externa pela psíquica – tais são as<br />

características que po<strong>de</strong>mos esperar encontrar nos processos pertencentes ao sistema Ics.<br />

Esses processos inconscientes se tornam por nós parcialmente cognoscíveis sob, por<br />

exemplo, as condições <strong>de</strong> sonho e neurose; segundo Freud, quando os processos do sistema<br />

Pcs. - cs., “mais elevado”, são trazidos <strong>de</strong> volta a uma fase antece<strong>de</strong>nte, a um estágio mais<br />

baixo, mediante a regressão. Quanto às vicissitu<strong>de</strong>s relativas ao plano energético, em termos<br />

<strong>de</strong> catexia, investimento <strong>de</strong> energia psíquica:<br />

Os processos do sistema Pcs. exibem – não importando se são conscientes ou somente<br />

capazes <strong>de</strong> se tornarem conscientes – uma inibição <strong>de</strong> tendência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias catexizadas à<br />

<strong>de</strong>scarga. Quando um processo passa <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia para outra, a primeira i<strong>de</strong>ia conserva<br />

uma parte <strong>de</strong> sua catexia e apenas uma pequena parcela é submetida a <strong>de</strong>slocamento. Os<br />

<strong>de</strong>slocamentos e as con<strong>de</strong>nsações, tais como ocorrem no processo primário, são excluídos<br />

ou bastante restringidos. Essa circunstância levou Breuer a presumir a existência <strong>de</strong> dois<br />

estados diferentes <strong>de</strong> energia catexial na vida mental: um em que a energia se acha<br />

tonicamente 'vinculada' e outro no qual é livremente móvel e pressiona no sentido da<br />

<strong>de</strong>scarga. Em minha opinião, essa distinção representa a compreensão interna (insight)<br />

mais profunda que alcançamos até agora a respeito da natureza da energia nervosa, e<br />

não vejo como po<strong>de</strong>mos evitar fazê-la. Uma apresentação metapsicológica exigiria com a<br />

máxima urgência um exame ulterior <strong>de</strong>sse ponto, embora, talvez, isso fosse ainda um<br />

empreendimento muito ousado.<br />

Quanto a informações sobre a mencionada segunda tópica, elaborada especialmente a<br />

partir da década <strong>de</strong> 1920, um texto <strong>de</strong> especial auxílio é o “Esboço <strong>de</strong> psicanálise”, escrito<br />

por Freud em 1938, no qual apresenta os resultados <strong>de</strong> suas pesquisas teórico-clínicas <strong>de</strong><br />

forma abrangida e clara, fornecendo uma espécie <strong>de</strong> “curso <strong>de</strong> atualização”. Neste, para<br />

nosso trabalho, a parte mais rica e relevante é a nomeada como Qualida<strong>de</strong>s psíquicas.<br />

Vejamos certo panorama.<br />

Não seria necessário caracterizar o que é chamado “consciente”. Trata-se do mesmo que a<br />

consciência segundo muitos filósofos ou o senso comum. Tudo o mais que po<strong>de</strong> ser<br />

caracterizado como psíquico, para a psicanálise, é “o inconsciente”. Então, perfaz-se<br />

<strong>de</strong>terminada divisão importante nesse inconsciente. Alguns processos se tornam conscientes<br />

sem dificulda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> sê-lo, mas po<strong>de</strong>m retornar, po<strong>de</strong>ndo ser lembrados ou<br />

reproduzidos. Isto nos lembra da extrema fugacida<strong>de</strong> da consciência. O consciente assim o é<br />

só por um momento. Aquilo que for inconsciente e “que se comporte <strong>de</strong>sta maneira, que<br />

po<strong>de</strong> assim facilmente trocar o estado inconsciente pelo consciente, é, portanto,<br />

preferivelmente <strong>de</strong>scrito como ‘capaz <strong>de</strong> tornar-se consciente’ ou como pré-consciente”.<br />

20


Existem <strong>de</strong>mais processos psíquicos e material psíquico que não apresentam acesso tão<br />

simples ao consciente: têm <strong>de</strong> ser reconhecidos, inferidos, traduzidos para a forma<br />

consciente pelas vias da interpretação psicanalítica – tal material obtém o nome <strong>de</strong><br />

“inconsciente”. Assim, os processos psíquicos adquirem três qualida<strong>de</strong>s: são conscientes,<br />

pré-conscientes ou inconscientes. Essa divisão não é absoluta e permanente; o que é préconsciente<br />

se torna consciente, sem gran<strong>de</strong>s esforços ou assistência, o inconsciente o faz<br />

através <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ráveis esforços e, no processo, adquire-se constantemente a impressão <strong>de</strong><br />

estar-se lidando com resistências muito intensas. “A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esforços que temos <strong>de</strong><br />

dispen<strong>de</strong>r, pela qual avaliamos a resistência contra a conscientização do material, varia <strong>de</strong><br />

magnitu<strong>de</strong> segundo os casos individuais”. Para falar <strong>de</strong> um exemplo interessante, o que<br />

ocorre num tratamento analítico, nessa esteira, também po<strong>de</strong> se dar espontaneamente:<br />

<strong>de</strong>terminado material que usualmente é inconsciente po<strong>de</strong> se transmutar em pré-consciente<br />

e, por conseguinte, consciente – isso aporta em geral nos estados psicóticos. Infere-se que a<br />

normalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> fato da manutenção <strong>de</strong> certas resistências internas. Um<br />

afrouxamento das resistências em tal sentido, com um impulsionamento adiante da matéria<br />

inconsciente, ocorre com frequência no estado <strong>de</strong> sono, provocando assim condição para a<br />

elaboração onírica. Ao contrário, o material pré-consciente po<strong>de</strong> tornar-se por algum<br />

intervalo inacessível, bloqueado pelas resistências, como algo esquecido, não abrangível pela<br />

memória. Ainda, um pensamento pré-consciente po<strong>de</strong> ser reimpelido à condição<br />

inconsciente, como parece se exercer no caso dos chistes. Transformação similar <strong>de</strong> retorno<br />

<strong>de</strong> processos ou material pré-consciente ao estado inconsciente possui relevante papel na<br />

causação dos distúrbios neuróticos. “É <strong>de</strong> se esperar, entretanto, que chegaremos a uma<br />

compreensão mais clara <strong>de</strong>sta própria teoria se <strong>de</strong>terminarmos as relações existentes entre<br />

as qualida<strong>de</strong>s psíquicas e as regiões ou agências do aparelho psíquico que postulamos...”.<br />

No isso (ou, segundo a tradução inglesa <strong>de</strong> James Strachey, Id), a única qualida<strong>de</strong><br />

predominadora é a <strong>de</strong> ser inconsciente. Portanto, isso e inconsciente se encontram tão<br />

intimamente amalgamados quanto pré-consciente e eu (na referida tradução, Ego). No<br />

primeiro caso, a ligação é ainda mais consi<strong>de</strong>rável. Ao reconhecermos o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

indivíduo, <strong>de</strong> seu aparelho psíquico, é visível uma divisão essencial no isso. Inicialmente,<br />

tudo era isso. O eu provém <strong>de</strong>le pela influência ininterrupta do mundo exterior. Ao longo do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, alguns conteúdos do isso passaram para o estado pré-consciente e foram<br />

incorporados ao eu. Demais conteúdos continuam no isso – inalterados – qual seu núcleo<br />

arduamente acessível. Nesse <strong>de</strong>senvolvimento, contudo, o incipiente eu <strong>de</strong>volveu à condição<br />

inconsciente parte do material antes incorporada. Abandonou-a e agiu da mesma maneira<br />

quanto a algumas impressões mais recentes que po<strong>de</strong>ria haver assimilado. Sendo que as<br />

mesmas, tendo sido rechaçadas, apenas po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>ixar vestígio no isso. Fala-se <strong>de</strong>sta<br />

última parcela do isso como o reprimido (ou recalcado). Vem a ser plausível apontar duas<br />

categorias da matéria do isso. “Elas coinci<strong>de</strong>m aproximadamente com a distinção entre o que<br />

se achava originalmente presente, inato, e o que foi adquirido ao longo do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do ego”.<br />

Ao estabelecer-se a disposição topográfica do aparelho psíquico em um eu e um isso em<br />

que as distinções <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> entre pré-consciente e inconsciente ocorrem, e ao <strong>de</strong>svelar-se<br />

que esta qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve antes ser consi<strong>de</strong>rada somente como apontamento da diferença e<br />

não como a essência, qual seria então a verda<strong>de</strong>ira natureza do estado no isso mediante a<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser inconsciente e no eu <strong>de</strong> ser pré-consciente?<br />

Disso, porém, nada sabemos. E a profunda obscurida<strong>de</strong> do pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> nossa<br />

ignorância é escassamente iluminada por alguns lampejos <strong>de</strong> percepção interna (insight).<br />

Aqui aproximamo-nos do segredo ainda velado da natureza do psíquico. Presumimos, como<br />

as outras ciências naturais nos levam a esperar, que na vida mental esteja em ação alguma<br />

espécie <strong>de</strong> energia, mas não temos nada em que nos basear que nos capacite a aproximarmonos<br />

<strong>de</strong> um conhecimento <strong>de</strong>la através <strong>de</strong> analogias com outras formas <strong>de</strong> energia. Parecemos<br />

reconhecer que a energia nervosa ou psíquica ocorre <strong>de</strong> duas formas, uma livremente móvel,<br />

21


e outra, em comparação, presa; falamos <strong>de</strong> catexias e hipercatexias do material psíquico, e<br />

até mesmo aventuramo-nos a supor que uma hipercatexia ocasiona uma espécie <strong>de</strong> síntese<br />

<strong>de</strong> processos diferentes – uma síntese no curso da qual a energia livre é transformada em<br />

energia presa. Mais longe que isto, ainda não avançamos. De qualquer modo, atemo-nos<br />

firmemente à opinião <strong>de</strong> que a distinção entre o estado consciente e o pré-consciente resi<strong>de</strong><br />

em relações dinâmicas <strong>de</strong>sse tipo, que explicariam como é que, espontaneamente ou com<br />

nossa assistência, um po<strong>de</strong> se transformar no outro.<br />

Em todo caso, os processos que têm qualida<strong>de</strong> inconsciente obe<strong>de</strong>cem a diferentes leis<br />

daqueles atuantes no eu pré-consciente. Freud <strong>de</strong>nomina essas leis, em seu conjunto, <strong>de</strong><br />

“processo primário, em contraste com o processo secundário, que dirige o curso das<br />

ocorrências no pré-consciente, no ego. No cômputo geral, portanto, o estudo das qualida<strong>de</strong>s<br />

psíquicas provou, afinal <strong>de</strong> contas, não ser infrutífero”.<br />

COSMOS E APARELHO MENTAL: VONTA<strong>DE</strong> E INCONSCIENTE | Ao invés <strong>de</strong> ver algo<br />

impetuoso, irracional, atemporal e aespacial (no senso <strong>de</strong> infinito) incidindo no cosmos,<br />

Freud o vê no aparelho mental humano, cuja teorização ele mesmo instituiu – primeiro como<br />

substantivo nesse aparelho, posteriormente como qualida<strong>de</strong> psíquica. O inconsciente, assim<br />

como a vonta<strong>de</strong> schopenhauriana, só é perceptível, concebível, <strong>de</strong>vido a suas várias formas<br />

<strong>de</strong> manifestação. No caso da vonta<strong>de</strong>, essa manifestação abarca todo o mundo fenomênico.<br />

O inconsciente se manifesta no homem e pelo homem, mediante formações específicas<br />

(parapraxias, sonhos, sintomas...) e que, em todo caso, configuram fenômenos que nos<br />

permitem inferir sua existência e conteúdo. A vonta<strong>de</strong> também é inferida por meio <strong>de</strong> suas<br />

manifestações objetivas, que se tornam pautadas pelo principium individuationis.<br />

Se as apresentadas características, em Freud, dizem respeito à parte mais recôndita do<br />

aparelho mental, características similares remetem àquilo que subjaz ao cosmos fenomênico<br />

para Schopenhauer, pois, a vonta<strong>de</strong>, sendo metafísica, é intemporal, busca a satisfação<br />

mesmo que isso leve a todas as contradições, já que ela mor<strong>de</strong> a própria carne na busca <strong>de</strong><br />

satisfazer-se, não tendo em conta, portanto, o mote <strong>de</strong> preservar as singularida<strong>de</strong>s – não é<br />

guiada pelo princípio <strong>de</strong> razão ou contradição. Como o inconsciente, manifesta-se por<br />

fenômenos que permitem inferi-la, mas não conhecê-la, dizê-la totalmente. Aquele também é<br />

infinito, sempre a <strong>de</strong>ixar um rastro <strong>de</strong> não-dito.<br />

Primeiramente, Freud vê o inconsciente como fundado pelo recalque. Depois, o isso,<br />

coincidindo totalmente com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inconsciente, simplesmente provém, aporta com<br />

o indivíduo, po<strong>de</strong>ndo ser visto como infundado. A vonta<strong>de</strong>, em termos <strong>de</strong> substrato<br />

metafísico sob o cosmos, é infundada. O isso o é em termos <strong>de</strong> aparelho mental.<br />

Se a vonta<strong>de</strong> não se satisfaz, sempre exigindo mais, o inconsciente, como ambiência do<br />

<strong>de</strong>sejo, conforme dito, é infinito, assim como a pressão exercida pelo <strong>de</strong>sejo, que nunca<br />

encontra seu objeto <strong>de</strong>finitivo – que proporcionaria a completu<strong>de</strong>. Sempre se trata <strong>de</strong> lidar<br />

com a insatisfação, com a falta, fen<strong>de</strong>ndo a Substância cosmológica ou a estrutura da mente.<br />

Referências<br />

FERENCZI, S. A metapsicologia <strong>de</strong> Freud. Trad. Alvaro Cabral In: Obras completas, v. IV, São<br />

Paulo, WMF Martins Fontes, 2011, p. 253-265.<br />

FREUD, S., JUNG, C. G. The Freud-Jung letters. Trad. Ralph Manheim, R. F. C. Hull. Princeton:<br />

Princeton University Press, 1994.<br />

FREUD, S. O inconsciente. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v. XIV. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Imago, 1996, p. 171-222.<br />

FREUD, S. As resistências à psicanálise. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v.<br />

XIX. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, p. 239-250.<br />

FREUD, S. Esboço <strong>de</strong> psicanálise. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v. XX<strong>II</strong>I.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, p. 157-221.<br />

22


MACHADO, R. O nascimento do trágico: <strong>de</strong> Schiller a Nietzsche. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar<br />

Ed., 20<strong>06</strong>.<br />

REDYSON, D. Dossiê Schopenhauer. São Paulo: Universo dos Livros, 2009.<br />

ROUDINESCO, E., PLON, M. Dicionário <strong>de</strong> psicanálise. Trad. Vera Ribeiro, Lucy Magalhães. Rio<br />

<strong>de</strong> janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.<br />

SAFRANSKI, R. Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia. Trad. William Lagos. São<br />

Paulo: Geração Editorial, 2011.<br />

SCHOPENHAUER, A. O mundo como vonta<strong>de</strong> e como representação. São Paulo: UNESP, 2005.<br />

SCHOPENHAUER, A. Fragmentos sobre a história da filosofia. São Paulo: WMF Martins Fontes,<br />

2007.<br />

STRACHEY, J. Nota do editor inglês. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v.<br />

XIV. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imago, 1996, p. 165-169.<br />

STRACHEY, J. Apêndice: extrato <strong>de</strong> O mundo como vonta<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong> Schopenhauer. In:<br />

Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v. XIX. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, p. 249-<br />

250.<br />

STRACHEY, J. Nota do editor inglês. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v.<br />

XX<strong>II</strong>I. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, p. 153-155.<br />

Edson Manzan Corsi (Brasil, 1982). Psicanalista, mestre em Estudos Literários pela UFG,<br />

especialista em Filosofia Política e graduado em Psicologia pela PUC-GO. Professor pelo<br />

<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> extensão da PUC-GO, com o curso Psicanálise e Literatura e exerce a clínica<br />

psicanalítica. Contato: E-mail: edsonmanzan@gmail.com. Página ilustrada com obras <strong>de</strong><br />

Lucebert (Holanda), artista convidado <strong>de</strong>sta edição <strong>de</strong> ARC.<br />

23


FLORIANO MARTINS | Figuras no tinteiro<br />

1. CRÔNICA <strong>DE</strong> CONSUMO: A LÂMPADA QUEIMADA DA POESIA | Um<br />

dia <strong>de</strong> crônica não faz mal a ninguém, caminhar pelas ruas, flanar um<br />

pouco além da pura vertigem da imaginação, arriscando-se a viver uma<br />

outra experiência que não a sua, espécie <strong>de</strong> estadia não estando,<br />

sentindo com todo o espírito como seria o mundo se por ali e naquele<br />

momento não se estivesse nele. Claro que isto parte sempre <strong>de</strong> uma<br />

presunção, consi<strong>de</strong>rando pertinente minha estadia no mundo. Não há outra: o homem já<br />

vem <strong>de</strong> fábrica com essa débil arrogância. E o termo não é incorreto uma vez que tudo foi<br />

transformado em produto. Em um mundo habitado por consumidores, não há distinção mais<br />

entre compradores e ven<strong>de</strong>dores, porque todos atuam, ou melhor, sofrem a atuação do<br />

mercado, enfim: o que nos diferencia é um dado meramente temporal: quando somos<br />

compradores e quando somos ven<strong>de</strong>dores. De tal maneira que nossa personalida<strong>de</strong> está<br />

medida pela carga horária <strong>de</strong> atuação em uma e outra instância. Nem isso: já nos permitimos<br />

tal ambiguida<strong>de</strong>, ou seja, somos e não somos ao mesmo tempo. Isto quer dizer que abolimos<br />

este conceito primeiro da individualida<strong>de</strong> enquanto característica geradora <strong>de</strong> um ambiente<br />

múltiplo em termos <strong>de</strong> tendências, percepções, interpretações etc.<br />

Pronto. Há que ver <strong>de</strong>talhes, nada mais. Por exemplo, saber se a amiza<strong>de</strong> po<strong>de</strong> funcionar<br />

como um produto aspiracional. Viver com mais liberda<strong>de</strong> significa não crer em mais nada,<br />

não compartilhar opiniões, radicalizar o status <strong>de</strong> sua condição solitária no mundo. Apagar<br />

todos os rastros <strong>de</strong> conceitos como os <strong>de</strong> confiabilida<strong>de</strong> e discordância explícita. É isto o que<br />

está por trás da máscara <strong>de</strong> uma entrevista com David Shah, [1] o simpático inglês, consultor<br />

<strong>de</strong> tendências que, ao diagnosticar o fim da moda, nos leva a uma indagação: extinto o<br />

hábito, extingue-se a cultura em toda sua amplitu<strong>de</strong>? Como então ser teólogo do nada em<br />

uma terra <strong>de</strong> nada? Quais os hábitos <strong>de</strong> David Shah? O que veste? Com quem se encontra?<br />

Em quem confia? Nesta entrevista ele faz uma apologia da “recontextualização”, algo não tão<br />

simples como mudar os móveis <strong>de</strong> posição em uma sala, mas, ao fim, essencialmente isto.<br />

As metáforas criam suas ambiguida<strong>de</strong>s, e <strong>de</strong>sgraçadamente anseiam por ambientar-se, e é<br />

justamente quando se mostram o que são: <strong>de</strong>sambientadas.<br />

Os poetas brasileiros parecem discípulos <strong>de</strong> David Shah. Ah, sim, esta seria uma primeira<br />

reação <strong>de</strong> um poeta brasileiro, porque eu também sou poeta e brasileiro. Mas a coisa não se<br />

resolve – a favor <strong>de</strong> ninguém – assim tão facilmente. Até porque o dilema não se restringe ao<br />

comportamento do poeta brasileiro. Há uma passagem na entrevista do inglês Shah em que<br />

ele assevera: “Hoje em dia, a maioria dos produtos se parece e tem basicamente a mesma<br />

qualida<strong>de</strong>, sejam japoneses, coreanos ou britânicos. Para diferenciá-los, é preciso atribuir a<br />

eles uma personalida<strong>de</strong>.” Esta, que é a ótica do consumo, em muito se assemelha a uma ótica<br />

não <strong>de</strong>clarada do fazer poético no Brasil. Recordo afirmação que me fez A<strong>de</strong>mir Demarchi,<br />

em uma mesa no Instituto Goethe, [2] no sentido <strong>de</strong> que os poetas brasileiros haviam<br />

atingido uma técnica admirável. Sim, é verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro dos padrões atuantes, <strong>de</strong> circulação,<br />

aceitos pela crítica – hoje restrita ao âmbito da análise acadêmica –, todos escrevem certinho,<br />

com boa sintaxe, pausadamente etc. Careceria então aplicar o método Shah, ou seja, atribuirlhes<br />

uma personalida<strong>de</strong>? Não precisamente, pois do que se trata, antes <strong>de</strong> tudo, é da<br />

aceitação <strong>de</strong> que essa poesia tornou-se produto, nada mais. Que é outra sua instância <strong>de</strong><br />

atuação. A partir daí evocar as tendências do mercado livreiro etc. Não importa, aqui,<br />

também seguir a trilha da poesia brasileira em si, tanto quanto o comportamento <strong>de</strong> nossos<br />

intelectuais. Como reagimos diante <strong>de</strong> crises? Como as aceitamos? Como passamos por cima<br />

<strong>de</strong>las em um exercício <strong>de</strong> alheamento?<br />

Toda vez que o título <strong>de</strong> uma matéria na imprensa acusa “Não há mais moda” isto nos<br />

leva a pensar em correlatos do tipo “Não há mais orgasmo”, “Não há mais poesia”, quantos<br />

mais. Todo dia a imprensa tem que dizer que algo não mais existe, para assim po<strong>de</strong>r<br />

24


eanimá-lo no dia seguinte. Jornalistas não enten<strong>de</strong>m mais <strong>de</strong> ilusionismo do que poetas,<br />

apenas dispõem infinitamente mais <strong>de</strong> espaço para o exercício <strong>de</strong> sua perversão. Uma<br />

afinida<strong>de</strong> entre jornalistas e advogados é que o assunto central nunca se restringe a<br />

conceitos como verda<strong>de</strong> e justiça e sim à sua <strong>de</strong>corrência: o ganho <strong>de</strong> causa. A manchete é o<br />

ganho <strong>de</strong> causa em se tratando <strong>de</strong> imprensa. Vivemos em um mundo completamente<br />

previsível, on<strong>de</strong> o telejornal, por exemplo, confirma ácida ambiguida<strong>de</strong> entre o que relata e o<br />

ânimo que nos <strong>de</strong>sperta. Em alguns casos é quase como uma conclama: apesar do mundo<br />

que lhes apresentamos, tratem <strong>de</strong> ter esperança. Mas tudo isto porque temos que seguir<br />

ven<strong>de</strong>ndo. Eis aí on<strong>de</strong> David Shah está mais implacavelmente correto: “Você po<strong>de</strong> ter todas<br />

as i<strong>de</strong>ias que quiser – é muito fácil ser criativo. O difícil é começar a produzir o que<br />

imaginou e colocar na rua para ver se ven<strong>de</strong>.” Ou seja, tudo se resume a técnicas <strong>de</strong> venda,<br />

uma vez que presumivelmente a condicionante estética já tenha sido resolvida <strong>de</strong> forma<br />

conveniente.<br />

A pergunta mais certeira então – porque tudo é uma questão <strong>de</strong> alvo – seria: o que estão<br />

ven<strong>de</strong>ndo os poetas brasileiros? Já em 1997 suspeitava Jair Ferreira dos Santos que “híbrida<br />

e superficial na sua natureza, a poesia pós-mo<strong>de</strong>rna (ou qualquer outra) caminha, tudo<br />

indica, para o irrelevante e o espectral enquanto criação na cultura e produto no mercado”, e<br />

lhe dá até um nobre papel, ao dizer que “talvez esteja reservado a ela cumprir o trânsito do<br />

cadáver da poesia como instituição para sua ressurreição como hobby, jogo tribal, a<strong>de</strong>reço<br />

nas subculturas <strong>de</strong> gosto”, logo lembrando que “nesse novo status, vai assemelhar-se à<br />

filatelia, à numismática”. [3] Nesta mesma ocasião, um outro observador, Dante Lucchesi,<br />

comenta que “a socieda<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna, ao se tornar uma nebulosa <strong>de</strong> todas as linguagens<br />

possíveis, esvazia o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> significação da linguagem na medida em que a reifica,<br />

instrumentalizando-a, tornando-a um mero acessório, do qual um artista, um estilista <strong>de</strong><br />

moda ou um publicitário po<strong>de</strong> lançar mão sem qualquer comprometimento, e com fins<br />

absolutamente pragmáticos”. [4] Ora, mas com que enorme facilida<strong>de</strong> nos tornamos todos<br />

vítimas <strong>de</strong> um sistema qualquer! Acrescentemos, portanto, à nossa lista <strong>de</strong> afirmações<br />

caóticas o cataclísmico “Não há mais história”. E sempre me pareceu tão fascinante a<br />

sugestão <strong>de</strong> Barthes <strong>de</strong> ir <strong>de</strong> encontro a todas as i<strong>de</strong>ias recebidas… Acaso não <strong>de</strong>veria o<br />

poeta estar no mundo justamente para tanto? Duas décadas antes dos brasileiros referidos,<br />

já alertava Elias Canetti que “ninguém será hoje um poeta se não duvidar seriamente <strong>de</strong> seu<br />

direito <strong>de</strong> sê-lo”, atento que se mostrava à “perversa banalida<strong>de</strong>” que tomaria posse <strong>de</strong><br />

nosso estar no mundo. [5]<br />

O dilema maior ainda estava por vir, consi<strong>de</strong>rando hoje que a reificação evocada por<br />

Lucchesi não mais inci<strong>de</strong> apenas sobre a linguagem e sim sobre o poeta, que não soube a<br />

tempo negar a si mesmo, transgredir-se, <strong>de</strong>sfazer-se do culto do eu com que acabou<br />

imaginando o único sentido <strong>de</strong> sua existência. Tornou-se ele a coisa em si, o “a<strong>de</strong>reço nas<br />

subculturas <strong>de</strong> gosto”, o frequentador <strong>de</strong> festas, eventos etc., on<strong>de</strong> a poesia nada mais diz.<br />

Se acaso se assemelha tal empresa com o que move a filatelia ou a numismática, talvez seja<br />

apenas pelo aspecto <strong>de</strong> colecionista, no caso um colecionador <strong>de</strong> facetas, <strong>de</strong> gestos<br />

eloquentes a compensar a leitura <strong>de</strong> versos inócuos, por exemplo. Ou compilador <strong>de</strong><br />

exercícios <strong>de</strong> simpatia na articulação estratégica da nova marca com a qual se ocupa: ele<br />

mesmo. Daí vale retornar ao Mr. Shah quando dispara que “marcas passam a ser como<br />

famílias, dão ao consumidor estabilida<strong>de</strong>, uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>”, enfim, “substituem a Igreja e a<br />

família real”. Portanto, a coleção do poeta reporta-se à qualida<strong>de</strong> acessória <strong>de</strong> sua mais-valia.<br />

Evi<strong>de</strong>nte que já não cabe falar em pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, exceto como “recontextualização”, e<br />

então temos que observar uma vez mais a ótica do Shah, quando atenta para a importância<br />

<strong>de</strong> “<strong>de</strong>sfazer as barreiras entre as disciplinas como moda, iluminação, roupas esportivas,<br />

carros e começar a pensar tudo isso como uma coisa só”. Ora, mas foi exatamente contrária<br />

a opção tomada pelo poeta, que se isolou em um acortinado qualquer da linguagem sem<br />

ocupar-se <strong>de</strong> outras estruturas ou disciplinas. Não sei se aqui cabe a distinção que Roland<br />

Barthes compreendia entre contrário e inverso – “o contrário <strong>de</strong>strói, o inverso dialoga e<br />

25


nega” –, mas é interessante acompanhar seu raciocínio: “parece-me que só uma escrita<br />

invertida, apresentando ao mesmo tempo a linguagem reta e a sua contestação (digamos,<br />

para abreviar: a sua paródia), po<strong>de</strong> ser revolucionária”. [6] O fato é que o poeta con<strong>de</strong>nou a<br />

lógica <strong>de</strong> mercado, por exemplo, mas não a inverteu. Apenas a repeliu, sem transgredi-la. O<br />

que fez com que retornasse veementemente sacramentada pela <strong>de</strong>sarticulação<br />

argumentativa <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>al contestatário. Nem isto, pois não houve retorno. Deu passo<br />

tranquilo a seu curso irrefreável <strong>de</strong> consumismo, com o qual o poeta passou a se i<strong>de</strong>ntificar.<br />

Mas, on<strong>de</strong> o poeta apren<strong>de</strong> a ser gente? Na transmissão <strong>de</strong> conhecimentos, técnicas,<br />

fascinações, sonhos. Antepor-se ao pragmatismo tem sua dose <strong>de</strong> valor, consi<strong>de</strong>rando que<br />

nele a satisfação esgota-se em si mesma. Contudo, há algo no poeta e na linguagem que<br />

encarna, que é suscetível <strong>de</strong> aplicações práticas. O poeta tem que se dispor a trocar a<br />

lâmpada queimada da linguagem, por exemplo. E para tanto necessita compreen<strong>de</strong>r que ele<br />

não é nada se não compartilha mundos, e se não aplica seus conhecimentos no mundo que<br />

habita. Ainda po<strong>de</strong>mos falar no termo revolucionário? Depen<strong>de</strong>rá sempre do poeta. Antes <strong>de</strong><br />

tudo, ele terá que apren<strong>de</strong>r a contestar a si mesmo. Se a partir daí conseguirá renovar<br />

processos, enigmas, <strong>de</strong>sejos, bom, já ninguém se arrisca a apregoar nada em tal território<br />

queimado por <strong>de</strong>scaso <strong>de</strong> seus granjeiros.<br />

Embora o poeta tenha se convertido em peça <strong>de</strong> consumo, a ele não se aplica a mesma<br />

avaliação geral <strong>de</strong> Shah, <strong>de</strong> que “o gosto pela ostentação está em baixa” e que “estamos<br />

voltando à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> inteligência como um luxo”. Por vezes o fulgor <strong>de</strong> espírito é apenas um<br />

efeito. A ostentação foi <strong>de</strong>slocada da linguagem para a figura do poeta, a ponto dos versos<br />

terem se resumido a mera lapidação formal, não cabendo aplicar-lhe sentido algum. O poeta<br />

sim, este faz sentido, brilha pelo luxo <strong>de</strong> sua sagacida<strong>de</strong>, e não propriamente por sua<br />

inteligência. Não está em harmonia com o mundo que o cerca, mas, antes se exibe como<br />

alguém acima <strong>de</strong> todos os olhares. É professoral, distante, ao mesmo tempo simpático, com<br />

aquele ar patético <strong>de</strong> grife estabelecida. O poeta é a glória em si, ainda que a glória não o<br />

reconheça. Alguém por <strong>de</strong>ntro do nada e por fora <strong>de</strong> si mesmo. Ah se ao menos fosse<br />

alguém por <strong>de</strong>ntro da dúvida! A poesia per<strong>de</strong>u a conta do mito, pura e simplesmente porque<br />

o poeta uma bela manhã <strong>de</strong>spertou preocupado apenas com o que vestir ou não vestir.<br />

Daí que o negócio das tendências tenha encontrado tanto terreno para evoluir. Não que<br />

não existisse. O próprio negócio da criação sempre existiu. De alguma maneira um se<br />

contrapunha ao outro. A presença contestatória do artista dava segmento a essa trilha <strong>de</strong><br />

tensão. Mas quando o “fator celebrida<strong>de</strong>” entra em curso, não há dúvida que o negócio <strong>de</strong><br />

apólices <strong>de</strong> seguro se sente reconfortado. O seio <strong>de</strong> uma atriz, o pé <strong>de</strong> um atleta, e… o poeta<br />

faria seguro <strong>de</strong> quê? Por vezes, é tão simples um cheque-mate. Já não dispunha do mito, do<br />

conhecimento mágico, da integrida<strong>de</strong>, da mínima noção <strong>de</strong> humanismo, sua linguagem havia<br />

sido <strong>de</strong> todo incorporada por um fantasma, <strong>de</strong> maneira que a moça, sempre tão simpática,<br />

na recepção <strong>de</strong> propostas <strong>de</strong> apólices, lhe disse: o senhor não vale nada. O poeta sequer<br />

tinha a lembrança do último verso cometido. Como recurso ante a graciosida<strong>de</strong> da mocinha,<br />

ainda tentou: não posso segurar o produto aspiracional que eu sou?<br />

Rimos <strong>de</strong> tudo isto, porém faltou a paródia. O mito consi<strong>de</strong>rado e incorporado, a<br />

discussão, o diálogo. Em circunstância alguma temer o ridículo em que se incorreu. A i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> surpresa e excitação <strong>de</strong>fendida por Shah tem aplicação apenas mercadológica. Ele avança<br />

em uma área <strong>de</strong>sguarnecida pelo poeta. É um homem astuto, sagaz, que enten<strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

poeta – não <strong>de</strong> poesia – do que qualquer um <strong>de</strong> nós. Aposta em nossa constante egoísta, um<br />

comodismo tanto <strong>de</strong> linguagem quanto existencial, e sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “recontextualização” não<br />

vai além <strong>de</strong> um projeto ambientado na manutenção <strong>de</strong> seu afazer: “colocar objetos e i<strong>de</strong>ias<br />

que você conhece num outro ambiente, para criar surpresa e excitação”. Talvez o princípio<br />

da criação poética perambule por aí. Mas ainda estamos tratando <strong>de</strong> consumo. O que o poeta<br />

teria a dizer a este respeito?<br />

No princípio da conversa eu andava por uma rua qualquer, lá no primeiro parágrafo, e foi<br />

interessante pensar que a concepção <strong>de</strong>ste artigo nada teve a ver com um filme que vi há<br />

26


poucos dias, The Forgotten (2004), <strong>de</strong> Joseph Ruben, on<strong>de</strong> havia uma reflexão aparente,<br />

sobre a conexão emocional entre pais e filhos, mas que por trás da trama algo que me<br />

pareceu mais substancioso se erigia: todo conhecimento se anula em si se não po<strong>de</strong> ser<br />

compartilhado. An<strong>de</strong>i caminhando por aquela mesma rua, imaginando mil formas <strong>de</strong> estar<br />

nela. É o que tenho feito a cada verso, a cada passo <strong>de</strong> meu viver. On<strong>de</strong> estão a “Igreja e a<br />

família real” que per<strong>de</strong>mos, no dizer <strong>de</strong> Shah? Nem disto sabemos dar conta. Para que<br />

diabos estão no mundo os poetas? Para escrever os versos mais belos esta noite? Ora, mas já<br />

não foram escritos? O poeta quer ainda mais beleza? Pois que trate <strong>de</strong> viver. Que trate <strong>de</strong><br />

arrancar <strong>de</strong> si a beleza suprema <strong>de</strong> existir, contra todas as marcas <strong>de</strong> luxo e todo o discurso<br />

pueril dos consultores <strong>de</strong> comportamento. Tornem-se, portanto, imprevisíveis.<br />

2. O FANTASMA QUE DANÇA | Afinal, Jelly Roll Morton foi mesmo o inventor do jazz ou<br />

apenas um notável pianista <strong>de</strong> blues? Ou acaso a pergunta está mal colocada e o certo seria<br />

indagar: Jelly Roll Morton foi um notável pianista <strong>de</strong> blues ou apenas o inventor do jazz? O<br />

jazz inventado por Jelly Roll Morton em New Orleans em 1904 difundiu-se por bordéis e<br />

outras casas noturnas até 1923, quando então grava o primeiro disco.<br />

Um ano <strong>de</strong>pois e do outro lado do Atlântico surge o primeiro manifesto do Surrealismo.<br />

Duas décadas adiante André Breton referir-se-ia à colagem inventada por Max Ernst como<br />

“uma proposta <strong>de</strong> organização visual absolutamente virgem”, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dizer, ao<br />

mesmo tempo, que correspondia, em termos <strong>de</strong> poesia, ao que buscaram Lautréamont e<br />

Rimbaud. Max Ernst então seria mesmo o inventor da colagem ou apenas um notável pintor<br />

com tesouras e colas?<br />

Ele próprio dizia que um outro notório surrealista, René Magritte, era autor <strong>de</strong> inúmeras<br />

colagens pintadas à mão. Jelly Roll Morton sabia que a cultura crioula era o diferencial no<br />

jazz que inventara. Assim como Max Ernst, sabia que não é a cola que <strong>de</strong>fine a colagem. Ele,<br />

que começara pintando, sempre confessara seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ir além da pintura.<br />

A varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> técnicas assimiladas ou <strong>de</strong>scobertas por Max Ernst encontra alguma<br />

relação com a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estilos musicais que Jelly Roll Morton evocava ou encarnava em<br />

seu piano. Ambos sabiam que o instrumento não era propriamente o piano ou a cola. Como<br />

separar em Max Ernst ou Jelly Roll Morton o que é esfregação, gospel, ponta seca, ragtime,<br />

água-forte, blues, África, Caribe, visão, obsessão? Seria correto resumir tudo à colagem total<br />

ou escritura automática? Não há justiça ou correção no território da recepção artística. Uma<br />

intencional frase <strong>de</strong> efeito po<strong>de</strong> instaurar-se suprema e inquestionável e atravessar séculos.<br />

Os livros <strong>de</strong> história que alimentam as últimas quatro ou cinco gerações estão repletos <strong>de</strong><br />

fatos que já não correspon<strong>de</strong>m à realida<strong>de</strong>.<br />

Ao introduzir esta palavra (realida<strong>de</strong>) o faço como quem sugere o en<strong>de</strong>reço visceral do<br />

problema: jamais se tratou <strong>de</strong> uma condição singular: não há nada mais múltiplo e diverso e<br />

circunstancial do que a realida<strong>de</strong>. Jelly Roll Morton não inventou o jazz. Max Ernst não<br />

inventou a colagem. Talvez não tenham ido além <strong>de</strong> tentar equilibrar a relação entre<br />

composição e improvisação. Não queriam ser cúmplices <strong>de</strong> Deus nem do Diabo. A batida<br />

habanera <strong>de</strong> Jelly Roll Morton ao piano na primeira década do século XX era uma antevisão<br />

da mesma or<strong>de</strong>m do romance-colagem <strong>de</strong> Max Ernst. Nos dois casos não havia ruptura no<br />

que diz respeito a uma coerência narrativa, mas antes uma outra maneira <strong>de</strong> perceber as<br />

conexões (vamos lá) entre ser e tempo.<br />

O fato <strong>de</strong> haver um recorte “parcialmente lógico” na colagem <strong>de</strong> Max Ernst talvez estimule<br />

uma contradição no que diz respeito à escritura automática. Até hoje o surrealismo pa<strong>de</strong>ce<br />

os efeitos <strong>de</strong>sse erro <strong>de</strong> leitura. A colagem <strong>de</strong> estilos em Jelly Roll Morton é suficiente para<br />

inventar o jazz? Até on<strong>de</strong> o jazz se <strong>de</strong>finia unicamente como uma torrente incontrolável <strong>de</strong><br />

improvisação?<br />

As realida<strong>de</strong>s que se amontoaram ao redor do jazz e da colagem, ao longo da primeira<br />

meta<strong>de</strong> do século XX, conduziram a uma curiosa circunstância que, já nos anos 60, se<br />

apresenta como uma segunda vanguarda. Uma década intrigante e repleta <strong>de</strong> inventores. A<br />

27


música politonal <strong>de</strong> John Coltrane, os efeitos cenográficos evocados por Joseph Beuys, a<br />

erradicação da malha harmônica no free jazz <strong>de</strong> Ornette Coleman, somando-se aí a frustrada<br />

prefiguração <strong>de</strong> um anarquismo que per<strong>de</strong>ria componentes no cal<strong>de</strong>irão alquímico on<strong>de</strong> se<br />

digladiavam a socieda<strong>de</strong> do espetáculo e o maio <strong>de</strong> 68, até então sem perceberem o quanto<br />

eram siameses.<br />

Pobre Max Ernst. Pobre Jell Roll Morton. Seu notável apelo à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fusão<br />

permanente entre composição e improvisação foi uma vez mais esquecido em nome <strong>de</strong> uma<br />

obsessão ou outra: ora a composição, ora a improvisação. Então já não havia mais<br />

surrealismo. O surrealismo sempre foi surdo, e per<strong>de</strong>u muito com isto. Mesmo que Joyce<br />

Mansour tenha dito que não é uma <strong>de</strong>terminada técnica pictórica que po<strong>de</strong> ser entendida<br />

como surrealista e sim o pintor, ou seja, sua visão <strong>de</strong> vida, o surrealismo já então havia<br />

<strong>de</strong>scartado alguns <strong>de</strong> seus mais importantes nomes ligados à pintura por relutância em<br />

aceitar que por trás <strong>de</strong> toda visão <strong>de</strong> vida há uma técnica em que ela se manifesta.<br />

A subversão também é uma técnica. Assim como a dialética, a vertigem e a<br />

inconsequência. A realida<strong>de</strong> exige talento. Descarta o inventor <strong>de</strong> jazz e preserva o notável<br />

pianista <strong>de</strong> blues. Somos todos invenção da realida<strong>de</strong> ou apenas seus notáveis executores?<br />

Assim é que nos anos 60 as técnicas se multiplicaram <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente e não cabia<br />

mais falar em tensão narrativa. Convulsão política, conflitos raciais, anarquismo, rebeliões<br />

sindicais, encontravam-se no mesmo gramado que <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> harmônica, exotismos<br />

melódicos, instalações, body art, prenúncios da multimídia, minimalismo etc. Atirava-se para<br />

todos os lados. E talvez o único alvo fosse o da regência do espetáculo. O estilo Broadway <strong>de</strong><br />

selecionar dançarinos para suas temporadas. Seria tão simples assim?<br />

René Magritte então lembrava que a técnica é indispensável para tornar a obra visível,<br />

mas que não alcança importância além do meio. Destacava ainda que é estúpido (assim se<br />

referia ao tema) o interesse <strong>de</strong>masiado pela técnica. René Magritte referia-se à pintura como<br />

o pensamento que vê. De alguma maneira sobrevivemos ao século XX e a subversão<br />

converteu-se em muitos casos em subserviência. Já não temos mais inventores <strong>de</strong> jazz ou<br />

mesmo notáveis pianistas <strong>de</strong> blues. A socieda<strong>de</strong> do espetáculo prenunciada nos anos 60<br />

instaurou-se <strong>de</strong> tal maneira que abolimos a dualida<strong>de</strong> composição/improvisação, substituída<br />

por uma massa informe que opera no sentido <strong>de</strong> limitar a sensibilida<strong>de</strong> e não <strong>de</strong> aguçá-la.<br />

Resta saber se ainda há uma maneira <strong>de</strong> pintar hoje em dia, ou se acaso tudo se converteu<br />

em uma visão <strong>de</strong> produtores.<br />

***<br />

Qual o verda<strong>de</strong>iro tempo que habitamos com nossas criações?<br />

Ronda-me o fantasma <strong>de</strong> Jelly Roll Morton e o faz sempre bailando com o <strong>de</strong> Max Ernst.<br />

Agenda tomada <strong>de</strong> recortes que são atalhos cuja guia ou senha é mais do que uma saída. A<br />

solução como <strong>de</strong>corrência e não como meta.<br />

Assim é que a linguagem me assalta.<br />

Sem a i<strong>de</strong>ia fixa <strong>de</strong> uma permanente atualização. Intensamente <strong>de</strong>dicada ao parto normal.<br />

Sem fórceps ou cesariana, sem este sentido comercial que confun<strong>de</strong> as tarefas da medicina,<br />

<strong>de</strong>snortear <strong>de</strong> princípios que também a arte achou por bem adotar. Não há brutalida<strong>de</strong><br />

maior que o alheamento. Atenção ao mundo, a si mesmo, a todas as coisas à nossa volta.<br />

Todos os sonhos são reais, como <strong>de</strong>fendia Artaud.<br />

Por on<strong>de</strong> caminha meu pensamento? Por mares <strong>de</strong> espíritos diferentes, por rios <strong>de</strong><br />

sombras encantadas e também pelas poças <strong>de</strong> sangue que i<strong>de</strong>ntificam certas opções que não<br />

aceitamos como tais. Metáforas <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m que muitas vezes funcionam como estímulos<br />

intelectuais, mas que se tornam enfadonhas, mecanismos gastos, se não as insultamos para<br />

que abandonem essa condição teimosamente única, e se lancem além <strong>de</strong> si… além <strong>de</strong> toda<br />

metáfora.<br />

28


Dizer ao corpo nu da mulher <strong>de</strong>sejada estendido sobre a grama que seja mais do que<br />

simplesmente o corpo do <strong>de</strong>sejo. Ou ao mobiliário traçado pelo olhar, por mais que se<br />

configure a realida<strong>de</strong> tangível, que vá além, e <strong>de</strong>scubra uma maneira <strong>de</strong> tornar-se ao mesmo<br />

tempo palpável e imprevisível.<br />

Claro que há um momento em que o autêntico e o falso divi<strong>de</strong>m a mesma cama. Resta<br />

saber se então caberá ainda distingui-los? Não somos propriamente o Bem ou o Mal, mas<br />

antes <strong>de</strong> tudo a maneira como nos <strong>de</strong>ixamos reger por ambos, como nos revelamos na<br />

irritante precisão com que tais forças se entrelaçam.<br />

Não é a semelhança do homem com Deus que <strong>de</strong>ve nos preocupar, mas sim consigo<br />

mesmo. De qual maneira conjugamos <strong>de</strong>sejo e hipocrisia, por exemplo. A palavra pudor é<br />

um <strong>de</strong>sacato, a gran<strong>de</strong> aberração que acoberta nossa <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong>. Consequentemente não<br />

há frau<strong>de</strong> maior do que a beleza. Se eu me referir à ilusão magnífica da liberda<strong>de</strong> talvez se<br />

aceite melhor o que digo. Mas não há diferença entre tais parâmetros.<br />

O caso <strong>de</strong> Robert Mapplethorpe permanece paradigmático em nosso tempo. Seus nus<br />

oscilavam do sublime ao pornográfico, melhor dizendo, do feminino ao masculino. Toda a<br />

intensa relação entre volume, sombra, movimento sugerido, angulação etc., em nada foram<br />

observados quando diante do olhar o que se tinha era o sexo masculino, ereto ou pen<strong>de</strong>nte,<br />

<strong>de</strong>sperto ou disperso. Nem mesmo as mulheres saíram em sua <strong>de</strong>fesa.<br />

Assim é que a beleza é um atributo da mulher e não do feminino. Um fetiche com área <strong>de</strong><br />

atuação prevista em lei. Lei moral. Esta que torna secundária toda e qualquer outra<br />

modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgamento do outro. Não adianta inverter os valores e <strong>de</strong>clarar algo “belo<br />

como um exército <strong>de</strong>rrotado”, como o fez Joyce Mansour.<br />

A rigor, sempre que procuramos tocar a beleza recebemos um choque <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> que<br />

nos esclarece acerca <strong>de</strong> seus limites morais. Estava certo Breton ao dizer que a beleza não se<br />

encontra em um ponto morto e sim na própria vida. Claro. É o que há <strong>de</strong> mais intenso em<br />

nós. É a nossa gran<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. O atributo mais precioso da perfeição. A perfeição do amor, a<br />

perfeição do crime, a perfeição da ilusão. Tudo o que fazemos <strong>de</strong> melhor na vida o fazemos<br />

em nome da beleza.<br />

Então po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r agora o que disse Joyce Mansour e fazer-lhe coro dizendo: belo<br />

como o choque <strong>de</strong> aviões contra as torres gêmeas. Não posso? Também ali um exército foi<br />

<strong>de</strong>rrotado.<br />

Max Svanberg disse certa vez que “para conseguir a beleza nítida é preciso, creio, ser<br />

consciente, até o sofrimento, da presença terrível da morte”. Que beleza então almejamos:<br />

uma beleza <strong>de</strong> meias circunstâncias? Há um claro refinamento livresco na perfeição. Já não<br />

se trata da banalida<strong>de</strong> do mal e sim da ambiguida<strong>de</strong> do bem. Talvez a única beleza possível<br />

seja <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m cosmética, e sua glória cínica: o culto à <strong>de</strong>formida<strong>de</strong> do ser para aten<strong>de</strong>r<br />

àquela que é a mais convulsiva <strong>de</strong> todas as máscaras da beleza: o mercado das emoções.<br />

Não há relação mais intensa entre arte e beleza em nosso tempo. Tudo isto soa<br />

anacrônico porque a religião e a ciência, bem antes da arte, recorreram aos mesmos<br />

métodos. Mas como ainda teimamos em dar algum <strong>de</strong>staque à criação da beleza, como ainda<br />

insistimos na dimensão sublime do belo, cabe então recordar que nada sobrevive longe da<br />

presença terrível <strong>de</strong> seu revés. Negar ou ofuscar a expressão <strong>de</strong>ssa relação íntima dos<br />

contrários é substabelecer representações da hipocrisia por toda a eternida<strong>de</strong>. É o que temos<br />

feito. E o temos feito à perfeição, <strong>de</strong> maneira que esta é nossa beleza.<br />

O chileno Braulio Arenas, como praticamente todo e qualquer surrealista, <strong>de</strong> carteirinha<br />

ou não, a<strong>de</strong>riu aos efeitos pirotécnicos da analogia, e nele encontramos esta preciosida<strong>de</strong>:<br />

“Bela como uma rosa que resolve <strong>de</strong> uma vez por todas o labirinto”. Imagem que po<strong>de</strong> ser<br />

atualizada da seguinte maneira: bela como uma rosa <strong>de</strong> plástico que ilu<strong>de</strong> labirintos. Seria<br />

como trocar um artifício por outro. Um esplendor da retórica. No fundo, a beleza que tanto<br />

ostentamos nos imagina como pudicos conformistas. A arte não faz a menor i<strong>de</strong>ia da guerra<br />

santa que o horror empreen<strong>de</strong> para livrar-se do cinema da beleza.<br />

29


Eis a primeira revolução que se exige <strong>de</strong> um criador: i<strong>de</strong>ntificar a mesa <strong>de</strong> edição dos<br />

efeitos especiais que o fazem sentir-se circunstancialmente belo. E <strong>de</strong>toná-la sem pudor.<br />

A beleza será <strong>de</strong>spudorada ou não será.<br />

3. A TIGELA DOS PROVÉRBIOS | Em um filme do Wim Wen<strong>de</strong>rs, o personagem vivido pelo<br />

ator Sam Neill, solta um lampejo revelador em meio a uma conversa: “Só os milagres têm<br />

sentido”. Não à toa, o personagem é um escritor. Reluto em usar o termo, por <strong>de</strong>sgastada<br />

conotação, venha da parte dos excessos <strong>de</strong> realismo ou das suspeitas <strong>de</strong> alienação. Tema<br />

atualmente piorado pelo antepasto da conveniência, dieta preferida <strong>de</strong> muitos. De qualquer<br />

forma é um termo como outro qualquer. Não limita à vítima ou à divinda<strong>de</strong>. Tampouco lhe<br />

salva <strong>de</strong> qualquer escorrego ou pecado mais grave. E, para muitos, em socieda<strong>de</strong>s que ainda<br />

hoje se dilaceram entre um romantismo piegas e a versão brega do utilitarismo, a indagação<br />

reinci<strong>de</strong>nte ostenta um inconfundível cheiro <strong>de</strong> naftalina: para que serve um escritor? Como<br />

se fizesse parte do script logo em seguida indagar pela serventia do político e do lí<strong>de</strong>r<br />

religioso. No fundo, a pergunta tem a sua graça, a <strong>de</strong> <strong>de</strong>smantelar um mecanismo <strong>de</strong> crença<br />

não na utilida<strong>de</strong> do escritor, mas sim em sua essencialida<strong>de</strong>, no que ele realmente pensa<br />

acerca do que é e do que faz. Descobrimos um santo para cobrir outro. Embora em nenhum<br />

dos casos haja santo algum. Fiquemos com os milagres, portanto, esqueçamos os santos.<br />

O primeiro milagre é o da travessia. Há um provérbio iugoslavo que aconselha: Diga a<br />

verda<strong>de</strong> e saia correndo. Para aqueles que não gostam <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a piada, até hoje não se<br />

sabe se este provérbio foi a causa real do <strong>de</strong>saparecimento da Iugoslávia. A travessia é mais<br />

do que a celebração dos <strong>de</strong>slocamentos. Graças a ela embaralhamos as formas, <strong>de</strong>scobrimos<br />

outros <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós, nascemos infinitas vezes. E criamos coragem para dizer longe <strong>de</strong> casa<br />

o que sob o teto doméstico nem pensar. Na Europa Murilo Men<strong>de</strong>s chegou a <strong>de</strong>clarar-se<br />

surrealista, por exemplo. No Brasil sabia o risco mortal que isto significava. O chileno<br />

Vicente Huidobro encontrou na língua francesa uma forma <strong>de</strong> livrar-se da influência<br />

<strong>de</strong>masiada da cultura europeia em sua poesia. Ao escrever em francês rompeu o ovo da<br />

serpente, <strong>de</strong>scobrindo ali sua força vital. O provinciano é aquele que só diz a verda<strong>de</strong> em<br />

casa? O que não rompe a casca do ovo? O assim chamado mundo lá fora acaba por subverter<br />

a própria imagem que fazemos <strong>de</strong> nós diante do espelho. Associamos à ruptura com o pai o<br />

princípio da constituição <strong>de</strong> um novo ser, uma nova personalida<strong>de</strong>. Não importa com quem<br />

rompemos. Mas quem se põe a pensar isto quando já quase ninguém sabe frigir ovos pela<br />

manhã?<br />

O primeiro milagre persiste: o ponto <strong>de</strong> origem. Os chineses costumavam acreditar que<br />

longa viagem começa por um passo. Com isto, é possível que nem exista um segundo<br />

milagre ou que os milagres não se acumulem. Eles são como a gran<strong>de</strong> casa da singularida<strong>de</strong>,<br />

no sentido <strong>de</strong> que a cada vida correspon<strong>de</strong> um único milagre. Vasculhando a biografia dos<br />

artistas que <strong>de</strong>sempenharam papel fundamental na progressão do que po<strong>de</strong>ríamos chamar<br />

<strong>de</strong> milagre da criação, a vida <strong>de</strong>les é tudo menos invejável. Quem <strong>de</strong>sejaria estar ali, em seu<br />

lugar? Todos <strong>de</strong>sejam a fama, a glória, o prestígio, a conta bancária bem amparada. A arte<br />

nos diverte ou substitui em nós uma verda<strong>de</strong> que se dita por nós nos obrigaria a sair<br />

correndo. A arte é a melhor <strong>de</strong>sculpa que temos para que permaneçamos on<strong>de</strong> estamos.<br />

É possível que o maior <strong>de</strong> todos os milagres seja o da <strong>de</strong>scoberta do outro que temos<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós. Aquele que é revelação e confirmação <strong>de</strong> nossa natureza. Não há significado<br />

secundário para ele. Po<strong>de</strong> ser o amor, a poesia ou a liberda<strong>de</strong>. Para uns é o amor com que<br />

sempre sonhou. Para outros é uma <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> doação. Ou esses jardins que saímos<br />

visitando por toda parte como se o verda<strong>de</strong>iro símbolo da felicida<strong>de</strong> estivesse em<br />

permanente <strong>de</strong>slocamento. Os gregos costumavam dizer que um corvo não tira o olho <strong>de</strong><br />

outro corvo. Uma metáfora que não se aplica ao homem. De tal maneira que o milagre é<br />

quando recebemos um olho. Talvez por haver tido uma vida sempre repleta <strong>de</strong> música,<br />

incluindo aí a amiza<strong>de</strong> com músicos, sempre pensei nela como uma jam session. Foi o que<br />

mais me atraiu quando <strong>de</strong>scobri os jogos surrealistas. O dilema é que logo <strong>de</strong>scobri também<br />

30


que o milagre era bom, mas o santo não. Não é fácil conviver com poetas. A gran<strong>de</strong> proeza<br />

dos poetas é a elasticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu ego. Embora essa firmeza <strong>de</strong> caráter seja uma virtu<strong>de</strong><br />

humana, é curioso como ela se propaga entre poetas. Quando cruzei a soleira da primeira<br />

meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> século vivida fui visitado por dois milagres na poesia. Escrever poemas a quatro<br />

mãos sem que o poema em si seja esquartejado pela armadilha do ego. A brasileira Viviane<br />

<strong>de</strong> Santana Paulo vive em Berlim há muitos anos e não a conheço pessoalmente. O mexicano<br />

Manuel Íris eu o conheci em um pesado inverno <strong>de</strong> 15 graus negativos em Ohio. Nem o frio<br />

nem a distância <strong>de</strong>ram conta do calor <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntificação imediata. No caso <strong>de</strong> Manuel a<br />

intensida<strong>de</strong> foi tanta que na mistura <strong>de</strong> português e espanhol escrevemos um livro tomando<br />

por base o jazz e fomos pouco a pouco mesclando os dois idiomas <strong>de</strong>scobrindo palavras<br />

comuns, em intensa alquimia verbal. Já com a Viviane seguimos <strong>de</strong>gustando nossos abismos<br />

mais secretos, uma comunhão sagrada on<strong>de</strong> os ambientes individuais da escrita se fun<strong>de</strong>m e<br />

inventam um outro ser. Dizem os tibetanos que há três coisas que jamais voltam: a flecha<br />

lançada, a palavra dita e a oportunida<strong>de</strong> perdida. Porém a memória sempre volta, e traz<br />

consigo o martírio do alvo não atingido, da sur<strong>de</strong>z diante do compromisso da palavra dita e<br />

dos ardis que tornaram perdidas as oportunida<strong>de</strong>s. Contudo, sempre sobra um pouco <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>stino no traje da existência.<br />

Há um provérbio brasileiro que diz: A viagem é mais rápida quando se tem boa<br />

companhia. Como a viagem entre músicos. A viagem mítica, <strong>de</strong>masiado romântica, como<br />

muitos po<strong>de</strong>m pensar, em uma carroça <strong>de</strong> atores. Quando <strong>de</strong>ixamos o verbo escorrer pela<br />

espinha com essa mescla <strong>de</strong> vertigem e encantamento, o mistério da <strong>de</strong>scoberta, é que<br />

preenchemos a vida com toda a força <strong>de</strong> nosso espírito. Mas quem po<strong>de</strong>ria imaginar uma<br />

carroça <strong>de</strong> poetas? Po<strong>de</strong>mos pensar em um encontro <strong>de</strong> mágicos, se acaso eles se divertiriam<br />

entre si um fazendo o outro <strong>de</strong>saparecer no fundo falso <strong>de</strong> seu truque. Mágicos divi<strong>de</strong>m<br />

cabine nos acampamentos <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> circo? O poeta <strong>de</strong>ve preferir a viagem mais longa,<br />

sem boa companhia. Cada vez que penso nisto me sinto menos poeta. Ou talvez eu não<br />

esteja sabendo escolher bem os meus provérbios.<br />

Eu vi um verbo correndo como se tentasse escapar <strong>de</strong> uma fábula. Daqui <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eu o via<br />

sabia que não ia a parte alguma. Um tolo enche a própria vida <strong>de</strong> máximas. Já vi tolos que<br />

não sobreviviam sem reproduzir frases <strong>de</strong> Schopenhauer. Eu sou o tolo que me ponho aqui a<br />

cotejar provérbios. É um balaio sem fundo. Tem um que garante que a prática leva à<br />

perfeição, exceto na roleta russa. Ora, em circunstância alguma o golpe do acaso se <strong>de</strong>ixa<br />

dominar. Joguemos dados com Deus a vida inteira e nunca blefaremos o suficiente para<br />

adiar o jogo. Porque a vida será sempre a mesa <strong>de</strong> apostas e não o guichê <strong>de</strong> pagamento das<br />

fichas. Já estamos nos distanciando da poesia? Viemos aqui para falar <strong>de</strong> poesia? Eu não sei.<br />

Eu sempre penso que quando falamos <strong>de</strong> qualquer coisa que seja indispensável em nossa<br />

vida nós estamos falando <strong>de</strong> poesia. O que é distinto <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> um poema. A poesia é o que<br />

temos <strong>de</strong>ntro e diante <strong>de</strong> nós. A travessia, a longa viagem, o milagre. Os poemas nascem <strong>de</strong><br />

viagens, como qualquer instância da criação. O prumo precário que inventamos na linha do<br />

horizonte. O verbo dilatado. A sensação <strong>de</strong> estrangeiro em qualquer parte. O poeta é aquele<br />

que não <strong>de</strong>siste um só instante <strong>de</strong> adaptar-se à vida ou o outro que viu no artifício da<br />

estranheza um bom negócio? A verda<strong>de</strong> se queima nas mãos da existência. É uma fadiga da<br />

história quando ela aponta o poema como sendo mais importante que o homem. O poema é<br />

um valioso reflexo <strong>de</strong> seu estar no mundo. E quando calha <strong>de</strong> ser tolo ou indisfarçavelmente<br />

pragmático, impossível seguir acreditando que um dado tenha apenas seis faces.<br />

Os provérbios são como pedras <strong>de</strong> sal postas na língua da história. Até hoje não entendo<br />

a razão que levou o espanhol Juan-Eduardo Cirlot a não incluir “provérbio” entre os verbetes<br />

<strong>de</strong> seu dicionário dos símbolos. A arte, a política, a religião, não <strong>de</strong>ram um passo adiante<br />

sem o jogo astuto das máximas. A César o que é <strong>de</strong> César; A necessida<strong>de</strong> é mestra; Cada qual<br />

tem a ida<strong>de</strong> que parece ter; Mais vale penhor que fiador; Ladrão endinheirado não morre<br />

enforcado; Quem só anda na linha o trem atropela – isto não tem fim. Em a<strong>de</strong>sivos em carros<br />

encontramos uma que reza simplesmente: Deus é fiel. Nunca saberemos que <strong>de</strong>us nem a que<br />

31


ou quem propriamente ele é fiel. Sua astúcia inquestionável está na dubieda<strong>de</strong>. Para elas,<br />

quanto mais se vive, mais se vê. Para a poesia, quem <strong>de</strong>fine a extensão do olhar é a<br />

intensida<strong>de</strong>. Em conversa com a pintora húngara Susana Wald, ela me diz que lamenta que<br />

estejamos sempre a justificar o que fazemos, como se a vida nos impusesse outra coisa. A<br />

vida somos nós e não nos impomos algo distante <strong>de</strong> nós. Por que criar uma i<strong>de</strong>ia tão<br />

negativa do que somos na vida? Quase sempre estamos curando alguma ferida. A arte, em<br />

seu melhor sentido, é um posto <strong>de</strong> emergência para as almas feridas. Não era para ser<br />

engraçadinha como quem vem aqui rir um pouco <strong>de</strong> tudo. Até seria, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cada um<br />

levasse a sério essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rir um pouco <strong>de</strong> tudo. Mais um provérbio? Um plano <strong>de</strong><br />

fuga, que tal? Um sonho. A vida está gravada em nós muito mais a partir do sinal <strong>de</strong> dor do<br />

que propriamente <strong>de</strong> alegria. O que não me agrada na condição tripartida <strong>de</strong> um velho<br />

amuleto é que à ciência corresponda a dúvida, à religião a crença e à arte o maravilhar-se.<br />

Este trevo <strong>de</strong> três folhas jamais me convenceu. Quando ponho a minha vida em uma tigela,<br />

eu o faço no sentido <strong>de</strong> que tanto ela seja provada por todos como que também eu me<br />

renove ao toque <strong>de</strong> cada lábio.<br />

Aqui <strong>de</strong>veria haver um silêncio inquietante na forma <strong>de</strong> uma pergunta irrevelável: essa<br />

coisa não tem fim? É verda<strong>de</strong>. Em qualquer cultura os provérbios ensinam a não <strong>de</strong>morar<br />

muito em voo. É curioso porque aponta na direção <strong>de</strong> uma presunção <strong>de</strong> que estamos<br />

sempre muito próximos das gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobertas, ao mesmo tempo em que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar<br />

um cuidado para que o santo <strong>de</strong> casa não <strong>de</strong>sista nunca do martírio ao qual <strong>de</strong>vota sua vida.<br />

NOTAS<br />

1. “Não há mais moda”, entrevista conduzida por Luciana Stein. Época # 336, São Paulo, 25/10/2004.<br />

2. Ciclo <strong>de</strong> palestras e <strong>de</strong>bates: “Além do mercado: Literatura/As revistas literárias”. Instituto Goethe.<br />

São Paulo, SP. Outubro <strong>de</strong> 2001.<br />

3. “O corpo <strong>de</strong>spedaçado <strong>de</strong> Orfeu”. <strong>Revista</strong> Poesia Sempre # 8. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Junho <strong>de</strong> 1997.<br />

4. “Poéticas do pós-mo<strong>de</strong>rno”. <strong>Revista</strong> Poesia Sempre # 8. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Junho <strong>de</strong> 1997.<br />

5. “O ofício do poeta” (discurso proferido em Munique, em 1976).<br />

6. “Sobre O sistema da moda e a análise estrutural das narrativas”. Entrevista a Raymond Bellour. Les<br />

Lettres Françaises. Paris. Março <strong>de</strong> 1967.<br />

Floriano Martins (Brasil, 1957). Poeta, ensaísta, tradutor. Contato:<br />

arcflorianomartins@gmail.com. Página ilustrada com obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista<br />

convidado da presente edição <strong>de</strong> ARC.<br />

32


FLORIANO MARTINS | Susana Wald: la vastedad<br />

simbólica<br />

33<br />

No puedo no trabajar en lo visual porque me enfermo.<br />

Esto me suce<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> mi adolescencia.<br />

Susana Wald<br />

1 | La integridad <strong>de</strong>l vértigo | He llegado a la casa <strong>de</strong> Susana Wald en los<br />

afueras <strong>de</strong> Oaxaca, ya con el día en sus últimas tonalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> luz. Fue<br />

un fuerte abrazo, pues ya pasaron casi 7 años <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nuestro encuentro<br />

anterior en la Ciudad <strong>de</strong> México. Mientras tanto, o por todo siempre,<br />

vivimos al fondo, como un enigma, un mensaje <strong>de</strong>l misterio, una amistad<br />

entrañable hecha <strong>de</strong> su material más extraño, la invisible presencia. Por<br />

esa razón el abrazo tuvo la fuerza cifrada <strong>de</strong>l equilibrio. Y luego la adivinanza <strong>de</strong>l pasado<br />

vino en la forma irrefrenable <strong>de</strong> palabras amenas; nos pusimos a hablar <strong>de</strong> todo, como si en<br />

minutos <strong>de</strong>sgranásemos cien años. Testimonio <strong>de</strong> la afinidad, piedra <strong>de</strong> toque <strong>de</strong>l paisaje <strong>de</strong><br />

la memoria. El vino <strong>de</strong> las palabras ha sido el oro <strong>de</strong> la noche. Por la mañana, otra joya<br />

señala un vertiginoso cambio en los muebles <strong>de</strong> la existencia: el azul con que Oaxaca inva<strong>de</strong><br />

las ventanas <strong>de</strong> la casa. El cielo en esa región <strong>de</strong> México, lo mismo que en mi ciudad, la<br />

Fortaleza costera en el Nor<strong>de</strong>ste <strong>de</strong> Brasil, es un oratorio. Ha <strong>de</strong>spertado en mí la mirada<br />

como una reserva natural <strong>de</strong> abismos. Hecho el <strong>de</strong>sayuno salimos a caminar por el campo. Y<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> allí, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la esencia <strong>de</strong> aquel laberinto azul, muchos <strong>de</strong> los símbolos <strong>de</strong> la pintura <strong>de</strong><br />

Susana Wald me hacían señas, como si la raíz <strong>de</strong> todo fuera su conexión íntima con la<br />

leyenda <strong>de</strong>l cielo y sus metamorfosis. No importa que haya vivido en Budapest, Buenos<br />

Aires, Santiago <strong>de</strong> Chile, Toronto. Todo en su vida fue un ritual preparatorio para que su<br />

mirada recibiera el árbol sagrado <strong>de</strong>l azul <strong>de</strong>l cielo <strong>de</strong> Oaxaca. Las otras ciuda<strong>de</strong>s fueron su<br />

periodo <strong>de</strong> incubación, la forma como fue cocinando su mestizaje <strong>de</strong> símbolos.<br />

Hay una pintura suya (“Viaje al fondo”, <strong>de</strong> 2002) que es como un rito <strong>de</strong> pasaje. Ahora la<br />

miro <strong>de</strong> otra manera e incluso allí me reconozco. El escenario es un hombre <strong>de</strong>snudo<br />

nadando en aguas en cuyo fondo se encuentra un huevo. Pero pue<strong>de</strong> ser otro: un huevo en el<br />

fondo <strong>de</strong> aguas visitadas por un hombre <strong>de</strong>snudo. O el agua que contiene dos cuerpos en<br />

perfecto equilibrio, aunque en dos eda<strong>de</strong>s. No importa el ángulo, sino que este acercamiento<br />

–una ronda– entre los cuerpos, sería retratado por mí <strong>de</strong> forma distinta antes <strong>de</strong> reconocer la<br />

intimidad <strong>de</strong>l cielo <strong>de</strong> Oaxaca en los colores <strong>de</strong>l alma <strong>de</strong> Susana Wald. Al regresar <strong>de</strong> la<br />

caminata por el campo, en aquella mañana, he <strong>de</strong>scubierto otras profundida<strong>de</strong>s en el ser <strong>de</strong><br />

esta mujer. Su ingeniería casi mística <strong>de</strong> reaprovechamiento <strong>de</strong>l ambiente natural en el<br />

huerto <strong>de</strong> la casa. El secreto <strong>de</strong> la alquimia es la mirada <strong>de</strong> la luna llena <strong>de</strong> metamorfosis. El<br />

surrealismo en su vida está –como había imaginado el mismo Breton– poco más allá <strong>de</strong> la<br />

estética, sin negarle existencia. Es una suma perenne, inagotable. Un intercambio <strong>de</strong> tanteos.<br />

Caminábamos por el huerto y me explicaba cosas que son la más trivial resina <strong>de</strong> la<br />

supervivencia: plantío, cosecha, humos, basura, diálogo con la naturaleza. Mientras me<br />

enseñaba las vértebras <strong>de</strong> su conexión con la vida, las cuerdas, los peñascos, las serpientes,<br />

los utensilios, los cortinajes, los montes, las calaveras, se acercaban a nosotros a <strong>de</strong>cir lo que<br />

son: esencieros <strong>de</strong> revelaciones <strong>de</strong> una visión muy particular <strong>de</strong> Susana Wald acerca <strong>de</strong> la<br />

relación entre arte y vida.<br />

Fueron tres días en su casa. El cielo, la cocina –las comidas entrañables siempre con la<br />

presencia <strong>de</strong> otra amistad que igual se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir mágica: la mía con su marido, Ludwig<br />

Zeller–, el huerto, y ahora el taller, que ya no sé si es posible i<strong>de</strong>ntificar como un ambiente<br />

aislado <strong>de</strong> todo. La visita al taller fue la última. Lo que podríamos enten<strong>de</strong>r como un lugar


sagrado, un tipo <strong>de</strong> muelle <strong>de</strong> contacto con la trascen<strong>de</strong>ncia, en su caso es la morada <strong>de</strong> la<br />

revelación física <strong>de</strong> su punto <strong>de</strong> equilibrio entre el recuerdo y el sueño, el testimonio y la<br />

visión. El sudor <strong>de</strong> la construcción <strong>de</strong> una obra <strong>de</strong> arte es parte <strong>de</strong> su misterio, y como todo<br />

en ella, es esencialmente real. El taller <strong>de</strong> Susana está lleno <strong>de</strong> sus obsesiones. Allí está la<br />

oscura presencia <strong>de</strong>l símbolo. Los nudos, las piedras, las olas, el recuerdo <strong>de</strong> que todo en su<br />

paisaje es trópico, que lo <strong>de</strong>sea así, el mundo como un hogar <strong>de</strong> sombras incendiadas. Y<br />

tenerla allí, a ella, diciéndome que sí, que no, con su voz siempre empeñada en la<br />

recuperación <strong>de</strong> un mundo –el suyo, el mundo <strong>de</strong>l arte, <strong>de</strong> la creación, <strong>de</strong> la poesía, <strong>de</strong> la<br />

existencia común entre todos los hombres… Susana Wald es alguien que sigue creyendo que<br />

el mundo pue<strong>de</strong> disminuir sus tensiones gracias a la compasión. El huevo filosófico <strong>de</strong> la<br />

compasión es la comprensión mutua <strong>de</strong> la existencia <strong>de</strong> todos en un sitio cualquiera.<br />

En su taller, yo tomaba fotografías <strong>de</strong> obras y ángulos, mientras ella me contaba cosas <strong>de</strong><br />

su vida, recuerdos <strong>de</strong> puntos que han generado la imagen <strong>de</strong> cada pintura o dibujo que me<br />

enseñaba. Todo creador sabe que su ensueño <strong>de</strong> la realidad no es la realidad <strong>de</strong>l ensueño. Es<br />

un truco. La realidad conserva un plan <strong>de</strong> huida <strong>de</strong>l arte porque éste insiste en su<br />

multiplicidad, mientras a ella interesa el disfraz <strong>de</strong> la aprobación cartesiana. Sin embargo, es<br />

imposible imaginar que tantas técnicas <strong>de</strong> manejo <strong>de</strong>l tiempo y el espacio –la ciencia, la<br />

religión, el arte– atiendan a una configuración única. Todo en la vida es plural y ahí está su<br />

magia. Hay singularida<strong>de</strong>s en la caza, en los juegos <strong>de</strong> lenguaje, en la catequesis, en la<br />

argumentación <strong>de</strong> las guerras; a cada conflicto inventamos su razón <strong>de</strong> ser. Mientras yo<br />

tomaba fotos y Susana me mostraba imágenes raras <strong>de</strong> exposiciones y encuentros, otros<br />

lenguajes, la piedra cocida <strong>de</strong> la memoria, la cerámica, el grabado, su pasión por la música,<br />

fue como una lagrimita posada en la mano <strong>de</strong>l tiempo. Y fue con esa misma mano que nos<br />

dijimos adiós al día siguiente, abriendo las puertas <strong>de</strong> otro viaje. Mientras regresaba a mi<br />

casa, una pintura <strong>de</strong> Susana Wald iba tomando forma en mis ojos: “Noche <strong>de</strong> Huayapam”, <strong>de</strong><br />

1997, con una mujer que está entre acostada y suspendida, casi fluctuante, en una vastedad<br />

simbólica que mezcla la sábana, los montes, el laberinto <strong>de</strong> la excavación <strong>de</strong> una antigua<br />

civilización, un casi secreto ciclo mágico <strong>de</strong> ampollas, el cielo con su color que se entraña en<br />

todo el paisaje… Y todo eso como si fuera la escritura onírica <strong>de</strong> un huevo puesto en un<br />

rincón <strong>de</strong> la pintura. Allí está la “exaltación <strong>de</strong> lo femenino”, esa resurrección perenne <strong>de</strong> un<br />

tema muy costoso a la historia <strong>de</strong> la humanidad.<br />

Un largo vuelo <strong>de</strong> regreso a Brasil fue como la casa prometida a la reflexión <strong>de</strong>l motivo,<br />

porque esa pintura ha surgido en mi horizonte visual: su cascada <strong>de</strong> motivos. Exceptuando<br />

las burbujas, cada figura es una sola en la pintura. Pero se convierte en otra cada vez que se<br />

encuentra con la siguiente. Es la magia <strong>de</strong>l cuadro, su habilidad que es una maña, que hace<br />

que la gravedad sea un espejismo entrañado en el cuerpo <strong>de</strong> la mujer. Y el complemento <strong>de</strong>l<br />

significado <strong>de</strong> todo esto se lee en la respuesta que da Susana Wald en una entrevista cuando<br />

se le pregunta acerca <strong>de</strong> la misión <strong>de</strong> los artistas, que ellos <strong>de</strong>berían “indicar el camino”, y<br />

ella muy segura contesta que no, que “es un trabajo que está haciendo en conjunto toda la<br />

humanidad”. Lo mismo que en su pintura, es una cuestión <strong>de</strong> alcance <strong>de</strong> los ángulos, la<br />

integridad <strong>de</strong>l vértigo, la comprensión <strong>de</strong> que somos parte <strong>de</strong> algo. La memoria se fue<br />

tanteando a sí misma, los temas tratados hasta aquí y su resumen –ahora lo comprendo– no<br />

podían llevarnos a otra pintura que no fuera esta “Noche <strong>de</strong> Huayapam”. Allí está una<br />

cosecha <strong>de</strong> miradas, una orquestra <strong>de</strong> símbolos, la actividad al mismo tiempo cósmica y<br />

profundamente humana <strong>de</strong> los pinceles <strong>de</strong> Susana Wald.<br />

Llego finalmente a Fortaleza. El contenido <strong>de</strong> mi cámara fotográfica es la prueba <strong>de</strong> un<br />

mensaje cifrado: que la vida en Oaxaca ha sido la pieza oscura <strong>de</strong> la resurrección <strong>de</strong> esta<br />

mujer. Al caminar por el centro <strong>de</strong> la ciudad, por sus afueras, o por las excavaciones <strong>de</strong> Mitla<br />

o Monte Albán, ella está presente <strong>de</strong> un modo que nadie percibe. Oaxaca es el origen <strong>de</strong> la<br />

piedra multicolor que se llama Susana Wald. Al mismo tiempo invisible. No es parte <strong>de</strong>l<br />

escenario. No está en su folclor. Allí está. Simplemente está. Oaxaca es su joya <strong>de</strong> espíritu.<br />

34


Otra vastedad –el <strong>de</strong>sierto <strong>de</strong> Atacama, en Chile– es la fuente inagotable <strong>de</strong> la creación en<br />

su marido, Ludwig Zeller. I<strong>de</strong>ntificarlos es una cosa. Pero Susana Wald vive Oaxaca en el<br />

presente, mientras que el <strong>de</strong>sierto chileno es una relación amorosa <strong>de</strong> la memoria en Zeller.<br />

Ya sabemos que nada es tangible en las raíces <strong>de</strong> la creación. Aunque sea. El punto aquí es<br />

que el oro <strong>de</strong>l tiempo no es un laberinto, sino la visión <strong>de</strong>l mismo. Lo que llamamos realidad<br />

no importa, sino la manera como se mira. Es la presencia <strong>de</strong>l hombre que hace que las cosas<br />

sean comprendidas como son. No es un sueño; el hombre es la realidad <strong>de</strong> todo. No importa<br />

que su disfraz sea <strong>de</strong> dios o <strong>de</strong> leopardo.<br />

El primer ciclo <strong>de</strong>l viaje se cumplió y ahora trabajamos por correo electrónico acerca <strong>de</strong><br />

los temas pendientes. Al visitar la galería <strong>de</strong> las obras <strong>de</strong> Susana Wald encontramos en sus<br />

títulos muchas <strong>de</strong> las imágenes aquí evocadas, como un tipo <strong>de</strong> germinación <strong>de</strong> un sentido<br />

común. La utilización <strong>de</strong> diversos elementos en su pintura <strong>de</strong>spierta la discusión sobre el<br />

fetiche, o la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> un objeto <strong>de</strong> funcionamiento simbólico. En parte porque Susana no<br />

busca esos elementos, sino que <strong>de</strong>spiertan en ella en el interior <strong>de</strong> un círculo <strong>de</strong> evocación.<br />

Son como la revelación <strong>de</strong> un plano –no importa si existencial, cósmico, sexual– que no está<br />

<strong>de</strong> acuerdo con el lenguaje que lo clasifica. El símbolo en su pintura no es una afirmación. La<br />

ubicación <strong>de</strong> los objetos, su proce<strong>de</strong>ncia, el sitio que ocupan, aunque sean maravillosos,<br />

están para <strong>de</strong>cirnos algo que no está. Es como buscar allí lo que no correspon<strong>de</strong> a la realidad<br />

<strong>de</strong> lo que representan. Al cuerpo le toca el abismo. La <strong>de</strong>finición <strong>de</strong>l cuerpo tiene que ver con<br />

su insaciabilidad. El erotismo en la pintura <strong>de</strong> Susana Wald es un enlace con su sed <strong>de</strong> vivir;<br />

su <strong>de</strong>seo es el <strong>de</strong> una resurrección, siempre la médula <strong>de</strong> una correspon<strong>de</strong>ncia con los<br />

tiempos <strong>de</strong> su vida. Las imágenes evocadas pue<strong>de</strong>n ser heroicas, patéticas, amables,<br />

temblorosas, risibles, no importa. Esta mujer hace <strong>de</strong> su manera <strong>de</strong> ser –y pintar– una<br />

alegoría <strong>de</strong> su misma existencia.<br />

Y la mujer. Ella en sí misma. La necesidad <strong>de</strong> examinar lo que hubo con la mujer. La<br />

afirmación <strong>de</strong> que a lo largo <strong>de</strong> la historia, la presencia <strong>de</strong> la mujer se <strong>de</strong>shace –o es<br />

simplemente borrada– con una velocidad que va más allá <strong>de</strong> la capacidad <strong>de</strong> comprensión <strong>de</strong><br />

su actuación. Lo que llamamos cultura es, en muchos casos, un sepulcro, un motor <strong>de</strong>l<br />

control <strong>de</strong> la civilización. Es como un juego <strong>de</strong> piedras, las que están allí para una función y<br />

otras distintas. Las piedras <strong>de</strong> tu preferencia, las mías. Juego. La colectividad es un juego,<br />

aunque la ilusión sea planeada en nombre <strong>de</strong>l individuo. Es verdad que la mujer siempre ha<br />

sido una víctima, que la historia ha sido conducida, manipulada, arreglada por el hombre.<br />

Simplemente no creo que eso pueda cambiar. Es otro tema. Lo que importa aquí es un tipo<br />

<strong>de</strong> médula existencial en el que no importa el género, don<strong>de</strong> se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir que existe la<br />

oscuridad personal y la oscuridad colectiva, y que yo –en nuestro caso, Susana– comprendo<br />

la necesidad <strong>de</strong> establecer conexiones entre ellas. Creo que éste es el punto más importante<br />

en la <strong>de</strong>cisión estética <strong>de</strong> la pintura <strong>de</strong> Susana Wald.<br />

2 | PICNIC VIRTUAL | DIÁLOGO ENTRE FLORIANO MARTINS Y SUSANA WALD | FM |<br />

Háblame un poco <strong>de</strong> tus recuerdos <strong>de</strong> los cambios <strong>de</strong> sitio: Des<strong>de</strong> Hungría hasta México. No<br />

se trata <strong>de</strong> narrar la cronología <strong>de</strong> esos cambios, sino <strong>de</strong> <strong>de</strong>cirme algo que está por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong><br />

lo visible. De alguna manera ellos fueron <strong>de</strong>finiendo tu visión <strong>de</strong> mundo. Algunas cosas en<br />

particular seguro fueron las más <strong>de</strong>cisivas.<br />

SW | Nací en una familia judía. Estoy hablando <strong>de</strong> un judaísmo cultural, no religioso. Mi<br />

padre era ateo. Mi madre se convirtió al catolicismo, pero nunca fue practicante. Me crié en<br />

la religión católica que abandoné cuando, a mis dieciocho años, se promulgó un dogma y yo<br />

<strong>de</strong>cidí que no podía creer en algo simplemente porque fuera obligatorio. Durante mi niñez<br />

sentí alre<strong>de</strong>dor mío la persecución <strong>de</strong> los judíos. De hecho <strong>de</strong>bo mi vida (ya lo he<br />

mencionado) a Raoul Wallenberg quien me sacó, junto a mi hermano y mis padres, <strong>de</strong> la fila<br />

<strong>de</strong> gente que fue llevada al exterminio. De alguna manera este hecho me hizo sentir que yo<br />

no era húngara, o por lo menos no tan húngara como los otros húngaros. Cuando aún niña,<br />

35


mi confesor me explicó que no <strong>de</strong>bía mencionar que era judía. Creo que lo hizo por mi bien,<br />

para protegerme, pero el resultado fue que me sentí extranjera en mi propia patria.<br />

Mis padres <strong>de</strong>cidieron emigrar cuando el comunismo estaliniano húngaro, bajo el régimen<br />

<strong>de</strong> Rákosi, <strong>de</strong>claró la guerra a la burguesía. Yo tenía entonces once años y medio. Por parte<br />

<strong>de</strong> padre y madre vengo <strong>de</strong> una familia que se estableció en la burguesía asimilada en un<br />

esforzado proceso <strong>de</strong> doscientos años.<br />

Al inicio <strong>de</strong> la emigración vivimos tres meses en Verona, Italia, en casa <strong>de</strong> una hermana <strong>de</strong><br />

mi madre; al ser apátridas mis padres tuvieron que hacer los trámites para que pudiéramos<br />

“existir” legalmente, esa fue la razón <strong>de</strong> nuestra larga estancia.<br />

Mi familia emigró a Buenos Aires don<strong>de</strong> vivía un hermano <strong>de</strong> mi padre. En Buenos Aires<br />

pasé los años <strong>de</strong> mi adolescencia; fui a la escuela primaria y luego a una escuela técnica<br />

don<strong>de</strong> me gradué <strong>de</strong> Técnico en Cerámica. También en Buenos Aires conocí a José Hausner,<br />

el padre <strong>de</strong> mi hija Beatriz. Nos casamos cuando yo tenía diecinueve años y él treinta.<br />

Por mi relación con José Hausner me mudé a Santiago <strong>de</strong> Chile. Ahí nacieron mis tres<br />

hijos: Beatriz y Alejo, con José, y más tar<strong>de</strong> Javier, con Ludwig. Beatriz y Alejo eran niños<br />

cuando me separé <strong>de</strong> José.<br />

Conocí a Ludwig en la Escuela <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> la U. <strong>de</strong> Chile, en Santiago. Por su influencia<br />

<strong>de</strong>jé la medicina investigativa que había elegido seguir en vez <strong>de</strong> la plástica. Ludwig organizó<br />

mi primera exposición individual. Tres años más tar<strong>de</strong> se mudó a vivir conmigo.<br />

Por Ludwig Zeller conocí más a fondo el surrealismo. Él estaba muy sumergido en esta<br />

corriente <strong>de</strong> arte y pensamiento. Inundó mis estantes con libros <strong>de</strong> surrealistas, poetas en su<br />

mayoría, algunos <strong>de</strong> los cuales había heredado <strong>de</strong> miembros <strong>de</strong> la Mandrágora o <strong>de</strong> personas<br />

como Rosamel <strong>de</strong>l Valle. Juntamos una gran cantidad <strong>de</strong> libros muy especializados, unos mil<br />

quinientos volúmenes que <strong>de</strong>bimos <strong>de</strong>jar en Chile y que, junto con nuestros papeles, se<br />

perdieron durante el periodo <strong>de</strong>l golpe militar <strong>de</strong> Chile.<br />

Durante mis estudios en la Escuela Nacional <strong>de</strong> Cerámica <strong>de</strong> Buenos Aires ya había<br />

asistido a cinco años <strong>de</strong> clase <strong>de</strong> historia <strong>de</strong>l arte. Nuestro profesor tocó el tema <strong>de</strong>l<br />

surrealismo. Recuerdo que nos presentó un cuadro <strong>de</strong> Dalí en que se ve a un personaje <strong>de</strong><br />

espaldas, viéndose en un espejo, también <strong>de</strong> espaldas. El profesor nos habló <strong>de</strong> la sensación<br />

onírica <strong>de</strong>l cuadro, y <strong>de</strong> la intención <strong>de</strong>l surrealismo <strong>de</strong> incorporar la realidad <strong>de</strong>l sueño a la<br />

realidad diurna.<br />

Durante nuestra vida en Santiago, <strong>de</strong>spués que Ludwig se mudó a vivir conmigo, no nos<br />

separamos nunca por más <strong>de</strong> una hora o dos. Vivíamos muy unidos. Trabajábamos juntos.<br />

Era tan natural como comer en la misma mesa.<br />

Cuando la situación política chilena se radicalizó nos atacó el partido comunista. Los<br />

socialistas se aliaron con los comunistas para que Allen<strong>de</strong> ganara la elección. No teníamos<br />

un respaldo fijo en lo político y los miembros conocidos que eran miembros <strong>de</strong>l Partido<br />

tampoco nos apoyaron. Éramos muy activos y mucha gente nos conocía. El ambiente se hizo<br />

irrespirable. Al ganar Allen<strong>de</strong> perdimos <strong>de</strong> un día al otro los trabajos con que nos<br />

ganábamos la vida, dos <strong>de</strong> Ludwig, dos míos. Con tres hijos menores y un adolescente cerca<br />

nuestro, y habiendo vivido siempre al día, no nos parecía quedar más opción que irnos.<br />

Anteriormente, durante un largo viaje que hicimos <strong>de</strong> Santiago a Antofagasta en un Citroën<br />

<strong>de</strong> dos caballos <strong>de</strong> fuerza, habíamos pon<strong>de</strong>rado adón<strong>de</strong> podríamos ir (Australia o Canadá).<br />

Cuando llegó el momento, optamos por Canadá. Yo fui <strong>de</strong> a<strong>de</strong>lantada. Me siguió Ludwig con<br />

Javier <strong>de</strong> dieciocho meses. Unos meses más tar<strong>de</strong> llegaron Beatriz y Alejo.<br />

Viví veinticuatro años continuados en Canadá. (Había vivido once años en Hungría, ocho<br />

en Argentina, trece en Chile.) Es un país que a mí me gusta. Como soy europea con<br />

formación en Buenos Aires, una ciudad muy cosmopolita, como Toronto, me agrada, me<br />

siento en mi casa ahí. El clima no me molesta. Hungría también tiene inviernos fríos. El<br />

inglés que ya traía (mis padres, buenos burgueses húngaros estimaban que era<br />

imprescindible que una mujer bien educada hablara varias lenguas, por lo que tuve que<br />

apren<strong>de</strong>r a hablar inglés y francés), lo pu<strong>de</strong> perfeccionar en el ambiente anglófono <strong>de</strong><br />

36


Ontario. Los primeros tiempos en Canadá fueron muy duros. Trabajé en lo que encontraba, a<br />

sueldo mínimo, trepando unos centavos por hora <strong>de</strong> un trabajo al siguiente. Eso durante<br />

cuatro años. Luego, con ayuda <strong>de</strong> una mujer que se compa<strong>de</strong>ció <strong>de</strong> mi situación, encontré un<br />

puesto en la Escuela <strong>de</strong> Artes Visuales <strong>de</strong> una universidad técnica que se llamaba Sheridan<br />

College. Estuve ahí veinte años como docente. Tenía muy buen sueldo, por lo que pudimos<br />

vivir con bastante holgura, a pesar <strong>de</strong> que nuestra economía nunca avanzaba porque<br />

invertíamos todo en los hijos, en las ediciones <strong>de</strong> Oasis Publications y en los frecuentes<br />

viajes a Estados Unidos y a Europa a través <strong>de</strong> los cuales pudimos hacer muchos contactos.<br />

Durante veintitrés años Ludwig vivió <strong>de</strong>sdichado en Toronto. No se podía ajustar al<br />

mundo anglo, a pesar <strong>de</strong> que es un entusiasta lector <strong>de</strong> la literatura <strong>de</strong> esa cultura (poetas<br />

como Eliot, Pound, Sitwell y otros los conocí por intermedio <strong>de</strong> Ludwig, quien los leía en<br />

traducción al castellano).<br />

Por el interés <strong>de</strong> Ludwig <strong>de</strong> vivir en un lugar <strong>de</strong> habla hispana, y por no haber podido<br />

encontrar nada que pudiéramos financiar en España, iniciamos en 1988 el primero <strong>de</strong> ocho<br />

viajes por tierra <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Toronto hasta Oaxaca (y siete <strong>de</strong> vuelta). Esas fueron vivencias<br />

extraordinarias. Manejaba yo. Son 5000 kilómetros. Nos <strong>de</strong>morábamos siete días en ello.<br />

También hemos viajado mucho en auto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> México. Ludwig se mudó a Oaxaca a<br />

fines <strong>de</strong> 1992 y vivió ahí por su cuenta durante todo 1993. Yo estaba cómoda en Toronto,<br />

pero cedí a las invitaciones <strong>de</strong> Ludwig y en mayo <strong>de</strong> 1994, tras renunciar a mi cargo en la<br />

universidad y <strong>de</strong>jar la casa que tenía en el centro <strong>de</strong> Toronto, me mudé para vivir con él en<br />

Oaxaca.<br />

Durante el levantamiento popular <strong>de</strong> Oaxaca, en 20<strong>06</strong>, tomé conciencia <strong>de</strong>l hecho <strong>de</strong> que<br />

hay en mi interior una sombra causada por el temor, terror incluso, en que vivían los adultos<br />

a mi alre<strong>de</strong>dor durante la Segunda Guerra Mundial. Es algo que está ahí y que no tiene<br />

forma.<br />

En Oaxaca, un lugar hasta hace poco totalmente aislado <strong>de</strong>l mundo y <strong>de</strong>l resto <strong>de</strong> México,<br />

hay mucho recelo, mucho temor inconsciente ante todo lo que viene <strong>de</strong> fuera. No dudo <strong>de</strong><br />

que los oaxaqueños tienen sus razones. Pero a mí me afecta este constante bombar<strong>de</strong>o <strong>de</strong><br />

“usted no es <strong>de</strong> aquí”. Toronto es un lugar en que la gran mayoría <strong>de</strong> la gente son recién<br />

llegados, y como nadie “es <strong>de</strong> ahí”, el problema <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> fuera no existe. Otro factor que me<br />

afecta es que en Toronto está más avanzada la liberación femenina, lo que facilita la vida <strong>de</strong><br />

las mujeres viejas como la que soy.<br />

Hay que agregar también que es en Oaxaca don<strong>de</strong> pu<strong>de</strong> por fin llegar a tener una casa<br />

propia, plantar un jardín y ro<strong>de</strong>arme <strong>de</strong> cosas y personas que me alientan y me asisten para<br />

mi trabajo interior y mi labor artística.<br />

Las cosas <strong>de</strong>cisivas:<br />

Mi mudanza <strong>de</strong> Buenos Aires (una ciudad que es fundacional en mi evolución) a Santiago,<br />

con José Hausner. Fui entusiasta <strong>de</strong> Chile. Busqué y obtuve la nacionalidad chilena.<br />

Mi encuentro con Ludwig Zeller, que cambió mi vida y dio dirección a mi vocación<br />

artística.<br />

Nuestra emigración a Canadá, y mi vida en Toronto don<strong>de</strong> obtuve la nacionalidad<br />

canadiense.<br />

Mi mudanza a México don<strong>de</strong> vivo gozando <strong>de</strong> lo que me ro<strong>de</strong>a, al tiempo que añoro la<br />

vida <strong>de</strong> Toronto.<br />

En cuanto a mi visión <strong>de</strong>l mundo: Lo veo en crisis. La parte buena <strong>de</strong> eso es que toda<br />

crisis es también una oportunidad. Existe la oportunidad ahora, según lo veo, <strong>de</strong> hacer<br />

cambios en el mundo. Es posible salir <strong>de</strong> la maraña y llegar a una vida más positiva, más<br />

sana, más libre y más vital. Lucho por manifestar esto en mi obra.<br />

FM | Antes <strong>de</strong> conocer a Zeller, ¿trabajabas solamente con cerámica?<br />

SW | En cerámica y en dibujo. Siempre he trabajado en dibujo. Me apasiona y tengo<br />

37


talento para ello. Mi primera exposición individual (la que me organizó Ludwig) fue <strong>de</strong><br />

dibujos (a los que nadie prestó atención) y <strong>de</strong> cerámicas (que se vendieron en su casi<br />

totalidad).<br />

Por circunstancias muy largas <strong>de</strong> enumerar, en 1998 me quedé sin taller <strong>de</strong> cerámica y<br />

comencé a elaborar mirages con Ludwig. De esa actividad pasé a la pintura. Ahora, sin taller<br />

cerámico (carísimo <strong>de</strong> montar), pero con un buen taller <strong>de</strong> pintura, me <strong>de</strong>dico a pintar,<br />

dibujar y hago grabados en el taller Bambú, <strong>de</strong> un amigo, Abraham Torres. También juego<br />

con la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> volver a la escultura en barro. El año pasado hice ya algunas piezas en el taller<br />

<strong>de</strong> Adán Pare<strong>de</strong>s, un amigo que vive en el Valle <strong>de</strong> Oaxaca. Ese taller me queda lejos, pero me<br />

atrae. Haciendo escultura experimento un estado <strong>de</strong> completa beatitud.<br />

FM | Casa <strong>de</strong> la Luna en Chile, Oasis Publications en Canadá, Vaso Comunicante en México.<br />

Dame pistas <strong>de</strong> las relaciones entre esas activida<strong>de</strong>s siempre tan intensas.<br />

SW | Las tres editoriales y todo el trabajo que ellos requerían eran <strong>de</strong>bidos al impulso y<br />

creatividad <strong>de</strong> Ludwig. Y las tres tienen como característica que no los llevaba solo, sino que<br />

se apoyaba en mi colaboración. En Vaso Comunicante hay algún artículo que he propuesto<br />

yo. Todo lo <strong>de</strong>más es siempre propuesta <strong>de</strong> Ludwig.<br />

FM | Explícame un poco qué fue esa pintura sobre el piso en una sala <strong>de</strong> la Universidad<br />

Católica, y háblame también <strong>de</strong> la exposición en sí.<br />

SW | Este sería un relato larguísimo. En breve: Alumnos <strong>de</strong> Rodolfo Opazo, un pintor<br />

chileno amigo, vinieron con él a visitarnos y a pedir ayuda para hacer una exposición <strong>de</strong><br />

surrealismo en la Universidad Católica <strong>de</strong> Chile, en Santiago. Durante la discusión <strong>de</strong> qué se<br />

podía hacer para obligar al público a involucrarse en la actividad surreal yo propuse que<br />

hiciéramos una pintura en el piso y que dijéramos a los asistentes que, habiendo una obra <strong>de</strong><br />

arte en el piso, <strong>de</strong>bían quitarse los zapatos para entrar en la sala. Para mí esto era normal.<br />

Yo hacía murales cerámicos que siempre se armaban en el piso. Se lograron los permisos y a<br />

las seis <strong>de</strong> la tar<strong>de</strong> anterior a la inauguración Viterbo Sepúlveda, Valentina Cruz y yo nos<br />

inclinamos sobre el piso y con la ayuda <strong>de</strong> alumnos <strong>de</strong> Bellas Artes <strong>de</strong> la U. Católica<br />

logramos completar el trabajo para las seis <strong>de</strong> la mañana. Ludwig Zeller hizo un enorme<br />

recorte en papel <strong>de</strong> un falo que subía al muro y Viterbo pintó en el piso los testículos<br />

correspondientes. Yo hice una figura femenina algo sentimental; Viterbo, el mejor pintor <strong>de</strong><br />

los tres, pintó elementos <strong>de</strong> aspecto corporal que amarraban el todo.<br />

Las obras expuestas en Surrealismo en Chile fueron buenas, importantes. Dos enormes<br />

telas <strong>de</strong> Matta, cosas <strong>de</strong> Zañartu, Antúnez, Cruz y bastantes otros. Dibujos míos. Era tiempo<br />

<strong>de</strong> campaña electoral y colgamos un maniquí con el bando como “presi<strong>de</strong>nciable”. Había<br />

obras <strong>de</strong> presos <strong>de</strong> la cárcel, piezas tridimensionales. En la inauguración participaron unas<br />

mo<strong>de</strong>los vistiendo creaciones <strong>de</strong> un modisto famoso, muy espectaculares. También se<br />

presentó un acto, un happening, llamado “El entierro <strong>de</strong> la castidad en la Universidad<br />

Católica”. A mí me tocó anunciarlo, en medio <strong>de</strong>l silencio espectral en que cayó el<br />

abundantísimo público parado sin calzado, en pleno invierno, entre pausas <strong>de</strong> la música<br />

electrónica clásica.<br />

FM | ¿Cómo entien<strong>de</strong>s la relación <strong>de</strong> tu obra con el surrealismo? Y luego el movimiento<br />

Phases. ¿Secuencia o consecuencia <strong>de</strong>l surrealismo?<br />

SW | Los dibujos que he hecho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1963 han sido surrealistas incluso sin yo<br />

proponérmelo. Sentía la libertad <strong>de</strong> hacerlos como quisiera, y me salieron surrealistas. Me<br />

parecen inaceptables los dogmatismos, incluso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l surrealismo. No los acepto y no<br />

me doblego. En esto choqué incluso con algunos <strong>de</strong> los surrealistas <strong>de</strong> París, como Gérard<br />

38


Legrand. Que mi obra la consi<strong>de</strong>ren surrealista o no, no me importa. ¡Lo es! El automatismo,<br />

sea <strong>de</strong> quien sea, está cargado <strong>de</strong> elementos que nacen <strong>de</strong> la educación, y <strong>de</strong>l fondo cultural<br />

<strong>de</strong>l que se viene. Mi manera <strong>de</strong> crear pue<strong>de</strong> partir <strong>de</strong>l automatismo, como es el caso <strong>de</strong> mi<br />

serie <strong>de</strong> “La selva oscura”. En esta modalidad trato <strong>de</strong> mantener la imagen lo más posible, y<br />

cuando surge <strong>de</strong> forma imperiosa algo “reconocible”, lo realzo y lo <strong>de</strong>sarrollo. Otro modo en<br />

que trabajo es que me mantengo atenta a imágenes que surgen justo antes <strong>de</strong> dormir (la<br />

mayor parte <strong>de</strong> las veces) o en medio <strong>de</strong>l sueño (menos). Me arrastro hacia un lápiz y dibujo<br />

sobre lo que sea un garabato para acordarme <strong>de</strong> lo que vi. Luego <strong>de</strong>sarrollo esa imagen,<br />

como en el caso <strong>de</strong> los huevos, dándoles un aspecto tal que sean creíbles como una realidad,<br />

usando todos los recursos que se me ocurren, incluso creando mises en scène con paños y<br />

objetos varios. Estas modalida<strong>de</strong>s me parece que me relacionan con el surrealismo. Lo que<br />

también me relaciona es ver la obra <strong>de</strong> otros surrealistas que me agradan, y leer poesía y<br />

textos que me acercan al surrealismo. El relato <strong>de</strong> sueños también me interesa.<br />

A través <strong>de</strong> Ludwig Zeller me he conectado no sólo al surrealismo, sino también a la<br />

psicología. Me interesa más que nada la psicología profunda jungiana. En esa área hay<br />

gran<strong>de</strong>s contribuciones <strong>de</strong> mujeres, sobre todo en los últimos treinta años.<br />

Por una recomendación que le hiciera Aldo Pellegrini, Ludwig Zeller ha propuesto que nos<br />

pusiéramos en contacto con Edouard Jaguer, el lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong>l Movimiento Phases. Participamos en<br />

Phases en forma muy activa. Hemos organizado exposiciones, publicamos obra <strong>de</strong> otros<br />

participantes <strong>de</strong> Phases. Nuestra relación con Jaguer se quebró sobre un asunto que le<br />

mencionamos. Después <strong>de</strong> eso Jaguer siguió publicando obra <strong>de</strong> Ludwig, pero no mía.<br />

Me ha sucedido esto con Jaguer y otra persona. Como he actuado siempre <strong>de</strong> intérprete<br />

simultánea <strong>de</strong> Ludwig, me atribuyen cosas que dice él y que no les gustan y luego se<br />

distancian <strong>de</strong> mí. En cambio con él no se pelean, porque tiene una carácter <strong>de</strong> oro, cosa que<br />

heredaron sus dos hijos que también son encantadores <strong>de</strong> serpientes.<br />

Consi<strong>de</strong>ro a Phases <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l surrealismo. La controversia entre Jaguer y Breton está en<br />

que Breton no admitía el abstraccionismo. Pero puedo <strong>de</strong>cir que a mi ver Jaguer ha sido un<br />

fiel y <strong>de</strong>voto surrealista. Por eso creo que Phases es secuencia <strong>de</strong>l surrealismo. Es también<br />

una expresión <strong>de</strong>l surrealismo tras los estragos <strong>de</strong> la Segunda Guerra, mientras que el<br />

movimiento <strong>de</strong> Breton es típico <strong>de</strong> entreguerras.<br />

FM | El trabajo a cuatro manos con LZ –dibujos, pinturas, collages–, ¿qué agrega a tu<br />

plástica?<br />

SW | La insistencia <strong>de</strong> trabajar en colaboración partió <strong>de</strong> Zeller, como lo he expresado en<br />

un ensayo que hice recientemente en inglés y que se va a publicar en Canadá. El ejercicio me<br />

ha resultado una <strong>de</strong>licia. Esa sensación no <strong>de</strong>saparece ahora tampoco. Tanto a Zeller como a<br />

mí nos resulta una situación lúdica que da sorpresas y resultados graciosos. Y es importante<br />

para mí que fue por medio <strong>de</strong> los mirages y <strong>de</strong> los tropiezos al producirlos hasta 1979<br />

(cuando tuvimos nuestra gran exposición en la Art Gallery of Hamilton), fue por esos<br />

tropiezos que aprendí a pintar y a enten<strong>de</strong>r los problemas que implica la aplicación <strong>de</strong><br />

pintura a una superficie plana, problemas muy distintos a los que se presentan en la<br />

cerámica en que se usan vidriados y media el trabajo <strong>de</strong>l fuego. Lo que los mirages me han<br />

agregado es el placer <strong>de</strong> compartir una obra con otra persona con quien tengo una afinidad.<br />

Recientemente he trabajado a cuatro manos con Deborah Barnett, una pintora amiga <strong>de</strong><br />

Toronto, y ahora con Siegrid Wiese, una pintora <strong>de</strong> Oaxaca.<br />

FM | ¿Des<strong>de</strong> dón<strong>de</strong> surge Susana Wald? Pienso en el complejo o <strong>de</strong>licado tema <strong>de</strong> las<br />

influencias, que no tiene que ver necesariamente con la plástica.<br />

SW | Vengo <strong>de</strong> una familia culta, lectora, con gusto por el <strong>de</strong>bate, interesada en aspectos<br />

muy variados <strong>de</strong> lo cultural. Mi madre era pianista, graduada en el Conservatorio <strong>de</strong><br />

39


Budapest, alumna <strong>de</strong> Kodály y Bartók. Mi padre <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequeña me llevaba al circo, al<br />

zoológico, a la ópera y también al Museo <strong>de</strong> Bellas Artes <strong>de</strong> Budapest. Jorge, mi padre,<br />

también me leía poesía y me regalaba libros <strong>de</strong> poetas clásicos <strong>de</strong> Hungría como János<br />

Arany. Con mi madre iba a conciertos, semanalmente. En mi vida en Buenos Aires recorría<br />

las galerías <strong>de</strong> arte (había más <strong>de</strong> cien) en forma regular. Iba a museos. Llegué tar<strong>de</strong> a la<br />

escuela primaria (durante la Guerra no había clases), pero aprendí a leer y escribir con <strong>de</strong>licia<br />

y mis padres me tuvieron abastecida, durante mi niñez, <strong>de</strong> libros en húngaro y castellano y<br />

revistas como el Billiken, <strong>de</strong> Argentina. No recuerdo haber pasado un día <strong>de</strong> mi vida <strong>de</strong> joven<br />

ni actual sin leer. Leí el Martín Fierro por primera vez en húngaro. Leía a Géza Gárdonyi,<br />

Julio Verne, a Stevenson, y más tar<strong>de</strong> a Borges, a medida que salían sus libros, así como a<br />

Sartre, a Butor y una enormidad <strong>de</strong> otros autores. En la Alianza Francesa <strong>de</strong> Buenos Aires me<br />

metí en un curso <strong>de</strong> teatro y participé en el montaje <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> Cocteau. Anteriormente, en<br />

Budapest, participé en un coro a cinco voces (tengo buen oído y buena voz). Quise apren<strong>de</strong>r<br />

a bailar (era <strong>de</strong>lgada y muy flexible), pero no se dio la cosa. La redacción la aprendí <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el<br />

húngaro, en quinta <strong>de</strong> la primaria, y luego <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el inglés, por intervención <strong>de</strong> un maestro <strong>de</strong><br />

quinto año, en el Instituto Argentino-Británico, apasionado por el tema. Me interesa en<br />

especial el ensayo, y gozo mucho cuando un texto está bien escrito. Me interesan todas las<br />

artes y las ciencias exactas, la tecnología, la ingeniería, también la historia, la geografía, la<br />

historia natural, la medicina y la psicología.<br />

FM | Finalmente tu inquietud nómada te lleva a Oaxaca, sitio en que <strong>de</strong> algún modo se<br />

revela el espacio más tranquilo para tu creación. ¿Cómo fue el traslado?<br />

SW | He llegado por primera vez a Oaxaca en 1988. Des<strong>de</strong> esa fecha hice ocho viajes por<br />

tierra para venir a esta ciudad. Eran periodos <strong>de</strong> diez semanas <strong>de</strong> estadía. Des<strong>de</strong> el primer<br />

viaje hice contacto con escritores y artistas. En mayo <strong>de</strong> 1994, en el séptimo viaje, me mudé<br />

con todas mis cosas cargadas en dos camionetas (vine con dos choferes extra para turnarnos<br />

en las manejadas).<br />

Tenía mucha energía, mucho entusiasmo y estaba muy puesta en hacer todo lo que<br />

pudiera ayudar a Ludwig a salir <strong>de</strong> Toronto. Yo me sentía y sigo sintiéndome bien ahí. Soy<br />

muy adaptable, me puedo ajustar a los lugares más distintos, puedo hacerme enten<strong>de</strong>r por<br />

gentes muy diversas.<br />

Entre 1975 y 1986 íbamos a Europa una vez al año, en general durante seis semanas.<br />

Primero a Francia, luego a Francia y España. En España buscábamos incluso un lugar don<strong>de</strong><br />

vivir. Para 1986 España y toda Europa se hicieron <strong>de</strong>masiado caros para nosotros. Uno <strong>de</strong><br />

mis colegas en la universidad había venido a México por tierra para un sabático y me habló<br />

<strong>de</strong> su viaje. Empezamos a jugar con la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> hacer nuestras vacaciones en México. Yo<br />

trabajaba los semestres <strong>de</strong> otoño y <strong>de</strong> verano y tenía doce semanas <strong>de</strong> tiempo, nueve <strong>de</strong><br />

vacaciones, dos <strong>de</strong>l tiempo entre Navidad y Año Nuevo y una semana <strong>de</strong> vacación en marzo.<br />

Mi hija Beatriz vino a México a una conferencia, llegó a Oaxaca, le encantó. Nos visitó Álvaro<br />

Mutis en Toronto y también nos recomendó Oaxaca.<br />

En diciembre <strong>de</strong> 1988 nos metimos en un auto que entonces tenía y nos lanzamos al viaje.<br />

A mí me gusta manejar. Me gusta ver lugares y gente. Me consuela la tierra y ver sus muchas<br />

formas. Los viajes, pequeñas odiseas, duraban siete días. Tuvimos muchas aventuras, una en<br />

Waco, Texas, mucho antes <strong>de</strong> que se hiciera famoso. Nos levantábamos temprano cada día, al<br />

quebrar el alba o incluso antes y manejaba dos horas antes <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sayuno. Parábamos una<br />

hora para comer y <strong>de</strong>scansar. Luego manejaba hasta la una <strong>de</strong> la tar<strong>de</strong>. Parábamos otra hora<br />

para comer y <strong>de</strong>scansar. Luego manejaba hasta llegar a la ciudad adon<strong>de</strong> teníamos pensado<br />

llegar ese día. Partíamos <strong>de</strong>l invierno <strong>de</strong> Canadá, con nieve, frío, tormenta <strong>de</strong> nieve, manejo<br />

lento y pesado. Íbamos <strong>de</strong>recho al sur, luego hacia el oeste, otra vez al sur. Para cuando<br />

llegábamos a la región cercana a Memphis, sobre el Mississipi, estábamos fuera <strong>de</strong> las zonas<br />

en que había helada, había un par <strong>de</strong> grados sobre cero y ya podíamos tomar nuestro<br />

40


<strong>de</strong>sayuno al aire libre en los lugares que hay en las carreteras <strong>de</strong> EUA para <strong>de</strong>scansar, con<br />

mesas, bajo árboles.<br />

La mudanza a Oaxaca es un parteaguas. Ya no trabajo en Sheridan College, a 43<br />

kilómetros <strong>de</strong> mi casa, viajando en toda clase <strong>de</strong> tiempo invernal que se da en Canadá, con<br />

responsabilida<strong>de</strong>s muy fuertes que da la docencia. En Toronto recién cuando dos <strong>de</strong> mis<br />

hijos ya se han ido <strong>de</strong> casa y Ludwig se va a Oaxaca tengo durante un año un cuarto propio<br />

para pintar. Entonces hago la serie <strong>de</strong> “Ventanas”. Luego en Oaxaca construyo una casa y<br />

finalmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997 tengo un taller amplio, luminoso, ajustado a mis necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

pintora. La libertad <strong>de</strong> horarios y el espacio nuevo me permiten hacer más <strong>de</strong>l 60% <strong>de</strong> mi<br />

obra pictórica en este nuevo espacio cuya construcción fue posible en gran parte a encargos<br />

<strong>de</strong> retratos que he pintado. Durante mi vida mi obra sufre muchas interrupciones dadas mis<br />

obligaciones. Por ello hay constantes comienzos. En mi taller <strong>de</strong> Huayapam comienzo <strong>de</strong><br />

nuevo a pintar partiendo <strong>de</strong> mecanismos automáticos. De ahí paso a la serie <strong>de</strong> huevos,<br />

hechos enteramente en este nuevo taller. Así es el caso <strong>de</strong> “Viaje al fondo”, <strong>de</strong>l 2002.<br />

FM | El cuerpo es la presencia visible central en tu obra. La materialidad <strong>de</strong>l cuerpo<br />

supongo la encuentres a través <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los. Háblame un poco <strong>de</strong> tu relación con tus<br />

mo<strong>de</strong>los –aspecto siempre arriesgado por el azar <strong>de</strong> las emociones– y cómo llegas hasta el<br />

cuerpo cierto para lo que planeas pintar.<br />

SW | He tenido muy buena relación con varios <strong>de</strong> mis mo<strong>de</strong>los. Se convirtieron en amigas<br />

y amigos verda<strong>de</strong>ros. Nos veíamos con frecuencia, yo daba clases <strong>de</strong> <strong>de</strong>snudo seis veces a la<br />

semana (tres horas cada clase), en Sheridan College. Puedo nombrar a Kathy Brenner, Laura<br />

Hickey, Joel Porter, Donald Carr, Anne Kilpatrick y Trudy Bin<strong>de</strong>r, con quien mantengo<br />

contacto. Trudy es también cantante en un grupo <strong>de</strong> rock, a<strong>de</strong>más enseña animación. En el<br />

cuadro alto, largo y angosto “El Mar Interior”, aparece Trudy <strong>de</strong> espaldas y <strong>de</strong> frente, en un<br />

espejo. También fue Trudy quien me posó para “La Mujer <strong>de</strong>l Poeta”. Anne Kilpatrick fue<br />

mo<strong>de</strong>lo para “Dar Cuerda a lo Imposible”; Kathy Brenner para “Noche en Huayapam”. Con<br />

Joel Porter hice los dibujos preparativos para los cuadros que <strong>de</strong>rivan <strong>de</strong> mi serie <strong>de</strong> dibujos<br />

eróticos <strong>de</strong>l libro Ultramuebles <strong>de</strong> la Pasión. Con Kathy hice muchos dibujos que aparecen en<br />

un libro único, Mujer en Sueño <strong>de</strong> Zeller, en la colección <strong>de</strong> la Biblioteca <strong>de</strong> Referencias <strong>de</strong><br />

Toronto. Llego a pintar con un mo<strong>de</strong>lo u otro porque tienen formas que me parecen<br />

apropiadas, porque tengo buena relación con ellos, porque son muy libres y tolerantes para<br />

el trabajo y porque me aportan una cierta dinámica. Hay cuadros que surgen <strong>de</strong> dibujos por<br />

la misma relación con ellos.<br />

FM | Háblame <strong>de</strong> la serie <strong>de</strong> los huevos, ¿qué representa en tu obra, ¿cómo nace este<br />

símbolo etc.?<br />

SW | En forma inconsciente. Des<strong>de</strong> los últimos años en que he estado en la Escuela<br />

Nacional <strong>de</strong> Cerámica (es <strong>de</strong>cir, el fin <strong>de</strong> mi adolescencia), he estado atraída a la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong>l<br />

huevo. Por ejemplo, hice una reducción <strong>de</strong> formas, al estilo picassiano, y encontré que los<br />

cuerpos y cabezas <strong>de</strong> las aves se podían esquematizar como huevos unidos por otras formas<br />

que daban alas, cola, cuello, etc. Eso ahora me parece algo primitivo, pero verídico.<br />

Luego, en mi segunda exposición individual expuse esculturas cerámicas en forma <strong>de</strong><br />

huevos, gran<strong>de</strong>s, como <strong>de</strong> cincuenta centímetros (no tengo fotos). Como otras piezas que<br />

expuse entonces y que hablaban <strong>de</strong> un quiebre en mi vida, los huevos estaban partidos, con<br />

fisuras, y <strong>de</strong> las partiduras salían formas que me parecían entonces <strong>de</strong> llamas, pero que<br />

también se pue<strong>de</strong>n asociar a lianas, culebras y otras cosas ondulantes.<br />

Y como trato <strong>de</strong> explicar en el libro Susana Wald, en mis pinturas (y también dibujos y<br />

cerámicas) aparecen huevos en forma espontánea durante todo mi quehacer artístico. Nunca<br />

me he preguntado por qué. Durante el proceso <strong>de</strong> pintar 60 cuadros, obsesivamente, uno<br />

41


tras otro, aparecían las imágenes <strong>de</strong> huevos en diversas circunstancias, algunas muy<br />

sorpren<strong>de</strong>ntes. Las visiones <strong>de</strong> esas imágenes me llegaban como flash mientras hacía algo,<br />

incluso mientras pintaba uno <strong>de</strong> ellos, o en estado <strong>de</strong> semi-sueño. Ya bien entrado en el<br />

proceso comencé a investigar sobre huevos, leía textos en que se mencionan, y <strong>de</strong>scubrí que<br />

son símbolos <strong>de</strong> resurrección. Me preguntaba entonces qué era lo que estaba volviendo a la<br />

vida en esas imágenes <strong>de</strong> proporciones metafísicas, en esos huevos que no eran <strong>de</strong> cosa<br />

alguna reconocible en la vida natural. Y mi conclusión fue que lo que vuelve (en este tiempo<br />

<strong>de</strong> tanta turbulencia) es la exaltación <strong>de</strong> lo femenino, lo que antes se veneraba en las<br />

imágenes <strong>de</strong> las diosas.<br />

FM | Es muy rico lo que me dices en nuestros cambios <strong>de</strong> correo, cuando hablas <strong>de</strong> la<br />

preparación <strong>de</strong> tu libro Susana Wald (2003): “Debo anotarte que hice yo misma el<br />

libro porque estaba <strong>de</strong>sesperada <strong>de</strong> ver que no había en mi entorno conciencia <strong>de</strong> la<br />

importancia <strong>de</strong> mi obra. No es que quiera jactarme <strong>de</strong> algo. Siento que soy una médium, soy<br />

una herramienta <strong>de</strong> algo mayor que yo, siento que en mi obra se manifiesta el inconsciente<br />

colectivo –que yo consi<strong>de</strong>ro enorme, una fuerza titánica–, y que es mi responsabilidad<br />

ponerme a la tarea <strong>de</strong> salvar mi obra.” Pocos artistas en nuestro tiempo tienen esa<br />

conciencia, y su postura está más involucrada con la jactancia, con la floración <strong>de</strong>sbordada<br />

<strong>de</strong>l ego. Pero me gustaría aquí regresar a los huevos, o mejor, a tu fuente simbólica. Visiones,<br />

premoniciones, en muchos casos los símbolos son como elementos señalados por el sueño.<br />

¿Qué relaciones po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar en relación a los sueños en tu creación?<br />

SW | Los sueños y el entresueño son estados en que aflora lo interior oculto. Siempre me<br />

han interesado. Anoto sueños, y anoto imágenes que aparecen en sueños y entresueños,<br />

como ya te lo mencionaba. Me interesan los sueños <strong>de</strong> otros también y los leo con pasión, así<br />

como todo lo que encuentro sobre esta materia. Visiones puedo llamar a imágenes que<br />

afloran mientras la atención aparentemente está en otra cosa. Como trabajo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> imágenes<br />

que me surgen <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro y no por influencias formales y exteriores, se dan premoniciones<br />

en mis cuadros. Hay uno, en la serie <strong>de</strong> Ventanas, que incluso lleva el título Premonición, en<br />

que proyectado sobre manchas que hice en pintura “apareció” un rostro olmeca. Un par <strong>de</strong><br />

meses <strong>de</strong>spués, por un viaje que antes no podía preveer, tuve la oportunidad <strong>de</strong> estar en<br />

Villahermosa, en el parque fundado por Pellicer en que están reunidas unas cabezas<br />

colosales. Fue para mí un remezón interior darme cuenta que <strong>de</strong> alguna forma ya había<br />

estado ahí. Esos remezones, estas conexiones y misteriosas manifestaciones son lo que los<br />

surrealistas llaman “lo maravilloso”. Vivir abierta y atenta a ellas conlleva cierto riesgo, pero<br />

da sensaciones <strong>de</strong> dicha muy especiales.<br />

3 | ITINERARIO <strong>DE</strong> SUEÑOS | El itinerario vital <strong>de</strong> Susana Wald empieza con su nacimiento<br />

en Budapest, en 1937. Ya en 1949 la familia emigra a Buenos Aires, ciudad en que crece la<br />

artista, estudiando en la Escuela Nacional <strong>de</strong> Cerámica, y participando en cinco exposiciones<br />

colectivas. Con 20 años <strong>de</strong> edad cambia <strong>de</strong> país una vez más, llegando a Santiago <strong>de</strong> Chile,<br />

don<strong>de</strong> residirá por 13 años. Es una etapa fundamental en su vida, por la confluencia <strong>de</strong> la<br />

intensidad <strong>de</strong> sus activida<strong>de</strong>s artísticas y el encuentro con otro artista, Ludwig Zeller, con<br />

quien comparte amor e inquietu<strong>de</strong>s estéticas. La resultante es impresionante, con la<br />

realización <strong>de</strong> diseños para más <strong>de</strong> cien cubiertas <strong>de</strong> libros, la creación <strong>de</strong> murales en<br />

cerámica y, sobre todo, la fundación <strong>de</strong> Casa <strong>de</strong> la Luna, centro cultural y café, que funda y<br />

dirige con Ludwig Zeller, en la calle Villavicencio 349, y que incluye la publicación <strong>de</strong> una<br />

revista homónima.<br />

Este importante punto <strong>de</strong> confluencia <strong>de</strong> las artes en Santiago nace en 1968, y <strong>de</strong><br />

inmediato se <strong>de</strong>staca por la organización <strong>de</strong> un gran número <strong>de</strong> exposiciones <strong>de</strong> artistas,<br />

ciclos <strong>de</strong> conferencias, happenings, presentaciones <strong>de</strong> otras expresiones artísticas, como el<br />

cine y la música experimental. El ambiente político que corre paralelo a las activida<strong>de</strong>s<br />

42


artísticas trata <strong>de</strong> entrometerse y generar situaciones incómodas a la pareja Wald-Zeller,<br />

alcanzando un punto en que la mejor estrategia es anticipar el <strong>de</strong>sastre y salir <strong>de</strong> Chile, lo<br />

que hacen en 1970. Pero antes <strong>de</strong> salir, en ese mismo año, Susana Wald y Ludwig Zeller<br />

realizan una gran exposición <strong>de</strong>dicada al surrealismo, en la Universidad Católica. El evento<br />

reúne obras <strong>de</strong> importantes artistas <strong>de</strong>l surrealismo, pero lo que llama la atención es el<br />

grado <strong>de</strong> provocación <strong>de</strong>l happening <strong>de</strong> inauguración, llamado “El entierro <strong>de</strong> la castidad en<br />

la Universidad Católica”, que obliga a todos los presentes a <strong>de</strong>jar afuera sus zapatos, pues en<br />

la sala principal hay una inmensa pintura en el suelo, hecha por Susana Wald, Valentina Cruz<br />

(1938) y Viterbo Sepúlveda (1935-1974), al que Ludwig Zeller agrega senos femeninos <strong>de</strong><br />

espuma <strong>de</strong> goma.<br />

La resi<strong>de</strong>ncia siguiente <strong>de</strong> Susana Wald es Toronto, la más gran<strong>de</strong> ciudad <strong>de</strong> Canadá. Es<br />

un cambio con muy intenso grado <strong>de</strong> <strong>de</strong>safío, que al mismo tiempo conlleva la perspectiva<br />

<strong>de</strong> una internacionalización <strong>de</strong> su trabajo, en particular su actuación en la promoción<br />

cultural, las cubiertas e ilustraciones <strong>de</strong> libros y las traducciones. Sobre las traducciones, ella<br />

misma recuerda: “Mi trabajo <strong>de</strong> traducción nace <strong>de</strong> la necesidad <strong>de</strong> Ludwig <strong>de</strong> hacerse<br />

enten<strong>de</strong>r en Canadá. Fui su intérprete simultánea. También traducía para él, ya en Chile,<br />

cuando necesitaba leer un texto en francés o inglés. Leímos juntos <strong>de</strong> esta forma muchos<br />

libros. Traduje a Jaguer, Eluard y Péret, a Zeller mismo.” Con cuatro años en Toronto la<br />

pareja trata <strong>de</strong> fundar una nueva casa editorial, Oasis Publications, que se <strong>de</strong>dica a la<br />

producción <strong>de</strong> <strong>de</strong>cenas <strong>de</strong> libros, catálogos y panfletos, incluso tratando <strong>de</strong> presentar poetas<br />

chilenos al lector en inglés. Oasis es también un espacio <strong>de</strong> realizaciones <strong>de</strong> exposiciones, y<br />

allí son difundidas las obras plásticas <strong>de</strong> nombres canadienses y <strong>de</strong> muchos otros países. En<br />

1974, es invitada a participar <strong>de</strong> las celebraciones <strong>de</strong> los 50 años <strong>de</strong>l Primer Manifiesto <strong>de</strong>l<br />

Surrealismo, en la Universidad <strong>de</strong> Pennsylvania, Estados Unidos. Por la puerta <strong>de</strong>l<br />

surrealismo empiezan los viajes y el año siguiente Susana Wald está en París, don<strong>de</strong> se<br />

pliega al movimiento Phases, gracias al <strong>de</strong>scubrimiento <strong>de</strong> Edouard Jaguer (1924-20<strong>06</strong>),<br />

poeta y crítico francés involucrado con una nueva fase <strong>de</strong>l surrealismo. Sobre las<br />

exposiciones <strong>de</strong> surrealistas europeos tiene muy buenas palabras <strong>de</strong> cariño: “Estas<br />

exposiciones nacieron <strong>de</strong> nuestro entusiasmo por el Movimiento Phases, y como cosa<br />

recíproca con éste. Hicimos una exposición <strong>de</strong> Phases en general, y otras <strong>de</strong> gente como<br />

Suzanne Besson, muy amiga <strong>de</strong> los Jaguers, Marie Carlier, Philip West, Eugenio Granell, Guy<br />

Roussille y John Schlechter Duvall. Éstos tres últimos vinieron a sus exposiciones en Canadá<br />

que se realizaron en la Galerie Manfred, en la ciudad <strong>de</strong> Dundas, a unos 70 km <strong>de</strong> Toronto.”<br />

Toronto y surrealismo significan la llave <strong>de</strong> un mundo relleno <strong>de</strong> viajes, contactos,<br />

publicaciones, eventos, traducciones, nuevas técnicas como el grabado en metal y la<br />

litografía, las pinturas acrílicas sobre telas en gran formato, más viajes, el registro<br />

fotográfico <strong>de</strong> todo, hasta que su vida es tomada por el azar objetivo <strong>de</strong> nuevo vértigo:<br />

México, precisamente Oaxaca. Ahora la imposición <strong>de</strong>l <strong>de</strong>stino no está en salir, sino en<br />

entrar. México es la yema, la manera como el espejo en que esta mujer se interroga a sí<br />

misma. Más que México, algo muy especial en México: la presencia insospechada <strong>de</strong> esa parte<br />

<strong>de</strong> la cultura mexicana en la vida <strong>de</strong> Susana Wald. Hasta allí ha llegado, una vez más, con<br />

Ludwig Zeller. Pero llegan en tiempos cósmicos distintos, no por <strong>de</strong>sacuerdos, sino por<br />

fuente <strong>de</strong> alimentación <strong>de</strong>l espíritu. Es que Oaxaca significa para Susana Wald un<br />

renacimiento, o más simplemente la eclosión <strong>de</strong> un ser que hace tiempo estaba en su<br />

silencioso periodo <strong>de</strong> incubación. Un viaje por la iconografía <strong>de</strong> esta mujer lleva a la<br />

constatación <strong>de</strong> que en Oaxaca fue tomada por los dioses <strong>de</strong> la plenitud. Allí está Susana<br />

Wald como jamás estuvo en parte alguna. Es como se concluye su itinerario vital, no con el<br />

ciclo natural <strong>de</strong> nacimiento-muerte, sino con el marco <strong>de</strong>l nacimiento y su enclave en el<br />

ambiente que mejor lo <strong>de</strong>fine.<br />

Los puntos cardinales <strong>de</strong> su trayectoria señalan que en 1994 comienza su estadía en<br />

Oaxaca. Es un tema <strong>de</strong>licado, porque Oaxaca no es liberación. Susana Wald no ha llevado una<br />

vida ilícita en su espíritu o <strong>de</strong> retención <strong>de</strong>l alma. Pero algo se mueve en la vida <strong>de</strong> uno como<br />

43


la indicación <strong>de</strong> una zambullida, retrato o espejismo, la lectura mágica <strong>de</strong> un ángulo, palabra<br />

o susurro, algo que nos lleve a un grado muy curioso <strong>de</strong> intimidad con nosotros. Así está la<br />

vida, en su esencialidad, que pue<strong>de</strong> pasar años sin presentarse a nadie. Po<strong>de</strong>mos averiguar el<br />

tema bajo la aguja <strong>de</strong> la <strong>de</strong>finición estética. Hay artistas que toman largo tiempo en<br />

<strong>de</strong>scubrir su propia voz; otros que están como mágicamente <strong>de</strong>terminados por esa varita,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> el primer boceto… Aquí no tratamos <strong>de</strong> eso, <strong>de</strong> variaciones o acomodaciones estéticas.<br />

Una mirada a las cerámicas y dibujos <strong>de</strong> Susana Wald <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la Escuela Nacional <strong>de</strong> Cerámica<br />

atestigua la naturaleza erótica que busca, por lo menos, una relectura respecto a los<br />

estereotipos. Ya se sabe que Susana no es una seguidora. El <strong>de</strong>snudo y la carga <strong>de</strong> seducción<br />

<strong>de</strong>l lenguaje, en ella –no importa que hablemos <strong>de</strong> cerámica, grabados, pintura, dibujos–,<br />

apuntan en la dirección contraria a lo permisible. Los conceptos cambian <strong>de</strong> actuación en<br />

cada época o sitio en que se instalan. La afirmación estética en Susana Wald no contesta el<br />

ambiente natural <strong>de</strong> los conceptos, sino a su manipulación, los arreglos forzados en nombre<br />

<strong>de</strong> una moral que son la confirmación <strong>de</strong> una ausencia total <strong>de</strong> moral.<br />

¿Qué fue hecho <strong>de</strong> un mundo orientado por la ética y la estética? Todas las revoluciones<br />

<strong>de</strong>l siglo XX no han cambiado algunas cosas <strong>de</strong> sitio. La respiración, el sueño, el <strong>de</strong>seo, la<br />

adivinanza, la perspectiva <strong>de</strong> un mundo futuro. Todo esto actúa en la formación <strong>de</strong> un ser<br />

múltiple, cambiable con los acentos <strong>de</strong> la cultura, así que el mundo perfecto parece ser el<br />

mundo sin reglas, o con reglas naturales <strong>de</strong> supervivencia. Sin embargo, hoy sufrimos un<br />

espacio con <strong>de</strong>terminación <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> supervivencia, ajenos a la característica <strong>de</strong> cada ser<br />

viviente, animal, vegetal, mineral. Hay una clase instalada <strong>de</strong>terminada a exigir los modos <strong>de</strong><br />

participación <strong>de</strong> todos, para quien los modos clásicos <strong>de</strong> restricción ya perdieron su fuerza.<br />

La división <strong>de</strong>l mundo entre zonas <strong>de</strong> interés <strong>de</strong> la ciencia, la religión, el arte, eso ya no<br />

funciona. El agregado llamado <strong>de</strong> cuarto po<strong>de</strong>r, que es la prensa, tampoco actúa ya<br />

aisladamente como una fuente <strong>de</strong> energía que pue<strong>de</strong> cambiar lo que sea. El discurso, el<br />

manejo <strong>de</strong> la lengua, en su sentido más retórico, pegado a la fiebre <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgracia espiritual,<br />

<strong>de</strong>screencia <strong>de</strong> todo, uno que no sabe nada que hacer <strong>de</strong> sí, en la escuela, con su novia, su<br />

empleo, lo que quiere seguir en la vida, dón<strong>de</strong> vive, cómo vive, todo es un hueco en el alma,<br />

no hay nada en lo íntimo <strong>de</strong>l hombre contemporáneo, fue vaciado <strong>de</strong> todo.<br />

Necesario cambio <strong>de</strong> párrafo porque el tema es el más complejo en nuestra entrada en el<br />

siglo XXI. Susana Wald tiene su lectura, yo tengo la mía. Aquí importa solamente la suya.<br />

Como avanza con su obra buscando un tipo muy singular <strong>de</strong> recuperación <strong>de</strong> la fuerza<br />

erótica <strong>de</strong>l ser. Primeramente su comprensión <strong>de</strong>l arquetipo femenino y el abismo entre éste<br />

y la realidad <strong>de</strong> la mujer. El abismo entre la esfera mágica <strong>de</strong>l símbolo y la violencia sufrida<br />

por ella en la esfera humana. Sin embargo, la opción <strong>de</strong> Susana Wald como artista no es por<br />

un arte <strong>de</strong> lamentación o incluso <strong>de</strong> acusación. En su conciencia impera la necesidad <strong>de</strong> la<br />

afirmación <strong>de</strong> lo erótico y la recuperación <strong>de</strong> una vida propia. En su obra la figura femenina<br />

está en permanente correspon<strong>de</strong>ncia, sensible e incitante, con su personificación en<br />

escenarios <strong>de</strong> fábulas, mitologías, ciencia-ficción, leyendas, sin faltar la penetrante presencia<br />

<strong>de</strong>l humor, como en la serie “La mujer <strong>de</strong>…”, en que juega con los diversos estilos <strong>de</strong> objeto<br />

en que la mujer fue convertida, variables <strong>de</strong> acuerdo con la mirada <strong>de</strong> su hombre, sea un<br />

músico, un sultán, un coleccionista, un cortador <strong>de</strong> vidrios, un jardinero etc. Es curioso,<br />

porque cuando hablo con ella sobre el surrealista Edouard Jaguer, recuerda lo que sigue: “Lo<br />

he visitado once veces en su <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> París. Fue muy cordial <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el primer<br />

momento. Fue un amigo verda<strong>de</strong>ro hasta el momento en que vio mis cuadros <strong>de</strong> la serie ‘La<br />

Mujer <strong>de</strong>…’ Creo que no le gustó su tono feminista. Yo no era feminista entonces, esa serie<br />

me nació <strong>de</strong> un ánimo <strong>de</strong> broma, pero ahora consi<strong>de</strong>ro que Jaguer tenía razón en lo <strong>de</strong><br />

feminista. A mi vez resiento que <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> eso no me incluyó en sus publicaciones. A<br />

Ludwig lo mantuvo en su movimiento hasta el final.” Respeto su opinión, pero no me parece<br />

haber ningún acento feminista en esta serie, por lo menos en el mismo sentido prejuicioso<br />

como lo entendía el francés. El surrealismo ha ayudado en la expansión <strong>de</strong> la visión <strong>de</strong><br />

mundo <strong>de</strong> muchos, <strong>de</strong>l arte en particular, pero no se pue<strong>de</strong> olvidar que el prejuicio es parte<br />

44


<strong>de</strong> la vida humana, algo <strong>de</strong> lo que muchos artistas –incluso surrealistas– no supieron<br />

librarse. De todos modos, reproduzco la palabra final <strong>de</strong> Susana Wald sobre este tema: “Creo<br />

que a Jaguer no le gustaron mis imágenes no porque entendiera que trataban <strong>de</strong> problemas<br />

<strong>de</strong> lo femenino, sino porque no entendía esos problemas. Yo en esa época no tenía ninguna<br />

sensación <strong>de</strong> que lo mío fuera feminista. Eso vino mucho más tar<strong>de</strong>.”<br />

En la serie “La Mujer <strong>de</strong>…” se pue<strong>de</strong> encontrar el humor más refinado, no solamente en la<br />

obra <strong>de</strong> Susana Wald, pero en la lectura <strong>de</strong>l arquetipo femenino <strong>de</strong>stacadamente en las<br />

socieda<strong>de</strong>s contemporáneas. La mujer presente en la mitología, con sus diferenciaciones <strong>de</strong><br />

personalidad, sus impulsos, afectos, aspectos intelectuales y morales, ahora los tienen<br />

embrutecidos por la configuración subyugadora <strong>de</strong> su pareja i<strong>de</strong>al. No hay más la Magna<br />

Mater, no hay más Helena o Eva, sino la mujer <strong>de</strong>. A<strong>de</strong>más, el alto voltaje estético <strong>de</strong> esa<br />

pintura atestigua percepción y sensibilidad <strong>de</strong> esta mujer que no es propiamente feminista,<br />

sino femenina, dotada <strong>de</strong> una mezcla <strong>de</strong> clarivi<strong>de</strong>ncia, sensualidad y visión crítica <strong>de</strong>l mundo<br />

que permiten llegar a una serie como esta que es la urdidura o marinar <strong>de</strong> símbolos que son<br />

el retrato más perfecto <strong>de</strong> nuestra realidad. La resultante no podría ser otra que un manjar<br />

salpicado <strong>de</strong> humor.<br />

En la pintura <strong>de</strong> Susana Wald el cuerpo es el elemento visible central. La materialidad <strong>de</strong>l<br />

cuerpo, su expresión clásica, el cuidado con las formas, el conocimiento <strong>de</strong> sus ángulos, sus<br />

trazos físicos… No hay abstracción en su pintura y el paisaje es parte <strong>de</strong> la composición <strong>de</strong><br />

un ambiente en que el cuerpo, la figura, es su esencia. En la serie <strong>de</strong> los huevos, que<br />

<strong>de</strong>stacamos en este libro, el paisajismo es el escenario <strong>de</strong> actuación <strong>de</strong>l carácter figurativo<br />

sugestivo <strong>de</strong>l huevo. Igual que el paisaje o la abstracción, el cuerpo es un relato. No importa<br />

en qué tiempo, relato <strong>de</strong> la memoria o <strong>de</strong>l <strong>de</strong>seo, <strong>de</strong> lo real o soñado, vivido o imaginado.<br />

Cuando el cine y la novela <strong>de</strong>stacan en su abertura que están basados en hechos reales es<br />

como falsear la realidad <strong>de</strong>l hecho artístico. La imaginación, el sueño, el <strong>de</strong>seo, son partes<br />

expresivas y <strong>de</strong>cisivas <strong>de</strong> la existencia humana, y la realidad sería otra sin la presencia <strong>de</strong><br />

tales elementos. No solamente el arte, pero igual la ciencia y la religión, lo mismo que todos<br />

los mecanismos <strong>de</strong> manipulación <strong>de</strong> la existencia, están basados en la realidad <strong>de</strong> esos<br />

elementos. Cuando el arte se aleja <strong>de</strong> esa comprensión lo que resulta es el tipo más<br />

<strong>de</strong>spreciable <strong>de</strong> <strong>de</strong>coración.<br />

Cuando Susana Wald empieza a trabajar en colaboración con Ludwig Zeller –y aquí la<br />

palabra-llave encontrada inicialmente (espejismos) es emblemática <strong>de</strong> la relación– es como<br />

acoplar la fantástica realidad <strong>de</strong> dos planetas, casi diría en distintos sistemas. Pareja<br />

entrañable <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sus orígenes, había el amor, la pasión, el diapasón tomado por muchas<br />

fuerzas, pero cuando miramos el resultado <strong>de</strong> este encuentro estético es como compren<strong>de</strong>r<br />

que el sueño corpóreo <strong>de</strong> uno estaba listo para mezclarse al cuerpo onírico <strong>de</strong>l otro. Y fue lo<br />

que hicieron: Susana Wald ha dado más vigilia al collage <strong>de</strong> Ludwig Zeller, así como su<br />

collage ha dado más sueño a la pintura <strong>de</strong> ella. El libro Mirages, que hicieron juntos, es pura<br />

ciencia-ficción. Doble milagro: la carnalidad <strong>de</strong> la obra y la afinación. La obra en colaboración<br />

no es un contrato. Hay ambientes sociales que no permiten esa búsqueda <strong>de</strong> afinida<strong>de</strong>s entre<br />

creadores. Es mejor que impere el ego y los artistas sean como dioses incomunicables entre<br />

ellos mismos. Por eso todo el palco, el sistema <strong>de</strong> gloria individual en que se ha convertido el<br />

ambiente artístico hace mucho. Susana Wald y Ludwig Zeller llamaron la atención por dos<br />

cosas muy curiosas: que el surrealismo estaba tomado <strong>de</strong> falsas liberaciones morales y que<br />

es posible crecer en la diferencia. Cuando miro una obra como “Ojo <strong>de</strong> dios volando sobre<br />

las llanuras <strong>de</strong> Saskatchewan”, <strong>de</strong> 1979, yo me siento feliz <strong>de</strong> comprobar que el arte pue<strong>de</strong><br />

hacer real el sueño <strong>de</strong> muchas cosas en la vida.<br />

Pero nada que uno pueda <strong>de</strong>cir <strong>de</strong> esa relación se acerca <strong>de</strong> la lectura entrañable <strong>de</strong> una<br />

confesión <strong>de</strong> la misma Susana Wald:<br />

Siento que la relación que existe entre Ludwig Zeller y Susana Wald es una simbiosis. Hay<br />

veces que él provee lo onírico, en otras soy yo. Hay veces que yo proveo un entorno y él<br />

45


provee una realidad. (Eso <strong>de</strong> la realidad es por lo <strong>de</strong>más difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir, creo que los<br />

humanos estamos tratando <strong>de</strong> intentar esa <strong>de</strong>finición hace milenios).<br />

En una simbiosis creo que una parte asiste a la otra y viceversa. En todo caso nuestra<br />

relación es <strong>de</strong> tipo simbiótico y es muy compleja, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> que tiene facetas cambiantes<br />

al paso <strong>de</strong> los años.<br />

Zeller es poeta neto. Yo entiendo <strong>de</strong> poesía y entiendo lo poético.<br />

Zeller es también un profundo conocedor <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> las imágenes visuales y yo soy<br />

persona <strong>de</strong> la que surge lo interior en imágenes visuales.<br />

Zeller aporta el aire al fuego que hay en mí. Es por eso que se dan los incendios. Yo<br />

aporto a Zeller la humedad que necesita para apagar la sed en la que viven los que viven<br />

<strong>de</strong> aire.<br />

Ambos ten<strong>de</strong>mos hacia la aventura <strong>de</strong> lo interior, a la búsqueda <strong>de</strong> nuevos horizontes<br />

adon<strong>de</strong> nos impulsa la misma fuerza superior a nosotros, esa fuerza que C. G. Jung llama<br />

el inconsciente colectivo.<br />

La publicación reciente <strong>de</strong> un libro como Les ultrameubles <strong>de</strong> la passion (2010) es la<br />

ambientación <strong>de</strong> dibujos como los presentados en Mirages (1983), pues están fechados <strong>de</strong><br />

1980/81. Ahí están los espectros <strong>de</strong> su diálogo con el plan onírico <strong>de</strong> Zeller, el ropaje <strong>de</strong><br />

sueños en que las formas se hacen como listas a cambios moleculares, el grado en que los<br />

muebles buscan adaptarse a la dinámica erótica <strong>de</strong> los cuerpos. Lo que importa aquí es <strong>de</strong>cir<br />

que los dos artistas cruzaron el puente <strong>de</strong> la magia, que son un ejemplo magnífico <strong>de</strong> que la<br />

donación es parte <strong>de</strong>cisiva <strong>de</strong> la relación entre el arte y la vida. La donación en su sentido <strong>de</strong><br />

comprensión <strong>de</strong>l otro, pero sin olvidarse <strong>de</strong>l ambiente estético, porque no estamos aquí<br />

tratando <strong>de</strong> los trucos sociológicos. La obra <strong>de</strong> un artista es su visión particular <strong>de</strong>l mundo,<br />

libre <strong>de</strong> fechas, condiciones políticas o morales, es como <strong>de</strong>cir al mundo que las cosas están<br />

en tal estado que necesitan cuidado. Pero este sentido <strong>de</strong>l arte se fue. El <strong>de</strong>scubrimiento <strong>de</strong><br />

que la mentira pue<strong>de</strong> ser el mejor vehículo <strong>de</strong> dominio <strong>de</strong> la realidad, ha creado un mundo<br />

<strong>de</strong> farsa en que el arte aún no ha siquiera presentido su parcela <strong>de</strong> responsabilidad. Cómo<br />

<strong>de</strong>be actuar un artista en nuestro tiempo sigue siendo la incógnita. Mientras tanto, que <strong>de</strong><br />

algo nos sirva la vida y la obra <strong>de</strong> Susana Wald.<br />

4 | ARROYO <strong>DE</strong> MISTERIOS | Inmortalidad o renacimiento, el huevo es un símbolo que<br />

<strong>de</strong>termina el misterio <strong>de</strong> la vida. Es la puerta –más que su sentido, siempre ambiguo– <strong>de</strong><br />

entrada o salida. Es la rendija que comunica con un mundo oculto, con esa invisibilidad<br />

cósmica <strong>de</strong> que está hecha la existencia humana. Hay un punto en el que se agota todo trazo<br />

<strong>de</strong> un árbol genealógico <strong>de</strong> la especie. Sigue la explicación religiosa, no más. Todavía más<br />

precario es el futuro. El son<strong>de</strong>o <strong>de</strong> la ciencia, por más que avance, no elimina la sospecha <strong>de</strong><br />

que algo más suce<strong>de</strong>. Esa condición inextinguible <strong>de</strong>l misterio la emblematiza el huevo. Su<br />

forma, su significado, la curiosidad por su concepción, el secreto que oculta su cáscara, la<br />

magia <strong>de</strong> su brote, el huevo es como un papiro que se pue<strong>de</strong> leer en varios sentidos o<br />

direcciones. Las perspectivas encontradas en distintas mitologías prueban su potencial <strong>de</strong><br />

estímulos a nuevas lecturas.<br />

La importancia <strong>de</strong> otro símbolo, la cruz, es muy reconocida, sobre todo por su estrecha<br />

relación con el mundo cristiano, pero es un símbolo que se realiza sólo en el cruce <strong>de</strong> dos<br />

mundos. No hay una perspectiva tridimensional en la cruz, como en el huevo. La cruz es la<br />

dualidad; el huevo, la multiplicidad simultánea. La cruz no pue<strong>de</strong> vivir sin el antagonismo; el<br />

huevo exige la manifestación <strong>de</strong> infinitas posibilida<strong>de</strong>s. La cruz simboliza el conflicto,<br />

mientras el huevo está asociado con el <strong>de</strong>scubrimiento <strong>de</strong> otras comprensiones, incluso el<br />

conflicto sentenciado por la cruz. La cruz refleja la presencia <strong>de</strong> un enemigo; el huevo está<br />

más allá <strong>de</strong> toda forma <strong>de</strong> exaltación <strong>de</strong>l fin.<br />

La pintura <strong>de</strong> Susana Wald ha acercado el huevo a otros símbolos, pero en ningún<br />

momento se nota la presencia <strong>de</strong> la cruz o alguna correlación posible con este símbolo,<br />

46


aunque visite arquetipos como la melancolía, la muerte, la noche, la premonición, igual que<br />

en otros momentos <strong>de</strong> su creación… Nada. No hay cruz; su concepto, el mensaje cifrado, las<br />

señales <strong>de</strong> agonía ulterior, nada, absolutamente nada que se parezca a cualquier forma <strong>de</strong><br />

antagonismo en la pintura <strong>de</strong> esta mujer. Es un riesgo, porque la perpetuidad es hermana <strong>de</strong>l<br />

conflicto y el conflicto es excluyente. El huevo busca asociarse a otra visión <strong>de</strong>l mundo, que<br />

es la visión alquímica. El mundo no está para ser partido, sino para ser compartido.<br />

Salimos a caminar por la galería <strong>de</strong> sus metamorfosis y allí encontramos “El sueño <strong>de</strong> la<br />

novicia”, <strong>de</strong> 2000, obra muy emblemática <strong>de</strong> la estética <strong>de</strong> Susana Wald. La novicia sueña con<br />

sus paños y una ca<strong>de</strong>na <strong>de</strong> montaña al fondo, como escenario para la presencia (¿llegada o<br />

partida?) <strong>de</strong> un huevo. La nueva vida es el <strong>de</strong>scubrimiento o la confirmación <strong>de</strong> sus<br />

inquietu<strong>de</strong>s. El juego <strong>de</strong> afirmación/negación no tiene igual presencia que la experiencia en<br />

sí <strong>de</strong>l ritual. Por esa razón, en la pintura <strong>de</strong> Susana Wald hay globos, bolas, ojos, pezones,<br />

piedras que asumen el carácter simbólico <strong>de</strong> los huevos, que son como las cuentas <strong>de</strong> un<br />

laberinto que nos seduce a la revelación <strong>de</strong> lo que somos. Lo que pueda parecer fuera <strong>de</strong><br />

sitio, en verdad se encuentra en su periodo <strong>de</strong> incubación o se arriesga a enseñarnos que hay<br />

otro modo <strong>de</strong> llegar a la evolución <strong>de</strong>l <strong>de</strong>seo.<br />

La fuerza con que la pintura <strong>de</strong> Susana Wald guarda en nosotros un secreto es su tajada<br />

mágica. El cuerpo <strong>de</strong> este personaje con que soñamos en su pintura, ¿dón<strong>de</strong> está? ¿Es un<br />

mito, una leyenda, un misterio? ¿Quién está <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> los huevos <strong>de</strong> Susana Wald? Lo mismo<br />

que en la <strong>de</strong>l mundo egipcio, el fenómeno <strong>de</strong> la existencia está en su estímulo, más que en su<br />

comprensión. Lo oculto <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> un mayor <strong>de</strong>seo por conocerlo. Los dioses son plurales. Su<br />

paleta <strong>de</strong> formas y colores se llama arroyo <strong>de</strong> misterios. Los azules son más ricos porque<br />

están basados en la comprensión <strong>de</strong> que el Uno no pue<strong>de</strong> ser hijo <strong>de</strong> nadie –recor<strong>de</strong>mos el<br />

Chandogua Upanishad–, que el cielo es una alegoría <strong>de</strong> la multiplicidad. El azul es la<br />

<strong>de</strong>voción a un mundo sin fin basado en la correspon<strong>de</strong>ncia.<br />

Esa correspon<strong>de</strong>ncia, en sus asociaciones menos visibles, es lo que buscamos, como un<br />

viaje al misterio <strong>de</strong>l huevo en Susana Wald, que pue<strong>de</strong> estar en su yema o en su cáscara, en la<br />

suma <strong>de</strong> los dos o muy lejos <strong>de</strong> allí.<br />

¿De qué está hecho un huevo? Esencialmente <strong>de</strong>l milagro que es volver a la vida. El huevo<br />

es en sí mismo renacimiento. Así que lo que está oculto es también vida. Y vida que prepara<br />

nueva forma <strong>de</strong> existencia. Des<strong>de</strong> su primer huevo encontramos en la obra <strong>de</strong> Susana Wald<br />

el argumento vital, el dilema <strong>de</strong> la preparación para una nueva experiencia. Sus paños –<br />

elemento <strong>de</strong>cisivo en la lectura <strong>de</strong>l contexto <strong>de</strong> su obra en esta fase– son siempre telones, no<br />

importa a cual tejido recurra, lino, mar, <strong>de</strong>sierto, piel, monte, piedra, nieve. Ejemplo directo<br />

<strong>de</strong> esa correspon<strong>de</strong>ncia teatral lo encontramos en “Teatro <strong>de</strong>l huevo”, 2002. En primera<br />

instancia, es posible pensar en el conflicto <strong>de</strong> la dualidad, el sentido trágico <strong>de</strong> la relación<br />

entre ser y tiempo, alma y cuerpo, los vicios <strong>de</strong>l lenguaje y otras inquietu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l símbolo.<br />

Cuando solicitamos la visión <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> uno <strong>de</strong> los actores <strong>de</strong> la representación pictórica<br />

en Susana Wald, la serpiente, por ejemplo, percibimos una breña en el enredo, pues la actriz<br />

tanto pue<strong>de</strong> estar en la piel <strong>de</strong>l protagonista (“Recuerdo <strong>de</strong> Manitoba”, 2002) como afuera, a<br />

su espera y en este caso sin saber cómo reaccionar frente al misterio <strong>de</strong> su <strong>de</strong>venir (“El<br />

huevo filosófico”, 1998). Hasta aquí podríamos pensar que la presencia <strong>de</strong> la serpiente ubica<br />

la estética <strong>de</strong> ese momento <strong>de</strong> la pintura <strong>de</strong> Susana Wald en un conflicto existencial con la<br />

sobredosis <strong>de</strong> dualismo occi<strong>de</strong>ntal. Sin embargo, la serpiente es también una <strong>de</strong> las<br />

representaciones <strong>de</strong> la fuerza vital que actúa en la dimensión <strong>de</strong> una resurrección, lo mismo<br />

que el huevo. La manera como Susana Wald evoca a otros personajes en su teatro alquímico<br />

llévame a compren<strong>de</strong>r su mundo como infinitamente más cerca <strong>de</strong>l ambiente simbólico<br />

egipcio, especialmente por la asimilación espontánea, la afinidad imperativa con la cultura<br />

mexicana <strong>de</strong> esa región zapoteca en que vive, Oaxaca. Hay que agregar aquí dos otros<br />

elementos: la preparación para el brote y su ambientación, la geografía <strong>de</strong> su nueva relación<br />

con el mundo. En esos casos, dos conceptos funcionan como llaves: erotismo (“Noche <strong>de</strong><br />

Huayapam”, 1997) y vastedad (“Amanecer”, 1999). En los dos momentos –por su aspecto<br />

47


cambiante <strong>de</strong> imagen <strong>de</strong>l mundo– lo que encontramos es más fuerte que una simple<br />

representación gráfica <strong>de</strong> la existencia. Los <strong>de</strong>talles <strong>de</strong> la configuración <strong>de</strong>l erotismo y la<br />

vastedad inva<strong>de</strong>n nuestra mirada, cambian <strong>de</strong> sitios y formas, trasladan <strong>de</strong> muelles sus<br />

opciones <strong>de</strong> significado, frases que podrían estar en la boca <strong>de</strong>l fuego las escuchamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

el agua, los elementos que actúan <strong>de</strong> acuerdo con el guión mágico <strong>de</strong> Susana Wald, que es<br />

como una regente <strong>de</strong> las mutaciones. En especial sobre “Noche <strong>de</strong> Huayapam” recuerdo algo<br />

<strong>de</strong> nuestras conversas en que ella me dice: “Cuando pinto éste me surge la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong>l primero<br />

<strong>de</strong> los huevos, el ‘Homenaje a De Chirico’ (1997), provocada (la i<strong>de</strong>a) por el huevito que hay<br />

al lado <strong>de</strong> la mano <strong>de</strong> la mujer <strong>de</strong>snuda. De ahí en a<strong>de</strong>lante se <strong>de</strong>sata el proceso que todavía<br />

surge <strong>de</strong> vez en cuando, como en el caso <strong>de</strong> ‘Momento crucial <strong>II</strong>I’ (2010).”<br />

Los mecanismos <strong>de</strong> la forma no son distintos <strong>de</strong>l juego <strong>de</strong> los colores. La contraposición<br />

que uno podría buscar entre positivo y negativo, en su manejo <strong>de</strong> colores, no actúa como lo<br />

que se espera <strong>de</strong> corrientes inversas. Una <strong>de</strong> las piezas más entrañables (“Extrañeza <strong>de</strong> lo<br />

nuevo”, 2001) <strong>de</strong> esa fase <strong>de</strong> la pintura <strong>de</strong> Susana Wald propone un tipo muy fascinante <strong>de</strong><br />

maraña <strong>de</strong> la i<strong>de</strong>a usual <strong>de</strong> los contrarios, el conflicto entre la perspectiva <strong>de</strong> renacimiento y<br />

el mundo que está por admitirlo. Ahí tenemos también un conflicto <strong>de</strong>l color, pero en su<br />

sentido <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificación, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scubrimiento. No hay un juego <strong>de</strong> antípodas en los colores en<br />

la plástica <strong>de</strong> Susana Wald. Su teatro, la tragedia <strong>de</strong> su búsqueda <strong>de</strong> un mundo nuevo, está<br />

<strong>de</strong>terminada por la donación, por la comprensión <strong>de</strong> una casa sagrada en que todos pue<strong>de</strong>n<br />

estar, una alegoría <strong>de</strong> la afinidad, la firma <strong>de</strong> un respeto común por el compartir los riesgos,<br />

el modo como un telón acaricia su huevo antes <strong>de</strong> la práctica teatral. Hay piezas en que esta<br />

ausencia <strong>de</strong> un contraste, en el sentido <strong>de</strong> una pelea colorista, refleja mejor la dinámica <strong>de</strong><br />

una acción que es esencialmente alquímica (“Evento alquímico”, 2000) o la efervescencia o<br />

convulsión <strong>de</strong> un mundo ya en su médula <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificación con todo (“Raíz <strong>de</strong>l fuego”,<br />

1999). Una vez más, no hay preocupación con los trazos <strong>de</strong> consonancia y disonancia en su<br />

plan estético. Susana Wald llama la atención para los juegos <strong>de</strong>l misterio en cada<br />

renacimiento. Y la actualidad simbólica <strong>de</strong> sus criterios <strong>de</strong>spierta en nosotros un sin fin <strong>de</strong><br />

relaciones: la forma y su actuación en cada escenario, lo mismo que el color y la<br />

manifestación física <strong>de</strong> la actuación <strong>de</strong> la gravedad sobre los cuerpos.<br />

Es casi como una norma en la lectura crítica <strong>de</strong> una obra plástica observar sus caracteres<br />

lógicos, colores, formas, simbolismos etc. Yo siempre me pregunto cuando uno casualmente<br />

está frente a una sala en una galería o pasando las páginas <strong>de</strong> una revista o disfrutando un<br />

vi<strong>de</strong>o en la casa <strong>de</strong> un amigo, y sus ojos tratan <strong>de</strong> mirar una imagen, cuál es su primer<br />

contacto con la obra <strong>de</strong> alguien que allí no tiene nombre, que no es nadie. Por supuesto, todo<br />

lo que he escrito a su respecto no <strong>de</strong>be servir <strong>de</strong> nada, pues lo que importa es su experiencia<br />

automática con la magia <strong>de</strong> significación <strong>de</strong> las imágenes <strong>de</strong> la pintura que observa o vive.<br />

5 | REFLEJOS <strong>DE</strong>L CONSTANTE <strong>DE</strong>VENIR | Así concluye Susana Wald la presentación <strong>de</strong>l<br />

libro Mirages: “Nací a orillas <strong>de</strong> un río. Viví a orillas <strong>de</strong> un río que es mar. Estoy a orillas <strong>de</strong><br />

un lago cuyo misterio me sorpren<strong>de</strong> cada día. Mi obra se hace espejo. Las imágenes trazadas<br />

con tinta sobre el papel, ¿qué son sino reflejos <strong>de</strong>l constante <strong>de</strong>venir?” Aunque por tres<br />

veces se repita la palabra “orillas”, la llave secreta <strong>de</strong> su reflexión está en otro sitio, en el<br />

interior <strong>de</strong> la vastedad. En la suma <strong>de</strong> migraciones <strong>de</strong> esa mujer, en todas direcciones, en el<br />

mapa <strong>de</strong>l alma, el alma <strong>de</strong>l mapa. En las hojas invisibles <strong>de</strong>l viaje, por el mundo y por ella<br />

misma. Parte <strong>de</strong> su jornada recuerda el Tao, con lectura muy singular <strong>de</strong> la cognición, el<br />

aprendizaje incesante <strong>de</strong> un sueño otro que empieza a cada rato. La bendición <strong>de</strong> la piel al<br />

abrir las ventanas y <strong>de</strong>jar que se pronuncie el viento proyectando las infinitas casas <strong>de</strong> la<br />

quietud y el <strong>de</strong>senfreno. Cuando hablamos <strong>de</strong> la pintura “Periodo <strong>de</strong> incubación”, <strong>de</strong> 1992,<br />

me dijo: “Este es un cuadro premonitorio que hice 5 años antes <strong>de</strong> que empezara a asaltarme<br />

el tema <strong>de</strong> los huevos. Incluso su título, que surge en el mismo momento en que lo termino,<br />

es interesante porque no tengo i<strong>de</strong>a qué se está incubando hasta mucho más tar<strong>de</strong>.” Ella<br />

misma sabe que la intensidad <strong>de</strong> las correspon<strong>de</strong>ncias está constituida por otro or<strong>de</strong>n <strong>de</strong><br />

48


sentido. Así que la presencia <strong>de</strong>l huevo en su pintura no busca una gama numérica o sistema<br />

<strong>de</strong> modos o cualquier tabla <strong>de</strong> convenciones. Aunque pasemos <strong>de</strong>l huevo al cuerpo y aquí<br />

precisamente al cuerpo femenino, sigue pescando sus perlas el azar, no por indiferencia,<br />

sino por <strong>de</strong>dicación a un mundo insondable que es la carne y el espíritu <strong>de</strong> toda creación.<br />

Sabe Susana Wald que la originalidad no requiere esfuerzo, pues es fruto natural <strong>de</strong> la visión<br />

<strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> cada uno <strong>de</strong> nosotros. Por supuesto, cuando tratamos <strong>de</strong> arte <strong>de</strong>be haber<br />

talento suficiente para expresar la visión <strong>de</strong>l mundo a través <strong>de</strong> palabras, sonidos, imágenes,<br />

etc. Pero es así en la vida más común. La amistad, la afinidad, la complicidad. Son otras<br />

formas <strong>de</strong> talento.<br />

Y fue así que pasamos los días en su casa, ya sin trazar distinciones entre su creación y<br />

los modos <strong>de</strong> vida. Lo que me parece más fascinante en la pintura <strong>de</strong> Susana Wald es que no<br />

se trata <strong>de</strong> un laberinto <strong>de</strong> su realidad perdida –algo que uno podría pensar por la<br />

sobredosis <strong>de</strong> emigraciones que caracterizan su vida–, sino una resurrección permanente <strong>de</strong><br />

las fuentes <strong>de</strong> <strong>de</strong>scubrimientos <strong>de</strong> otros modos <strong>de</strong> ser. Y sin pérdida <strong>de</strong>l pie en la realidad,<br />

<strong>de</strong>l mito, <strong>de</strong>l símbolo, <strong>de</strong>l <strong>de</strong>seo, <strong>de</strong>l ambiente movedizo y flotante <strong>de</strong> la realidad más<br />

cotidiana. Tal vez por eso atravesamos la lectura <strong>de</strong> este libro sin la necesidad <strong>de</strong> comparar<br />

su obra con la <strong>de</strong> otros artistas. André Breton ha observado la indisposición <strong>de</strong>l surrealismo<br />

en convertirse en escuela. Es un tema cuestionable porque en muchos casos encontramos la<br />

similitud estética basada en ciertos aportes <strong>de</strong>l surrealismo, al mismo tiempo en que hay<br />

seguidores, tal vez inevitables, <strong>de</strong> los trazos principales, el mismo tipo <strong>de</strong> disociaciones,<br />

rupturas, algo como un tipo peculiar <strong>de</strong> multiplicidad <strong>de</strong> la misma cosa. Es la parte riesgosa<br />

<strong>de</strong> toda doctrina. La plástica <strong>de</strong> Salvador Dalí o René Magritte ha sido reproducida más allá<br />

<strong>de</strong>l límite <strong>de</strong> todo agotamiento. Hay muchos artistas que se dicen surrealistas, pero su<br />

plástica es en esencia la repetición –o segmento– <strong>de</strong> algo. Una <strong>de</strong> las <strong>de</strong>fensas más fuertes<br />

<strong>de</strong>l surrealismo, al rechazar el tema <strong>de</strong> las escuelas, era la evocación <strong>de</strong> la originalidad como<br />

la comprensión <strong>de</strong> que la misma no se apartara <strong>de</strong> la visión <strong>de</strong> mundo <strong>de</strong>l creador. Y no hay<br />

dos personas en todo el planeta con igual visión <strong>de</strong>l mundo. Ahí está una <strong>de</strong> las magias<br />

imperativas <strong>de</strong>l surrealismo.<br />

Siempre que miro la pintura <strong>de</strong> Susana Wald buscando una asociación con otro artista en<br />

lo que pienso es en la estructura muy particular que ciertos creadores han dado a su<br />

construcción plástica que los hacen únicos. De inmediato, siempre por cuestión afectiva,<br />

pienso en el portugués Cruzeiro Seixas (1927) y el australiano James Gleeson (1915-2008). En<br />

los tres casos –hay muchos otros, por suerte el mundo es infinito– es tan transparente la<br />

i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong> sus voces que hasta cuando hacen homenajes a otros surrealistas, como<br />

Magritte, De Chirico o Paul Delvaux, uno pue<strong>de</strong> encontrar en ellos su talante propio,<br />

inconfundible. Susana Wald no ha conocido a Gleeson, pero sí a Cruzeiro Seixas, <strong>de</strong> quien<br />

tiene muy buen recuerdo: “A él lo vimos más <strong>de</strong> una vez, paseamos con él y luego<br />

mantuvimos correspon<strong>de</strong>ncia con él. Participó en publicaciones nuestras. Un hombre <strong>de</strong><br />

mundo, extrovertido, sensual para el bien comer, bien beber, buenmozo, nos llevó don<strong>de</strong> un<br />

pintor <strong>de</strong> apellido Pérez, buenísimo, nos presentó a Isabel Meyrelles, compartimos<br />

momentos muy gratos con ellos.” Lo que importa aquí es <strong>de</strong>cir que la especulación <strong>de</strong>l<br />

mundo es una simbología inagotable. Algo que el surrealismo había previsto era la cárcel <strong>de</strong><br />

los sistemas, <strong>de</strong> los estilos, <strong>de</strong> las escuelas. Pero igual sabía el riesgo <strong>de</strong> convertirse en una<br />

<strong>de</strong> esas capillas o fosilización <strong>de</strong> la existencia.<br />

El mundo está cambiando –es bueno que siga en movimiento– <strong>de</strong> un modo muy peligroso,<br />

con asentamientos en un padrón gráfico <strong>de</strong> observación e imposición <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> ser. Hay<br />

como un catálogo <strong>de</strong> tonos <strong>de</strong> lectura <strong>de</strong> la realidad. El arte ha perdido su carácter<br />

revolucionario, no por insuficiencia técnica, sino por corrupción –no importa que pasiva o<br />

activa– <strong>de</strong> sus actores en la relación con sus medios <strong>de</strong> producción y difusión. Este libro<br />

traduce en unas borrosas líneas la piedra <strong>de</strong> toque <strong>de</strong> una lectura muy singular <strong>de</strong> la<br />

existencia humana. Cada huevo en la pintura <strong>de</strong> Susana Wald es una partícula <strong>de</strong> su <strong>de</strong>fensa<br />

<strong>de</strong> la humanidad algo perdida en nosotros. Es lo que más admiro en esa mujer, su sentido <strong>de</strong><br />

49


equilibrio que no <strong>de</strong>siste jamás, no está en los huevos –mejor: los huevos están en todo–,<br />

está por todas partes, en su cocina, en la lectura <strong>de</strong> los mitos, la voz cómplice que ha<br />

<strong>de</strong>scubierto con Ludwig Zeller una <strong>de</strong> las cosas más flamantes y sabrosas <strong>de</strong> la creación<br />

artística, que es compren<strong>de</strong>r la voz <strong>de</strong>l otro, participar <strong>de</strong> la vida <strong>de</strong>l otro. En un gesto, la<br />

vida entera.<br />

Así es la vida <strong>de</strong> Susana Wald. Las migraciones, la curiosidad por todo, los dolores o<br />

vacíos convertidos en nuevas extrañezas o modos <strong>de</strong> vivir, los trazos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificación con el<br />

futuro, el mensaje cifrado <strong>de</strong> sus símbolos, como poner la mano en los ojos y <strong>de</strong>cirles: por<br />

ahí, por allí, por todas partes… Esta es la mujer que tiene sus poros abiertos a las evi<strong>de</strong>ncias<br />

y coinci<strong>de</strong>ncias. Su relación más íntima con el surrealismo está en el punto en que la<br />

realidad es un sueño que no disipa la vida.<br />

Floriano Martins (Brasil, 1957). Poeta, ensaísta, tradutor. Contato:<br />

arcflorianomartins@gmail.com. Página ilustrada com obras <strong>de</strong> Susana Wald (Hungria).<br />

50


LUIS CABRERA <strong>DE</strong>LGADO | Por dón<strong>de</strong> anda la<br />

literatura juvenil latinoamericana<br />

El 20 <strong>de</strong> noviembre <strong>de</strong> 2012 fueron dados a conocer los resultados <strong>de</strong>l<br />

Premio Latinoamericano <strong>de</strong> Literatura Infantil y Juvenil 2012 convocado<br />

por la Aca<strong>de</strong>mia Peruana <strong>de</strong> Literatura Infantil y Juvenil en que resultó<br />

ganadora en la categoría <strong>de</strong> novela para jóvenes Palomita <strong>de</strong> sol, <strong>de</strong><br />

Sócrates Zuzunaga; galardón que viene a sumarse a otras distinciones<br />

literarias obtenidas por este autor peruano, quien se ha caracterizado<br />

por no escribir atendiendo a pautas, moda ni convenciones, sino como expresión <strong>de</strong> sus<br />

necesida<strong>de</strong>s personales; y ello lo <strong>de</strong>muestran títulos como Y tenía dos luceros, Zorrito <strong>de</strong><br />

puma y Takacho, takachito, takachín.<br />

Con una formación académica en el ámbito <strong>de</strong> la enseñanza y, posiblemente, una<br />

actividad profesional relacionada directamente con los niños, junto con su particular<br />

idiosincrasia <strong>de</strong> hombre andino, le han servido a la hora <strong>de</strong> establecer una comunicación<br />

estética literaria con los más jóvenes lectores; logrando, según ha sido catalogado por la<br />

crítica, “un perfecto mimetismo con el sentimiento infantil”.<br />

Palomito <strong>de</strong> sol, concebida en 10 capítulos, es una novela <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> un primer amor<br />

adolescente, que como se expresa en la frase colofón <strong>de</strong>l relato: “…nunca se olvida”; mucho<br />

más este por tratarse <strong>de</strong> un amor trágico, alegórico al drama shakespeareano <strong>de</strong><br />

Montescos y Capuletos, con la peculiaridad <strong>de</strong> que las causas <strong>de</strong>l cisma son aquí las<br />

diferencias sociales y económicas <strong>de</strong> los personajes.<br />

Trabajada en una no acostumbrada segunda persona, la voz narrativa es un alter ego<br />

recordándole a Aluko, su protagonista, todos los <strong>de</strong>talles <strong>de</strong> la historia. Este tratamiento<br />

formal le otorga originalidad a la obra y hace que el lector tome una actitud más<br />

comprometida y participativa en los hechos; los que se van concatenando progresivamente<br />

en un a<strong>de</strong>cuado <strong>de</strong>sarrollo dramático capaz <strong>de</strong> mantener el interés por lo veni<strong>de</strong>ro en el<br />

próximo momento.<br />

Entre los valores estéticos a <strong>de</strong>stacar en la novela, se <strong>de</strong>be señalar su proyección <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

una cultura latinoamericana autóctona y popular, término este último que asumo como<br />

significativo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong> uno <strong>de</strong> los pueblos <strong>de</strong> nuestro continente. Este elemento está<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> el tratamiento mismo <strong>de</strong>l idioma, pues por la proyección <strong>de</strong> voces vernáculas, la<br />

sintaxis <strong>de</strong> los diálogos, <strong>de</strong>scripciones y narración -que reflejan una forma peculiar <strong>de</strong>l habla<br />

latinoamericana-, y la belleza con visos poéticos con que se manifiesta todo el tiempo,<br />

enriquecen al castellano. Aquí me gustaría mencionar la ten<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>l autor a usar vocablos<br />

reconocidos como americanismos (pircado, badulaquería, jebe), quechuas (chitis, tiktimaki,<br />

tunyu, kirkinchu) y otros <strong>de</strong> pura estirpe española, pero poco usados en la actualidad<br />

(fintas, dizque, encostalar…)<br />

El sistema <strong>de</strong> imágenes y metáforas con que se adorna la prosa está en todo momento<br />

referido al ambiente don<strong>de</strong> viven los personajes: la peculiar geografía andina, sus fenómenos<br />

atmosféricos, su flora, su fauna... <strong>de</strong>notando la simbiosis con la Naturaleza <strong>de</strong>l hombre no<br />

contaminado por el asfalto. Sirvan a manera <strong>de</strong> ejemplo estas citas:<br />

el viento soplaba, suave y cariñosamente, y eso era como las palabras <strong>de</strong> tu padre,<br />

gruñón pero afable (…) unos pequeños senos empezaban a crecer y a abultar, como<br />

cerritos incipientes (…) su pollera celeste, ribeteada con cintas <strong>de</strong> arco iris (…)<br />

brincando, como una chivatita que está yendo a abrevar en el caudal <strong>de</strong> la acequia (…)<br />

la pancita azul <strong>de</strong>l cielo ayacuchano<br />

51


El autor ha sabido reflejar la filosofía, idiosincrasia, patrones <strong>de</strong> conductas y tradiciones<br />

<strong>de</strong> una <strong>de</strong>terminada población andina, recurriendo <strong>de</strong> manera directa, cuando le es<br />

necesario, a la parábola ilustrativa y educativa <strong>de</strong> algunas <strong>de</strong> sus leyendas, como cuando, por<br />

ejemplo, para cuestionar la ambición, hace referencia al hermoso canto <strong>de</strong>l chiwaku<br />

pidiéndole perdón a Taita Dios, por haber roto el Arí Mankacha en aras <strong>de</strong> obtener<br />

ganancias. La obra proyecta con fuerza la mitología andina, no sólo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l ámbito <strong>de</strong> la<br />

literatura, sino <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ella, al globalizado mundo que se construye hoy en día obviando las<br />

esencias particulares <strong>de</strong> los diferentes grupos humanos que habitamos el planeta.<br />

En este sentido señalo la transcripción <strong>de</strong> formas poéticas que, insertadas <strong>de</strong> manera<br />

oportuna, matizan la trama y dan a conocer composiciones <strong>de</strong> puro arraigo <strong>de</strong> la cultura<br />

popular. Ello ocurre cuando ante el terrible <strong>de</strong>sengaño amoroso que sufre, el protagonista<br />

canta:<br />

Al cielo pido la muerte,<br />

pero no llega;<br />

quiero ese sueño sin <strong>de</strong>spertar<br />

para olvidarteeeee…<br />

O en un momento <strong>de</strong> euforia en que Aluko comienza “a danzar como un danzante <strong>de</strong><br />

tijeras, silbando la tonada <strong>de</strong>l “wallpa waqay” (…) “y a cantar huainitos <strong>de</strong> amor:<br />

Esas tus pestañas<br />

alfileres son,<br />

que me han traspasado<br />

hasta el corazón.<br />

La novela, sin que ese sea su intención, nos va estar transmitiendo en todo momento<br />

información <strong>de</strong> la cultura <strong>de</strong> este pueblo, como son las prácticas <strong>de</strong> la medicina<br />

tradicional (“la curan<strong>de</strong>ra pedía que le traigan un huevo fresco, <strong>de</strong> gallina negra, puesto<br />

en un día martes o viernes. Y, con ese huevo, ella le pasaba por todo el cuerpo al enfermo,<br />

lentamente, <strong>de</strong>teniéndose en cada lugar, rezando unas oraciones extrañas y llamando al<br />

espíritu para que regrese al cuerpo <strong>de</strong>l niño…”), sus alimentos (“tuna”, “un cántaro lleno<br />

<strong>de</strong> espumante chicha <strong>de</strong> jora”, “sopa <strong>de</strong> maíz molido”); los roles familiares (“te percataste<br />

<strong>de</strong> que su padre te estaba apreciando mucho. Y te dijiste, para tus a<strong>de</strong>ntros, que él podría<br />

llegar a ser tu suegro y te alegraste mucho con esa i<strong>de</strong>a”); y otros muchos elementos <strong>de</strong> la<br />

vida andina.<br />

Aunque su tema central es el amor, reflejado en la psicología propia <strong>de</strong> la adolescencia, se<br />

abordan otros asuntos <strong>de</strong> interés como es la actitud discriminatoria ante la diferencia que<br />

sufre el protagonistas (“marginado por tus propios amigos <strong>de</strong> esa época por tener esas<br />

verrugas” (…) “eras más <strong>de</strong>spreciado que el chiwakitu o zorzalito negro”); las<br />

contradicciones éticas y sociales que enjuician <strong>de</strong>terminados estratos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (“Ellos gozan<br />

haciendo sufrir a los pobres… Para eso, tienen su plata, pues… ¿Cuándo llegará la justicia<br />

para los pobres?...”); las activida<strong>de</strong>s laborales en la que participan los jóvenes varones<br />

(“…encostalando papas, junto a tus padres. O, tal vez, estarías mejor cortando alfalfa y<br />

pasto para tus cuyes (…) apacentar tus ovejas) y las mujeres (“…hilando ese copo <strong>de</strong> lana”<br />

(…) “¿Vas a tejerte una chompita?”).<br />

Hay en la novela un dibujo psicológico preciso <strong>de</strong> los personajes, tanto <strong>de</strong>l actor<br />

principal como <strong>de</strong> los actuantes secundarios en el más cercano círculo <strong>de</strong> este. No suce<strong>de</strong> lo<br />

mismo con la co-protagonista y objeto <strong>de</strong> amor que mueve la trama, pues su <strong>de</strong>scripción,<br />

hecha con ojos <strong>de</strong> enamorado, se basa más en la belleza física, se obvian las cualida<strong>de</strong>s<br />

personales y se rego<strong>de</strong>a en lo puramente externo:<br />

52


era una palomita <strong>de</strong> sol y lluvia y noches <strong>de</strong> luna, que revoloteaba su grácil<br />

adolescencia entre floridos retamales y maizales y alfalfares. Qué caray, era una<br />

palomita muy coqueta y <strong>de</strong> andinos sentimientos, a quien le gustaba recibir miradas<br />

anhelosas, porque sabía que sus ojos eran más hermosos cuando ella bajaba sus<br />

pestañas (…) su risa llegó hasta tus oídos, como la bulla musical <strong>de</strong> un riachuelo que se<br />

<strong>de</strong>sliza por las quebradas con una música <strong>de</strong> campanitas <strong>de</strong> plata, o como el canto<br />

jubiloso <strong>de</strong> una lorita bullanguera que se va hacia las quebradas en busca <strong>de</strong> maizales<br />

en flor (...) su sonrisa <strong>de</strong> nievecita blanca.<br />

Esta no presentación <strong>de</strong> la Jacintacha en toda su dimensión psicológica, consi<strong>de</strong>ro está<br />

hecha con la intención <strong>de</strong> propiciar la versatilidad <strong>de</strong> interpretaciones que los lectores<br />

podamos hacer ante el comportamiento <strong>de</strong> la muchacha en el <strong>de</strong>senlace <strong>de</strong> la novela.<br />

Las anécdotas en que transcurre la historia <strong>de</strong>l libro nos llevan <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el surgimiento puro<br />

y esperanzador en su protagonista <strong>de</strong>l sentimiento amoroso; pasando por la incipiente y<br />

natural sexualidad propia <strong>de</strong> la edad, la que en el niño en contacto directo con los animales<br />

(“…un carnero que tuviste hace un tiempo atrás. Qué caray, éste, pues, no <strong>de</strong>jaba nunca<br />

<strong>de</strong> perseguir a las ovejas y trataba siempre <strong>de</strong> querer subirse sobre ellas, con la finalidad<br />

<strong>de</strong> sacudir las ancas, haciendo lo que se tiene que hacer para que la oveja salga preñada y<br />

así tenga su cría.”) carece <strong>de</strong>l matiz malsano y represivo que la religión se ocupara <strong>de</strong><br />

atribuirle (“Lloraste pidiendo perdón a Taitacha Dios y a los santos <strong>de</strong> la iglesia”); hasta las<br />

nefastas consecuencias <strong>de</strong>l sexo cuando está movido por intereses puramente carnales.<br />

El valor <strong>de</strong> esta novela sobrepasa el estrecho margen <strong>de</strong>l nivel etario <strong>de</strong>l lector implícito<br />

con que arbitrariamente se acostumbra a encasillar los libros, pues este es un texto para<br />

todas las eda<strong>de</strong>s, me atrevo a augurarle un puesto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los textos clásicos <strong>de</strong> la<br />

literatura latinoamericana.<br />

Este certamen contó con la participación <strong>de</strong> un alto número <strong>de</strong> autores, fue entonces<br />

lógico que los jurados, tanto <strong>de</strong> uno como <strong>de</strong>l otro nivel convocado, encontraran obras <strong>de</strong><br />

calidad, merecedoras muchas ellas <strong>de</strong> haber obtenido el máximo galardón. Fue lo ocurrido<br />

en el nivel juvenil, don<strong>de</strong> intentando un nivel <strong>de</strong> justicia, y ante la imposibilidad <strong>de</strong> dar más<br />

<strong>de</strong> un premio, se <strong>de</strong>cidió otorgar Menciones Honrosas a cuatro <strong>de</strong> los textos concursantes. Al<br />

abrir las plicas <strong>de</strong> estos libros aparecieron nombres <strong>de</strong> reconocidos escritores, con<br />

importantes trayectorias <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> la literatura <strong>de</strong>l continente.<br />

Uno <strong>de</strong> estos libros fue Fábula ver<strong>de</strong>, <strong>de</strong> la boliviana Isabel Mesa, quien con este texto una<br />

vez más nos lleva y recrea por sus tópicos preferidos: la cultura aborigen, la historia y la<br />

mo<strong>de</strong>rnidad, moviéndose hábilmente entre los planos realista y fantástico, lo que obliga al<br />

lector a participar en un juego <strong>de</strong> la imaginación que <strong>de</strong>manda una actitud avizora e<br />

inteligente. A ello nos tiene acostumbrado por algunos <strong>de</strong> sus libros, como pue<strong>de</strong>n ser La<br />

portada mágica, Trapizonda o La esfera <strong>de</strong> cristal.<br />

Fabula ver<strong>de</strong> es una novela futurista con un mensaje ecológico, pero es también un texto<br />

con todos los ingredientes propios <strong>de</strong> una aventura <strong>de</strong> acción, con persecuciones,<br />

secuestros, mensajes codificados y escapadas peligrosas y emocionantes, en el que la autora,<br />

y como si todo esto no fuera suficiente para lograr un libro <strong>de</strong> interés para el público<br />

adolescente al que está dirigido, es capaz <strong>de</strong> combinar hábilmente, en voz <strong>de</strong> sus propios<br />

protagonistas, una serie <strong>de</strong> leyendas <strong>de</strong> los pueblos aborígenes con la trama que va<br />

<strong>de</strong>sarrollando la novela, lo cual hace que estas no molesten y que el lector las conozcas <strong>de</strong><br />

manera divertida.<br />

Otros muchos elementos que son afines a los jóvenes <strong>de</strong> hoy en día acercan el texto a su<br />

lector implícito, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> los códigos <strong>de</strong> la escritura <strong>de</strong>l chateo hasta un sinnúmero <strong>de</strong> equipos<br />

electrónicos (tabletas, laptops, irisphones, pantallas virtuales…) usados en oficinas y<br />

cibercafés para la comunicación en servicios como el Twitter y el Facebook; y otros muchos<br />

propios <strong>de</strong> la ciencia ficción que la autora crea para alertarnos que el mal uso <strong>de</strong> todos estos<br />

recursos pue<strong>de</strong>n convertir al hombre en una máquina <strong>de</strong>shumanizada.<br />

53


Este realismo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los parámetros <strong>de</strong> la literatura <strong>de</strong> anticipación científica es<br />

combinado con un recurso propio <strong>de</strong> la más común <strong>de</strong> las fantasías <strong>de</strong> los niños y <strong>de</strong> los<br />

pueblos primitivos: el antropomorfismo.<br />

Al final, triunfa el bien sobre el mal, y las <strong>de</strong>ida<strong>de</strong>s protectoras marchan satisfechas pues<br />

los lectores se habrán enriquecido con el mejor <strong>de</strong> los goces estéticos y también aspirarán a<br />

un mundo mejor.<br />

Otro <strong>de</strong> los textos mencionados fue La sombría casa <strong>de</strong> Dione, <strong>de</strong>l cubano Aramís<br />

Quintero, poeta y ensayista <strong>de</strong> una amplia bibliografía publicada en Cuba y otros varios<br />

países, fundamentalmente en Chile don<strong>de</strong> radica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hace años. Es graduado en la<br />

Licenciatura en Lengua y Literatura Hispánica, <strong>de</strong> la Universidad <strong>de</strong> La Habana, y entre sus<br />

libros se <strong>de</strong>ben mencionar Maíz regado, Letras mágica y Rimas <strong>de</strong> sol y sal.<br />

Aunque ha incursionado también en la narrativa, este nuevo libro no <strong>de</strong>ja <strong>de</strong> sorpren<strong>de</strong>r,<br />

pues el autor entra en la novelística para jóvenes conservando su sello estilístico, “<strong>de</strong> una<br />

acendrada pureza lírica”, lo que se hace visible en la limpieza y belleza <strong>de</strong> su prosa.<br />

La sombría casa <strong>de</strong> Dione, narrada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> una primera voz, la <strong>de</strong> su protagonista, con un<br />

preciso dibujo <strong>de</strong> la psicología propia <strong>de</strong> la adolescencia, es una novela <strong>de</strong> amor, o más bien<br />

<strong>de</strong> varios y gran<strong>de</strong>s amores, pero con una envoltura <strong>de</strong> aventura y misterio, intriga y<br />

suspenso, don<strong>de</strong> está presente el asunto <strong>de</strong>l vampirismo, tan <strong>de</strong> moda y preferencia en el<br />

interés <strong>de</strong> los jóvenes actuales; pero no usado por puro a<strong>de</strong>rezo externo, pues ello le<br />

conce<strong>de</strong>ría un mero valor temporal, sino porque lo aborda para fijar una postura crítica ante<br />

la intolerancia y las conductas agresivas a las que conducen la intransigencia y el irrespeto a<br />

las diferencias. Toda la trama transcurre en un dosificado creyendo argumental, manejado<br />

por el autor con maestría dramatúrgica para mantener el interés lector, para al final<br />

sorpren<strong>de</strong>rnos con una solución totalmente realista <strong>de</strong>l conflicto y <strong>de</strong>stacar valores como la<br />

persistencia, la fuerza <strong>de</strong>l amor y la valentía.<br />

Matil<strong>de</strong> Rentería es una escritora poco proclive a la promoción <strong>de</strong> su obra; sus libros, en<br />

ediciones <strong>de</strong> autor, han circulado <strong>de</strong> manera limitada por su país: Chile. Entre estos po<strong>de</strong>mos<br />

mencionar: Los cuentos <strong>de</strong> la Nati, Yoseg, Los caprichos <strong>de</strong> Natalia, y Cuba íntima. Crónica <strong>de</strong><br />

un viaje.<br />

Esta ha sido su primera incursión en un certamen literario y se alzó con una <strong>de</strong> las<br />

menciones otorgadas por su libro En silencio.<br />

Se trata <strong>de</strong> una novela psicológica, narrada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la perspectiva <strong>de</strong> un joven introvertido<br />

y sin el comportamiento optimista y alegre <strong>de</strong>l resto <strong>de</strong> sus coetáreos, que lo lleva a una<br />

posición <strong>de</strong> aislamiento social y <strong>de</strong> incomprensión familiar. El texto aborda también el tema<br />

<strong>de</strong> la discapacidad, ésta en la co-protagonista <strong>de</strong> la historia y en una manifestación no<br />

abordada con mucho frecuencia: la condición <strong>de</strong> sordo muda. Esta joven motiva y mueve el<br />

sentimiento amoroso <strong>de</strong>l protagonista y lo hace buscar y encontrar su lugar en la sociedad.<br />

Es, por lo tanto, una novela <strong>de</strong> crecimiento, muy a<strong>de</strong>cuada para la edad juvenil, pues los<br />

acontecimientos que vive su actor principal y narrador, <strong>de</strong> quien, con toda intención <strong>de</strong> la<br />

autora, no le conocemos el nombre, lo llevan a un enriquecimiento <strong>de</strong> perspectiva <strong>de</strong> vida,<br />

con positivos cambios sociales, familiares y personales.<br />

Es un texto con una redacción precisa y un lenguaje acor<strong>de</strong> a los parámetros apropiados<br />

para un libro puramente realista. Los acontecimientos están expuestos <strong>de</strong> tal manera que<br />

<strong>de</strong>spiertan la curiosidad por la solución <strong>de</strong> los conflictos principal y parciales. Tiene<br />

presente el ingrediente romántico como motor primordial para las motivaciones <strong>de</strong> la acción<br />

dramática.<br />

A orillas <strong>de</strong>l Guadalquivir, <strong>de</strong> la argentina Carla Dulfano, aborda un muy interesante<br />

asunto, que aunque enmarcado en un momento histórico <strong>de</strong>terminado <strong>de</strong> la península<br />

Ibérica en el bien remoto 1148, tiene plena vigencia en la actualidad, pues <strong>de</strong>nuncia la<br />

xenofobia y la intolerancia ante posturas diferentes en la vida, en este caso la religión, pues<br />

nos traslada a los momentos previos <strong>de</strong> romperse la aparente armonía con la que allí<br />

convivían cristianos, musulmanes y judíos.<br />

54


Carla trabaja como docente, y en la literatura ha obtenido galardones en concursos <strong>de</strong><br />

España y diferentes países <strong>de</strong> América Latina. Es narradora, poeta, compositora y<br />

dramaturga y sus libros han aparecido por diferentes puntos <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> habla hispana.<br />

Aunque los hechos y personajes <strong>de</strong> esta novela son ficticios, están inspirados en un<br />

personaje real, un médico medieval andaluz, Moisés Maimóni<strong>de</strong>s, cuya infancia feliz<br />

concluyó con la invasión almóha<strong>de</strong> marroquí a Córdoba, que obligó a su familia a exiliarse<br />

en Toledo.<br />

Después <strong>de</strong> breves oraciones, <strong>de</strong> un narrador, que funcionan a manera <strong>de</strong> título <strong>de</strong> cada<br />

segmentos, estos son narrados en primera persona, pero alternando las voces entre los tres<br />

protagonistas. La relación amorosa entre los personajes jóvenes, sus conflictos por los<br />

exigentes compromisos religiosos que <strong>de</strong>ben asumir, unidos a las actitu<strong>de</strong>s rígidas <strong>de</strong> los<br />

padres, son elementos que coadyuvan a la comunicación lectora con el público a que está<br />

dirigida.<br />

La autora maneja con habilidad la presentación <strong>de</strong> los diferentes pasajes <strong>de</strong> la trama para,<br />

por una parte darnos una serie <strong>de</strong> informaciones necesarias para enten<strong>de</strong>r las condiciones<br />

en que se <strong>de</strong>sarrolla la historia, a la par que logra una dosificación dramatúrgica eficaz.<br />

Posee un muy a<strong>de</strong>cuado nivel <strong>de</strong> lenguaje. Tiene sobre añadido el valor <strong>de</strong> remitirnos a un<br />

espacio geográfico, una época y a una situación que no nos atañe <strong>de</strong> manera directa, pero<br />

que <strong>de</strong> alguna forma, como latinoamericanos, tiene que ver con la historia nuestra y que<br />

constituye en elemento <strong>de</strong> enriquecimiento para la cultura general <strong>de</strong> los presuntos lectores<br />

<strong>de</strong> nuestra región.<br />

Tanto la novela premiada como los textos mencionados prestigiarán al Premio<br />

Latinoamericano <strong>de</strong> la Aca<strong>de</strong>mia Peruana <strong>de</strong> Literatura Infantil y Juvenil y en su <strong>de</strong>but<br />

marca el nivel <strong>de</strong> calidad exigido para próximas ediciones <strong>de</strong>l concurso. Hasta tanto, estos<br />

textos no sean publicados, sirvan estas notas para saber por dón<strong>de</strong> anda la literatura juvenil<br />

latinoamericana.<br />

Luís Cabrera Delgado (Cuba, 1945). Narrador, dramaturgo, guionista <strong>de</strong> radio, crítico e<br />

investigador. Ha publicado una treintena <strong>de</strong> títulos en Cuba, México, Colombia, Ecuador,<br />

Chile, Argentina y Brasil. Es Miembro Fundador <strong>de</strong> la Aca<strong>de</strong>mia Latinoamericana <strong>de</strong><br />

Literatura Infantil y Juvenil. Contacto: luiscd@cenit.cult.cu. Página ilustrada con obras <strong>de</strong><br />

Lucebert (Holanda), artista invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />

55


MANUEL IRIS | Rasgos comunes: una visión <strong>de</strong><br />

Gonzalo Rojas y Juan Sánchez Peláez.<br />

Entrevista con Armando Romero<br />

El recuento <strong>de</strong> la amistad entre poetas suele ser una sabrosa<br />

colección <strong>de</strong> anécdotas dulces, amargas y secretas. Todas tienen que<br />

ver con la propia obra o estirpe poética <strong>de</strong> los implicados, con su<br />

carácter y circunstancia. La poesía y la vida son una y la misma cosa,<br />

en quienes las escriben. Armando Romero (Colombia 1944), es un<br />

poeta mayor que ha gozado y goza todavía <strong>de</strong> la amistad <strong>de</strong> otros<br />

poetas <strong>de</strong> diversos lugares y momentos. La presente entrevista busca indagar por dos<br />

amigos <strong>de</strong>l poeta que fueron cercanos en ciertos espacios y tiempos, y que luego tomaron<br />

caminos diferentes, siendo ambos poetas fundamentales <strong>de</strong> Hispanoamérica: Gonzalo<br />

Rojas y Juan Sánchez Peláez. [MI]<br />

MI | ¿Cuál fue tu nexo personal con ambos poetas? Es <strong>de</strong>cir, ¿cuándo los conociste, en qué<br />

circunstancia y qué cosas compartieron?<br />

AR | ambos los conocí en Caracas en la década <strong>de</strong>l 70. Primero a Juan Sánchez Peláez,<br />

recién regresado <strong>de</strong> USA, y en compañía <strong>de</strong> su esposa Malena. Este encuentro fue más bien<br />

un re-conocimiento. Yo llevaba varios años viviendo en Caracas y había publicado<br />

extensamente en las revistas y periódicos, así que mi nombre era reconocible en el mundo<br />

literario. El prestigio y la poesía <strong>de</strong> Sánchez Peláez eran emblemáticos en la literatura<br />

venezolana. Yo ya era un fanático lector <strong>de</strong> este poeta, quien <strong>de</strong>s<strong>de</strong> un principio me<br />

sorprendió como uno <strong>de</strong> los más gran<strong>de</strong>s poetas latinoamericanos <strong>de</strong> todas las épocas. A<br />

Gonzalo Rojas lo vine a conocer a su llegada a Caracas luego <strong>de</strong> su estadía en la Alemania<br />

Oriental. También lo conocía como gran poeta gracias a que en un largo período <strong>de</strong>l 67 y el<br />

68 viví en Chile. Incluso estuve a punto <strong>de</strong> conocerlo en persona porque me invitaron<br />

informalmente a ir a uno <strong>de</strong> sus congresos literarios en Concepción que él organizaba. No<br />

fui porque alguien me dijo que estaría poblado <strong>de</strong> gente comunista, y yo en aquel entonces<br />

me cuidaba mucho <strong>de</strong> esta asociación. No tanto por diferencias políticas, sino porque, a<br />

causa <strong>de</strong> un <strong>de</strong>scuido meses antes, había sido <strong>de</strong>tenido en Perú por estar viviendo en casa <strong>de</strong><br />

un poeta integrante <strong>de</strong>l partido. Eran tiempos difíciles.<br />

Con Sánchez Peláez surgió una amistad inmediata que duraría toda la vida. Nada más<br />

admirable que su <strong>de</strong>voción por la poesía, y la rigurosidad con que enfrentaba el acto creador.<br />

Era el surrealista más contenido y mesurado que he conocido en su hacer con las palabras, a<br />

diferencia <strong>de</strong> su ser personal que abundaba en humanidad y pasión vital. Con Gonzalo pasó<br />

algo similar. Recuerdo que pronto me invitó a su casa y allí conocí a su esposa Hilda, y a esa<br />

famosa cama china que cargaba por el mundo, y en la cual se resumía, creo, el caudal <strong>de</strong> su<br />

poesía. Eso que va <strong>de</strong> Eros al juego especular <strong>de</strong> la imaginación. Ese día <strong>de</strong> mi primera visita<br />

a su casa, y luego <strong>de</strong> servirme un buen escocés, me dijo: “Armando, cuéntanos tu vida”. Yo,<br />

sorprendido, le dije que eso podía resumirse en pocas palabras, pero que a la vez era muy<br />

largo <strong>de</strong> contar. Miró a Hilda, y a su reloj, y dijo: “No importa, empieza que tenemos toda la<br />

noche”.<br />

Tanto a Juan como a Gonzalo fascinaba que yo a tan corta edad, y con tan poca plata en<br />

el bolsillo, ya hubiera recorrido casi toda América <strong>de</strong> Norte a Sur. No fue sino hasta un<br />

tiempo <strong>de</strong>spués, luego <strong>de</strong> los años, que supe cuánto les importaba mi poesía. La generación<br />

<strong>de</strong> ellos era bastante parca en los juicios, siempre esperaban ver más.<br />

56


MI | ¿Eran sus personalida<strong>de</strong>s muy distintas?<br />

AR | Si, bastante. No se parecían en muchas cosas, pero si coincidían en su <strong>de</strong>voción por<br />

la poesía y en la calidad humana que los distinguía. Al leer y hacer viva la poesía <strong>de</strong> Sánchez<br />

Peláez encontramos, como dije antes, esa alta rigurosidad, ese bruñir el poema hasta sacarle<br />

piedras al polvo, aunado esto a un <strong>de</strong>safiante lirismo amoroso, esplen<strong>de</strong>nte. Sin embargo,<br />

como persona Juan era algo <strong>de</strong>smesurado, visiblemente sensual en sus gestos, en sus<br />

acciones. Inmensamente centrado en sí mismo, pero a la vez abierto por completo a la<br />

amistad. Juan era un hombre <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s pasiones, poco calculador. Ferozmente apolítico, en<br />

el sentido que hacía ban<strong>de</strong>ra <strong>de</strong> su libertad. Gonzalo, por lo contrario, va al poema con cierta<br />

<strong>de</strong>smesura barroca, es más espontáneo, más circunstancial, pero ya en su ser personal era<br />

una persona más contenida, don<strong>de</strong> el pensamiento y la inteligencia privilegiaban la palabra<br />

precisa, no muy espontánea. Más cercano al mundo político, al quehacer <strong>de</strong>l mundo literario,<br />

Gonzalo sabía manejar con cierta astucia las relaciones humanas en estos campos. Juan<br />

Sánchez es, a pesar <strong>de</strong> que él <strong>de</strong>screyera en los regionalismos, un hombre <strong>de</strong>l trópico.<br />

Gonzalo es un poeta austral. Sin embargo los une la dirección erótica, exaltante en Gonzalo,<br />

interna, en Sánchez Peláez. Como ves, son dos poetas que burlan los estereotipos.<br />

MI | Ambos poetas se formaron, o cuando menos tiene una parte fundamental <strong>de</strong> su<br />

educación sentimental y poética, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> Mandrágora, el grupo surrealista chileno. Sin<br />

embargo, no pue<strong>de</strong>n ser más distintos al referirse a este momento <strong>de</strong> sus vidas: Peláez,<br />

siempre orgulloso <strong>de</strong> este período. Rojas, terminó por negar su pertenencia al grupo. ¿A qué<br />

crees que se <strong>de</strong>ba esta diferencia?<br />

AR | No es fácil dilucidar la relación que ambos poetas establecieron con el grupo<br />

Mandrágora, y en especial con Braulio Arenas. Creo que aquí <strong>de</strong>bemos ser muy específicos<br />

porque todo cambia cuando hablamos <strong>de</strong> los otros integrantes <strong>de</strong> Mandrágora, [Enrique]<br />

Gómez-Correa, [Jorge] Cáceres, [Teófilo] Cid. Creo que las cosas se alinean en la dirección <strong>de</strong><br />

una relación <strong>de</strong> ellos con [Braulio] Arenas. Yo conocí poco a Arenas. En Santiago jugaba<br />

ajedrez a veces con él, y la última vez que lo vi fue en casa <strong>de</strong> Juan Sánchez en Caracas, en<br />

esa década <strong>de</strong>l 70. Pero sé que era una persona difícil, muy centrado en sí mismo, aunque a<br />

mi parecer no tenía la prepotencia <strong>de</strong> otros poetas chilenos, valga el caso <strong>de</strong> Pablo <strong>de</strong> Rokha<br />

o <strong>de</strong> Nicanor Parra. Sin embargo, Gonzalo se distancia <strong>de</strong> Mandrágora en una pelea directa<br />

con Arenas. Mucho <strong>de</strong> esto tiene que ver con el panorama político <strong>de</strong> Chile, pero también<br />

porque Arenas <strong>de</strong>viene al final <strong>de</strong> su vida en un poeta ultraconservador, extrañamente<br />

formal. Arenas renuncia a su ser surrealista en una manera catastrófica. Sánchez Peláez no<br />

mostró, al menos en las charlas conmigo, mayor afecto por Arenas, aunque recordaba sus<br />

días en Chile con inmensa nostalgia. Pero su afecto en Chile estaba sembrado en Rosamel <strong>de</strong>l<br />

Valle y en Díaz Casanueva, principalmente. Otra cosa, que nunca podremos comprobar es<br />

que, según me reveló el mismo Juan, Arenas se apo<strong>de</strong>ró <strong>de</strong> una libreta que contenía muchos<br />

poemas <strong>de</strong> él, escritos en Chile, y los publicó como suyos. Eso fue en los años en que Juan<br />

estudiaba en Santiago. A pesar <strong>de</strong> que esta acusación no es comprobable, yo creo que Juan<br />

no inventaba esto. No solamente no le era necesario, sino que <strong>de</strong>jaba ver el dolor que le<br />

producía recordar esos poemas que fueron a parar en la obra <strong>de</strong> otro. Nunca me dijo cuáles<br />

poemas eran, a pesar <strong>de</strong> que se lo pregunté. Siempre <strong>de</strong>jaba la respuesta para <strong>de</strong>spués. En el<br />

caso <strong>de</strong> Gonzalo, recuerdo que una vez me dijo en Pittsburgh que él siempre estuvo cercano<br />

a Mandrágora por la presencia tutelar <strong>de</strong> Vicente Huidobro, no tanto por su adhesión al<br />

grupo.<br />

MI | A diferencia <strong>de</strong> Peláez, Gonzalo Rojas tuvo una larga parte <strong>de</strong> su carrera poética una<br />

agenda política, cercana al gobierno <strong>de</strong> Salvador Allen<strong>de</strong>. ¿Crees que esta faceta <strong>de</strong> la<br />

57


iografía <strong>de</strong> Rojas haya influido en la recepción posterior, o incluso en la recepción y<br />

proyección inmediata <strong>de</strong> su obra?<br />

AR | Si, fue muy importante para lograr esa visibilidad <strong>de</strong> su poesía que tanto buscaba.<br />

Por extraño que parezca, las persecuciones políticas, el exilio y los horrores <strong>de</strong> las<br />

dictaduras, abren al mundo una ventana por la cual se pue<strong>de</strong> ver a los poetas, a los<br />

intelectuales que han sufrido estos vejámenes con mayor claridad. Tal vez es un triste<br />

beneficio, pero es un beneficio <strong>de</strong>finitivamente que logra dar una mayor recepción,<br />

proyección al trabajo literario, y da como resultado que la obra se torne más visible. América<br />

Latina está llena <strong>de</strong> escritores, poetas, que <strong>de</strong>ben su fama, no tanto a su obra, como a las<br />

persecuciones políticas que sufrieron en sus países. No es este el caso <strong>de</strong> Gonzalo Rojas,<br />

pero sí es cierto que su relación con Allen<strong>de</strong>, el ser su vocero por América Latina, y sus<br />

puestos diplomáticos en China y Cuba, fueron muy importantes. Yo recuerdo cuando, luego<br />

<strong>de</strong> la caída <strong>de</strong> Allen<strong>de</strong>, Gonzalo tuvo que ir a vivir a Alemania Oriental y allí empezó a<br />

sentirse <strong>de</strong>sesperado “por esa falta <strong>de</strong> luz”, como me lo dijo una vez en Caracas. Todo el<br />

mundo intelectual venezolano se conmovió por esta situación <strong>de</strong>l poeta, y pronto se puso en<br />

marcha un aparato <strong>de</strong> ayuda y presión para lograr que el gobierno venezolano lo acogiera<br />

como resi<strong>de</strong>nte, otra forma <strong>de</strong>l exilio. Fue Juan Sánchez uno <strong>de</strong> los que trabajó con mayor<br />

ahínco en lograr esto. Yo mismo fui emisario <strong>de</strong> cartas que Juan envió <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Caracas a los<br />

poetas <strong>de</strong> Mérida, Ramón Palomares entre ellos, para lograr el apoyo <strong>de</strong> la Universidad <strong>de</strong> los<br />

An<strong>de</strong>s.<br />

MI | Ambos poetas tuvieron trato (Rojas cercano, Peláez distante) con Octavio Paz. Esta<br />

cercanía o lejanía <strong>de</strong> algún modo pue<strong>de</strong> ser el correlato <strong>de</strong>l reconocimiento que ambos<br />

tuvieron fuera <strong>de</strong> sus países. ¿Por qué crees que esto sucedía? ¿Fue la influencia (social,<br />

política, editorial) <strong>de</strong> Octavio Paz tan <strong>de</strong>finitiva en América Latina? ¿De qué modos concretos<br />

se manifestaba?<br />

AR | Dentro <strong>de</strong> la generación <strong>de</strong> estos poetas, que ven florecer su obra en las décadas <strong>de</strong>l<br />

40 y el 50, la presencia <strong>de</strong> Paz es fundamental. Hablo <strong>de</strong> poetas como Rojas, Sánchez Peláez,<br />

Gaitán Durán, Mutis, Molina, Charry Lara, Westphalen, Martínez Rivas, etc. Tú sabes que la<br />

América Latina poética se divi<strong>de</strong> en tres en la década <strong>de</strong>l 50. Tres gran<strong>de</strong>s ramas <strong>de</strong> ese<br />

tronco que viene <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Darío: Neruda, Vallejo, Paz. No vamos a dilucidar aquí esta gran<br />

ecuación literaria, pero quedémonos con la corriente que se alimentará <strong>de</strong> Paz y lo<br />

alimentará recíprocamente. Con esto quiero <strong>de</strong>cir que, más allá <strong>de</strong> los aciertos <strong>de</strong> su poesía,<br />

Paz es una creación <strong>de</strong> toda una generación <strong>de</strong> poetas que buscaban una alternativa a las<br />

direcciones que se abrían con Neruda, filiación comunista, stalinista, o con Vallejo,<br />

vanguardista comprometido con lo vernacular, con lo social. Paz trae el aliento <strong>de</strong>l mundo<br />

europeo, <strong>de</strong> la cultura francesa gracias a sus buenas lecturas <strong>de</strong> Raymond, Béguin, la<br />

filosofía alemana, los griegos, etc. Paz es el mundo europeo aproximándose a América<br />

Latina, y un puente para acce<strong>de</strong>r a él a través <strong>de</strong> una cultura latinoamericana representativa,<br />

como es el caso <strong>de</strong> la cultura mexicana con sus rasgos mestizos, y como busca ponerlos Paz,<br />

universales. Paz es el resultado <strong>de</strong> una necesidad. Su dominio <strong>de</strong>l campo literario<br />

latinoamericano es virtual, pero real a la vez. Cada una <strong>de</strong> sus palabras se va a pesar en una<br />

balanza que <strong>de</strong>termina direcciones, aciertos o fracasos. Todos estos poetas le guardan una<br />

profunda reverencia. Lo paradójico es que casi todos ellos son poetas <strong>de</strong> mucho más alcance<br />

poético que el mismo Paz. Una vez, hace bastante años, yo dije un día para un periódico<br />

venezolano que Paz era importante en América Latina porque era el único que sabía usar el<br />

punto y coma. Esa noche fui a una cena en casa <strong>de</strong> Juan Sánchez y me encontré con que él<br />

estaba bastante adolorido por lo que yo había dicho <strong>de</strong> Paz, por el irrespeto a una persona<br />

tan importante como Paz. En una reseña a la malísima antología <strong>de</strong>l surrealismo<br />

latinoamericano <strong>de</strong> Stefan Baciu, Paz dice que falta en la lista <strong>de</strong> poetas mencionar a Juan<br />

58


Sánchez, “un poeta vigoroso”. Esa fue toda la crítica que Paz hizo en su vida <strong>de</strong> la obra <strong>de</strong><br />

Sánchez Peláez. No obstante, este poeta celebró por meses ese adjetivo que le había caído<br />

<strong>de</strong>l cielo <strong>de</strong> la poesía. Nada más triste si consi<strong>de</strong>ramos que Sánchez Peláez es un poeta mil<br />

veces superior a Paz. Ya al final <strong>de</strong> su vida, y muerto Paz, Sánchez Peláez me dijo que en<br />

aquel entonces yo tenía razón. Paz no era el gran poeta que todos habían exaltado.<br />

MI | ¿Cuáles eran los nexos políticos o i<strong>de</strong>ológicos entre Paz y Rojas? ¿Crees que estas<br />

coinci<strong>de</strong>ncias fueron importantes en su trato <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l mundo literario?<br />

AR | Ahora bien, en el caso <strong>de</strong> Gonzalo Rojas, la presencia <strong>de</strong> Paz como difusor <strong>de</strong> su obra<br />

es fundamental. Es Paz quien publica a Rojas en su revista Vuelta varias veces, quien<br />

consigue para él la edición cumbre <strong>de</strong> su poesía “Del relámpago” en el FCE. Muy por lo<br />

contrario, Paz no hace nada para promocionar la obra <strong>de</strong> Sánchez Peláez. Debes enten<strong>de</strong>r<br />

aquí que Gonzalo Rojas está ya para ese entonces figurando <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l contexto<br />

internacional como un poeta opuesto frontalmente a la política <strong>de</strong> Pinochet, pero también<br />

fuera <strong>de</strong> la égida <strong>de</strong> Cuba y sus seguidores. Y esta posición a Paz le es muy favorable porque<br />

está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> la órbita <strong>de</strong> sus empeños en busca <strong>de</strong>l premio Nobel. Kun<strong>de</strong>ra por un lado,<br />

Rojas por el otro. Rojas es lo visible en América Latina, Sánchez Peláez es lo invisible, y para<br />

un político como Paz lo invisible no tenía mayor importancia, aunque se hubiera pasado la<br />

vida alabando a los poetas malditos. Así como México es una gran mentira institucional, Paz<br />

es la gran mentira cultural. Y ese es el espejo en que se refleja toda América Latina.<br />

MI | Sin embargo, el caso <strong>de</strong> Paz no es el único que ayuda al reconocimiento <strong>de</strong> Rojas. La<br />

aca<strong>de</strong>mia chilena y la norteamericana también ayudan a este proceso, que terminará en la<br />

adjudicación <strong>de</strong>l premio reina Sofía al poeta: ¿cuál fue tu experiencia <strong>de</strong> este proceso por<br />

parte <strong>de</strong> los estudiosos y amigos <strong>de</strong> la obra <strong>de</strong> Gonzalo?<br />

AR | Con respecto a la literatura escrita en Chile la aca<strong>de</strong>mia chileno-latinoamericana tuvo<br />

un gran acierto al empujar la obra <strong>de</strong> Gonzalo Rojas hacia premios internacionales tan<br />

importantes como ese. El gran <strong>de</strong>sacierto es la promoción <strong>de</strong> una escritora tan mediocre<br />

como Isabel Allen<strong>de</strong>. Pero estos dos casos son producto <strong>de</strong>l mismo fenómeno: lo imperante<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l mundo cultural chileno es velar por sus propios intereses. Chile, no te olvi<strong>de</strong>s, es<br />

una isla, y eso lo dice todo. Sin la mediación <strong>de</strong> la aca<strong>de</strong>mia chilena en Norteamérica, y luego<br />

<strong>de</strong> otros académicos <strong>de</strong> diferentes países que a esto se sumaron, la obra <strong>de</strong> Gonzalo Rojas<br />

no hubiera podido alcanzar esa proyección continental tan po<strong>de</strong>rosa. Claro que es obvio,<br />

como lo dije antes, que la presencia <strong>de</strong> Paz es disparadora, pero el concierto <strong>de</strong> voces<br />

chilenas es fundamental. No digo esto para <strong>de</strong>meritar la obra <strong>de</strong> Gonzalo Rojas, pero yo lo<br />

viví día por día aquí en Estados Unidos. Recuerdo una noche, a principios <strong>de</strong> la década <strong>de</strong>l<br />

90, que me llamó a Cincinnati Hilda, la esposa <strong>de</strong> Gonzalo, y me dijo que ella me invitaba a<br />

sumarme al grupo <strong>de</strong> intelectuales que buscaban promocionar a Gonzalo para el premio<br />

Reina Sofía. Por supuesto que me sumé inmediatamente al grupo.<br />

MI | Frente a este panorama, ¿qué ha pasado con la obra <strong>de</strong> Juan Sánchez Peláez? ¿A qué<br />

atribuyes que sea tan poco explorada, o incluso conocida, fuera <strong>de</strong> Venezuela?<br />

AR | Todo lo contrario con la obra <strong>de</strong> Juan Sánchez Peláez. Hace unos años su viuda<br />

Malena estuvo <strong>de</strong> visita acá en los Estados Unidos, y por ella me enteré <strong>de</strong> que la antología<br />

<strong>de</strong> este poeta, publicada en España por Lumen, iba a ser recogida y probablemente <strong>de</strong>struida.<br />

Los editores se la ofrecían si ella podía recogerla toda y llevársela, <strong>de</strong> lo contrario<br />

<strong>de</strong>saparecería. Y así fue, ya que no creo que ella haya podido hacerlo. A mi juicio Juan<br />

Sánchez Peláez es uno <strong>de</strong> los poetas más gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> toda la historia <strong>de</strong> Hispanoamérica.<br />

Pero este juicio sólo lo puedo compartir con los pocos privilegiados que han tenido acceso a<br />

59


su obra. La respuesta <strong>de</strong> por qué suce<strong>de</strong> esto es fácil. Todo se <strong>de</strong>be al predominio político<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los campos literarios, al manejo <strong>de</strong> las fuentes <strong>de</strong> información y difusión, al po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> los “capos” <strong>de</strong> la poesía y la cultura. Volvemos al principio, Sánchez Peláez no buscaba un<br />

reconocimiento fácil, un aplauso académico, <strong>de</strong> auditorios llenos. Su necesidad era que se<br />

comprendieran, se pudieran visualizar los centros oscuros <strong>de</strong> su poesía. Tenía una extrema<br />

necesidad en que sus poemas fueran leídos como él quería que lo fuesen. Eran para él<br />

piedras mágicas que conllevaban un Gran Sentido, y <strong>de</strong>bo <strong>de</strong>cir esto con mayúsculas. Pero la<br />

crítica normal no alcanza estas alturas <strong>de</strong> pensamiento poético, y <strong>de</strong> allí su frustración, su<br />

<strong>de</strong>sesperanza y <strong>de</strong>saliento.<br />

MI | ¿Cómo fue la relación entre estos dos escritores al final <strong>de</strong> sus vidas?<br />

AR | Creo que como siempre fue, <strong>de</strong> gran afecto y admiración. No obstante poco a poco<br />

los años los fue colocando en lugares cada vez más distantes. Gonzalo siempre estaba<br />

dispuesto a reclamar para Juan Sánchez Peláez uno <strong>de</strong> los lugares más altos <strong>de</strong> la poesía.<br />

Nunca le oí un juicio crítico negativo, ni para él como persona ni para su poesía. Por lo<br />

contrario, Juan se dolía <strong>de</strong>l protagonismo <strong>de</strong> Gonzalo y así me lo <strong>de</strong>cía: “Gonzalo no necesita<br />

estar saliendo tanto en los periódicos”. Pero <strong>de</strong> hecho era un fervoroso lector <strong>de</strong> su poesía.<br />

Yo sé que si algún día se estudian estos dos poetas profundamente, se encontrarán nexos<br />

que los colocan en una gran cercanía. Tal vez es esa “asfixia” <strong>de</strong> que hablaba Gonzalo Rojas.<br />

MI | ¿Cuál fue tu relación con ellos hasta el final <strong>de</strong> sus vidas?<br />

AR | Lastimosamente a Gonzalo lo perdí <strong>de</strong> vista cuando <strong>de</strong>jó Estados Unidos y se fue<br />

<strong>de</strong>finitivamente a Chile. Ya no los vi nunca más a él ni a Hilda. Hablábamos por teléfono <strong>de</strong><br />

vez en cuando, y siempre estaba yo allí invitado a su casa en Chillán. Me contaba <strong>de</strong> sus<br />

aventuras y <strong>de</strong>sventuras amorosas, <strong>de</strong> sus felicida<strong>de</strong>s y dolores. También hablaba <strong>de</strong><br />

pequeñas cosas, anécdotas <strong>de</strong> su vida en esa población mágica para la poesía. Sabía <strong>de</strong> él por<br />

amigos comunes, y lo leía siempre con el mismo estupor con que leí sus primeros poemas en<br />

Chile, allá en mi juventud. Recordábamos nuestras aventuras por los bares <strong>de</strong> Pittsburgh y<br />

Chicago, eso <strong>de</strong> lo cual él <strong>de</strong>jó constancia en uno <strong>de</strong> sus poemas. Con Juan Sánchez hablaba<br />

frecuentemente por teléfono. Largas charlas acompañadas por dos botellas <strong>de</strong> escocés, una<br />

allá, otra acá. Estas charlas terminaban en cierto <strong>de</strong>lirio que nuestras mutuas esposas, allá y<br />

acá, cortaban con mano <strong>de</strong>licada pero precisa. Mucho hablé esas noches con Juan. Una que<br />

otra vez fui por Venezuela y el encuentro fue maravilloso, lleno <strong>de</strong> gran humor. Teníamos<br />

como tema cantar un viejo tango que ambos adorábamos, Sur, hasta el cansancio. Tengo<br />

para mí que allí estarán siempre conmigo, en ese lugar en que una palabra se acerca a otra y<br />

clama poesía.<br />

Manuel Iris (México 1983). Licenciado en Literatura Latinoamericana por la Universidad<br />

Autónoma <strong>de</strong> Yucatán, con maestría en literatura hispanoamericana por la New Mexico State<br />

University (EEUU). Premio Nacional <strong>de</strong> Poesía "Mérida" (2009). Autor <strong>de</strong> Versos robados y<br />

otros juegos (20<strong>06</strong>), Cua<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> los sueños (2009), y editor <strong>de</strong> En la orilla <strong>de</strong>l silencio,<br />

ensayos sobre Alí Chumacero (2012). Contacto: manueliris65@gmail.com. Página ilustrada<br />

con obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />

60


MARITZA CINO ALVEAR | Sylvia Plath versus<br />

Alejandra Pizarnik… en un solo escenario<br />

Sylvia y Alejandra nacen en la década <strong>de</strong> los años treinta. Sus vidas<br />

intensas y breves transcurren paralelamente. Contemporáneas en la<br />

escritura y en su militancia hacia la muerte. Nacen en diferentes países y<br />

se <strong>de</strong>splazan hacia nuevos espacios geográficos como reconocimiento a<br />

su vocación poética.<br />

Aunque incursionan en otros géneros como cuento y novela, son<br />

recordadas sobre todo por su lírica. Degustan <strong>de</strong>l estímulo <strong>de</strong> la fama, pero no se <strong>de</strong>tienen a<br />

la hora <strong>de</strong> anunciar y optar por otra carrera, precisada en su producción literaria.<br />

Sylvia, visceral-teatral, capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>scuartizar la palabra, enlazada a figuras fantasmales<br />

<strong>de</strong> su infancia, a las que evoca con furor y revancha. Parecería que el camino que ella <strong>de</strong>cidió<br />

transitar a través <strong>de</strong> su obra, se convertiría en un <strong>de</strong>safío al entendimiento, en un riesgo <strong>de</strong><br />

muerte. Una voz en permanente insatisfacción porque como ella dice en su diario: “El no ser<br />

perfecta me hiere”.<br />

Alejandra más cercana a lo confesional, sus versos maceran la ceremonia <strong>de</strong>l rito lírico y<br />

<strong>de</strong> la orfebrería filosófica. Es artífice <strong>de</strong> una poesía que sugiere, insinúa y se profetiza a<br />

través <strong>de</strong> una elegía <strong>de</strong> contemplaciones.<br />

En este escenario Sylvia y Alejandra aparecen y <strong>de</strong>saparecen, en un encuentro<strong>de</strong>sencuentro<br />

poético, <strong>de</strong>cantado en la temporalidad <strong>de</strong> su escritura.<br />

LA CAMPANA <strong>DE</strong> CRISTAL | La Campana <strong>de</strong> Cristal (1963), es la única novela <strong>de</strong> la escritora<br />

norteamericana Sylvia Plath, publicada el mismo año <strong>de</strong> su muerte, en la que Esther,<br />

protagonista <strong>de</strong> la obra narra a través <strong>de</strong> veinte capítulos su conflictiva existencia. Prosa<br />

poética que plantea cronológicamente gran parte <strong>de</strong> la vida <strong>de</strong> la autora y nos pone en<br />

escena a un personaje, que va <strong>de</strong>s<strong>de</strong> los mayores éxitos académicos y literarios en el<br />

contexto <strong>de</strong> la sociedad norteamericana, hasta el anuncio <strong>de</strong> sus caídas y recaídas.<br />

En esta clásica novela <strong>de</strong> Plath, se presentan cuatro momentos en los que la narradora<br />

menciona la campana <strong>de</strong> cristal fusionada a su vida, a su cuerpo y a sus miedos; pero a la<br />

vez es Esther- protagonista, quien con su palabra, intenta atravesar la sonoridad <strong>de</strong>l vacío y<br />

<strong>de</strong>sasfixiarse, para nuevamente quedarse <strong>de</strong>tenida–escindida frente al escenario <strong>de</strong> la<br />

muerte.<br />

En un estudio sobre esta novela bajo el título “Registro <strong>de</strong>spiadado <strong>de</strong> una caída” escrito<br />

por Mariano Serrichio y publicado en el suplemento <strong>de</strong> cultura argentino “La voz interior”, se<br />

expresa:<br />

La campana <strong>de</strong> cristal no pue<strong>de</strong> ser pensada como un exorcismo, que le hubiera permitido<br />

a Plath seguir viviendo, sino tal vez como un lúcido y <strong>de</strong>spiadado registro. Registro <strong>de</strong> las<br />

inagotables aspiraciones al éxito que promueve la forma <strong>de</strong> vida norteamericana, y en<br />

especial las exigencias universitarias, y <strong>de</strong> los manicomios con la eterna incomprensión <strong>de</strong><br />

los doctores provistos <strong>de</strong> una máquina que le permite quitar las angustias ajenas… La<br />

única metáfora que intenta salvar el vacío es la que da título a la novela. Aquí, Plath hace<br />

gala <strong>de</strong> su don poético para <strong>de</strong>purar en una sola imagen tantas líneas <strong>de</strong> fuerza, y <strong>de</strong> esta<br />

forma la introduce: “don<strong>de</strong> quiera que estuviera sentada, estaría bajo la misma campana<br />

<strong>de</strong> cristal, agitándome en mi propio aire viciado”…Así como un día la campana ha caído<br />

sobre la narradora, permitiéndole ver a los otros pero no tocarlos, y otro día se retira,<br />

siempre queda abierta la posibilidad <strong>de</strong> que <strong>de</strong>scienda nuevamente. Igualmente en la<br />

trama <strong>de</strong> la novela la campana no se levanta porque sí, sino por una muerte que roza muy<br />

<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> la narradora, con la apariencia <strong>de</strong> un sacrificio.<br />

61


SU POESÍA | “Soy plateado y exacto. No tengo preconceptos./ Cuanto veo lo trago<br />

inmediatamente…Ahora soy un lago. Una mujer se inclina sobre mí,/ Buscando en mi<br />

extensión lo que ella es en realidad… Soy importante para ella que viene y se va./ En mí ella<br />

ahogó a una muchachita y en mí una vieja se alza hacia ella día tras día, como un pez feroz”,<br />

Fragmento <strong>de</strong>l poema “Espejo”.<br />

Sylvia Plath, elabora su discurso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la ilusión tremendista <strong>de</strong> la muerte. Su método<br />

teatral y apasionado, nos confun<strong>de</strong>, cuando en fragmentos <strong>de</strong> “Lady Lazarus”, revela: “Lo<br />

logré otra vez,/ Me las arreglo/ una vez cada diez años…Y yo una mujer sonriente/ Tengo<br />

solamente treinta años/ Y como gato he <strong>de</strong> morir siete veces… Morir es un arte, como<br />

cualquier otra cosa,/ yo lo hago excepcionalmente bien… Es fácil ejecutarlo en una celda./Es<br />

muy fácil hacerlo y guardar la compostura/. Es teatral.”<br />

A través <strong>de</strong> estos versos parecería que estuviera jugando / jugándosela para que la<br />

muerte irrumpa como una provocación catártica y no como su exclusiva y <strong>de</strong>finitiva salida<br />

hacia perfección.<br />

EL ESCENARIO <strong>DE</strong> ALEJANDRA | En otro escenario Alejandra Pizarnik versifica: Esta<br />

lúgubre manía <strong>de</strong> vivir /esta recóndita humorada <strong>de</strong> vivir/ te arrastra alejandra no lo<br />

niegues.<br />

La escritora argentina confesaba que la poesía no era para ella una carrera sino un<br />

<strong>de</strong>stino. También manifestaba en su texto: Piedra Fundamental (1971): “No puedo hablar con<br />

mi voz sino con mis voces”. Para Alejandra, la poesía era como una promesa obstinada que<br />

no pretendía eludir, sino a la que se iba acercando- cercando con palabras <strong>de</strong> sesgo<br />

aparentemente ingenuo.<br />

La voz poética vacila entre el no <strong>de</strong>cir y el miedo. Un algo o alguien –no precisa-, que la<br />

habita y <strong>de</strong>vora sigilosamente:..”El poema que no digo/ El que no merezco./ Miedo <strong>de</strong> ser<br />

dos/ camino <strong>de</strong>l espejo/ alguien en mí dormido/ me come y me bebe”.<br />

Sus textos también revelan un <strong>de</strong>seo <strong>de</strong> crear relaciones, nexos, ceremonias con el<br />

lenguaje que se pier<strong>de</strong>n en una tentativa inútil ante el placer <strong>de</strong> unas veces nombrar y otras,<br />

insinuar la muerte. Trampa y escenario <strong>de</strong> lo oscuro y fragmentado.<br />

La voz <strong>de</strong> Alejandra da vuelta-revuelta a signos poéticos capturados con profundidad y<br />

negación. El lector se encuentra con fisuras y sentencias <strong>de</strong> gran po<strong>de</strong>r elíptico, don<strong>de</strong><br />

reposa la metáfora <strong>de</strong>l miedo y <strong>de</strong> la seducción; mientras otras voces la asedian para así<br />

ocultarse <strong>de</strong>l combate con las palabras: “No/ las palabras/ no hacen el amor/hacen la<br />

ausencia”.<br />

Nuevamente las palabras provocadoras-mordaces. No para confabular en un acto<br />

amatorio, sino para ausentarse y reescribirse <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la sintaxis <strong>de</strong> la muerte.<br />

Maritza Cino Alvear (Ecuador, 1957). Poeta y ensayista. Contacto: marissacino@yahoo.com.<br />

Página ilustrada con obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />

62


MATEO RELLO | Manuel Rivas: el rayo que no<br />

cesa<br />

Si por algo se caracteriza Manuel Rivas (A Coruña, 1957) es, sin duda,<br />

por su exuberante creatividad. No es <strong>de</strong> extrañar, pues, que este<br />

gallego situacionista se <strong>de</strong>fina a sí mismo como un contrabandista <strong>de</strong><br />

los géneros, y que salte <strong>de</strong> la poesía a la novela, <strong>de</strong> ésta a la prensa y<br />

<strong>de</strong>l periódico a la pantalla con la misma (aparente) facilidad. Rivas ha<br />

tenido la gentileza y la paciencia <strong>de</strong> contestar a vuelta <strong>de</strong> correo este<br />

bombar<strong>de</strong>o <strong>de</strong> preguntas. [MR]<br />

MATEO RELLO | En 2009 se publicó La <strong>de</strong>saparición <strong>de</strong> la nieve, un poemario en gallego<br />

que se editaba acompañado en un mismo volumen <strong>de</strong> sus traducciones al castellano, catalán<br />

y euskera. Concebiste ese proyecto como un “bosque <strong>de</strong> la biodiversidad” linguística. Sin<br />

embargo, parece que la realidad va por otro lado: con frecuencia da la sensación <strong>de</strong> que<br />

entre los propios ámbitos linguísticos peninsulares hay poca curiosidad y colaboración<br />

mutuas; muchos vascos ignoran lo que escriben los catalanes, estos <strong>de</strong>sconocen la obra <strong>de</strong><br />

los gallegos, etc. Tu obra ha sido un gesto <strong>de</strong> optimismo. ¿Crees que vamos hacia una<br />

normalización <strong>de</strong> la convivencia, a una biodiversidad real, entre castellano, catalán, euskera<br />

y gallego? En un proyecto como La <strong>de</strong>saparición <strong>de</strong> la nieve, ¿la relación con Biel Mesquida y<br />

Jon Kortazar, traductores <strong>de</strong> los versos al catalán y vasco respectivamente, fue especial?<br />

¿Participaste en el proceso más que en otras traducciones <strong>de</strong> tus títulos, al margen <strong>de</strong><br />

haberte encargado <strong>de</strong> la traducción al castellano?<br />

MANUEL RIVAS | Como dijo un marinero en relación con un naufragio, “tengo esperanza,<br />

pero una esperanza negativa”. Algo así siento ahora mismo sobre la perspectiva <strong>de</strong> una<br />

biodiversidad real. En términos <strong>de</strong> geopolítica y <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r cultural, en la Península no parece<br />

una prioridad para nadie, o para casi nadie. Por eso son tan importantes iniciativas<br />

individuales como la <strong>de</strong> vuestra revista. Hay que practicar el contrabando, abrir pasos. Y es<br />

una tarea poética extraer esperanza <strong>de</strong> la <strong>de</strong>sesperanza.<br />

En cuanto a las relaciones con los traductores, en el caso <strong>de</strong> A <strong>de</strong>saparición da neve fue<br />

un proceso bastante diferente al habitual. Se acercó a la creación simultánea. El hecho <strong>de</strong><br />

escribir, el primer texto, digamos, es ya una traducción. Uno traduce <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro hacia afuera.<br />

Pero, a<strong>de</strong>más, al recibir las traducciones <strong>de</strong> Biel y Jon se producía un efecto parecido, se me<br />

ocurre, al <strong>de</strong> la cámara oscura: los poemas se recreaban. Creo que les compliqué un poco la<br />

vida, pero fue algo parecido al camino <strong>de</strong> quita y pon que Merlín, el mago jubilado, llevaba<br />

enrollado en un canuto.<br />

MATEO RELLO | Has hablado con frecuencia <strong>de</strong> la importancia <strong>de</strong> la tradición oral,<br />

transmitida por tu madre, en tu acercamiento a la literatura. Esa tradición ha aportado<br />

siempre vigor y raigambre a tu obra. ¿Está ella en el origen <strong>de</strong> tu querencia por lo cotidiano<br />

(historias <strong>de</strong> personajes, presencia <strong>de</strong> los oficios), tanto como <strong>de</strong> ese sesgo mítico y fabulado<br />

(has hablado alguna vez <strong>de</strong> la naturaleza como “fábula más ecología”), tan galaico? La<br />

oralidad ¿tiene todavía un papel en tu mundo <strong>de</strong> creador? Por otro lado, un escritor <strong>de</strong> tu<br />

generación, formada bajo el régimen franquista, ¿cómo contacta con la tradición escrita en<br />

gallego?<br />

MANUEL RIVAS | Creo que el canto está en el origen <strong>de</strong>l lenguaje. También el relato<br />

poético, oral, está en el sustrato <strong>de</strong> lo que hoy llamamos literatura. Es interesante la<br />

interpretación crítica <strong>de</strong> la Odisea como un urdido <strong>de</strong> historias enlazadas por varias voces en<br />

63


el tiempo. Un escribir en el aire que va tomando forma hasta que un día se <strong>de</strong>canta en forma<br />

<strong>de</strong> texto. Dicho con la <strong>de</strong>bida ironía, Homero son varios meros. Pero este ejemplo también<br />

nos pue<strong>de</strong> servir para cuestionar una i<strong>de</strong>a ingenua o naif sobre la oralidad, esa asociación<br />

entre lo oral y lo espontáneo. En la narrativa popular, en los cuentos <strong>de</strong> lar o taberna o<br />

velorio, para enten<strong>de</strong>rnos, hay un oficio, un mester <strong>de</strong>l contar, una complejidad y una<br />

estructura formal en la que son fundamentales, cuando se logra, la sutilidad y la ironía. Es<br />

<strong>de</strong>cir, se habla <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “otro tiempo”. Y ese “otro tiempo” no es antiguo ni mo<strong>de</strong>rno, sino<br />

“otro tiempo”. Cuando los animales hablaban. Es <strong>de</strong>cir, pura vanguardia.<br />

La primera herramienta en el oficio <strong>de</strong> escribir es el escuchar. Las historias te buscan,<br />

como <strong>de</strong>cía Kafka, pero siempre que estés con los sentidos <strong>de</strong>spiertos, en posición <strong>de</strong><br />

escucha. Antes <strong>de</strong> ser escritor, antes y ahora, creo que soy un escoita. Así se llamaba a los<br />

marineros que tenían una oreja más gran<strong>de</strong> que otra. En forma <strong>de</strong> caracola. Para escuchar el<br />

mar.<br />

El franquismo fue una mala sombra que me afectó, pero, por suerte, el lenguaje tiene una<br />

estrategia <strong>de</strong> supervivencia y se salva <strong>de</strong> las dosis <strong>de</strong> arsénico que en él <strong>de</strong>positan los<br />

regímenes totalitarios. El partido <strong>de</strong> la vida es frágil pero resistente, como la hierba, aunque<br />

le pase por encima la maquinaria pesada <strong>de</strong> la historia. Y las palabras, para sobrevivir sin<br />

per<strong>de</strong>r el sentido, se refugian en las “voces bajas”.<br />

MATEO RELLO | Mo<strong>de</strong>lar el vacío, trabajar con la materia en torno a él, contando con él<br />

¿consiste en eso el sustracionismo <strong>de</strong>l que hablas en algún poema? En todo caso, ¿se trata <strong>de</strong><br />

una operación artística también al alcance <strong>de</strong>l poeta? Sin alejarnos <strong>de</strong>l tema: el<br />

fragmentarismo como estilo o técnica poéticas parece estar muy en boga (pienso en autores<br />

como Fernán<strong>de</strong>z Mallo, Sergio Gaspar, Kirmen Uribe o tú mismo); sin duda, jugando con los<br />

fragmentos se pue<strong>de</strong> ofrecer una visión contemporánea <strong>de</strong> una sociedad contemporánea,<br />

amén <strong>de</strong> <strong>de</strong>jar soplar por sus huecos el misterio y la interrogación frente a la certeza plana y<br />

directa, pero, a la vez, ¿no se corre un cierto peligro <strong>de</strong> superficialidad o <strong>de</strong> una cierta falta<br />

<strong>de</strong> cohesión interna <strong>de</strong>l poema? ¿Por qué tantos autores recurren a esta técnica? ¿Es un signo<br />

<strong>de</strong> tiempos posmo<strong>de</strong>rnos, <strong>de</strong>l archipiélago? Aunque <strong>de</strong> modo ligeramente distinto, historia y<br />

biografía son dos ámbitos en los que la pérdida y el olvido excavan importantes galerías.<br />

Des<strong>de</strong> este punto <strong>de</strong> vista, cuestiones como azar y Canon, azar e i<strong>de</strong>ntidad, ¿te interesan,<br />

por sí solas y en esas combinaciones?<br />

MANUEL RIVAS | En Portugal llaman “<strong>de</strong>posito <strong>de</strong> monstros” a <strong>de</strong>terminados tipos <strong>de</strong><br />

verte<strong>de</strong>ros. Lo que tenemos <strong>de</strong>lante, en panorámica “histórica”, es un Depósito <strong>de</strong><br />

Monstruos. Los gran<strong>de</strong>s relatos históricos basados en la fe, la utopía, el progreso infinito...<br />

son eso: monstruos. Existen los añicos, los restos... Escribir hoy es andar al raque por la<br />

orilla <strong>de</strong>l mar. En gallego se dice “andar ás crebas”. Apañar lo que el mar empuja, arroja o<br />

vomita. El mar es un gran productor <strong>de</strong> metáforas. Pero no se encuentran restos si no se<br />

<strong>de</strong>ambula. Escribir para mí es <strong>de</strong>ambular. Ese andar vadio, vagabundo, a lo zonzo, sin<br />

sentido aparente, es en sí un sentido. Si vas a un barrio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s bloques <strong>de</strong> edificios, sin<br />

zonas ver<strong>de</strong>s, inhóspito, lo que uno tiene que hacer es fijarse en el andar situacionista <strong>de</strong> los<br />

ancianos: ellos te van a llevar a algún microclima, a una unidad <strong>de</strong> ambiente, don<strong>de</strong> se cuele<br />

el sol y fermente la memoria. Se refugian en el añico. Cada vez más achicado. Y <strong>de</strong>s<strong>de</strong> allí se<br />

percibe todo lo substraído.<br />

Así que el fragmentarismo no se pue<strong>de</strong> separar <strong>de</strong>l andar simultáneo, <strong>de</strong> la <strong>de</strong>riva, <strong>de</strong>l<br />

vagabun<strong>de</strong>o. Que bor<strong>de</strong>a el vacío. Que picotea en el hueco <strong>de</strong> la historia. De ponerle un<br />

adjetivo, hablaría <strong>de</strong> una poética vadía, vagabunda, que recompone los fragmentos como<br />

una constelación <strong>de</strong> sentido, con nueva simetrías.<br />

MATEO RELLO | Un poco más <strong>de</strong> dialéctica: permíteme la broma <strong>de</strong> <strong>de</strong>cirte que, por tu<br />

tratamiento literario <strong>de</strong> la naturaleza, podrías pasar por un griego clásico: ésta nunca<br />

64


aparece como un cuadro estático, sino como proceso; es muerte y luego retorno y<br />

resurrección –dos elementos, por cierto, importantes en tu cosmología–; es el palimpsesto <strong>de</strong><br />

la nieve, la misma que borra, pero protege la semilla y la memoria hasta que llega abril, el<br />

mes más cruel. Y un piropo naïf: a pesar <strong>de</strong> tanta dialéctica, hay en tu obra un cierto<br />

componente <strong>de</strong> imaginación infantil, <strong>de</strong> fábula, que invita a imaginarte como un personaje<br />

<strong>de</strong> Jean–Pierre Jeunet, empuñando aún la pequeña máquina <strong>de</strong> escribir <strong>de</strong> tu padrino, Xosé<br />

Couseiro.<br />

MANUEL RIVAS | En el principio está el miedo, la necesidad <strong>de</strong> vencerlo. No es la noche.<br />

Sabemos que, al final, la noche ha venido para protegernos. Como <strong>de</strong>cía Novalis, es la “gran<br />

reveladora”. El miedo te enfrenta al horror pero también al extremo <strong>de</strong> lo cómico. El primer<br />

miedo <strong>de</strong>l que tengo memoria es el que me provocaron los cabezudos un día <strong>de</strong> fiesta: esos<br />

cabezudos eran los Reyes Católicos. Todavía andan por ahí, en los pasacalles.<br />

Y, en cuanto a la naturaleza, no es el espacio <strong>de</strong> contemplación. Estamos en guerra contra<br />

ella. La tratamos como una puta o una esclava. Luego le hacemos poemas... Bueno, todavía<br />

hay lugar para un haiku, siempre que los mirlos estén ebrios con las bayas <strong>de</strong>l madroño.<br />

MATEO RELLO | Sueles <strong>de</strong>cir que, aunque la poesía es “la célula madre” <strong>de</strong> tu obra, te<br />

consi<strong>de</strong>ras un “contrabandista <strong>de</strong> los géneros”. Añadiría que un contrabandista que, a<strong>de</strong>más,<br />

gusta <strong>de</strong>l diálogo con otras artes (<strong>de</strong> hecho, te apoyas en la pintura para formular tu teoría<br />

<strong>de</strong>l sustracionismo). Sea como sea, un contrabandista como tú, ¿opta por el poema cuando<br />

necesita una <strong>de</strong>terminada forma <strong>de</strong> intensidad? Dicho <strong>de</strong> otro modo, quizás peligrosamente<br />

místico, la poesía ¿es literatura? Las palabras se encuentran en el poema <strong>de</strong> acuerdo a una<br />

“enigmática organización”, según expresión tuya. ¿Subyace en esa i<strong>de</strong>a un resabio romántico,<br />

una reformulación <strong>de</strong>l concepto <strong>de</strong> inspiración? ¿Por qué se ha reducido tanto tu producción<br />

poética <strong>de</strong>s<strong>de</strong> finales <strong>de</strong> los 90? ¿Traes entre manos poemas nuevos? De ser así, ¿sigues<br />

alejándote <strong>de</strong> aquella poesía sentimental <strong>de</strong> tu juventud, yendo a otra <strong>de</strong> “conocimiento”?<br />

MANUEL RIVAS | Los surrealistas hablaban <strong>de</strong>l “círculo <strong>de</strong> los antónimos” como el punto<br />

<strong>de</strong> arranque creativo. La poesía es ese círculo, el primero <strong>de</strong> los círculos concéntricos <strong>de</strong> la<br />

literatura. La boca <strong>de</strong> la literatura se reconoce <strong>de</strong> inmediato. Intenta <strong>de</strong>cir lo que no se pue<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cir. Es luz y sombra y luz. Enigmatiza. Ahí está la poesía, no importa en qué formato.<br />

Al margen <strong>de</strong> esta i<strong>de</strong>a, no he <strong>de</strong>jado <strong>de</strong> escribir y publicar poesía con el formato digamos<br />

“tradicional”, pero siempre en convulsión... En gallego se publicó una antología con obra en<br />

parte inédita: Do <strong>de</strong>scoñecido ao <strong>de</strong>scoñecido. Y por ahí andan poemas ceibes, sueltos, libres...<br />

MATEO RELLO | El miedo. La guerra y el miedo. Pero miedo no solo en la coyuntura<br />

bélica, sino como parte <strong>de</strong> la propia condición humana. Por él, tus inquietu<strong>de</strong>s sobre la<br />

guerra <strong>de</strong>l 36 superan el ámbito <strong>de</strong> reivindicación al que estamos acostumbrados. El miedo<br />

es una presencia frecuente en tu obra y se entrevera con la memoria. Ya en uno <strong>de</strong> tus<br />

primeros poemas, “Pan negro”, <strong>de</strong>dicado al abuelo republicano, es un tema importante.<br />

MANUEL RIVAS | Nabokov <strong>de</strong>fendía que el origen <strong>de</strong> la literatura estaba en el miedo, en<br />

esa forma <strong>de</strong> conjurar el miedo que son los cuentos tradicionales, como “Pedro y el lobo”. Y<br />

el miedo más común en esos cuentos es el miedo al abandono. Lo ocurrido en España, esta<br />

amnesia retrógrada, es una forma atroz <strong>de</strong> abandono, la victoria <strong>de</strong> la inhumanidad. La “hiel<br />

sempiterna”, que escribió Luís Cernuda.<br />

MATEO RELLO | En 2011, el Día das Letras Galegas estuvo <strong>de</strong>dicado a Lois Pereiro, gran<br />

poeta cuya obra fuiste <strong>de</strong> los primeros en reivindicar. A priori, la poesía <strong>de</strong> Pereiro, tanto por<br />

su carácter transgresor y <strong>de</strong>scarnado como por su impulso libertario, <strong>de</strong>be resultar<br />

incómoda a cualquier oficialidad; el hecho <strong>de</strong> que esta obra fuese la homenajeada <strong>de</strong> 2011,<br />

65


¿supone un signo <strong>de</strong> normalidad en la cultura gallega? Y, aun siendo así, ¿levantó ampollas?<br />

¿Te sientes partícipe <strong>de</strong> aquella misma movida atlántica en la que se ha encuadrado a Lois, y<br />

que cuenta con tantos representantes en el ámbito <strong>de</strong>l pop (Os resentidos y, luego, Antón<br />

Reixa en solitario, Siniestro Total…). ¿Cómo es el momento que vive la poesía en gallego?<br />

¿Goza <strong>de</strong> buena salud?<br />

MANUEL RIVAS | En Galicia vivimos una época <strong>de</strong> “malestar <strong>de</strong> la cultura”, y lo digo en el<br />

sentido más freudiano. Es un estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>construcción e incluso hostilidad. En realidad, el<br />

hábitat que nos es propio es el exilio, la diáspora, y un interior mohicano. Galicia renació en<br />

América. Esa sí que fue una movida. Una movida trasatlántica. Como un signo <strong>de</strong> lo que<br />

digo, pensemos que el himno gallego, que tiene letra interrogativa y no apodíctica, se<br />

interpretó por vez primera en La Habana, en 19<strong>06</strong>. A mediados <strong>de</strong>l siglo XX, las principales<br />

editoriales gallegas estaban en Argentina y Uruguay. Si sigue este ritmo <strong>de</strong> <strong>de</strong>construcción,<br />

en pocos años tendremos que volver a editar en América... De vez en cuando hay que<br />

ponerse apoucalíptico, que es una forma mo<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> ser apocalíptico.<br />

Lo ocurrido este año con la obra <strong>de</strong> Lois parece contra<strong>de</strong>cir este pesimismo. Un fenómeno<br />

que llamamos vento Lois. En fin, si nos ponemos estupendos po<strong>de</strong>mos proclamar: ¡Qué bien<br />

cojea la literatura gallega!<br />

MATEO RELLO | ¿Es posible reformular literariamente “lo colectivo” en época<br />

posmo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> Lyotard?<br />

MANUEL RIVAS | En Poesía como arte insurgente, Lawrence Ferlinghetiti habla <strong>de</strong>l poeta<br />

como “cuarta persona <strong>de</strong>l singular”. Completaría la respuesta con el capítulo XIV <strong>de</strong> Las uvas<br />

<strong>de</strong> la ira. Allí está todo sobre el asunto.<br />

Mateo Rello (España, 1968). Poeta y editor. Es autor <strong>de</strong> los poemarios Orilla sur, fábula <strong>de</strong><br />

Barcelona (2002), Libro <strong>de</strong> cuentos (2009) y A lomos <strong>de</strong> salamandra (2009). Entrevista<br />

originalmente publicada em Caravansari # 4 (Barcelona, <strong>2013</strong>), revista que el mismo dirige:<br />

www.caravansari.com. Traducción al castellano <strong>de</strong> Fina Iglesias. Contacto:<br />

mateorello@andaluciajunta.es. Página ilustrada con obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista<br />

invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />

66


MIGUEL ESPEJO | Los meandros surrealistas<br />

LA LARGA DURACIÓN <strong>DE</strong>L SURREALISMO EN ARGENTINA | En<br />

ocasiones, constituye un <strong>de</strong>safío cada vez más arduo sustraerse a la<br />

utilización <strong>de</strong>l concepto <strong>de</strong> “larga duración”, que <strong>de</strong>sarrollara la Escuela<br />

<strong>de</strong> los Anales y el gran historiador Fernand Brau<strong>de</strong>l, para compren<strong>de</strong>r<br />

con mayor precisión algunos fenómenos no sólo consi<strong>de</strong>rados<br />

propiamente históricos (las guerras por la In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia, la formación<br />

<strong>de</strong>l Estado-nación, la inmigración en nuestro país, para mencionar estos procesos notorios),<br />

sino también aquellos pertenecientes al campo <strong>de</strong> la literatura, <strong>de</strong>l arte y <strong>de</strong> las religiones.<br />

Dentro <strong>de</strong> la palabra escrita, e incluso <strong>de</strong> la tradición oral, los límites espaciales y<br />

temporales forzosamente son muy laxos. Por ejemplo, las jarchas mozárabes, el jézel, los<br />

villancicos, los romances, reaparecieron, por cierto modificados, en las coplas registradas en<br />

los romanceros <strong>de</strong>l noroeste argentino. [1]<br />

Dicho esto y guardando las <strong>de</strong>bidas proporciones, no se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>jar <strong>de</strong> advertir que los<br />

procesos literarios, sus corrientes y movimientos -aun en un marco pequeño como los que<br />

correspon<strong>de</strong>n a nuestro país, si lo ponemos en relación a la literatura occi<strong>de</strong>ntal-, son<br />

ubicuos y versátiles y, estrictamente, no pue<strong>de</strong>n ser situados en terrenos muy <strong>de</strong>limitados.<br />

Las distintas estribaciones <strong>de</strong>l surrealismo, que tuvo en París su capital indiscutible,<br />

adquirieron una proyección prácticamente planetaria. En Argentina, sobre todo en Buenos<br />

Aires, tanto en el ámbito pictórico (producción que merecería un capítulo aparte) como en el<br />

poético, en artes plásticas y literatura, el movimiento surrealista gozó <strong>de</strong> una vitalidad<br />

especial respecto <strong>de</strong> otros países latinoamericanos, acor<strong>de</strong> a la permeabilidad que hubo en<br />

nuestras distintas manifestaciones artísticas y culturales para aceptar las experiencias<br />

vanguardistas que se <strong>de</strong>sarrollaron en las gran<strong>de</strong>s urbes <strong>de</strong>l mundo. Un ejemplo prístino lo<br />

constituye el caso <strong>de</strong> Xul Solar (Oscar Agustín Schulz Solari, 1887-1963), que no sólo con sus<br />

pinturas dio pruebas <strong>de</strong> pertenecer a esas enormes posibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> experimentación, sino<br />

también con sus emprendimientos linguísticos (intentó la construcción <strong>de</strong> varios lenguajes<br />

artificiales) y sus más que aficiones esotéricas, astrológicas, zodiacales, “campos<br />

magnéticos” comunes a las creencias <strong>de</strong>l surrealismo.<br />

Posiblemente por esta misma onda <strong>de</strong> “larga duración”, hubo que esperar hasta el año<br />

2001 para la aparición <strong>de</strong> la Poesía completa <strong>de</strong> Aldo Pellegrini, que recoge poemas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

finales <strong>de</strong> la década <strong>de</strong>l 20 hasta su muerte, bajo el título <strong>de</strong> uno <strong>de</strong> sus primeros libros, La<br />

valija <strong>de</strong> fuego, o sea, tres cuartos <strong>de</strong> siglo <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> que iniciara, en 1926, junto a sus<br />

compañeros <strong>de</strong> medicina Elías Piterbarg, David Sussman y Marino Cassano, la conformación<br />

<strong>de</strong>l primer grupo surrealista en lengua castellana y, a fortiori, en Hispanoamérica, es <strong>de</strong>cir,<br />

sólo un par <strong>de</strong> años <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> que se publicara el Primer Manifiesto Surrealista “en el<br />

órgano exclusivo <strong>de</strong> ese movimiento: La Révolution Surréaliste”. [2] En aquella década,<br />

cuando se produjo la publicación <strong>de</strong> Proa y, sobre todo, <strong>de</strong> la revista Martín Fierro, todavía<br />

se estaba lejos <strong>de</strong> una absorción medular o plena <strong>de</strong> las experiencias <strong>de</strong> las vanguardias en<br />

la literatura <strong>de</strong> la época. Ni el estri<strong>de</strong>ntismo <strong>de</strong> Maples Arce, ni el creacionismo <strong>de</strong> Huidobro,<br />

[3] ni el ultraísmo <strong>de</strong> Borges, y <strong>de</strong> todos aquellos que los acompañaron, habían alcanzado a<br />

<strong>de</strong>stronar a ese po<strong>de</strong>roso movimiento que fue el mo<strong>de</strong>rnismo en nuestra lengua. Muchos<br />

fueron los signos y señales que dio el mo<strong>de</strong>rnismo acerca <strong>de</strong> la aparición <strong>de</strong>l fenómeno <strong>de</strong><br />

las vanguardias, ya que se consi<strong>de</strong>raba una <strong>de</strong> ellas, y quizás la <strong>de</strong>cisiva. Las Montañas <strong>de</strong>l<br />

Oro (1897) <strong>de</strong> Leopoldo Lugones pue<strong>de</strong>n examinarse también en esta dirección, don<strong>de</strong><br />

elementos alquímicos se unían con la captación <strong>de</strong> la realidad suprasensible para arribar a la<br />

contemplación <strong>de</strong> lo invisible, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un lenguaje todavía impregnado <strong>de</strong> un<br />

romanticismo tardío. [4]<br />

Ahora bien, es evi<strong>de</strong>nte que las corrientes vanguardistas no fueron ni son equiparables al<br />

mo<strong>de</strong>rnismo, ya que algunas <strong>de</strong> las innovaciones propuestas por éste fueron <strong>de</strong>splazadas, y<br />

67


hasta repudiadas, por las vanguardias que lo siguieron y continuaron. Pese a todos estos<br />

embates, muchas <strong>de</strong> las propuestas mo<strong>de</strong>rnistas quedaron en pie por un largo periodo,<br />

incluso <strong>de</strong>vinieron preceptos <strong>de</strong> lo que podría <strong>de</strong>nominarse poesía “oficial”, académica y, por<br />

otra parte, se transmitieron curiosamente a la naciente poesía <strong>de</strong>l tango. Recor<strong>de</strong>mos que<br />

todavía un cuarto <strong>de</strong> siglo <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la conformación <strong>de</strong>l primer grupo surrealista, en<br />

1951, se publicó el primer número <strong>de</strong> la revista El 40, cuyo subtítulo era en sí mismo un<br />

postulado: “revista literaria <strong>de</strong> una generación”, cuyas convicciones estéticas, al menos las <strong>de</strong><br />

un sector importante <strong>de</strong> la llamada “Generación <strong>de</strong>l 40”, se situaban todavía lejos, o en las<br />

antípodas, <strong>de</strong> las vanguardias anti o posmo<strong>de</strong>rnistas.<br />

Así, pese a la cercanía <strong>de</strong> los orígenes respecto <strong>de</strong>l Primer Manifiesto, el año 1926 <strong>de</strong>be<br />

ser consi<strong>de</strong>rado más un símbolo que una concreción <strong>de</strong> los postulados surrealistas. De<br />

acuerdo a confesiones <strong>de</strong> los participantes, se limitaron a efectuar ejercicios <strong>de</strong> escritura<br />

automática, sin ir mucho más lejos en otros registros propuestos por el movimiento: la<br />

adhesión al “puro automatismo psíquico” era en ese momento irrestricta. Aldo Pellegrini<br />

(1903-1973), sin duda el propulsor <strong>de</strong>cisivo <strong>de</strong>l surrealismo en estas tierras, fue el único en<br />

sentirse totalmente i<strong>de</strong>ntificado con todos sus postulados y la ortodoxia con que eran<br />

<strong>de</strong>fendidos. Su juventud no era una excepción, sino la regla, a juzgar por la edad promedio<br />

que tenían los firmantes <strong>de</strong>l Primer y Segundo Manifiesto, allá en París. Pero esta adhesión<br />

no se tradujo en manifiestos, ni en una producción inmediata consi<strong>de</strong>rable, ni menos todavía<br />

en <strong>de</strong>cisiones partidarias o <strong>de</strong>finiciones políticas -aun cuando existiera una clara simpatía<br />

por el marxismo y la revolución bolchevique, sobre todo en el plano individual y no grupal-,<br />

<strong>de</strong> tal manera que el pequeño grupo <strong>de</strong> los comienzos no tuvo que atravesar por las feroces<br />

disputas que fisuraron al movimiento surrealista en París, especialmente en la década <strong>de</strong>l 30,<br />

por el advenimiento <strong>de</strong>l stalinismo con sus purgas, y la urgencia con que algunos <strong>de</strong> sus<br />

miembros reclamaban que el movimiento adhiriera, en un todo, a la política <strong>de</strong>sarrollada por<br />

el Partido Comunista Francés y por los otros partidos adláteres <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>roso y hegemónico<br />

Partido Comunista <strong>de</strong> la Unión Soviética. Estas escisiones llegaron a la médula <strong>de</strong>l<br />

movimiento surrealista. Desgarrado ante la alternativa <strong>de</strong> optar entre la fi<strong>de</strong>lidad a las<br />

proposiciones originales <strong>de</strong>l surrealismo, sustentadas con cierto autoritarismo por Breton, y<br />

la revolución encabezada supuestamente por la URSS, René Crevel, en 1935, en la víspera <strong>de</strong>l<br />

Congreso Internacional <strong>de</strong> Escritores para la Defensa <strong>de</strong> la <strong>Cultura</strong>, se suicida. Por el<br />

contrario, otros como Louis Aragon y Paul Eluard, entre los principales, optaron por adherir<br />

a esa propuesta política y se alejaron <strong>de</strong>l movimiento.<br />

De este modo, antes <strong>de</strong> que los acontecimientos históricos sacudieran a todas las<br />

manifestaciones <strong>de</strong> la cultura <strong>de</strong> entre guerra, el surrealismo, <strong>de</strong>spués <strong>de</strong>l dadaísmo, fue una<br />

toma <strong>de</strong> posición estética y axiológica, al mismo tiempo que una consecuencia <strong>de</strong> la Gran<br />

Guerra. Al margen <strong>de</strong> las diversas apreciaciones sobre el influyente trabajo <strong>de</strong> Arnold<br />

Hauser, Historia Social <strong>de</strong> la Literatura y <strong>de</strong>l Arte, y <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sgaste que el tiempo haya<br />

provocado en esta obra publicada pocos años <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la conclusión <strong>de</strong> la Segunda Guerra<br />

Mundial, resulta difícil no coincidir con ella cuando afirma: “Las tres corrientes principales<br />

en el arte <strong>de</strong>l nuevo siglo tienen sus precursores en el período prece<strong>de</strong>nte: el cubismo, en<br />

Cézanne y los neoclásicos; el expresionismo, en Van Gogh y Strindberg; el surrealismo, en<br />

Rimbaud y Lautréamont”. [5] En efecto, el surrealismo se inscribe en ese enorme proceso <strong>de</strong><br />

transformación <strong>de</strong>l significado <strong>de</strong>l arte que tuvo lugar, inicialmente, en el último tercio <strong>de</strong>l<br />

siglo XIX, cuando el predominio <strong>de</strong>l concepto <strong>de</strong> la representación <strong>de</strong> lo real ce<strong>de</strong> ante el<br />

avasallador ímpetu <strong>de</strong> los artistas, <strong>de</strong>cididos a buscar nuevos medios expresivos para<br />

compren<strong>de</strong>r, justamente, la realidad inédita que tenían ante sí. Los escritos <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire,<br />

tanto como Las flores <strong>de</strong>l mal, al igual que la ruptura <strong>de</strong> los límites forjada por Rimbaud en<br />

Una temporada en el infierno o por Mallarmé en Un golpe <strong>de</strong> dados, ilustran la ina<strong>de</strong>cuación<br />

entre la nueva realidad circundante y los cánones heredados <strong>de</strong>l pasado.<br />

El surrealismo estaba <strong>de</strong>cidido a “cambiar la vida” y a “transformar el mundo”, <strong>de</strong><br />

acuerdo con las célebres fórmulas suscriptas por Arthur Rimbaud y Carlos Marx, cuando<br />

68


todavía ellas parecían conciliables. Con su habitual vuelo lírico (y antilírico al mismo tiempo)<br />

Breton escribió en su Primer Manifiesto: “Querida imaginación: lo que me gusta sobre todo<br />

<strong>de</strong> ti es que no perdonas.” [6] Incluso en 1952, en el primer número <strong>de</strong> A partir <strong>de</strong> cero,<br />

Enrique Molina insiste en la i<strong>de</strong>ntificación total entre vida y poesía, a tal punto que las<br />

exigencias que estos autores le hicieron a la poesía para “cambiar la vida” son <strong>de</strong> un or<strong>de</strong>n<br />

que la historia <strong>de</strong>l arte no había conocido. Aun reflejando la precariedad <strong>de</strong>l hombre, su<br />

nada esencial, su transitoriedad, es un movimiento <strong>de</strong> cara al futuro, que hun<strong>de</strong> sus lejanas<br />

raíces en el Romanticismo y en su lucha contra el Iluminismo. Se atreve a reclamar, más allá<br />

<strong>de</strong> la literatura, una vida diferente para la especie humana. En este aspecto, no se lo pue<strong>de</strong><br />

asimilar sin más a las otras experiencias <strong>de</strong> vanguardia que tuvieron lugar en las primeras<br />

décadas <strong>de</strong>l siglo XX. Quizás haya que acudir a algunos postulados implícitos en el<br />

humanismo renacentista, como la articulación <strong>de</strong>l mundo a partir <strong>de</strong>l ser humano, para<br />

encontrar algo semejante, al menos en sus objetivos y pretensiones, a una ten<strong>de</strong>ncia artística<br />

que solicitó dotar <strong>de</strong> un nuevo sentido al mundo que rechazaba.<br />

“El poeta surrealista [escribe Pellegrini en su fundamental Antología <strong>de</strong> la Poesía<br />

Surrealista], como todo artista creador, pone en juego una particular función <strong>de</strong>l espíritu: la<br />

imaginación. Recor<strong>de</strong>mos lo que dijo <strong>de</strong> ella Bau<strong>de</strong>laire: ‘Es la más científica <strong>de</strong> las<br />

faculta<strong>de</strong>s, porque sólo ella compren<strong>de</strong> la analogía universal’.” Y un poco antes: “La libertad<br />

y el amor son los pilares <strong>de</strong> la concepción surrealista <strong>de</strong>l hombre.” [7] Como pue<strong>de</strong><br />

observarse, no es la preocupación política inmediata la que se impone en la corriente<br />

surrealista <strong>de</strong> nuestro país, sino una percepción insobornable <strong>de</strong> la libertad y <strong>de</strong> la<br />

autonomía <strong>de</strong>l escritor para ejercer su actividad, en contra <strong>de</strong> todos los po<strong>de</strong>res y <strong>de</strong> todos<br />

los dictámenes. Si bien comparten con los surrealistas franceses y europeos su inclinación<br />

por el sueño, por la escritura automática y por los mecanismos <strong>de</strong>l inconsciente –su<br />

“gramática”, según Jacques Lacan-, lo hacen <strong>de</strong> un modo pru<strong>de</strong>nte, con cierta distancia,<br />

<strong>de</strong>jando abiertas las puertas para otras experiencias poéticas y literarias. Breton dio<br />

muestras <strong>de</strong> esta “amplitud”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el Primer Manifiesto, cuando intentó incluir en el<br />

surrealismo a todo autor que le pareció compatible con sus objetivos, al mismo tiempo que<br />

consi<strong>de</strong>raba a Saint-John Perse surrealista a la distancia y a Mallarmé surrealista en la<br />

confi<strong>de</strong>ncia. Des<strong>de</strong> luego, ignoraba las obras que se encontraban acometiendo, por esa fecha,<br />

César Vallejo, Manuel Maples Arce y Oliverio Girondo, quienes habían publicado<br />

respectivamente, en 1922, el mismo año <strong>de</strong> la aparición <strong>de</strong> Anábasis <strong>de</strong> Perse, Trilce,<br />

Andamios interiores y Veinte poemas para ser leídos en un tranvía.<br />

Para apreciar con cierto equilibrio las particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l surrealismo argentino conviene<br />

examinar otras zonas y otros márgenes <strong>de</strong> sus activida<strong>de</strong>s. En la colección que Pellegrini<br />

fundara y dirigiera en la Cía. Fabril Editora, por la misma época en que publicaba su<br />

Antología, encontramos los nombres <strong>de</strong> Saint-John Perse, Ungaretti, Pessoa, Rimbaud (en la<br />

traducción que hiciera Oliverio Girondo junto a Enrique Molina), Prevert, Milosz, Daumal y<br />

las antologías <strong>de</strong> Poesía Precolombina y <strong>de</strong> Poesía China que prepararon Asturias, por un<br />

lado, y Rafael Alberti con María Teresa León, por otro. Una verda<strong>de</strong>ra vocación por la alta<br />

poesía en todas las lenguas, que a Pellegrini no le impidió producir por sí mismo una poesía<br />

que recién pue<strong>de</strong> ser plenamente valorada como una <strong>de</strong> las más intensas que se hicieron en<br />

nuestra lengua –aun cuando el autor no hiciera mucho por la difusión <strong>de</strong> su propia obra-,<br />

junto a la <strong>de</strong> su gran amigo Enrique Molina.<br />

Hay a<strong>de</strong>más dos libros traducidos y prologados por Pellegrini que constituyen una<br />

<strong>de</strong>finición estética e implícita <strong>de</strong> lo que <strong>de</strong>bía enten<strong>de</strong>rse por actividad surrealista. Uno <strong>de</strong><br />

ellos, las Obras completas <strong>de</strong> Lautréamont, con una versión <strong>de</strong> Los Cantos <strong>de</strong> Maldoror que es<br />

casi una hazaña linguística, publicada por primera vez en 1964, en Ediciones Boa, con un<br />

largo estudio preliminar, “El Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lautréamont y su obra”. [8] El otro libro, Van Gogh el<br />

suicidado por la sociedad, apareció en 1971, con el sello <strong>de</strong> la reflotada Editorial Argonauta<br />

(fundada por Aldo Pellegrini y Sussman, en la década <strong>de</strong>l 40, fue clausurada durante el<br />

gobierno <strong>de</strong> Perón), con un texto introductorio, más extenso que el <strong>de</strong>l propio Artaud, y que<br />

69


Pellegrini tituló “Artaud, el enemigo <strong>de</strong> la sociedad”; al año siguiente, muy poco antes <strong>de</strong> su<br />

muerte, apareció otro texto <strong>de</strong> Artaud, Heliogábalo o el anarquista coronado (traducido por<br />

Victor Goldstein). En suma, Pellegrini fue capaz <strong>de</strong> aunar la elaboración <strong>de</strong> su palabra<br />

poética con el rol <strong>de</strong> difusor y divulgador <strong>de</strong> obras, que prefiguraron al surrealismo o lo<br />

acompañaron, a pesar <strong>de</strong> las rupturas y disputas ya aludidas.<br />

LAS REVISTAS: <strong>DE</strong> 1928 A 1967 | Las intermitentes revistas que Pellegrini echara a andar<br />

junto a diversos acompañantes, o las que simplemente impulsó, según la época, se han<br />

constituido en piezas inhallables, codiciadas por anticuarios y coleccionistas <strong>de</strong>l<br />

surrealismo. Fueron varias y tuvieron muchos rasgos en común, en especial su carácter<br />

efímero ya que se publicaron muy pocos números <strong>de</strong> cada una: Qué (1928-1930); Ciclo (1948-<br />

1949); A partir <strong>de</strong> cero (1952 y 1956); Letra y línea (1953-54); Boa (1958) y La rueda (1967).<br />

En los dos números <strong>de</strong> la revista Qué, al grupo original se agregó Ismael Piterbarg,<br />

hermano <strong>de</strong> Elías. Todos los miembros <strong>de</strong>l grupo utilizaron seudónimos para firmar sus<br />

textos y poemas, lo que hubiera parecido sugerir la existencia <strong>de</strong> un contexto social poco<br />

proclive a aceptar las activida<strong>de</strong>s literarias y libertarias <strong>de</strong> sus miembros, al mismo tiempo<br />

que su <strong>de</strong>sarrollo profesional; pero que, en realidad, indicaba el <strong>de</strong>sprecio que sentían por la<br />

literatura entendida como profesión y sus implícitos galardones. En el editorial <strong>de</strong>l primer<br />

número <strong>de</strong> Qué: “Pequeño esfuerzo <strong>de</strong> justificación colectiva”, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> reconocer el<br />

“placer <strong>de</strong> una ilimitada libertad expansiva”, sus miembros <strong>de</strong>claran (y también <strong>de</strong>claman) su<br />

actitud subversiva:<br />

Si <strong>de</strong>svalorizamos la vida es por la evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> un <strong>de</strong>stino. Vomitamos inconteniblemente<br />

sobre todas las formas <strong>de</strong> resignación a este <strong>de</strong>stino (cualidad máxima <strong>de</strong>l espíritu burgués)<br />

y miramos con simpatía todos esos aspectos <strong>de</strong> una liberación voluntaria o involuntaria:<br />

enfermedad, locura, suicidio, crimen, revolución. Pero esto no pasa <strong>de</strong> ser una posición<br />

moral. En realidad estamos <strong>de</strong>cididos a no intentar nada fundamental fuera <strong>de</strong> nosotros.<br />

[9]<br />

Hay <strong>de</strong>recho a sospechar que nos encontramos, como en el Primer Manifiesto, con la<br />

corriente antipsiquiátrica avant la lettre, aunque sin duda la cuestión es más compleja. Un<br />

poco antes <strong>de</strong>l comienzo <strong>de</strong> la Primera Guerra Mundial, Apollinaire se había <strong>de</strong>dicado a<br />

recuperar al Marqués <strong>de</strong> Sa<strong>de</strong>, quien con más <strong>de</strong> un siglo <strong>de</strong> anticipación a los surrealistas<br />

había escrito: “Hay que tener el coraje <strong>de</strong> romper todos los límites”. Y fue Apollinaire,<br />

justamente, quien contribuyó a consolidar los vínculos entre escritores y artistas plásticos,<br />

con su ensayo Los pintores cubistas (1913).<br />

La valija <strong>de</strong> fuego (Poesía completa) está precedido por un texto que Pellegrini había<br />

publicado en su libro Para contribuir a la confusión general (Una visión <strong>de</strong>l arte, la poesía y el<br />

mundo contemporáneo), <strong>de</strong> 1965. Dicho texto lleva por vibrante título “La acción subversiva<br />

<strong>de</strong> la poesía”; <strong>de</strong>más está <strong>de</strong>cir el lugar <strong>de</strong>stacado que el editor, su hijo, le confiere a este<br />

breve ensayo, que oficia <strong>de</strong> introducción al conjunto <strong>de</strong> la escritura poética <strong>de</strong> su padre. Casi<br />

cuatro décadas <strong>de</strong>spués <strong>de</strong>l editorial <strong>de</strong> Qué, Pellegrini seguía confiando en la capacidad <strong>de</strong><br />

la poesía para producir una “revolución” en el espíritu humano. Allí observa:<br />

En una época como la actual, en que la poesía tien<strong>de</strong> a la domesticación por los más<br />

variados mecanismos en los más variados regímenes sociales, los poetas auténticos se<br />

encuentran siempre alertas, aunque estén reducidos a la soledad o compelidos por la<br />

fuerza y el terror. […] Estamos próximos al momento en que la revolución en <strong>de</strong>fensa <strong>de</strong>l<br />

hombre se <strong>de</strong>sarrollará en el plano <strong>de</strong> lo poético.<br />

La aparición y el fin <strong>de</strong> la revista Ciclo, entre 1948 y 1949, coincidió con la publicación ese<br />

mismo año <strong>de</strong>l primer poemario <strong>de</strong> Pellegrini: El muro secreto. Mientras tanto Enrique Molina<br />

70


había publicado Las cosas y el <strong>de</strong>lirio en 1941 y Pasiones terrestres en 1946. Como pue<strong>de</strong><br />

observarse, aun corriendo el riesgo <strong>de</strong> los estereotipos, la década <strong>de</strong>l 40 constituye un<br />

período clave para registrar la fuerte heterogeneidad que ya caracterizaba entonces a la<br />

producción poética argentina. En esa década coexistieron las revistas Canto (Buenos Aires,<br />

1940); Ver<strong>de</strong> memoria (Buenos Aires, 1942); La Carpa (Tucumán, 1944); Arturo (Buenos<br />

Aires, 1946), cuyo único número fuera dirigido por Edgar Bayley, propulsor <strong>de</strong>l<br />

invencionismo, y los dos números <strong>de</strong> la mencionada Ciclo, que se anunciaba <strong>de</strong> manera<br />

optimista como una revista bimestral, a cuyo comité, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> Pellegrini, Piterbarg y<br />

Sussman, se agregó el teórico <strong>de</strong>l psicoanálisis Enrique Pichon-Riviére, en concordancia con<br />

la importancia que los primeros surrealistas le concedían al inconsciente. A estas revistas<br />

literarias habría que añadir los nombres <strong>de</strong> al menos otras dos <strong>de</strong>cenas, que en todo el país,<br />

reflejaron una valiosa diversidad <strong>de</strong> la que ya no habría retorno. [10] Ninguna <strong>de</strong> ellas se<br />

imponía sobre las <strong>de</strong>más y cada una contaba con su mo<strong>de</strong>sto radio <strong>de</strong> influencia; sólo el<br />

tiempo pudo dirimir la pervivencia que estas diversas ten<strong>de</strong>ncias estéticas tendrían en el<br />

<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> la creación literaria <strong>de</strong> nuestro país y <strong>de</strong> nuestra lengua.<br />

Los dos primeros números <strong>de</strong> A partir <strong>de</strong> cero se publicaron bajo la dirección <strong>de</strong> Enrique<br />

Molina, con el visible apoyo y <strong>de</strong>cidida colaboración <strong>de</strong> Pellegrini, los cuales aparecieron a<br />

fines <strong>de</strong> 1952; el tercero y último, con participación <strong>de</strong> Olga Orozco, cuatro años <strong>de</strong>spués,<br />

tuvo una dirección colectiva. Molina aclaraba en tapa que la condición <strong>de</strong> la revista era la <strong>de</strong><br />

ser <strong>de</strong> poesía y <strong>de</strong> antipoesía al mismo tiempo. En un artículo anterior, “La conquista <strong>de</strong> lo<br />

maravilloso”, coetáneo <strong>de</strong> la reflexión <strong>de</strong> Alejo Carpentier en el prólogo <strong>de</strong> su novela El reino<br />

<strong>de</strong> este mundo, Pellegrini, en uno <strong>de</strong> los números <strong>de</strong> Ciclo, reafirma que “lo maravilloso no<br />

constituye una negación <strong>de</strong> la realidad sino la afirmación <strong>de</strong> la amplitud <strong>de</strong> lo real”. [11] El<br />

autor sintetiza <strong>de</strong> manera clara y concisa uno <strong>de</strong> los aspectos sobresalientes <strong>de</strong> la ten<strong>de</strong>ncia<br />

que expresaba. El término “surrealismo” o “surrealista”, neologismos galos a los cuales<br />

todavía algunos traductores y estudiosos se resisten, implicó algo mucho más vasto que una<br />

cuestión lexical. La preposición francesa sur no pudo ser traducida por “sobre” ni menos por<br />

“super” o “supra”, con lo cual sensatamente se adoptaron estos nuevos vocablos para<br />

expresar la inconmensurable apertura que la realidad había tenido para el hombre, como si<br />

al unísono con el psicoanálisis, [12] con la física teórica, con la teoría quántica y el principio<br />

<strong>de</strong> incertidumbre <strong>de</strong> Heisenberg, los surrealistas hubieran advertido que la realidad se había<br />

tornado “infinitamente gran<strong>de</strong>, infinitamente pequeña e infinitamente compleja”, tal como<br />

se <strong>de</strong>fine, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hace unas décadas, a nuestro universo.<br />

Por esta época, el primer grupo surrealista realiza una mudanza significativa. En el<br />

estudio que le consagró a Oliverio Girondo, escrito en 1964, Pellegrini recuerda: “conocí a<br />

Girondo hacia 1948 gracias a mi amigo el poeta Enrique Molina”. [13] Aquí es pertinente<br />

señalar que fueron muchos los escritores, <strong>de</strong> filiaciones estéticas diferentes y en ocasiones<br />

disímiles, que consi<strong>de</strong>raron a Girondo no sólo un poeta excepcional, sino una persona que<br />

alentó con generosidad fuera <strong>de</strong> lo común a sus colegas, cualesquiera hayan sido sus<br />

convicciones y credos estéticos. [14] Al final Pellegrini precisa:<br />

el grupo que formábamos Molina, Latorre, Madariaga, Llinás y yo nos reuníamos a<br />

menudo en casa <strong>de</strong> Girondo y fue allí don<strong>de</strong> surgió la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> alguna aventura <strong>de</strong><br />

publicaciones, entre los que llegó a cuajar una efímera revista, “Letra y Línea”, que hizo<br />

bastante ruido en su momento. [15]<br />

Los cuatro números <strong>de</strong> Letra y Línea aparecieron entre 1953 y 1954, por lo que Pellegrini<br />

está situando esos encuentros aproximadamente en el año 1952. La revista marchó casi a la<br />

par <strong>de</strong> A partir <strong>de</strong> cero, lo que sirvió para incorporar nuevos colaboradores y para ampliar el<br />

registro <strong>de</strong> sus intereses estéticos. Habría que agregar los nombres <strong>de</strong> Juan Antonio Vasco,<br />

Juan José Ceselli y Mario Trejo. A través <strong>de</strong> este nuevo grupo “se reinicia la aventura<br />

surrealista en Argentina en su etapa más rica y memorable”. [16]<br />

71


Ellos mismos y otros poetas repartían sus colaboraciones en diversos medios,<br />

especialmente en Poesía Buenos Aires, dirigida por Raúl Gustavo Aguirre a lo largo <strong>de</strong> los<br />

diez años que duró la publicación <strong>de</strong> la revista. Por esta época, Enrique Molina propone<br />

extremar el sentido <strong>de</strong> vanguardia; así lo recuerda en una entrevista que se le efectuara<br />

décadas más tar<strong>de</strong>: “extremar ese sentido <strong>de</strong> vanguardia. […] En fin, un sueño bastante<br />

prometeico que se fue disolviendo solo.” [17] En uno <strong>de</strong> los editoriales <strong>de</strong> Letra y línea se<br />

publica una irreverente diatriba contra Borges y Bioy Casares, acusados <strong>de</strong> profesar “una<br />

literatura gelatinosa” y <strong>de</strong> ser prototipos <strong>de</strong>l escritor profesional, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong><br />

antivanguardistas y conservadores. Digámoslo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquí: uno <strong>de</strong> los mejores poemas <strong>de</strong>l<br />

último periodo <strong>de</strong> Molina se intitula justamente Borges, publicado <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la muerte <strong>de</strong>l<br />

autor <strong>de</strong> El Aleph. Cambio rotundo <strong>de</strong>l signo <strong>de</strong> los tiempos y prueba <strong>de</strong>l reconocimiento a<br />

uno <strong>de</strong> los mayores autores <strong>de</strong>l siglo XX y -si consi<strong>de</strong>ramos su proyección literaria e<br />

intelectual en el mundo-, para muchos, el mayor <strong>de</strong> nuestra lengua en ese periodo. Por el<br />

contrario, Pellegrini cuestionó y repudió a Borges hasta el final <strong>de</strong> sus días.<br />

De la revista Boa, que Pellegrini impulsó con Julio Llinás, se publicaron tres números;<br />

pero, <strong>de</strong> La Rueda, que Pellegrini lanzara junto a Edgar Bayley, se publicó uno solo. Al igual<br />

que en otros lugares <strong>de</strong>l mundo, por razones y circunstancias muy diversas, que hacen al<br />

cambio <strong>de</strong> paradigmas culturales y al surgimiento <strong>de</strong> “la nouvelle vague”, el surrealismo<br />

argentino también había agotado su tarea <strong>de</strong> difusión directa.<br />

UN AVENTURERO <strong>DE</strong>L ESPÍRITU | En 1989, Mario Pellegrini publica los poemas inéditos <strong>de</strong><br />

su padre, en elaboración en el momento <strong>de</strong> su muerte, compuestos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> un par <strong>de</strong> años<br />

antes, bajo el título <strong>de</strong> Escritos para nadie, título puesto por el propio autor. El conjunto está<br />

precedido por un corto prólogo, esbozo en realidad, en el que, inclaudicable en su<br />

convicción <strong>de</strong> la poesía como instrumento liberador, el poeta asevera:<br />

La poesía es una gran aventura.<br />

Cada poema es una nueva aventura y una exploración. Aventura en los continentes<br />

<strong>de</strong>sconocidos <strong>de</strong>l lenguaje, exploración en la selva virgen <strong>de</strong> los significados. La poesía<br />

quiere expresar con palabras lo que no pue<strong>de</strong>n <strong>de</strong>cir las palabras. Cada palabra tiene un<br />

secreto mágico que es necesario extraer. Pero en <strong>de</strong>finitiva, admiro sólo a los aventureros<br />

<strong>de</strong> la vida. En cuanto a mí, me resigno a ser un aventurero <strong>de</strong>l espíritu. [18]<br />

El texto está fechado en Buenos Aires poco antes <strong>de</strong> su muerte. ¿Qué quiere <strong>de</strong>cir esta<br />

formulación? ¿Que lo vivido se opone al espíritu <strong>de</strong> una manera similar a la que la<br />

experiencia se opone al conocimiento, tal como lo consignara Kierkegaard, ancestro común<br />

<strong>de</strong> todos los existencialistas? ¿O más simplemente se trata aquí <strong>de</strong> la nostalgia que tiene un<br />

hombre, que se siente morir, por todo lo que no vivió y no hizo? ¿Más rebelión que<br />

resignación? Por otra parte, ¿la palabra poética, y en verdad todo lenguaje, está consagrada<br />

al fracaso por la insuficiencia que le es inherente en su relación con lo real? Se podría<br />

argumentar que el texto habla por sí mismo, aunque más no sea para manifestar su falta <strong>de</strong><br />

medios y que si Pellegrini hubiera querido <strong>de</strong>cir otra cosa, como replicara en algún momento<br />

André Breton, lo habría dicho.<br />

En relación con la función <strong>de</strong> la poesía y <strong>de</strong>l arte, hay en Pellegrini una gran coherencia,<br />

que se contrapone tanto con la mudanza y variabilidad <strong>de</strong> los acontecimientos <strong>de</strong>l mundo,<br />

como con las diferentes expresiones estéticas. Por esta razón, es notable la apertura que<br />

tuvo hacia pintores y poetas provenientes <strong>de</strong> registros disímiles a los estrictamente<br />

surrealistas. Si bien es casi el único que pue<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como un surrealista<br />

ortodoxo, si hacemos caso o prestamos atención a esta obsesión taxonómica, lo cierto es que<br />

Aldo Pellegrini, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarse un aventurero <strong>de</strong>l espíritu, fue poseedor <strong>de</strong> un<br />

espíritu generoso. En el poema “Construcción <strong>de</strong> la <strong>de</strong>strucción”, con el cual comienza el<br />

libro <strong>de</strong>l mismo título, publicado en 1957 en la efímera empresa editorial “A partir <strong>de</strong> cero”,<br />

72


po<strong>de</strong>mos leer: “Todo lo espero <strong>de</strong> las palabras. En su fiesta impalpable partiré a la conquista<br />

<strong>de</strong> las puertas. La palabra vacilante como rata ataviada <strong>de</strong> secretos. Y cuando las puertas se<br />

abren, la palabra inicial hun<strong>de</strong> su punta <strong>de</strong> cobre en la aventura <strong>de</strong>l acercamiento.” Nueve<br />

párrafos más componen este poema que concluye: “Y el silencio andará por el mundo<br />

transformado en la fuente íntima <strong>de</strong> los secretos.” [19] En “Viaje”, poema <strong>de</strong>dicado a David<br />

Sussmann, incluido en La valija <strong>de</strong> fuego (1952), Pellegrini afirma la errancia en la que se<br />

encuentran insertas las palabras y la vida:<br />

El ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> botellas mezcla las razas<br />

para alimentar la avi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> los viajes<br />

viajes a través <strong>de</strong> un minuto<br />

que colma la vida entera<br />

la llave <strong>de</strong> la puerta <strong>de</strong>l tiempo<br />

está hecha con el metal <strong>de</strong>l sueño.<br />

Los dos últimos versos <strong>de</strong> la estrofa funcionan como una letanía que se repite en cinco<br />

ocasiones y en la que el estribillo recupera una convicción irrenunciable <strong>de</strong> los surrealistas:<br />

sólo el sueño atesora la realidad que nos falta. “La verda<strong>de</strong>ra vida está ausente” proclamó<br />

Rimbaud en Una temporada en el infierno. “La vida está en otra parte” retomaron los<br />

surrealistas a partir <strong>de</strong> las creencias <strong>de</strong> románticos alemanes e ingleses. El sueño es la<br />

actividad que le restituye al ser humano, en esta óptica, por supuesto, su lugar y su plenitud;<br />

caso contrario, está con<strong>de</strong>nado a la errancia infinita.<br />

Cuando Freud conoció a Dalí lo sorprendió manifestándole, en una suerte <strong>de</strong> broma con<br />

po<strong>de</strong>roso anclaje en la historia <strong>de</strong>l arte, que <strong>de</strong> él no le interesaba su inconsciente, sino su<br />

consciente. ¿Pue<strong>de</strong> el artista realizar una obra sólo gobernado por el sueño y por el azaroso<br />

ritmo que le es implícito? Así como “todo pensamiento emite un golpe <strong>de</strong> dados” y, sobre<br />

todo, que “un golpe <strong>de</strong> dados jamás abolirá el azar”, también se pue<strong>de</strong> invertir la fórmula y<br />

concluir que jamás el puro azar será el artífice <strong>de</strong> un texto poético o <strong>de</strong> una obra <strong>de</strong> arte,<br />

salvo que consi<strong>de</strong>remos tal a las formas escultóricas que el viento crea en algunas montañas.<br />

Construcción en la <strong>de</strong>strucción es quizás <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su mismo título una <strong>de</strong>finición <strong>de</strong> lo que más<br />

se aproxima al proceso creador. El artista o el poeta <strong>de</strong> las rupturas <strong>de</strong>be asumir el enorme<br />

<strong>de</strong>safío <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarticular y <strong>de</strong>struir un lenguaje para configurar otro, que se torne inteligible,<br />

aunque sea para algunos, y no un simple balbuceo que no le dice nada a nadie.<br />

Pue<strong>de</strong> apreciarse, a partir <strong>de</strong> los temas abordados en sus ensayos, la <strong>de</strong>stacada labor<br />

<strong>de</strong>sarrollada por Pellegrini en el campo <strong>de</strong> las artes plásticas, labor que se incrementó, muy<br />

especialmente, en relación con la promoción y difusión <strong>de</strong>l arte mo<strong>de</strong>rno y <strong>de</strong> los artistas<br />

abstractos <strong>de</strong> nuestro país. Vinculado a Marcel Duchamp y al teórico <strong>de</strong>l arte Michel Tapié -<br />

quien curiosamente fue <strong>de</strong> los primeros en escribir sobre Antoni Tàpies-, tuvo una clara<br />

influencia sobre ciertas ten<strong>de</strong>ncias plásticas <strong>de</strong> Argentina. Escribió numerosos catálogos y<br />

presentaciones, tanto para exposiciones individuales como colectivas y en 1966 publicó la<br />

Antología <strong>de</strong> la poesía viva latinoamericana.<br />

Pocos seres he conocido con un instinto <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia intelectual como el que alentaba<br />

en él [afirmó Enrique Molina]. Sin embargo, una vez aceptada por su espíritu, por su<br />

sangre, por su propia sombra una i<strong>de</strong>a o una imagen <strong>de</strong>l mundo, era implacable. No<br />

admitía la más mínima vacilación en su propia creencia. Se empeñaba, a pesar <strong>de</strong> su<br />

ternura, en revestir una dureza <strong>de</strong> cristal, <strong>de</strong> un bloque, intratable. Nada podía hacerlo<br />

vacilar como no fuera otra profunda convicción suya con el mismo <strong>de</strong>seo <strong>de</strong> absoluto. [20]<br />

Casi podría <strong>de</strong>cirse, con la autoridad con que un Papa ejerce su mandato, y no es casual<br />

que Breton recibiera este apodo entre sus compañeros <strong>de</strong> aventura. Por su parte, Graciela<br />

Maturo percibe en Pellegrini que “sus poemas <strong>de</strong> sintaxis nítida muestran el predominio <strong>de</strong><br />

73


una inteligencia or<strong>de</strong>nadora sobre las imágenes, los contrastes sorpresivos, las irrupciones<br />

<strong>de</strong> la fantasía y la voluntad”. Y agrega: “tanto en esos poemas como en sus escritos teóricos<br />

queda expresa su afirmación <strong>de</strong>l hombre, <strong>de</strong> la libertad que apuesta contra el azar, <strong>de</strong> la<br />

capacidad <strong>de</strong> integrarse en el mundo por el amor, al mismo tiempo que un evi<strong>de</strong>nte<br />

disconformismo frente a los sistemas dogmáticos <strong>de</strong>l conocimiento y una aguda percepción<br />

<strong>de</strong> los niveles profundos <strong>de</strong> la realidad”. [21] Cuatro décadas más tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> este juicio pue<strong>de</strong><br />

observarse que la poesía <strong>de</strong> Pellegrini se ha mantenido viva, viviente y vivaz, en virtud <strong>de</strong>l<br />

bagaje <strong>de</strong> su propio “fuego central”.<br />

ENRIQUE MOLINA O LA CELEBRACIÓN <strong>DE</strong>L NOMADISMO | Los dos últimos conjuntos <strong>de</strong><br />

poemas que Enrique Molina (1910-1996) publicara en vida, El ala <strong>de</strong> la gaviota y Hacia una isla<br />

incierta, confirman –como ya lo he señalado anteriormente– [22] el largo <strong>de</strong>splazamiento sobre<br />

el cual ha construido y <strong>de</strong>sarrollado su experiencia poética. Más que al surrealismo, la actitud<br />

nómada que hay en su poesía y en parte <strong>de</strong> su vida pareciera pertenecer al ritmo solar <strong>de</strong>l<br />

continente americano, <strong>de</strong> sus culturas prehispánicas, <strong>de</strong> su columna vertebral andina o <strong>de</strong><br />

las costas <strong>de</strong> Brasil, mixturado con un instinto salvaje por la fusión <strong>de</strong> los contrarios y <strong>de</strong><br />

imágenes y metáforas susceptibles <strong>de</strong> tocar la resonancia última <strong>de</strong>l lenguaje.<br />

Desplazamiento <strong>de</strong> lugares o <strong>de</strong> palabras, <strong>de</strong> tiempos o <strong>de</strong> sueños, la poesía adquiere aquí el<br />

estatuto <strong>de</strong> la errancia. Esta persistente adhesión al movimiento tiene un significado similar al<br />

que se produce cuando el hombre intenta un acompasamiento cósmico que concierne a la<br />

corteza terrestre.<br />

Enrique Molina ha sido consi<strong>de</strong>rado, con toda justicia, uno <strong>de</strong> los mayores poetas <strong>de</strong><br />

Hispanoamérica, al mismo tiempo que uno <strong>de</strong> los más originales. En los hechos es una<br />

poesía que no ha <strong>de</strong>jado continuadores ni epígonos y cuyos antece<strong>de</strong>ntes son más bien<br />

difusos. Molina ha logrado aunar el permanente asombro <strong>de</strong> vivir, con una vocación tantálica<br />

que recorre el conjunto <strong>de</strong> su obra. Su padre, ingeniero agrónomo, administrador <strong>de</strong><br />

estancias, recorrió con la familia la provincia <strong>de</strong> Buenos Aires, Corrientes y Misiones, <strong>de</strong> tal<br />

manera que el mágico mundo <strong>de</strong> la infancia se entrelaza en él con los aspectos míticos <strong>de</strong> las<br />

regiones don<strong>de</strong> creció. Se recibió <strong>de</strong> abogado en la Universidad Nacional <strong>de</strong> La Plata, pero<br />

nunca ejerció esta profesión. Sí en cambio, a partir <strong>de</strong> 1942, recorrió como marinero buena<br />

parte <strong>de</strong>l continente americano y, durante algunos periodos, en la década <strong>de</strong>l cuarenta y <strong>de</strong>l<br />

cincuenta, residió en Perú, Chile y Bolivia, confirmando su inclinación trashumante para<br />

luego embarcarse nuevamente con <strong>de</strong>stino a Hamburgo en 1950. Se <strong>de</strong>sempeñó más tar<strong>de</strong> en<br />

la Dirección Municipal <strong>de</strong> Bibliotecas, un puesto que obtuvo con la ayuda <strong>de</strong> Oliverio<br />

Girondo, con quien mantuvo una larga amistad, lo mismo que con su esposa, Norah Lange.<br />

El incesante flujo <strong>de</strong>l mar, la ininterrumpida marcha nóma<strong>de</strong>, la trashumancia sin término <strong>de</strong>l<br />

hombre y <strong>de</strong> sus sueños, el <strong>de</strong>ambular mismo <strong>de</strong> la condición humana y, sobre todo, la<br />

comunión con las aves migratorias, parecieran conferir horizontes sumamente particulares a<br />

su poesía. Aunque hace cuatro décadas preparó una antología <strong>de</strong> sus poemas que tituló Hotel<br />

pájaro, la obsesión por el <strong>de</strong>splazamiento, por la fugitiva resi<strong>de</strong>ncia don<strong>de</strong> se acoge el ser<br />

humano y la palabra que lo expresa, se encuentra ya en los orígenes <strong>de</strong> su poesía. En uno <strong>de</strong><br />

los poemas <strong>de</strong> Fuego libre expresa: «¡Una gaviota por almohada!» Difícilmente algo pertenezca<br />

<strong>de</strong> manera tan profunda al dominio <strong>de</strong>l hombre como la provisoriedad y el instante. Nacido<br />

bajo la percepción <strong>de</strong> un futuro, don<strong>de</strong> planea inexorable la muerte, el poeta sólo pue<strong>de</strong> oponer<br />

un vuelo constante, que intenta abrazar, en una <strong>de</strong>smesurada tentativa, las amplias regiones<br />

<strong>de</strong>l <strong>de</strong>venir.<br />

La palabra poética, en la compleja tradición ju<strong>de</strong>o-cristiana, se encuentra íntimamente ligada<br />

a la profecía, a esa dimensión que no nos abre un futuro cierto y previsible, sino el<br />

in<strong>de</strong>terminado abismo <strong>de</strong> los orígenes. La profecía capta, en un solo impulso, el <strong>de</strong>nso<br />

movimiento <strong>de</strong>l mundo y la permanente fugacidad <strong>de</strong>l presente, que nos roba el acuerdo con<br />

aquello que ha sido. La profecía, así, siempre linda con el <strong>de</strong>sierto, al cual el hombre es arrojado<br />

porque <strong>de</strong>scubre o re<strong>de</strong>scubre la ausencia <strong>de</strong> patria o <strong>de</strong> un hogar en el mundo. Ahora bien, ¿qué<br />

74


ocurre si es el mismo mundo, pese a su vastedad, el que se convierte en la más fiel morada<br />

<strong>de</strong>l hombre? La tensión entre la tierra natal, en el sentido geográfico, entre la polis y el Cosmos,<br />

ha estado íntimamente presente en el comienzo <strong>de</strong> la filosofía, en ese otro espacio <strong>de</strong><br />

pensamiento, que contribuyera, <strong>de</strong> manera <strong>de</strong>cisiva, a la conformación <strong>de</strong> Occi<strong>de</strong>nte.<br />

Junto al ejercicio <strong>de</strong> esta dimensión, Molina realizó también otras activida<strong>de</strong>s. Como ya se<br />

dijo, fundó y dirigió A partir <strong>de</strong> cero y formó parte <strong>de</strong> la redacción <strong>de</strong> Letra y Línea. A<strong>de</strong>más<br />

<strong>de</strong> ser uno <strong>de</strong> los principales miembros <strong>de</strong>l movimiento surrealista argentino, antes había<br />

pertenecido también a la <strong>de</strong>nominada Generación <strong>de</strong>l 40 y son muchos los que lo consi<strong>de</strong>ran<br />

su más alto exponente. Des<strong>de</strong> su primer libro fue una <strong>de</strong> las voces más representativas <strong>de</strong> su<br />

generación. El crítico venezolano Guillermo Sucre señaló:<br />

[L]o inicial <strong>de</strong> Molina es el <strong>de</strong>slumbramiento frente al mundo. Pero en su primer libro el<br />

mundo no es todavía la intemperie, sino el amparo <strong>de</strong> la morada materna, evocada por<br />

una memoria que <strong>de</strong>scubre lo efímero […] el tiempo visto como una fuerza material que se<br />

instala en los seres y en las cosas contaminándolos <strong>de</strong> una substancia corrosiva. [23]<br />

Pasiones terrestres es su segundo libro y está <strong>de</strong>dicado a Oliverio Girondo. Con la<br />

aparición <strong>de</strong> Costumbres errantes o la redon<strong>de</strong>z <strong>de</strong> la tierra se pue<strong>de</strong> afirmar que Molina está<br />

inmerso por entero en el mundo <strong>de</strong>l surrealismo. Diez años más tar<strong>de</strong>, en Amantes<br />

antípodas (<strong>de</strong>dicado a Aldo Pellegrini), el tono ha variado hacia una reflexión personal sobre<br />

lo circundante, un libro, sin lugar a dudas, central en su intenso <strong>de</strong>spliegue poético. Allí se<br />

encuentra el poema “Alta marea”, uno <strong>de</strong> los mayores que escribiera:<br />

Cuando un hombre y una mujer que se han amado se separan<br />

se yergue como una cobra <strong>de</strong> oro el canto ardiente <strong>de</strong>l<br />

orgullo<br />

la errónea maravilla <strong>de</strong> sus noches <strong>de</strong> amor<br />

las constelaciones pasionales<br />

los arrebatos <strong>de</strong> su indómito viaje sus risas a través <strong>de</strong><br />

las piedras sus plegarias y cóleras<br />

sus dramas <strong>de</strong> secretas injurias enterradas…<br />

En 1957 publica Fuego libre, en un periodo en el que se pone <strong>de</strong> relieve que la poesía que<br />

intenta “la insensata tarea” <strong>de</strong> acunar el mundo <strong>de</strong>be ser fiel al movimiento inicial que la<br />

anima. No hay posibilidad <strong>de</strong> retroce<strong>de</strong>r ante la extraña aventura <strong>de</strong> encontrarnos en el seno<br />

<strong>de</strong>l mundo; se trata, en todo caso, <strong>de</strong> fundar un acuerdo. Este acuerdo Molina lo ha buscado<br />

en los inasibles espacios <strong>de</strong>l vuelo, don<strong>de</strong> si bien Tántalo y Prometeo parecen ser sus<br />

guardianes, sin ninguna duda Ícaro es el principal habitante.<br />

Olga Orozco no podría haberlo sintetizado mejor: “El trayecto <strong>de</strong> este viajero <strong>de</strong> paso, en<br />

perpetuo adiós, en búsqueda incesante e insaciable, ha quedado estampado en una obra<br />

copiosa, impar, personalísima, que escapa a todo canon y en la que centellean las más<br />

vertiginosas y exactas imágenes.” [24] En referencia a los viajes marinos <strong>de</strong> Molina, siempre<br />

presentes en sus textos, se pue<strong>de</strong> observar que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la poesía romántica alemana, la<br />

nostalgia ante la unidad perdida es uno <strong>de</strong> los temas recurrentes <strong>de</strong> la poesía, pues el poeta<br />

comprueba, a través <strong>de</strong> distintos registros, que vive en un mundo fragmentado, que ha<br />

estallado y que ha hecho añicos, incluso, la antigua serenidad <strong>de</strong> los nombres. El mar es,<br />

mítica y metafóricamente, el hogar perdido, que sólo pue<strong>de</strong> ser recuperado por medio <strong>de</strong> la<br />

aventura, don<strong>de</strong> el exilio se continúa y se afianza.<br />

Otra faceta <strong>de</strong> Enrique Molina está en sus pinturas y grabados, aunque presentó sus<br />

cuadros en contadas ocasiones. Su obra en prosa se compone principalmente <strong>de</strong> un texto<br />

afín al género novelesco y <strong>de</strong> algunos ensayos dispersos que aún no se encuentran reunidos<br />

en libro. En primer lugar, el prólogo que escribiera para las Obras Completas <strong>de</strong> Girondo:<br />

75


“Hacia el fuego central o la poesía <strong>de</strong> Oliverio Girondo”, así como el hecho <strong>de</strong> que varios <strong>de</strong><br />

sus textos hayan sido incluidos como prólogos <strong>de</strong> distintos libros <strong>de</strong> arte.<br />

Su texto <strong>de</strong> 1973, Una sombra don<strong>de</strong> sueña Camila O'Gorman, es una obra<br />

verda<strong>de</strong>ramente excepcional en la que se fun<strong>de</strong> una historia novelística con una prosa<br />

poética <strong>de</strong> gran lirismo, dotada por añadidura <strong>de</strong> una enorme profusión <strong>de</strong> imágenes. Texto<br />

que supo convocar a una variedad <strong>de</strong> géneros y a distintos registros para su elaboración y<br />

que permanece como uno <strong>de</strong> los hitos <strong>de</strong> la gran narrativa <strong>de</strong> la segunda mitad <strong>de</strong>l siglo XX.<br />

OTROS AUTORES <strong>DE</strong>L MOVIMIENTO SURREALISTA | No fueron muchos los escritores que<br />

en nuestro país aceptaron ser consi<strong>de</strong>rados exclusivamente surrealistas. La heterodoxia<br />

siempre fue más fuerte que la sujeción a una ten<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>terminada. De estos autores<br />

proporcionaremos más una información bio-bibliográfica que una valoración afinada <strong>de</strong> sus<br />

textos. Entre los poetas que acompañaron con claridad esta experiencia sobresale Francisco<br />

“Coco” Madariaga (1927-2000). Nació en el Paraje Estancia Caimán <strong>de</strong> la provincia <strong>de</strong><br />

Corrientes, hecho que lo marcó profundamente, pues en su obra se refleja toda la dimensión<br />

<strong>de</strong> la tierra <strong>de</strong> su infancia en estrecha relación con la contemplación <strong>de</strong>l universo.<br />

A partir <strong>de</strong> 1950 se vinculó con Aldo Pellegrini, Enrique Molina, Juan Antonio Vasco,<br />

Carlos Latorre, entre otros y, en 1954, publicó su primer libro, El pequeño patíbulo, que<br />

pue<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarse influido por esta corriente, pero que al igual que su segundo texto, Las<br />

jaulas <strong>de</strong>l sol, está marcado por una impronta muy personal, don<strong>de</strong> las palabras se sustraen<br />

al or<strong>de</strong>n habitual, para incursionar en registros metafóricos completamente insólitos, al<br />

bor<strong>de</strong> <strong>de</strong> la alucinación. En El <strong>de</strong>lito natal se observa <strong>de</strong> manera explícita el reencuentro con<br />

su provincia. De estos y <strong>de</strong> sus libros siguientes, Juan Antonio Vasco señalaba:<br />

Madariaga, ese correntino, es América. Es cierto que utiliza el idioma español que, en<br />

<strong>de</strong>finitiva es un idioma importado, pero es el lenguaje que hicimos nuestro, lo hemos vuelto<br />

a parir. Igualmente, en Madariaga, este español está mechado <strong>de</strong> influencia guaraní, o por<br />

lo menos, <strong>de</strong>l paisaje y <strong>de</strong> la vida que saben reflejar los ojos <strong>de</strong> un poeta nuestro. [25]<br />

En 1980 aparece Llegada <strong>de</strong> un jaguar a la tranquera, en el que Madariaga introduce por<br />

primera vez términos guaraníes, lo que no <strong>de</strong>be llevar a confundir su forma expresiva con<br />

una poesía meramente localista, pues su propósito linguístico es hundirse en las raíces<br />

americanas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> una visión cósmica. Por otra parte, Madariaga ha escrito varios relatos y<br />

textos en prosa, relacionados con sus crónicas <strong>de</strong> viajes <strong>de</strong> exploración por las lagunas y<br />

esteros <strong>de</strong>l Iberá: En la tierra <strong>de</strong> nadie y Solo contra Dios no hay veneno.<br />

El autor ocupa un lugar <strong>de</strong>stacado, tanto por su originalidad como por la <strong>de</strong>nsidad <strong>de</strong> sus<br />

imágenes, en la poesía hispanoamericana contemporánea, ya que como en una vorágine, el<br />

poeta entrelaza muchos planos <strong>de</strong> la realidad y la vegetación, al tiempo que el paisaje en el<br />

que se enmarca, se nutre <strong>de</strong> un animismo alucinante. Los esteros y los palmares, las balsas y<br />

las mariposas, los jaguares y sus soles, se transmutan en sueños o viceversa. En “Versos que<br />

recordé <strong>de</strong> dos poemas que escribí en sueños” consigna lacónicamente: “La mano-océano<br />

regresaba <strong>de</strong>l infinito…” [26] En esta poesía no hay lugar para los límites <strong>de</strong> una expresión<br />

regionalista; por el contrario, Madariaga permanentemente ha buscado situarse en los<br />

múltiples niveles <strong>de</strong> relación que el hombre posee con el mundo. Frente a la previsibilidad <strong>de</strong><br />

la poesía regionalista, la obra entera <strong>de</strong> Madariaga, sin renunciar a “la tierra natal” se ofrece<br />

en una posición <strong>de</strong> ruptura acor<strong>de</strong> con los postulados principales <strong>de</strong>l surrealismo, ámbito en<br />

el cual legítimamente se lo ha incluido.<br />

Otro <strong>de</strong> los integrantes <strong>de</strong>l segundo grupo fue Carlos Latorre (1916-1982), poeta,<br />

dramaturgo y también autor <strong>de</strong> guiones cinematográficos. Des<strong>de</strong> la poesía estuvo ligado al<br />

movimiento surrealista; a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> participar en la creación <strong>de</strong> A Partir <strong>de</strong> Cero, Letra y<br />

Línea y La Rueda, colaboró en muchas otras revistas. Su obra poética se inició en 1950 con<br />

76


Puerta <strong>de</strong> arena, seguido dos años <strong>de</strong>spués por La ley <strong>de</strong> gravedad <strong>de</strong>l que Raúl Gustavo<br />

Aguirre dijo:<br />

en este último libro hay sin embargo indicios <strong>de</strong> la que luego habría <strong>de</strong> ser su orientación<br />

<strong>de</strong>cisiva. Poeta que domina sin dificultad aparente su lenguaje, Latorre es indudablemente<br />

uno <strong>de</strong> los valores más interesantes <strong>de</strong>l grupo surrealista. [27]<br />

Julio Antonio Llinás (1929) fue calificado como “el último surrealista”, aunque él mismo<br />

asegura no saber qué significa haberlo sido. En el año 2005 publicó Querida vida, más un<br />

anecdotario que un libro <strong>de</strong> memorias, don<strong>de</strong> recuerda distintas situaciones vividas con<br />

Pellegrini y Molina, pero sin la expresa intención <strong>de</strong> indagar sobre el trasfondo cultural y<br />

estético <strong>de</strong> la experiencia surrealista. Poeta, crítico <strong>de</strong> arte, narrador y publicista residió en<br />

París entre 1952 y 1957, don<strong>de</strong> participó en la creación <strong>de</strong>l movimiento Phases, una <strong>de</strong> las<br />

últimas estribaciones <strong>de</strong>l surrealismo. Allí conoció a Breton, Dalí y Marcel Marceau. De<br />

regreso a la Argentina, fundó la revista y editorial BOA, <strong>de</strong> vida efímera, estrechamente<br />

vinculadas con Phases. En su entorno se conformó un grupo que <strong>de</strong>sarrolló activida<strong>de</strong>s<br />

menos vinculadas con la literatura que con la plástica, actividad a la que pertenecía su<br />

esposa, la pintora Martha Peluffo. Pero antes <strong>de</strong> su viaje a París, publicó su primer libro,<br />

Pantha rhei (1950), en una editorial dirigida por el dramaturgo peruano Sebastián Salazar<br />

Bondy y en 1952 participó, junto a Enrique Molina y Aldo Pellegrini, en la fundación <strong>de</strong> A<br />

partir <strong>de</strong> cero y <strong>de</strong> Letra y línea. La publicación en 1993 <strong>de</strong> un libro <strong>de</strong> cuentos titulado De<br />

eso no se habla lo sacó <strong>de</strong> un prolongado silencio. Sobre el relato que da nombre al conjunto<br />

se realizó un film que tuvo una importante acogida, aunque muy poco <strong>de</strong> su primera etapa y<br />

<strong>de</strong> su estética anterior encontramos en estos relatos, consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> buena factura.<br />

Otros dos autores <strong>de</strong> participación más espaciada e intermitente fueron Juan José Ceselli<br />

(1909-1983) y Juan Antonio Vasco (1924-1984). El primero <strong>de</strong>scubre su vocación poética<br />

<strong>de</strong>spués <strong>de</strong> haberse <strong>de</strong>dicado algunos años a la pequeña industria. Publicó su primer libro en<br />

1953: La otra cara <strong>de</strong> la luna. Su poesía, tan vinculada con el surrealismo, está poblada <strong>de</strong><br />

imágenes que preten<strong>de</strong>n inventar y mostrar el aspecto ilimitado <strong>de</strong>l lenguaje. “La poesía no<br />

es una retórica -dice el autor-, sino una fuerza invisible, pero perceptible, un lujo que se dan<br />

a sí mismos los seres y los objetos”. Durante algunos años residió en Europa, casi siempre<br />

en París don<strong>de</strong> conoció a varios poetas vinculados al surrealismo y trabó amistad con<br />

Jacques Prévert, el autor <strong>de</strong> “Las hojas muertas” <strong>de</strong> quien tradujo Palabras y Fatras.<br />

Juan Antonio Vasco publicó en Chascomús, en 1943, su primer libro <strong>de</strong> poesía, El ojo <strong>de</strong><br />

la cerradura, y más tar<strong>de</strong> dio a conocer Cuatro poemas con rosas. Entre 1941 y 1948 su<br />

poesía no se aparta <strong>de</strong> las formas tradicionales hasta que en 1951 reflexiona: “[…] luego, tres<br />

años <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconcierto durante los cuales sentía confusamente la inanidad <strong>de</strong> mi trabajo<br />

anterior”. Comienzan entonces sus colaboraciones con Poesía Buenos Aires e inicia la<br />

experiencia <strong>de</strong> la cual proviene su nueva actitud frente a la poesía. Integra el grupo A partir<br />

<strong>de</strong> cero y participa a<strong>de</strong>más en Letra y línea. Por aquella época confiesa: “el automatismo es<br />

mi solución”. Maestro rural que <strong>de</strong>sempeñó diversos oficios en la Capital Fe<strong>de</strong>ral, publicó<br />

Cambio <strong>de</strong> horario, en 1954, año en que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> partir hacia Venezuela, país en el que residió<br />

una década, aproximadamente, y en el que tomó contacto con el grupo <strong>de</strong> artistas reunidos<br />

en El techo <strong>de</strong> la ballena, con quienes Vasco hallará su i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong> poeta enraizado en el<br />

continente latinoamericano. En 1988 con el título <strong>de</strong> uno <strong>de</strong> sus poemas, Déjame pasar se<br />

publicó una antología <strong>de</strong> sus textos. El escritor venezolano Adriano González León ha<br />

<strong>de</strong>finido, pertinentemente, la obra <strong>de</strong> este escritor, como “una poética <strong>de</strong> la mordacidad”.<br />

A<strong>de</strong>más <strong>de</strong> estos autores, que participaron <strong>de</strong> manera activa en “la aventura surrealista”<br />

<strong>de</strong> nuestro país, hay dos que fueron reinvindicados, tardía pero directamente, por los<br />

miembros más representativos <strong>de</strong> esta corriente. Ellos fueron Antonio Porchia (1886-1968) y<br />

Jacobo Fijman (1898-1970). Ambos elaboraron sus respectivas obras al margen <strong>de</strong> los<br />

preceptos estéticos <strong>de</strong>l surrealismo, pero se vieron incluidos en él por razones vinculadas al<br />

77


libre ejercicio con que construyeron sus respectivas obras y, en el caso <strong>de</strong> Fijman, por<br />

a<strong>de</strong>ntrarse en la locura en esta prosecusión. Fijman, poeta, violinista y pintor, llegó a los<br />

cuatro años <strong>de</strong> Besarabia a la Argentina, con una familia que escapaba <strong>de</strong> progroms y <strong>de</strong>l<br />

antisemitismo imperante. Vivió <strong>de</strong> niño en Río Negro y en Lobos (Pcia. <strong>de</strong> Buenos Aires). En<br />

1917 se radicó en Buenos Aires y cursó la Escuela <strong>de</strong> Lenguas Vivas, don<strong>de</strong> obtuvo su título<br />

<strong>de</strong> profesor <strong>de</strong> francés. Ejerció brevemente la docencia, <strong>de</strong> don<strong>de</strong> fue expulsado por<br />

extravagancias que preanunciaban su enfermedad. Perteneció al movimiento martinfierrista<br />

y realizó periodismo en Crítica y Caras y Caretas. Luego <strong>de</strong> su único viaje a Europa, en 1927,<br />

[28] con Oliverio Girondo y Antonio Vallejo, participó en los Cursos <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong> Católica,<br />

convirtiéndose al catolicismo. En el poema “Canto <strong>de</strong>l cisne”, poema con el cual abre Molino<br />

rojo, el que fuera su primer libro y don<strong>de</strong> pue<strong>de</strong>n observarse asociaciones afines a las<br />

utilizadas por los surrealistas, sus dos versos iniciales testimonian la percepción que el<br />

poeta tenía <strong>de</strong> su <strong>de</strong>stino: “Demencia: / el camino más alto y más <strong>de</strong>sierto.” En efecto, los<br />

casi treinta años <strong>de</strong> internación en un hospital psiquiátrico constituyen uno <strong>de</strong> los<br />

momentos más extremos que atravesó un escritor en nuestro país. Durante ese largo<br />

período se <strong>de</strong>dicó más a la pintura que a la escritura. Leopoldo Marechal, por su parte, bajo<br />

el nombre <strong>de</strong> Samuel Tessler, lo transformó en un personaje <strong>de</strong> Adán Buenosayres, sin<br />

conferirle ninguna inclinación estética especial. Muchos años <strong>de</strong>spués, en 1969, la revista<br />

Talismán le realizó un homenaje, con una nutrida presencia <strong>de</strong> escritores y pintores<br />

vinculados al surrealismo, también colaboradores <strong>de</strong>l número íntegramente <strong>de</strong>dicado a él,<br />

don<strong>de</strong> se recoge parte <strong>de</strong> su material inédito. Algunos críticos han visto en su obra una<br />

adhesión espontánea, y hasta salvaje, al “puro automatismo psíquico” <strong>de</strong> los surrealistas.<br />

Para Juan-Jacobo Bajarlía la poesía <strong>de</strong> Fijman no se <strong>de</strong>tiene sólo en el mecanismo<br />

“automatista”, que en su época no fue así <strong>de</strong>signado, sino en otras articulaciones igualmente<br />

fundamentales: la mecánica <strong>de</strong>l inconsciente y, al mismo tiempo, la contención sintáctica y<br />

sobre todo el chiste y la paradoja. [29] Sin embargo, en su tercer y último libro, Estrella <strong>de</strong> la<br />

mañana, son mucho más visibles las alusiones religiosas, el parentesco con el salmo o la<br />

plegaria y la vocación manifiesta <strong>de</strong> elevarse hasta Dios: “Me apoyo en las moradas / don<strong>de</strong><br />

se escon<strong>de</strong> la luz <strong>de</strong> la alabanza y el gozo <strong>de</strong> los cor<strong>de</strong>ros”. [30]<br />

El caso <strong>de</strong> Antonio Porchia es bien diferente. La vertiente espiritual y mística transcurre<br />

aquí más por la ausencia <strong>de</strong> Dios que por la búsqueda <strong>de</strong> su presencia: “La humanidad no<br />

sabe hacia dón<strong>de</strong> ir. Porque nadie la espera. Ni Dios”. Autor <strong>de</strong> un solo libro intitulado Voces,<br />

publicado por primera vez en 1943 y que conoció diversas y ampliadas reediciones, fue<br />

traducido casi inmediatamente al francés por Roger Caillois, quien proclamara que hubiera<br />

sido capaz <strong>de</strong> sacrificar toda su obra a cambio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r escribir esas “voces”. Es gracias a<br />

esta traducción, realizada poco antes <strong>de</strong> que el propio Caillois hiciera conocer a Borges en<br />

Francia, que Breton pudo <strong>de</strong>cir que Porchia era “el poseedor <strong>de</strong>l pensamiento más dúctil <strong>de</strong><br />

lengua española”. Tan contun<strong>de</strong>nte afirmación no podía <strong>de</strong>jar <strong>de</strong> tener su influjo entre los<br />

escritores vinculados al surrealismo. Fue divulgado en México por Octavio Paz y <strong>de</strong> una u<br />

otra forma sus “voces” se abrieron paso hacia otros países <strong>de</strong> habla hispana. Si bien algunos<br />

<strong>de</strong> sus aforismos aparecieron en la revista Sur, quien supo tener una estrecha relación con<br />

Porchia fue Roberto Juarroz. “No he encontrado nadie –aseveró Juarroz- en quien se diera<br />

con igual plenitud que en Antonio Porchia una coinci<strong>de</strong>ncia tan alta entre la sabiduría <strong>de</strong> la<br />

vida y la sabiduría <strong>de</strong>l lenguaje”. [31] A pesar que en sus comienzos sus Voces fueron<br />

editadas por iniciativa <strong>de</strong>l grupo “Impulso” <strong>de</strong> La Boca, constituido por pintores y escritores<br />

cercanos al anarquismo y socialismo, Porchia fue un ser extremadamente solitario,<br />

consciente <strong>de</strong> la banalidad <strong>de</strong>l mundo que lo ro<strong>de</strong>aba: “Para elevarse es necesario elevarse,<br />

pero es necesario también que haya altura.” En suma, Porchia fue adoptado y valorado por el<br />

surrealismo vernáculo, no por una clara afinidad estética, aun cuando sus aforismos puedan<br />

ser comparados con ciertos fragmentos <strong>de</strong> la poesía <strong>de</strong> René Char, sino por su solitaria<br />

aventura espiritual y por una capacidad expresiva que escapaba a todo mol<strong>de</strong>.<br />

78


Huellas <strong>de</strong> esta profunda experiencia se encuentran en la “poesía vertical” <strong>de</strong> Juarroz y en<br />

los aforismos y poemas <strong>de</strong> Miguel Angel Bustos (1932-1976), quien pese a su temprana<br />

muerte, por <strong>de</strong>saparición forzada, ha <strong>de</strong>jado una obra fulgurante y abismal, cuya belleza se<br />

cruza con la búsqueda extrema <strong>de</strong> la condición humana. El rescate que hizo para sí <strong>de</strong> un<br />

linaje “maldito” lo emparentó con una parte esencial <strong>de</strong>l surrealismo y con algunos <strong>de</strong> sus<br />

pre<strong>de</strong>cesores, al punto que su libro central lleva un título <strong>de</strong>finitorio: Visión <strong>de</strong> los hijos <strong>de</strong>l<br />

mal. La utilización que hizo <strong>de</strong>l lenguaje, don<strong>de</strong> combina el verso libre con la parábola y<br />

algunos fulminantes aforismos (“Toda madre mata a su hijo con el cuchillo <strong>de</strong>l pezón.”), lo<br />

sitúa en un plano inusual <strong>de</strong> la poesía argentina, en parte comparable a la voz <strong>de</strong> Alejandra<br />

Pizarnik.<br />

Aldo Pellegrini, refiriéndose a la exposición <strong>de</strong> los dibujos <strong>de</strong> Bustos preparados para la<br />

edición <strong>de</strong> El Himalaya o la Moral <strong>de</strong> los Pájaros, ha sostenido que en este autor “la poesía<br />

tiene dos canales <strong>de</strong> expresión: el verbal y el visual. Ambos parten <strong>de</strong>l mismo centro, y sin<br />

embargo son expresiones distintas. Podría <strong>de</strong>cirse que son las dos caras, los dos aspectos <strong>de</strong><br />

ese centro <strong>de</strong> lo poético. Así lo verbal y lo visual no se superponen sino se completan. Por<br />

cada uno <strong>de</strong> esos canales el poeta transmite una parte <strong>de</strong> su verdad”. [32] En el momento <strong>de</strong><br />

su <strong>de</strong>saparición, el poeta se encontraba perturbado psíquicamente, lo cual agrava a niveles<br />

in<strong>de</strong>cibles este crimen <strong>de</strong> lesa humanidad.<br />

Admitir que la palabra <strong>de</strong> Bustos ocupa un lugar preeminente en la poesía argentina es<br />

sólo una primera etapa <strong>de</strong> su evaluación. Procedimientos posteriores <strong>de</strong>ben contemplar<br />

también el carácter fragmentario <strong>de</strong> una parte importante <strong>de</strong> su obra poética. Están<br />

presentes en ella los “proverbios” <strong>de</strong> William Blake, Novalis, Nietzsche, Lautréamont, pero<br />

también Antonio Porchia. Al igual que Pizarnik, el autor sintió la singular irradiación <strong>de</strong> las<br />

“voces” <strong>de</strong> Porchia, y también sus aforismos parecieran provenir <strong>de</strong> la época presocrática o<br />

<strong>de</strong> un tiempo in<strong>de</strong>terminado, en que el poeta habla <strong>de</strong> las paradojas esenciales que gravitan<br />

en los seres humanos. La obra <strong>de</strong> Miguel Angel Bustos permanece como una perla solitaria, a<br />

través <strong>de</strong> la cual su autor ha buscado un camino <strong>de</strong> salida <strong>de</strong>l laberinto. En lugar <strong>de</strong> seguir la<br />

recomendación que le hiciera Marechal (“<strong>de</strong> todo laberinto se sale por arriba”), el autor ha<br />

encontrado uno <strong>de</strong> los <strong>de</strong>stinos más trágicos <strong>de</strong> la poesía argentina <strong>de</strong> la segunda mitad <strong>de</strong>l<br />

siglo XX.<br />

LAS VOCES FEMENINAS Y EL INFLUJO SURREALISTA | Tres notables poetas realizaron un<br />

segmento <strong>de</strong> su escritura en los bor<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l surrealismo, y en <strong>de</strong>terminados momentos se<br />

vincularon estrechamente con algunos <strong>de</strong> sus miembros aunque en raras ocasiones tuvieron<br />

una participación manifiesta ya que en general siguieron un camino personal, sin las<br />

interferencias <strong>de</strong> grupo alguno. Las voces <strong>de</strong> Olga Orozco, Alejandra Pizarnik y Celia<br />

Gourinski, lindan con las más altas <strong>de</strong> nuestra lengua, al margen <strong>de</strong> todo encasillamiento.<br />

Olga Orozco (1920–1999) tuvo una más amplia proyección internacional y fue<br />

consi<strong>de</strong>rada una <strong>de</strong> las mayores voces femeninas <strong>de</strong> Hispanoamérica. Cuando un año antes<br />

<strong>de</strong> su muerte se le otorgara en México el premio Juan Rulfo se le estaba reconociendo esta<br />

dimensión. En 1939 comenzó su amistad con Oliverio Girondo y Norah Lange; al año<br />

siguiente colaboró en la revista Canto, inscribiéndose en la llamada Generación <strong>de</strong>l 40.<br />

Estrictamente, no pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cirse entonces que haya sido un miembro <strong>de</strong>l grupo surrealista<br />

argentino, pero su inclinación por ver la otra faz <strong>de</strong>l mundo, el uso <strong>de</strong> analogías<br />

contrastantes y la fascinación por los sueños, la lleva a ser consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> manera natural y,<br />

en el mejor sentido, una camarada <strong>de</strong> ruta. Relámpagos <strong>de</strong> lo invisible es el título <strong>de</strong>l libro en<br />

el que reunió una selección importante <strong>de</strong> su producción. Otro volumen, También la luz es<br />

un abismo, contiene sus últimos relatos. Travesías, firmado junto a Gloria Alcorta, da<br />

cuentas <strong>de</strong> un rico periplo en el que alcanzó a frecuentar y tener amistad con los escritores<br />

más relevantes <strong>de</strong> nuestro país. Pero su corazón estaba en Toay, en La Pampa, su lugar <strong>de</strong><br />

nacimiento. “La verda<strong>de</strong>ra patria <strong>de</strong>l hombre es su infancia” observó Rilke, llevando a un<br />

plano universal la sentencia <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire: “Mi patria es mi infancia”. En el caso <strong>de</strong> Olga<br />

79


Orozco es tan cierto que este solo hecho la preservó <strong>de</strong> cualquier acción colectiva. Y si los<br />

aspectos oníricos <strong>de</strong> su obra la vinculan con el surrealismo, la taumaturgia, la cartomancia,<br />

los vaticinios la condujeron a una exploración muy intensa <strong>de</strong> la realidad y <strong>de</strong> una<br />

construcción personal <strong>de</strong> ella.<br />

Ya <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su primer libro, Des<strong>de</strong> lejos están presentes muchos <strong>de</strong> los elementos que se<br />

encontrarán luego a lo largo <strong>de</strong> su obra. Entre 1946 y 1947, y en compañía <strong>de</strong> Enrique<br />

Molina, viaja a Bolivia y Chile en una suerte <strong>de</strong> itinerario literario, en el curso <strong>de</strong>l cual ambos<br />

poetas dan conferencias y charlas; comienzo <strong>de</strong> muchos viajes posteriores, como becaria o<br />

turista, pero siempre interesada en el estudio <strong>de</strong> “Lo oculto y lo sagrado en la poesía<br />

mo<strong>de</strong>rna”. [33] En Las muertes se acentúa el clima <strong>de</strong> su primer libro y cuando diez años<br />

más tar<strong>de</strong> obtiene el Primer Premio Municipal <strong>de</strong> Poesía por Los juegos peligrosos (1964),<br />

Alejandra Pizarnik escribió: “se trata <strong>de</strong> una aventura excepcional, <strong>de</strong> ‘juegos peligrosos’; se<br />

trata <strong>de</strong> comunicar la más alta nostalgia <strong>de</strong>l alma: aquella <strong>de</strong> la unidad <strong>de</strong>l paraíso perdido,<br />

<strong>de</strong> la ‘vida anterior’. Los hombres son múltiples: su nostalgia es una y es la misma”. [34] En<br />

1984, con La noche a la <strong>de</strong>riva publicado en México, recibe el Primer Premio Nacional <strong>de</strong><br />

Poesía. Posteriormente se conocieron En el revés <strong>de</strong>l cielo y Con esta boca, en este mundo.<br />

Enrique Molina dijo <strong>de</strong> ella:<br />

Su energía <strong>de</strong> pasión fusiona en un punto único el mundo interior, las cosas y “los otros”,<br />

realizando simbólicamente la presentida unidad <strong>de</strong>l mundo. Cada uno <strong>de</strong> sus poemas se<br />

<strong>de</strong>spliega como una constelación <strong>de</strong> todos los elementos, como un vínculo <strong>de</strong> todos los<br />

planos <strong>de</strong> la realidad, aunque resuene en ellos la misma pregunta infinita: “¿Quién soy? ¿Y<br />

dón<strong>de</strong>? ¿Y cuándo?”, y sean la expresión <strong>de</strong> una extrañeza esencial, que es sólo la evi<strong>de</strong>ncia<br />

<strong>de</strong> que “la tierra en algún lado está partida en dos”. Su poesía es la conciencia <strong>de</strong> esa<br />

fractura, inaceptable como la muerte, y al mismo tiempo, su solución, el ámbito en que<br />

toda antinomia <strong>de</strong>saparece. [35]<br />

En lo que respecta a (Flora) Alejandra Pizarnik (1936-1972), a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> mantener fuertes<br />

vínculos con ciertos poetas surrealistas <strong>de</strong> nuestro país, pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cirse, sin exceso, que<br />

muchos <strong>de</strong> sus textos se superponen y recortan sobre las estéticas y el “espíritu” <strong>de</strong>l<br />

surrealismo, sobre todo con alguno <strong>de</strong> ellos, como Artaud, pero nunca perteneció<br />

formalmente al movimiento. Pizarnik residió en París, entre 1960-1964, e integró el Comité<br />

<strong>de</strong> colaboradores extranjeros <strong>de</strong> la revista Les lettres nouvelles, fundada por Maurice Na<strong>de</strong>au<br />

en 1953. Esta estadía le posibilitó trabar amistad con importantes escritores<br />

hispanoamericanos y europeos, entre los que se pue<strong>de</strong> mencionar a Octavio Paz, Julio<br />

Cortazar y André Pieyre <strong>de</strong> Mandiargues. Sus primeros poemarios datan <strong>de</strong> la década <strong>de</strong>l<br />

cincuenta: La tierra más ajena, La última inocencia y Las aventuras perdidas. En la década<br />

siguiente aparece Arbol <strong>de</strong> Diana, en cuyo prólogo Octavio Paz sostiene: “El árbol <strong>de</strong> Diana<br />

refleja sus rayos y los reúne en un foco central llamado poema, que produce un calor<br />

luminoso capaz <strong>de</strong> quemar, fundir y hasta volatilizar a los incrédulos. Se recomienda esta<br />

prueba a los críticos literarios <strong>de</strong> nuestra lengua”. [36] Publica luego Los trabajos y las<br />

noches, Extracción <strong>de</strong> la piedra <strong>de</strong> la locura y Nombres y figuras; en el primer libro<br />

mencionado hay una frase <strong>de</strong>l poema “Adioses <strong>de</strong>l verano” que resume <strong>de</strong> manera ejemplar<br />

la estética <strong>de</strong> la muerte que vertebra su poesía: “Quisiera estar muerta y entrar también yo<br />

en un corazón ajeno.” Ya en 1971, la autora publica los poemarios El infierno musical y Los<br />

pequeños cantos (Caracas) y el libro <strong>de</strong> relatos titulado La con<strong>de</strong>sa sangrienta. En 1972, luego<br />

<strong>de</strong> un período <strong>de</strong> internación en una clínica psiquiátrica, se suicida. Póstumamente se<br />

publicaron varias antologías y se emprendió la edición <strong>de</strong> sus obras completas, incluida su<br />

correspon<strong>de</strong>ncia y sus diarios. En una <strong>de</strong> estas antologías, Semblanza (México, 1992), en el<br />

que se publican también fragmentos <strong>de</strong> su diario personal, Frank Graziano escribe en el<br />

prólogo: “El corpus literario <strong>de</strong> Pizarnik (intactas las implicaciones sensuales <strong>de</strong>l término)<br />

80


pue<strong>de</strong> ser llamado así ‘obra suicida’: una extensa, ritualista y estética nota <strong>de</strong> suicidio que<br />

ofrece cierta medida <strong>de</strong> protección y aislamiento contra la muerte a la que nombra”. [37]<br />

La ubicación <strong>de</strong> Pizarnik en la poesía argentina contemporánea ha ido adquiriendo<br />

lentamente un lugar privilegiado. La estrecha relación que mantuvo con Olga Orozco y<br />

Enrique Molina contribuyeron a remarcar en su poesía los rasgos <strong>de</strong> nocturna magia, que le<br />

permitieron intentar a<strong>de</strong>más el difícil tránsito a lo inefable. No sólo el suicidio y su<br />

confesada homosexualidad participaron en la confirmación <strong>de</strong> los pocos mitos actuales que<br />

posee nuestra literatura. Su <strong>de</strong>sgarrada voz, en la que se produce un cuestionamiento vital y<br />

metafísico <strong>de</strong> la propia i<strong>de</strong>ntidad, le permite dotar a los textos que escribe <strong>de</strong> una tonalidad<br />

sumamente particular en la poesía <strong>de</strong> nuestra lengua. La combinación <strong>de</strong> símbolos, <strong>de</strong> noche,<br />

<strong>de</strong> sexo y <strong>de</strong> terror, posibilitaron poemas que poseían y poseen un sello inconfundible.<br />

Celia Gourinski (1938) se relacionó <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muy joven con los surrealistas. En 1959 aparece<br />

su primer libro, Nervadura <strong>de</strong>l silencio (bajo el nombre <strong>de</strong> Celia G. Lesca). A propósito <strong>de</strong> su<br />

segundo texto, El regreso <strong>de</strong> Jonás, Aldo Pellegrini escribió: “La aparición <strong>de</strong> un libro como el<br />

<strong>de</strong> Celia Gourinski constituye un acontecimiento poco frecuente en un medio como el<br />

nuestro tan huérfano <strong>de</strong> poesía”. [38] Luego vendrían Tanatérotica, Acaso la Tierra e<br />

Instantes suicidas. Su libro Inocencia feroz le permitió restablecer la dimensión <strong>de</strong> su poesía<br />

<strong>de</strong>spués <strong>de</strong> un prolongado silencio. Y si es verdad que cierta poesía nos ofrece el sentido <strong>de</strong><br />

la transmutación y <strong>de</strong> la alquimia, tanto para su autor como para el lector, o incluso, más<br />

lejos aún, para gran parte <strong>de</strong> los textos que a ella se unen como a través <strong>de</strong> vasos<br />

comunicantes, en este último libro encontramos pruebas visibles <strong>de</strong> esa hipótesis. Esta<br />

poesía es un punto <strong>de</strong> inflexión entre “la inocencia feroz” anunciada hace ya décadas por<br />

Aldo Pellegrini, y la certeza con que construye su propio futuro. Certeza no <strong>de</strong> fórmulas<br />

matemáticas ni <strong>de</strong> <strong>de</strong>stellos emanados <strong>de</strong> la prospectiva, sino <strong>de</strong> aquella que proviene <strong>de</strong>l<br />

temblor <strong>de</strong> una hoja en el otoño ante la duda <strong>de</strong> su fin.<br />

Los poemas <strong>de</strong> estas tres autoras merecerían una honda reflexión acerca <strong>de</strong>l lugar que<br />

ellos ocupan en las últimas décadas <strong>de</strong> la poesía argentina realizada por mujeres. Ya se sabe<br />

que la producción artística, por lo general, carece <strong>de</strong> sexo. Pero el arte o la poesía no pue<strong>de</strong>n<br />

confundirse con los ángeles; ellos habitan en la provisoriedad <strong>de</strong> la tierra y en la<br />

magnificencia <strong>de</strong>l amor. En un aspecto y hacia el final <strong>de</strong> su vida, el surrealismo era para<br />

Enrique Molina, en relación a Celia Gourinski, la abolición <strong>de</strong> la distancia entre el amor por<br />

una mujer y la plenitud <strong>de</strong> la palabra. No sorpren<strong>de</strong> entonces que, <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> su muerte,<br />

pueda el lector a<strong>de</strong>ntrarse en los poemas <strong>de</strong> “inocencia feroz” a través <strong>de</strong> esta tajante<br />

<strong>de</strong>dicatoria: “A Enrique, / a nuestro amor en / el siempre”. Abolición, entonces, <strong>de</strong> la muerte,<br />

como lo quería Novalis o reinvindicación <strong>de</strong>l canto puro <strong>de</strong>l anochecer.<br />

Algo más <strong>de</strong> treinta poemas componen este libro precedido por un luminoso epígrafe <strong>de</strong><br />

Czeslaw Milosz: “Espejos en los que vi el color <strong>de</strong> mi boca / ¿Quién anda por ahí, quién <strong>de</strong> sí<br />

mismo / se extraña <strong>de</strong> nuevo?”. El amor que resuena en los textos no <strong>de</strong>ja ni por un instante<br />

<strong>de</strong> situarse en el centro <strong>de</strong> un estallido. La explosión <strong>de</strong> la alquimia parte <strong>de</strong> un principio <strong>de</strong><br />

continuidad, según el cual los seres se contaminan <strong>de</strong> una misma esencia, y en esta<br />

transformación ocurre la unión con todas las partículas <strong>de</strong>l universo. En el poema “Inocencia<br />

<strong>de</strong>spués”, Gourinski parte <strong>de</strong> una exaltación:<br />

Inocencia, no <strong>de</strong>sesperes en la culpa <strong>de</strong> los cuerpos marchitos<br />

Ellos nunca fueron elegantes, nunca un fulgor echó sobre ellos su hechizo<br />

Inocencia <strong>de</strong> bellas cruelda<strong>de</strong>s, acompáñame a recorrer lugares reservados a los dioses<br />

burlones, que juegan a <strong>de</strong>vorar toda ley inventada por sus vástagos [39]<br />

Versos más a<strong>de</strong>lante, don<strong>de</strong> se propicia un lapidario remate, la conclusión exuda el valor<br />

<strong>de</strong> la carne, “Puta mágica sagrada”. El amor no aparece disociado <strong>de</strong> aquello que le es más<br />

próximo a la mano, don<strong>de</strong> el gesto <strong>de</strong> aferrarse a alguien en el momento que prece<strong>de</strong> a la<br />

muerte, se conjuga con los cuerpos entrelazados en un esplendor. A manera <strong>de</strong> un círculo<br />

81


que se cierra, el amor, la transgresión, la muerte y la libertad han sido rasgos básicos <strong>de</strong> la<br />

poesía surrealista argentina, temas que -hay que admitirlo- atraviesan a toda la poesía lírica,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> el lejanísimo amor condusse noi ad una morte <strong>de</strong>l Canto V <strong>de</strong>l Infierno <strong>de</strong> Dante.<br />

CONCLUSIÓN | De un modo análogo al que se ha dicho que hay dos vanguardismos en<br />

América Latina, uno original, para nada ligado a las proposiciones vanguardistas europeas,<br />

<strong>de</strong>l cual serían ejemplos sobresalientes César Vallejo y Macedonio Fernán<strong>de</strong>z; se podría <strong>de</strong>cir<br />

algo parecido <strong>de</strong>l surrealismo <strong>de</strong>sarrollado en la Argentina; uno siguiendo sus propias<br />

pulsaciones y sus propios tiempos, y otro acor<strong>de</strong> con las aperturas que tuvieron lugar tanto<br />

en el or<strong>de</strong>n <strong>de</strong> la poesía como en el <strong>de</strong> una filosofía <strong>de</strong> vida, en Francia en particular y, en<br />

artes plásticas, también en los Estados Unidos. Estas adscripciones, que variaron en su<br />

énfasis, permiten pensar en la gravitación <strong>de</strong> lo que llamamos “surrealismo” sobre nuestra<br />

literatura, entendido éste como ruptura <strong>de</strong> esquemas mentales y aun retóricos.<br />

La proyección <strong>de</strong> estos autores no ha sido equivalente. Hay aquellos cuya obra pue<strong>de</strong><br />

verse como encapsulada, marginal y hasta secreta, sobre todo en autores como Latorre,<br />

Ceselli, Vasco y Madariaga; otros, han obtenido triunfos individuales <strong>de</strong> gran importancia<br />

pública y aun académica, como es el caso <strong>de</strong> Molina, Orozco y Pizarnik; por último, la<br />

irradiación <strong>de</strong> Pellegrini en la difusión <strong>de</strong> los surrealistas franceses y <strong>de</strong> otros poetas<br />

centrales, que fue superior, hasta ahora, a la impronta <strong>de</strong> su propia obra. Razonamiento, en<br />

fin, que podría aplicarse a la pintura: sus exponentes, Batlle Planas, Roberto Aizemberg,<br />

Víctor Chab y otros, han merecido reconocimientos importantes, pero no en virtud <strong>de</strong> sus<br />

manifiestos ni proclamas.<br />

Se podría <strong>de</strong>cir, en suma, que más allá <strong>de</strong> su <strong>de</strong>signación, las obras <strong>de</strong> varios <strong>de</strong> los<br />

protagonistas <strong>de</strong> esta aventura han logrado una presencia indudable en los registros<br />

literarios argentinos y, sin duda, han incidido en los modos <strong>de</strong> escritura <strong>de</strong> otros poetas a<br />

los que no se pue<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar como rupturistas. Línea sinuosa, difícil <strong>de</strong> establecer: habría<br />

que <strong>de</strong>tectar en cada poeta posterior o contemporáneo, como Edgar Bayley, Alberto Vanasco,<br />

Mario Trejo o Juan-Jacobo Bajarlía con sus Estereopoemas <strong>de</strong> la época <strong>de</strong> Arte Madí, los<br />

restos, trazas, lecciones que el surrealismo pudo haber impreso y <strong>de</strong>jado en sus poéticas.<br />

NOTAS<br />

1. Raúl Dorra, Los extremos <strong>de</strong>l lenguaje, México, Editorial <strong>de</strong> la UNAM, 1982.<br />

2. Aldo Pellegrini, Antología <strong>de</strong> la Poesía Surrealista, Buenos Aires, Fabril Editora, 1961, en su<br />

prólogo “La poesía surrealista”. Reeditado por Editorial Argonauta, Buenos Aires, 20<strong>06</strong>.<br />

3. Las relaciones <strong>de</strong> Huidobro con el surrealismo no han terminado <strong>de</strong> establecerse. Ver<br />

Waldo Rojas, “Sobre algunos acercamientos y prevenciones a la obra poética <strong>de</strong> Vicente<br />

Huidobro en lengua francesa”, en Vicente Huidobro, Obras poéticas en francés (Edición<br />

bilingue), Santiago <strong>de</strong> Chile, Editorial Universitaria, 1999.<br />

4. Y, sobre todo, Lunario sentimental, Buenos Aires, 1909; Madrid, Cátedra, 1988.<br />

Consi<strong>de</strong>rado prevanguardista, se suele emparentar esos poemas con la poesía <strong>de</strong>l<br />

simbolista Jules Lafforgue.<br />

5. Arnold Hauser, Historial social <strong>de</strong> la literatura y el arte, Madrid, Guadarrama, 1969.<br />

6. André Breton, Antología (1913-1966), México, Siglo XXI Editores, 1973.<br />

7. Aldo Pellegrini, op.cit.<br />

8. Este libro se volvió a reeditar por Argonauta en Barcelona en 1978 y 1986 y,<br />

recientemente, en Buenos Aires en 2007.<br />

9. Aldo Pellegrini, La valija <strong>de</strong> fuego (Poesía completa), compilación y notas <strong>de</strong> Mario<br />

Pellegrini, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 2001.<br />

10. Alfredo Veiravé, “La poesía: generación <strong>de</strong>l 40”, en Historia <strong>de</strong> la Literatura argentina,<br />

Vol.<strong>II</strong>I, Buenos Aires, Centro Editor <strong>de</strong> América Latina, 1968.<br />

11. Aldo Pellegrini, Antología <strong>de</strong> la Poesía Surrealista, op.cit.<br />

82


12. Ver Raúl Antelo, “Poesía hermética y surrealismo”, en El oficio se afirma, vol. 6 <strong>de</strong><br />

Historia crítica <strong>de</strong> la literatura argentina, Buenos Aires, Emecé, 2004.<br />

13. Aldo Pellegrini, “Oliverio Girondo”, en Antología, Buenos Aires, Editorial Argonauta,<br />

1989.<br />

14. Ver, en este volumen, Delfina Muschietti, “Oliverio Girondo y el giro <strong>de</strong> la tradición”.<br />

15. Aldo Pellegrini, “Oliverio Girondo”, op.cit.<br />

16. Mario Pellegrini, “Nota <strong>de</strong>l editor”, La valija <strong>de</strong> fuego, op. cit.<br />

17. Entrevista realizada por Javier Barreiro Cavestany y Fernando Lostaunau, en 1987,<br />

reproducida en “Surrealismo: poesía y libertad”, http:/www.poeticas.com.ar.<br />

18. Aldo Pellegrini, Escrito para nadie, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 1989.<br />

19. Aldo Pellegrini, La valija <strong>de</strong> fuego, op.cit.<br />

20. Enrique Molina, “El gran lujo”, en La valija <strong>de</strong> fuego, op. cit.<br />

21. Graciela <strong>de</strong> Sola, Proyecciones <strong>de</strong>l surrealismo en la literatura argentina, Buenos Aires,<br />

Ediciones <strong>Cultura</strong>les Argentinas, 1967.<br />

22. Miguel Espejo, “Enrique Molina: la resi<strong>de</strong>ncia fugitiva”, en Enrique Molina, Antología<br />

poética, Madrid, Visor, 1990.<br />

23. Guillermo Sucre, La máscara, la transparencia, Caracas, Monte Ávila, 1975.<br />

24. Olga Orozco/Gloria Alcorta, Travesías, Buenos Aires, Editorial Sudamericana, 1997.<br />

25. Juan Antonio Vasco, en País garza real, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 1997.<br />

26. Francisco Madariaga, Criollo <strong>de</strong>l Universo, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 1998.<br />

27. Raúl Gustavo Aguirre, Poesía Buenos Aires, 1954.<br />

28. Daniel Calmels, El Cristo rojo: cuerpo y escritura en la obra <strong>de</strong> Jacobo Fijman, Buenos<br />

Aires, Topía editorial, 1996. No existe ningún rastro <strong>de</strong> que Fijman o Girondo hayan<br />

tomado contacto con miembros <strong>de</strong>l surrealismo.<br />

29. Juan-Jacobo Bajarlía, Fijman, poeta entre dos vidas, Buenos Aires, Ediciones <strong>de</strong> la Flor,<br />

1992.<br />

30. Jacobo Fijman, Obra poética, Buenos Aires, La Torre Abolida, 1983.<br />

31. Roberto Juarroz, “Antonio Porchia o la profundidad recuperada”, México, Plural Nº 47,<br />

agosto <strong>de</strong> 1975.<br />

32. Aldo Pellegrini, en el catálogo <strong>de</strong> la exposición, Buenos Aires, 1970.<br />

33. Olga Orozco/Gloria Alcorta, op.cit.<br />

34. Alejandra Pizarnik, Semblanza, México, Fondo <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong> Económica, 1992.<br />

35. Enrique Molina, “La poesía <strong>de</strong> Olga Orozco”, en Páginas <strong>de</strong> Olga Orozco seleccionadas por<br />

la autora, Buenos Aires, Editorial Celtia, 1984.<br />

36. Octavio Paz, Árbol <strong>de</strong> Diana, Buenos Aires, Sur, 1962.<br />

37. Franz Graziano, en Semblanza, México, Fondo <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong> Económica, 1992.<br />

38. Aldo Pellegrini, prólogo a El regreso <strong>de</strong> Jonás, Buenos Aires, Rayuela, 1971.<br />

39. Celia Gourinski, Inocencia Feroz, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 1999, con prólogo <strong>de</strong><br />

Miguel Espejo “La alquimia <strong>de</strong> la ferocidad”.<br />

Miguel Espejo (Argentina, 1948). Poeta y ensayista. Este ensayo es capítulo <strong>de</strong> Rupturas,<br />

volumen 7, dirigido por Celina Manzoni, <strong>de</strong> Historia crítica <strong>de</strong> la literatura argentina (2009).<br />

Contacto: miguel.espejo@speedy.com.ar. Página ilustrada con obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda),<br />

artista invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />

83


THOMAS RAIN CROWE | Nan Watkins: Yvan Goll e<br />

a erva mágica da poesia<br />

Nan Watkins. Nascida e criada no Condado <strong>de</strong> Bucks, Pensilvânia,<br />

EUA, Nan Watkins é formada pelo Oberlin College e pela Universida<strong>de</strong><br />

Johns Hopkins, com estudos complementares na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Munique e na Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Viena. Seus interesses<br />

abrangem música, tradução literária e viagens. Teve textos publicados<br />

em diversos periódicos, inclusive o Asheville Poetry Review, o<br />

International Poetry Review, o Beloit Poetry Journal e o Shearsman (UK). Seu interesse em<br />

Yvan e Claire Goll levou ao ensaio "Twin Suns," publicado na França no catálogo da<br />

retrospectiva do 50º aniversário do trabalho <strong>de</strong> Yvan Goll, e às traduções dos poemas <strong>de</strong><br />

Claire Goll em 10,000 Dawns: Love Poems of Yvan & Claire Goll (White Pine Press, 2004).<br />

Seu diário <strong>de</strong> viagem East Toward Dawn: A Woman's Solo Journey Around the World foi<br />

publicado pela Seal Press in 2002. Nan vive e trabalha na Serra <strong>de</strong> Blue Ridge, Carolina do<br />

Norte, EUA. [TRC]<br />

TRC | Vamos começar pela inclusão, por Floriano Martins, do trabalho <strong>de</strong> Yvan Goll em<br />

sua antologia a ser publicada em breve sobre o Surrealismo Americano, e pela tradução por<br />

Márcio Simões do livro Fruit From Saturn, <strong>de</strong> Goll's, que irá publicar através <strong>de</strong> sua editora, a<br />

Sol Negro Edições. Sei que você manteve contato com os dois a respeito <strong>de</strong>sses projetos. O<br />

que po<strong>de</strong> nos dizer sobre as conversas que teve com Floriano e Márcio?<br />

NW | Gostei muito <strong>de</strong> trabalhar com Floriano Martins e Márcio Simões em seus esforços<br />

para expor algo do trabalho <strong>de</strong> Yvan Goll ao público brasileiro. Floriano pediu que eu<br />

escrevesse a introdução à obra <strong>de</strong> Goll para sua antologia. Embora Goll tivesse nascido em<br />

1891 na região contestada da Alsácia e recebido cidadania alemã quando jovem, suas raízes<br />

judaicas mais tar<strong>de</strong> lhe negaram essa cidadania e ele fugiu para os Estados Unidos em 1939,<br />

lá ficando até 1947. Durante o exílio, Goll adquiriu cidadania americana e, como tinha<br />

publicado seu próprio Manifesto Surrealista em outubro <strong>de</strong> 1924, no mesmo mês em que<br />

André Breton publicou o seu, a poesia surrealista <strong>de</strong> Goll se qualificava para uma antologia<br />

do surrealismo americano.<br />

Fiquei satisfeita em saber que Márcio estava traduzindo um dos livros <strong>de</strong> poesia <strong>de</strong> Goll,<br />

Fruit From Saturn, que escreveu em inglês e publicou em Nova Iorque, em 1946. É um<br />

trabalho tardio, escrito <strong>de</strong>pois que Goll soube que estava morrendo <strong>de</strong> leucemia. No livro, ele<br />

clama não apenas contra sua própria sentença <strong>de</strong> morte, mas também contra as bombas<br />

atômicas americanas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, ao mesmo tempo que mergulha<br />

nos mistérios esotéricos da Cabala e da astrologia. Escrevi um breve esboço biográfico sobre<br />

Goll para a tradução <strong>de</strong> Márcio, que também será publicada em breve.<br />

TRC | O que po<strong>de</strong> nos dizer a respeito <strong>de</strong> quem é Yvan Goll e do porquê <strong>de</strong> seu interesse<br />

para esses editores? Por que ele é <strong>de</strong> interesse aos brasileiros?<br />

NW | Yvan Goll, um dos maiores poetas líricos da primeira meta<strong>de</strong> do Séc. XX, escrevia<br />

tanto em francês quanto em alemão. Sua curiosida<strong>de</strong> insaciável e sua visão <strong>de</strong> mundo<br />

abrangente o levaram a investigar e participar tanto do expressionismo alemão quanto do<br />

surrealismo francês. Sua obra ampla e variada inclui poesia, teatro, romances, textos<br />

musicais e traduções.<br />

Embora Goll tenha passado a maior parte da vida na Europa – primeiro mudando-se para<br />

a Suíça ao irromper da Primeira Guerra Mundial, <strong>de</strong>pois vivendo e trabalhando em Berlim<br />

84


antes <strong>de</strong> se estabelecer em Paris – também <strong>de</strong>ixou sua marca no Novo Mundo, nas Américas.<br />

Sua visão global já era evi<strong>de</strong>nte em sua antologia <strong>de</strong> 1922, Cinq continents: Anthologie<br />

mondiale <strong>de</strong> poésie contemporaine par Ivan Goll.<br />

Com efeito, já no primeiro livro <strong>de</strong> poesia que Goll publicou, surgia o poema<br />

"Brasilianerin". Duas outras <strong>de</strong> suas primeiras publicações, que escreveu na casa dos vinte<br />

anos, eram uma tradução das cartas <strong>de</strong> Walt Whitman nos campos <strong>de</strong> batalha da Guerra Civil<br />

Americana e um poema ar<strong>de</strong>nte, "Der Panama-Kanal", que representava a maravilha<br />

industrial que era o Canal e as <strong>de</strong>sprezíveis condições dos operários durante sua construção.<br />

Goll também visitou Cuba no começo da década <strong>de</strong> 1940 e <strong>de</strong>ixou um ensaio, "Cuba,<br />

corbeille <strong>de</strong> fruits", e um poema, "Vénus Cubaine" publicados em Nova Iorque, em 1946.<br />

Outra ligação que po<strong>de</strong> interessar aos brasileiros é o fato <strong>de</strong> que a confi<strong>de</strong>nte e musa <strong>de</strong><br />

Goll por muitos anos, a poeta e pintora austríaca Paula Ludwig, <strong>de</strong>ixou a Europa <strong>de</strong>vastada<br />

pela guerra em 1940 e migrou para o Brasil, on<strong>de</strong> viveu e trabalhou entre os artistas <strong>de</strong> São<br />

Paulo e do Rio <strong>de</strong> Janeiro antes <strong>de</strong> retornar à Europa em 1953. Durante a guerra, ela e Goll se<br />

separaram e nunca mais se encontraram. Um dos maiores ciclos <strong>de</strong> poemas <strong>de</strong> amor que ele<br />

escreveu, Malaiische Liebeslie<strong>de</strong>r e Chansons malaises foi escrito para ela tanto em alemão<br />

quanto em francês.<br />

TRC | Sabemos que Goll teve influência sobre o movimento surrealista francês, mas ele<br />

foi muito mais do que isso. Po<strong>de</strong> nos contar o que a atraiu para Goll e seu trabalho e por que<br />

<strong>de</strong>dica tanto do seu tempo ao esforço <strong>de</strong> traduzir sua obra do Alemão para o inglês?<br />

NW | Acho que <strong>de</strong>ve ser, em parte, pelo menos, o fato <strong>de</strong> que a mente cosmopolita <strong>de</strong> Goll<br />

o levou a tantas abordagens diferentes sobre a arte e a vida, ao fato <strong>de</strong> que ele não foi<br />

reclamado e promovido por qualquer grupo específico. Com isso, seu trabalho ficou pouco<br />

conhecido, especialmente no mundo anglófono. On<strong>de</strong> quer que estivesse, sempre se<br />

movimentava entre os artistas e escritores do momento, pesquisando e contribuindo,<br />

recebendo conhecimento e dando o próprio em troca. Mas a vida e a obra <strong>de</strong> Goll são<br />

<strong>de</strong>sconhecidas do púbico contemporâneo. Quero ajudar a dar nova vida ao seu trabalho,<br />

especialmente além das fronteiras da Europa. Suas i<strong>de</strong>ias iluminadas me atraem.<br />

Começa assim o Manifesto Surrealista <strong>de</strong> Goll: "A realida<strong>de</strong> é a base <strong>de</strong> toda a arte <strong>de</strong><br />

monta. Sem ela não há vida, não há substância. Realida<strong>de</strong>: é o solo sob os nossos pés e o céu<br />

sobre as nossas cabeças". Durante a vida, Goll expandiu sua visão, que passou a abranger<br />

todo o cosmos, a questionar o ímpeto industrial <strong>de</strong>struindo o mundo natural, a registrar seu<br />

espírito nôma<strong>de</strong> e questionador nos ciclos poéticos Jean Sans Terre (“João Sem Terra”) Goll<br />

ficou do lado do povo, não dos exploradores do planeta e da humanida<strong>de</strong>.<br />

Seu pacifismo o levou a manifestar-se precocemente contra a guerra no Requiem für die<br />

Gefallenen von Europa. Sua peça satírica Methusalem (em alemão) é uma acusação contra o<br />

consumismo e a falsida<strong>de</strong> da vida burguesa. Sua Élegie <strong>de</strong> Lackawanna é um amoroso<br />

lamento pelas tribos indígenas americanas perdidas, que foram expulsas exatamente da<br />

terra on<strong>de</strong> vivia, no Brooklyn, Nova Iorque, em seu exílio durante a Segunda Guerra Mundial.<br />

TRC | A maioria dos tradutores tem uma certa maneira <strong>de</strong> abordar a tarefa <strong>de</strong> trazer um<br />

trabalho <strong>de</strong> uma língua para outra. Você tem alguma fórmula ou método para trabalhar em<br />

algum projeto – especialmente na tradução do livro Dreamweed, <strong>de</strong> Goll?<br />

NW: Dreamweed é uma obra-prima tardia <strong>de</strong> Goll. Depois do diagnóstico <strong>de</strong> leucemia<br />

incurável enquanto ainda vivia em Nova Iorque, ele começou a imaginar uma planta estranha<br />

que chamou <strong>de</strong> Traumkraut, ou Dreamweed (Erva-dos-sonhos). É significativo que ele a tenha<br />

imaginado em alemão e não em francês. Até ali, quando não podia mais publicar em alemão<br />

<strong>de</strong>pois da ascensão dos nazistas, publicava tudo em francês. Mas quando precisou enfrentar<br />

a i<strong>de</strong>ia da própria morte iminente, precisou expressar-se em alemão.<br />

85


Minha abordagem à tradução do alemão para os públicos anglófonos inglês e americano<br />

foi a <strong>de</strong> habitar o mais profundamente que pu<strong>de</strong> a língua alemã <strong>de</strong> Goll e o pensamento por<br />

trás <strong>de</strong> suas palavras. Meu objetivo era criar um poema em inglês que o próprio Goll pu<strong>de</strong>sse<br />

ter escrito. Isso parece ousado, mas não sei <strong>de</strong> que outra maneira me expressar. Ao mesmo<br />

tempo que procurava pelas palavras certas, estava procurando pelo espírito profundo, pela<br />

raiva, pelo <strong>de</strong>sespero, pela graça salvadora do amor que se fundiram para fazer dos poemas<br />

algo tão belo. Enquanto procura pela palavra certa, a tradutora precisa ir além das palavras e<br />

entrar no espírito da obra.<br />

But pink almond trees<br />

Grow from your heart<br />

And larks chirp in your raspberry eyes<br />

[Amendoeiras carmim<br />

No seu coração<br />

Cotovias em seus olhos framboesa]<br />

O todo <strong>de</strong> um poema <strong>de</strong> Goll é maior do que a soma <strong>de</strong> suas partes. Como Goll escolheu o<br />

alemão como ferramenta para esses poemas, procurei usar em inglês o máximo possível <strong>de</strong><br />

palavras germânicas, em vez das <strong>de</strong> origem latina.<br />

Dreamweed começa com poemas que tratam da agonia física que a doença fatal impõe a<br />

Goll. À medida que o livro avança, <strong>de</strong>sloca-se para memórias <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong><br />

sofrimento no Antigo Testamento, como nos poemas "Job" (Jó), e, finalmente, para o cosmos,<br />

como se, na pele <strong>de</strong> Jean Sans Terre, ele soubesse que todo o universo é seu território. O<br />

livro conduz o leitor em uma gran<strong>de</strong> jornada da realida<strong>de</strong> tangível terrena para a majesta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spercebida da imaginação do poeta entre as estrelas.<br />

Beloved, your hanging lamp of mourning<br />

Beams to me through outer space<br />

Like the red<strong>de</strong>ned eyes<br />

Of <strong>de</strong>eply anguished stars<br />

[Amada, teu lustre <strong>de</strong> lamento<br />

Chega a mim vindo do espaço<br />

Olhos injetados<br />

De angústia das estrelas]<br />

TRC | Acho que os leitores da <strong>Agulha</strong> gostariam <strong>de</strong> saber algo dos acontecimentos<br />

importantes na vida <strong>de</strong> Goll referentes à criação dos poemas da coleção Dreamweed e por<br />

que ela é consi<strong>de</strong>rada tão especial no corpo geral da obra do autor.<br />

NW | Quando Goll e sua esposa <strong>de</strong>ixaram Nova Iorque e voltaram a Paris, em 1947, ele<br />

precisou suportar longos períodos <strong>de</strong> hospitalização para obter um remissão pelo menos<br />

temporária da leucemia. Durante essas internações, ele sentia muita dor e foi tratado com<br />

drogas. É <strong>de</strong> se imaginar que esse estado alterado tenha expandido sua visão enquanto ele<br />

rabiscava trechos <strong>de</strong> poemas em quaisquer papéis que pu<strong>de</strong>sse alcançar.<br />

Quando pô<strong>de</strong> retomar a vida em seus últimos anos, Goll permaneceu ativo, publicando e<br />

promovendo seu trabalho. Uns poucos meses antes <strong>de</strong> morrer, esteve numa conferência da<br />

PEN em Veneza e, a caminho <strong>de</strong> casa, em Paris, fez uma parada na famosa estação <strong>de</strong> rádio<br />

Beromünster, perto <strong>de</strong> Zurique, e gravou alguns dos poemas que escrevera recentemente.<br />

Anunciou, "Agora vou ler poemas <strong>de</strong> meu livro mais recente, ainda não publicado, Das<br />

Traumkraut." Isso foi no final <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1949. No começo <strong>de</strong> novembro, o jovem poeta<br />

Paul Celan visitou Goll em Paris e os dois travaram uma amiza<strong>de</strong> cordial. Quando Goll foi<br />

para o Hôpital Américain <strong>de</strong> Neuilly sur Seine, perto <strong>de</strong> Paris, em 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, Celan foi<br />

um dos muitos poetas e artistas que visitaram o hospital e ofereceram seu sangue para que<br />

o poeta moribundo pu<strong>de</strong>sse completar sua última obra. Foi um tributo significativo a alguém<br />

que trabalhara tanto durante a vida para promover o trabalho <strong>de</strong> outros. Sua esposa, Claire,<br />

estava com ele quando morreu, em 27 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1950. O túmulo <strong>de</strong> Goll fica em frente<br />

86


ao <strong>de</strong> Chopin no Cimetière du Père Lachaise, em Paris. Goll não chegou a ver a publicação <strong>de</strong><br />

Traumkraut, mas o livro saiu pela Limes Verlag, <strong>de</strong> Wiesba<strong>de</strong>n, Alemanha, em 1951.<br />

Ao longo dos anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a morte <strong>de</strong> Goll, poetas <strong>de</strong> todo o mundo <strong>de</strong>scobriram e<br />

reverenciaram os diversos poemas <strong>de</strong> Traumkraut, mas o livro como um todo nunca surgiu<br />

em inglês. Espero que a edição bilíngue publicada nos EUA em 2012 pela Black Lawrence<br />

Press permita que os poetas e todas as pessoas do mundo anglófono possam experimentar<br />

em primeira mão uma das obras primas <strong>de</strong> Goll.<br />

TRC | Olhando para a vida e obra <strong>de</strong> Goll, fica claro que era uma personagem<br />

internacional. Po<strong>de</strong> nos falar um pouco <strong>de</strong>sse aspecto <strong>de</strong> sua biografia e bibliografia?<br />

NW | Quando se lê a respeito do trabalho <strong>de</strong> outros artistas da primeira meta<strong>de</strong> do Séc.<br />

XX percebe-se que a vida <strong>de</strong> Goll entrelaçou-se com a <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>les. Ao publicar o próprio<br />

trabalho e o <strong>de</strong> outros poetas, tanto em Paris quanto em Nova Iorque, ele alistou muitos<br />

pintores para ilustrar os livros: Chagall, Tanguy, Dali, Picasso, Arp, Grosz, Delaunay. Chagall<br />

ilustrou diversos dos volumes <strong>de</strong> poemas <strong>de</strong> amor <strong>de</strong> Yvan e Claire, inclusive com oito<br />

<strong>de</strong>senhos para as edições originais em francês e alemão e para a tradução inglesa <strong>de</strong> 10,000<br />

Dawns: Love Poems of Yvan & Claire Goll, publicado nos EUA pela White Pine Press em 2004.<br />

Essas amiza<strong>de</strong>s íntimas com artistas perduraram por toda a sua vida.<br />

Goll procurou novos originais enquanto trabalhava para a editora suíça Rhein Verlag;<br />

entre eles estava a primeira tradução para o alemão <strong>de</strong> Ulysses <strong>de</strong> James Joyce (por George<br />

Goyert). Durante esse período, Goll trabalhou com Joyce e Samuel Beckett para traduzir para<br />

o francês parte do capítulo Anna Livia Plurabelle, <strong>de</strong> Finnegans Wake. Entre as outras<br />

traduções <strong>de</strong> Goll do alemão para o francês está a do romance <strong>de</strong> Stefan Zweig, Le Brésil,<br />

terre d'avenir (Brasil, País do Futuro). Enquanto vivia em Nova Iorque, trabalhou e formou<br />

amiza<strong>de</strong> com muitos poetas e escritores americanos, como William Carlos Williams, Henry<br />

Miller, Kenneth Patchen e Philip Lamantia, cujo trabalho apareceu na revista Hemispheres, <strong>de</strong><br />

Goll.<br />

Seria necessária toda uma vida para digerir tudo o que Goll escreveu e para seguir sua<br />

ágil carreira como o poeta João Sem-terra ao redor do planeta. Que o trabalho que Floriano<br />

Martins e Márcio Simões e nós mesmos estamos fazendo para traduzir e publicar o trabalho<br />

<strong>de</strong> Goll inspire por muitos anos novas gerações <strong>de</strong> todo o mundo. Vamos encerrar a<br />

entrevista ce<strong>de</strong>ndo a última palavra a Yvan Goll. Eis um poema <strong>de</strong> amor que escreveu para<br />

sua mulher um mês antes <strong>de</strong> morrer:<br />

Did I pluck you in the gar<strong>de</strong>ns of Ephesus<br />

The curly hair of your carnations<br />

The evening bouquet of your hands?<br />

Did I fish for you in the lakes of dream?<br />

An angler on your meadows’ shores<br />

I threw you my heart for food<br />

Did I find you in the dryness of the <strong>de</strong>sert?<br />

You were my last tree<br />

You were the last fruit of my soul<br />

Now I am wrapped in your sleep<br />

Bed<strong>de</strong>d <strong>de</strong>ep in your repose<br />

Like the almond in its night-brown shell<br />

[Terei te visto nos jardins do Éfeso<br />

Os caracóis das tuas flores<br />

O buquê noturno das mãos?<br />

Terei te pescado em lagos <strong>de</strong> sonhos?<br />

Nos teus prados lançado o anzol<br />

Meu coração foi tua isca<br />

Encontrei-te na secura do <strong>de</strong>serto?<br />

Tu, última árvore<br />

Fruto final da minha alma<br />

Estou envolvo em teu sono<br />

No leito do teu repouso<br />

Como a amêndoa em sua casca escura]<br />

87


Thomas Rain Crowe (U.S., 1949). Poet, translator and editor in chief of New Native Press:<br />

www.newnativepress.com. In the 70s of last century was the director of the International<br />

Poetry Festival in San Francisco and of the magazine Beatitu<strong>de</strong>. Author of books like Water<br />

From The Moon (1995), The Laugharne Poems (1997), and Poems From Zoro’s Field (2005).<br />

Currently organizes together with Floriano Martins, an anthology of poets living in the<br />

United States, to La Cabra Ediciones, Mexico. Contact: newnativepress@hotmail.com. Page<br />

illustrated with works by Lucebert (Netherland), guest artist this issue of ARC.<br />

88


WLADIMIR SALDANHA | Duas vezes Lêdo Ivo<br />

1. QUANDO O MORMAÇO AVANÇA: A MORTE SOLAR <strong>DE</strong> LÊDO IVO |<br />

Com Mormaço, ainda inédito no Brasil, fecha-se o conjunto da obra <strong>de</strong><br />

Lêdo Ivo (1924-2012), conjunto até então in<strong>de</strong>finidamente aberto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que, em 1944, um jovem alagoano, recém-chegado ao Rio <strong>de</strong> Janeiro para<br />

estudar Direito, publicara As imaginações, a que logo se seguiram dois<br />

romances, alguns ensaios e mais sete livros <strong>de</strong> poesia, até o final da<br />

mesma década. Aos poucos, o pai, o advogado Floriano Ivo, que <strong>de</strong> Maceió lhe pedia por<br />

carta notícias sobre recursos interpostos nos tribunais superiores (então com se<strong>de</strong>s no Rio),<br />

ia se acostumando ao caminho abraçado pelo filho poeta, embora às vezes com certo<br />

<strong>de</strong>sagradado, por saber pelos jornais ou por terceiros dos lançamentos, dada a <strong>de</strong>mora dos<br />

correios.<br />

Sessenta anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> As imaginações, ao lançar a sua Poesia Completa, em 2004, Lêdo<br />

Ivo ainda publicaria Réquiem (poesia), O ajudante <strong>de</strong> mentiroso (ensaio), E agora a<strong>de</strong>us<br />

(correspondência passiva), O vento do mar (seleta <strong>de</strong> prosa e poesia) e Alagoa australis<br />

(seleta <strong>de</strong> poesia com temas alagoanos), traindo reiteradamente o título do alentado volume<br />

<strong>de</strong> quase 1.100 páginas, o que apenas confirma os versos <strong>de</strong>dicados ao pai, em Justificação<br />

do poeta, poema do livro primeiro: “Pai, meus pensamentos não cabem na tua sala com<br />

piano tranquilo a um lado e escuras ca<strong>de</strong>iras vazias perto da janela”. E por causa <strong>de</strong> coisas<br />

<strong>de</strong>sse tipo, Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda diria que aquele jovem era um poeta “<strong>de</strong> versos<br />

longos e nome curto”, em uma geração <strong>de</strong> “nomes longos e versos curtos”.<br />

Péricles Eugênio da Silva Ramos, Domingos Carvalho da Silva, Fernando Ferreira <strong>de</strong><br />

Loanda e o mais famoso <strong>de</strong> todos – João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto, a que parte da crítica nega<br />

sistematicamente o pertencimento à Geração <strong>de</strong> 45 −, seriam alguns <strong>de</strong>sses “nomes longos”<br />

afeitos a uma poética <strong>de</strong> concisão e clareza, quadro que oferecia ao crítico o bem humorado<br />

paradoxo. Quanto a Lêdo Ivo, em 1954 já surpreendia Sérgio Milliet, uma das vozes mais<br />

prescritivas <strong>de</strong> então, mas que, diante da coletânea intitulada Um brasileiro em Paris, iria<br />

elogiar “a forma con<strong>de</strong>nsada e fortemente sugestiva do livro”, acrescendo, em tom <strong>de</strong> mea<br />

culpa: “percebo que na verda<strong>de</strong> esse homem é múltiplo e há que esperar <strong>de</strong>le muitas<br />

renovações como a atual”.<br />

A multiplicida<strong>de</strong>, uma das seis propostas <strong>de</strong> Ítalo Calvino para o milênio que já foi<br />

próximo e é atual, parece ter sido a gran<strong>de</strong> marca da ativida<strong>de</strong> literária <strong>de</strong> Lêdo Ivo, cujos<br />

“versos longos”, mais abundantes nos primeiros <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> escrita, continuariam<br />

ocorrentes, porém convivendo com formas curtas, medidas ou não, do sonetilho ao haicai, e<br />

até os aforismos espalhados em obras <strong>de</strong> enquadramento difícil (memorialismo? ensaísmo?),<br />

como O aluno relapso e Confissões <strong>de</strong> um poeta.<br />

É essa varieda<strong>de</strong> formal que se vê em seu último volume <strong>de</strong> poesia, Mormaço, até o<br />

momento publicado apenas na Espanha, aon<strong>de</strong> Lêdo Ivo ia com frequência nos últimos anos,<br />

conhecendo ali uma recepção literária mais intensa e entusiasmada que no Brasil do tal<br />

milênio. Em solo espanhol o poeta partiu para o <strong>de</strong>sconhecido, <strong>de</strong>ixando inacabada a última<br />

viagem, o que talvez agradasse (ou agra<strong>de</strong>) à sua consciência, já que celebra a incompletu<strong>de</strong><br />

no primeiro poema <strong>de</strong> Mormaço (esta e as <strong>de</strong>mais citações <strong>de</strong> poemas foram colhidas na edição<br />

espanhola: Vaso Roto Ediciones, 2011):<br />

O DIA INACABADO<br />

Como todos os homens, sou inacabado.<br />

Jamais termino <strong>de</strong> ser.<br />

Após a noite breve um longo amanhecer<br />

me <strong>de</strong>tém no umbral do dia.<br />

89


Perco o que ganho no sonho e no <strong>de</strong>sejo<br />

quando a mim mesmo me acrescento.<br />

Toda vez que me somo, subtraio-me,<br />

uma porção levada pelo vento.<br />

Incompleto no dia inacabado,<br />

livre <strong>de</strong> ser ainda como e quando,<br />

sigo a marcha das plantas e das estrelas.<br />

E o que me falta e sobra é o meu contentamento.<br />

Não temos mais o poeta que buscava impactar o leitor com uma imagem non sense, como<br />

faz em Linguagem, obra <strong>de</strong> 1951, cujo primeiro verso <strong>de</strong>clara: “Minha vida é uma janela<br />

aberta sobre a Ásia”. Entretanto, a janela continuaria aberta, acessível a múltiplas formas e<br />

possibilida<strong>de</strong>s criativas: Mormaço reúne verso livre e medido, curto e longo, e ao mesmo<br />

tempo confirma a persona viajante do autor e seu apego ao imaginário da terra natal<br />

alagoana.<br />

Esse último tópico, aliás, respon<strong>de</strong> pelo título. Mormaço é o clima acachapante, <strong>de</strong> calor<br />

intenso e sem vento: a canícula tão comum em cida<strong>de</strong>s nor<strong>de</strong>stinas, Maceió inclusive. E não é<br />

a primeira vez que o poeta tira partido do signo: mormaço é palavra que já compunha o<br />

vocabulário poético <strong>de</strong> Lêdo Ivo, aparecendo em obras anteriores, como é o caso da “leve<br />

mortalha <strong>de</strong> mormaço e salsugem” que, “do nascimento à morte”, recobre os nascidos em<br />

Maceió (poema Planta <strong>de</strong> Maceió, <strong>de</strong> Finisterra).<br />

Deslocado, porém, para título <strong>de</strong> um livro, a palavra ganha em potencial <strong>de</strong> significação.<br />

Diante <strong>de</strong> um poema em que se louva o silêncio <strong>de</strong> um rádio com as pilhas gastas, embora o<br />

poeta não reproduza a ambiência da palavra-título, um pequeno trecho <strong>de</strong> verso – “O sol é<br />

silencioso e nos ilumina” – parece lembrar ao leitor que estamos diante <strong>de</strong> uma atmosfera<br />

radiosa (com o perdão do trocadilho).<br />

Além da luminosida<strong>de</strong>, o título po<strong>de</strong> sugerir o momento estático <strong>de</strong> parada, o “ponto<br />

morto” ou mesmo o ponto final. Hoje sabemos que Lêdo Ivo tinha saú<strong>de</strong> frágil – embora sua<br />

vitalida<strong>de</strong> faça a informação soar como uma mentira, ou justificativa para a morte <strong>de</strong> quem,<br />

aos 88 anos, dividia seu “tempo livre” em palestras, viagens <strong>de</strong>ntro e fora do Brasil,<br />

colaborações em reedições alheias (como o posfácio sobre Jorge Amado em Navegação <strong>de</strong><br />

cabotagem, comemorando o centenário). Mas, possivelmente o autor contava que Mormaço<br />

iria ser o seu último rebento, embora se afirmasse sempre incompleto e inacabado, com isso<br />

estabelecendo uma tensão criativa − para o leitor, sobretudo, que <strong>de</strong>verá consi<strong>de</strong>rar o título<br />

da obra prece<strong>de</strong>nte, O vento do mar, como outro termo simbólico, o último sopro da<br />

mobilida<strong>de</strong>. Em um poema forte e cálido (na dupla acepção <strong>de</strong> quente e terno), Lêdo Ivo traça<br />

o paralelo entre o mormaço e a morte:<br />

O CORAÇÃO PRESUNÇOSO<br />

De nada adianta<br />

negar a verda<strong>de</strong>.<br />

Não temos passagem<br />

para a eternida<strong>de</strong>.<br />

O mormaço avança<br />

e envolve a cida<strong>de</strong>.<br />

Tudo é provisório.<br />

Nada é realida<strong>de</strong>.<br />

Estamos no escuro<br />

como no cinema.<br />

90


Coração impuro,<br />

qual o teu problema?<br />

Queres ser eterno.<br />

Como és presunçoso!<br />

Além das estrelas<br />

não há nenhum pouso.<br />

O ritmo binário, mas sem marcação rigorosa, provoca uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencontro entre o<br />

tema e sua formulação. Quem é esse “eu” que se acerca do próprio coração e <strong>de</strong> sua vanitas<br />

diante da morte, como um pai diante do berço? É um Lêdo Ivo que atingira a simplicida<strong>de</strong>,<br />

em que os recursos expressivos <strong>de</strong> tal modo se encontravam incorporados à sua dicção que<br />

nada mais parecia artificioso, forçado. E então o <strong>de</strong>sencontro se converte em encontro, o<br />

momento máximo <strong>de</strong> possível aceitação <strong>de</strong> nossa condição provisória, <strong>de</strong>masiado humana.<br />

Não há grito nem <strong>de</strong>sespero, e mesmo em uma balada em que glosa D. João <strong>de</strong> Menezes, o<br />

glosador parece <strong>de</strong>leitar-se em não <strong>de</strong>sesperar:<br />

Desespero mais houvera<br />

eu não <strong>de</strong>sesperaria.<br />

Desesperar é querer<br />

pois quem <strong>de</strong>sespera espera<br />

antes que se ponha o dia<br />

<strong>de</strong> duas águas beber.<br />

São águas da mesma fonte<br />

paridas no mesmo monte:<br />

a água clara da alegria<br />

e a água salobra da mágoa<br />

que, <strong>de</strong> amarga, sabe a lágrima.<br />

O conhecimento do final perpassa Mormaço, mas não conduz o poeta a nenhum<br />

paroxismo. Seu memento mori é quase sempre sereno e não raro bem humorado. Alheio “à<br />

vida que po<strong>de</strong>ria ter sido e não foi”, o velho Lêdo Ivo, com sua vida que sempre foi e ainda<br />

era, apurava o ouvido e captava em novo diapasão o que pu<strong>de</strong>sse haver <strong>de</strong> lírico no<br />

<strong>de</strong>senlace. Em um dos poemas mais tocantes, a consciência da morte é como um<br />

“estremecimento”, como “algo quase inaudível, rumor brando/ <strong>de</strong> granizo durante a<br />

madrugada/ ou graveto caído <strong>de</strong> uma árvore”:<br />

Era um sopro fremente, uma passagem<br />

<strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> sombra e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

Era o pouso no chão <strong>de</strong> um passarinho,<br />

o rastejar <strong>de</strong> um bicho na floresta,<br />

um ninho <strong>de</strong>rrubado pelo vento,<br />

um passo tenebroso no caminho?<br />

Eu não sei se era a vida que partia<br />

ou a morte que chegava <strong>de</strong> mansinho.<br />

Em outros momentos, porém, prevalece o Lêdo Ivo sarcástico, aquele que não hesita em<br />

escarnecer da própria morte. Esta é a “puta sôfrega” que “não respeita a nossa privacida<strong>de</strong>”,<br />

como escreve em A ronda da morte. E, diante <strong>de</strong>ssa dama a ser ultrajada, alguns temas da<br />

vida literária fornecem o mote para as <strong>de</strong>liciosas especulações <strong>de</strong> O poeta e o professor ou<br />

para as advertências <strong>de</strong> Conselho a um velho poeta: no primeiro, o poeta rebate as profecias<br />

<strong>de</strong> um professor-crítico que insiste em lhe negar sobrevivência; no segundo, aconselha seu<br />

91


duplo a <strong>de</strong>spojar-se <strong>de</strong> todos os arquivos (o que <strong>de</strong> certo modo fizera o próprio Lêdo Ivo, ao<br />

doar em vida seu acervo ao Instituto Moreira Salles, no Rio, e ao Memorial que leva seu<br />

nome, em Maceió).<br />

Interessante, nesse ponto, ressaltar a coerência criativa <strong>de</strong> Mormaço, pois o livro não é<br />

um mero amontoado <strong>de</strong> poemas escritos profusamente, como um a<strong>de</strong>us espalhafatoso, <strong>de</strong><br />

quem procura assegurar-se do aceno. O próprio signo “mormaço”, quando não está<br />

diretamente relacionado ao ambiente dos poemas, à sugestão <strong>de</strong> morte que domina o livro,<br />

ocorre discretamente, como quando o poeta replica ao professor:<br />

Tua rubrica é futrica.<br />

Teus <strong>de</strong>cretos prematuros<br />

são erros crassos,<br />

falácias que o futuro<br />

e o mormaço<br />

mudarão em fumaça.<br />

A sonorida<strong>de</strong> áspera – “aço” – é uma constante reaproveitada. É por ela que o poeta, em<br />

vários momentos <strong>de</strong>sse livro magno, procura comunicar ao leitor a sensação <strong>de</strong>sagradável<br />

<strong>de</strong>sse zênite, não <strong>de</strong> todo alheio ao medo, embora vivido sem fuga ou lamentações.<br />

Aproximando-o <strong>de</strong> substantivos como “calçada” ou formas verbais como “faço-te” (nos<br />

poemas Os passos na calçada e Decerto ou talvez), Lêdo Ivo faz rebrilhar o que era palavra<br />

perdida, moeda azinhavrada nos dicionários ou na oralida<strong>de</strong>.<br />

Como imagem, em sua potência visual, o mormaço lediano é um signo <strong>de</strong> clareza<br />

mórbida. O poeta divaga sobre praças vazias (em Os sinos <strong>de</strong> Maceió) e assassinados pela<br />

violência endêmica em sua terra natal (no perfeito Alameda), violência que, já <strong>de</strong>nunciada<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o romance “Ninho <strong>de</strong> cobras”, da década <strong>de</strong> 1970, até hoje atualíssima: no último<br />

censo, a capital alagoana permanece em <strong>de</strong>staque nos infográficos <strong>de</strong> homicídios. Clara,<br />

solar, diurna e até celebratória – “Tudo é sol, tudo é sol”, como exclama em “Regresso a<br />

Jaraguá” – a morte, para o Lêdo Ivo final, não encontrou nos signos usuais da convenção<br />

literária – escuridão, treva, sombras – o seu correlato imagístico. O que nos faz lembrar um<br />

soneto da 1951, intitulado “Da comparsaria”: “A mão da morte pousa no meu ombro/ on<strong>de</strong><br />

uma cicatriz <strong>de</strong> luz transborda./ E eu, que sou transitório, vivo o assombro/da rotina do<br />

eterno que me aborda.” Agora, com seu Mormaço, a “cicatriz <strong>de</strong> luz” voltava a transbordar<br />

em Lêdo Ivo:<br />

Sempre caminhei<br />

entre luzes e sombras<br />

e agora a clarida<strong>de</strong><br />

do mundo me assusta.<br />

E uma mão invisível<br />

<strong>de</strong> Deus? <strong>de</strong> mim? dos homens?<br />

pousa no meu ombro<br />

junto ao mar dourado.<br />

Foi essa mão invisível e solar que pousou no ombro do poeta na Espanha, às vésperas do<br />

Natal <strong>de</strong> 2012, quando ainda fazia planos − conforme soubemos pelas entrevistas <strong>de</strong> seu<br />

filho Gonçalo − <strong>de</strong> cruzar a pé uma ponte sobre o Guadalquivir. A nós, brasileiros, resta<br />

aguardarmos que a poesia seja repatriada e a viagem se complete.<br />

2. <strong>DE</strong> JANTARES, FACAS E TAÇAS: UM ANTIEPITÁFIO PARA LÊDO IVO | A literatura<br />

brasileira é suficientemente vacinada contra os males do excesso. João Cabral ridicularizou o<br />

estilo <strong>de</strong> “janta abaianada”, reunindo no mesmo prato sujo <strong>de</strong> azeite o retórico Rui Barbosa e<br />

92


o oralizante (e a seu modo retórico) Jorge Amado. O poema se chama “Graciliano Ramos” –<br />

isso mesmo, se chama, tamanha a i<strong>de</strong>ntificação com o autor <strong>de</strong> Angústia, que aliás <strong>de</strong>testava<br />

esse livro, por lhe parecerem excessivas as divagações <strong>de</strong> Luís da Silva. E levando-se em<br />

conta que Machado <strong>de</strong> Assis, com seus capítulos curtos e estética fragmentária, é o<br />

responsável pela gran<strong>de</strong> revolução realista no século XIX, o corte operado na produção<br />

anterior – <strong>de</strong> que Alencar é o maior exemplo −, será também uma ruptura estilística, não<br />

apenas temática ou <strong>de</strong> concepção literária. No século XX, a “poética do menos” – na feliz<br />

expressão <strong>de</strong> Antonio Carlos Secchin sobre João Cabral − seria abraçada com furor também<br />

por autores que, conjugando a literatura ao jornalismo ou à publicida<strong>de</strong>, entronizariam a<br />

estética do pouco, à la Hemingway, cabendo lembrar, aleatoriamente e apenas como<br />

exemplo, dos melhores momentos <strong>de</strong> Fernando Sabino – porque, <strong>de</strong> Uma faca só lâmina à<br />

sua Faca <strong>de</strong> dois gumes a distância po<strong>de</strong> ser um fio.<br />

Nesse quadro, fica mais difícil enten<strong>de</strong>r a existência <strong>de</strong> Lêdo Ivo, que exerceu o<br />

jornalismo durante anos, embora advogado <strong>de</strong> formação (como, aliás, a maioria dos<br />

escritores <strong>de</strong> seu tempo). Mas o laconismo do lead e a obsessão pela comunicabilida<strong>de</strong> não<br />

seduziram o autor <strong>de</strong> Ninho <strong>de</strong> cobras, romance com que ganharia, na década <strong>de</strong> 1970, o<br />

Prêmio Walmap, o mais vultoso da época, após ter sido rejeitado por duas editoras. A obra é<br />

a consagração da estilística do excesso: embora seja relativamente pequena, os parágrafos<br />

são longos, e o narrador <strong>de</strong>monstra especial prazer nas enumerações caóticas, recurso<br />

largamente utilizado pelo Lêdo Ivo poeta (veja-se, por exemplo, a O<strong>de</strong> ao crepúsculo). O<br />

subtítulo <strong>de</strong> “história mal contada”, aliás, tem relação com esse parentesco entre a prosa e<br />

poesia em Lêdo Ivo, que amava a arte <strong>de</strong> Raul Pompeia e Walmir Ayala, os representantes<br />

máximos daquilo que, em seus ensaios, chamava <strong>de</strong> “romance poemático”.<br />

Des<strong>de</strong> logo confrontado com uma crítica que parecia ecoar os mesmos pressupostos<br />

estéticos <strong>de</strong> sua geração − pelo menos no que tocava aos imperativos <strong>de</strong> concisão e clareza<br />

−, Lêdo Ivo se viu ante o dilema <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r a vozes como Álvaro Lins, Sérgio Milliet e Sérgio<br />

Buarque <strong>de</strong> Holanda, ou perseverar escrevendo prolificamente (em vários gêneros e <strong>de</strong> vários<br />

modos), e pagar o preço <strong>de</strong> sua diferença. Optou pelo segundo caminho, se é que isso é um<br />

ato <strong>de</strong>liberado – seguir o próprio rumo, afirmar aquilo que o ensaísta A. Alvarez chama <strong>de</strong> “a<br />

voz do escritor”. Mas a malfadada Geração <strong>de</strong> 45 seria uma sombra a rondar Lêdo Ivo<br />

durante toda a vida, sombra <strong>de</strong> recepção literária que, todavia, não po<strong>de</strong>mos enxotar no<br />

espaço <strong>de</strong> um artigo.<br />

Mais proveitoso, diante das dimensões oceânicas <strong>de</strong> sua obra, agora finalmente concluída<br />

com a morte do autor – ao morrer na Espanha, às vésperas do Natal <strong>de</strong> 2012, o poeta já<br />

havia acrescentado mais cinco títulos à sua bibliografia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a publicação, em 2004, da<br />

Poesia Completa –, pois mais proveitoso, dizíamos, é enumerar algumas linhas mestras, ou<br />

portas <strong>de</strong> entrada para quem tenha a curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciar ou aprofundar o conhecimento<br />

da obra lediana.<br />

O caminho mais óbvio, claro está, é o da poesia, e então o leitor terá que afeiçoar-se a um<br />

discurso poético às vezes contraditório consigo mesmo, a uma lógica <strong>de</strong> palinódia constante.<br />

Um traço contínuo, po<strong>de</strong>-se dizer, é a pactuação do poeta com a matéria, o que, todavia, não<br />

implica materialismo: ao falar <strong>de</strong> água e fogo, vento e terra, aí também espreita Deus, pois<br />

este foi o rumo que tomou particularmente sua inquietação metafísica. Há um gnosticismo<br />

em Lêdo Ivo, ainda inexplorado e rico <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s, mas também há o poeta do<br />

cotidiano e o sarcástico, jamais alinhado à representação apiedada e pequeno-burguesa dos<br />

pobres: uma voz que não se intimidava em expor a rejeição, e que exigia do leitor posição<br />

crítica ou caritativa que nos acostumamos a querer apenas no papel (ou na tela, o que dá no<br />

mesmo).<br />

Aos leitores preferenciais <strong>de</strong> prosa: há que conhecer o Lêdo Ivo ficcionista, mais<br />

divulgado pelo já referido Ninho <strong>de</strong> cobras, mas também autor <strong>de</strong> um instigante A morte do<br />

Brasil, que <strong>de</strong> certo modo continua o primeiro em nova perspectiva. Nessas obras, a que um<br />

paladar menos exigente também ajuntaria realizações da juventu<strong>de</strong> – O caminho sem<br />

93


aventura e As alianças –, tem-se uma das gran<strong>de</strong>s temáticas ledianas, a errância, pois o mote<br />

<strong>de</strong> todos é o partir ou ficar no lugar <strong>de</strong> nascimento. A narrativa curta, conto ou crônica,<br />

também segue o mesmo rumo do “romance poemático”, e Lêdo Ivo terá escrito pelo menos<br />

um conto antológico, A resposta: o tema são as sugestões <strong>de</strong> um nome próprio (“Serafim<br />

Costa”) na memória <strong>de</strong> um jovem, que mais tar<strong>de</strong> baralha impressões e sensações, e revive<br />

aquela primeira percepção <strong>de</strong>slumbrada, como em uma espécie <strong>de</strong> arqueologia da relação<br />

homem-palavra.<br />

Finalmente, a quem abusar <strong>de</strong>sses temas ou <strong>de</strong> suas formulações, resta o ensaísta, pois<br />

nos textos <strong>de</strong> livros como A ética da aventura ou do mais recente O ajudante <strong>de</strong> mentiroso<br />

encontramos aquela joia rara (cada vez mais rara) do ensaísmo não acadêmico, on<strong>de</strong> talvez<br />

se ofereça o Lêdo Ivo mais inteiro: paixão irrefreada pela leitura, reflexão provocativa e o<br />

olhar certeiro <strong>de</strong> quem sabe colher em uma obra clássica o dado menos óbvio, porém<br />

relevante, como o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> José Dias na trama <strong>de</strong> Dom Casmurro. Será também nos<br />

ensaios que Lêdo Ivo insistirá na valorização da literatura assim chamada infanto-juvenil, e<br />

banida das histórias literárias como menor, ou mero “entretenimento”: a partir <strong>de</strong> suas<br />

memórias <strong>de</strong> leitor menino, da Coleção Terramarear, questiona o lugar <strong>de</strong> autores<br />

esquecidos, como o Emílio Salgari das histórias <strong>de</strong> marinheiros.<br />

Uma pausa: ao escrever este artigo, e evocar o Lêdo Ivo ensaísta, dou-me conta do quanto<br />

havia ali <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrutor, embora esta palavra, aportada pelo pós-estruturalismo em nossa<br />

crítica atual, seja utilizada apenas para alguns autores e obras, como se houvesse um selo <strong>de</strong><br />

origem controlada, impedindo a leitura indistinta e libertária. E me pergunto mesmo se as<br />

críticas feitas a essa corrente, que hoje domina nosso pensamento crítico, não se ressentem<br />

do mesmo vezo, isto é, <strong>de</strong> não se procurar uma maleabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conceitos teóricos como<br />

<strong>de</strong>sconstrução, <strong>de</strong>scentramento ou reversão, para citar alguns que o jargão acadêmico<br />

consagra. Seria o caso <strong>de</strong> buscarmos em um termo caro a certo <strong>de</strong>safeto <strong>de</strong> Lêdo Ivo – a<br />

antropofagia – o velho e novo diapasão <strong>de</strong> assimilar o que é do Outro e torná-lo nosso, sem<br />

quaisquer prevenções. Mas por que não?<br />

Até em textos aparentemente reacionários, como o Epitáfio do Mo<strong>de</strong>rnismo, escrito nos<br />

anos 1960 como introdução a uma antologia da Geração <strong>de</strong> 45, a leitura mais atenta po<strong>de</strong>rá<br />

sobrelevar o discurso sobre uma mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> aportada não apenas em São Paulo e não<br />

apenas em 1922, mas anterior e dispersa. A mesma leitura <strong>de</strong>sse e <strong>de</strong> outros ensaios <strong>de</strong> Lêdo<br />

Ivo sobre o mo<strong>de</strong>rnismo (Lição <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, por exemplo), traria surpresas a quem<br />

se dispusesse à aventura: ali encontramos tanto o <strong>de</strong>sagrado com o poema-piada<br />

mo<strong>de</strong>rnista, um dos principais pontos <strong>de</strong> ataque dos grupos <strong>de</strong> 45, quanto à revalorização<br />

do Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> artífice do verso, ou a crítica a um Raul Bopp obcecado em múltiplas<br />

reedições <strong>de</strong> Cobra Norato, cada uma com mais cortes que a anterior.<br />

E aqui voltamos da pausa. Porque essa última observação reitera o que dizíamos na<br />

abertura do artigo: que uma das marcas mais significativas da trajetória literária <strong>de</strong> Lêdo Ivo<br />

está em afirmar uma potência positiva do excesso. Se reprovava em Bopp a obsessão pelo<br />

corte <strong>de</strong> palavras e até versos inteiros, em um poema que afinal admirava e cujos ecos<br />

repercutem até na sua O<strong>de</strong> equatorial, aí temos o Lêdo Ivo <strong>de</strong> sempre, marcando sua<br />

diferença estética em um cenário ortodoxo − cenário do menos e talvez do pouco. Porque,<br />

olhando-se bem, nem todo excesso é meramente <strong>de</strong>corativo, e nem toda sobra é expurgo. Se<br />

a <strong>de</strong>sconfiança cabralina em relação ao signo linguístico <strong>de</strong>monstra a “serventia das i<strong>de</strong>ias<br />

fixas” – tornou-se a mais bem sucedida empresa <strong>de</strong> consenso estético <strong>de</strong> nossa literatura:<br />

mais persuasiva e mais ampla, talvez, que a própria antropofagia −, há um duplo-fundo na<br />

proscrição apriorística <strong>de</strong> todo recurso retórico: esse menos escon<strong>de</strong> o que possa haver <strong>de</strong><br />

expressivo e rico no mais. Escon<strong>de</strong> tanto sua potência <strong>de</strong> ênfase quanto <strong>de</strong> <strong>de</strong>vaneio, e<br />

oblitera sua natureza <strong>de</strong> vida, o lado dionisíaco do festim que, como em As bacantes, o rei se<br />

nega a oferecer ao <strong>de</strong>us – embora advertido pelo velho Tirésias, impotente para evitar a<br />

tragédia.<br />

À crítica que, em jovem, lhe reprovara o excesso na extensão dos versos, mas também na<br />

94


prática reiterada <strong>de</strong> vários gêneros, Lêdo Ivo ofereceu a resposta <strong>de</strong> sua persistência,<br />

resposta que não correspon<strong>de</strong> meramente a uma teimosia, mas encontra ecos fundos em sua<br />

constituição artística. Apropriou-se criativamente do epíteto <strong>de</strong> “<strong>de</strong>rramado”, tirando partido<br />

da imagem subliminar que remete à água, o elemento por excelência do excesso e da<br />

transformação. E com essa i<strong>de</strong>ia do “<strong>de</strong>rramamento” configurou um discurso metaliterário<br />

em sua poesia, associando-o ao imaginário <strong>de</strong> águas <strong>de</strong> sua terra natal, Alagoas: os livros<br />

estão cheios <strong>de</strong> chuvaradas, rios transbordantes, penínsulas que são ilhas incompletas,<br />

lagoas doces e salobras, e sobretudo <strong>de</strong> mar − signos com que fala <strong>de</strong> si mesmo, da literatura<br />

e do ser humano diante da natureza. Criaria, assim, uma nova genealogia, em que também<br />

entrava outra or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> reapropriações: <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte longínquo do povo caeté, dos índios<br />

que, nos primórdios da colonização, <strong>de</strong>voraram o primeiro bispo do Brasil em uma praia <strong>de</strong><br />

Alagoas, Lêdo Ivo reivindicava para si, entre sério e jocoso (era difícil precisar), o estatuto <strong>de</strong><br />

legítimo antropófago; e ao paulista Oswald chamava <strong>de</strong> “antropófago <strong>de</strong> papel”.<br />

Uma disputa, como se vê, que se esten<strong>de</strong> à mesa, como no poema <strong>de</strong> Cabral. Ou talvez<br />

comece nela: o <strong>de</strong>sencontro entre Lêdo Ivo e Oswald, que vai contado na versão do primeiro<br />

em Confissões <strong>de</strong> um poeta, ter-se-ia dado após um almoço (ou jantar?) cujo final fora<br />

apressado por Oswald, ocupado como estava em “terminar um romance proletário”. Conta<br />

Lêdo Ivo que saíra comentando com terceiros o que lhe parecera a mais bela blague<br />

oswaldiana, isto é, o escritor “proletário” concluindo rapidamente seus últimos acepipes<br />

para afinal <strong>de</strong>dicar-se à gran<strong>de</strong> causa antiburguesa. A isso Oswald, que perdia o amigo mas<br />

não a blague, não perdoaria: preferindo o sacrifício <strong>de</strong> ambos, obteve, influente como era, a<br />

<strong>de</strong>missão <strong>de</strong> Lêdo Ivo <strong>de</strong> um jornal. Verda<strong>de</strong>, mentira, meia verda<strong>de</strong> ou meia mentira, o fato<br />

é que o episódio coloca mais uma vez na mesa a discussão literária.<br />

Ao morrer após um jantar que com muita chance <strong>de</strong> certeza foi lauto, o poeta Lêdo Ivo<br />

<strong>de</strong>ixaria, inédito no Brasil, um livro <strong>de</strong> poemas, Mormaço, publicado até agora apenas na<br />

Espanha, pela Vaso Roto Ediciones. São 121 poemas em que há um pouco <strong>de</strong> tudo: verso<br />

livre e medido, soneto, sonetilho, balada, glosa, litania, temas “altos” e “baixos” e poemas<br />

que são apenas anotações líricas, irmãos gêmeos da prosa memorialística e reflexiva que<br />

gostava <strong>de</strong> praticar. Ao contrário do epitáfio que João Cabral lhe <strong>de</strong>dicou em vida – nos<br />

tempos em que essa discussão era vivida na clave da amiza<strong>de</strong> e do gracejo −, não morre<br />

“livre <strong>de</strong> todas as palavras”, mas em meio a elas, pleno e senhor. Ele próprio se pensa uma<br />

palavra:<br />

As palavras são pássaros migratórios<br />

que nos incitam a partir para as montanhas.<br />

São estrelas errantes. São navios.<br />

E eu sou uma palavra: estou sempre andando<br />

no mundo que é caminho.<br />

O livro último confirma a estética lediana do excesso. Diante <strong>de</strong>ssa obra, magna até pelo<br />

tamanho – e que não po<strong>de</strong>ríamos resenhar em espaço tão curto! −, ficamos achando que o<br />

poeta ancião nos está a advertir, como o velho Tirésias <strong>de</strong> As bacantes, sobre a importância<br />

<strong>de</strong> brindar mais uma vez a Dioniso. Ergamos a taça!<br />

Wladimir Saldanha (Brasil, 1977). Poeta, narrador, ensaísta. Autor <strong>de</strong> As culpas do poema<br />

(poesia, 2012). Contato: 1107@terra.com.br. Página ilustrada com obras <strong>de</strong> Lucerbert<br />

(Holanda), artista convidado <strong>de</strong>sta edição <strong>de</strong> ARC.<br />

95


ERIK SLAGTER | Lucebert: poeta e visionário, pintor<br />

e testemunha Ocular<br />

O poeta e pintor Lucebert (ps. <strong>de</strong> Lubertus Jacobus Swaanswijk, 1924-<br />

1994) tem assento garantido na literatura holan<strong>de</strong>sa como “Imperador”<br />

dos novo poetas do pós-guerra. Des<strong>de</strong> o dia, um 1953, em que se vestiu<br />

<strong>de</strong> Imperador para receber prêmio <strong>de</strong> poesia <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong> natal,<br />

Amsterdã, seus poemas não apenas mereceram mais atenção do que os<br />

<strong>de</strong> outros poetas; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquele dia, sua crescente reputação como<br />

gran<strong>de</strong> poeta jamais foi contestada. Mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> começar a concentrar-se mais na<br />

pintura, <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 1950 em diante, ainda era conhecido, acima <strong>de</strong> tudo, como<br />

poeta. Era consi<strong>de</strong>rado o lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> poetas inovadores, inicialmente chamados <strong>de</strong><br />

“Experimentalistas”, embora o próprio Lucebert num poema programático escrito em 1951,<br />

tenha apontado sua admiração e afinida<strong>de</strong> com os poetas Friedrich Höl<strong>de</strong>rlin e Hans Arp. Em<br />

outro poema, em que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a poesia experimentalista <strong>de</strong> sua geração, ou o “Movimento<br />

Cinquentista”, como veio a ser conhecida, Lucebert também mencionou Blake, Rimbaud e<br />

Bau<strong>de</strong>laire, além <strong>de</strong> Dada, a tendência mais impactante da literatura e das artes visuais no<br />

período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial.<br />

O Movimento Experimentalista da poesia holan<strong>de</strong>sa que surgiu logo após a Segunda<br />

Guerra Mundial foi, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certa forma, a recuperação <strong>de</strong> um atraso. A pintura<br />

expressiva holan<strong>de</strong>sa a partir do período da libertação, em 1945, também lembrava o<br />

trabalho <strong>de</strong> tendências internacionais das décadas <strong>de</strong> 1920 e 30, como o Dadaísmo e o<br />

Surrealismo.<br />

A Holanda se mantivera apartada dos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial e as<br />

tendências culturais internacionais <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes, por isso, tiveram pouca ou nenhuma<br />

influência sobre a arte e a literatura holan<strong>de</strong>sas. A lacuna somente foi preenchida <strong>de</strong>pois da<br />

Segunda Guerra Mundial, quando os jovens poetas e pintores pós-’45 extraíram sua<br />

inspiração <strong>de</strong> uma nova fonte, <strong>de</strong> autores e artistas que já tinham <strong>de</strong>ixado sua marca na<br />

França e na Alemanha. Isso não quer dizer, contudo, que fossem apenas seguidores. A maior<br />

virtu<strong>de</strong> da poesia <strong>de</strong> Lucebert é ter rompido as barreiras da língua holan<strong>de</strong>sa e aberto<br />

caminho para novos sons e uma poesia inteiramente original.<br />

A poesia e a pintura <strong>de</strong> Lucebert abalaram muitas convenções <strong>de</strong>sgastadas pelo tempo,<br />

<strong>de</strong>monstraram gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> em termos <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong>, traço e cor, e, afinal, evoluíram<br />

<strong>de</strong> um protesto contra a injustiça e as regras para um anseio pelo amor e por valores<br />

místicos. Na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realista, Lucebert era testemunho <strong>de</strong> sua época; era, também, um<br />

visionário que revelava o <strong>de</strong>sconhecido e o misterioso <strong>de</strong> uma maneira inteiramente nova. É<br />

isso que dá à sua obra tal importância, seja em sua terra natal, seja no contexto<br />

internacional – como revelam as muitas traduções e mostras <strong>de</strong> seu trabalho. Isso não<br />

significa, contudo, que sua poesia e sua pintura seja extensão uma da outra; são duas<br />

formas <strong>de</strong> expressão diferentes que, às vezes, se complementam, mas que na maioria dos<br />

casos vêm <strong>de</strong> fontes diferentes e nem sempre correm paralelas.<br />

O protesto <strong>de</strong> Lucebert se volta menos contra a poesia <strong>de</strong> seus antecessores do que<br />

contra a guerra e o abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Durante a crise da década <strong>de</strong> 1930 – quando Lucebert<br />

tinha cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e vivia num bairro operário <strong>de</strong> Amsterdã – a violenta<br />

supressão policial e militar <strong>de</strong> uma revolta dos <strong>de</strong>sempregados o marcou profundamente.<br />

Quando, alguns anos <strong>de</strong>pois do fim da ocupação da Holanda pela Alemanha, o governo<br />

holandês anunciou “medidas policiais” em resposta à pressão pela in<strong>de</strong>pendência em sua<br />

antiga colônia, a Indonésia, a voz <strong>de</strong> Lucebert foi uma das primeiras a se erguer em protesto.<br />

Sua ‘Carta <strong>de</strong> Amor à Noiva Torturada, a Indonésia” (“Minnebrief aan onze gemartel<strong>de</strong> bruid<br />

Indonesia”), que surgiu em 1948, foi seu primeiro poema publicado:<br />

96


...Sou eu o noivo doce Borobodur<br />

quanto se vinga o noivo <strong>de</strong> sua noiva<br />

enquanto ela se <strong>de</strong>bate sobre poças do sangue <strong>de</strong> Java<br />

saqueadores partem e sugam sua presa seus olhos-ostras?<br />

O poema foi frequentemente citado em 1995, ano em que a Holanda celebrava meio<br />

século <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Libertação e em que a Indonésia celebrava o quinquagésimo aniversário <strong>de</strong><br />

sua própria <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência.<br />

O protesto contra a gana por po<strong>de</strong>r e repressão não é inci<strong>de</strong>ntal na poesia <strong>de</strong> Lucebert,<br />

mas um tema central. Em um <strong>de</strong> seus primeiros poemas, na coletânea <strong>de</strong> 1952 intitulada<br />

Apócrifos - O Nome Alfabético (Apocrief - De Analphabetische naam), ele <strong>de</strong>clara, “Não sou<br />

um poeta gentil”. Havia muitos <strong>de</strong>senhos e pinturas <strong>de</strong>dicados ao tema, além <strong>de</strong> uma<br />

antologia poética. O tema foi constante em sua obra até o fim <strong>de</strong> sua vida: um dos últimos<br />

poemas <strong>de</strong> Lucebert foi um protesto contra a pena <strong>de</strong> morte <strong>de</strong>cretada pelo Irã contra<br />

Salman Rushdie.<br />

Para Lucebert, a poesia era algo <strong>de</strong> que precisava para enfrentar um mundo em que o<br />

homem abusa do homem usando dos mais hediondos meios. O fato <strong>de</strong> que o uso das<br />

palavras como arma não era questão <strong>de</strong> escolha para Lucebert, mas, isto sim, uma<br />

compulsão, ficou claramente <strong>de</strong>monstrado no “Poema Experimental” (“Het<br />

proefon<strong>de</strong>rvin<strong>de</strong>lijk gedicht”). Nele, Lucebert <strong>de</strong>clarou que o poeta é testemunha e porta-voz<br />

<strong>de</strong> seu tempo. Também escreveu que “meus poemas são formados / pelos meus ouvidos”.<br />

Lucebert não era apenas testemunha ocular do seu tempo, contudo; era, também, um poeta<br />

lírico que expressava as vozes internas que escutava como sons e ritmo, como mensageiro<br />

do mistério. Noutra obra, disse do processo da escrita que “trata-se <strong>de</strong> um Deus / tocando<br />

violino com a minha garganta”.<br />

Essas múltiplas origens e funções da obra poética <strong>de</strong> Lucebert (um pseudônimo composto<br />

<strong>de</strong> “lux” e “bert”, ambos com o significado <strong>de</strong> “luz”), isto é, enquanto comentarista do que<br />

via e intérprete <strong>de</strong> uma voz sobrenatural, significam que sua poesia po<strong>de</strong> ser interpretada <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> uma maneira. Isso, por sua vez, faz com que ela seja <strong>de</strong> difícil tradução. O próprio<br />

Lucebert estava ciente <strong>de</strong>ssa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu trabalho e fazia uso pleno <strong>de</strong>ssa<br />

multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sons e significados. Os sons conduzem o poeta a associações e emprestam<br />

novos significados que as convenções normais da língua não proporcionam. Lucebert tentou<br />

“dar expressão à extensão mais plena da vida”. Por isso, seus poemas assumem um<br />

significado adicional quando lidos em voz alta. Por um lado, como Hans Arp, Lucebert utiliza<br />

associações e jogos <strong>de</strong> palavras; por outro, como Höl<strong>de</strong>rlin, é um poeta místico que está em<br />

contato com vozes divinas que não po<strong>de</strong>m ser representadas por meio da linguagem<br />

convencional. Quando, em ‘Procuro à Maneira Poética’ (‘Ik tracht op poëtische wijze’), o<br />

poeta escreve que “procurou a linguagem beleza em sua beleza” e “escutou que ela nada<br />

mais tinha <strong>de</strong> humano”, isso po<strong>de</strong> ser encarado como uma referência tanto a uma realida<strong>de</strong><br />

em que não mais existe qualquer beleza quanto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recriar a beleza por meio<br />

do uso <strong>de</strong> novas palavras.<br />

Lucebert recorreu ao dicionário e a outros poetas em sua busca: “É tudo no mundo é<br />

tudo”. Ele não só explorou as possibilida<strong>de</strong>s da língua, soprando vida nova, por exemplo, em<br />

expressões caídas em <strong>de</strong>suso, como também se voltou para as artes plásticas em busca <strong>de</strong><br />

formas que pu<strong>de</strong>ssem ser traduzidas em poesia.<br />

A coletânea Apócrifos contém uma separata intitulada ‘O Nome Desenhado’ (‘<strong>de</strong><br />

geteken<strong>de</strong> naam’) que traz poemas <strong>de</strong>dicados a artistas. Aqui, vemos que Lucebert consi<strong>de</strong>ra<br />

a obra <strong>de</strong> Arp “o batimento cardíaco da pedra”; <strong>de</strong>screve Henry Moore como “a terra que<br />

vagueia e rola pelo homem”; a obra <strong>de</strong> Paul Klee é <strong>de</strong>scrita assim: “pela janela alegre erguese<br />

o aroma dos frutos coloridos das coisas”, e, noutro ponto:<br />

97


...as gaiolas da poesia se<br />

abrem para os bichos <strong>de</strong> Miró<br />

uma pulga, um lekkerkerker e uma joaninha<br />

esten<strong>de</strong>m seus tentáculos para <strong>de</strong>ntro da língua.<br />

O talento <strong>de</strong> Lucebert foi canalizado para a poesia e as artes plásticas. Foi estimulado pela<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renovar a língua e pelo ímpeto <strong>de</strong> tornar-se conhecido como testemunha<br />

ocular do seu tempo. Como artista plástico, expôs constantemente os maus atos <strong>de</strong> seus<br />

contemporâneos.<br />

Lucebert conseguiu <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado a poesia, mas jamais o <strong>de</strong>senho. Des<strong>de</strong> muito jovem,<br />

<strong>de</strong>senhava em tudo; na juventu<strong>de</strong>, copiou muitos trabalhos e fez croquis espontâneos nas<br />

margens <strong>de</strong> seus poemas, croquis que não pretendiam servir <strong>de</strong> ilustração para os poemas.<br />

Mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, foi “<strong>de</strong>scoberto” <strong>de</strong>senhando nas ruas e levado<br />

para a escola <strong>de</strong> arte, on<strong>de</strong> um professor progressista o apresentou ao Dadaísmo e ao<br />

Surrealismo. Os primeiros rendimentos <strong>de</strong> Lucebert vieram <strong>de</strong> cartuns e ilustrações. Seus<br />

<strong>de</strong>senhos livres são impressionantes pela imaginação fantasiosa e pela sua capacida<strong>de</strong><br />

surpreen<strong>de</strong>ntemente constante <strong>de</strong> evocar associações.<br />

Embora jamais tivesse parado <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar, Lucebert, no começo, ficou famoso<br />

principalmente como poeta. Envolveu-se apenas indiretamente com o novo movimento<br />

expressivo e experimental da arte holan<strong>de</strong>sa associado ao grupo CoBrA (1948-1951). Só<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1955 começou a aplicar-se mais intensamente a seus <strong>de</strong>senhos e pinturas, que<br />

expôs regularmente a partir <strong>de</strong> 1958 - na Galerie Espace no Haarlem e <strong>de</strong>pois em Amsterdã,<br />

mas também em Londres, na Marlborough Art Gallery.<br />

O próprio Lucebert <strong>de</strong>screvia seu trabalho <strong>de</strong> artista plástico assim: “Pinto tudo que me<br />

vem à cabeça, Desenho e pinto tudo e em tudo, valorizo igualmente todas as visões, não<br />

escolho motivos e não luto para encontrar sínteses, me satisfaço em <strong>de</strong>ixar as oposições no<br />

lugar e, enquanto lutam umas com as outras, não ofereço resistência e me mantenho fora <strong>de</strong><br />

alcance, experimentando a liberda<strong>de</strong> que apenas eles me dão, minhas pinturas, meus poemas,<br />

esses playgrounds felizes on<strong>de</strong> tudo tem seu lugar, on<strong>de</strong> Saaras e oceanos se reúnem nas<br />

caixas <strong>de</strong> areia. Assim, não me prendo a pinturas espessas ou finas, não tenho preferência por<br />

<strong>de</strong>terminadas paletas, hoje busco refugio no marrom das árvores, amanhã me afogo, rindo,<br />

no azul-orvalho. Concretu<strong>de</strong>, abstração, para mim é tudo a mesma coisa, mal percebo a<br />

diferença, sei apenas que são termos vindos <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong> conceitos em que sou e quero<br />

permanecer um forasteiro xenófobo.” (De Calma, Crianças, Algo <strong>de</strong> Importante Está<br />

Acontecendo - kalm aan kin<strong>de</strong>ren, er valt iets zwaars, 1961).<br />

Numa entrevista <strong>de</strong> 1989, quando lhe foi perguntado a que critérios uma boa pintura<br />

<strong>de</strong>veria aten<strong>de</strong>r, Lucebert respon<strong>de</strong>u: “expressão, forma, composição cromática... Em primeiro<br />

lugar, tem que ser interessante. Interessante pra o olho interno. Surpreen<strong>de</strong>nte. Nova a cada<br />

manhã. A pior coisa é se tornar cansativa. Ou, ainda pior, virar uma simples <strong>de</strong>coração<br />

pendurada na pare<strong>de</strong>. Tudo é possível numa pintura, fina ou espessa, bagunçada ou<br />

rigidamente composta, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que surpreenda”.<br />

As diferentes fontes a que Lucebert recorre abrangem o livro <strong>de</strong> Prinzhorn <strong>de</strong><br />

1922, Bildnerei <strong>de</strong>r Geisteskranken (sobre ‘as pinturas dos loucos) e “uma mancha que<br />

po<strong>de</strong>ria perfeitamente ser um rosto / entre a borracha e o líquido corretivo / (...) nada melhor<br />

que ser dominado pela mancha / para apagar recortar dissolver borrar substituir / confuso<br />

reconstruir encharcar <strong>de</strong>rrubar levantar...’ (<strong>de</strong> ‘A Mancha como Obra da Vida” - ‘vlek als<br />

levenswerk’, 1963).<br />

Lucebert <strong>de</strong>ixa claro que o acaso é importante em seu trabalho e que os jornais, o rádio, a<br />

TV e o cinema também po<strong>de</strong>m ser a centelha para sua imaginação. “Então nasce uma boa<br />

pintura na terra <strong>de</strong> ninguém, uma área limítrofe entre o <strong>de</strong>sígnio e a consciência, uma terra<br />

on<strong>de</strong> nem as convenções da memória e nem os sonhos-dogmas <strong>de</strong> uma ou outra utopia<br />

po<strong>de</strong>m representar seus papeis limitadores. Um bom poema, uma boa pintura, portanto,<br />

98


nunca estão completos, nunca estão terminados, são abertos e improvisados, não<br />

permanecem em silêncio enquanto sofrem ou riem, permitem, satisfeitos, que um excêntrico<br />

os manipule e modifique ao longo do tempo”. (<strong>de</strong> Calma, Crianças, Algo <strong>de</strong> Importante Está<br />

Acontecendo).<br />

Em seu trabalho visual, Lucebert frequentemente faz o contrário do que percebe e<br />

enfrenta no mundo que o cerca: empresta domínio à sua impotência, usa as armas <strong>de</strong> sua<br />

arte em vez <strong>de</strong> abusar do po<strong>de</strong>r para impor sua vonta<strong>de</strong> aos outros e às coisas que produz.<br />

Sua arte parece ter surgido espontaneamente; o artista não precisa fazer nada além <strong>de</strong> se<br />

ocultar: “Deixo que loucos, imperadores, mandarins e outras personagens parecidas falem por<br />

mim e, se necessário, me objetifico um pouco”, disse, numa entrevista <strong>de</strong> 1959.<br />

Os resultados surgem num processo experimental, enquanto ele trabalha em comunhão<br />

com seus materiais: <strong>de</strong>senhos que empregam as mais variadas técnicas, colagens,<br />

xilogravuras, litogravuras e silk-screen; pinturas a guache, tinta acrílica e óleo; cerâmica e<br />

fotografia – praticamente tudo po<strong>de</strong> servir ao improviso; assim como o ritmo <strong>de</strong> sua mão<br />

que escreve e pinta po<strong>de</strong> ser conduzido pelo jazz <strong>de</strong> Thelonious Monk ou Dizzy Gillespie.<br />

Nada disso significa que não haja <strong>de</strong>senvolvimento ou linha temática em sua obra: cada<br />

pintura, cada <strong>de</strong>senho, é inconfundivelmente um Lucebert. No começo, seu trabalho era<br />

brincalhão e fantástico, com uma boa dose <strong>de</strong> humor, mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1958, quando Lucebert<br />

já tinha estúdio próprio há muitos anos e também começara a se concentrar em pinturas a<br />

óleo, a agressivida<strong>de</strong> aumentou. Seu trabalho se tornou mais raivoso, com generais<br />

frenéticos e tiranos a ranger os <strong>de</strong>ntes. Nesses trabalhos, o abuso impiedoso do po<strong>de</strong>r se<br />

contrapõe à subjetivida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>fesa. Lucebert espelhava-se no mundo <strong>de</strong> Hieronymus Bosch<br />

e, na verda<strong>de</strong>, escreveu um longo poema sobre uma das obras <strong>de</strong> Bosch, O Jardim das<br />

Delícias Terrenas, em 1968.<br />

Lucebert passou muito tempo nas Espanha <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 1960 em diante e<br />

<strong>de</strong>senvolveu interesse pela cultura do país; influenciado, em parte, pelo sol espanhol, seu<br />

trabalho tornou-se mais claro e nítido, mais raivoso e satírico. Adquiriu o impacto da obra <strong>de</strong><br />

El Greco ou Goya, com sua expressão visionária, amarga, implacável, algo que também<br />

caracteriza as telas <strong>de</strong> Francis Bacon, por exemplo. “Talvez seja por isso que os monstros não<br />

se disfarçam mais”, disse, “mas se revelem como são e como os vejo: <strong>de</strong>sejos ilimitados <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r ou suspiros impotentes <strong>de</strong> ressentimento’.<br />

Sua raiva arrefeceu e sua crítica tornou-se mais controlada, mas isso não diminuiu o<br />

impacto <strong>de</strong> seus trabalhos. Com uma pequena variação sobre um poema <strong>de</strong> 1981 para o<br />

poeta / pintor Breyten Breytenbach (ver The Low Countries 1995-96: 252-258), que foi<br />

aprisionado por suas opiniões a respeito do apartheid, o trabalho <strong>de</strong> Lucebert também “se<br />

envergonhava <strong>de</strong> ser um poema e não uma bala / com que – poeta – pu<strong>de</strong>sse matar seu<br />

carrasco”.<br />

Os horrores da guerra e da execução, do terror, do ódio racial e da vaida<strong>de</strong> continuaram a<br />

ser um motivo importante nos trabalhos <strong>de</strong> Lucebert durante a década <strong>de</strong> 1970. Ele obrigava<br />

o observador a olhar para os complexos penitenciários, os pátios <strong>de</strong> seleção e as cabanas (‘O<br />

Crime Perfeito’ - ‘De perfekte misdaad’, 1968).<br />

O cinismo <strong>de</strong> Lucebert a respeito <strong>de</strong> um mundo que se repete mas não se aprimora<br />

aumentou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa fase, embora ainda houvesse espaço em sua obra para um humor<br />

brincalhão e uma ironia leve, dando um caráter mais anedótico à agressivida<strong>de</strong> contra a<br />

repressão.<br />

A produção <strong>de</strong> Lucebert foi muito ampla; todos os dias eram dias <strong>de</strong> trabalho com uma<br />

rotina consi<strong>de</strong>ravelmente rígida e <strong>de</strong>finida. Como o pintor francês Dubuffet, cuja concepção<br />

e cujo método <strong>de</strong> expressão apresentam forte correspondência com os <strong>de</strong> Lucebert, ele<br />

gostava <strong>de</strong> tomar “aquilo que lhe causa aversão” como ponto <strong>de</strong> partida para o trabalho.<br />

Rejeitou todos os estilos e isso dificulta a classificação <strong>de</strong> sua obra. Influências <strong>de</strong> todos os<br />

tipos, <strong>de</strong> arte tanto antiga quanto mais recente, estão incorporadas em seu trabalho e<br />

99


ecebem a expressão que lhe é própria. E os títulos, por fim, são também elementos originais<br />

que abrem ainda outra perspectiva.<br />

A impressão <strong>de</strong> encantamento e, às vezes, <strong>de</strong> tolice que o trabalho <strong>de</strong> Lucebert <strong>de</strong>ixa<br />

naqueles que o veem mantém intacto o espelho inclemente que ele apresenta à humanida<strong>de</strong><br />

quando expõe suas falhas e a envolve, como um criminoso militante, no mundo sardônico <strong>de</strong><br />

suas criações. Sua arte é implacável e ainda assim empática e nos força a participar. Lucebert<br />

permaneceu “um comentarista da comoção”. A acusação que suas imagens trazem é<br />

opressiva; ao mesmo tempo, sua originalida<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>nte e visionária po<strong>de</strong> ser<br />

libertadora.<br />

Erik Slagter (Holanda, 1939). Crítico <strong>de</strong> arte. Tradução <strong>de</strong> Allan Vidigal. O tradutor agra<strong>de</strong>ce<br />

a Hil<strong>de</strong> Herbold pela ajuda com a interpretação do original em holandês do poema<br />

“Minnebrief aan onze gemartel<strong>de</strong> bruid Indonesia”, <strong>de</strong> Lucebert. Página ilustrada com obras<br />

<strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista convidado <strong>de</strong>sta edição <strong>de</strong> ARC.<br />

100


<strong>Agulha</strong> <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong><br />

editor geral<br />

FLORIANO MARTINS<br />

editor assistente<br />

MÁRCIO SIMÕES<br />

logo & <strong>de</strong>sign<br />

FLORIANO MARTINS<br />

revisão <strong>de</strong> textos & difusão<br />

FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES<br />

equipe <strong>de</strong> tradução<br />

ALLAN VIDIGAL | ÉCLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FLORIANO MARTINS | LUIZ LEITÃO DA<br />

CUNHA | MÁRCIO SIMÕES<br />

jornalista responsável<br />

SOARES FEITOSA | DRT/CE, reg. nº 364, 15.05.1964<br />

apoio cultural<br />

JORNAL <strong>DE</strong> POESIA<br />

contatos<br />

FLORIANO MARTINS<br />

Caixa Postal 52817 - Ag. Al<strong>de</strong>ota | Fortaleza CE 60150-970 BRASIL<br />

agulha.floriano@gmail.com | floriano.agulha@gmail.com | arcflorianomartins@gmail.com<br />

MÁRCIO SIMÕES<br />

Rua do Sobreiro, 7936 Cida<strong>de</strong>-satélite | Natal RN 59<strong>06</strong>8-450 BRASIL<br />

mxsimoes@hotmail.com | arcmarciosimoes@gmail.com<br />

cartas<br />

agulha@groups.facebook.com<br />

registro <strong>de</strong> domínios para a internet no Brasil<br />

www.revista.agulha.nom.br<br />

banco <strong>de</strong> imagens<br />

acervo triunfo produções ltda<br />

os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista<br />

os editores <strong>de</strong> <strong>Agulha</strong> <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong> não se responsabilizam pela <strong>de</strong>volução <strong>de</strong><br />

material não solicitado<br />

todos os direitos reservados © triunfo produções ltda<br />

CNPJ 02.081.443/0001-80<br />

101

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!