EDIÇÃO 06 | MARÇO DE 2013 | FASE II - Agulha Revista de Cultura
EDIÇÃO 06 | MARÇO DE 2013 | FASE II - Agulha Revista de Cultura
EDIÇÃO 06 | MARÇO DE 2013 | FASE II - Agulha Revista de Cultura
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
<strong>EDIÇÃO</strong> <strong>06</strong> | <strong>MARÇO</strong> <strong>DE</strong> <strong>2013</strong> | <strong>FASE</strong> <strong>II</strong>
00 | EDITORIAL: DOIS LOUCOS À BEIRA DO POTE | Pg 03<br />
01 | CARLOS FRANCISCO MONGE | Un fantasma en la ventana: sobre la poesía <strong>de</strong> Francisco<br />
Amighetti | Pg <strong>06</strong><br />
02 | EDSON MANZAN CORSI | Da vonta<strong>de</strong> ao inconsciente: metafísica e metapsicologia entre<br />
Schopenhauer e Freud | Pg 08<br />
03 | FLORIANO MARTINS | Figuras no tinteiro | Pg 24<br />
04 | FLORIANO MARTINS | Susana Wald: la vastedad simbólica | Pg 33<br />
05 | LUÍS CABRERA <strong>DE</strong>LGADO | Por dón<strong>de</strong> anda la literatura juvenil latinoamericana | Pg 51<br />
<strong>06</strong> | MANUEL IRIS | Rasgos comunes: una visión <strong>de</strong> Gonzalo Rojas y Juan Sánchez Peláez.<br />
Entrevista con Armando Romero | Pg 56<br />
07 | MARITZA CINO ALVEAR | Sylvia Plath versus Alejandra Pizarnik… en un solo escenario<br />
| Pg 61<br />
08 | MATEO RELLO | Manuel Rivas: el rayo que no cesa (entrevista) | Traducción al español:<br />
Fina Iglesias | Pg 63<br />
09 | MIGUEL ESPEJO | Los meandros surrealistas | Pg 67<br />
10 | THOMAS RAIN CROWE | Nan Watkins: Yvan Goll e a erva mágica da poesia (entrevista) |<br />
Tradução do inglês: Allan Vidigal | Pg 84<br />
11 | WLADIMIR SALDANHA | Duas vezes Lêdo Ivo | Pg 89<br />
ARTISTA CONVIDADO | LUCEBERT | Lucebert: poeta e visionário, pintor e testemunha<br />
ocular. Ensaio <strong>de</strong> Eric Slagter | Tradução do inglês: Allan Vidigal | Pg 96<br />
2
EDITORIAL | Dois loucos à beira do pote<br />
Todo mundo tem uma ou duas coisas no passado que <strong>de</strong>seja esquecer.<br />
3<br />
Kaoru<br />
ZUCA SARDAN | Ciencia e Poesia se irmanaram, e agora sáo tres irmás,<br />
a mais velha sendo a Religiáo. Esta última envelheceu, hoje em dia fala<br />
meio sozinha, ou entáo com beatas italianas em dia <strong>de</strong> procissáo. Tia<br />
Religia náo po<strong>de</strong> mais torcer as orelhas <strong>de</strong> ninguém. Quem manda mesmo é<br />
a Ciéncia, tudo o que ela diz todos acreditam, ela diz pros burros, "vocés<br />
sáo uns macacos racionais", os burros acreditam e comeczam a se coczar.<br />
FLORIANO MARTINS | A Madona Religare já havia cometido tantas atrocida<strong>de</strong>s que não<br />
resmungou muito quando foi posta <strong>de</strong> lado pela Santa Lâmpada da Ciência. A <strong>de</strong>sgraça veio<br />
mesmo é quando a Mecânica do Espírito esgasgou-se com a agulha da Estatítica Ego Summer<br />
e passou a regular seus passos pelos milhos do Ibope. A Ciência tornar-se Religião é o <strong>de</strong><br />
menos. A catástrofe maior é quando a Arte se converte em Ciência.<br />
ZS | Já se transformou em artigo <strong>de</strong> luxo da Alta Porquezia… coelhos <strong>de</strong> ouro…<br />
macaquinho do Pivette Cantor em porcelana… etzzz etzzz<br />
FM | De tal forma que nessa balança comercial das artes o que ganha é do outro, mas o<br />
que se per<strong>de</strong> é para si mesmo…<br />
ZS | A balancza comercial das artes é chumbada com pornomerda pra peruas-chics<br />
<strong>de</strong>slumbradas.<br />
FM | O Carnaval é sempre antes, querido.<br />
ZS | Assim é que a gente te pega <strong>de</strong> boca na botija… sabes direitinho do kalendário da<br />
paróquia… O-Ro-Roooo… Ztás louco pra soltar foguetes na festa <strong>de</strong> Sáo Joáo… e tem<br />
também o pula-fogueira com buscapé… Padre Feijó também era fingidáo… Queria que o<br />
Vaticano permitisse casamento dos sacerdotes…<br />
FM | O gran<strong>de</strong> talento do Vaticano sempre foi comercial. E em um <strong>de</strong> seus capítulos<br />
capitais, o do comércio <strong>de</strong> almas, quanto mais triste, sofrida e <strong>de</strong>samparada a pobre dita,<br />
maior a sua cotação na Banvespa Ecomênica…<br />
ZS | O comércio metafísico se lubrifica com o tráfico <strong>de</strong> Almas Proletas… Almas<br />
Capitalistas compram aczóes <strong>de</strong> Indulgéncia… e garantem um Purgatório macio, com<br />
modormia… Mas quem trabalha nas fornalhas do Inferno?…<br />
FM | Ora, ora, mas o que é isso?! Dizem que não há calor humano mais intenso e<br />
contagiante do que o que se po<strong>de</strong> encontrar no Inferno. Ao Céu foram encaminhadas as<br />
bestas que acreditam que um dia o fogo apenas iluminará. "Não há re<strong>de</strong>nção sem chaga" -<br />
diz a tabuleta à entrada do Inferno. Mas apurando bem a vista se nota que o dizer foi<br />
adulterado e ainda dá para distinguir a versão original: "Não há re<strong>de</strong>nção nem com chaga".<br />
ZS | Como diz Frei Feijáo: A chaga é <strong>de</strong> gracza, mas náo garante a Salvaczáo. Saiu anúncio<br />
no tabloi<strong>de</strong> Nanico Torto, <strong>de</strong> propaganda do Cassino-Thermal Averno: Estamos oferecendo
<strong>de</strong>sconto especial <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> estaczáo, <strong>de</strong> 50% pra sacerdotes, e, militares que venham juntos,<br />
seráo consi<strong>de</strong>rados como uma só família, e ganharáo o especial abatimanto <strong>de</strong> 70%.<br />
Aproveite! Lamas thermais, telefone, duchas ferventes, luz elétrica, água corrente, saláo <strong>de</strong><br />
festas…<br />
FM | Os primeiros 10 inscritos ganharão a História Suscinta da Revolta das Chibatas em<br />
25 volumes, uma contribuição do Sebo Estalando-<strong>de</strong>-Novo, edição original em papel<br />
brochura, faltando o volume 17 - há dúvidas se o mesmo chegou a ser impresso - e os<br />
<strong>de</strong>mais com a borda liquidada pelo tempo. Aproveite nosso pacote <strong>de</strong> visita guiada à Granja<br />
do Torto nas noites <strong>de</strong> sábado.<br />
ZS | Noitada a bordo da Jangada da Medusa!!!… Churrasquinhos na brasa dos próprios<br />
comensais, sorteados na Tómbola <strong>de</strong> Minos… aproveite a total Liquidaczáo… Aczoites,<br />
tri<strong>de</strong>ntes, pregos, fornalhas <strong>de</strong> saláo…<br />
FM | A mulata era tão bela, quem quer fazer o cabelo <strong>de</strong>la? Cacimbinha, Cacimbona, quem<br />
quer fazer um chamego nela? Sabiá lá na janela, quem quer tirar a fitinha <strong>de</strong>la? Cacimbona,<br />
Cacimbinha, quem quer ficar um cadinho nela?<br />
ZS | O Camóes, como bom prutuca, tinhas sua escurinha, que ainda náo chegava a ser<br />
mulata, mas já era pretinha… E no Delta do Mekong a chinesa afundou com o Rolo do<br />
Brasil… dos onze Cantos… só sobraram <strong>de</strong>z.<br />
FM | O que era para ser começo <strong>de</strong> uma nova série total per<strong>de</strong>u uma perna, ficaram<br />
somente nove. O que era então para ser a triplicida<strong>de</strong> do triplo per<strong>de</strong>u uma perna, ficaram<br />
somente oito. Daí o que era para ser o símbolo da regeneração, per<strong>de</strong>u uma perna e ficaram<br />
somente sete. Foi aí quando as sete direções do espaço <strong>de</strong>ram uma topada e uma <strong>de</strong>las se<br />
per<strong>de</strong>u, ficaram somente seis. Sozinha no balacubaco, sem saber o que fazer <strong>de</strong> si, a<br />
quintessência ficou confusa, per<strong>de</strong>u uma perna, ficaram apenas quatro. A organização<br />
racional logo não se portou lá muito bem, per<strong>de</strong>u uma perna e ficaram apenas três.<br />
Finalmente a síntese espiritual, o mundo parecia estar salvo, quando <strong>de</strong>u uma ventania e<br />
umas das pernas não se manteve no lugar, ficaram apenas duas. Entre a cruz e a espada, não<br />
havia jeito das opções serem satisfatórias, então rapidamente se arrancou uma perna e ficou<br />
apenas uma. Este símbolo do princípio ativo ten<strong>de</strong> à megalomania e é melhor não lhe dar<br />
perna alguma. Restaria então o ovo órfico, com o qual já se sabe não foi possível fazer uma<br />
omelete.<br />
ZS | Perna por perna, o Pirata Perna-<strong>de</strong>-Pau náo chega à beira-dégua, porque o crocodilo já<br />
comeu a primeira, e está <strong>de</strong> olho na segunda.<br />
FM | E o terceiro foi aquele a quem a Teresa <strong>de</strong>u a mão. Quantas laranjas maduras, quanto<br />
limão pelo chão… quantos mazelos esparramados <strong>de</strong>ntro do meu coração… Uns indo pra<br />
lua, outros pr'Espanha.<br />
ZS | Pior que a Espanha, por enquanto só mesmo a Grécia. Mas Portugal também está a<br />
bulanczaire… As Tres Graczas da Latinida<strong>de</strong>…<br />
FM | Grécia, Espanha e Portugal, a fina flor do abacateiro <strong>de</strong> ponta-cabeça. Mais esperto <strong>de</strong><br />
todos foi o Banco do Vaticano, que pregou a peça religiosa em todos e converteu a mitologia<br />
greco-romana em um bem sucedido comércio <strong>de</strong> almas.<br />
4
ZS | Como sempre diz o Maquiavel, o Vaticano tem gran<strong>de</strong> experiéncia no metié. E o Papa<br />
Bórgia… sabe manobrar.<br />
FM | Charrete nova na garagem, serventia a toda prova. Os brasileiros tão polidos<br />
apren<strong>de</strong>ram logo a comer coxa <strong>de</strong> frango com talher e torciam o nariz para a porção <strong>de</strong><br />
grilos tostados. Rejeitando os hábitos da coroa e do mundo nativo, <strong>de</strong> tanto querer ser o que<br />
não tinha jeito, ainda hoje põem pra gelar o vinho tinto e recusam falar em sexo na frente<br />
das crianças.<br />
ZS | Or<strong>de</strong>m e Progresso, Serieda<strong>de</strong> e Barbas probas. Procissáo e Positivismo. Nosso céu<br />
tem mais estrelas, nossa mata mais coelhos.<br />
FM | Trat-ta-ra-t-a-tá, blém, belém, blém-blém-blém… Toró, toró, to-ró… Shi, shi, shi…<br />
ZS | Li a entrevista com a Amanda Berenguer, ao final, com gran<strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z, fala que<br />
"vivemos uma civilizaczáo anestesiada ou excitada até o crime pelas imagens visual e<br />
sonora", <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stampam os Pangarés do Apocalipse: dos ví<strong>de</strong>os e joguinhos <strong>de</strong><br />
aparelhos eletronicos manuais ou <strong>de</strong> saláo, gerando genocídios e massacres em escolas e<br />
lugares públicos, por asnosomens drogados e zumbificados… E as autorida<strong>de</strong>s médicas,<br />
teológicas e governamentais ficam se perguntando "Mas porque o celerado fulano perpretou<br />
esse assassínio coletivo <strong>de</strong> crianczas e passantes distraídos?… PORQUEEE?… Como se os<br />
assassinos soubessem lá porque fizeram a sanguinolenta asneira… A resposta é simples:<br />
eles NÁO SABEM porque fizeram. A Burrice Assassina Globalizada é a última novida<strong>de</strong> do<br />
Século XXI. Os Quatro Pangarés do Apocalipse náo viráo mais… porque foram superados<br />
pelos Asnos do Porvir.<br />
FM | Mas são apocalipses distintos. O Uruguai não é uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>formada pelo<br />
agrotóxico. Hoje seu maior dilema é o elogio da pobreza. Aqui caímos no conto <strong>de</strong> que a<br />
esperança é imortal. Já na PromiseLand, a <strong>de</strong>vastação pela overdose virtual e sonora castrou<br />
<strong>de</strong> uma paulada só luci<strong>de</strong>z e percepção, daí que certo tipo <strong>de</strong> criminoso – sobretudo aqueles<br />
criados em meio ao turbilhão fanático dos jogos <strong>de</strong> guerra – mereça mais um sanatório do<br />
que a ca<strong>de</strong>ia. No Pa-tro-pi, não, aqui ainda somos casos <strong>de</strong> xilindró. Porque o espalhafato da<br />
imagem e do ruído gera uma mescla suicida <strong>de</strong> tolice e esperteza. Somos um povo<br />
barbarizado pela malandragem e o besteirol.<br />
ZS | Mescla suicida (e assassina) <strong>de</strong> tolice e esperteza (e metralhadora), malandragem,<br />
besterol (e <strong>de</strong>funtos a granel).<br />
FM | Enquanto isto a flor do ócio <strong>de</strong>vora spa-Gretchen inculta e bela, será ela, será ela, até<br />
morrer. E <strong>de</strong>u na sétima hora do dia, na Rádio Espertinha do Monte Santo, que o morto <strong>de</strong><br />
honra, programado para o Baile da Virada, <strong>de</strong>sgostoso com a barba que lhe apararam e o<br />
cabelo cortado à quenga <strong>de</strong> coco, se escafe<strong>de</strong>u ao mínimo <strong>de</strong>slize das beatas arruma<strong>de</strong>iras,<br />
<strong>de</strong>ixando vazio o crucifixo e em silêncio as cantigas <strong>de</strong> roda.<br />
ZS | Fazemos pirambeira acima uma procissáo pra Santa Baldina… a seguir uma kermesse<br />
com sabugos <strong>de</strong> milho, pé-<strong>de</strong>-porco, balóes, baile <strong>de</strong> sanfona pula-fogueira… e está tudo<br />
resolvido.<br />
5<br />
Os Editores
CARLOS FRANCISCO MONGE | Un fantasma en la<br />
ventana: sobre la poesía <strong>de</strong> Francisco<br />
Amiguetti<br />
TRAZOS A LÁPIZ | Pue<strong>de</strong> que el mismo lápiz con que empezó a dibujar<br />
paisajes, animales y personajes lo haya empleado Francisco Amighetti<br />
para escribir sus primeros poemas. Dibujos y palabras; imágenes<br />
visuales y verbales fueron las líneas paralelas <strong>de</strong> su sen<strong>de</strong>ro artístico.<br />
La obra literaria <strong>de</strong> Amighetti la componen tres pequeños libros <strong>de</strong><br />
talante autobiográfico, poco más <strong>de</strong> un centenar <strong>de</strong> poemas y no pocos<br />
artículos dispersos en periódicos y revistas sobre arte, especialmente el mo<strong>de</strong>rno. Su<br />
primera publicación fue un opúsculo <strong>de</strong> catorce poemas, que apareció hace setenta años, con<br />
el parco título Poesía. Ya entonces Amighetti gozaba <strong>de</strong> prestigio como dibujante y como<br />
grabador. En 1947 editó en México su primer tomo en prosa: Francisco en Harlem, unas<br />
páginas parecidas a memorias <strong>de</strong> viajes, que años <strong>de</strong>spués completó con Francisco y los<br />
caminos (1963) y con Francisco en Costa Rica (1966). En 1974 compiló un nuevo tomo <strong>de</strong><br />
versos, Poesías, ampliado en 1983.<br />
<strong>DE</strong>CIR Y HACER | Para un lector habitual, los poemas pasan a veces como potrancas<br />
<strong>de</strong>sbocadas, otras como carretas cargadas <strong>de</strong> onerosas mercancías; alguna vez son ligeros<br />
como gamos en celo, sinuosos como serpientes, astutos, indolentes, <strong>de</strong>sgarbados; casi<br />
siempre danzan, fingen pasiones, gesticulan y nunca <strong>de</strong>jan <strong>de</strong> hablar. Los <strong>de</strong> Amighetti lucen<br />
más bien como estanques cristalinos, trémulos por la melancolía o por la pasión; aparentan<br />
la timi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> algún ciprés solitario pero cantan con claridad al compás <strong>de</strong> la luz que se<br />
precipita sobre el paisaje tropical y sobre el acontecer cotidiano. Son distintos <strong>de</strong> la riqueza<br />
temática y estética <strong>de</strong> su obra plástica, pero cumplen una razón <strong>de</strong> ser: hablan <strong>de</strong>l arte, como<br />
acotaciones a sus cuadros, como breves manifiestos estéticos, como testimonios o<br />
confi<strong>de</strong>ncias.<br />
Los poemas juveniles <strong>de</strong> Amighetti fueron cobijados con generosidad por las páginas <strong>de</strong>l<br />
viejo Repertorio Americano, <strong>de</strong>l editor Joaquín García Monge. A sus veinte años, el joven<br />
escritor le envió al maestro editor cuatro breves poemas, que aparecen publicados en 1928.<br />
Llegaban con la locuacidad y las extravagancias <strong>de</strong> los vanguardismos <strong>de</strong> entonces: Huele a<br />
estrellas / los rosales blancos <strong>de</strong> las constelaciones / distribuyen serenidad / el reloj cincela 7<br />
notas en el viento / todos los molinos <strong>de</strong> los astros / comienzan a fabricar la niebla / harina<br />
lunar. Es muy probable que sus viejos profesores <strong>de</strong> Castellano, atildados poetas<br />
mo<strong>de</strong>rnistas, se atusaran los bigotes con preocupación y sorpresa, al leer aquellos mo<strong>de</strong>stos<br />
(y pue<strong>de</strong> que molestos) esbozos <strong>de</strong>l novel artista.<br />
Algunos jóvenes escritores <strong>de</strong> entonces, avezados en los movimientos artísticos <strong>de</strong><br />
vanguardia <strong>de</strong> las letras europeas e hispanoamericanas, experimentaban, <strong>de</strong>safiaban,<br />
provocaban; cuando podían, publicaban sus escritos don<strong>de</strong> mejor los recibieran. Aquellos<br />
compañeros literarios <strong>de</strong> Amighetti eran Max Jiménez (1900-1947) e Isaac Felipe Azofeifa<br />
(1909-1997), a quienes poco <strong>de</strong>spués se sumarían los nombres <strong>de</strong> Carlos Salazar Herrera,<br />
Joaquín Gutiérrez y Fernando Centeno Güell. Más o menos distantes <strong>de</strong> la zarabanda<br />
vanguardista, todos a su manera le plantaron un no a la tradición literaria costarricense, tan<br />
dada a los costumbrismos <strong>de</strong> manual o al pedigrí <strong>de</strong> un mo<strong>de</strong>rnismo ramplón. Varios<br />
<strong>de</strong>cenios <strong>de</strong>spués y ya en la cima <strong>de</strong> su madurez vital y literaria, todos ellos pudieron<br />
contemplar, con cierta sonrisa melancólica y un <strong>de</strong>jo <strong>de</strong> vanidad, aquellas aventuras<br />
juveniles –quizá algo mo<strong>de</strong>stas en tierras costarricenses– que los distanciaron <strong>de</strong> los<br />
maestros literatos <strong>de</strong> entonces.<br />
6
El arco trazado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquellos primeros poemas <strong>de</strong> Amighetti y los que escribió ya<br />
octogenario es nítido, regular y continuo. No como la trayectoria <strong>de</strong> una flecha sino como la<br />
figura <strong>de</strong> un arco iris; variado y sobrio en su belleza cristalina, con una constancia llamativa<br />
y rara al mismo tiempo. Hay poetas sexagenarios que no se reconocen en sus poemas<br />
veinteañeros; los hay también que sin voz propia han cantado al son <strong>de</strong> ecos lejanos o <strong>de</strong> las<br />
oportunida<strong>de</strong>s que dan los modismos, literarios o no. Amighetti fue un poeta constante sin<br />
monotonía, fiel sin servilismo, discreto sin bajar la voz.<br />
EL ÚNICO CUADRO | Pintor-poeta, contempló su mundo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su ventana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el lugar<br />
interior hacia la circunstancia; porque la ventana fue, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el principio, uno <strong>de</strong> los gran<strong>de</strong>s<br />
temas <strong>de</strong> su pintura y <strong>de</strong> su poesía. De 1926 es uno <strong>de</strong> sus primeros dibujos , a tinta y color,<br />
con el sobrio título “La ventana”, y sus primeros autorretratos –dibujo a tinta uno y grabado<br />
en ma<strong>de</strong>ra el otro– muestran al personaje al lado <strong>de</strong> una pequeña ventana, como única<br />
compañera. Des<strong>de</strong> entonces, cuadros y poemas vuelven una y otra vez al motivo <strong>de</strong> ese<br />
cotidiano espacio enmarcado don<strong>de</strong> habitan los seres, los objetos, las sombras y los<br />
fantasmas. El simbolismo <strong>de</strong> este espacio abierto y cerrado a la vez está asociado a la<br />
concepción misma <strong>de</strong> la vida, marcada en la poesía <strong>de</strong> Amighetti por una convicción: buscar<br />
a los <strong>de</strong>más y al mismo tiempo mostrarse; en dos palabras, comunicarse con el mundo.<br />
Des<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, es el punto <strong>de</strong> partida para alcanzar la lejanía, la exploración, la aventura,<br />
aunque alguna vez <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la fijeza <strong>de</strong> quien interroga la existencia (como parece <strong>de</strong>cirlo La<br />
ventana blanca, cuadro <strong>de</strong> 1970); <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fuera, la ventana da la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> penetración y<br />
profundidad; es la impresión que arroja La gran ventana, cromoxilografía <strong>de</strong> 1983.<br />
Tal vez por eso mismo los poemas <strong>de</strong> Amighetti resultan <strong>de</strong> sus visiones; son visuales en<br />
el sentido plástico y al mismo tiempo buscan adivinar imágenes y escenarios. Sus prosas<br />
autobiográficas abundan en referencias espaciales: calles, paisajes lunares, buhardillas,<br />
plazas y parques, bares, habitaciones solitarias, colinas y pedazos <strong>de</strong> cielo gris. Y con<br />
frecuencia, todo aquel espectáculo visto «<strong>de</strong>s<strong>de</strong> mi ventana». Y lo dice el poeta con sus<br />
versos: Con la ventana los arquitectos se volvieron pintores, / hay casas en que la ventana /<br />
es el único cuadro colgado en la pared. / Nos ahogaríamos, no seríamos hombres / sin la<br />
ventana <strong>de</strong>l color <strong>de</strong>l viento, / hasta los seres recluidos en las cárceles / se les conce<strong>de</strong> un<br />
pedazo <strong>de</strong> cielo y una ración <strong>de</strong> luz. Las suyas son ventanas abiertas, nunca divididas ni<br />
acristaladas; libres y simples, como quienes se acercan a ellas para contemplar una imagen,<br />
o para completarla. Así también las palabras: El poema es también / la noche <strong>de</strong> la ventana /<br />
en don<strong>de</strong> el ruiseñor <strong>de</strong> una constelación canta.<br />
PALABRAS SIN FINAL Y SIN PRINCIPIO | Parece un tópico: la poesía <strong>de</strong> Francisco Amighetti<br />
es una larga meditación sobre la condición humana y la existencia. No lo es si hablamos <strong>de</strong><br />
una obra parca en su discurrir y proporcionalmente escasa, que gira una y otra vez en torno<br />
a dos o tres temas esenciales; mejor dicho, vitales: el origen, la permanencia, la búsqueda, el<br />
regreso al origen. ¿Por qué darles títulos particulares a los libros, si todos los poemas se<br />
pue<strong>de</strong>n reducir a eso mismo: la poesía? Es <strong>de</strong>cir, al vínculo entre el ser y el mundo, como la<br />
ventana es el espacio común entre el interior y el exterior. Amighetti nos <strong>de</strong>jó un gesto<br />
semioculto entre las líneas <strong>de</strong> su obra literaria, que la redujo a dos términos esenciales:<br />
Francisco (el ser) y poesía (la palabra); como un fantasma <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su ventana.<br />
Carlos Francisco Monge (Costa Rica, 1951). Poeta, ensayista y filólogo. Autor, entre otros, <strong>de</strong><br />
los libros <strong>de</strong> poemas Los fértiles horarios (1983), La tinta extinta (1990), Enigmas <strong>de</strong> la<br />
imperfección (2002). Entre sus ensayos están: La imagen separada (1983), La rama <strong>de</strong> fresno<br />
(1999) y El vanguardismo literario en Costa Rica (2005). Contacto: cfmonge@hotmail.com.<br />
Página ilustrada con la obra <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista invitado <strong>de</strong> la presente edición <strong>de</strong><br />
ARC.<br />
7
EDSON MANZAN CORSI | Da vonta<strong>de</strong> ao<br />
inconsciente: metafísica e metapsicologia<br />
entre Schopenhauer e Freud<br />
No artigo intitulado “As resistências à psicanálise”, Sigmund Freud<br />
apresenta que nossa mente, ante o que é novo, ten<strong>de</strong> a recuar, <strong>de</strong>vido a<br />
um fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprazer proveniente do contato com as novida<strong>de</strong>s. A<br />
fonte <strong>de</strong>sse fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>sprazer é a exigência feita à mente por uma<br />
percepção recente e das outras, mais comuns, distinta: “o dispêndio<br />
psíquico que ela exige, a incerteza alçada até à ansiosa expectativa que<br />
ela traz consigo”. Assim, o fato <strong>de</strong>sta prática teorizada, a psicanálise, representar uma<br />
inovação no que concerne ao saber sobre o humano já traria em si <strong>de</strong>terminada razão para<br />
que a ela se resistisse: seu cunho inovador. Além disso, após tecer alguns comentários sobre<br />
as ciências e seus avanços, Freud traz um breve histórico <strong>de</strong> seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento<br />
técnico e teórico, por exemplo, no que concerne à utilização do método catártico e a<br />
<strong>de</strong>corrente invenção da psicanálise mesma, para falar das resistências que a esta apresentou,<br />
<strong>de</strong>ntre outros, o âmbito da medicina.<br />
Em compensação, po<strong>de</strong>r-se-ia supor que a nova teoria teria muito mais probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
encontrar a boa acolhida dos filósofos, <strong>de</strong> vez que estes estavam habituados a situar<br />
conceitos abstratos (ou, como diriam as línguas malévolas, palavras nebulosas) no primeiro<br />
plano <strong>de</strong> suas explicações do universo, e seria impossível que objetassem à extensão da<br />
esfera da psicologia, para a qual a psicanálise havia preparado o caminho.<br />
Todavia, para gran<strong>de</strong> parte do campo filosófico, o funcionamento mental coinci<strong>de</strong> com a<br />
ambiência consciente, apresentando outros fatores que, mesmo parecendo escapar do<br />
domínio consciente, estariam ligados a <strong>de</strong>terminantes orgânicos ou a processos paralelos.<br />
De modo que falar, na esteira da psicanálise, que o que é mental é em si mesmo<br />
inconsciente, para muitos filósofos, torna-se uma contradição em termos. “Suce<strong>de</strong>, então,<br />
que a psicanálise nada <strong>de</strong>riva, senão <strong>de</strong>svantagens, <strong>de</strong> sua posição intermediária entre a<br />
medicina e a filosofia”. Os médicos a teriam no lugar <strong>de</strong> um sistema especulativo e se<br />
recusariam a vê-la como oriunda <strong>de</strong> verificações e experiências atinentes a aspectos<br />
perceptíveis. Já os filósofos, avaliando-a segundo os padrões <strong>de</strong> seus sistemas<br />
“artificialmente construídos”, apontariam que ela se edifica sobre premissas impossíveis,<br />
trazendo crítica concernente a seus conceitos mais gerais – “(que só agora estão em processo<br />
<strong>de</strong> evolução) carecem <strong>de</strong> clareza e precisão”.<br />
Porém, a questão não se afixa somente à esfera intelectual. As explosões <strong>de</strong> indignação,<br />
<strong>de</strong>rrisão e escárnio, <strong>de</strong>sprezando a lógica e o bom gosto, caracterizariam métodos <strong>de</strong><br />
oposição. “Uma reação <strong>de</strong>sse tipo sugere que outras resistências além <strong>de</strong> puramente<br />
intelectuais foram excitadas, e <strong>de</strong>spertadas po<strong>de</strong>rosas forças emocionais”. Aliás, segundo<br />
Freud, muitos aspectos na psicanálise seriam propícios para produzir esse tipo <strong>de</strong> reação<br />
nos homens, <strong>de</strong> efeito sobre as paixões, e não somente no que tange aos cientistas.<br />
Principalmente pela via daquele lugar muito importante na vida mental humana que é<br />
apreendido, em termos freudianos, como os instintos sexuais. Pois “a teoria psicanalítica<br />
sustentou que os sintomas das neuroses constituem satisfações substitutivas <strong>de</strong>formadas <strong>de</strong><br />
forças instintuais sexuais, das quais a satisfação direta foi frustrada por resistências<br />
internas”. Depois, ao se esten<strong>de</strong>r para além do campo clínico, a análise, aplicando-se<br />
igualmente à vida mental estabelecida como “normal”, veio a <strong>de</strong>monstrar que os<br />
componentes sexuais, passíveis <strong>de</strong> serem <strong>de</strong>sviados <strong>de</strong> seus objetos iniciais e <strong>de</strong>sse modo<br />
8
guiados para ocorrências diferentes, efetivam contribuições <strong>de</strong> alta relevância às realizações<br />
culturais dos homens e, por conseguinte, para a socieda<strong>de</strong>. Mas tais perspectivas não eram<br />
absolutamente originais. “A significação incomparável da vida sexual havia sido proclamada<br />
pelo filósofo Schopenhauer em uma passagem intensamente marcante”. Em todo caso, vale<br />
ressaltar que o conceito <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong>, para a psicanálise, não é totalmente idêntico à<br />
impulsão no senso da união dos dois sexos ou <strong>de</strong> produzir sensação prazerosa nos órgãos<br />
genitais – tal conceito mais se aproxima do Eros, a tudo incluir e preservar, apresentado, por<br />
exemplo, no Banquete <strong>de</strong> Platão.<br />
Ora, a civilização repousa sobre dois pilares: um é o controle das forças naturais, outro; a<br />
restrição <strong>de</strong> nossos instintos. Segundo Freud, o trono do governante pousa “sobre escravos<br />
agrilhoados. Entre os componentes instintuais que são assim colocados a seu serviço, os<br />
instintos sexuais, no sentido mais estrito da palavra, são conspícuos por sua força e<br />
selvageria”. Se eles se libertassem, o trono seria <strong>de</strong>rrubado e violentamente <strong>de</strong>stituído o<br />
governante. A socieda<strong>de</strong> disso estaria ciente e não permitiria o vir a lume <strong>de</strong> tal matéria.<br />
Aliás, ela nem é suficientemente or<strong>de</strong>nada ou opulenta para que o indivíduo seja<br />
compensado em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua renúncia instintual. Ao último, resta <strong>de</strong>cidir como po<strong>de</strong><br />
obter, como fruto <strong>de</strong> seu sacrifício, alguma compensação, suficiente para torná-lo apto a<br />
preservar seu equilíbrio mental.<br />
A psicanálise <strong>de</strong>svelou as fragilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa sistemática e recomendou sua alteração.<br />
“Propôs uma redução no rigor com que os instintos são reprimidos, e que<br />
correspon<strong>de</strong>ntemente se <strong>de</strong>sse mais <strong>de</strong>sempenho à veracida<strong>de</strong>”. Um montante maior <strong>de</strong><br />
satisfação <strong>de</strong>veria ser facultado a alguns impulsos instintuais em cuja repressão a socieda<strong>de</strong><br />
teria se excedido. No tocante a outros, o método inócuo <strong>de</strong> suprimi-los pela repressão<br />
<strong>de</strong>veria ser suplantado por algum procedimento, em palavras freudianas, “melhor e mais<br />
seguro”.<br />
Em resultado <strong>de</strong>ssas críticas a psicanálise é encarada como ‘inamistosa à cultura’ e foi<br />
colocada sob um anátema como ‘perigo social’. Essa resistência não po<strong>de</strong> durar para<br />
sempre. Nenhuma instituição humana po<strong>de</strong>, a longo prazo, escapar à influência da crítica<br />
legítima, contudo a atitu<strong>de</strong> dos homens para com a psicanálise ainda é dominada por esse<br />
temor, que dá livre curso às suas paixões e diminui seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> argumento lógico.<br />
Desse modo, as mais intensas resistências à psicanálise não se mostram no plano<br />
intelectual. Elas aportam <strong>de</strong> fontes emocionais. Daí, seu cunho apaixonado – sua escassez <strong>de</strong><br />
lógica. A questão obe<strong>de</strong>ceria a uma sucinta formulação: “os homens na massa se<br />
comportavam para com a psicanálise exatamente do mesmo modo que os neuróticos em<br />
particular, em tratamento perante seus distúrbios”. Todavia, por meio <strong>de</strong> paciente labor,<br />
segundo Freud, é possível convencer esses últimos <strong>de</strong> que tudo ocorreu como sustentado<br />
pelo psicanalista. Aliás, é-nos ressaltado que “nós próprios não o inventamos”, pelo<br />
contrário, suas consi<strong>de</strong>rações advêm <strong>de</strong> um estudo clínico prolongado. Já a posição <strong>de</strong><br />
estudar os homens no âmbito da massa era ao mesmo tempo assustadora e reconfortante.<br />
Assustadora pela magnitu<strong>de</strong> da tarefa. Reconfortante porque, ao cabo <strong>de</strong> tudo, realizava-se o<br />
que a psicanálise apontava como importante e válido.<br />
A maioria das supracitadas resistências se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que relevantes afetos humanos<br />
são atingidos pela temática da teoria analítica. A concepção darwiniana acerca da<br />
<strong>de</strong>scendência obteve <strong>de</strong>stino similar, conforme <strong>de</strong>rrubou a barreira altivamente erguida<br />
entre homens e animais. Isso já havia sido mencionado por Freud, por exemplo, no artigo<br />
“Uma dificulda<strong>de</strong> no caminho da psicanálise”, no que ele <strong>de</strong>monstra a perspectiva sobre a<br />
relação do ego consciente com um inconsciente irresistível como construtora <strong>de</strong> um golpe<br />
austero ante o amor-próprio humano. Descreveu-o como sendo o golpe psicológico ao<br />
narcisismo dos homens, e o comparou com o golpe biológico <strong>de</strong>sfechado pela teoria da<br />
<strong>de</strong>scendência, também ressaltando o golpe cosmológico, mais antigo, à espécie humana<br />
9
dirigido mediante a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> Copérnico. “Dificulda<strong>de</strong>s puramente externas também<br />
contribuíram para fortalecer a resistência à psicanálise. Não é fácil obter um juízo<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte sobre questões envolvidas com a análise sem a termos experimentado ou<br />
praticado em outrem”. Aliás, pouco se po<strong>de</strong> realizar sem a vivência e a <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>corrente,<br />
tornada possível, aquisição <strong>de</strong> técnica específica e <strong>de</strong>cididamente <strong>de</strong>licada. Pois é importante<br />
<strong>de</strong>stacar que a técnica só po<strong>de</strong> ser adquirida por quem a ela já se submeteu.<br />
Finalmente, com toda a reserva, po<strong>de</strong>-se levantar a questão <strong>de</strong> não ter sido possível que a<br />
personalida<strong>de</strong> do presente autor como um ju<strong>de</strong>u, que jamais procurou disfarçar o fato <strong>de</strong><br />
ser ju<strong>de</strong>u, concorresse em provocar a antipatia <strong>de</strong> seu meio ambiente para com a<br />
psicanálise. Um argumento <strong>de</strong>ssa espécie amiú<strong>de</strong> não se enuncia em voz alta; infelizmente,<br />
tornamo-nos tão <strong>de</strong>sconfiados que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar que esse fator po<strong>de</strong> não<br />
ter estado inteiramente sem <strong>de</strong>feito. Talvez sequer seja inteiramente um item do acaso que<br />
o primeiro advogado da psicanálise fosse um ju<strong>de</strong>u. Professar crença nessa nova teoria<br />
teria exigido <strong>de</strong>terminado grau <strong>de</strong> aptidão a aceitar uma situação <strong>de</strong> oposição solitária –<br />
situação com a qual ninguém está mais familiarizado do que um ju<strong>de</strong>u.<br />
Para Freud e, ao que tudo indica, também para seus opositores, seu contexto étnico não<br />
constitui assunto banal.<br />
Na esteira da reflexão apresentada, em apêndice ao artigo mencionado, o tradutor inglês<br />
das obras <strong>de</strong> Freud, o psicanalista James Strachey, apresenta que o inventor da psicanálise,<br />
em suas últimas elaborações, para se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r das críticas ao se apoiar no estofo <strong>de</strong> uma<br />
autorida<strong>de</strong> intelectual e filosófica, promove muitas alusões à importância concedida por<br />
Arthur Schopenhauer ao valor e força da sexualida<strong>de</strong>. Ele se referia a uma comovente<br />
passagem do filósofo alemão, <strong>de</strong> palavras, como qualificava, impressivas e intensas. Strachey<br />
reproduz o possível trecho que Freud teria em mente, ressaltando que o mesmo constituiria<br />
matéria <strong>de</strong> interesse. O excerto exposto fala do <strong>de</strong>sejo sexual como diferente <strong>de</strong> qualquer<br />
outro, concluindo com a paixão sexual vista como a mais perfeita manifestação da vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> viver – e todos os outros <strong>de</strong>sejos do homem nisso confluiriam. Portanto, torna-se<br />
plausível falar <strong>de</strong> uma influência <strong>de</strong> Schopenhauer sobre Freud <strong>de</strong> maneira muito explícita,<br />
no tocante à teoria da sexualida<strong>de</strong> e a primazia do <strong>de</strong>sejo sexual como constituinte basilar<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento e condição do homem. No entanto, este trabalho ambiciona aumentar o<br />
foco da reflexão sobre tal relação <strong>de</strong> pensadores ao comparar a metafísica <strong>de</strong> Schopenhauer<br />
com a metapsicologia do inventor da psicanálise, mais especificamente, ao apresentar e<br />
mostrar afinida<strong>de</strong>s entre o conceito <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, do filósofo alemão, e a acepção freudiana <strong>de</strong><br />
inconsciente. Isso será feito ao se levar em conta a primeira e segunda tópicas do analista<br />
em tela para possibilitar questionamentos e reflexões sobre a magnitu<strong>de</strong> da influência<br />
estabelecida em sua obra pela leitura <strong>de</strong> Schopenhauer.<br />
Com esse intuito, estabeleceremos, primeiramente, a apresentação do conceito filosófico.<br />
Depois, falaremos da primeira e segunda tópicas no conjunto da obra <strong>de</strong> Freud para, assim,<br />
visualizar comparações entre a concepção do aparelho mental e, por conseguinte, <strong>de</strong><br />
inconsciente com a visão cosmológica schopenhauriana.<br />
SCHOPENHAUER | Em sua obra máxima, O mundo como vonta<strong>de</strong> e como representação, o<br />
filósofo alemão Arthur Schopenhauer, mediante a seção intitulada “Livro segundo: do<br />
mundo como vonta<strong>de</strong> – Primeira consi<strong>de</strong>ração: a objetivação da vonta<strong>de</strong>”, começa a nos<br />
apresentar sua metafísica, após ter efetivado uma incursão epistemológica na seção<br />
prece<strong>de</strong>nte, Livro primeiro, ao consi<strong>de</strong>rar a representação apenas enquanto tal, <strong>de</strong> acordo<br />
com sua forma unânime. Naquilo que diz respeito à “representação abstrata, o conceito, este<br />
também foi conhecido segundo seu conteúdo, na medida em que possui substância e<br />
significação exclusivamente em referência à representação intuitiva, sem a qual seria<br />
<strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> valor e consistência”. Então, pelo “Livro segundo...”, voltando-nos totalmente à<br />
10
epresentação intuitiva, segundo Schopenhauer, tornar-se-ia plausível conhecer seu teor,<br />
suas mais exatas <strong>de</strong>terminações e as figuras que nos faz vislumbrar.<br />
Esse filósofo sustenta que sujeito e objeto se amalgamam, que todo objeto pressupõe, em<br />
todo caso, um sujeito e, assim, permanece como representação. E isso se refere à<br />
configuração mais geral da última – a cisão entre sujeito e objeto. A<strong>de</strong>mais, o princípio <strong>de</strong><br />
razão “é apenas forma da representação, isto é, a ligação regular <strong>de</strong> uma representação com<br />
outra, em vez <strong>de</strong> a ligação <strong>de</strong> toda a série (finita ou sem fim) das representações com algo<br />
que não mais seria representação, portanto não mais po<strong>de</strong>ndo ser representado”. Destarte,<br />
após comentar como vários campos da ciência trabalham com as relações entre as<br />
representações, no âmbito <strong>de</strong>las, ou seja, conforme preenchem o tempo e o espaço,<br />
Schopenhauer traz que aquilo a impelir sua investigação é a não satisfação sobre saber-se<br />
<strong>de</strong>ssas conexões – cuja expressão geral sempre é o princípio <strong>de</strong> razão. Mais do que isso,<br />
almeja-se conhecer a significação subjacente a tais processos. Pergunta-se se o mundo não<br />
seria algo outro que o complemente – e qual seria a natureza disso? Qual o conteúdo último<br />
(a essência cosmológica) que ainda não teria sido <strong>de</strong>vidamente encontrado sob todos os<br />
fenômenos, sob o véu ilusivo das relações causais que são meras consequências do princípio<br />
<strong>de</strong> razão? Certamente, aquilo que se investiga é algo, em consonância com seu cerne,<br />
totalmente à parte da representação, tendo, nessa via, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfalcar-se integralmente às suas<br />
formas e leis. Por conseguinte, não é plausível atingi-lo partindo-se da própria representação,<br />
conforme o fio condutor das leis que simplesmente vinculam objetos, ou seja,<br />
representações entre si, que constituem as figuras do princípio <strong>de</strong> razão. Na letra <strong>de</strong><br />
Schopenhauer,<br />
vemos, pois, que <strong>DE</strong> FORA jamais se chega à essência das coisas. Por mais que se<br />
investigue, obtêm-se tão-somente imagens e nomes. Assemelhamo-nos a alguém girando<br />
em torno <strong>de</strong> um castelo, <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> procurando sua entrada, e que <strong>de</strong> vez em quando<br />
<strong>de</strong>senha as fachadas. No entanto, este foi caminho seguido por todos os filósofos que me<br />
antece<strong>de</strong>ram.<br />
Mas, em tal caso, on<strong>de</strong> procurar o que a tudo subjaz? Nosso corpo se enraíza neste<br />
mundo, “encontra-se nele como INDIVÍDUO, isto é, seu conhecimento, sustentáculo<br />
condicionante do mundo inteiro como representação, é no todo intermediado por um corpo,<br />
cujas afecções, como se mostrou, são para o entendimento o ponto <strong>de</strong> partida da intuição do<br />
mundo”. Esse corpo é para o sujeito cognoscente <strong>de</strong>terminado fenômeno como qualquer<br />
outro, objeto entre objetos. Mas não somente. Ele é dado <strong>de</strong> duas maneiras em absoluto<br />
distintas: como representação na intuição relativa ao entendimento, qual objeto entre<br />
objetos e submetido às leis dos mesmos. E no âmbito daquilo imediatamente apreendido por<br />
cada um e apontado pelo termo “vonta<strong>de</strong>”. Antes, a palavra do enigma é concedida ao<br />
sujeito do conhecimento que emerge como indivíduo. “Tal palavra se chama VONTA<strong>DE</strong>. Esta,<br />
e tão-somente esta, fornece-lhe a chave para seu próprio fenômeno, manifesta-lhe a<br />
significação, mostra-lhe a engrenagem interior <strong>de</strong> seu ser, <strong>de</strong> seu agir, <strong>de</strong> seus movimentos”.<br />
Ação do corpo e ato da vonta<strong>de</strong> não se diferenciam, mesmo aparecendo no terreno da<br />
causalida<strong>de</strong>, nem mesmo se acham na relação <strong>de</strong> causa e efeito, são uma e mesma coisa,<br />
imediatamente e no plano da intuição. Ou seja: a ação do corpo constitui o ato da vonta<strong>de</strong><br />
objetivado, que vem a aparecer na intuição. Nesse sentido, todo o corpo não passa <strong>de</strong><br />
vonta<strong>de</strong> objetivada – por essa via tornando-se representação. Corpo; “objetida<strong>de</strong>” da<br />
vonta<strong>de</strong>. Igualmente, é passível <strong>de</strong> se estabelecer: a vonta<strong>de</strong> é o conhecimento a priori<br />
relativo ao corpo, e este se torna o conhecimento a posteriori da mesma. Por conseguinte,<br />
avança-se na reflexão percebendo que<br />
apenas a execução estampa a <strong>de</strong>cisão, que até então não passa <strong>de</strong> propósito cambiável,<br />
existente apenas in abstracto na razão. Só na reflexão o querer e o agir se diferenciam; na<br />
11
efetivida<strong>de</strong> são uma única e mesma coisa. Todo ato verda<strong>de</strong>iro, autêntico, imediato da<br />
vonta<strong>de</strong> é também simultânea e imediatamente ato fenomênico do corpo (...) No entanto, é<br />
totalmente incorreto <strong>de</strong>nominar a dor e o prazer representações, o que <strong>de</strong> modo algum<br />
são, mas afecções imediatas da vonta<strong>de</strong> em seu fenômeno, o corpo, vale dizer, um querer<br />
ou não-querer impositivo e instantâneo sofrido por ele.<br />
O conhecimento <strong>de</strong> minha vonta<strong>de</strong> não se separa do meu conhecimento corporal. Logo, o<br />
corpo é via para o conhecimento daquela – não é possível a representar sem representá-lo.<br />
Como objeto, conforme conheço minha vonta<strong>de</strong> propriamente dita, apreendo-a enquanto<br />
corpo. Trata-se do conhecimento mais imediato. O filósofo brasileiro Roberto Machado<br />
(20<strong>06</strong>), no volume O nascimento do trágico: <strong>de</strong> Schiller a Nietzsche, ressalta que o ponto <strong>de</strong><br />
partida schopenhauriano para formular sua sistematização é que não é <strong>de</strong> fora o movimento<br />
a se realizar para atingir a essência das coisas, a coisa-em-si, mas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, do interior do<br />
homem. Fala-se mesmo <strong>de</strong> uma ambivalência <strong>de</strong> Schopenhauer em relação à tese kantiana,<br />
no sentido <strong>de</strong> que a representação não seria ultrapassável nas vias do conhecimento<br />
objetivo; permanecer-se-á ao lado externo, sem acesso ao íntimo: o que as coisas são em si e<br />
para si. Pois não somos somente o sujeito que conhece, mas também nos vinculamos à<br />
categoria das coisas a serem conhecidas. Abarcamos a coisa-em-si. Porém, o conhecimento<br />
subjetivo, a experiência interna, não formula um saber acerca do próprio sujeito. Apoiandose<br />
na noção <strong>de</strong> que a consciência <strong>de</strong> nós mesmos traz um elemento cognoscente e outro a<br />
ser conhecido, e <strong>de</strong> que, portanto, o sujeito cognoscente não seria conhecível enquanto<br />
adquire e elabora saber, mas somente se fosse o objeto conhecido <strong>de</strong> outro sujeito<br />
cognoscente, “Schopenhauer conclui que o elemento conhecido na consciência <strong>de</strong> nós<br />
mesmos é a vonta<strong>de</strong>, os impulsos e as modificações da vonta<strong>de</strong>”. De modo que o objeto, a<br />
matéria do tomar consciência internamente seria a vonta<strong>de</strong> – isso fazendo a experiência<br />
interna se relacionar diretamente a um conhecimento sobre o querer. “O ser do fenômeno é<br />
sentido, experimentado, vivido. Se a vonta<strong>de</strong> é conhecida é porque eu a sinto em mim, é<br />
porque tenho uma compreensão íntima, uma experiência interna, uma consciência <strong>de</strong>la em<br />
mim”. Assim, para o filósofo, na <strong>de</strong>scrita circunstância, seria estabelecida uma verda<strong>de</strong><br />
filosófica:<br />
A expressão da mesma po<strong>de</strong> ser dita <strong>de</strong> diversas maneiras: meu corpo e minha vonta<strong>de</strong> são<br />
uma coisa só; ou, o que como representação intuitiva <strong>de</strong>nomino meu corpo, por outro lado<br />
<strong>de</strong>nomino minha vonta<strong>de</strong>, visto que estou consciente <strong>de</strong>le <strong>de</strong> maneira completamente<br />
diferente, não comparável com nenhuma outra; ou, meu corpo é a objetida<strong>de</strong> da minha<br />
vonta<strong>de</strong>; ou, abstraindo-se o fato <strong>de</strong> que meu corpo é minha representação, ele é apenas<br />
minha vonta<strong>de</strong> etc.<br />
Já os outros objetos são diferentes, não abrangendo simultaneamente vonta<strong>de</strong> e<br />
representação, são meras representações, “meros fantasmas”.<br />
Mas, como operaria essa vonta<strong>de</strong>? Como <strong>de</strong>screvê-la? Ora, toda a essência <strong>de</strong> meu querer<br />
não é elucidável por razões, motivos – estes <strong>de</strong>terminam apenas sua fenomenização em<br />
algum lugar temporal. Trata-se da ocasião mediante a qual a vonta<strong>de</strong> se <strong>de</strong>svela. Se a<br />
essência <strong>de</strong> meu querer não é explicável por razões – elas <strong>de</strong>terminam exclusivamente sua<br />
exteriorização em certo ponto temporal, são somente a ocasião na qual, como veremos mais<br />
<strong>de</strong>talhadamente, a própria essência cosmológica permeia os fenômenos. Ao passo que, no<br />
entanto, se alguém se propõe a tentar abstrair seu caráter e perguntar o porquê geral <strong>de</strong><br />
querer isso e não aquilo, nenhuma resposta <strong>de</strong>finitiva é possível. Enfim, apenas o fenômeno<br />
da vonta<strong>de</strong> está submetido ao princípio <strong>de</strong> razão – não ela própria, que é para ser<br />
<strong>de</strong>nominada sem-fundamento.<br />
“Em confirmação <strong>de</strong> tudo isso, recor<strong>de</strong>-se que toda ação sobre o corpo afeta simultânea e<br />
imediatamente a vonta<strong>de</strong> e, nesse sentido, chama-se dor ou prazer, ou, em graus menores,<br />
12
sensação agradável ou <strong>de</strong>sagradável”. Contrariamente, todo movimento forte <strong>de</strong>la, <strong>de</strong>starte<br />
todo afeto e paixão, abala o corpo e perturba seu fluxo funcional. Em termos gerais, cada<br />
consi<strong>de</strong>ração etiológica só po<strong>de</strong> oferecer a posição necessariamente estabelecida em tempo e<br />
espaço <strong>de</strong> certo fenômeno, ou seja, seu necessário <strong>de</strong>spontar em acordo com uma regra fixa.<br />
Mas, nessa via, a essência íntima do fenômeno se mantém infundada, sendo pressuposta<br />
pelas explanações etiológicas e, daí, só indicada por alguma expressão como “força”, “lei<br />
natural” ou, enquanto ações, “caráter”, “vonta<strong>de</strong>”, aqui na acepção do senso comum, <strong>de</strong> mera<br />
<strong>de</strong>manda. Aquela essência íntima infundada, a vonta<strong>de</strong> schopenhauriana, torna-se visível<br />
pelo seu manifestar-se como mundo dos fenômenos. Em <strong>de</strong>corrência, o processo no qual e<br />
pelo qual subsiste o corpo não constitui outra coisa a não ser fenômeno da vonta<strong>de</strong>,<br />
objetida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la. Aí se calca a perfeita conformação do corpo humano e do animal à vonta<strong>de</strong><br />
humana e animal: numa alçada teleológica, “<strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista, as partes do corpo têm <strong>de</strong><br />
correspon<strong>de</strong>r perfeitamente às principais solicitações pelas quais a vonta<strong>de</strong> se manifesta,<br />
têm <strong>de</strong> ser a sua expressão visível”.<br />
Para aquele que por meio <strong>de</strong> todas as consi<strong>de</strong>rações também veio a ser in abstracto<br />
evi<strong>de</strong>nte e correto que aquilo que cada um apresenta in concreto imediatamente como<br />
sentimento, isto é, a essência em si do fenômeno mesmo – apresentando-se na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
representação, seja nas ações ou no substrato <strong>de</strong>las, o corpo, é a vonta<strong>de</strong> que se encontra no<br />
mais imediato <strong>de</strong> sua consciência. “Porém, como tal, sem aparecer completamente na forma<br />
<strong>de</strong> representação, na qual objeto e sujeito se contrapõem, mas dando sinal <strong>de</strong> si <strong>de</strong> modo<br />
imediato, em que sujeito e objeto não se diferenciam nitidamente”. A vonta<strong>de</strong> não aparece<br />
em seu todo, mas apresenta-se ao indivíduo à custa <strong>de</strong> atos isolados. Para Schopenhauer,<br />
quem alcançou essa convicção, alcançará, com ele, certa chave para a compreensão da mais<br />
profunda essência <strong>de</strong> toda a natureza, pois a transmitirá a todos os fenômenos que não lhe<br />
são dados, portanto, não são como seu corpo próprio – em cognoscibilida<strong>de</strong> mediata e<br />
imediata, mas só lhe aparecem <strong>de</strong> forma mediata, <strong>de</strong>sse modo, apenas parcialmente,<br />
enquanto representação. Assim, será possível vislumbrar que a vonta<strong>de</strong> não é essência<br />
íntima somente dos fenômenos similares ao homem que realiza a compreensão, como<br />
outros homens e animais; avante a esse estado, a reflexão prosseguida levará ao<br />
reconhecimento <strong>de</strong> que, igualmente, a força que palpita e vegeta na planta, a força que<br />
configura o cristal,<br />
que gira a agulha magnética para o pólo norte, que irrompe do choque <strong>de</strong> dois materiais<br />
heterogêneos, que aparece nas afinida<strong>de</strong>s eletivas dos materiais como atração e repulsão,<br />
sim (...) tudo isso é diferente apenas no fenômeno, mas conforme sua essência em si é para<br />
se reconhecer como aquilo conhecido imediatamente <strong>de</strong> maneira tão íntima e melhor que<br />
qualquer outra coisa e que, ali on<strong>de</strong> aparece do modo mais nítido, chama-se VONTA<strong>DE</strong>.<br />
Essa coisa-em-si (e utilizamos tal termo técnico na medida em que Schopenhauer mantém<br />
a expressão kantiana como “fórmula <strong>de</strong>finitiva”) possui como o mais perfeito <strong>de</strong> seus<br />
fenômenos (mais nítido, <strong>de</strong>senvolvido, diretamente elucidado pelo conhecimento)<br />
precisamente a vonta<strong>de</strong> que se expressa no homem. De todos os fenômenos, ao ser essência.<br />
“Ora, o conhecimento do idêntico em fenômenos diferentes, e do diferente em fenômenos<br />
semelhantes, é justamente, como Platão amiú<strong>de</strong> observa, a condição da filosofia”. Mas,<br />
mesmo em se tratando <strong>de</strong> realizar um exercício filosófico, utilizando-se da faculda<strong>de</strong><br />
racional – somente o fenômeno mais nítido da vonta<strong>de</strong>, Schopenhauer não atinge a verda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> seu sistema pelo exclusivo uso <strong>de</strong> conceitos e teias argumentativas, situando-se no<br />
exercício da lógica e das estruturações retóricas próprias da edificação da filosofia, apoia-se<br />
num plano para além disso, conce<strong>de</strong>ndo lugar àquilo que, por si mesmo, revela-se <strong>de</strong><br />
imediato: o termo “vonta<strong>de</strong>” <strong>de</strong> maneira alguma aponta para qualquer <strong>de</strong>sconhecida<br />
gran<strong>de</strong>za, atingível mediante alguma ca<strong>de</strong>ia silogística, mas remete a algo conhecido por<br />
inteiro – imediatamente – e conhecido <strong>de</strong> modo que a compreen<strong>de</strong>mos melhor do que<br />
13
qualquer outra coisa. Ele pensa cada força na natureza, inclusive no âmbito humano, como<br />
vonta<strong>de</strong>. Contudo, vale ressaltar que, em termos <strong>de</strong> uma conceituação mais rigorosa, o<br />
conceito <strong>de</strong> força é abstraído do campo em que regem causa e efeito, coligando-se à<br />
representação intuitiva, e diz respeito ao “ser-causa” da causa: “ponto este além do qual<br />
nada é etiologicamente mais explicável e no qual se encontra o pressuposto necessário <strong>de</strong><br />
toda explanação etiológica”. O conceito <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma distinta, é o único que não se<br />
origina do fenômeno. Não advém da mera representação intuitiva. Surge da interiorida<strong>de</strong>, da<br />
imediata consciência do indivíduo mesmo, on<strong>de</strong> este se conhece o mais diretamente,<br />
tangendo sua própria essência, <strong>de</strong>spindo-se <strong>de</strong> todas as formas, inclusive as <strong>de</strong> sujeito e<br />
objeto, já que, nesse âmbito, quem conhece afina-se com o que é conhecido. Se subsumirmos<br />
o conceito <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> ao <strong>de</strong> força, “renunciamos ao único conhecimento imediato que temos<br />
da essência íntima do mundo: fazemos tal conhecimento se dissipar num conceito abstraído<br />
do fenômeno, com o qual nunca po<strong>de</strong>remos ir além <strong>de</strong>ste último”. A vonta<strong>de</strong> qual coisa-emsi<br />
é em absoluto diversa <strong>de</strong> seu fenômeno, totalmente à parte das formas <strong>de</strong>le – mas ela as<br />
penetra conforme se manifesta.<br />
Servindo-se da escolástica, Schopenhauer abarca tempo e espaço na expressão principium<br />
individuationis. “Tempo e espaço são os únicos pelos quais aquilo que é uno e igual<br />
conforme a essência e o conceito aparece como principium individuationis” – fonte <strong>de</strong> várias<br />
reflexões sofisticadas e querelas entre os escolásticos. Já a vonta<strong>de</strong> é una, mas não no<br />
sentido <strong>de</strong> singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado objeto, cuja unida<strong>de</strong> apenas se dá em oposição à<br />
pluralida<strong>de</strong> plausível, muito menos é una qual conceito, cuja unida<strong>de</strong> nasce apenas mediante<br />
a abstração da pluralida<strong>de</strong>. Não se insere na pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisas que coexistem e se<br />
suce<strong>de</strong>m. Logo, tempo e espaço são <strong>de</strong>terminada extremida<strong>de</strong>, alastrando-se no que<br />
concerne ao plano meramente físico, enquanto a vonta<strong>de</strong> se constitui una enquanto aquilo<br />
que se encontra apartado do tempo e do espaço, externo ao principium individuationis, digase,<br />
da possibilida<strong>de</strong> da pluralida<strong>de</strong>.<br />
No tocante ao fenômeno humano, aos atos do homem, vemos que eles não são livres. O<br />
homem, só a posteriori, pela experiência, percebe, para seu espanto, não ser livre, mas<br />
dominado pela necessida<strong>de</strong>. “Percebe que, apesar <strong>de</strong> todos os propósitos e reflexões, não<br />
muda sua conduta, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início até o fim <strong>de</strong> sua vida tem <strong>de</strong> conduzir o mesmo caráter<br />
por ele próprio execrado e, por assim dizer, <strong>de</strong>sempenhar até o fim o papel que lhe coube”.<br />
Exatamente a essência que em nós segue seus fins sob a luz do conhecimento, na mais sutil<br />
fenomenização, esforça-se <strong>de</strong> modo cego, silencioso, unilateral, invariável. Sob todo o<br />
cosmos, ela é mesma e una. Assim como “os primeiros raios da aurora e os intensos raios do<br />
meio-dia têm o mesmo nome <strong>de</strong> luz do sol, assim também cada um dos aqui mencionados<br />
casos têm <strong>de</strong> levar o nome <strong>de</strong> VONTA<strong>DE</strong>, que <strong>de</strong>signa o ser em si <strong>de</strong> cada coisa no mundo,<br />
sendo o único núcleo dos fenômenos”.<br />
Dos mais tênues aos mais nítidos acontecimentos, po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar a relação existente<br />
entre a coisa-em-si e a sua manifestação, noutros termos, trata-se <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o mundo<br />
como vonta<strong>de</strong> e o mundo como representação – a partir <strong>de</strong> Kant; tempo, espaço e<br />
causalida<strong>de</strong>: modos <strong>de</strong> intuição do sujeito ou qualida<strong>de</strong>s do objeto como objeto; para Kant,<br />
fenômeno, isto é, representação. Desse modo, se os objetos <strong>de</strong>spontam em tais formas, não<br />
<strong>de</strong>vem ser fantasmas inócuos. Mas, se possuem significação, então teriam <strong>de</strong> ser<br />
manifestação <strong>de</strong> algo que já não é, como eles próprios, representação, objeto meramente<br />
relativo e diante <strong>de</strong> certo sujeito. Fala-se <strong>de</strong> algo que se dá in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> alguma<br />
condição essencial e <strong>de</strong> formas contrapostas a si. Esse algo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser representação,<br />
ocupa o status <strong>de</strong> coisa-em-si, [...] “aquilo que no fenômeno NÃO é condicionado por tempo,<br />
espaço e causalida<strong>de</strong>, nem é remissível a eles, muito menos explanável a partir <strong>de</strong>les, é<br />
justamente aquilo pelo qual o que aparece, a coisa-em-si, dá sinal <strong>de</strong> si imediatamente”. O<br />
filósofo brasileiro Deyve Redyson, em seu livro Dossiê Schopenhauer, propõe que apesar <strong>de</strong><br />
toda or<strong>de</strong>nação, característica do campo da consciência, <strong>de</strong> toda regularida<strong>de</strong>, que parece<br />
fazer do âmbito da representação o lugar da verda<strong>de</strong>, tudo seria um sonho sem substância<br />
14
se não se engendrasse algo fundamental, metafisicamente subjazendo: o plano da vonta<strong>de</strong>.<br />
Afinal, como comenta Redyson, o mundo para Schopenhauer é, sobretudo, a vonta<strong>de</strong>.<br />
Mas como perceber a realida<strong>de</strong> atrás das aparências, que existe fora do espaço e do<br />
tempo? Segundo Schopenhauer, é por intermédio do corpo que se tem acesso a essa<br />
realida<strong>de</strong> mais íntima. É por intermédio do corpo que o homem tem a consciência interna<br />
<strong>de</strong> que ele é vonta<strong>de</strong>, um “em si”.<br />
Porém, não se trata do corpo visto <strong>de</strong> fora, no espaço e tempo, não na condição <strong>de</strong><br />
objetivação da vonta<strong>de</strong> (representação), mas no que tangencia o que é imediatamente<br />
vivenciado em nossa esfera afetiva. Isso se dá na alternância entre dores e prazeres,<br />
inacessibilida<strong>de</strong>s e satisfações, <strong>de</strong>cepções e <strong>de</strong>sejos; aí, a vonta<strong>de</strong> é captável como essência e<br />
princípio do mundo, inclusive <strong>de</strong> nós mesmos, “como querer sem dono, transindividual,<br />
cego e sem razão, em sua tenebrosa e abismal perpetuação”.<br />
É força que age na natureza e <strong>de</strong>sejo que mobiliza o homem. Porém, antes <strong>de</strong> se objetivar<br />
em inumeráveis fenômenos, <strong>de</strong> se expressar pelas vias da pluralida<strong>de</strong> dos indivíduos, ela se<br />
objetiva mediante formas eternas, invariáveis, fora do tempo e espaço. Schopenhauer, então,<br />
fala das i<strong>de</strong>ias platônicas – arquétipos das coisas que nos circundam, são as primevas<br />
manifestações do querer, realida<strong>de</strong>s medianas entre a unicida<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> e a<br />
multiplicação individual. A i<strong>de</strong>ia platônica, para o filósofo alemão, já constitui objeto: é<br />
representação e, assim, difere da coisa-em-si, mas extraindo-se <strong>de</strong>la. A i<strong>de</strong>ia ainda não<br />
entrou nas proprieda<strong>de</strong>s do principium individuationis, contudo, po<strong>de</strong> ser objeto para um<br />
sujeito, pois obtém forma, apresentando então a condição primeira e mais universal para ser<br />
consi<strong>de</strong>rada representação. Ao aproximar “o enunciado kantiano ao platônico, Schopenhauer<br />
mostra que, graças ao tempo, espaço, causalida<strong>de</strong> e dispositivos do intelecto humano, ‘o ser<br />
único <strong>de</strong> qualquer espécie’, ‘a essência genérica dos objetos naturais’, se apresenta como<br />
multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seres da mesma espécie”. Em sucessão infinita, incessante nascer e<br />
perecer. Para tentar saciar seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vida, a essência cosmológica se dissemina em tantas<br />
parcelas que constituiriam a ambiência fenomênica, todavia, mesmo no menor e mais<br />
remoto <strong>de</strong>sses fragmentos, conservaria sua unida<strong>de</strong>. Em seu movimento insaciável, mor<strong>de</strong> a<br />
própria carne: “o mundo vegetal serve <strong>de</strong> alimento para o mundo animal, este, <strong>de</strong> presa e<br />
alimento para outro animal, e, assim, a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida não cessa <strong>de</strong> <strong>de</strong>vorar a si mesma”. O<br />
homem vê tudo que existe como algo que possa ou <strong>de</strong>va servi-lo, contribuindo, <strong>de</strong>sse modo,<br />
para pôr mais engrenagens no que constitui a luta <strong>de</strong> todos contra todos. A<strong>de</strong>mais, a vida<br />
social é habitada por egoísmos rivais, com a satisfação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado indivíduo a causar o<br />
sofrimento <strong>de</strong> outro. Conclui-se que o egoísmo abarca uma atitu<strong>de</strong> natural <strong>de</strong> um ente diante<br />
<strong>de</strong> outro. Nesse caso, como saber o que valem moralmente os homens? Basta ter em conta<br />
seu <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> sofrimento e dor inesgotável.<br />
A noção inaugural do pessimismo filosófico é atribuída ao filósofo em foco, <strong>de</strong>vido à sua<br />
obra que trabalha uma metafísica do pessimismo ao compreen<strong>de</strong>r que o mundo é<br />
representação ilusória da realida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificada com a <strong>de</strong>scrita vonta<strong>de</strong>. “O pessimismo<br />
schopenhauriano tem duas teses: 1) para cada indivíduo teria sido melhor não existir, 2) o<br />
mundo como todo é o pior dos mundos possíveis”. A mera presença do mal no mundo o<br />
tornaria algo cuja inexistência é preferível à expressão. Ele interpreta a fé cristã mesma<br />
como uma necessida<strong>de</strong>, não sendo favorável ao otimismo, afinal, nos evangelhos as<br />
concepções sobre o mundo e o mal são constantemente usadas como sinônimos, qual<br />
acontece com o amor e a <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> morrer por ele. Nessa esteira, o mundo só po<strong>de</strong>ria<br />
ser suportado ao ser transmudado em fenômeno estético.<br />
Nas palavras do escritor Rüdiger Safranski, em sua obra Schopenhauer e os anos mais<br />
selvagens da filosofia, foi este o primeiro a conce<strong>de</strong>r à estética um valor filosófico assim tão<br />
culminante, tal como nenhum outro filósofo antes <strong>de</strong>le lhe conferira. “Uma filosofia que não<br />
preten<strong>de</strong> explicar o mundo, mas somente informar a respeito <strong>de</strong>le, enten<strong>de</strong>r o que o mundo<br />
15
ealmente é e o que significa, segundo o próprio Schopenhauer, somente se po<strong>de</strong> originar da<br />
experiência estética do mundo”. Em <strong>de</strong>corrência do seguinte:<br />
...somente a arte consegue arrancar da corrente dos acontecimentos mundanos (Weltlauf) o<br />
objeto contemplado e mantê-lo isolado diante <strong>de</strong> si; e esta “coisa isolada” (Einzelne), que<br />
antes não era senão uma parte transitória e evanescente da corrente, se converte agora<br />
em uma representante do todo, um equivalente daquilo que, no espaço e no tempo, é uma<br />
“multidão sem fim” (endlich Viele): somente a arte consegue fixar este objeto singular e<br />
nele <strong>de</strong>ter a roda do tempo; as relações <strong>de</strong>saparecem para ele, seu objeto é somente o<br />
essencial, apenas a i<strong>de</strong>ia (das Wesentliche, die I<strong>de</strong>e) – po<strong>de</strong>mos portanto caracterizar a arte<br />
como sendo “a maneira <strong>de</strong> encarar as coisas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do princípio da razão”<br />
(die Betrachtungsart <strong>de</strong>r Dingeunabhängig vom Satze dês Grun<strong>de</strong>s), em contraposição ao<br />
tipo <strong>de</strong> raciocínio que segue atrás <strong>de</strong> razões e consequências e que constitui o caminho<br />
natural da experiência e da ciência.<br />
Em todo caso, a proposta do filósofo é a <strong>de</strong> que o homem não se livre dos pungentes<br />
apelos da vonta<strong>de</strong> que nele opera e o impele somente nos momentos <strong>de</strong> contemplação<br />
estética. Influenciado pelo Budismo e pelo Hinduísmo, no que ambos trazem, por exemplo,<br />
sobre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes da entrega ao exercício da meditação, acredita que o<br />
melhor que o ser humano po<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>r, diante da absurdida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>sejo e do pior dos<br />
mundos possíveis, é buscar suprimir a vonta<strong>de</strong>, extraviar-se do âmbito do querer. Contudo,<br />
ele não sugere que “seja possível produzir a negação da vonta<strong>de</strong> simplesmente por meio <strong>de</strong><br />
uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>liberada, não tem a menor intenção <strong>de</strong> mediar magicamente (hervorzaubern)<br />
tal negação mediante a aplicação <strong>de</strong> conceitos”. Antes, trata-se <strong>de</strong> torná-la inteligível no<br />
plano conceitual da metafísica da vonta<strong>de</strong>. Nesse plano, é um acontecimento da última sua<br />
negação. Até porque a imanência radical <strong>de</strong>ssa metafísica torna impossível a ingerência <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>res superiores sobrenaturais. Ao preten<strong>de</strong>r ser o único her<strong>de</strong>iro legítimo do pensar<br />
kantiano, consi<strong>de</strong>rando nulas as posturas <strong>de</strong> Fichte, Schelling e Hegel, Schopenhauer é,<br />
segundo Roberto Machado, antes mesmo <strong>de</strong> Nietzsche, o primeiro a achacar a metafísica<br />
pela primazia que ela conce<strong>de</strong> à Razão. Isso Machado afirma encontrar em certos<br />
comentadores. “Consi<strong>de</strong>rando Schopenhauer o último i<strong>de</strong>alista alemão, Alexis Philonenko<br />
ressalta que ele se distingue dos outros i<strong>de</strong>alistas na medida em que rompe com a teologia e<br />
com a imortalida<strong>de</strong> da alma”. Assim, se a vonta<strong>de</strong> a tudo constitui, não po<strong>de</strong>rá ser negada a<br />
não ser por si mesma. Para um metafísico da vonta<strong>de</strong>, sua negação somente é pensável sem<br />
qualquer influência adicional, por exemplo, <strong>de</strong> Deus, Espírito, ou como Sua expressão. Antes,<br />
é apreendida como uma autossupressão.<br />
Nos Fragmentos sobre a história da filosofia, o próprio Schopenhauer ainda avulta que a<br />
relação dos filósofos com a teologia apresenta algumas nuances importantes para a esfera<br />
das consi<strong>de</strong>rações conceituais: o panteísmo, por exemplo, adotado por vários pensadores<br />
relevantes, como no caso <strong>de</strong> Baruch <strong>de</strong> Espinoza, é uma noção que se anula. Uma condição<br />
para o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>us é o estabelecimento <strong>de</strong> seu correlato essencial – um mundo <strong>de</strong>le<br />
diferente. “Por outro lado, se o mundo em si tiver <strong>de</strong> assumir seu papel, permanecerá<br />
precisamente um mundo absoluto, sem Deus. Por essa razão, o panteísmo é apenas um<br />
eufemismo para ateísmo”. Mesmo assim, a hipótese <strong>de</strong> uma causa à parte do mundo, <strong>de</strong>le<br />
distinta, não chega a configurar <strong>de</strong> fato um teísmo. “Esse requer não apenas uma causa do<br />
mundo diferente do mundo, mas uma causa inteligente, ou seja, cognoscente e volitiva e,<br />
portanto, pessoal e individual. Somente uma causa assim é <strong>de</strong>signada com o nome <strong>de</strong> Deus”.<br />
Algo impessoal não é uma divinda<strong>de</strong>, mas um falso conceito; contradictio in adjecto. De<br />
qualquer forma, po<strong>de</strong>ríamos, na trilha kantiana, chamar o teísmo <strong>de</strong> certo postulado prático,<br />
contudo <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>stacada da por ele inferida. Pois se trata não <strong>de</strong> um produto do<br />
conhecimento; mas da vonta<strong>de</strong> mesma. “Se fosse originalmente TEORÉTICO, como todas as<br />
suas provas po<strong>de</strong>riam ser tão insustentáveis?” Até mesmo todo aquele que busca<br />
16
ecompensa por sua ação, neste ou num mundo porvir, é um egoísta: se vier a lhe escapar a<br />
recompensa mirada, pouco vai lhe importar se isso ocorre pela absurdida<strong>de</strong> que prevalece<br />
neste mundo ou pelo vácuo ilusivo que o mundo futuro lhe arquitetou. “Por essa razão, na<br />
verda<strong>de</strong>, a teologia moral <strong>de</strong> Kant também sepulta a moral”.<br />
Aliás, num plano <strong>de</strong> discussão sobre a moral, ou seja, em terreno da ética, a afirmação <strong>de</strong><br />
autonomia, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ente significaria que o mesmo possui existência; mas on<strong>de</strong><br />
figuraria sua essência? Noutras palavras, apenas existiria ao invés <strong>de</strong> ser alguma coisa e,<br />
<strong>de</strong>sse modo, nada é; porém, existe – o que faz com que simultaneamente seja e não seja.<br />
Contudo, nos Fragmentos..., encontra-se que tudo que existe é algo, obtém essência,<br />
<strong>de</strong>terminada natureza, algum caráter, atuando <strong>de</strong> acordo com este. Há <strong>de</strong> atuar; o que,<br />
logicamente, significa agir <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> contexto e frente a motivos, quando ascen<strong>de</strong>rem as<br />
ocasiões exteriores passíveis <strong>de</strong> serem suscitadoras das manifestações peculiares a tal<br />
caráter. “Assim, obtém a existência, a existentia, do mesmo lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> consegue o algo, a<br />
constituição, a essentia, pois ambos po<strong>de</strong>m até ser diferentes no conceito, mas não são<br />
separáveis na realida<strong>de</strong>”. O que possui essência: uma natureza, um caráter, uma compleição<br />
– só po<strong>de</strong> incidir <strong>de</strong> acordo com a mesma: nunca d’outra maneira. Só o tempo, a imagem<br />
mais próxima e a configuração <strong>de</strong> toda ação serão estabelecidos a cada vez pelos motivos<br />
que vêm a se apresentar. “O fato <strong>de</strong> o criador ter feito o homem livre implica uma<br />
impossibilida<strong>de</strong>, a saber, a <strong>de</strong> que ele lhe conferiu uma existentias em essentia e, portanto,<br />
<strong>de</strong>u-lhe a EXISTÊNCIA apenas inabstracto, <strong>de</strong>ixando-o ser O QUE quisesse ser”.<br />
Além disso, todos os filósofos anteriores são criticados pela pena schopenhauriana, ao<br />
postularem o verda<strong>de</strong>iro ser do homem no conhecimento consciente, no intento <strong>de</strong><br />
apresentar o homem como distinto do reino animal. A novida<strong>de</strong> trazida se refere a situar a<br />
essência humana, dos animais e <strong>de</strong> todo o cosmos na vonta<strong>de</strong>.<br />
Safranski, ao <strong>de</strong>bater epistemologicamente a obra <strong>de</strong> Schopenhauer, sustenta que a<br />
questão não é competir com as ciências explicativas da natureza: “Por isso, eu mesmo<br />
<strong>de</strong>nominei o procedimento <strong>de</strong> Schopenhauer para compreen<strong>de</strong>r o mundo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro para<br />
fora, a partir da vonta<strong>de</strong> vivenciada internamente <strong>de</strong> ‘hermenêutica da existência’<br />
(Daseinhermeneutik)”. A aproximação da realida<strong>de</strong>, como feita pelo filósofo, ia em busca <strong>de</strong><br />
algum significado, ao invés <strong>de</strong> estar no encalço <strong>de</strong> alguma explicação. Tal procedimento face<br />
à realida<strong>de</strong> resulta que a leitura do livro da vida <strong>de</strong>svelará que o mundo não nos leva a nada<br />
a não ser ele próprio. Aliás, aquele que se <strong>de</strong>para com o significado realiza isso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si<br />
mesmo: “eis a imanência perfeita e acabada”.<br />
Sobre tal circunstância intelectiva, nos Fragmentos..., observamos que, na obra em<br />
questão, nos meandros do sistema schopenhauriano, o mesmo po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>scrito qual um<br />
dogmatismo imanente, inclusive nas palavras do próprio filósofo, já que, se as teses são<br />
dogmáticas, não preten<strong>de</strong>m ultrapassar o mundo dado da experiência – opostamente: <strong>de</strong>vem<br />
esclarecer o que ele é, <strong>de</strong>compondo-o até seus <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros componentes.<br />
FREUD | Voltando à questão freudiana, e mais uma vez no que tange à polêmica sobre as<br />
resistências à psicanálise, encontramos, na correspondência <strong>de</strong> Freud com Carl Gustav Jung,<br />
por exemplo, numa carta datada <strong>de</strong> 19<strong>06</strong>, um <strong>de</strong>bate que une esse assunto e questões sobre<br />
terminologia. Na missiva, Freud ressalta que não é possível explicar nada a um público<br />
hostil, por conseguinte, mantinha certas coisas que po<strong>de</strong>m ser ditas a respeito dos limites da<br />
terapia e seu mecanismo apenas para si mesmo ou <strong>de</strong>las falava numa maneira inteligível<br />
apenas ao iniciado. Ele relembra a Jung que as “curas” que realizavam eram ocasionadas<br />
mediante a fixação da libido a prevalecer no inconsciente – transferência – e que tal<br />
transferência é mais facilmente obtida na histeria. A transferência fornece o impulso<br />
necessário para que se compreenda e se traduza a linguagem do inconsciente; on<strong>de</strong> ela se<br />
ausenta, segundo Freud, o paciente não faz o esforço ou não escuta quando submetemos<br />
nossa tradução para ele. Essencialmente, Freud ressalta, a cura é efetuada pelo amor. E, na<br />
verda<strong>de</strong>, a transferência fornece a mais convincente, a prova inexpugnável <strong>de</strong> que as<br />
17
neuroses são <strong>de</strong>terminadas pela vida amorosa do indivíduo. Assim, ao longo da citada<br />
correspondência, os dois autores se mantêm, <strong>de</strong>ntre outros assuntos, discutindo termos<br />
técnicos como transferência, inconsciente, libido; e Jung propõe, para que a psicanálise não<br />
viesse a sofrer tanta oposição, que Freud suavizasse esses termos basilares <strong>de</strong> sua doutrina<br />
ao substituí-los por novas talvez plausíveis opções. Um estabelecimento <strong>de</strong> Freud, <strong>de</strong> 1907, é<br />
categórico quanto a manter-se os termos: ele aprecia os motivos do colega para tentar<br />
adoçar a maçã azeda, mas não acredita que o empreendimento seria bem sucedido. Até se<br />
chamasse o inconsciente <strong>de</strong> “psicoi<strong>de</strong>”, ainda seria o inconsciente, e se não chamasse a força<br />
impulsionadora, na concepção ampliada <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> “libido”, ela ainda seria a libido.<br />
Em cada inferência na busca <strong>de</strong> alterações, voltar-se-ia ao que realmente se está falando, mas<br />
<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se tenta retirar a atenção. Não se po<strong>de</strong> evitar as resistências, por que não enfrentálas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início? Na posição freudiana, o ataque é a melhor forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa. Talvez Jung<br />
estivesse subestimando a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas resistências se esperasse <strong>de</strong>sarmá-las com<br />
pequenas concessões. O único caminho residiria em propor abertamente a importância<br />
concedida à pulsão sexual.<br />
Nesse caminho, <strong>de</strong> manter a clareza e o rigor dos termos <strong>de</strong> sua doutrina sem promover<br />
concessões que no fundo e ao cabo ten<strong>de</strong>m a se mostrar inúteis, Freud, em 1915, produziu<br />
os textos conhecidos como artigos sobre metapsicologia. Neles, encontra-se um<br />
especialmente relevante para os já <strong>de</strong>scritos propósitos <strong>de</strong> nosso trabalho, simplesmente<br />
intitulado “O inconsciente”. Mas, antes <strong>de</strong> mergulharmos nas incidências conceituais <strong>de</strong>sse<br />
texto, cabe nos atermos às contribuições do psicanalista húngaro Sándor Ferenczi, tecidas<br />
mediante sua conferência <strong>de</strong> 1922, publicada postumamente, voltada a um breve histórico e<br />
<strong>de</strong>finição da metapsicologia freudiana. No âmbito da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>sta, vamos que se refere<br />
à disciplina que liga os processos psíquicos a sistemas psíquicos topicamente <strong>de</strong>terminados,<br />
os quais possuem uma organização e um funcionamento específicos; são as diferentes<br />
interconexões possíveis <strong>de</strong>sses sistemas que explicam os diferentes modos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarga<br />
(normal e patológica) das excitações. Esses sistemas são acionados por forças psíquicas,<br />
<strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> transformações <strong>de</strong> forças pulsionais que funcionam por outro lado no<br />
organismo; a distribuição <strong>de</strong>ssas forças varia segundo os modos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scarga da excitação.<br />
Os mecanismos psíquicos estão, portanto, carregados com certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> energia,<br />
cujo modo <strong>de</strong> manifestação varia com o sistema que ela ocupa mas que, <strong>de</strong> modo geral,<br />
po<strong>de</strong>-se imaginar como uma quantida<strong>de</strong> constante, ou seja, obe<strong>de</strong>cendo à lei da constância<br />
da energia enunciada pela física. Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter avaliado o estado <strong>de</strong> investimento dos<br />
diferentes sistemas topicamente localizados, a dinâmica das forças em conflito (dinâmica,<br />
direção e relações quantitativas <strong>de</strong>ssas forças), é que po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong> uma explicação<br />
metapsicológica do processo no sentido <strong>de</strong> Freud.<br />
No entanto, segundo Ferenczi, nunca é <strong>de</strong>mais advertir contra dois erros que as teses<br />
metapsicológicas po<strong>de</strong>riam levar a cometer. A metapsicologia <strong>de</strong> Freud não se compromete<br />
com fornecer esclarecimentos a respeito da anatomia, da fisiologia ou da física do órgão (ou<br />
aparelho) psíquico. Somente produz suportes especulativos que advêm, <strong>de</strong>liberadamente ou<br />
não, quando se analisa os processos psíquicos. “O outro erro consistiria em supor que o<br />
edifício metapsicológico é uma construção arbitrária, um sistema fechado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
princípio”. É o contrário: cada avanço, cada constatação se apoia numa pletora <strong>de</strong><br />
observações <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhe. Talvez nunca sobreveio tanta prudência “no estabelecimento <strong>de</strong> uma<br />
teoria científica. E foi somente a posteriori que o <strong>de</strong>senvolvimento da psicanálise foi <strong>de</strong>scrito<br />
como um avanço progressivo e concêntrico na direção da metapsicologia”.<br />
Por meio <strong>de</strong> seu avanço meticuloso e paulatino, vemos que a metapsicologia, em Freud, se<br />
divi<strong>de</strong> em duas tópicas. Pois, entre 1920 e 1923, ele <strong>de</strong>senvolveu sua reformulação teórica<br />
que instaurou a chamada segunda tópica, cujas instâncias são o eu, o supereu e o isso.<br />
Juntamente com os vocábulos pré-consciente e consciente, “o inconsciente per<strong>de</strong>u então sua<br />
18
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> substantivo, transformando-se numa maneira <strong>de</strong> qualificar as três instâncias da<br />
segunda tópica: o isso, o eu e o supereu”.<br />
Até os mencionados artigos sobre metapsicologia, <strong>de</strong> 1915, o inconsciente era concebido<br />
como instaurado mediante o recalque, sendo seu conteúdo, portanto, assimilado ao<br />
recalcado. Segundo Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, excetuando-se este aspecto extraindividual:<br />
o núcleo do inconsciente, fundamento da fantasia originária, vinculado à hipótese<br />
filogenética. Então, algumas noções começam a mudar: tudo o que é recalcado tem,<br />
necessariamente, que permanecer inconsciente. Porém, o recalcado não abarca tudo o que é<br />
inconsciente. Deste, aquele configura parte.<br />
No que se relaciona à proposta <strong>de</strong> nosso trabalho, é interessante ressaltar a seguinte<br />
observação <strong>de</strong> Strachey, na sua introdução ao texto freudiano: “<strong>de</strong>ve-se esclarecer <strong>de</strong><br />
imediato que o interesse <strong>de</strong> Freud por essa suposição jamais foi <strong>de</strong> natureza filosófica –<br />
embora, sem dúvida, problemas filosóficos se encontrassem inevitavelmente próximos. Seu<br />
interesse era prático”. Assim, ele não estabeleceu <strong>de</strong>terminada entida<strong>de</strong> metafísica. “O que<br />
ele fez no Capítulo V<strong>II</strong> <strong>de</strong> A Interpretação <strong>de</strong> Sonhos foi, por assim dizer, revestir a entida<strong>de</strong><br />
metafísica <strong>de</strong> carne e sangue”. Pela primeira vez foi <strong>de</strong>svelado o inconsciente: propostas<br />
sobre como funciona e como difere <strong>de</strong> outras partes da mente e suas relações com as<br />
mesmas. Destarte, em “O inconsciente”, tais <strong>de</strong>scobertas são retomadas, ampliadas e<br />
aprofundadas. Porém, “a posição em seu todo só foi posta em perspectiva quando, em The<br />
Ego and the Id, Freud introduziu um novo quadro estrutural da mente”.<br />
Na primeira seção <strong>de</strong> “O inconsciente”, vemos que “tanto nas pessoas sadias como nas<br />
doentes ocorrem com frequência atos psíquicos que só po<strong>de</strong>m ser explicados pela<br />
pressuposição <strong>de</strong> outros atos, para os quais, não obstante, a consciência não oferece<br />
qualquer prova”. Estes não somente abarcam parapraxias e sonhos, mas tudo aquilo que é<br />
<strong>de</strong>scrito qual sintoma psíquico ou obsessão nos doentes. Aliás, nossa experiência diária mais<br />
pessoal é passível <strong>de</strong> nos familiarizar com i<strong>de</strong>ias que aportam em nossa mente sem<br />
sabermos o porquê ou <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vêm, e com conclusões intelectuais que apreen<strong>de</strong>mos sem<br />
saber como. Assim, <strong>de</strong>ve-se adotar a posição segundo a qual o fato <strong>de</strong> estabelecer tudo<br />
quanto acontece na mente como fruto da consciência significa fazer uma reivindicação<br />
precária. A<strong>de</strong>mais, em sustentação quanto à existência <strong>de</strong> um estado psíquico inconsciente,<br />
em um momento qualquer, o conteúdo da consciência é irrisório, <strong>de</strong> maneira que a maior<br />
parte do que se chama conhecimento consciente <strong>de</strong>ve permanecer, por extensos períodos,<br />
em estado latente, ou seja, psiquicamente inconsciente. Mas não se trata <strong>de</strong> falar <strong>de</strong><br />
proprieda<strong>de</strong>s intelectuais que não assomam por todo o tempo à consciência. A questão é<br />
que i<strong>de</strong>ntificar esta com o mental é ina<strong>de</strong>quado, tal postura rompe as continuida<strong>de</strong>s<br />
psíquicas, coloca-nos nas dificulda<strong>de</strong>s irresolvíveis do paralelismo psicofísico, está<br />
suscetível à censura <strong>de</strong>, sem um motivo razoável, “superestimar o papel <strong>de</strong>sempenhado pela<br />
consciência, forçando-nos prematuramente a abandonar o campo da pesquisa psicológica<br />
sem ser capaz <strong>de</strong> nos oferecer qualquer compensação <strong>de</strong> outros campos”. Mas como<br />
diferençar tal sistema do inconsciente? Ou melhor: como precisar as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste?<br />
“A distinção que estabelecemos entre os dois sistemas psíquicos ganha novo significado<br />
quando observamos que os processos em um dos sistemas, o Ics., apresentam características<br />
que não tornamos a encontrar no sistema imediatamente acima <strong>de</strong>le”. Ou seja, no sistema<br />
Pcs. - cs. O núcleo do primeiro diz respeito a representantes instintuais que procuram<br />
<strong>de</strong>scarregar a própria catexia – consiste, <strong>de</strong>sse modo, em impulsos carregados <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo.<br />
Esses impulsos coexistem sem mutuamente se influenciarem e não apresentam contradição<br />
mútua. Um dos impulsos não cancela o outro, ao se tornarem simultaneamente ativos se<br />
combinam para formar uma figuração intermediária, certo meio-termo. Então, não há lugar<br />
para negação ou dúvida, tal aspecto é introduzido pela censura no sistema Pcs. – cs. No Ics., o<br />
que existe são conteúdos catexizados com maior ou menor força. Neste, assim, não opera a<br />
racionalida<strong>de</strong>. É abarcado o veio do absurdo. E as intensida<strong>de</strong>s catexiais são bem mais<br />
mobilizáveis. “Pelo processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento uma i<strong>de</strong>ia po<strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r a outra toda a sua quota<br />
19
<strong>de</strong> catexia; pelo processo <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsação po<strong>de</strong> apropriar-se <strong>de</strong> toda a catexia <strong>de</strong> várias<br />
outras i<strong>de</strong>ias”. De modo que Freud vem a propor que esses dois processos constituem<br />
marcas próprias do chamado processo psíquico primário, ao passo que a racionalida<strong>de</strong>, a<br />
distinção acerca <strong>de</strong> tempo e espaço, a perspectiva causal e a tendência à separação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias,<br />
no sentido conceitual, são marcas do processo psíquico secundário – dominante no sistema<br />
Pcs. - cs.<br />
Os processos do sistema Ics. são intemporais, isto é, não são or<strong>de</strong>nados temporalmente, não<br />
se alteram com a passagem do tempo; não têm absolutamente qualquer referência ao<br />
tempo. A referência ao tempo vincula-se, mais uma vez, ao trabalho do sistema Cs.<br />
Do mesmo modo os processos Ics. dispensam pouca atenção à realida<strong>de</strong>. Estão sujeitos ao<br />
princípio do prazer; seu <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas do grau <strong>de</strong> sua força e do atendimento às<br />
exigências da regulação prazer-<strong>de</strong>sprazer.<br />
Resumindo: a isenção <strong>de</strong> contradição mútua, o processo primário (mobilida<strong>de</strong> das catexias),<br />
a intemporalida<strong>de</strong> e a substituição da realida<strong>de</strong> externa pela psíquica – tais são as<br />
características que po<strong>de</strong>mos esperar encontrar nos processos pertencentes ao sistema Ics.<br />
Esses processos inconscientes se tornam por nós parcialmente cognoscíveis sob, por<br />
exemplo, as condições <strong>de</strong> sonho e neurose; segundo Freud, quando os processos do sistema<br />
Pcs. - cs., “mais elevado”, são trazidos <strong>de</strong> volta a uma fase antece<strong>de</strong>nte, a um estágio mais<br />
baixo, mediante a regressão. Quanto às vicissitu<strong>de</strong>s relativas ao plano energético, em termos<br />
<strong>de</strong> catexia, investimento <strong>de</strong> energia psíquica:<br />
Os processos do sistema Pcs. exibem – não importando se são conscientes ou somente<br />
capazes <strong>de</strong> se tornarem conscientes – uma inibição <strong>de</strong> tendência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias catexizadas à<br />
<strong>de</strong>scarga. Quando um processo passa <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia para outra, a primeira i<strong>de</strong>ia conserva<br />
uma parte <strong>de</strong> sua catexia e apenas uma pequena parcela é submetida a <strong>de</strong>slocamento. Os<br />
<strong>de</strong>slocamentos e as con<strong>de</strong>nsações, tais como ocorrem no processo primário, são excluídos<br />
ou bastante restringidos. Essa circunstância levou Breuer a presumir a existência <strong>de</strong> dois<br />
estados diferentes <strong>de</strong> energia catexial na vida mental: um em que a energia se acha<br />
tonicamente 'vinculada' e outro no qual é livremente móvel e pressiona no sentido da<br />
<strong>de</strong>scarga. Em minha opinião, essa distinção representa a compreensão interna (insight)<br />
mais profunda que alcançamos até agora a respeito da natureza da energia nervosa, e<br />
não vejo como po<strong>de</strong>mos evitar fazê-la. Uma apresentação metapsicológica exigiria com a<br />
máxima urgência um exame ulterior <strong>de</strong>sse ponto, embora, talvez, isso fosse ainda um<br />
empreendimento muito ousado.<br />
Quanto a informações sobre a mencionada segunda tópica, elaborada especialmente a<br />
partir da década <strong>de</strong> 1920, um texto <strong>de</strong> especial auxílio é o “Esboço <strong>de</strong> psicanálise”, escrito<br />
por Freud em 1938, no qual apresenta os resultados <strong>de</strong> suas pesquisas teórico-clínicas <strong>de</strong><br />
forma abrangida e clara, fornecendo uma espécie <strong>de</strong> “curso <strong>de</strong> atualização”. Neste, para<br />
nosso trabalho, a parte mais rica e relevante é a nomeada como Qualida<strong>de</strong>s psíquicas.<br />
Vejamos certo panorama.<br />
Não seria necessário caracterizar o que é chamado “consciente”. Trata-se do mesmo que a<br />
consciência segundo muitos filósofos ou o senso comum. Tudo o mais que po<strong>de</strong> ser<br />
caracterizado como psíquico, para a psicanálise, é “o inconsciente”. Então, perfaz-se<br />
<strong>de</strong>terminada divisão importante nesse inconsciente. Alguns processos se tornam conscientes<br />
sem dificulda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> sê-lo, mas po<strong>de</strong>m retornar, po<strong>de</strong>ndo ser lembrados ou<br />
reproduzidos. Isto nos lembra da extrema fugacida<strong>de</strong> da consciência. O consciente assim o é<br />
só por um momento. Aquilo que for inconsciente e “que se comporte <strong>de</strong>sta maneira, que<br />
po<strong>de</strong> assim facilmente trocar o estado inconsciente pelo consciente, é, portanto,<br />
preferivelmente <strong>de</strong>scrito como ‘capaz <strong>de</strong> tornar-se consciente’ ou como pré-consciente”.<br />
20
Existem <strong>de</strong>mais processos psíquicos e material psíquico que não apresentam acesso tão<br />
simples ao consciente: têm <strong>de</strong> ser reconhecidos, inferidos, traduzidos para a forma<br />
consciente pelas vias da interpretação psicanalítica – tal material obtém o nome <strong>de</strong><br />
“inconsciente”. Assim, os processos psíquicos adquirem três qualida<strong>de</strong>s: são conscientes,<br />
pré-conscientes ou inconscientes. Essa divisão não é absoluta e permanente; o que é préconsciente<br />
se torna consciente, sem gran<strong>de</strong>s esforços ou assistência, o inconsciente o faz<br />
através <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ráveis esforços e, no processo, adquire-se constantemente a impressão <strong>de</strong><br />
estar-se lidando com resistências muito intensas. “A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esforços que temos <strong>de</strong><br />
dispen<strong>de</strong>r, pela qual avaliamos a resistência contra a conscientização do material, varia <strong>de</strong><br />
magnitu<strong>de</strong> segundo os casos individuais”. Para falar <strong>de</strong> um exemplo interessante, o que<br />
ocorre num tratamento analítico, nessa esteira, também po<strong>de</strong> se dar espontaneamente:<br />
<strong>de</strong>terminado material que usualmente é inconsciente po<strong>de</strong> se transmutar em pré-consciente<br />
e, por conseguinte, consciente – isso aporta em geral nos estados psicóticos. Infere-se que a<br />
normalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> fato da manutenção <strong>de</strong> certas resistências internas. Um<br />
afrouxamento das resistências em tal sentido, com um impulsionamento adiante da matéria<br />
inconsciente, ocorre com frequência no estado <strong>de</strong> sono, provocando assim condição para a<br />
elaboração onírica. Ao contrário, o material pré-consciente po<strong>de</strong> tornar-se por algum<br />
intervalo inacessível, bloqueado pelas resistências, como algo esquecido, não abrangível pela<br />
memória. Ainda, um pensamento pré-consciente po<strong>de</strong> ser reimpelido à condição<br />
inconsciente, como parece se exercer no caso dos chistes. Transformação similar <strong>de</strong> retorno<br />
<strong>de</strong> processos ou material pré-consciente ao estado inconsciente possui relevante papel na<br />
causação dos distúrbios neuróticos. “É <strong>de</strong> se esperar, entretanto, que chegaremos a uma<br />
compreensão mais clara <strong>de</strong>sta própria teoria se <strong>de</strong>terminarmos as relações existentes entre<br />
as qualida<strong>de</strong>s psíquicas e as regiões ou agências do aparelho psíquico que postulamos...”.<br />
No isso (ou, segundo a tradução inglesa <strong>de</strong> James Strachey, Id), a única qualida<strong>de</strong><br />
predominadora é a <strong>de</strong> ser inconsciente. Portanto, isso e inconsciente se encontram tão<br />
intimamente amalgamados quanto pré-consciente e eu (na referida tradução, Ego). No<br />
primeiro caso, a ligação é ainda mais consi<strong>de</strong>rável. Ao reconhecermos o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />
indivíduo, <strong>de</strong> seu aparelho psíquico, é visível uma divisão essencial no isso. Inicialmente,<br />
tudo era isso. O eu provém <strong>de</strong>le pela influência ininterrupta do mundo exterior. Ao longo do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento, alguns conteúdos do isso passaram para o estado pré-consciente e foram<br />
incorporados ao eu. Demais conteúdos continuam no isso – inalterados – qual seu núcleo<br />
arduamente acessível. Nesse <strong>de</strong>senvolvimento, contudo, o incipiente eu <strong>de</strong>volveu à condição<br />
inconsciente parte do material antes incorporada. Abandonou-a e agiu da mesma maneira<br />
quanto a algumas impressões mais recentes que po<strong>de</strong>ria haver assimilado. Sendo que as<br />
mesmas, tendo sido rechaçadas, apenas po<strong>de</strong>riam <strong>de</strong>ixar vestígio no isso. Fala-se <strong>de</strong>sta<br />
última parcela do isso como o reprimido (ou recalcado). Vem a ser plausível apontar duas<br />
categorias da matéria do isso. “Elas coinci<strong>de</strong>m aproximadamente com a distinção entre o que<br />
se achava originalmente presente, inato, e o que foi adquirido ao longo do <strong>de</strong>senvolvimento<br />
do ego”.<br />
Ao estabelecer-se a disposição topográfica do aparelho psíquico em um eu e um isso em<br />
que as distinções <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> entre pré-consciente e inconsciente ocorrem, e ao <strong>de</strong>svelar-se<br />
que esta qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve antes ser consi<strong>de</strong>rada somente como apontamento da diferença e<br />
não como a essência, qual seria então a verda<strong>de</strong>ira natureza do estado no isso mediante a<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser inconsciente e no eu <strong>de</strong> ser pré-consciente?<br />
Disso, porém, nada sabemos. E a profunda obscurida<strong>de</strong> do pano <strong>de</strong> fundo <strong>de</strong> nossa<br />
ignorância é escassamente iluminada por alguns lampejos <strong>de</strong> percepção interna (insight).<br />
Aqui aproximamo-nos do segredo ainda velado da natureza do psíquico. Presumimos, como<br />
as outras ciências naturais nos levam a esperar, que na vida mental esteja em ação alguma<br />
espécie <strong>de</strong> energia, mas não temos nada em que nos basear que nos capacite a aproximarmonos<br />
<strong>de</strong> um conhecimento <strong>de</strong>la através <strong>de</strong> analogias com outras formas <strong>de</strong> energia. Parecemos<br />
reconhecer que a energia nervosa ou psíquica ocorre <strong>de</strong> duas formas, uma livremente móvel,<br />
21
e outra, em comparação, presa; falamos <strong>de</strong> catexias e hipercatexias do material psíquico, e<br />
até mesmo aventuramo-nos a supor que uma hipercatexia ocasiona uma espécie <strong>de</strong> síntese<br />
<strong>de</strong> processos diferentes – uma síntese no curso da qual a energia livre é transformada em<br />
energia presa. Mais longe que isto, ainda não avançamos. De qualquer modo, atemo-nos<br />
firmemente à opinião <strong>de</strong> que a distinção entre o estado consciente e o pré-consciente resi<strong>de</strong><br />
em relações dinâmicas <strong>de</strong>sse tipo, que explicariam como é que, espontaneamente ou com<br />
nossa assistência, um po<strong>de</strong> se transformar no outro.<br />
Em todo caso, os processos que têm qualida<strong>de</strong> inconsciente obe<strong>de</strong>cem a diferentes leis<br />
daqueles atuantes no eu pré-consciente. Freud <strong>de</strong>nomina essas leis, em seu conjunto, <strong>de</strong><br />
“processo primário, em contraste com o processo secundário, que dirige o curso das<br />
ocorrências no pré-consciente, no ego. No cômputo geral, portanto, o estudo das qualida<strong>de</strong>s<br />
psíquicas provou, afinal <strong>de</strong> contas, não ser infrutífero”.<br />
COSMOS E APARELHO MENTAL: VONTA<strong>DE</strong> E INCONSCIENTE | Ao invés <strong>de</strong> ver algo<br />
impetuoso, irracional, atemporal e aespacial (no senso <strong>de</strong> infinito) incidindo no cosmos,<br />
Freud o vê no aparelho mental humano, cuja teorização ele mesmo instituiu – primeiro como<br />
substantivo nesse aparelho, posteriormente como qualida<strong>de</strong> psíquica. O inconsciente, assim<br />
como a vonta<strong>de</strong> schopenhauriana, só é perceptível, concebível, <strong>de</strong>vido a suas várias formas<br />
<strong>de</strong> manifestação. No caso da vonta<strong>de</strong>, essa manifestação abarca todo o mundo fenomênico.<br />
O inconsciente se manifesta no homem e pelo homem, mediante formações específicas<br />
(parapraxias, sonhos, sintomas...) e que, em todo caso, configuram fenômenos que nos<br />
permitem inferir sua existência e conteúdo. A vonta<strong>de</strong> também é inferida por meio <strong>de</strong> suas<br />
manifestações objetivas, que se tornam pautadas pelo principium individuationis.<br />
Se as apresentadas características, em Freud, dizem respeito à parte mais recôndita do<br />
aparelho mental, características similares remetem àquilo que subjaz ao cosmos fenomênico<br />
para Schopenhauer, pois, a vonta<strong>de</strong>, sendo metafísica, é intemporal, busca a satisfação<br />
mesmo que isso leve a todas as contradições, já que ela mor<strong>de</strong> a própria carne na busca <strong>de</strong><br />
satisfazer-se, não tendo em conta, portanto, o mote <strong>de</strong> preservar as singularida<strong>de</strong>s – não é<br />
guiada pelo princípio <strong>de</strong> razão ou contradição. Como o inconsciente, manifesta-se por<br />
fenômenos que permitem inferi-la, mas não conhecê-la, dizê-la totalmente. Aquele também é<br />
infinito, sempre a <strong>de</strong>ixar um rastro <strong>de</strong> não-dito.<br />
Primeiramente, Freud vê o inconsciente como fundado pelo recalque. Depois, o isso,<br />
coincidindo totalmente com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inconsciente, simplesmente provém, aporta com<br />
o indivíduo, po<strong>de</strong>ndo ser visto como infundado. A vonta<strong>de</strong>, em termos <strong>de</strong> substrato<br />
metafísico sob o cosmos, é infundada. O isso o é em termos <strong>de</strong> aparelho mental.<br />
Se a vonta<strong>de</strong> não se satisfaz, sempre exigindo mais, o inconsciente, como ambiência do<br />
<strong>de</strong>sejo, conforme dito, é infinito, assim como a pressão exercida pelo <strong>de</strong>sejo, que nunca<br />
encontra seu objeto <strong>de</strong>finitivo – que proporcionaria a completu<strong>de</strong>. Sempre se trata <strong>de</strong> lidar<br />
com a insatisfação, com a falta, fen<strong>de</strong>ndo a Substância cosmológica ou a estrutura da mente.<br />
Referências<br />
FERENCZI, S. A metapsicologia <strong>de</strong> Freud. Trad. Alvaro Cabral In: Obras completas, v. IV, São<br />
Paulo, WMF Martins Fontes, 2011, p. 253-265.<br />
FREUD, S., JUNG, C. G. The Freud-Jung letters. Trad. Ralph Manheim, R. F. C. Hull. Princeton:<br />
Princeton University Press, 1994.<br />
FREUD, S. O inconsciente. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v. XIV. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Imago, 1996, p. 171-222.<br />
FREUD, S. As resistências à psicanálise. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v.<br />
XIX. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, p. 239-250.<br />
FREUD, S. Esboço <strong>de</strong> psicanálise. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v. XX<strong>II</strong>I.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, p. 157-221.<br />
22
MACHADO, R. O nascimento do trágico: <strong>de</strong> Schiller a Nietzsche. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar<br />
Ed., 20<strong>06</strong>.<br />
REDYSON, D. Dossiê Schopenhauer. São Paulo: Universo dos Livros, 2009.<br />
ROUDINESCO, E., PLON, M. Dicionário <strong>de</strong> psicanálise. Trad. Vera Ribeiro, Lucy Magalhães. Rio<br />
<strong>de</strong> janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.<br />
SAFRANSKI, R. Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia. Trad. William Lagos. São<br />
Paulo: Geração Editorial, 2011.<br />
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vonta<strong>de</strong> e como representação. São Paulo: UNESP, 2005.<br />
SCHOPENHAUER, A. Fragmentos sobre a história da filosofia. São Paulo: WMF Martins Fontes,<br />
2007.<br />
STRACHEY, J. Nota do editor inglês. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v.<br />
XIV. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Imago, 1996, p. 165-169.<br />
STRACHEY, J. Apêndice: extrato <strong>de</strong> O mundo como vonta<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong> Schopenhauer. In:<br />
Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v. XIX. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, p. 249-<br />
250.<br />
STRACHEY, J. Nota do editor inglês. In: Obras psicológicas completas <strong>de</strong> Sigmund Freud, v.<br />
XX<strong>II</strong>I. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 1996, p. 153-155.<br />
Edson Manzan Corsi (Brasil, 1982). Psicanalista, mestre em Estudos Literários pela UFG,<br />
especialista em Filosofia Política e graduado em Psicologia pela PUC-GO. Professor pelo<br />
<strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> extensão da PUC-GO, com o curso Psicanálise e Literatura e exerce a clínica<br />
psicanalítica. Contato: E-mail: edsonmanzan@gmail.com. Página ilustrada com obras <strong>de</strong><br />
Lucebert (Holanda), artista convidado <strong>de</strong>sta edição <strong>de</strong> ARC.<br />
23
FLORIANO MARTINS | Figuras no tinteiro<br />
1. CRÔNICA <strong>DE</strong> CONSUMO: A LÂMPADA QUEIMADA DA POESIA | Um<br />
dia <strong>de</strong> crônica não faz mal a ninguém, caminhar pelas ruas, flanar um<br />
pouco além da pura vertigem da imaginação, arriscando-se a viver uma<br />
outra experiência que não a sua, espécie <strong>de</strong> estadia não estando,<br />
sentindo com todo o espírito como seria o mundo se por ali e naquele<br />
momento não se estivesse nele. Claro que isto parte sempre <strong>de</strong> uma<br />
presunção, consi<strong>de</strong>rando pertinente minha estadia no mundo. Não há outra: o homem já<br />
vem <strong>de</strong> fábrica com essa débil arrogância. E o termo não é incorreto uma vez que tudo foi<br />
transformado em produto. Em um mundo habitado por consumidores, não há distinção mais<br />
entre compradores e ven<strong>de</strong>dores, porque todos atuam, ou melhor, sofrem a atuação do<br />
mercado, enfim: o que nos diferencia é um dado meramente temporal: quando somos<br />
compradores e quando somos ven<strong>de</strong>dores. De tal maneira que nossa personalida<strong>de</strong> está<br />
medida pela carga horária <strong>de</strong> atuação em uma e outra instância. Nem isso: já nos permitimos<br />
tal ambiguida<strong>de</strong>, ou seja, somos e não somos ao mesmo tempo. Isto quer dizer que abolimos<br />
este conceito primeiro da individualida<strong>de</strong> enquanto característica geradora <strong>de</strong> um ambiente<br />
múltiplo em termos <strong>de</strong> tendências, percepções, interpretações etc.<br />
Pronto. Há que ver <strong>de</strong>talhes, nada mais. Por exemplo, saber se a amiza<strong>de</strong> po<strong>de</strong> funcionar<br />
como um produto aspiracional. Viver com mais liberda<strong>de</strong> significa não crer em mais nada,<br />
não compartilhar opiniões, radicalizar o status <strong>de</strong> sua condição solitária no mundo. Apagar<br />
todos os rastros <strong>de</strong> conceitos como os <strong>de</strong> confiabilida<strong>de</strong> e discordância explícita. É isto o que<br />
está por trás da máscara <strong>de</strong> uma entrevista com David Shah, [1] o simpático inglês, consultor<br />
<strong>de</strong> tendências que, ao diagnosticar o fim da moda, nos leva a uma indagação: extinto o<br />
hábito, extingue-se a cultura em toda sua amplitu<strong>de</strong>? Como então ser teólogo do nada em<br />
uma terra <strong>de</strong> nada? Quais os hábitos <strong>de</strong> David Shah? O que veste? Com quem se encontra?<br />
Em quem confia? Nesta entrevista ele faz uma apologia da “recontextualização”, algo não tão<br />
simples como mudar os móveis <strong>de</strong> posição em uma sala, mas, ao fim, essencialmente isto.<br />
As metáforas criam suas ambiguida<strong>de</strong>s, e <strong>de</strong>sgraçadamente anseiam por ambientar-se, e é<br />
justamente quando se mostram o que são: <strong>de</strong>sambientadas.<br />
Os poetas brasileiros parecem discípulos <strong>de</strong> David Shah. Ah, sim, esta seria uma primeira<br />
reação <strong>de</strong> um poeta brasileiro, porque eu também sou poeta e brasileiro. Mas a coisa não se<br />
resolve – a favor <strong>de</strong> ninguém – assim tão facilmente. Até porque o dilema não se restringe ao<br />
comportamento do poeta brasileiro. Há uma passagem na entrevista do inglês Shah em que<br />
ele assevera: “Hoje em dia, a maioria dos produtos se parece e tem basicamente a mesma<br />
qualida<strong>de</strong>, sejam japoneses, coreanos ou britânicos. Para diferenciá-los, é preciso atribuir a<br />
eles uma personalida<strong>de</strong>.” Esta, que é a ótica do consumo, em muito se assemelha a uma ótica<br />
não <strong>de</strong>clarada do fazer poético no Brasil. Recordo afirmação que me fez A<strong>de</strong>mir Demarchi,<br />
em uma mesa no Instituto Goethe, [2] no sentido <strong>de</strong> que os poetas brasileiros haviam<br />
atingido uma técnica admirável. Sim, é verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro dos padrões atuantes, <strong>de</strong> circulação,<br />
aceitos pela crítica – hoje restrita ao âmbito da análise acadêmica –, todos escrevem certinho,<br />
com boa sintaxe, pausadamente etc. Careceria então aplicar o método Shah, ou seja, atribuirlhes<br />
uma personalida<strong>de</strong>? Não precisamente, pois do que se trata, antes <strong>de</strong> tudo, é da<br />
aceitação <strong>de</strong> que essa poesia tornou-se produto, nada mais. Que é outra sua instância <strong>de</strong><br />
atuação. A partir daí evocar as tendências do mercado livreiro etc. Não importa, aqui,<br />
também seguir a trilha da poesia brasileira em si, tanto quanto o comportamento <strong>de</strong> nossos<br />
intelectuais. Como reagimos diante <strong>de</strong> crises? Como as aceitamos? Como passamos por cima<br />
<strong>de</strong>las em um exercício <strong>de</strong> alheamento?<br />
Toda vez que o título <strong>de</strong> uma matéria na imprensa acusa “Não há mais moda” isto nos<br />
leva a pensar em correlatos do tipo “Não há mais orgasmo”, “Não há mais poesia”, quantos<br />
mais. Todo dia a imprensa tem que dizer que algo não mais existe, para assim po<strong>de</strong>r<br />
24
eanimá-lo no dia seguinte. Jornalistas não enten<strong>de</strong>m mais <strong>de</strong> ilusionismo do que poetas,<br />
apenas dispõem infinitamente mais <strong>de</strong> espaço para o exercício <strong>de</strong> sua perversão. Uma<br />
afinida<strong>de</strong> entre jornalistas e advogados é que o assunto central nunca se restringe a<br />
conceitos como verda<strong>de</strong> e justiça e sim à sua <strong>de</strong>corrência: o ganho <strong>de</strong> causa. A manchete é o<br />
ganho <strong>de</strong> causa em se tratando <strong>de</strong> imprensa. Vivemos em um mundo completamente<br />
previsível, on<strong>de</strong> o telejornal, por exemplo, confirma ácida ambiguida<strong>de</strong> entre o que relata e o<br />
ânimo que nos <strong>de</strong>sperta. Em alguns casos é quase como uma conclama: apesar do mundo<br />
que lhes apresentamos, tratem <strong>de</strong> ter esperança. Mas tudo isto porque temos que seguir<br />
ven<strong>de</strong>ndo. Eis aí on<strong>de</strong> David Shah está mais implacavelmente correto: “Você po<strong>de</strong> ter todas<br />
as i<strong>de</strong>ias que quiser – é muito fácil ser criativo. O difícil é começar a produzir o que<br />
imaginou e colocar na rua para ver se ven<strong>de</strong>.” Ou seja, tudo se resume a técnicas <strong>de</strong> venda,<br />
uma vez que presumivelmente a condicionante estética já tenha sido resolvida <strong>de</strong> forma<br />
conveniente.<br />
A pergunta mais certeira então – porque tudo é uma questão <strong>de</strong> alvo – seria: o que estão<br />
ven<strong>de</strong>ndo os poetas brasileiros? Já em 1997 suspeitava Jair Ferreira dos Santos que “híbrida<br />
e superficial na sua natureza, a poesia pós-mo<strong>de</strong>rna (ou qualquer outra) caminha, tudo<br />
indica, para o irrelevante e o espectral enquanto criação na cultura e produto no mercado”, e<br />
lhe dá até um nobre papel, ao dizer que “talvez esteja reservado a ela cumprir o trânsito do<br />
cadáver da poesia como instituição para sua ressurreição como hobby, jogo tribal, a<strong>de</strong>reço<br />
nas subculturas <strong>de</strong> gosto”, logo lembrando que “nesse novo status, vai assemelhar-se à<br />
filatelia, à numismática”. [3] Nesta mesma ocasião, um outro observador, Dante Lucchesi,<br />
comenta que “a socieda<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna, ao se tornar uma nebulosa <strong>de</strong> todas as linguagens<br />
possíveis, esvazia o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> significação da linguagem na medida em que a reifica,<br />
instrumentalizando-a, tornando-a um mero acessório, do qual um artista, um estilista <strong>de</strong><br />
moda ou um publicitário po<strong>de</strong> lançar mão sem qualquer comprometimento, e com fins<br />
absolutamente pragmáticos”. [4] Ora, mas com que enorme facilida<strong>de</strong> nos tornamos todos<br />
vítimas <strong>de</strong> um sistema qualquer! Acrescentemos, portanto, à nossa lista <strong>de</strong> afirmações<br />
caóticas o cataclísmico “Não há mais história”. E sempre me pareceu tão fascinante a<br />
sugestão <strong>de</strong> Barthes <strong>de</strong> ir <strong>de</strong> encontro a todas as i<strong>de</strong>ias recebidas… Acaso não <strong>de</strong>veria o<br />
poeta estar no mundo justamente para tanto? Duas décadas antes dos brasileiros referidos,<br />
já alertava Elias Canetti que “ninguém será hoje um poeta se não duvidar seriamente <strong>de</strong> seu<br />
direito <strong>de</strong> sê-lo”, atento que se mostrava à “perversa banalida<strong>de</strong>” que tomaria posse <strong>de</strong><br />
nosso estar no mundo. [5]<br />
O dilema maior ainda estava por vir, consi<strong>de</strong>rando hoje que a reificação evocada por<br />
Lucchesi não mais inci<strong>de</strong> apenas sobre a linguagem e sim sobre o poeta, que não soube a<br />
tempo negar a si mesmo, transgredir-se, <strong>de</strong>sfazer-se do culto do eu com que acabou<br />
imaginando o único sentido <strong>de</strong> sua existência. Tornou-se ele a coisa em si, o “a<strong>de</strong>reço nas<br />
subculturas <strong>de</strong> gosto”, o frequentador <strong>de</strong> festas, eventos etc., on<strong>de</strong> a poesia nada mais diz.<br />
Se acaso se assemelha tal empresa com o que move a filatelia ou a numismática, talvez seja<br />
apenas pelo aspecto <strong>de</strong> colecionista, no caso um colecionador <strong>de</strong> facetas, <strong>de</strong> gestos<br />
eloquentes a compensar a leitura <strong>de</strong> versos inócuos, por exemplo. Ou compilador <strong>de</strong><br />
exercícios <strong>de</strong> simpatia na articulação estratégica da nova marca com a qual se ocupa: ele<br />
mesmo. Daí vale retornar ao Mr. Shah quando dispara que “marcas passam a ser como<br />
famílias, dão ao consumidor estabilida<strong>de</strong>, uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>”, enfim, “substituem a Igreja e a<br />
família real”. Portanto, a coleção do poeta reporta-se à qualida<strong>de</strong> acessória <strong>de</strong> sua mais-valia.<br />
Evi<strong>de</strong>nte que já não cabe falar em pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, exceto como “recontextualização”, e<br />
então temos que observar uma vez mais a ótica do Shah, quando atenta para a importância<br />
<strong>de</strong> “<strong>de</strong>sfazer as barreiras entre as disciplinas como moda, iluminação, roupas esportivas,<br />
carros e começar a pensar tudo isso como uma coisa só”. Ora, mas foi exatamente contrária<br />
a opção tomada pelo poeta, que se isolou em um acortinado qualquer da linguagem sem<br />
ocupar-se <strong>de</strong> outras estruturas ou disciplinas. Não sei se aqui cabe a distinção que Roland<br />
Barthes compreendia entre contrário e inverso – “o contrário <strong>de</strong>strói, o inverso dialoga e<br />
25
nega” –, mas é interessante acompanhar seu raciocínio: “parece-me que só uma escrita<br />
invertida, apresentando ao mesmo tempo a linguagem reta e a sua contestação (digamos,<br />
para abreviar: a sua paródia), po<strong>de</strong> ser revolucionária”. [6] O fato é que o poeta con<strong>de</strong>nou a<br />
lógica <strong>de</strong> mercado, por exemplo, mas não a inverteu. Apenas a repeliu, sem transgredi-la. O<br />
que fez com que retornasse veementemente sacramentada pela <strong>de</strong>sarticulação<br />
argumentativa <strong>de</strong> seu i<strong>de</strong>al contestatário. Nem isto, pois não houve retorno. Deu passo<br />
tranquilo a seu curso irrefreável <strong>de</strong> consumismo, com o qual o poeta passou a se i<strong>de</strong>ntificar.<br />
Mas, on<strong>de</strong> o poeta apren<strong>de</strong> a ser gente? Na transmissão <strong>de</strong> conhecimentos, técnicas,<br />
fascinações, sonhos. Antepor-se ao pragmatismo tem sua dose <strong>de</strong> valor, consi<strong>de</strong>rando que<br />
nele a satisfação esgota-se em si mesma. Contudo, há algo no poeta e na linguagem que<br />
encarna, que é suscetível <strong>de</strong> aplicações práticas. O poeta tem que se dispor a trocar a<br />
lâmpada queimada da linguagem, por exemplo. E para tanto necessita compreen<strong>de</strong>r que ele<br />
não é nada se não compartilha mundos, e se não aplica seus conhecimentos no mundo que<br />
habita. Ainda po<strong>de</strong>mos falar no termo revolucionário? Depen<strong>de</strong>rá sempre do poeta. Antes <strong>de</strong><br />
tudo, ele terá que apren<strong>de</strong>r a contestar a si mesmo. Se a partir daí conseguirá renovar<br />
processos, enigmas, <strong>de</strong>sejos, bom, já ninguém se arrisca a apregoar nada em tal território<br />
queimado por <strong>de</strong>scaso <strong>de</strong> seus granjeiros.<br />
Embora o poeta tenha se convertido em peça <strong>de</strong> consumo, a ele não se aplica a mesma<br />
avaliação geral <strong>de</strong> Shah, <strong>de</strong> que “o gosto pela ostentação está em baixa” e que “estamos<br />
voltando à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> inteligência como um luxo”. Por vezes o fulgor <strong>de</strong> espírito é apenas um<br />
efeito. A ostentação foi <strong>de</strong>slocada da linguagem para a figura do poeta, a ponto dos versos<br />
terem se resumido a mera lapidação formal, não cabendo aplicar-lhe sentido algum. O poeta<br />
sim, este faz sentido, brilha pelo luxo <strong>de</strong> sua sagacida<strong>de</strong>, e não propriamente por sua<br />
inteligência. Não está em harmonia com o mundo que o cerca, mas, antes se exibe como<br />
alguém acima <strong>de</strong> todos os olhares. É professoral, distante, ao mesmo tempo simpático, com<br />
aquele ar patético <strong>de</strong> grife estabelecida. O poeta é a glória em si, ainda que a glória não o<br />
reconheça. Alguém por <strong>de</strong>ntro do nada e por fora <strong>de</strong> si mesmo. Ah se ao menos fosse<br />
alguém por <strong>de</strong>ntro da dúvida! A poesia per<strong>de</strong>u a conta do mito, pura e simplesmente porque<br />
o poeta uma bela manhã <strong>de</strong>spertou preocupado apenas com o que vestir ou não vestir.<br />
Daí que o negócio das tendências tenha encontrado tanto terreno para evoluir. Não que<br />
não existisse. O próprio negócio da criação sempre existiu. De alguma maneira um se<br />
contrapunha ao outro. A presença contestatória do artista dava segmento a essa trilha <strong>de</strong><br />
tensão. Mas quando o “fator celebrida<strong>de</strong>” entra em curso, não há dúvida que o negócio <strong>de</strong><br />
apólices <strong>de</strong> seguro se sente reconfortado. O seio <strong>de</strong> uma atriz, o pé <strong>de</strong> um atleta, e… o poeta<br />
faria seguro <strong>de</strong> quê? Por vezes, é tão simples um cheque-mate. Já não dispunha do mito, do<br />
conhecimento mágico, da integrida<strong>de</strong>, da mínima noção <strong>de</strong> humanismo, sua linguagem havia<br />
sido <strong>de</strong> todo incorporada por um fantasma, <strong>de</strong> maneira que a moça, sempre tão simpática,<br />
na recepção <strong>de</strong> propostas <strong>de</strong> apólices, lhe disse: o senhor não vale nada. O poeta sequer<br />
tinha a lembrança do último verso cometido. Como recurso ante a graciosida<strong>de</strong> da mocinha,<br />
ainda tentou: não posso segurar o produto aspiracional que eu sou?<br />
Rimos <strong>de</strong> tudo isto, porém faltou a paródia. O mito consi<strong>de</strong>rado e incorporado, a<br />
discussão, o diálogo. Em circunstância alguma temer o ridículo em que se incorreu. A i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> surpresa e excitação <strong>de</strong>fendida por Shah tem aplicação apenas mercadológica. Ele avança<br />
em uma área <strong>de</strong>sguarnecida pelo poeta. É um homem astuto, sagaz, que enten<strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />
poeta – não <strong>de</strong> poesia – do que qualquer um <strong>de</strong> nós. Aposta em nossa constante egoísta, um<br />
comodismo tanto <strong>de</strong> linguagem quanto existencial, e sua i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “recontextualização” não<br />
vai além <strong>de</strong> um projeto ambientado na manutenção <strong>de</strong> seu afazer: “colocar objetos e i<strong>de</strong>ias<br />
que você conhece num outro ambiente, para criar surpresa e excitação”. Talvez o princípio<br />
da criação poética perambule por aí. Mas ainda estamos tratando <strong>de</strong> consumo. O que o poeta<br />
teria a dizer a este respeito?<br />
No princípio da conversa eu andava por uma rua qualquer, lá no primeiro parágrafo, e foi<br />
interessante pensar que a concepção <strong>de</strong>ste artigo nada teve a ver com um filme que vi há<br />
26
poucos dias, The Forgotten (2004), <strong>de</strong> Joseph Ruben, on<strong>de</strong> havia uma reflexão aparente,<br />
sobre a conexão emocional entre pais e filhos, mas que por trás da trama algo que me<br />
pareceu mais substancioso se erigia: todo conhecimento se anula em si se não po<strong>de</strong> ser<br />
compartilhado. An<strong>de</strong>i caminhando por aquela mesma rua, imaginando mil formas <strong>de</strong> estar<br />
nela. É o que tenho feito a cada verso, a cada passo <strong>de</strong> meu viver. On<strong>de</strong> estão a “Igreja e a<br />
família real” que per<strong>de</strong>mos, no dizer <strong>de</strong> Shah? Nem disto sabemos dar conta. Para que<br />
diabos estão no mundo os poetas? Para escrever os versos mais belos esta noite? Ora, mas já<br />
não foram escritos? O poeta quer ainda mais beleza? Pois que trate <strong>de</strong> viver. Que trate <strong>de</strong><br />
arrancar <strong>de</strong> si a beleza suprema <strong>de</strong> existir, contra todas as marcas <strong>de</strong> luxo e todo o discurso<br />
pueril dos consultores <strong>de</strong> comportamento. Tornem-se, portanto, imprevisíveis.<br />
2. O FANTASMA QUE DANÇA | Afinal, Jelly Roll Morton foi mesmo o inventor do jazz ou<br />
apenas um notável pianista <strong>de</strong> blues? Ou acaso a pergunta está mal colocada e o certo seria<br />
indagar: Jelly Roll Morton foi um notável pianista <strong>de</strong> blues ou apenas o inventor do jazz? O<br />
jazz inventado por Jelly Roll Morton em New Orleans em 1904 difundiu-se por bordéis e<br />
outras casas noturnas até 1923, quando então grava o primeiro disco.<br />
Um ano <strong>de</strong>pois e do outro lado do Atlântico surge o primeiro manifesto do Surrealismo.<br />
Duas décadas adiante André Breton referir-se-ia à colagem inventada por Max Ernst como<br />
“uma proposta <strong>de</strong> organização visual absolutamente virgem”, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dizer, ao<br />
mesmo tempo, que correspondia, em termos <strong>de</strong> poesia, ao que buscaram Lautréamont e<br />
Rimbaud. Max Ernst então seria mesmo o inventor da colagem ou apenas um notável pintor<br />
com tesouras e colas?<br />
Ele próprio dizia que um outro notório surrealista, René Magritte, era autor <strong>de</strong> inúmeras<br />
colagens pintadas à mão. Jelly Roll Morton sabia que a cultura crioula era o diferencial no<br />
jazz que inventara. Assim como Max Ernst, sabia que não é a cola que <strong>de</strong>fine a colagem. Ele,<br />
que começara pintando, sempre confessara seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ir além da pintura.<br />
A varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> técnicas assimiladas ou <strong>de</strong>scobertas por Max Ernst encontra alguma<br />
relação com a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estilos musicais que Jelly Roll Morton evocava ou encarnava em<br />
seu piano. Ambos sabiam que o instrumento não era propriamente o piano ou a cola. Como<br />
separar em Max Ernst ou Jelly Roll Morton o que é esfregação, gospel, ponta seca, ragtime,<br />
água-forte, blues, África, Caribe, visão, obsessão? Seria correto resumir tudo à colagem total<br />
ou escritura automática? Não há justiça ou correção no território da recepção artística. Uma<br />
intencional frase <strong>de</strong> efeito po<strong>de</strong> instaurar-se suprema e inquestionável e atravessar séculos.<br />
Os livros <strong>de</strong> história que alimentam as últimas quatro ou cinco gerações estão repletos <strong>de</strong><br />
fatos que já não correspon<strong>de</strong>m à realida<strong>de</strong>.<br />
Ao introduzir esta palavra (realida<strong>de</strong>) o faço como quem sugere o en<strong>de</strong>reço visceral do<br />
problema: jamais se tratou <strong>de</strong> uma condição singular: não há nada mais múltiplo e diverso e<br />
circunstancial do que a realida<strong>de</strong>. Jelly Roll Morton não inventou o jazz. Max Ernst não<br />
inventou a colagem. Talvez não tenham ido além <strong>de</strong> tentar equilibrar a relação entre<br />
composição e improvisação. Não queriam ser cúmplices <strong>de</strong> Deus nem do Diabo. A batida<br />
habanera <strong>de</strong> Jelly Roll Morton ao piano na primeira década do século XX era uma antevisão<br />
da mesma or<strong>de</strong>m do romance-colagem <strong>de</strong> Max Ernst. Nos dois casos não havia ruptura no<br />
que diz respeito a uma coerência narrativa, mas antes uma outra maneira <strong>de</strong> perceber as<br />
conexões (vamos lá) entre ser e tempo.<br />
O fato <strong>de</strong> haver um recorte “parcialmente lógico” na colagem <strong>de</strong> Max Ernst talvez estimule<br />
uma contradição no que diz respeito à escritura automática. Até hoje o surrealismo pa<strong>de</strong>ce<br />
os efeitos <strong>de</strong>sse erro <strong>de</strong> leitura. A colagem <strong>de</strong> estilos em Jelly Roll Morton é suficiente para<br />
inventar o jazz? Até on<strong>de</strong> o jazz se <strong>de</strong>finia unicamente como uma torrente incontrolável <strong>de</strong><br />
improvisação?<br />
As realida<strong>de</strong>s que se amontoaram ao redor do jazz e da colagem, ao longo da primeira<br />
meta<strong>de</strong> do século XX, conduziram a uma curiosa circunstância que, já nos anos 60, se<br />
apresenta como uma segunda vanguarda. Uma década intrigante e repleta <strong>de</strong> inventores. A<br />
27
música politonal <strong>de</strong> John Coltrane, os efeitos cenográficos evocados por Joseph Beuys, a<br />
erradicação da malha harmônica no free jazz <strong>de</strong> Ornette Coleman, somando-se aí a frustrada<br />
prefiguração <strong>de</strong> um anarquismo que per<strong>de</strong>ria componentes no cal<strong>de</strong>irão alquímico on<strong>de</strong> se<br />
digladiavam a socieda<strong>de</strong> do espetáculo e o maio <strong>de</strong> 68, até então sem perceberem o quanto<br />
eram siameses.<br />
Pobre Max Ernst. Pobre Jell Roll Morton. Seu notável apelo à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fusão<br />
permanente entre composição e improvisação foi uma vez mais esquecido em nome <strong>de</strong> uma<br />
obsessão ou outra: ora a composição, ora a improvisação. Então já não havia mais<br />
surrealismo. O surrealismo sempre foi surdo, e per<strong>de</strong>u muito com isto. Mesmo que Joyce<br />
Mansour tenha dito que não é uma <strong>de</strong>terminada técnica pictórica que po<strong>de</strong> ser entendida<br />
como surrealista e sim o pintor, ou seja, sua visão <strong>de</strong> vida, o surrealismo já então havia<br />
<strong>de</strong>scartado alguns <strong>de</strong> seus mais importantes nomes ligados à pintura por relutância em<br />
aceitar que por trás <strong>de</strong> toda visão <strong>de</strong> vida há uma técnica em que ela se manifesta.<br />
A subversão também é uma técnica. Assim como a dialética, a vertigem e a<br />
inconsequência. A realida<strong>de</strong> exige talento. Descarta o inventor <strong>de</strong> jazz e preserva o notável<br />
pianista <strong>de</strong> blues. Somos todos invenção da realida<strong>de</strong> ou apenas seus notáveis executores?<br />
Assim é que nos anos 60 as técnicas se multiplicaram <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente e não cabia<br />
mais falar em tensão narrativa. Convulsão política, conflitos raciais, anarquismo, rebeliões<br />
sindicais, encontravam-se no mesmo gramado que <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> harmônica, exotismos<br />
melódicos, instalações, body art, prenúncios da multimídia, minimalismo etc. Atirava-se para<br />
todos os lados. E talvez o único alvo fosse o da regência do espetáculo. O estilo Broadway <strong>de</strong><br />
selecionar dançarinos para suas temporadas. Seria tão simples assim?<br />
René Magritte então lembrava que a técnica é indispensável para tornar a obra visível,<br />
mas que não alcança importância além do meio. Destacava ainda que é estúpido (assim se<br />
referia ao tema) o interesse <strong>de</strong>masiado pela técnica. René Magritte referia-se à pintura como<br />
o pensamento que vê. De alguma maneira sobrevivemos ao século XX e a subversão<br />
converteu-se em muitos casos em subserviência. Já não temos mais inventores <strong>de</strong> jazz ou<br />
mesmo notáveis pianistas <strong>de</strong> blues. A socieda<strong>de</strong> do espetáculo prenunciada nos anos 60<br />
instaurou-se <strong>de</strong> tal maneira que abolimos a dualida<strong>de</strong> composição/improvisação, substituída<br />
por uma massa informe que opera no sentido <strong>de</strong> limitar a sensibilida<strong>de</strong> e não <strong>de</strong> aguçá-la.<br />
Resta saber se ainda há uma maneira <strong>de</strong> pintar hoje em dia, ou se acaso tudo se converteu<br />
em uma visão <strong>de</strong> produtores.<br />
***<br />
Qual o verda<strong>de</strong>iro tempo que habitamos com nossas criações?<br />
Ronda-me o fantasma <strong>de</strong> Jelly Roll Morton e o faz sempre bailando com o <strong>de</strong> Max Ernst.<br />
Agenda tomada <strong>de</strong> recortes que são atalhos cuja guia ou senha é mais do que uma saída. A<br />
solução como <strong>de</strong>corrência e não como meta.<br />
Assim é que a linguagem me assalta.<br />
Sem a i<strong>de</strong>ia fixa <strong>de</strong> uma permanente atualização. Intensamente <strong>de</strong>dicada ao parto normal.<br />
Sem fórceps ou cesariana, sem este sentido comercial que confun<strong>de</strong> as tarefas da medicina,<br />
<strong>de</strong>snortear <strong>de</strong> princípios que também a arte achou por bem adotar. Não há brutalida<strong>de</strong><br />
maior que o alheamento. Atenção ao mundo, a si mesmo, a todas as coisas à nossa volta.<br />
Todos os sonhos são reais, como <strong>de</strong>fendia Artaud.<br />
Por on<strong>de</strong> caminha meu pensamento? Por mares <strong>de</strong> espíritos diferentes, por rios <strong>de</strong><br />
sombras encantadas e também pelas poças <strong>de</strong> sangue que i<strong>de</strong>ntificam certas opções que não<br />
aceitamos como tais. Metáforas <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m que muitas vezes funcionam como estímulos<br />
intelectuais, mas que se tornam enfadonhas, mecanismos gastos, se não as insultamos para<br />
que abandonem essa condição teimosamente única, e se lancem além <strong>de</strong> si… além <strong>de</strong> toda<br />
metáfora.<br />
28
Dizer ao corpo nu da mulher <strong>de</strong>sejada estendido sobre a grama que seja mais do que<br />
simplesmente o corpo do <strong>de</strong>sejo. Ou ao mobiliário traçado pelo olhar, por mais que se<br />
configure a realida<strong>de</strong> tangível, que vá além, e <strong>de</strong>scubra uma maneira <strong>de</strong> tornar-se ao mesmo<br />
tempo palpável e imprevisível.<br />
Claro que há um momento em que o autêntico e o falso divi<strong>de</strong>m a mesma cama. Resta<br />
saber se então caberá ainda distingui-los? Não somos propriamente o Bem ou o Mal, mas<br />
antes <strong>de</strong> tudo a maneira como nos <strong>de</strong>ixamos reger por ambos, como nos revelamos na<br />
irritante precisão com que tais forças se entrelaçam.<br />
Não é a semelhança do homem com Deus que <strong>de</strong>ve nos preocupar, mas sim consigo<br />
mesmo. De qual maneira conjugamos <strong>de</strong>sejo e hipocrisia, por exemplo. A palavra pudor é<br />
um <strong>de</strong>sacato, a gran<strong>de</strong> aberração que acoberta nossa <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong>. Consequentemente não<br />
há frau<strong>de</strong> maior do que a beleza. Se eu me referir à ilusão magnífica da liberda<strong>de</strong> talvez se<br />
aceite melhor o que digo. Mas não há diferença entre tais parâmetros.<br />
O caso <strong>de</strong> Robert Mapplethorpe permanece paradigmático em nosso tempo. Seus nus<br />
oscilavam do sublime ao pornográfico, melhor dizendo, do feminino ao masculino. Toda a<br />
intensa relação entre volume, sombra, movimento sugerido, angulação etc., em nada foram<br />
observados quando diante do olhar o que se tinha era o sexo masculino, ereto ou pen<strong>de</strong>nte,<br />
<strong>de</strong>sperto ou disperso. Nem mesmo as mulheres saíram em sua <strong>de</strong>fesa.<br />
Assim é que a beleza é um atributo da mulher e não do feminino. Um fetiche com área <strong>de</strong><br />
atuação prevista em lei. Lei moral. Esta que torna secundária toda e qualquer outra<br />
modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgamento do outro. Não adianta inverter os valores e <strong>de</strong>clarar algo “belo<br />
como um exército <strong>de</strong>rrotado”, como o fez Joyce Mansour.<br />
A rigor, sempre que procuramos tocar a beleza recebemos um choque <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> que<br />
nos esclarece acerca <strong>de</strong> seus limites morais. Estava certo Breton ao dizer que a beleza não se<br />
encontra em um ponto morto e sim na própria vida. Claro. É o que há <strong>de</strong> mais intenso em<br />
nós. É a nossa gran<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. O atributo mais precioso da perfeição. A perfeição do amor, a<br />
perfeição do crime, a perfeição da ilusão. Tudo o que fazemos <strong>de</strong> melhor na vida o fazemos<br />
em nome da beleza.<br />
Então po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r agora o que disse Joyce Mansour e fazer-lhe coro dizendo: belo<br />
como o choque <strong>de</strong> aviões contra as torres gêmeas. Não posso? Também ali um exército foi<br />
<strong>de</strong>rrotado.<br />
Max Svanberg disse certa vez que “para conseguir a beleza nítida é preciso, creio, ser<br />
consciente, até o sofrimento, da presença terrível da morte”. Que beleza então almejamos:<br />
uma beleza <strong>de</strong> meias circunstâncias? Há um claro refinamento livresco na perfeição. Já não<br />
se trata da banalida<strong>de</strong> do mal e sim da ambiguida<strong>de</strong> do bem. Talvez a única beleza possível<br />
seja <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m cosmética, e sua glória cínica: o culto à <strong>de</strong>formida<strong>de</strong> do ser para aten<strong>de</strong>r<br />
àquela que é a mais convulsiva <strong>de</strong> todas as máscaras da beleza: o mercado das emoções.<br />
Não há relação mais intensa entre arte e beleza em nosso tempo. Tudo isto soa<br />
anacrônico porque a religião e a ciência, bem antes da arte, recorreram aos mesmos<br />
métodos. Mas como ainda teimamos em dar algum <strong>de</strong>staque à criação da beleza, como ainda<br />
insistimos na dimensão sublime do belo, cabe então recordar que nada sobrevive longe da<br />
presença terrível <strong>de</strong> seu revés. Negar ou ofuscar a expressão <strong>de</strong>ssa relação íntima dos<br />
contrários é substabelecer representações da hipocrisia por toda a eternida<strong>de</strong>. É o que temos<br />
feito. E o temos feito à perfeição, <strong>de</strong> maneira que esta é nossa beleza.<br />
O chileno Braulio Arenas, como praticamente todo e qualquer surrealista, <strong>de</strong> carteirinha<br />
ou não, a<strong>de</strong>riu aos efeitos pirotécnicos da analogia, e nele encontramos esta preciosida<strong>de</strong>:<br />
“Bela como uma rosa que resolve <strong>de</strong> uma vez por todas o labirinto”. Imagem que po<strong>de</strong> ser<br />
atualizada da seguinte maneira: bela como uma rosa <strong>de</strong> plástico que ilu<strong>de</strong> labirintos. Seria<br />
como trocar um artifício por outro. Um esplendor da retórica. No fundo, a beleza que tanto<br />
ostentamos nos imagina como pudicos conformistas. A arte não faz a menor i<strong>de</strong>ia da guerra<br />
santa que o horror empreen<strong>de</strong> para livrar-se do cinema da beleza.<br />
29
Eis a primeira revolução que se exige <strong>de</strong> um criador: i<strong>de</strong>ntificar a mesa <strong>de</strong> edição dos<br />
efeitos especiais que o fazem sentir-se circunstancialmente belo. E <strong>de</strong>toná-la sem pudor.<br />
A beleza será <strong>de</strong>spudorada ou não será.<br />
3. A TIGELA DOS PROVÉRBIOS | Em um filme do Wim Wen<strong>de</strong>rs, o personagem vivido pelo<br />
ator Sam Neill, solta um lampejo revelador em meio a uma conversa: “Só os milagres têm<br />
sentido”. Não à toa, o personagem é um escritor. Reluto em usar o termo, por <strong>de</strong>sgastada<br />
conotação, venha da parte dos excessos <strong>de</strong> realismo ou das suspeitas <strong>de</strong> alienação. Tema<br />
atualmente piorado pelo antepasto da conveniência, dieta preferida <strong>de</strong> muitos. De qualquer<br />
forma é um termo como outro qualquer. Não limita à vítima ou à divinda<strong>de</strong>. Tampouco lhe<br />
salva <strong>de</strong> qualquer escorrego ou pecado mais grave. E, para muitos, em socieda<strong>de</strong>s que ainda<br />
hoje se dilaceram entre um romantismo piegas e a versão brega do utilitarismo, a indagação<br />
reinci<strong>de</strong>nte ostenta um inconfundível cheiro <strong>de</strong> naftalina: para que serve um escritor? Como<br />
se fizesse parte do script logo em seguida indagar pela serventia do político e do lí<strong>de</strong>r<br />
religioso. No fundo, a pergunta tem a sua graça, a <strong>de</strong> <strong>de</strong>smantelar um mecanismo <strong>de</strong> crença<br />
não na utilida<strong>de</strong> do escritor, mas sim em sua essencialida<strong>de</strong>, no que ele realmente pensa<br />
acerca do que é e do que faz. Descobrimos um santo para cobrir outro. Embora em nenhum<br />
dos casos haja santo algum. Fiquemos com os milagres, portanto, esqueçamos os santos.<br />
O primeiro milagre é o da travessia. Há um provérbio iugoslavo que aconselha: Diga a<br />
verda<strong>de</strong> e saia correndo. Para aqueles que não gostam <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a piada, até hoje não se<br />
sabe se este provérbio foi a causa real do <strong>de</strong>saparecimento da Iugoslávia. A travessia é mais<br />
do que a celebração dos <strong>de</strong>slocamentos. Graças a ela embaralhamos as formas, <strong>de</strong>scobrimos<br />
outros <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós, nascemos infinitas vezes. E criamos coragem para dizer longe <strong>de</strong> casa<br />
o que sob o teto doméstico nem pensar. Na Europa Murilo Men<strong>de</strong>s chegou a <strong>de</strong>clarar-se<br />
surrealista, por exemplo. No Brasil sabia o risco mortal que isto significava. O chileno<br />
Vicente Huidobro encontrou na língua francesa uma forma <strong>de</strong> livrar-se da influência<br />
<strong>de</strong>masiada da cultura europeia em sua poesia. Ao escrever em francês rompeu o ovo da<br />
serpente, <strong>de</strong>scobrindo ali sua força vital. O provinciano é aquele que só diz a verda<strong>de</strong> em<br />
casa? O que não rompe a casca do ovo? O assim chamado mundo lá fora acaba por subverter<br />
a própria imagem que fazemos <strong>de</strong> nós diante do espelho. Associamos à ruptura com o pai o<br />
princípio da constituição <strong>de</strong> um novo ser, uma nova personalida<strong>de</strong>. Não importa com quem<br />
rompemos. Mas quem se põe a pensar isto quando já quase ninguém sabe frigir ovos pela<br />
manhã?<br />
O primeiro milagre persiste: o ponto <strong>de</strong> origem. Os chineses costumavam acreditar que<br />
longa viagem começa por um passo. Com isto, é possível que nem exista um segundo<br />
milagre ou que os milagres não se acumulem. Eles são como a gran<strong>de</strong> casa da singularida<strong>de</strong>,<br />
no sentido <strong>de</strong> que a cada vida correspon<strong>de</strong> um único milagre. Vasculhando a biografia dos<br />
artistas que <strong>de</strong>sempenharam papel fundamental na progressão do que po<strong>de</strong>ríamos chamar<br />
<strong>de</strong> milagre da criação, a vida <strong>de</strong>les é tudo menos invejável. Quem <strong>de</strong>sejaria estar ali, em seu<br />
lugar? Todos <strong>de</strong>sejam a fama, a glória, o prestígio, a conta bancária bem amparada. A arte<br />
nos diverte ou substitui em nós uma verda<strong>de</strong> que se dita por nós nos obrigaria a sair<br />
correndo. A arte é a melhor <strong>de</strong>sculpa que temos para que permaneçamos on<strong>de</strong> estamos.<br />
É possível que o maior <strong>de</strong> todos os milagres seja o da <strong>de</strong>scoberta do outro que temos<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós. Aquele que é revelação e confirmação <strong>de</strong> nossa natureza. Não há significado<br />
secundário para ele. Po<strong>de</strong> ser o amor, a poesia ou a liberda<strong>de</strong>. Para uns é o amor com que<br />
sempre sonhou. Para outros é uma <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> doação. Ou esses jardins que saímos<br />
visitando por toda parte como se o verda<strong>de</strong>iro símbolo da felicida<strong>de</strong> estivesse em<br />
permanente <strong>de</strong>slocamento. Os gregos costumavam dizer que um corvo não tira o olho <strong>de</strong><br />
outro corvo. Uma metáfora que não se aplica ao homem. De tal maneira que o milagre é<br />
quando recebemos um olho. Talvez por haver tido uma vida sempre repleta <strong>de</strong> música,<br />
incluindo aí a amiza<strong>de</strong> com músicos, sempre pensei nela como uma jam session. Foi o que<br />
mais me atraiu quando <strong>de</strong>scobri os jogos surrealistas. O dilema é que logo <strong>de</strong>scobri também<br />
30
que o milagre era bom, mas o santo não. Não é fácil conviver com poetas. A gran<strong>de</strong> proeza<br />
dos poetas é a elasticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu ego. Embora essa firmeza <strong>de</strong> caráter seja uma virtu<strong>de</strong><br />
humana, é curioso como ela se propaga entre poetas. Quando cruzei a soleira da primeira<br />
meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> século vivida fui visitado por dois milagres na poesia. Escrever poemas a quatro<br />
mãos sem que o poema em si seja esquartejado pela armadilha do ego. A brasileira Viviane<br />
<strong>de</strong> Santana Paulo vive em Berlim há muitos anos e não a conheço pessoalmente. O mexicano<br />
Manuel Íris eu o conheci em um pesado inverno <strong>de</strong> 15 graus negativos em Ohio. Nem o frio<br />
nem a distância <strong>de</strong>ram conta do calor <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntificação imediata. No caso <strong>de</strong> Manuel a<br />
intensida<strong>de</strong> foi tanta que na mistura <strong>de</strong> português e espanhol escrevemos um livro tomando<br />
por base o jazz e fomos pouco a pouco mesclando os dois idiomas <strong>de</strong>scobrindo palavras<br />
comuns, em intensa alquimia verbal. Já com a Viviane seguimos <strong>de</strong>gustando nossos abismos<br />
mais secretos, uma comunhão sagrada on<strong>de</strong> os ambientes individuais da escrita se fun<strong>de</strong>m e<br />
inventam um outro ser. Dizem os tibetanos que há três coisas que jamais voltam: a flecha<br />
lançada, a palavra dita e a oportunida<strong>de</strong> perdida. Porém a memória sempre volta, e traz<br />
consigo o martírio do alvo não atingido, da sur<strong>de</strong>z diante do compromisso da palavra dita e<br />
dos ardis que tornaram perdidas as oportunida<strong>de</strong>s. Contudo, sempre sobra um pouco <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>stino no traje da existência.<br />
Há um provérbio brasileiro que diz: A viagem é mais rápida quando se tem boa<br />
companhia. Como a viagem entre músicos. A viagem mítica, <strong>de</strong>masiado romântica, como<br />
muitos po<strong>de</strong>m pensar, em uma carroça <strong>de</strong> atores. Quando <strong>de</strong>ixamos o verbo escorrer pela<br />
espinha com essa mescla <strong>de</strong> vertigem e encantamento, o mistério da <strong>de</strong>scoberta, é que<br />
preenchemos a vida com toda a força <strong>de</strong> nosso espírito. Mas quem po<strong>de</strong>ria imaginar uma<br />
carroça <strong>de</strong> poetas? Po<strong>de</strong>mos pensar em um encontro <strong>de</strong> mágicos, se acaso eles se divertiriam<br />
entre si um fazendo o outro <strong>de</strong>saparecer no fundo falso <strong>de</strong> seu truque. Mágicos divi<strong>de</strong>m<br />
cabine nos acampamentos <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> circo? O poeta <strong>de</strong>ve preferir a viagem mais longa,<br />
sem boa companhia. Cada vez que penso nisto me sinto menos poeta. Ou talvez eu não<br />
esteja sabendo escolher bem os meus provérbios.<br />
Eu vi um verbo correndo como se tentasse escapar <strong>de</strong> uma fábula. Daqui <strong>de</strong> on<strong>de</strong> eu o via<br />
sabia que não ia a parte alguma. Um tolo enche a própria vida <strong>de</strong> máximas. Já vi tolos que<br />
não sobreviviam sem reproduzir frases <strong>de</strong> Schopenhauer. Eu sou o tolo que me ponho aqui a<br />
cotejar provérbios. É um balaio sem fundo. Tem um que garante que a prática leva à<br />
perfeição, exceto na roleta russa. Ora, em circunstância alguma o golpe do acaso se <strong>de</strong>ixa<br />
dominar. Joguemos dados com Deus a vida inteira e nunca blefaremos o suficiente para<br />
adiar o jogo. Porque a vida será sempre a mesa <strong>de</strong> apostas e não o guichê <strong>de</strong> pagamento das<br />
fichas. Já estamos nos distanciando da poesia? Viemos aqui para falar <strong>de</strong> poesia? Eu não sei.<br />
Eu sempre penso que quando falamos <strong>de</strong> qualquer coisa que seja indispensável em nossa<br />
vida nós estamos falando <strong>de</strong> poesia. O que é distinto <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> um poema. A poesia é o que<br />
temos <strong>de</strong>ntro e diante <strong>de</strong> nós. A travessia, a longa viagem, o milagre. Os poemas nascem <strong>de</strong><br />
viagens, como qualquer instância da criação. O prumo precário que inventamos na linha do<br />
horizonte. O verbo dilatado. A sensação <strong>de</strong> estrangeiro em qualquer parte. O poeta é aquele<br />
que não <strong>de</strong>siste um só instante <strong>de</strong> adaptar-se à vida ou o outro que viu no artifício da<br />
estranheza um bom negócio? A verda<strong>de</strong> se queima nas mãos da existência. É uma fadiga da<br />
história quando ela aponta o poema como sendo mais importante que o homem. O poema é<br />
um valioso reflexo <strong>de</strong> seu estar no mundo. E quando calha <strong>de</strong> ser tolo ou indisfarçavelmente<br />
pragmático, impossível seguir acreditando que um dado tenha apenas seis faces.<br />
Os provérbios são como pedras <strong>de</strong> sal postas na língua da história. Até hoje não entendo<br />
a razão que levou o espanhol Juan-Eduardo Cirlot a não incluir “provérbio” entre os verbetes<br />
<strong>de</strong> seu dicionário dos símbolos. A arte, a política, a religião, não <strong>de</strong>ram um passo adiante<br />
sem o jogo astuto das máximas. A César o que é <strong>de</strong> César; A necessida<strong>de</strong> é mestra; Cada qual<br />
tem a ida<strong>de</strong> que parece ter; Mais vale penhor que fiador; Ladrão endinheirado não morre<br />
enforcado; Quem só anda na linha o trem atropela – isto não tem fim. Em a<strong>de</strong>sivos em carros<br />
encontramos uma que reza simplesmente: Deus é fiel. Nunca saberemos que <strong>de</strong>us nem a que<br />
31
ou quem propriamente ele é fiel. Sua astúcia inquestionável está na dubieda<strong>de</strong>. Para elas,<br />
quanto mais se vive, mais se vê. Para a poesia, quem <strong>de</strong>fine a extensão do olhar é a<br />
intensida<strong>de</strong>. Em conversa com a pintora húngara Susana Wald, ela me diz que lamenta que<br />
estejamos sempre a justificar o que fazemos, como se a vida nos impusesse outra coisa. A<br />
vida somos nós e não nos impomos algo distante <strong>de</strong> nós. Por que criar uma i<strong>de</strong>ia tão<br />
negativa do que somos na vida? Quase sempre estamos curando alguma ferida. A arte, em<br />
seu melhor sentido, é um posto <strong>de</strong> emergência para as almas feridas. Não era para ser<br />
engraçadinha como quem vem aqui rir um pouco <strong>de</strong> tudo. Até seria, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cada um<br />
levasse a sério essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rir um pouco <strong>de</strong> tudo. Mais um provérbio? Um plano <strong>de</strong><br />
fuga, que tal? Um sonho. A vida está gravada em nós muito mais a partir do sinal <strong>de</strong> dor do<br />
que propriamente <strong>de</strong> alegria. O que não me agrada na condição tripartida <strong>de</strong> um velho<br />
amuleto é que à ciência corresponda a dúvida, à religião a crença e à arte o maravilhar-se.<br />
Este trevo <strong>de</strong> três folhas jamais me convenceu. Quando ponho a minha vida em uma tigela,<br />
eu o faço no sentido <strong>de</strong> que tanto ela seja provada por todos como que também eu me<br />
renove ao toque <strong>de</strong> cada lábio.<br />
Aqui <strong>de</strong>veria haver um silêncio inquietante na forma <strong>de</strong> uma pergunta irrevelável: essa<br />
coisa não tem fim? É verda<strong>de</strong>. Em qualquer cultura os provérbios ensinam a não <strong>de</strong>morar<br />
muito em voo. É curioso porque aponta na direção <strong>de</strong> uma presunção <strong>de</strong> que estamos<br />
sempre muito próximos das gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scobertas, ao mesmo tempo em que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar<br />
um cuidado para que o santo <strong>de</strong> casa não <strong>de</strong>sista nunca do martírio ao qual <strong>de</strong>vota sua vida.<br />
NOTAS<br />
1. “Não há mais moda”, entrevista conduzida por Luciana Stein. Época # 336, São Paulo, 25/10/2004.<br />
2. Ciclo <strong>de</strong> palestras e <strong>de</strong>bates: “Além do mercado: Literatura/As revistas literárias”. Instituto Goethe.<br />
São Paulo, SP. Outubro <strong>de</strong> 2001.<br />
3. “O corpo <strong>de</strong>spedaçado <strong>de</strong> Orfeu”. <strong>Revista</strong> Poesia Sempre # 8. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Junho <strong>de</strong> 1997.<br />
4. “Poéticas do pós-mo<strong>de</strong>rno”. <strong>Revista</strong> Poesia Sempre # 8. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Junho <strong>de</strong> 1997.<br />
5. “O ofício do poeta” (discurso proferido em Munique, em 1976).<br />
6. “Sobre O sistema da moda e a análise estrutural das narrativas”. Entrevista a Raymond Bellour. Les<br />
Lettres Françaises. Paris. Março <strong>de</strong> 1967.<br />
Floriano Martins (Brasil, 1957). Poeta, ensaísta, tradutor. Contato:<br />
arcflorianomartins@gmail.com. Página ilustrada com obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista<br />
convidado da presente edição <strong>de</strong> ARC.<br />
32
FLORIANO MARTINS | Susana Wald: la vastedad<br />
simbólica<br />
33<br />
No puedo no trabajar en lo visual porque me enfermo.<br />
Esto me suce<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> mi adolescencia.<br />
Susana Wald<br />
1 | La integridad <strong>de</strong>l vértigo | He llegado a la casa <strong>de</strong> Susana Wald en los<br />
afueras <strong>de</strong> Oaxaca, ya con el día en sus últimas tonalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> luz. Fue<br />
un fuerte abrazo, pues ya pasaron casi 7 años <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nuestro encuentro<br />
anterior en la Ciudad <strong>de</strong> México. Mientras tanto, o por todo siempre,<br />
vivimos al fondo, como un enigma, un mensaje <strong>de</strong>l misterio, una amistad<br />
entrañable hecha <strong>de</strong> su material más extraño, la invisible presencia. Por<br />
esa razón el abrazo tuvo la fuerza cifrada <strong>de</strong>l equilibrio. Y luego la adivinanza <strong>de</strong>l pasado<br />
vino en la forma irrefrenable <strong>de</strong> palabras amenas; nos pusimos a hablar <strong>de</strong> todo, como si en<br />
minutos <strong>de</strong>sgranásemos cien años. Testimonio <strong>de</strong> la afinidad, piedra <strong>de</strong> toque <strong>de</strong>l paisaje <strong>de</strong><br />
la memoria. El vino <strong>de</strong> las palabras ha sido el oro <strong>de</strong> la noche. Por la mañana, otra joya<br />
señala un vertiginoso cambio en los muebles <strong>de</strong> la existencia: el azul con que Oaxaca inva<strong>de</strong><br />
las ventanas <strong>de</strong> la casa. El cielo en esa región <strong>de</strong> México, lo mismo que en mi ciudad, la<br />
Fortaleza costera en el Nor<strong>de</strong>ste <strong>de</strong> Brasil, es un oratorio. Ha <strong>de</strong>spertado en mí la mirada<br />
como una reserva natural <strong>de</strong> abismos. Hecho el <strong>de</strong>sayuno salimos a caminar por el campo. Y<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> allí, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la esencia <strong>de</strong> aquel laberinto azul, muchos <strong>de</strong> los símbolos <strong>de</strong> la pintura <strong>de</strong><br />
Susana Wald me hacían señas, como si la raíz <strong>de</strong> todo fuera su conexión íntima con la<br />
leyenda <strong>de</strong>l cielo y sus metamorfosis. No importa que haya vivido en Budapest, Buenos<br />
Aires, Santiago <strong>de</strong> Chile, Toronto. Todo en su vida fue un ritual preparatorio para que su<br />
mirada recibiera el árbol sagrado <strong>de</strong>l azul <strong>de</strong>l cielo <strong>de</strong> Oaxaca. Las otras ciuda<strong>de</strong>s fueron su<br />
periodo <strong>de</strong> incubación, la forma como fue cocinando su mestizaje <strong>de</strong> símbolos.<br />
Hay una pintura suya (“Viaje al fondo”, <strong>de</strong> 2002) que es como un rito <strong>de</strong> pasaje. Ahora la<br />
miro <strong>de</strong> otra manera e incluso allí me reconozco. El escenario es un hombre <strong>de</strong>snudo<br />
nadando en aguas en cuyo fondo se encuentra un huevo. Pero pue<strong>de</strong> ser otro: un huevo en el<br />
fondo <strong>de</strong> aguas visitadas por un hombre <strong>de</strong>snudo. O el agua que contiene dos cuerpos en<br />
perfecto equilibrio, aunque en dos eda<strong>de</strong>s. No importa el ángulo, sino que este acercamiento<br />
–una ronda– entre los cuerpos, sería retratado por mí <strong>de</strong> forma distinta antes <strong>de</strong> reconocer la<br />
intimidad <strong>de</strong>l cielo <strong>de</strong> Oaxaca en los colores <strong>de</strong>l alma <strong>de</strong> Susana Wald. Al regresar <strong>de</strong> la<br />
caminata por el campo, en aquella mañana, he <strong>de</strong>scubierto otras profundida<strong>de</strong>s en el ser <strong>de</strong><br />
esta mujer. Su ingeniería casi mística <strong>de</strong> reaprovechamiento <strong>de</strong>l ambiente natural en el<br />
huerto <strong>de</strong> la casa. El secreto <strong>de</strong> la alquimia es la mirada <strong>de</strong> la luna llena <strong>de</strong> metamorfosis. El<br />
surrealismo en su vida está –como había imaginado el mismo Breton– poco más allá <strong>de</strong> la<br />
estética, sin negarle existencia. Es una suma perenne, inagotable. Un intercambio <strong>de</strong> tanteos.<br />
Caminábamos por el huerto y me explicaba cosas que son la más trivial resina <strong>de</strong> la<br />
supervivencia: plantío, cosecha, humos, basura, diálogo con la naturaleza. Mientras me<br />
enseñaba las vértebras <strong>de</strong> su conexión con la vida, las cuerdas, los peñascos, las serpientes,<br />
los utensilios, los cortinajes, los montes, las calaveras, se acercaban a nosotros a <strong>de</strong>cir lo que<br />
son: esencieros <strong>de</strong> revelaciones <strong>de</strong> una visión muy particular <strong>de</strong> Susana Wald acerca <strong>de</strong> la<br />
relación entre arte y vida.<br />
Fueron tres días en su casa. El cielo, la cocina –las comidas entrañables siempre con la<br />
presencia <strong>de</strong> otra amistad que igual se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir mágica: la mía con su marido, Ludwig<br />
Zeller–, el huerto, y ahora el taller, que ya no sé si es posible i<strong>de</strong>ntificar como un ambiente<br />
aislado <strong>de</strong> todo. La visita al taller fue la última. Lo que podríamos enten<strong>de</strong>r como un lugar
sagrado, un tipo <strong>de</strong> muelle <strong>de</strong> contacto con la trascen<strong>de</strong>ncia, en su caso es la morada <strong>de</strong> la<br />
revelación física <strong>de</strong> su punto <strong>de</strong> equilibrio entre el recuerdo y el sueño, el testimonio y la<br />
visión. El sudor <strong>de</strong> la construcción <strong>de</strong> una obra <strong>de</strong> arte es parte <strong>de</strong> su misterio, y como todo<br />
en ella, es esencialmente real. El taller <strong>de</strong> Susana está lleno <strong>de</strong> sus obsesiones. Allí está la<br />
oscura presencia <strong>de</strong>l símbolo. Los nudos, las piedras, las olas, el recuerdo <strong>de</strong> que todo en su<br />
paisaje es trópico, que lo <strong>de</strong>sea así, el mundo como un hogar <strong>de</strong> sombras incendiadas. Y<br />
tenerla allí, a ella, diciéndome que sí, que no, con su voz siempre empeñada en la<br />
recuperación <strong>de</strong> un mundo –el suyo, el mundo <strong>de</strong>l arte, <strong>de</strong> la creación, <strong>de</strong> la poesía, <strong>de</strong> la<br />
existencia común entre todos los hombres… Susana Wald es alguien que sigue creyendo que<br />
el mundo pue<strong>de</strong> disminuir sus tensiones gracias a la compasión. El huevo filosófico <strong>de</strong> la<br />
compasión es la comprensión mutua <strong>de</strong> la existencia <strong>de</strong> todos en un sitio cualquiera.<br />
En su taller, yo tomaba fotografías <strong>de</strong> obras y ángulos, mientras ella me contaba cosas <strong>de</strong><br />
su vida, recuerdos <strong>de</strong> puntos que han generado la imagen <strong>de</strong> cada pintura o dibujo que me<br />
enseñaba. Todo creador sabe que su ensueño <strong>de</strong> la realidad no es la realidad <strong>de</strong>l ensueño. Es<br />
un truco. La realidad conserva un plan <strong>de</strong> huida <strong>de</strong>l arte porque éste insiste en su<br />
multiplicidad, mientras a ella interesa el disfraz <strong>de</strong> la aprobación cartesiana. Sin embargo, es<br />
imposible imaginar que tantas técnicas <strong>de</strong> manejo <strong>de</strong>l tiempo y el espacio –la ciencia, la<br />
religión, el arte– atiendan a una configuración única. Todo en la vida es plural y ahí está su<br />
magia. Hay singularida<strong>de</strong>s en la caza, en los juegos <strong>de</strong> lenguaje, en la catequesis, en la<br />
argumentación <strong>de</strong> las guerras; a cada conflicto inventamos su razón <strong>de</strong> ser. Mientras yo<br />
tomaba fotos y Susana me mostraba imágenes raras <strong>de</strong> exposiciones y encuentros, otros<br />
lenguajes, la piedra cocida <strong>de</strong> la memoria, la cerámica, el grabado, su pasión por la música,<br />
fue como una lagrimita posada en la mano <strong>de</strong>l tiempo. Y fue con esa misma mano que nos<br />
dijimos adiós al día siguiente, abriendo las puertas <strong>de</strong> otro viaje. Mientras regresaba a mi<br />
casa, una pintura <strong>de</strong> Susana Wald iba tomando forma en mis ojos: “Noche <strong>de</strong> Huayapam”, <strong>de</strong><br />
1997, con una mujer que está entre acostada y suspendida, casi fluctuante, en una vastedad<br />
simbólica que mezcla la sábana, los montes, el laberinto <strong>de</strong> la excavación <strong>de</strong> una antigua<br />
civilización, un casi secreto ciclo mágico <strong>de</strong> ampollas, el cielo con su color que se entraña en<br />
todo el paisaje… Y todo eso como si fuera la escritura onírica <strong>de</strong> un huevo puesto en un<br />
rincón <strong>de</strong> la pintura. Allí está la “exaltación <strong>de</strong> lo femenino”, esa resurrección perenne <strong>de</strong> un<br />
tema muy costoso a la historia <strong>de</strong> la humanidad.<br />
Un largo vuelo <strong>de</strong> regreso a Brasil fue como la casa prometida a la reflexión <strong>de</strong>l motivo,<br />
porque esa pintura ha surgido en mi horizonte visual: su cascada <strong>de</strong> motivos. Exceptuando<br />
las burbujas, cada figura es una sola en la pintura. Pero se convierte en otra cada vez que se<br />
encuentra con la siguiente. Es la magia <strong>de</strong>l cuadro, su habilidad que es una maña, que hace<br />
que la gravedad sea un espejismo entrañado en el cuerpo <strong>de</strong> la mujer. Y el complemento <strong>de</strong>l<br />
significado <strong>de</strong> todo esto se lee en la respuesta que da Susana Wald en una entrevista cuando<br />
se le pregunta acerca <strong>de</strong> la misión <strong>de</strong> los artistas, que ellos <strong>de</strong>berían “indicar el camino”, y<br />
ella muy segura contesta que no, que “es un trabajo que está haciendo en conjunto toda la<br />
humanidad”. Lo mismo que en su pintura, es una cuestión <strong>de</strong> alcance <strong>de</strong> los ángulos, la<br />
integridad <strong>de</strong>l vértigo, la comprensión <strong>de</strong> que somos parte <strong>de</strong> algo. La memoria se fue<br />
tanteando a sí misma, los temas tratados hasta aquí y su resumen –ahora lo comprendo– no<br />
podían llevarnos a otra pintura que no fuera esta “Noche <strong>de</strong> Huayapam”. Allí está una<br />
cosecha <strong>de</strong> miradas, una orquestra <strong>de</strong> símbolos, la actividad al mismo tiempo cósmica y<br />
profundamente humana <strong>de</strong> los pinceles <strong>de</strong> Susana Wald.<br />
Llego finalmente a Fortaleza. El contenido <strong>de</strong> mi cámara fotográfica es la prueba <strong>de</strong> un<br />
mensaje cifrado: que la vida en Oaxaca ha sido la pieza oscura <strong>de</strong> la resurrección <strong>de</strong> esta<br />
mujer. Al caminar por el centro <strong>de</strong> la ciudad, por sus afueras, o por las excavaciones <strong>de</strong> Mitla<br />
o Monte Albán, ella está presente <strong>de</strong> un modo que nadie percibe. Oaxaca es el origen <strong>de</strong> la<br />
piedra multicolor que se llama Susana Wald. Al mismo tiempo invisible. No es parte <strong>de</strong>l<br />
escenario. No está en su folclor. Allí está. Simplemente está. Oaxaca es su joya <strong>de</strong> espíritu.<br />
34
Otra vastedad –el <strong>de</strong>sierto <strong>de</strong> Atacama, en Chile– es la fuente inagotable <strong>de</strong> la creación en<br />
su marido, Ludwig Zeller. I<strong>de</strong>ntificarlos es una cosa. Pero Susana Wald vive Oaxaca en el<br />
presente, mientras que el <strong>de</strong>sierto chileno es una relación amorosa <strong>de</strong> la memoria en Zeller.<br />
Ya sabemos que nada es tangible en las raíces <strong>de</strong> la creación. Aunque sea. El punto aquí es<br />
que el oro <strong>de</strong>l tiempo no es un laberinto, sino la visión <strong>de</strong>l mismo. Lo que llamamos realidad<br />
no importa, sino la manera como se mira. Es la presencia <strong>de</strong>l hombre que hace que las cosas<br />
sean comprendidas como son. No es un sueño; el hombre es la realidad <strong>de</strong> todo. No importa<br />
que su disfraz sea <strong>de</strong> dios o <strong>de</strong> leopardo.<br />
El primer ciclo <strong>de</strong>l viaje se cumplió y ahora trabajamos por correo electrónico acerca <strong>de</strong><br />
los temas pendientes. Al visitar la galería <strong>de</strong> las obras <strong>de</strong> Susana Wald encontramos en sus<br />
títulos muchas <strong>de</strong> las imágenes aquí evocadas, como un tipo <strong>de</strong> germinación <strong>de</strong> un sentido<br />
común. La utilización <strong>de</strong> diversos elementos en su pintura <strong>de</strong>spierta la discusión sobre el<br />
fetiche, o la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> un objeto <strong>de</strong> funcionamiento simbólico. En parte porque Susana no<br />
busca esos elementos, sino que <strong>de</strong>spiertan en ella en el interior <strong>de</strong> un círculo <strong>de</strong> evocación.<br />
Son como la revelación <strong>de</strong> un plano –no importa si existencial, cósmico, sexual– que no está<br />
<strong>de</strong> acuerdo con el lenguaje que lo clasifica. El símbolo en su pintura no es una afirmación. La<br />
ubicación <strong>de</strong> los objetos, su proce<strong>de</strong>ncia, el sitio que ocupan, aunque sean maravillosos,<br />
están para <strong>de</strong>cirnos algo que no está. Es como buscar allí lo que no correspon<strong>de</strong> a la realidad<br />
<strong>de</strong> lo que representan. Al cuerpo le toca el abismo. La <strong>de</strong>finición <strong>de</strong>l cuerpo tiene que ver con<br />
su insaciabilidad. El erotismo en la pintura <strong>de</strong> Susana Wald es un enlace con su sed <strong>de</strong> vivir;<br />
su <strong>de</strong>seo es el <strong>de</strong> una resurrección, siempre la médula <strong>de</strong> una correspon<strong>de</strong>ncia con los<br />
tiempos <strong>de</strong> su vida. Las imágenes evocadas pue<strong>de</strong>n ser heroicas, patéticas, amables,<br />
temblorosas, risibles, no importa. Esta mujer hace <strong>de</strong> su manera <strong>de</strong> ser –y pintar– una<br />
alegoría <strong>de</strong> su misma existencia.<br />
Y la mujer. Ella en sí misma. La necesidad <strong>de</strong> examinar lo que hubo con la mujer. La<br />
afirmación <strong>de</strong> que a lo largo <strong>de</strong> la historia, la presencia <strong>de</strong> la mujer se <strong>de</strong>shace –o es<br />
simplemente borrada– con una velocidad que va más allá <strong>de</strong> la capacidad <strong>de</strong> comprensión <strong>de</strong><br />
su actuación. Lo que llamamos cultura es, en muchos casos, un sepulcro, un motor <strong>de</strong>l<br />
control <strong>de</strong> la civilización. Es como un juego <strong>de</strong> piedras, las que están allí para una función y<br />
otras distintas. Las piedras <strong>de</strong> tu preferencia, las mías. Juego. La colectividad es un juego,<br />
aunque la ilusión sea planeada en nombre <strong>de</strong>l individuo. Es verdad que la mujer siempre ha<br />
sido una víctima, que la historia ha sido conducida, manipulada, arreglada por el hombre.<br />
Simplemente no creo que eso pueda cambiar. Es otro tema. Lo que importa aquí es un tipo<br />
<strong>de</strong> médula existencial en el que no importa el género, don<strong>de</strong> se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir que existe la<br />
oscuridad personal y la oscuridad colectiva, y que yo –en nuestro caso, Susana– comprendo<br />
la necesidad <strong>de</strong> establecer conexiones entre ellas. Creo que éste es el punto más importante<br />
en la <strong>de</strong>cisión estética <strong>de</strong> la pintura <strong>de</strong> Susana Wald.<br />
2 | PICNIC VIRTUAL | DIÁLOGO ENTRE FLORIANO MARTINS Y SUSANA WALD | FM |<br />
Háblame un poco <strong>de</strong> tus recuerdos <strong>de</strong> los cambios <strong>de</strong> sitio: Des<strong>de</strong> Hungría hasta México. No<br />
se trata <strong>de</strong> narrar la cronología <strong>de</strong> esos cambios, sino <strong>de</strong> <strong>de</strong>cirme algo que está por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong><br />
lo visible. De alguna manera ellos fueron <strong>de</strong>finiendo tu visión <strong>de</strong> mundo. Algunas cosas en<br />
particular seguro fueron las más <strong>de</strong>cisivas.<br />
SW | Nací en una familia judía. Estoy hablando <strong>de</strong> un judaísmo cultural, no religioso. Mi<br />
padre era ateo. Mi madre se convirtió al catolicismo, pero nunca fue practicante. Me crié en<br />
la religión católica que abandoné cuando, a mis dieciocho años, se promulgó un dogma y yo<br />
<strong>de</strong>cidí que no podía creer en algo simplemente porque fuera obligatorio. Durante mi niñez<br />
sentí alre<strong>de</strong>dor mío la persecución <strong>de</strong> los judíos. De hecho <strong>de</strong>bo mi vida (ya lo he<br />
mencionado) a Raoul Wallenberg quien me sacó, junto a mi hermano y mis padres, <strong>de</strong> la fila<br />
<strong>de</strong> gente que fue llevada al exterminio. De alguna manera este hecho me hizo sentir que yo<br />
no era húngara, o por lo menos no tan húngara como los otros húngaros. Cuando aún niña,<br />
35
mi confesor me explicó que no <strong>de</strong>bía mencionar que era judía. Creo que lo hizo por mi bien,<br />
para protegerme, pero el resultado fue que me sentí extranjera en mi propia patria.<br />
Mis padres <strong>de</strong>cidieron emigrar cuando el comunismo estaliniano húngaro, bajo el régimen<br />
<strong>de</strong> Rákosi, <strong>de</strong>claró la guerra a la burguesía. Yo tenía entonces once años y medio. Por parte<br />
<strong>de</strong> padre y madre vengo <strong>de</strong> una familia que se estableció en la burguesía asimilada en un<br />
esforzado proceso <strong>de</strong> doscientos años.<br />
Al inicio <strong>de</strong> la emigración vivimos tres meses en Verona, Italia, en casa <strong>de</strong> una hermana <strong>de</strong><br />
mi madre; al ser apátridas mis padres tuvieron que hacer los trámites para que pudiéramos<br />
“existir” legalmente, esa fue la razón <strong>de</strong> nuestra larga estancia.<br />
Mi familia emigró a Buenos Aires don<strong>de</strong> vivía un hermano <strong>de</strong> mi padre. En Buenos Aires<br />
pasé los años <strong>de</strong> mi adolescencia; fui a la escuela primaria y luego a una escuela técnica<br />
don<strong>de</strong> me gradué <strong>de</strong> Técnico en Cerámica. También en Buenos Aires conocí a José Hausner,<br />
el padre <strong>de</strong> mi hija Beatriz. Nos casamos cuando yo tenía diecinueve años y él treinta.<br />
Por mi relación con José Hausner me mudé a Santiago <strong>de</strong> Chile. Ahí nacieron mis tres<br />
hijos: Beatriz y Alejo, con José, y más tar<strong>de</strong> Javier, con Ludwig. Beatriz y Alejo eran niños<br />
cuando me separé <strong>de</strong> José.<br />
Conocí a Ludwig en la Escuela <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> la U. <strong>de</strong> Chile, en Santiago. Por su influencia<br />
<strong>de</strong>jé la medicina investigativa que había elegido seguir en vez <strong>de</strong> la plástica. Ludwig organizó<br />
mi primera exposición individual. Tres años más tar<strong>de</strong> se mudó a vivir conmigo.<br />
Por Ludwig Zeller conocí más a fondo el surrealismo. Él estaba muy sumergido en esta<br />
corriente <strong>de</strong> arte y pensamiento. Inundó mis estantes con libros <strong>de</strong> surrealistas, poetas en su<br />
mayoría, algunos <strong>de</strong> los cuales había heredado <strong>de</strong> miembros <strong>de</strong> la Mandrágora o <strong>de</strong> personas<br />
como Rosamel <strong>de</strong>l Valle. Juntamos una gran cantidad <strong>de</strong> libros muy especializados, unos mil<br />
quinientos volúmenes que <strong>de</strong>bimos <strong>de</strong>jar en Chile y que, junto con nuestros papeles, se<br />
perdieron durante el periodo <strong>de</strong>l golpe militar <strong>de</strong> Chile.<br />
Durante mis estudios en la Escuela Nacional <strong>de</strong> Cerámica <strong>de</strong> Buenos Aires ya había<br />
asistido a cinco años <strong>de</strong> clase <strong>de</strong> historia <strong>de</strong>l arte. Nuestro profesor tocó el tema <strong>de</strong>l<br />
surrealismo. Recuerdo que nos presentó un cuadro <strong>de</strong> Dalí en que se ve a un personaje <strong>de</strong><br />
espaldas, viéndose en un espejo, también <strong>de</strong> espaldas. El profesor nos habló <strong>de</strong> la sensación<br />
onírica <strong>de</strong>l cuadro, y <strong>de</strong> la intención <strong>de</strong>l surrealismo <strong>de</strong> incorporar la realidad <strong>de</strong>l sueño a la<br />
realidad diurna.<br />
Durante nuestra vida en Santiago, <strong>de</strong>spués que Ludwig se mudó a vivir conmigo, no nos<br />
separamos nunca por más <strong>de</strong> una hora o dos. Vivíamos muy unidos. Trabajábamos juntos.<br />
Era tan natural como comer en la misma mesa.<br />
Cuando la situación política chilena se radicalizó nos atacó el partido comunista. Los<br />
socialistas se aliaron con los comunistas para que Allen<strong>de</strong> ganara la elección. No teníamos<br />
un respaldo fijo en lo político y los miembros conocidos que eran miembros <strong>de</strong>l Partido<br />
tampoco nos apoyaron. Éramos muy activos y mucha gente nos conocía. El ambiente se hizo<br />
irrespirable. Al ganar Allen<strong>de</strong> perdimos <strong>de</strong> un día al otro los trabajos con que nos<br />
ganábamos la vida, dos <strong>de</strong> Ludwig, dos míos. Con tres hijos menores y un adolescente cerca<br />
nuestro, y habiendo vivido siempre al día, no nos parecía quedar más opción que irnos.<br />
Anteriormente, durante un largo viaje que hicimos <strong>de</strong> Santiago a Antofagasta en un Citroën<br />
<strong>de</strong> dos caballos <strong>de</strong> fuerza, habíamos pon<strong>de</strong>rado adón<strong>de</strong> podríamos ir (Australia o Canadá).<br />
Cuando llegó el momento, optamos por Canadá. Yo fui <strong>de</strong> a<strong>de</strong>lantada. Me siguió Ludwig con<br />
Javier <strong>de</strong> dieciocho meses. Unos meses más tar<strong>de</strong> llegaron Beatriz y Alejo.<br />
Viví veinticuatro años continuados en Canadá. (Había vivido once años en Hungría, ocho<br />
en Argentina, trece en Chile.) Es un país que a mí me gusta. Como soy europea con<br />
formación en Buenos Aires, una ciudad muy cosmopolita, como Toronto, me agrada, me<br />
siento en mi casa ahí. El clima no me molesta. Hungría también tiene inviernos fríos. El<br />
inglés que ya traía (mis padres, buenos burgueses húngaros estimaban que era<br />
imprescindible que una mujer bien educada hablara varias lenguas, por lo que tuve que<br />
apren<strong>de</strong>r a hablar inglés y francés), lo pu<strong>de</strong> perfeccionar en el ambiente anglófono <strong>de</strong><br />
36
Ontario. Los primeros tiempos en Canadá fueron muy duros. Trabajé en lo que encontraba, a<br />
sueldo mínimo, trepando unos centavos por hora <strong>de</strong> un trabajo al siguiente. Eso durante<br />
cuatro años. Luego, con ayuda <strong>de</strong> una mujer que se compa<strong>de</strong>ció <strong>de</strong> mi situación, encontré un<br />
puesto en la Escuela <strong>de</strong> Artes Visuales <strong>de</strong> una universidad técnica que se llamaba Sheridan<br />
College. Estuve ahí veinte años como docente. Tenía muy buen sueldo, por lo que pudimos<br />
vivir con bastante holgura, a pesar <strong>de</strong> que nuestra economía nunca avanzaba porque<br />
invertíamos todo en los hijos, en las ediciones <strong>de</strong> Oasis Publications y en los frecuentes<br />
viajes a Estados Unidos y a Europa a través <strong>de</strong> los cuales pudimos hacer muchos contactos.<br />
Durante veintitrés años Ludwig vivió <strong>de</strong>sdichado en Toronto. No se podía ajustar al<br />
mundo anglo, a pesar <strong>de</strong> que es un entusiasta lector <strong>de</strong> la literatura <strong>de</strong> esa cultura (poetas<br />
como Eliot, Pound, Sitwell y otros los conocí por intermedio <strong>de</strong> Ludwig, quien los leía en<br />
traducción al castellano).<br />
Por el interés <strong>de</strong> Ludwig <strong>de</strong> vivir en un lugar <strong>de</strong> habla hispana, y por no haber podido<br />
encontrar nada que pudiéramos financiar en España, iniciamos en 1988 el primero <strong>de</strong> ocho<br />
viajes por tierra <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Toronto hasta Oaxaca (y siete <strong>de</strong> vuelta). Esas fueron vivencias<br />
extraordinarias. Manejaba yo. Son 5000 kilómetros. Nos <strong>de</strong>morábamos siete días en ello.<br />
También hemos viajado mucho en auto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> México. Ludwig se mudó a Oaxaca a<br />
fines <strong>de</strong> 1992 y vivió ahí por su cuenta durante todo 1993. Yo estaba cómoda en Toronto,<br />
pero cedí a las invitaciones <strong>de</strong> Ludwig y en mayo <strong>de</strong> 1994, tras renunciar a mi cargo en la<br />
universidad y <strong>de</strong>jar la casa que tenía en el centro <strong>de</strong> Toronto, me mudé para vivir con él en<br />
Oaxaca.<br />
Durante el levantamiento popular <strong>de</strong> Oaxaca, en 20<strong>06</strong>, tomé conciencia <strong>de</strong>l hecho <strong>de</strong> que<br />
hay en mi interior una sombra causada por el temor, terror incluso, en que vivían los adultos<br />
a mi alre<strong>de</strong>dor durante la Segunda Guerra Mundial. Es algo que está ahí y que no tiene<br />
forma.<br />
En Oaxaca, un lugar hasta hace poco totalmente aislado <strong>de</strong>l mundo y <strong>de</strong>l resto <strong>de</strong> México,<br />
hay mucho recelo, mucho temor inconsciente ante todo lo que viene <strong>de</strong> fuera. No dudo <strong>de</strong><br />
que los oaxaqueños tienen sus razones. Pero a mí me afecta este constante bombar<strong>de</strong>o <strong>de</strong><br />
“usted no es <strong>de</strong> aquí”. Toronto es un lugar en que la gran mayoría <strong>de</strong> la gente son recién<br />
llegados, y como nadie “es <strong>de</strong> ahí”, el problema <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> fuera no existe. Otro factor que me<br />
afecta es que en Toronto está más avanzada la liberación femenina, lo que facilita la vida <strong>de</strong><br />
las mujeres viejas como la que soy.<br />
Hay que agregar también que es en Oaxaca don<strong>de</strong> pu<strong>de</strong> por fin llegar a tener una casa<br />
propia, plantar un jardín y ro<strong>de</strong>arme <strong>de</strong> cosas y personas que me alientan y me asisten para<br />
mi trabajo interior y mi labor artística.<br />
Las cosas <strong>de</strong>cisivas:<br />
Mi mudanza <strong>de</strong> Buenos Aires (una ciudad que es fundacional en mi evolución) a Santiago,<br />
con José Hausner. Fui entusiasta <strong>de</strong> Chile. Busqué y obtuve la nacionalidad chilena.<br />
Mi encuentro con Ludwig Zeller, que cambió mi vida y dio dirección a mi vocación<br />
artística.<br />
Nuestra emigración a Canadá, y mi vida en Toronto don<strong>de</strong> obtuve la nacionalidad<br />
canadiense.<br />
Mi mudanza a México don<strong>de</strong> vivo gozando <strong>de</strong> lo que me ro<strong>de</strong>a, al tiempo que añoro la<br />
vida <strong>de</strong> Toronto.<br />
En cuanto a mi visión <strong>de</strong>l mundo: Lo veo en crisis. La parte buena <strong>de</strong> eso es que toda<br />
crisis es también una oportunidad. Existe la oportunidad ahora, según lo veo, <strong>de</strong> hacer<br />
cambios en el mundo. Es posible salir <strong>de</strong> la maraña y llegar a una vida más positiva, más<br />
sana, más libre y más vital. Lucho por manifestar esto en mi obra.<br />
FM | Antes <strong>de</strong> conocer a Zeller, ¿trabajabas solamente con cerámica?<br />
SW | En cerámica y en dibujo. Siempre he trabajado en dibujo. Me apasiona y tengo<br />
37
talento para ello. Mi primera exposición individual (la que me organizó Ludwig) fue <strong>de</strong><br />
dibujos (a los que nadie prestó atención) y <strong>de</strong> cerámicas (que se vendieron en su casi<br />
totalidad).<br />
Por circunstancias muy largas <strong>de</strong> enumerar, en 1998 me quedé sin taller <strong>de</strong> cerámica y<br />
comencé a elaborar mirages con Ludwig. De esa actividad pasé a la pintura. Ahora, sin taller<br />
cerámico (carísimo <strong>de</strong> montar), pero con un buen taller <strong>de</strong> pintura, me <strong>de</strong>dico a pintar,<br />
dibujar y hago grabados en el taller Bambú, <strong>de</strong> un amigo, Abraham Torres. También juego<br />
con la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> volver a la escultura en barro. El año pasado hice ya algunas piezas en el taller<br />
<strong>de</strong> Adán Pare<strong>de</strong>s, un amigo que vive en el Valle <strong>de</strong> Oaxaca. Ese taller me queda lejos, pero me<br />
atrae. Haciendo escultura experimento un estado <strong>de</strong> completa beatitud.<br />
FM | Casa <strong>de</strong> la Luna en Chile, Oasis Publications en Canadá, Vaso Comunicante en México.<br />
Dame pistas <strong>de</strong> las relaciones entre esas activida<strong>de</strong>s siempre tan intensas.<br />
SW | Las tres editoriales y todo el trabajo que ellos requerían eran <strong>de</strong>bidos al impulso y<br />
creatividad <strong>de</strong> Ludwig. Y las tres tienen como característica que no los llevaba solo, sino que<br />
se apoyaba en mi colaboración. En Vaso Comunicante hay algún artículo que he propuesto<br />
yo. Todo lo <strong>de</strong>más es siempre propuesta <strong>de</strong> Ludwig.<br />
FM | Explícame un poco qué fue esa pintura sobre el piso en una sala <strong>de</strong> la Universidad<br />
Católica, y háblame también <strong>de</strong> la exposición en sí.<br />
SW | Este sería un relato larguísimo. En breve: Alumnos <strong>de</strong> Rodolfo Opazo, un pintor<br />
chileno amigo, vinieron con él a visitarnos y a pedir ayuda para hacer una exposición <strong>de</strong><br />
surrealismo en la Universidad Católica <strong>de</strong> Chile, en Santiago. Durante la discusión <strong>de</strong> qué se<br />
podía hacer para obligar al público a involucrarse en la actividad surreal yo propuse que<br />
hiciéramos una pintura en el piso y que dijéramos a los asistentes que, habiendo una obra <strong>de</strong><br />
arte en el piso, <strong>de</strong>bían quitarse los zapatos para entrar en la sala. Para mí esto era normal.<br />
Yo hacía murales cerámicos que siempre se armaban en el piso. Se lograron los permisos y a<br />
las seis <strong>de</strong> la tar<strong>de</strong> anterior a la inauguración Viterbo Sepúlveda, Valentina Cruz y yo nos<br />
inclinamos sobre el piso y con la ayuda <strong>de</strong> alumnos <strong>de</strong> Bellas Artes <strong>de</strong> la U. Católica<br />
logramos completar el trabajo para las seis <strong>de</strong> la mañana. Ludwig Zeller hizo un enorme<br />
recorte en papel <strong>de</strong> un falo que subía al muro y Viterbo pintó en el piso los testículos<br />
correspondientes. Yo hice una figura femenina algo sentimental; Viterbo, el mejor pintor <strong>de</strong><br />
los tres, pintó elementos <strong>de</strong> aspecto corporal que amarraban el todo.<br />
Las obras expuestas en Surrealismo en Chile fueron buenas, importantes. Dos enormes<br />
telas <strong>de</strong> Matta, cosas <strong>de</strong> Zañartu, Antúnez, Cruz y bastantes otros. Dibujos míos. Era tiempo<br />
<strong>de</strong> campaña electoral y colgamos un maniquí con el bando como “presi<strong>de</strong>nciable”. Había<br />
obras <strong>de</strong> presos <strong>de</strong> la cárcel, piezas tridimensionales. En la inauguración participaron unas<br />
mo<strong>de</strong>los vistiendo creaciones <strong>de</strong> un modisto famoso, muy espectaculares. También se<br />
presentó un acto, un happening, llamado “El entierro <strong>de</strong> la castidad en la Universidad<br />
Católica”. A mí me tocó anunciarlo, en medio <strong>de</strong>l silencio espectral en que cayó el<br />
abundantísimo público parado sin calzado, en pleno invierno, entre pausas <strong>de</strong> la música<br />
electrónica clásica.<br />
FM | ¿Cómo entien<strong>de</strong>s la relación <strong>de</strong> tu obra con el surrealismo? Y luego el movimiento<br />
Phases. ¿Secuencia o consecuencia <strong>de</strong>l surrealismo?<br />
SW | Los dibujos que he hecho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1963 han sido surrealistas incluso sin yo<br />
proponérmelo. Sentía la libertad <strong>de</strong> hacerlos como quisiera, y me salieron surrealistas. Me<br />
parecen inaceptables los dogmatismos, incluso <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l surrealismo. No los acepto y no<br />
me doblego. En esto choqué incluso con algunos <strong>de</strong> los surrealistas <strong>de</strong> París, como Gérard<br />
38
Legrand. Que mi obra la consi<strong>de</strong>ren surrealista o no, no me importa. ¡Lo es! El automatismo,<br />
sea <strong>de</strong> quien sea, está cargado <strong>de</strong> elementos que nacen <strong>de</strong> la educación, y <strong>de</strong>l fondo cultural<br />
<strong>de</strong>l que se viene. Mi manera <strong>de</strong> crear pue<strong>de</strong> partir <strong>de</strong>l automatismo, como es el caso <strong>de</strong> mi<br />
serie <strong>de</strong> “La selva oscura”. En esta modalidad trato <strong>de</strong> mantener la imagen lo más posible, y<br />
cuando surge <strong>de</strong> forma imperiosa algo “reconocible”, lo realzo y lo <strong>de</strong>sarrollo. Otro modo en<br />
que trabajo es que me mantengo atenta a imágenes que surgen justo antes <strong>de</strong> dormir (la<br />
mayor parte <strong>de</strong> las veces) o en medio <strong>de</strong>l sueño (menos). Me arrastro hacia un lápiz y dibujo<br />
sobre lo que sea un garabato para acordarme <strong>de</strong> lo que vi. Luego <strong>de</strong>sarrollo esa imagen,<br />
como en el caso <strong>de</strong> los huevos, dándoles un aspecto tal que sean creíbles como una realidad,<br />
usando todos los recursos que se me ocurren, incluso creando mises en scène con paños y<br />
objetos varios. Estas modalida<strong>de</strong>s me parece que me relacionan con el surrealismo. Lo que<br />
también me relaciona es ver la obra <strong>de</strong> otros surrealistas que me agradan, y leer poesía y<br />
textos que me acercan al surrealismo. El relato <strong>de</strong> sueños también me interesa.<br />
A través <strong>de</strong> Ludwig Zeller me he conectado no sólo al surrealismo, sino también a la<br />
psicología. Me interesa más que nada la psicología profunda jungiana. En esa área hay<br />
gran<strong>de</strong>s contribuciones <strong>de</strong> mujeres, sobre todo en los últimos treinta años.<br />
Por una recomendación que le hiciera Aldo Pellegrini, Ludwig Zeller ha propuesto que nos<br />
pusiéramos en contacto con Edouard Jaguer, el lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong>l Movimiento Phases. Participamos en<br />
Phases en forma muy activa. Hemos organizado exposiciones, publicamos obra <strong>de</strong> otros<br />
participantes <strong>de</strong> Phases. Nuestra relación con Jaguer se quebró sobre un asunto que le<br />
mencionamos. Después <strong>de</strong> eso Jaguer siguió publicando obra <strong>de</strong> Ludwig, pero no mía.<br />
Me ha sucedido esto con Jaguer y otra persona. Como he actuado siempre <strong>de</strong> intérprete<br />
simultánea <strong>de</strong> Ludwig, me atribuyen cosas que dice él y que no les gustan y luego se<br />
distancian <strong>de</strong> mí. En cambio con él no se pelean, porque tiene una carácter <strong>de</strong> oro, cosa que<br />
heredaron sus dos hijos que también son encantadores <strong>de</strong> serpientes.<br />
Consi<strong>de</strong>ro a Phases <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l surrealismo. La controversia entre Jaguer y Breton está en<br />
que Breton no admitía el abstraccionismo. Pero puedo <strong>de</strong>cir que a mi ver Jaguer ha sido un<br />
fiel y <strong>de</strong>voto surrealista. Por eso creo que Phases es secuencia <strong>de</strong>l surrealismo. Es también<br />
una expresión <strong>de</strong>l surrealismo tras los estragos <strong>de</strong> la Segunda Guerra, mientras que el<br />
movimiento <strong>de</strong> Breton es típico <strong>de</strong> entreguerras.<br />
FM | El trabajo a cuatro manos con LZ –dibujos, pinturas, collages–, ¿qué agrega a tu<br />
plástica?<br />
SW | La insistencia <strong>de</strong> trabajar en colaboración partió <strong>de</strong> Zeller, como lo he expresado en<br />
un ensayo que hice recientemente en inglés y que se va a publicar en Canadá. El ejercicio me<br />
ha resultado una <strong>de</strong>licia. Esa sensación no <strong>de</strong>saparece ahora tampoco. Tanto a Zeller como a<br />
mí nos resulta una situación lúdica que da sorpresas y resultados graciosos. Y es importante<br />
para mí que fue por medio <strong>de</strong> los mirages y <strong>de</strong> los tropiezos al producirlos hasta 1979<br />
(cuando tuvimos nuestra gran exposición en la Art Gallery of Hamilton), fue por esos<br />
tropiezos que aprendí a pintar y a enten<strong>de</strong>r los problemas que implica la aplicación <strong>de</strong><br />
pintura a una superficie plana, problemas muy distintos a los que se presentan en la<br />
cerámica en que se usan vidriados y media el trabajo <strong>de</strong>l fuego. Lo que los mirages me han<br />
agregado es el placer <strong>de</strong> compartir una obra con otra persona con quien tengo una afinidad.<br />
Recientemente he trabajado a cuatro manos con Deborah Barnett, una pintora amiga <strong>de</strong><br />
Toronto, y ahora con Siegrid Wiese, una pintora <strong>de</strong> Oaxaca.<br />
FM | ¿Des<strong>de</strong> dón<strong>de</strong> surge Susana Wald? Pienso en el complejo o <strong>de</strong>licado tema <strong>de</strong> las<br />
influencias, que no tiene que ver necesariamente con la plástica.<br />
SW | Vengo <strong>de</strong> una familia culta, lectora, con gusto por el <strong>de</strong>bate, interesada en aspectos<br />
muy variados <strong>de</strong> lo cultural. Mi madre era pianista, graduada en el Conservatorio <strong>de</strong><br />
39
Budapest, alumna <strong>de</strong> Kodály y Bartók. Mi padre <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequeña me llevaba al circo, al<br />
zoológico, a la ópera y también al Museo <strong>de</strong> Bellas Artes <strong>de</strong> Budapest. Jorge, mi padre,<br />
también me leía poesía y me regalaba libros <strong>de</strong> poetas clásicos <strong>de</strong> Hungría como János<br />
Arany. Con mi madre iba a conciertos, semanalmente. En mi vida en Buenos Aires recorría<br />
las galerías <strong>de</strong> arte (había más <strong>de</strong> cien) en forma regular. Iba a museos. Llegué tar<strong>de</strong> a la<br />
escuela primaria (durante la Guerra no había clases), pero aprendí a leer y escribir con <strong>de</strong>licia<br />
y mis padres me tuvieron abastecida, durante mi niñez, <strong>de</strong> libros en húngaro y castellano y<br />
revistas como el Billiken, <strong>de</strong> Argentina. No recuerdo haber pasado un día <strong>de</strong> mi vida <strong>de</strong> joven<br />
ni actual sin leer. Leí el Martín Fierro por primera vez en húngaro. Leía a Géza Gárdonyi,<br />
Julio Verne, a Stevenson, y más tar<strong>de</strong> a Borges, a medida que salían sus libros, así como a<br />
Sartre, a Butor y una enormidad <strong>de</strong> otros autores. En la Alianza Francesa <strong>de</strong> Buenos Aires me<br />
metí en un curso <strong>de</strong> teatro y participé en el montaje <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> Cocteau. Anteriormente, en<br />
Budapest, participé en un coro a cinco voces (tengo buen oído y buena voz). Quise apren<strong>de</strong>r<br />
a bailar (era <strong>de</strong>lgada y muy flexible), pero no se dio la cosa. La redacción la aprendí <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el<br />
húngaro, en quinta <strong>de</strong> la primaria, y luego <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el inglés, por intervención <strong>de</strong> un maestro <strong>de</strong><br />
quinto año, en el Instituto Argentino-Británico, apasionado por el tema. Me interesa en<br />
especial el ensayo, y gozo mucho cuando un texto está bien escrito. Me interesan todas las<br />
artes y las ciencias exactas, la tecnología, la ingeniería, también la historia, la geografía, la<br />
historia natural, la medicina y la psicología.<br />
FM | Finalmente tu inquietud nómada te lleva a Oaxaca, sitio en que <strong>de</strong> algún modo se<br />
revela el espacio más tranquilo para tu creación. ¿Cómo fue el traslado?<br />
SW | He llegado por primera vez a Oaxaca en 1988. Des<strong>de</strong> esa fecha hice ocho viajes por<br />
tierra para venir a esta ciudad. Eran periodos <strong>de</strong> diez semanas <strong>de</strong> estadía. Des<strong>de</strong> el primer<br />
viaje hice contacto con escritores y artistas. En mayo <strong>de</strong> 1994, en el séptimo viaje, me mudé<br />
con todas mis cosas cargadas en dos camionetas (vine con dos choferes extra para turnarnos<br />
en las manejadas).<br />
Tenía mucha energía, mucho entusiasmo y estaba muy puesta en hacer todo lo que<br />
pudiera ayudar a Ludwig a salir <strong>de</strong> Toronto. Yo me sentía y sigo sintiéndome bien ahí. Soy<br />
muy adaptable, me puedo ajustar a los lugares más distintos, puedo hacerme enten<strong>de</strong>r por<br />
gentes muy diversas.<br />
Entre 1975 y 1986 íbamos a Europa una vez al año, en general durante seis semanas.<br />
Primero a Francia, luego a Francia y España. En España buscábamos incluso un lugar don<strong>de</strong><br />
vivir. Para 1986 España y toda Europa se hicieron <strong>de</strong>masiado caros para nosotros. Uno <strong>de</strong><br />
mis colegas en la universidad había venido a México por tierra para un sabático y me habló<br />
<strong>de</strong> su viaje. Empezamos a jugar con la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> hacer nuestras vacaciones en México. Yo<br />
trabajaba los semestres <strong>de</strong> otoño y <strong>de</strong> verano y tenía doce semanas <strong>de</strong> tiempo, nueve <strong>de</strong><br />
vacaciones, dos <strong>de</strong>l tiempo entre Navidad y Año Nuevo y una semana <strong>de</strong> vacación en marzo.<br />
Mi hija Beatriz vino a México a una conferencia, llegó a Oaxaca, le encantó. Nos visitó Álvaro<br />
Mutis en Toronto y también nos recomendó Oaxaca.<br />
En diciembre <strong>de</strong> 1988 nos metimos en un auto que entonces tenía y nos lanzamos al viaje.<br />
A mí me gusta manejar. Me gusta ver lugares y gente. Me consuela la tierra y ver sus muchas<br />
formas. Los viajes, pequeñas odiseas, duraban siete días. Tuvimos muchas aventuras, una en<br />
Waco, Texas, mucho antes <strong>de</strong> que se hiciera famoso. Nos levantábamos temprano cada día, al<br />
quebrar el alba o incluso antes y manejaba dos horas antes <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sayuno. Parábamos una<br />
hora para comer y <strong>de</strong>scansar. Luego manejaba hasta la una <strong>de</strong> la tar<strong>de</strong>. Parábamos otra hora<br />
para comer y <strong>de</strong>scansar. Luego manejaba hasta llegar a la ciudad adon<strong>de</strong> teníamos pensado<br />
llegar ese día. Partíamos <strong>de</strong>l invierno <strong>de</strong> Canadá, con nieve, frío, tormenta <strong>de</strong> nieve, manejo<br />
lento y pesado. Íbamos <strong>de</strong>recho al sur, luego hacia el oeste, otra vez al sur. Para cuando<br />
llegábamos a la región cercana a Memphis, sobre el Mississipi, estábamos fuera <strong>de</strong> las zonas<br />
en que había helada, había un par <strong>de</strong> grados sobre cero y ya podíamos tomar nuestro<br />
40
<strong>de</strong>sayuno al aire libre en los lugares que hay en las carreteras <strong>de</strong> EUA para <strong>de</strong>scansar, con<br />
mesas, bajo árboles.<br />
La mudanza a Oaxaca es un parteaguas. Ya no trabajo en Sheridan College, a 43<br />
kilómetros <strong>de</strong> mi casa, viajando en toda clase <strong>de</strong> tiempo invernal que se da en Canadá, con<br />
responsabilida<strong>de</strong>s muy fuertes que da la docencia. En Toronto recién cuando dos <strong>de</strong> mis<br />
hijos ya se han ido <strong>de</strong> casa y Ludwig se va a Oaxaca tengo durante un año un cuarto propio<br />
para pintar. Entonces hago la serie <strong>de</strong> “Ventanas”. Luego en Oaxaca construyo una casa y<br />
finalmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1997 tengo un taller amplio, luminoso, ajustado a mis necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
pintora. La libertad <strong>de</strong> horarios y el espacio nuevo me permiten hacer más <strong>de</strong>l 60% <strong>de</strong> mi<br />
obra pictórica en este nuevo espacio cuya construcción fue posible en gran parte a encargos<br />
<strong>de</strong> retratos que he pintado. Durante mi vida mi obra sufre muchas interrupciones dadas mis<br />
obligaciones. Por ello hay constantes comienzos. En mi taller <strong>de</strong> Huayapam comienzo <strong>de</strong><br />
nuevo a pintar partiendo <strong>de</strong> mecanismos automáticos. De ahí paso a la serie <strong>de</strong> huevos,<br />
hechos enteramente en este nuevo taller. Así es el caso <strong>de</strong> “Viaje al fondo”, <strong>de</strong>l 2002.<br />
FM | El cuerpo es la presencia visible central en tu obra. La materialidad <strong>de</strong>l cuerpo<br />
supongo la encuentres a través <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los. Háblame un poco <strong>de</strong> tu relación con tus<br />
mo<strong>de</strong>los –aspecto siempre arriesgado por el azar <strong>de</strong> las emociones– y cómo llegas hasta el<br />
cuerpo cierto para lo que planeas pintar.<br />
SW | He tenido muy buena relación con varios <strong>de</strong> mis mo<strong>de</strong>los. Se convirtieron en amigas<br />
y amigos verda<strong>de</strong>ros. Nos veíamos con frecuencia, yo daba clases <strong>de</strong> <strong>de</strong>snudo seis veces a la<br />
semana (tres horas cada clase), en Sheridan College. Puedo nombrar a Kathy Brenner, Laura<br />
Hickey, Joel Porter, Donald Carr, Anne Kilpatrick y Trudy Bin<strong>de</strong>r, con quien mantengo<br />
contacto. Trudy es también cantante en un grupo <strong>de</strong> rock, a<strong>de</strong>más enseña animación. En el<br />
cuadro alto, largo y angosto “El Mar Interior”, aparece Trudy <strong>de</strong> espaldas y <strong>de</strong> frente, en un<br />
espejo. También fue Trudy quien me posó para “La Mujer <strong>de</strong>l Poeta”. Anne Kilpatrick fue<br />
mo<strong>de</strong>lo para “Dar Cuerda a lo Imposible”; Kathy Brenner para “Noche en Huayapam”. Con<br />
Joel Porter hice los dibujos preparativos para los cuadros que <strong>de</strong>rivan <strong>de</strong> mi serie <strong>de</strong> dibujos<br />
eróticos <strong>de</strong>l libro Ultramuebles <strong>de</strong> la Pasión. Con Kathy hice muchos dibujos que aparecen en<br />
un libro único, Mujer en Sueño <strong>de</strong> Zeller, en la colección <strong>de</strong> la Biblioteca <strong>de</strong> Referencias <strong>de</strong><br />
Toronto. Llego a pintar con un mo<strong>de</strong>lo u otro porque tienen formas que me parecen<br />
apropiadas, porque tengo buena relación con ellos, porque son muy libres y tolerantes para<br />
el trabajo y porque me aportan una cierta dinámica. Hay cuadros que surgen <strong>de</strong> dibujos por<br />
la misma relación con ellos.<br />
FM | Háblame <strong>de</strong> la serie <strong>de</strong> los huevos, ¿qué representa en tu obra, ¿cómo nace este<br />
símbolo etc.?<br />
SW | En forma inconsciente. Des<strong>de</strong> los últimos años en que he estado en la Escuela<br />
Nacional <strong>de</strong> Cerámica (es <strong>de</strong>cir, el fin <strong>de</strong> mi adolescencia), he estado atraída a la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong>l<br />
huevo. Por ejemplo, hice una reducción <strong>de</strong> formas, al estilo picassiano, y encontré que los<br />
cuerpos y cabezas <strong>de</strong> las aves se podían esquematizar como huevos unidos por otras formas<br />
que daban alas, cola, cuello, etc. Eso ahora me parece algo primitivo, pero verídico.<br />
Luego, en mi segunda exposición individual expuse esculturas cerámicas en forma <strong>de</strong><br />
huevos, gran<strong>de</strong>s, como <strong>de</strong> cincuenta centímetros (no tengo fotos). Como otras piezas que<br />
expuse entonces y que hablaban <strong>de</strong> un quiebre en mi vida, los huevos estaban partidos, con<br />
fisuras, y <strong>de</strong> las partiduras salían formas que me parecían entonces <strong>de</strong> llamas, pero que<br />
también se pue<strong>de</strong>n asociar a lianas, culebras y otras cosas ondulantes.<br />
Y como trato <strong>de</strong> explicar en el libro Susana Wald, en mis pinturas (y también dibujos y<br />
cerámicas) aparecen huevos en forma espontánea durante todo mi quehacer artístico. Nunca<br />
me he preguntado por qué. Durante el proceso <strong>de</strong> pintar 60 cuadros, obsesivamente, uno<br />
41
tras otro, aparecían las imágenes <strong>de</strong> huevos en diversas circunstancias, algunas muy<br />
sorpren<strong>de</strong>ntes. Las visiones <strong>de</strong> esas imágenes me llegaban como flash mientras hacía algo,<br />
incluso mientras pintaba uno <strong>de</strong> ellos, o en estado <strong>de</strong> semi-sueño. Ya bien entrado en el<br />
proceso comencé a investigar sobre huevos, leía textos en que se mencionan, y <strong>de</strong>scubrí que<br />
son símbolos <strong>de</strong> resurrección. Me preguntaba entonces qué era lo que estaba volviendo a la<br />
vida en esas imágenes <strong>de</strong> proporciones metafísicas, en esos huevos que no eran <strong>de</strong> cosa<br />
alguna reconocible en la vida natural. Y mi conclusión fue que lo que vuelve (en este tiempo<br />
<strong>de</strong> tanta turbulencia) es la exaltación <strong>de</strong> lo femenino, lo que antes se veneraba en las<br />
imágenes <strong>de</strong> las diosas.<br />
FM | Es muy rico lo que me dices en nuestros cambios <strong>de</strong> correo, cuando hablas <strong>de</strong> la<br />
preparación <strong>de</strong> tu libro Susana Wald (2003): “Debo anotarte que hice yo misma el<br />
libro porque estaba <strong>de</strong>sesperada <strong>de</strong> ver que no había en mi entorno conciencia <strong>de</strong> la<br />
importancia <strong>de</strong> mi obra. No es que quiera jactarme <strong>de</strong> algo. Siento que soy una médium, soy<br />
una herramienta <strong>de</strong> algo mayor que yo, siento que en mi obra se manifiesta el inconsciente<br />
colectivo –que yo consi<strong>de</strong>ro enorme, una fuerza titánica–, y que es mi responsabilidad<br />
ponerme a la tarea <strong>de</strong> salvar mi obra.” Pocos artistas en nuestro tiempo tienen esa<br />
conciencia, y su postura está más involucrada con la jactancia, con la floración <strong>de</strong>sbordada<br />
<strong>de</strong>l ego. Pero me gustaría aquí regresar a los huevos, o mejor, a tu fuente simbólica. Visiones,<br />
premoniciones, en muchos casos los símbolos son como elementos señalados por el sueño.<br />
¿Qué relaciones po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar en relación a los sueños en tu creación?<br />
SW | Los sueños y el entresueño son estados en que aflora lo interior oculto. Siempre me<br />
han interesado. Anoto sueños, y anoto imágenes que aparecen en sueños y entresueños,<br />
como ya te lo mencionaba. Me interesan los sueños <strong>de</strong> otros también y los leo con pasión, así<br />
como todo lo que encuentro sobre esta materia. Visiones puedo llamar a imágenes que<br />
afloran mientras la atención aparentemente está en otra cosa. Como trabajo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> imágenes<br />
que me surgen <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro y no por influencias formales y exteriores, se dan premoniciones<br />
en mis cuadros. Hay uno, en la serie <strong>de</strong> Ventanas, que incluso lleva el título Premonición, en<br />
que proyectado sobre manchas que hice en pintura “apareció” un rostro olmeca. Un par <strong>de</strong><br />
meses <strong>de</strong>spués, por un viaje que antes no podía preveer, tuve la oportunidad <strong>de</strong> estar en<br />
Villahermosa, en el parque fundado por Pellicer en que están reunidas unas cabezas<br />
colosales. Fue para mí un remezón interior darme cuenta que <strong>de</strong> alguna forma ya había<br />
estado ahí. Esos remezones, estas conexiones y misteriosas manifestaciones son lo que los<br />
surrealistas llaman “lo maravilloso”. Vivir abierta y atenta a ellas conlleva cierto riesgo, pero<br />
da sensaciones <strong>de</strong> dicha muy especiales.<br />
3 | ITINERARIO <strong>DE</strong> SUEÑOS | El itinerario vital <strong>de</strong> Susana Wald empieza con su nacimiento<br />
en Budapest, en 1937. Ya en 1949 la familia emigra a Buenos Aires, ciudad en que crece la<br />
artista, estudiando en la Escuela Nacional <strong>de</strong> Cerámica, y participando en cinco exposiciones<br />
colectivas. Con 20 años <strong>de</strong> edad cambia <strong>de</strong> país una vez más, llegando a Santiago <strong>de</strong> Chile,<br />
don<strong>de</strong> residirá por 13 años. Es una etapa fundamental en su vida, por la confluencia <strong>de</strong> la<br />
intensidad <strong>de</strong> sus activida<strong>de</strong>s artísticas y el encuentro con otro artista, Ludwig Zeller, con<br />
quien comparte amor e inquietu<strong>de</strong>s estéticas. La resultante es impresionante, con la<br />
realización <strong>de</strong> diseños para más <strong>de</strong> cien cubiertas <strong>de</strong> libros, la creación <strong>de</strong> murales en<br />
cerámica y, sobre todo, la fundación <strong>de</strong> Casa <strong>de</strong> la Luna, centro cultural y café, que funda y<br />
dirige con Ludwig Zeller, en la calle Villavicencio 349, y que incluye la publicación <strong>de</strong> una<br />
revista homónima.<br />
Este importante punto <strong>de</strong> confluencia <strong>de</strong> las artes en Santiago nace en 1968, y <strong>de</strong><br />
inmediato se <strong>de</strong>staca por la organización <strong>de</strong> un gran número <strong>de</strong> exposiciones <strong>de</strong> artistas,<br />
ciclos <strong>de</strong> conferencias, happenings, presentaciones <strong>de</strong> otras expresiones artísticas, como el<br />
cine y la música experimental. El ambiente político que corre paralelo a las activida<strong>de</strong>s<br />
42
artísticas trata <strong>de</strong> entrometerse y generar situaciones incómodas a la pareja Wald-Zeller,<br />
alcanzando un punto en que la mejor estrategia es anticipar el <strong>de</strong>sastre y salir <strong>de</strong> Chile, lo<br />
que hacen en 1970. Pero antes <strong>de</strong> salir, en ese mismo año, Susana Wald y Ludwig Zeller<br />
realizan una gran exposición <strong>de</strong>dicada al surrealismo, en la Universidad Católica. El evento<br />
reúne obras <strong>de</strong> importantes artistas <strong>de</strong>l surrealismo, pero lo que llama la atención es el<br />
grado <strong>de</strong> provocación <strong>de</strong>l happening <strong>de</strong> inauguración, llamado “El entierro <strong>de</strong> la castidad en<br />
la Universidad Católica”, que obliga a todos los presentes a <strong>de</strong>jar afuera sus zapatos, pues en<br />
la sala principal hay una inmensa pintura en el suelo, hecha por Susana Wald, Valentina Cruz<br />
(1938) y Viterbo Sepúlveda (1935-1974), al que Ludwig Zeller agrega senos femeninos <strong>de</strong><br />
espuma <strong>de</strong> goma.<br />
La resi<strong>de</strong>ncia siguiente <strong>de</strong> Susana Wald es Toronto, la más gran<strong>de</strong> ciudad <strong>de</strong> Canadá. Es<br />
un cambio con muy intenso grado <strong>de</strong> <strong>de</strong>safío, que al mismo tiempo conlleva la perspectiva<br />
<strong>de</strong> una internacionalización <strong>de</strong> su trabajo, en particular su actuación en la promoción<br />
cultural, las cubiertas e ilustraciones <strong>de</strong> libros y las traducciones. Sobre las traducciones, ella<br />
misma recuerda: “Mi trabajo <strong>de</strong> traducción nace <strong>de</strong> la necesidad <strong>de</strong> Ludwig <strong>de</strong> hacerse<br />
enten<strong>de</strong>r en Canadá. Fui su intérprete simultánea. También traducía para él, ya en Chile,<br />
cuando necesitaba leer un texto en francés o inglés. Leímos juntos <strong>de</strong> esta forma muchos<br />
libros. Traduje a Jaguer, Eluard y Péret, a Zeller mismo.” Con cuatro años en Toronto la<br />
pareja trata <strong>de</strong> fundar una nueva casa editorial, Oasis Publications, que se <strong>de</strong>dica a la<br />
producción <strong>de</strong> <strong>de</strong>cenas <strong>de</strong> libros, catálogos y panfletos, incluso tratando <strong>de</strong> presentar poetas<br />
chilenos al lector en inglés. Oasis es también un espacio <strong>de</strong> realizaciones <strong>de</strong> exposiciones, y<br />
allí son difundidas las obras plásticas <strong>de</strong> nombres canadienses y <strong>de</strong> muchos otros países. En<br />
1974, es invitada a participar <strong>de</strong> las celebraciones <strong>de</strong> los 50 años <strong>de</strong>l Primer Manifiesto <strong>de</strong>l<br />
Surrealismo, en la Universidad <strong>de</strong> Pennsylvania, Estados Unidos. Por la puerta <strong>de</strong>l<br />
surrealismo empiezan los viajes y el año siguiente Susana Wald está en París, don<strong>de</strong> se<br />
pliega al movimiento Phases, gracias al <strong>de</strong>scubrimiento <strong>de</strong> Edouard Jaguer (1924-20<strong>06</strong>),<br />
poeta y crítico francés involucrado con una nueva fase <strong>de</strong>l surrealismo. Sobre las<br />
exposiciones <strong>de</strong> surrealistas europeos tiene muy buenas palabras <strong>de</strong> cariño: “Estas<br />
exposiciones nacieron <strong>de</strong> nuestro entusiasmo por el Movimiento Phases, y como cosa<br />
recíproca con éste. Hicimos una exposición <strong>de</strong> Phases en general, y otras <strong>de</strong> gente como<br />
Suzanne Besson, muy amiga <strong>de</strong> los Jaguers, Marie Carlier, Philip West, Eugenio Granell, Guy<br />
Roussille y John Schlechter Duvall. Éstos tres últimos vinieron a sus exposiciones en Canadá<br />
que se realizaron en la Galerie Manfred, en la ciudad <strong>de</strong> Dundas, a unos 70 km <strong>de</strong> Toronto.”<br />
Toronto y surrealismo significan la llave <strong>de</strong> un mundo relleno <strong>de</strong> viajes, contactos,<br />
publicaciones, eventos, traducciones, nuevas técnicas como el grabado en metal y la<br />
litografía, las pinturas acrílicas sobre telas en gran formato, más viajes, el registro<br />
fotográfico <strong>de</strong> todo, hasta que su vida es tomada por el azar objetivo <strong>de</strong> nuevo vértigo:<br />
México, precisamente Oaxaca. Ahora la imposición <strong>de</strong>l <strong>de</strong>stino no está en salir, sino en<br />
entrar. México es la yema, la manera como el espejo en que esta mujer se interroga a sí<br />
misma. Más que México, algo muy especial en México: la presencia insospechada <strong>de</strong> esa parte<br />
<strong>de</strong> la cultura mexicana en la vida <strong>de</strong> Susana Wald. Hasta allí ha llegado, una vez más, con<br />
Ludwig Zeller. Pero llegan en tiempos cósmicos distintos, no por <strong>de</strong>sacuerdos, sino por<br />
fuente <strong>de</strong> alimentación <strong>de</strong>l espíritu. Es que Oaxaca significa para Susana Wald un<br />
renacimiento, o más simplemente la eclosión <strong>de</strong> un ser que hace tiempo estaba en su<br />
silencioso periodo <strong>de</strong> incubación. Un viaje por la iconografía <strong>de</strong> esta mujer lleva a la<br />
constatación <strong>de</strong> que en Oaxaca fue tomada por los dioses <strong>de</strong> la plenitud. Allí está Susana<br />
Wald como jamás estuvo en parte alguna. Es como se concluye su itinerario vital, no con el<br />
ciclo natural <strong>de</strong> nacimiento-muerte, sino con el marco <strong>de</strong>l nacimiento y su enclave en el<br />
ambiente que mejor lo <strong>de</strong>fine.<br />
Los puntos cardinales <strong>de</strong> su trayectoria señalan que en 1994 comienza su estadía en<br />
Oaxaca. Es un tema <strong>de</strong>licado, porque Oaxaca no es liberación. Susana Wald no ha llevado una<br />
vida ilícita en su espíritu o <strong>de</strong> retención <strong>de</strong>l alma. Pero algo se mueve en la vida <strong>de</strong> uno como<br />
43
la indicación <strong>de</strong> una zambullida, retrato o espejismo, la lectura mágica <strong>de</strong> un ángulo, palabra<br />
o susurro, algo que nos lleve a un grado muy curioso <strong>de</strong> intimidad con nosotros. Así está la<br />
vida, en su esencialidad, que pue<strong>de</strong> pasar años sin presentarse a nadie. Po<strong>de</strong>mos averiguar el<br />
tema bajo la aguja <strong>de</strong> la <strong>de</strong>finición estética. Hay artistas que toman largo tiempo en<br />
<strong>de</strong>scubrir su propia voz; otros que están como mágicamente <strong>de</strong>terminados por esa varita,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> el primer boceto… Aquí no tratamos <strong>de</strong> eso, <strong>de</strong> variaciones o acomodaciones estéticas.<br />
Una mirada a las cerámicas y dibujos <strong>de</strong> Susana Wald <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la Escuela Nacional <strong>de</strong> Cerámica<br />
atestigua la naturaleza erótica que busca, por lo menos, una relectura respecto a los<br />
estereotipos. Ya se sabe que Susana no es una seguidora. El <strong>de</strong>snudo y la carga <strong>de</strong> seducción<br />
<strong>de</strong>l lenguaje, en ella –no importa que hablemos <strong>de</strong> cerámica, grabados, pintura, dibujos–,<br />
apuntan en la dirección contraria a lo permisible. Los conceptos cambian <strong>de</strong> actuación en<br />
cada época o sitio en que se instalan. La afirmación estética en Susana Wald no contesta el<br />
ambiente natural <strong>de</strong> los conceptos, sino a su manipulación, los arreglos forzados en nombre<br />
<strong>de</strong> una moral que son la confirmación <strong>de</strong> una ausencia total <strong>de</strong> moral.<br />
¿Qué fue hecho <strong>de</strong> un mundo orientado por la ética y la estética? Todas las revoluciones<br />
<strong>de</strong>l siglo XX no han cambiado algunas cosas <strong>de</strong> sitio. La respiración, el sueño, el <strong>de</strong>seo, la<br />
adivinanza, la perspectiva <strong>de</strong> un mundo futuro. Todo esto actúa en la formación <strong>de</strong> un ser<br />
múltiple, cambiable con los acentos <strong>de</strong> la cultura, así que el mundo perfecto parece ser el<br />
mundo sin reglas, o con reglas naturales <strong>de</strong> supervivencia. Sin embargo, hoy sufrimos un<br />
espacio con <strong>de</strong>terminación <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> supervivencia, ajenos a la característica <strong>de</strong> cada ser<br />
viviente, animal, vegetal, mineral. Hay una clase instalada <strong>de</strong>terminada a exigir los modos <strong>de</strong><br />
participación <strong>de</strong> todos, para quien los modos clásicos <strong>de</strong> restricción ya perdieron su fuerza.<br />
La división <strong>de</strong>l mundo entre zonas <strong>de</strong> interés <strong>de</strong> la ciencia, la religión, el arte, eso ya no<br />
funciona. El agregado llamado <strong>de</strong> cuarto po<strong>de</strong>r, que es la prensa, tampoco actúa ya<br />
aisladamente como una fuente <strong>de</strong> energía que pue<strong>de</strong> cambiar lo que sea. El discurso, el<br />
manejo <strong>de</strong> la lengua, en su sentido más retórico, pegado a la fiebre <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgracia espiritual,<br />
<strong>de</strong>screencia <strong>de</strong> todo, uno que no sabe nada que hacer <strong>de</strong> sí, en la escuela, con su novia, su<br />
empleo, lo que quiere seguir en la vida, dón<strong>de</strong> vive, cómo vive, todo es un hueco en el alma,<br />
no hay nada en lo íntimo <strong>de</strong>l hombre contemporáneo, fue vaciado <strong>de</strong> todo.<br />
Necesario cambio <strong>de</strong> párrafo porque el tema es el más complejo en nuestra entrada en el<br />
siglo XXI. Susana Wald tiene su lectura, yo tengo la mía. Aquí importa solamente la suya.<br />
Como avanza con su obra buscando un tipo muy singular <strong>de</strong> recuperación <strong>de</strong> la fuerza<br />
erótica <strong>de</strong>l ser. Primeramente su comprensión <strong>de</strong>l arquetipo femenino y el abismo entre éste<br />
y la realidad <strong>de</strong> la mujer. El abismo entre la esfera mágica <strong>de</strong>l símbolo y la violencia sufrida<br />
por ella en la esfera humana. Sin embargo, la opción <strong>de</strong> Susana Wald como artista no es por<br />
un arte <strong>de</strong> lamentación o incluso <strong>de</strong> acusación. En su conciencia impera la necesidad <strong>de</strong> la<br />
afirmación <strong>de</strong> lo erótico y la recuperación <strong>de</strong> una vida propia. En su obra la figura femenina<br />
está en permanente correspon<strong>de</strong>ncia, sensible e incitante, con su personificación en<br />
escenarios <strong>de</strong> fábulas, mitologías, ciencia-ficción, leyendas, sin faltar la penetrante presencia<br />
<strong>de</strong>l humor, como en la serie “La mujer <strong>de</strong>…”, en que juega con los diversos estilos <strong>de</strong> objeto<br />
en que la mujer fue convertida, variables <strong>de</strong> acuerdo con la mirada <strong>de</strong> su hombre, sea un<br />
músico, un sultán, un coleccionista, un cortador <strong>de</strong> vidrios, un jardinero etc. Es curioso,<br />
porque cuando hablo con ella sobre el surrealista Edouard Jaguer, recuerda lo que sigue: “Lo<br />
he visitado once veces en su <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> París. Fue muy cordial <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el primer<br />
momento. Fue un amigo verda<strong>de</strong>ro hasta el momento en que vio mis cuadros <strong>de</strong> la serie ‘La<br />
Mujer <strong>de</strong>…’ Creo que no le gustó su tono feminista. Yo no era feminista entonces, esa serie<br />
me nació <strong>de</strong> un ánimo <strong>de</strong> broma, pero ahora consi<strong>de</strong>ro que Jaguer tenía razón en lo <strong>de</strong><br />
feminista. A mi vez resiento que <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> eso no me incluyó en sus publicaciones. A<br />
Ludwig lo mantuvo en su movimiento hasta el final.” Respeto su opinión, pero no me parece<br />
haber ningún acento feminista en esta serie, por lo menos en el mismo sentido prejuicioso<br />
como lo entendía el francés. El surrealismo ha ayudado en la expansión <strong>de</strong> la visión <strong>de</strong><br />
mundo <strong>de</strong> muchos, <strong>de</strong>l arte en particular, pero no se pue<strong>de</strong> olvidar que el prejuicio es parte<br />
44
<strong>de</strong> la vida humana, algo <strong>de</strong> lo que muchos artistas –incluso surrealistas– no supieron<br />
librarse. De todos modos, reproduzco la palabra final <strong>de</strong> Susana Wald sobre este tema: “Creo<br />
que a Jaguer no le gustaron mis imágenes no porque entendiera que trataban <strong>de</strong> problemas<br />
<strong>de</strong> lo femenino, sino porque no entendía esos problemas. Yo en esa época no tenía ninguna<br />
sensación <strong>de</strong> que lo mío fuera feminista. Eso vino mucho más tar<strong>de</strong>.”<br />
En la serie “La Mujer <strong>de</strong>…” se pue<strong>de</strong> encontrar el humor más refinado, no solamente en la<br />
obra <strong>de</strong> Susana Wald, pero en la lectura <strong>de</strong>l arquetipo femenino <strong>de</strong>stacadamente en las<br />
socieda<strong>de</strong>s contemporáneas. La mujer presente en la mitología, con sus diferenciaciones <strong>de</strong><br />
personalidad, sus impulsos, afectos, aspectos intelectuales y morales, ahora los tienen<br />
embrutecidos por la configuración subyugadora <strong>de</strong> su pareja i<strong>de</strong>al. No hay más la Magna<br />
Mater, no hay más Helena o Eva, sino la mujer <strong>de</strong>. A<strong>de</strong>más, el alto voltaje estético <strong>de</strong> esa<br />
pintura atestigua percepción y sensibilidad <strong>de</strong> esta mujer que no es propiamente feminista,<br />
sino femenina, dotada <strong>de</strong> una mezcla <strong>de</strong> clarivi<strong>de</strong>ncia, sensualidad y visión crítica <strong>de</strong>l mundo<br />
que permiten llegar a una serie como esta que es la urdidura o marinar <strong>de</strong> símbolos que son<br />
el retrato más perfecto <strong>de</strong> nuestra realidad. La resultante no podría ser otra que un manjar<br />
salpicado <strong>de</strong> humor.<br />
En la pintura <strong>de</strong> Susana Wald el cuerpo es el elemento visible central. La materialidad <strong>de</strong>l<br />
cuerpo, su expresión clásica, el cuidado con las formas, el conocimiento <strong>de</strong> sus ángulos, sus<br />
trazos físicos… No hay abstracción en su pintura y el paisaje es parte <strong>de</strong> la composición <strong>de</strong><br />
un ambiente en que el cuerpo, la figura, es su esencia. En la serie <strong>de</strong> los huevos, que<br />
<strong>de</strong>stacamos en este libro, el paisajismo es el escenario <strong>de</strong> actuación <strong>de</strong>l carácter figurativo<br />
sugestivo <strong>de</strong>l huevo. Igual que el paisaje o la abstracción, el cuerpo es un relato. No importa<br />
en qué tiempo, relato <strong>de</strong> la memoria o <strong>de</strong>l <strong>de</strong>seo, <strong>de</strong> lo real o soñado, vivido o imaginado.<br />
Cuando el cine y la novela <strong>de</strong>stacan en su abertura que están basados en hechos reales es<br />
como falsear la realidad <strong>de</strong>l hecho artístico. La imaginación, el sueño, el <strong>de</strong>seo, son partes<br />
expresivas y <strong>de</strong>cisivas <strong>de</strong> la existencia humana, y la realidad sería otra sin la presencia <strong>de</strong><br />
tales elementos. No solamente el arte, pero igual la ciencia y la religión, lo mismo que todos<br />
los mecanismos <strong>de</strong> manipulación <strong>de</strong> la existencia, están basados en la realidad <strong>de</strong> esos<br />
elementos. Cuando el arte se aleja <strong>de</strong> esa comprensión lo que resulta es el tipo más<br />
<strong>de</strong>spreciable <strong>de</strong> <strong>de</strong>coración.<br />
Cuando Susana Wald empieza a trabajar en colaboración con Ludwig Zeller –y aquí la<br />
palabra-llave encontrada inicialmente (espejismos) es emblemática <strong>de</strong> la relación– es como<br />
acoplar la fantástica realidad <strong>de</strong> dos planetas, casi diría en distintos sistemas. Pareja<br />
entrañable <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sus orígenes, había el amor, la pasión, el diapasón tomado por muchas<br />
fuerzas, pero cuando miramos el resultado <strong>de</strong> este encuentro estético es como compren<strong>de</strong>r<br />
que el sueño corpóreo <strong>de</strong> uno estaba listo para mezclarse al cuerpo onírico <strong>de</strong>l otro. Y fue lo<br />
que hicieron: Susana Wald ha dado más vigilia al collage <strong>de</strong> Ludwig Zeller, así como su<br />
collage ha dado más sueño a la pintura <strong>de</strong> ella. El libro Mirages, que hicieron juntos, es pura<br />
ciencia-ficción. Doble milagro: la carnalidad <strong>de</strong> la obra y la afinación. La obra en colaboración<br />
no es un contrato. Hay ambientes sociales que no permiten esa búsqueda <strong>de</strong> afinida<strong>de</strong>s entre<br />
creadores. Es mejor que impere el ego y los artistas sean como dioses incomunicables entre<br />
ellos mismos. Por eso todo el palco, el sistema <strong>de</strong> gloria individual en que se ha convertido el<br />
ambiente artístico hace mucho. Susana Wald y Ludwig Zeller llamaron la atención por dos<br />
cosas muy curiosas: que el surrealismo estaba tomado <strong>de</strong> falsas liberaciones morales y que<br />
es posible crecer en la diferencia. Cuando miro una obra como “Ojo <strong>de</strong> dios volando sobre<br />
las llanuras <strong>de</strong> Saskatchewan”, <strong>de</strong> 1979, yo me siento feliz <strong>de</strong> comprobar que el arte pue<strong>de</strong><br />
hacer real el sueño <strong>de</strong> muchas cosas en la vida.<br />
Pero nada que uno pueda <strong>de</strong>cir <strong>de</strong> esa relación se acerca <strong>de</strong> la lectura entrañable <strong>de</strong> una<br />
confesión <strong>de</strong> la misma Susana Wald:<br />
Siento que la relación que existe entre Ludwig Zeller y Susana Wald es una simbiosis. Hay<br />
veces que él provee lo onírico, en otras soy yo. Hay veces que yo proveo un entorno y él<br />
45
provee una realidad. (Eso <strong>de</strong> la realidad es por lo <strong>de</strong>más difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir, creo que los<br />
humanos estamos tratando <strong>de</strong> intentar esa <strong>de</strong>finición hace milenios).<br />
En una simbiosis creo que una parte asiste a la otra y viceversa. En todo caso nuestra<br />
relación es <strong>de</strong> tipo simbiótico y es muy compleja, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> que tiene facetas cambiantes<br />
al paso <strong>de</strong> los años.<br />
Zeller es poeta neto. Yo entiendo <strong>de</strong> poesía y entiendo lo poético.<br />
Zeller es también un profundo conocedor <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> las imágenes visuales y yo soy<br />
persona <strong>de</strong> la que surge lo interior en imágenes visuales.<br />
Zeller aporta el aire al fuego que hay en mí. Es por eso que se dan los incendios. Yo<br />
aporto a Zeller la humedad que necesita para apagar la sed en la que viven los que viven<br />
<strong>de</strong> aire.<br />
Ambos ten<strong>de</strong>mos hacia la aventura <strong>de</strong> lo interior, a la búsqueda <strong>de</strong> nuevos horizontes<br />
adon<strong>de</strong> nos impulsa la misma fuerza superior a nosotros, esa fuerza que C. G. Jung llama<br />
el inconsciente colectivo.<br />
La publicación reciente <strong>de</strong> un libro como Les ultrameubles <strong>de</strong> la passion (2010) es la<br />
ambientación <strong>de</strong> dibujos como los presentados en Mirages (1983), pues están fechados <strong>de</strong><br />
1980/81. Ahí están los espectros <strong>de</strong> su diálogo con el plan onírico <strong>de</strong> Zeller, el ropaje <strong>de</strong><br />
sueños en que las formas se hacen como listas a cambios moleculares, el grado en que los<br />
muebles buscan adaptarse a la dinámica erótica <strong>de</strong> los cuerpos. Lo que importa aquí es <strong>de</strong>cir<br />
que los dos artistas cruzaron el puente <strong>de</strong> la magia, que son un ejemplo magnífico <strong>de</strong> que la<br />
donación es parte <strong>de</strong>cisiva <strong>de</strong> la relación entre el arte y la vida. La donación en su sentido <strong>de</strong><br />
comprensión <strong>de</strong>l otro, pero sin olvidarse <strong>de</strong>l ambiente estético, porque no estamos aquí<br />
tratando <strong>de</strong> los trucos sociológicos. La obra <strong>de</strong> un artista es su visión particular <strong>de</strong>l mundo,<br />
libre <strong>de</strong> fechas, condiciones políticas o morales, es como <strong>de</strong>cir al mundo que las cosas están<br />
en tal estado que necesitan cuidado. Pero este sentido <strong>de</strong>l arte se fue. El <strong>de</strong>scubrimiento <strong>de</strong><br />
que la mentira pue<strong>de</strong> ser el mejor vehículo <strong>de</strong> dominio <strong>de</strong> la realidad, ha creado un mundo<br />
<strong>de</strong> farsa en que el arte aún no ha siquiera presentido su parcela <strong>de</strong> responsabilidad. Cómo<br />
<strong>de</strong>be actuar un artista en nuestro tiempo sigue siendo la incógnita. Mientras tanto, que <strong>de</strong><br />
algo nos sirva la vida y la obra <strong>de</strong> Susana Wald.<br />
4 | ARROYO <strong>DE</strong> MISTERIOS | Inmortalidad o renacimiento, el huevo es un símbolo que<br />
<strong>de</strong>termina el misterio <strong>de</strong> la vida. Es la puerta –más que su sentido, siempre ambiguo– <strong>de</strong><br />
entrada o salida. Es la rendija que comunica con un mundo oculto, con esa invisibilidad<br />
cósmica <strong>de</strong> que está hecha la existencia humana. Hay un punto en el que se agota todo trazo<br />
<strong>de</strong> un árbol genealógico <strong>de</strong> la especie. Sigue la explicación religiosa, no más. Todavía más<br />
precario es el futuro. El son<strong>de</strong>o <strong>de</strong> la ciencia, por más que avance, no elimina la sospecha <strong>de</strong><br />
que algo más suce<strong>de</strong>. Esa condición inextinguible <strong>de</strong>l misterio la emblematiza el huevo. Su<br />
forma, su significado, la curiosidad por su concepción, el secreto que oculta su cáscara, la<br />
magia <strong>de</strong> su brote, el huevo es como un papiro que se pue<strong>de</strong> leer en varios sentidos o<br />
direcciones. Las perspectivas encontradas en distintas mitologías prueban su potencial <strong>de</strong><br />
estímulos a nuevas lecturas.<br />
La importancia <strong>de</strong> otro símbolo, la cruz, es muy reconocida, sobre todo por su estrecha<br />
relación con el mundo cristiano, pero es un símbolo que se realiza sólo en el cruce <strong>de</strong> dos<br />
mundos. No hay una perspectiva tridimensional en la cruz, como en el huevo. La cruz es la<br />
dualidad; el huevo, la multiplicidad simultánea. La cruz no pue<strong>de</strong> vivir sin el antagonismo; el<br />
huevo exige la manifestación <strong>de</strong> infinitas posibilida<strong>de</strong>s. La cruz simboliza el conflicto,<br />
mientras el huevo está asociado con el <strong>de</strong>scubrimiento <strong>de</strong> otras comprensiones, incluso el<br />
conflicto sentenciado por la cruz. La cruz refleja la presencia <strong>de</strong> un enemigo; el huevo está<br />
más allá <strong>de</strong> toda forma <strong>de</strong> exaltación <strong>de</strong>l fin.<br />
La pintura <strong>de</strong> Susana Wald ha acercado el huevo a otros símbolos, pero en ningún<br />
momento se nota la presencia <strong>de</strong> la cruz o alguna correlación posible con este símbolo,<br />
46
aunque visite arquetipos como la melancolía, la muerte, la noche, la premonición, igual que<br />
en otros momentos <strong>de</strong> su creación… Nada. No hay cruz; su concepto, el mensaje cifrado, las<br />
señales <strong>de</strong> agonía ulterior, nada, absolutamente nada que se parezca a cualquier forma <strong>de</strong><br />
antagonismo en la pintura <strong>de</strong> esta mujer. Es un riesgo, porque la perpetuidad es hermana <strong>de</strong>l<br />
conflicto y el conflicto es excluyente. El huevo busca asociarse a otra visión <strong>de</strong>l mundo, que<br />
es la visión alquímica. El mundo no está para ser partido, sino para ser compartido.<br />
Salimos a caminar por la galería <strong>de</strong> sus metamorfosis y allí encontramos “El sueño <strong>de</strong> la<br />
novicia”, <strong>de</strong> 2000, obra muy emblemática <strong>de</strong> la estética <strong>de</strong> Susana Wald. La novicia sueña con<br />
sus paños y una ca<strong>de</strong>na <strong>de</strong> montaña al fondo, como escenario para la presencia (¿llegada o<br />
partida?) <strong>de</strong> un huevo. La nueva vida es el <strong>de</strong>scubrimiento o la confirmación <strong>de</strong> sus<br />
inquietu<strong>de</strong>s. El juego <strong>de</strong> afirmación/negación no tiene igual presencia que la experiencia en<br />
sí <strong>de</strong>l ritual. Por esa razón, en la pintura <strong>de</strong> Susana Wald hay globos, bolas, ojos, pezones,<br />
piedras que asumen el carácter simbólico <strong>de</strong> los huevos, que son como las cuentas <strong>de</strong> un<br />
laberinto que nos seduce a la revelación <strong>de</strong> lo que somos. Lo que pueda parecer fuera <strong>de</strong><br />
sitio, en verdad se encuentra en su periodo <strong>de</strong> incubación o se arriesga a enseñarnos que hay<br />
otro modo <strong>de</strong> llegar a la evolución <strong>de</strong>l <strong>de</strong>seo.<br />
La fuerza con que la pintura <strong>de</strong> Susana Wald guarda en nosotros un secreto es su tajada<br />
mágica. El cuerpo <strong>de</strong> este personaje con que soñamos en su pintura, ¿dón<strong>de</strong> está? ¿Es un<br />
mito, una leyenda, un misterio? ¿Quién está <strong>de</strong>trás <strong>de</strong> los huevos <strong>de</strong> Susana Wald? Lo mismo<br />
que en la <strong>de</strong>l mundo egipcio, el fenómeno <strong>de</strong> la existencia está en su estímulo, más que en su<br />
comprensión. Lo oculto <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> un mayor <strong>de</strong>seo por conocerlo. Los dioses son plurales. Su<br />
paleta <strong>de</strong> formas y colores se llama arroyo <strong>de</strong> misterios. Los azules son más ricos porque<br />
están basados en la comprensión <strong>de</strong> que el Uno no pue<strong>de</strong> ser hijo <strong>de</strong> nadie –recor<strong>de</strong>mos el<br />
Chandogua Upanishad–, que el cielo es una alegoría <strong>de</strong> la multiplicidad. El azul es la<br />
<strong>de</strong>voción a un mundo sin fin basado en la correspon<strong>de</strong>ncia.<br />
Esa correspon<strong>de</strong>ncia, en sus asociaciones menos visibles, es lo que buscamos, como un<br />
viaje al misterio <strong>de</strong>l huevo en Susana Wald, que pue<strong>de</strong> estar en su yema o en su cáscara, en la<br />
suma <strong>de</strong> los dos o muy lejos <strong>de</strong> allí.<br />
¿De qué está hecho un huevo? Esencialmente <strong>de</strong>l milagro que es volver a la vida. El huevo<br />
es en sí mismo renacimiento. Así que lo que está oculto es también vida. Y vida que prepara<br />
nueva forma <strong>de</strong> existencia. Des<strong>de</strong> su primer huevo encontramos en la obra <strong>de</strong> Susana Wald<br />
el argumento vital, el dilema <strong>de</strong> la preparación para una nueva experiencia. Sus paños –<br />
elemento <strong>de</strong>cisivo en la lectura <strong>de</strong>l contexto <strong>de</strong> su obra en esta fase– son siempre telones, no<br />
importa a cual tejido recurra, lino, mar, <strong>de</strong>sierto, piel, monte, piedra, nieve. Ejemplo directo<br />
<strong>de</strong> esa correspon<strong>de</strong>ncia teatral lo encontramos en “Teatro <strong>de</strong>l huevo”, 2002. En primera<br />
instancia, es posible pensar en el conflicto <strong>de</strong> la dualidad, el sentido trágico <strong>de</strong> la relación<br />
entre ser y tiempo, alma y cuerpo, los vicios <strong>de</strong>l lenguaje y otras inquietu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l símbolo.<br />
Cuando solicitamos la visión <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> uno <strong>de</strong> los actores <strong>de</strong> la representación pictórica<br />
en Susana Wald, la serpiente, por ejemplo, percibimos una breña en el enredo, pues la actriz<br />
tanto pue<strong>de</strong> estar en la piel <strong>de</strong>l protagonista (“Recuerdo <strong>de</strong> Manitoba”, 2002) como afuera, a<br />
su espera y en este caso sin saber cómo reaccionar frente al misterio <strong>de</strong> su <strong>de</strong>venir (“El<br />
huevo filosófico”, 1998). Hasta aquí podríamos pensar que la presencia <strong>de</strong> la serpiente ubica<br />
la estética <strong>de</strong> ese momento <strong>de</strong> la pintura <strong>de</strong> Susana Wald en un conflicto existencial con la<br />
sobredosis <strong>de</strong> dualismo occi<strong>de</strong>ntal. Sin embargo, la serpiente es también una <strong>de</strong> las<br />
representaciones <strong>de</strong> la fuerza vital que actúa en la dimensión <strong>de</strong> una resurrección, lo mismo<br />
que el huevo. La manera como Susana Wald evoca a otros personajes en su teatro alquímico<br />
llévame a compren<strong>de</strong>r su mundo como infinitamente más cerca <strong>de</strong>l ambiente simbólico<br />
egipcio, especialmente por la asimilación espontánea, la afinidad imperativa con la cultura<br />
mexicana <strong>de</strong> esa región zapoteca en que vive, Oaxaca. Hay que agregar aquí dos otros<br />
elementos: la preparación para el brote y su ambientación, la geografía <strong>de</strong> su nueva relación<br />
con el mundo. En esos casos, dos conceptos funcionan como llaves: erotismo (“Noche <strong>de</strong><br />
Huayapam”, 1997) y vastedad (“Amanecer”, 1999). En los dos momentos –por su aspecto<br />
47
cambiante <strong>de</strong> imagen <strong>de</strong>l mundo– lo que encontramos es más fuerte que una simple<br />
representación gráfica <strong>de</strong> la existencia. Los <strong>de</strong>talles <strong>de</strong> la configuración <strong>de</strong>l erotismo y la<br />
vastedad inva<strong>de</strong>n nuestra mirada, cambian <strong>de</strong> sitios y formas, trasladan <strong>de</strong> muelles sus<br />
opciones <strong>de</strong> significado, frases que podrían estar en la boca <strong>de</strong>l fuego las escuchamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
el agua, los elementos que actúan <strong>de</strong> acuerdo con el guión mágico <strong>de</strong> Susana Wald, que es<br />
como una regente <strong>de</strong> las mutaciones. En especial sobre “Noche <strong>de</strong> Huayapam” recuerdo algo<br />
<strong>de</strong> nuestras conversas en que ella me dice: “Cuando pinto éste me surge la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong>l primero<br />
<strong>de</strong> los huevos, el ‘Homenaje a De Chirico’ (1997), provocada (la i<strong>de</strong>a) por el huevito que hay<br />
al lado <strong>de</strong> la mano <strong>de</strong> la mujer <strong>de</strong>snuda. De ahí en a<strong>de</strong>lante se <strong>de</strong>sata el proceso que todavía<br />
surge <strong>de</strong> vez en cuando, como en el caso <strong>de</strong> ‘Momento crucial <strong>II</strong>I’ (2010).”<br />
Los mecanismos <strong>de</strong> la forma no son distintos <strong>de</strong>l juego <strong>de</strong> los colores. La contraposición<br />
que uno podría buscar entre positivo y negativo, en su manejo <strong>de</strong> colores, no actúa como lo<br />
que se espera <strong>de</strong> corrientes inversas. Una <strong>de</strong> las piezas más entrañables (“Extrañeza <strong>de</strong> lo<br />
nuevo”, 2001) <strong>de</strong> esa fase <strong>de</strong> la pintura <strong>de</strong> Susana Wald propone un tipo muy fascinante <strong>de</strong><br />
maraña <strong>de</strong> la i<strong>de</strong>a usual <strong>de</strong> los contrarios, el conflicto entre la perspectiva <strong>de</strong> renacimiento y<br />
el mundo que está por admitirlo. Ahí tenemos también un conflicto <strong>de</strong>l color, pero en su<br />
sentido <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificación, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scubrimiento. No hay un juego <strong>de</strong> antípodas en los colores en<br />
la plástica <strong>de</strong> Susana Wald. Su teatro, la tragedia <strong>de</strong> su búsqueda <strong>de</strong> un mundo nuevo, está<br />
<strong>de</strong>terminada por la donación, por la comprensión <strong>de</strong> una casa sagrada en que todos pue<strong>de</strong>n<br />
estar, una alegoría <strong>de</strong> la afinidad, la firma <strong>de</strong> un respeto común por el compartir los riesgos,<br />
el modo como un telón acaricia su huevo antes <strong>de</strong> la práctica teatral. Hay piezas en que esta<br />
ausencia <strong>de</strong> un contraste, en el sentido <strong>de</strong> una pelea colorista, refleja mejor la dinámica <strong>de</strong><br />
una acción que es esencialmente alquímica (“Evento alquímico”, 2000) o la efervescencia o<br />
convulsión <strong>de</strong> un mundo ya en su médula <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificación con todo (“Raíz <strong>de</strong>l fuego”,<br />
1999). Una vez más, no hay preocupación con los trazos <strong>de</strong> consonancia y disonancia en su<br />
plan estético. Susana Wald llama la atención para los juegos <strong>de</strong>l misterio en cada<br />
renacimiento. Y la actualidad simbólica <strong>de</strong> sus criterios <strong>de</strong>spierta en nosotros un sin fin <strong>de</strong><br />
relaciones: la forma y su actuación en cada escenario, lo mismo que el color y la<br />
manifestación física <strong>de</strong> la actuación <strong>de</strong> la gravedad sobre los cuerpos.<br />
Es casi como una norma en la lectura crítica <strong>de</strong> una obra plástica observar sus caracteres<br />
lógicos, colores, formas, simbolismos etc. Yo siempre me pregunto cuando uno casualmente<br />
está frente a una sala en una galería o pasando las páginas <strong>de</strong> una revista o disfrutando un<br />
vi<strong>de</strong>o en la casa <strong>de</strong> un amigo, y sus ojos tratan <strong>de</strong> mirar una imagen, cuál es su primer<br />
contacto con la obra <strong>de</strong> alguien que allí no tiene nombre, que no es nadie. Por supuesto, todo<br />
lo que he escrito a su respecto no <strong>de</strong>be servir <strong>de</strong> nada, pues lo que importa es su experiencia<br />
automática con la magia <strong>de</strong> significación <strong>de</strong> las imágenes <strong>de</strong> la pintura que observa o vive.<br />
5 | REFLEJOS <strong>DE</strong>L CONSTANTE <strong>DE</strong>VENIR | Así concluye Susana Wald la presentación <strong>de</strong>l<br />
libro Mirages: “Nací a orillas <strong>de</strong> un río. Viví a orillas <strong>de</strong> un río que es mar. Estoy a orillas <strong>de</strong><br />
un lago cuyo misterio me sorpren<strong>de</strong> cada día. Mi obra se hace espejo. Las imágenes trazadas<br />
con tinta sobre el papel, ¿qué son sino reflejos <strong>de</strong>l constante <strong>de</strong>venir?” Aunque por tres<br />
veces se repita la palabra “orillas”, la llave secreta <strong>de</strong> su reflexión está en otro sitio, en el<br />
interior <strong>de</strong> la vastedad. En la suma <strong>de</strong> migraciones <strong>de</strong> esa mujer, en todas direcciones, en el<br />
mapa <strong>de</strong>l alma, el alma <strong>de</strong>l mapa. En las hojas invisibles <strong>de</strong>l viaje, por el mundo y por ella<br />
misma. Parte <strong>de</strong> su jornada recuerda el Tao, con lectura muy singular <strong>de</strong> la cognición, el<br />
aprendizaje incesante <strong>de</strong> un sueño otro que empieza a cada rato. La bendición <strong>de</strong> la piel al<br />
abrir las ventanas y <strong>de</strong>jar que se pronuncie el viento proyectando las infinitas casas <strong>de</strong> la<br />
quietud y el <strong>de</strong>senfreno. Cuando hablamos <strong>de</strong> la pintura “Periodo <strong>de</strong> incubación”, <strong>de</strong> 1992,<br />
me dijo: “Este es un cuadro premonitorio que hice 5 años antes <strong>de</strong> que empezara a asaltarme<br />
el tema <strong>de</strong> los huevos. Incluso su título, que surge en el mismo momento en que lo termino,<br />
es interesante porque no tengo i<strong>de</strong>a qué se está incubando hasta mucho más tar<strong>de</strong>.” Ella<br />
misma sabe que la intensidad <strong>de</strong> las correspon<strong>de</strong>ncias está constituida por otro or<strong>de</strong>n <strong>de</strong><br />
48
sentido. Así que la presencia <strong>de</strong>l huevo en su pintura no busca una gama numérica o sistema<br />
<strong>de</strong> modos o cualquier tabla <strong>de</strong> convenciones. Aunque pasemos <strong>de</strong>l huevo al cuerpo y aquí<br />
precisamente al cuerpo femenino, sigue pescando sus perlas el azar, no por indiferencia,<br />
sino por <strong>de</strong>dicación a un mundo insondable que es la carne y el espíritu <strong>de</strong> toda creación.<br />
Sabe Susana Wald que la originalidad no requiere esfuerzo, pues es fruto natural <strong>de</strong> la visión<br />
<strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> cada uno <strong>de</strong> nosotros. Por supuesto, cuando tratamos <strong>de</strong> arte <strong>de</strong>be haber<br />
talento suficiente para expresar la visión <strong>de</strong>l mundo a través <strong>de</strong> palabras, sonidos, imágenes,<br />
etc. Pero es así en la vida más común. La amistad, la afinidad, la complicidad. Son otras<br />
formas <strong>de</strong> talento.<br />
Y fue así que pasamos los días en su casa, ya sin trazar distinciones entre su creación y<br />
los modos <strong>de</strong> vida. Lo que me parece más fascinante en la pintura <strong>de</strong> Susana Wald es que no<br />
se trata <strong>de</strong> un laberinto <strong>de</strong> su realidad perdida –algo que uno podría pensar por la<br />
sobredosis <strong>de</strong> emigraciones que caracterizan su vida–, sino una resurrección permanente <strong>de</strong><br />
las fuentes <strong>de</strong> <strong>de</strong>scubrimientos <strong>de</strong> otros modos <strong>de</strong> ser. Y sin pérdida <strong>de</strong>l pie en la realidad,<br />
<strong>de</strong>l mito, <strong>de</strong>l símbolo, <strong>de</strong>l <strong>de</strong>seo, <strong>de</strong>l ambiente movedizo y flotante <strong>de</strong> la realidad más<br />
cotidiana. Tal vez por eso atravesamos la lectura <strong>de</strong> este libro sin la necesidad <strong>de</strong> comparar<br />
su obra con la <strong>de</strong> otros artistas. André Breton ha observado la indisposición <strong>de</strong>l surrealismo<br />
en convertirse en escuela. Es un tema cuestionable porque en muchos casos encontramos la<br />
similitud estética basada en ciertos aportes <strong>de</strong>l surrealismo, al mismo tiempo en que hay<br />
seguidores, tal vez inevitables, <strong>de</strong> los trazos principales, el mismo tipo <strong>de</strong> disociaciones,<br />
rupturas, algo como un tipo peculiar <strong>de</strong> multiplicidad <strong>de</strong> la misma cosa. Es la parte riesgosa<br />
<strong>de</strong> toda doctrina. La plástica <strong>de</strong> Salvador Dalí o René Magritte ha sido reproducida más allá<br />
<strong>de</strong>l límite <strong>de</strong> todo agotamiento. Hay muchos artistas que se dicen surrealistas, pero su<br />
plástica es en esencia la repetición –o segmento– <strong>de</strong> algo. Una <strong>de</strong> las <strong>de</strong>fensas más fuertes<br />
<strong>de</strong>l surrealismo, al rechazar el tema <strong>de</strong> las escuelas, era la evocación <strong>de</strong> la originalidad como<br />
la comprensión <strong>de</strong> que la misma no se apartara <strong>de</strong> la visión <strong>de</strong> mundo <strong>de</strong>l creador. Y no hay<br />
dos personas en todo el planeta con igual visión <strong>de</strong>l mundo. Ahí está una <strong>de</strong> las magias<br />
imperativas <strong>de</strong>l surrealismo.<br />
Siempre que miro la pintura <strong>de</strong> Susana Wald buscando una asociación con otro artista en<br />
lo que pienso es en la estructura muy particular que ciertos creadores han dado a su<br />
construcción plástica que los hacen únicos. De inmediato, siempre por cuestión afectiva,<br />
pienso en el portugués Cruzeiro Seixas (1927) y el australiano James Gleeson (1915-2008). En<br />
los tres casos –hay muchos otros, por suerte el mundo es infinito– es tan transparente la<br />
i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong> sus voces que hasta cuando hacen homenajes a otros surrealistas, como<br />
Magritte, De Chirico o Paul Delvaux, uno pue<strong>de</strong> encontrar en ellos su talante propio,<br />
inconfundible. Susana Wald no ha conocido a Gleeson, pero sí a Cruzeiro Seixas, <strong>de</strong> quien<br />
tiene muy buen recuerdo: “A él lo vimos más <strong>de</strong> una vez, paseamos con él y luego<br />
mantuvimos correspon<strong>de</strong>ncia con él. Participó en publicaciones nuestras. Un hombre <strong>de</strong><br />
mundo, extrovertido, sensual para el bien comer, bien beber, buenmozo, nos llevó don<strong>de</strong> un<br />
pintor <strong>de</strong> apellido Pérez, buenísimo, nos presentó a Isabel Meyrelles, compartimos<br />
momentos muy gratos con ellos.” Lo que importa aquí es <strong>de</strong>cir que la especulación <strong>de</strong>l<br />
mundo es una simbología inagotable. Algo que el surrealismo había previsto era la cárcel <strong>de</strong><br />
los sistemas, <strong>de</strong> los estilos, <strong>de</strong> las escuelas. Pero igual sabía el riesgo <strong>de</strong> convertirse en una<br />
<strong>de</strong> esas capillas o fosilización <strong>de</strong> la existencia.<br />
El mundo está cambiando –es bueno que siga en movimiento– <strong>de</strong> un modo muy peligroso,<br />
con asentamientos en un padrón gráfico <strong>de</strong> observación e imposición <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> ser. Hay<br />
como un catálogo <strong>de</strong> tonos <strong>de</strong> lectura <strong>de</strong> la realidad. El arte ha perdido su carácter<br />
revolucionario, no por insuficiencia técnica, sino por corrupción –no importa que pasiva o<br />
activa– <strong>de</strong> sus actores en la relación con sus medios <strong>de</strong> producción y difusión. Este libro<br />
traduce en unas borrosas líneas la piedra <strong>de</strong> toque <strong>de</strong> una lectura muy singular <strong>de</strong> la<br />
existencia humana. Cada huevo en la pintura <strong>de</strong> Susana Wald es una partícula <strong>de</strong> su <strong>de</strong>fensa<br />
<strong>de</strong> la humanidad algo perdida en nosotros. Es lo que más admiro en esa mujer, su sentido <strong>de</strong><br />
49
equilibrio que no <strong>de</strong>siste jamás, no está en los huevos –mejor: los huevos están en todo–,<br />
está por todas partes, en su cocina, en la lectura <strong>de</strong> los mitos, la voz cómplice que ha<br />
<strong>de</strong>scubierto con Ludwig Zeller una <strong>de</strong> las cosas más flamantes y sabrosas <strong>de</strong> la creación<br />
artística, que es compren<strong>de</strong>r la voz <strong>de</strong>l otro, participar <strong>de</strong> la vida <strong>de</strong>l otro. En un gesto, la<br />
vida entera.<br />
Así es la vida <strong>de</strong> Susana Wald. Las migraciones, la curiosidad por todo, los dolores o<br />
vacíos convertidos en nuevas extrañezas o modos <strong>de</strong> vivir, los trazos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificación con el<br />
futuro, el mensaje cifrado <strong>de</strong> sus símbolos, como poner la mano en los ojos y <strong>de</strong>cirles: por<br />
ahí, por allí, por todas partes… Esta es la mujer que tiene sus poros abiertos a las evi<strong>de</strong>ncias<br />
y coinci<strong>de</strong>ncias. Su relación más íntima con el surrealismo está en el punto en que la<br />
realidad es un sueño que no disipa la vida.<br />
Floriano Martins (Brasil, 1957). Poeta, ensaísta, tradutor. Contato:<br />
arcflorianomartins@gmail.com. Página ilustrada com obras <strong>de</strong> Susana Wald (Hungria).<br />
50
LUIS CABRERA <strong>DE</strong>LGADO | Por dón<strong>de</strong> anda la<br />
literatura juvenil latinoamericana<br />
El 20 <strong>de</strong> noviembre <strong>de</strong> 2012 fueron dados a conocer los resultados <strong>de</strong>l<br />
Premio Latinoamericano <strong>de</strong> Literatura Infantil y Juvenil 2012 convocado<br />
por la Aca<strong>de</strong>mia Peruana <strong>de</strong> Literatura Infantil y Juvenil en que resultó<br />
ganadora en la categoría <strong>de</strong> novela para jóvenes Palomita <strong>de</strong> sol, <strong>de</strong><br />
Sócrates Zuzunaga; galardón que viene a sumarse a otras distinciones<br />
literarias obtenidas por este autor peruano, quien se ha caracterizado<br />
por no escribir atendiendo a pautas, moda ni convenciones, sino como expresión <strong>de</strong> sus<br />
necesida<strong>de</strong>s personales; y ello lo <strong>de</strong>muestran títulos como Y tenía dos luceros, Zorrito <strong>de</strong><br />
puma y Takacho, takachito, takachín.<br />
Con una formación académica en el ámbito <strong>de</strong> la enseñanza y, posiblemente, una<br />
actividad profesional relacionada directamente con los niños, junto con su particular<br />
idiosincrasia <strong>de</strong> hombre andino, le han servido a la hora <strong>de</strong> establecer una comunicación<br />
estética literaria con los más jóvenes lectores; logrando, según ha sido catalogado por la<br />
crítica, “un perfecto mimetismo con el sentimiento infantil”.<br />
Palomito <strong>de</strong> sol, concebida en 10 capítulos, es una novela <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> un primer amor<br />
adolescente, que como se expresa en la frase colofón <strong>de</strong>l relato: “…nunca se olvida”; mucho<br />
más este por tratarse <strong>de</strong> un amor trágico, alegórico al drama shakespeareano <strong>de</strong><br />
Montescos y Capuletos, con la peculiaridad <strong>de</strong> que las causas <strong>de</strong>l cisma son aquí las<br />
diferencias sociales y económicas <strong>de</strong> los personajes.<br />
Trabajada en una no acostumbrada segunda persona, la voz narrativa es un alter ego<br />
recordándole a Aluko, su protagonista, todos los <strong>de</strong>talles <strong>de</strong> la historia. Este tratamiento<br />
formal le otorga originalidad a la obra y hace que el lector tome una actitud más<br />
comprometida y participativa en los hechos; los que se van concatenando progresivamente<br />
en un a<strong>de</strong>cuado <strong>de</strong>sarrollo dramático capaz <strong>de</strong> mantener el interés por lo veni<strong>de</strong>ro en el<br />
próximo momento.<br />
Entre los valores estéticos a <strong>de</strong>stacar en la novela, se <strong>de</strong>be señalar su proyección <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
una cultura latinoamericana autóctona y popular, término este último que asumo como<br />
significativo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong> uno <strong>de</strong> los pueblos <strong>de</strong> nuestro continente. Este elemento está<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> el tratamiento mismo <strong>de</strong>l idioma, pues por la proyección <strong>de</strong> voces vernáculas, la<br />
sintaxis <strong>de</strong> los diálogos, <strong>de</strong>scripciones y narración -que reflejan una forma peculiar <strong>de</strong>l habla<br />
latinoamericana-, y la belleza con visos poéticos con que se manifiesta todo el tiempo,<br />
enriquecen al castellano. Aquí me gustaría mencionar la ten<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>l autor a usar vocablos<br />
reconocidos como americanismos (pircado, badulaquería, jebe), quechuas (chitis, tiktimaki,<br />
tunyu, kirkinchu) y otros <strong>de</strong> pura estirpe española, pero poco usados en la actualidad<br />
(fintas, dizque, encostalar…)<br />
El sistema <strong>de</strong> imágenes y metáforas con que se adorna la prosa está en todo momento<br />
referido al ambiente don<strong>de</strong> viven los personajes: la peculiar geografía andina, sus fenómenos<br />
atmosféricos, su flora, su fauna... <strong>de</strong>notando la simbiosis con la Naturaleza <strong>de</strong>l hombre no<br />
contaminado por el asfalto. Sirvan a manera <strong>de</strong> ejemplo estas citas:<br />
el viento soplaba, suave y cariñosamente, y eso era como las palabras <strong>de</strong> tu padre,<br />
gruñón pero afable (…) unos pequeños senos empezaban a crecer y a abultar, como<br />
cerritos incipientes (…) su pollera celeste, ribeteada con cintas <strong>de</strong> arco iris (…)<br />
brincando, como una chivatita que está yendo a abrevar en el caudal <strong>de</strong> la acequia (…)<br />
la pancita azul <strong>de</strong>l cielo ayacuchano<br />
51
El autor ha sabido reflejar la filosofía, idiosincrasia, patrones <strong>de</strong> conductas y tradiciones<br />
<strong>de</strong> una <strong>de</strong>terminada población andina, recurriendo <strong>de</strong> manera directa, cuando le es<br />
necesario, a la parábola ilustrativa y educativa <strong>de</strong> algunas <strong>de</strong> sus leyendas, como cuando, por<br />
ejemplo, para cuestionar la ambición, hace referencia al hermoso canto <strong>de</strong>l chiwaku<br />
pidiéndole perdón a Taita Dios, por haber roto el Arí Mankacha en aras <strong>de</strong> obtener<br />
ganancias. La obra proyecta con fuerza la mitología andina, no sólo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l ámbito <strong>de</strong> la<br />
literatura, sino <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ella, al globalizado mundo que se construye hoy en día obviando las<br />
esencias particulares <strong>de</strong> los diferentes grupos humanos que habitamos el planeta.<br />
En este sentido señalo la transcripción <strong>de</strong> formas poéticas que, insertadas <strong>de</strong> manera<br />
oportuna, matizan la trama y dan a conocer composiciones <strong>de</strong> puro arraigo <strong>de</strong> la cultura<br />
popular. Ello ocurre cuando ante el terrible <strong>de</strong>sengaño amoroso que sufre, el protagonista<br />
canta:<br />
Al cielo pido la muerte,<br />
pero no llega;<br />
quiero ese sueño sin <strong>de</strong>spertar<br />
para olvidarteeeee…<br />
O en un momento <strong>de</strong> euforia en que Aluko comienza “a danzar como un danzante <strong>de</strong><br />
tijeras, silbando la tonada <strong>de</strong>l “wallpa waqay” (…) “y a cantar huainitos <strong>de</strong> amor:<br />
Esas tus pestañas<br />
alfileres son,<br />
que me han traspasado<br />
hasta el corazón.<br />
La novela, sin que ese sea su intención, nos va estar transmitiendo en todo momento<br />
información <strong>de</strong> la cultura <strong>de</strong> este pueblo, como son las prácticas <strong>de</strong> la medicina<br />
tradicional (“la curan<strong>de</strong>ra pedía que le traigan un huevo fresco, <strong>de</strong> gallina negra, puesto<br />
en un día martes o viernes. Y, con ese huevo, ella le pasaba por todo el cuerpo al enfermo,<br />
lentamente, <strong>de</strong>teniéndose en cada lugar, rezando unas oraciones extrañas y llamando al<br />
espíritu para que regrese al cuerpo <strong>de</strong>l niño…”), sus alimentos (“tuna”, “un cántaro lleno<br />
<strong>de</strong> espumante chicha <strong>de</strong> jora”, “sopa <strong>de</strong> maíz molido”); los roles familiares (“te percataste<br />
<strong>de</strong> que su padre te estaba apreciando mucho. Y te dijiste, para tus a<strong>de</strong>ntros, que él podría<br />
llegar a ser tu suegro y te alegraste mucho con esa i<strong>de</strong>a”); y otros muchos elementos <strong>de</strong> la<br />
vida andina.<br />
Aunque su tema central es el amor, reflejado en la psicología propia <strong>de</strong> la adolescencia, se<br />
abordan otros asuntos <strong>de</strong> interés como es la actitud discriminatoria ante la diferencia que<br />
sufre el protagonistas (“marginado por tus propios amigos <strong>de</strong> esa época por tener esas<br />
verrugas” (…) “eras más <strong>de</strong>spreciado que el chiwakitu o zorzalito negro”); las<br />
contradicciones éticas y sociales que enjuician <strong>de</strong>terminados estratos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (“Ellos gozan<br />
haciendo sufrir a los pobres… Para eso, tienen su plata, pues… ¿Cuándo llegará la justicia<br />
para los pobres?...”); las activida<strong>de</strong>s laborales en la que participan los jóvenes varones<br />
(“…encostalando papas, junto a tus padres. O, tal vez, estarías mejor cortando alfalfa y<br />
pasto para tus cuyes (…) apacentar tus ovejas) y las mujeres (“…hilando ese copo <strong>de</strong> lana”<br />
(…) “¿Vas a tejerte una chompita?”).<br />
Hay en la novela un dibujo psicológico preciso <strong>de</strong> los personajes, tanto <strong>de</strong>l actor<br />
principal como <strong>de</strong> los actuantes secundarios en el más cercano círculo <strong>de</strong> este. No suce<strong>de</strong> lo<br />
mismo con la co-protagonista y objeto <strong>de</strong> amor que mueve la trama, pues su <strong>de</strong>scripción,<br />
hecha con ojos <strong>de</strong> enamorado, se basa más en la belleza física, se obvian las cualida<strong>de</strong>s<br />
personales y se rego<strong>de</strong>a en lo puramente externo:<br />
52
era una palomita <strong>de</strong> sol y lluvia y noches <strong>de</strong> luna, que revoloteaba su grácil<br />
adolescencia entre floridos retamales y maizales y alfalfares. Qué caray, era una<br />
palomita muy coqueta y <strong>de</strong> andinos sentimientos, a quien le gustaba recibir miradas<br />
anhelosas, porque sabía que sus ojos eran más hermosos cuando ella bajaba sus<br />
pestañas (…) su risa llegó hasta tus oídos, como la bulla musical <strong>de</strong> un riachuelo que se<br />
<strong>de</strong>sliza por las quebradas con una música <strong>de</strong> campanitas <strong>de</strong> plata, o como el canto<br />
jubiloso <strong>de</strong> una lorita bullanguera que se va hacia las quebradas en busca <strong>de</strong> maizales<br />
en flor (...) su sonrisa <strong>de</strong> nievecita blanca.<br />
Esta no presentación <strong>de</strong> la Jacintacha en toda su dimensión psicológica, consi<strong>de</strong>ro está<br />
hecha con la intención <strong>de</strong> propiciar la versatilidad <strong>de</strong> interpretaciones que los lectores<br />
podamos hacer ante el comportamiento <strong>de</strong> la muchacha en el <strong>de</strong>senlace <strong>de</strong> la novela.<br />
Las anécdotas en que transcurre la historia <strong>de</strong>l libro nos llevan <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el surgimiento puro<br />
y esperanzador en su protagonista <strong>de</strong>l sentimiento amoroso; pasando por la incipiente y<br />
natural sexualidad propia <strong>de</strong> la edad, la que en el niño en contacto directo con los animales<br />
(“…un carnero que tuviste hace un tiempo atrás. Qué caray, éste, pues, no <strong>de</strong>jaba nunca<br />
<strong>de</strong> perseguir a las ovejas y trataba siempre <strong>de</strong> querer subirse sobre ellas, con la finalidad<br />
<strong>de</strong> sacudir las ancas, haciendo lo que se tiene que hacer para que la oveja salga preñada y<br />
así tenga su cría.”) carece <strong>de</strong>l matiz malsano y represivo que la religión se ocupara <strong>de</strong><br />
atribuirle (“Lloraste pidiendo perdón a Taitacha Dios y a los santos <strong>de</strong> la iglesia”); hasta las<br />
nefastas consecuencias <strong>de</strong>l sexo cuando está movido por intereses puramente carnales.<br />
El valor <strong>de</strong> esta novela sobrepasa el estrecho margen <strong>de</strong>l nivel etario <strong>de</strong>l lector implícito<br />
con que arbitrariamente se acostumbra a encasillar los libros, pues este es un texto para<br />
todas las eda<strong>de</strong>s, me atrevo a augurarle un puesto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los textos clásicos <strong>de</strong> la<br />
literatura latinoamericana.<br />
Este certamen contó con la participación <strong>de</strong> un alto número <strong>de</strong> autores, fue entonces<br />
lógico que los jurados, tanto <strong>de</strong> uno como <strong>de</strong>l otro nivel convocado, encontraran obras <strong>de</strong><br />
calidad, merecedoras muchas ellas <strong>de</strong> haber obtenido el máximo galardón. Fue lo ocurrido<br />
en el nivel juvenil, don<strong>de</strong> intentando un nivel <strong>de</strong> justicia, y ante la imposibilidad <strong>de</strong> dar más<br />
<strong>de</strong> un premio, se <strong>de</strong>cidió otorgar Menciones Honrosas a cuatro <strong>de</strong> los textos concursantes. Al<br />
abrir las plicas <strong>de</strong> estos libros aparecieron nombres <strong>de</strong> reconocidos escritores, con<br />
importantes trayectorias <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> la literatura <strong>de</strong>l continente.<br />
Uno <strong>de</strong> estos libros fue Fábula ver<strong>de</strong>, <strong>de</strong> la boliviana Isabel Mesa, quien con este texto una<br />
vez más nos lleva y recrea por sus tópicos preferidos: la cultura aborigen, la historia y la<br />
mo<strong>de</strong>rnidad, moviéndose hábilmente entre los planos realista y fantástico, lo que obliga al<br />
lector a participar en un juego <strong>de</strong> la imaginación que <strong>de</strong>manda una actitud avizora e<br />
inteligente. A ello nos tiene acostumbrado por algunos <strong>de</strong> sus libros, como pue<strong>de</strong>n ser La<br />
portada mágica, Trapizonda o La esfera <strong>de</strong> cristal.<br />
Fabula ver<strong>de</strong> es una novela futurista con un mensaje ecológico, pero es también un texto<br />
con todos los ingredientes propios <strong>de</strong> una aventura <strong>de</strong> acción, con persecuciones,<br />
secuestros, mensajes codificados y escapadas peligrosas y emocionantes, en el que la autora,<br />
y como si todo esto no fuera suficiente para lograr un libro <strong>de</strong> interés para el público<br />
adolescente al que está dirigido, es capaz <strong>de</strong> combinar hábilmente, en voz <strong>de</strong> sus propios<br />
protagonistas, una serie <strong>de</strong> leyendas <strong>de</strong> los pueblos aborígenes con la trama que va<br />
<strong>de</strong>sarrollando la novela, lo cual hace que estas no molesten y que el lector las conozcas <strong>de</strong><br />
manera divertida.<br />
Otros muchos elementos que son afines a los jóvenes <strong>de</strong> hoy en día acercan el texto a su<br />
lector implícito, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> los códigos <strong>de</strong> la escritura <strong>de</strong>l chateo hasta un sinnúmero <strong>de</strong> equipos<br />
electrónicos (tabletas, laptops, irisphones, pantallas virtuales…) usados en oficinas y<br />
cibercafés para la comunicación en servicios como el Twitter y el Facebook; y otros muchos<br />
propios <strong>de</strong> la ciencia ficción que la autora crea para alertarnos que el mal uso <strong>de</strong> todos estos<br />
recursos pue<strong>de</strong>n convertir al hombre en una máquina <strong>de</strong>shumanizada.<br />
53
Este realismo, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los parámetros <strong>de</strong> la literatura <strong>de</strong> anticipación científica es<br />
combinado con un recurso propio <strong>de</strong> la más común <strong>de</strong> las fantasías <strong>de</strong> los niños y <strong>de</strong> los<br />
pueblos primitivos: el antropomorfismo.<br />
Al final, triunfa el bien sobre el mal, y las <strong>de</strong>ida<strong>de</strong>s protectoras marchan satisfechas pues<br />
los lectores se habrán enriquecido con el mejor <strong>de</strong> los goces estéticos y también aspirarán a<br />
un mundo mejor.<br />
Otro <strong>de</strong> los textos mencionados fue La sombría casa <strong>de</strong> Dione, <strong>de</strong>l cubano Aramís<br />
Quintero, poeta y ensayista <strong>de</strong> una amplia bibliografía publicada en Cuba y otros varios<br />
países, fundamentalmente en Chile don<strong>de</strong> radica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hace años. Es graduado en la<br />
Licenciatura en Lengua y Literatura Hispánica, <strong>de</strong> la Universidad <strong>de</strong> La Habana, y entre sus<br />
libros se <strong>de</strong>ben mencionar Maíz regado, Letras mágica y Rimas <strong>de</strong> sol y sal.<br />
Aunque ha incursionado también en la narrativa, este nuevo libro no <strong>de</strong>ja <strong>de</strong> sorpren<strong>de</strong>r,<br />
pues el autor entra en la novelística para jóvenes conservando su sello estilístico, “<strong>de</strong> una<br />
acendrada pureza lírica”, lo que se hace visible en la limpieza y belleza <strong>de</strong> su prosa.<br />
La sombría casa <strong>de</strong> Dione, narrada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> una primera voz, la <strong>de</strong> su protagonista, con un<br />
preciso dibujo <strong>de</strong> la psicología propia <strong>de</strong> la adolescencia, es una novela <strong>de</strong> amor, o más bien<br />
<strong>de</strong> varios y gran<strong>de</strong>s amores, pero con una envoltura <strong>de</strong> aventura y misterio, intriga y<br />
suspenso, don<strong>de</strong> está presente el asunto <strong>de</strong>l vampirismo, tan <strong>de</strong> moda y preferencia en el<br />
interés <strong>de</strong> los jóvenes actuales; pero no usado por puro a<strong>de</strong>rezo externo, pues ello le<br />
conce<strong>de</strong>ría un mero valor temporal, sino porque lo aborda para fijar una postura crítica ante<br />
la intolerancia y las conductas agresivas a las que conducen la intransigencia y el irrespeto a<br />
las diferencias. Toda la trama transcurre en un dosificado creyendo argumental, manejado<br />
por el autor con maestría dramatúrgica para mantener el interés lector, para al final<br />
sorpren<strong>de</strong>rnos con una solución totalmente realista <strong>de</strong>l conflicto y <strong>de</strong>stacar valores como la<br />
persistencia, la fuerza <strong>de</strong>l amor y la valentía.<br />
Matil<strong>de</strong> Rentería es una escritora poco proclive a la promoción <strong>de</strong> su obra; sus libros, en<br />
ediciones <strong>de</strong> autor, han circulado <strong>de</strong> manera limitada por su país: Chile. Entre estos po<strong>de</strong>mos<br />
mencionar: Los cuentos <strong>de</strong> la Nati, Yoseg, Los caprichos <strong>de</strong> Natalia, y Cuba íntima. Crónica <strong>de</strong><br />
un viaje.<br />
Esta ha sido su primera incursión en un certamen literario y se alzó con una <strong>de</strong> las<br />
menciones otorgadas por su libro En silencio.<br />
Se trata <strong>de</strong> una novela psicológica, narrada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la perspectiva <strong>de</strong> un joven introvertido<br />
y sin el comportamiento optimista y alegre <strong>de</strong>l resto <strong>de</strong> sus coetáreos, que lo lleva a una<br />
posición <strong>de</strong> aislamiento social y <strong>de</strong> incomprensión familiar. El texto aborda también el tema<br />
<strong>de</strong> la discapacidad, ésta en la co-protagonista <strong>de</strong> la historia y en una manifestación no<br />
abordada con mucho frecuencia: la condición <strong>de</strong> sordo muda. Esta joven motiva y mueve el<br />
sentimiento amoroso <strong>de</strong>l protagonista y lo hace buscar y encontrar su lugar en la sociedad.<br />
Es, por lo tanto, una novela <strong>de</strong> crecimiento, muy a<strong>de</strong>cuada para la edad juvenil, pues los<br />
acontecimientos que vive su actor principal y narrador, <strong>de</strong> quien, con toda intención <strong>de</strong> la<br />
autora, no le conocemos el nombre, lo llevan a un enriquecimiento <strong>de</strong> perspectiva <strong>de</strong> vida,<br />
con positivos cambios sociales, familiares y personales.<br />
Es un texto con una redacción precisa y un lenguaje acor<strong>de</strong> a los parámetros apropiados<br />
para un libro puramente realista. Los acontecimientos están expuestos <strong>de</strong> tal manera que<br />
<strong>de</strong>spiertan la curiosidad por la solución <strong>de</strong> los conflictos principal y parciales. Tiene<br />
presente el ingrediente romántico como motor primordial para las motivaciones <strong>de</strong> la acción<br />
dramática.<br />
A orillas <strong>de</strong>l Guadalquivir, <strong>de</strong> la argentina Carla Dulfano, aborda un muy interesante<br />
asunto, que aunque enmarcado en un momento histórico <strong>de</strong>terminado <strong>de</strong> la península<br />
Ibérica en el bien remoto 1148, tiene plena vigencia en la actualidad, pues <strong>de</strong>nuncia la<br />
xenofobia y la intolerancia ante posturas diferentes en la vida, en este caso la religión, pues<br />
nos traslada a los momentos previos <strong>de</strong> romperse la aparente armonía con la que allí<br />
convivían cristianos, musulmanes y judíos.<br />
54
Carla trabaja como docente, y en la literatura ha obtenido galardones en concursos <strong>de</strong><br />
España y diferentes países <strong>de</strong> América Latina. Es narradora, poeta, compositora y<br />
dramaturga y sus libros han aparecido por diferentes puntos <strong>de</strong>l mundo <strong>de</strong> habla hispana.<br />
Aunque los hechos y personajes <strong>de</strong> esta novela son ficticios, están inspirados en un<br />
personaje real, un médico medieval andaluz, Moisés Maimóni<strong>de</strong>s, cuya infancia feliz<br />
concluyó con la invasión almóha<strong>de</strong> marroquí a Córdoba, que obligó a su familia a exiliarse<br />
en Toledo.<br />
Después <strong>de</strong> breves oraciones, <strong>de</strong> un narrador, que funcionan a manera <strong>de</strong> título <strong>de</strong> cada<br />
segmentos, estos son narrados en primera persona, pero alternando las voces entre los tres<br />
protagonistas. La relación amorosa entre los personajes jóvenes, sus conflictos por los<br />
exigentes compromisos religiosos que <strong>de</strong>ben asumir, unidos a las actitu<strong>de</strong>s rígidas <strong>de</strong> los<br />
padres, son elementos que coadyuvan a la comunicación lectora con el público a que está<br />
dirigida.<br />
La autora maneja con habilidad la presentación <strong>de</strong> los diferentes pasajes <strong>de</strong> la trama para,<br />
por una parte darnos una serie <strong>de</strong> informaciones necesarias para enten<strong>de</strong>r las condiciones<br />
en que se <strong>de</strong>sarrolla la historia, a la par que logra una dosificación dramatúrgica eficaz.<br />
Posee un muy a<strong>de</strong>cuado nivel <strong>de</strong> lenguaje. Tiene sobre añadido el valor <strong>de</strong> remitirnos a un<br />
espacio geográfico, una época y a una situación que no nos atañe <strong>de</strong> manera directa, pero<br />
que <strong>de</strong> alguna forma, como latinoamericanos, tiene que ver con la historia nuestra y que<br />
constituye en elemento <strong>de</strong> enriquecimiento para la cultura general <strong>de</strong> los presuntos lectores<br />
<strong>de</strong> nuestra región.<br />
Tanto la novela premiada como los textos mencionados prestigiarán al Premio<br />
Latinoamericano <strong>de</strong> la Aca<strong>de</strong>mia Peruana <strong>de</strong> Literatura Infantil y Juvenil y en su <strong>de</strong>but<br />
marca el nivel <strong>de</strong> calidad exigido para próximas ediciones <strong>de</strong>l concurso. Hasta tanto, estos<br />
textos no sean publicados, sirvan estas notas para saber por dón<strong>de</strong> anda la literatura juvenil<br />
latinoamericana.<br />
Luís Cabrera Delgado (Cuba, 1945). Narrador, dramaturgo, guionista <strong>de</strong> radio, crítico e<br />
investigador. Ha publicado una treintena <strong>de</strong> títulos en Cuba, México, Colombia, Ecuador,<br />
Chile, Argentina y Brasil. Es Miembro Fundador <strong>de</strong> la Aca<strong>de</strong>mia Latinoamericana <strong>de</strong><br />
Literatura Infantil y Juvenil. Contacto: luiscd@cenit.cult.cu. Página ilustrada con obras <strong>de</strong><br />
Lucebert (Holanda), artista invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />
55
MANUEL IRIS | Rasgos comunes: una visión <strong>de</strong><br />
Gonzalo Rojas y Juan Sánchez Peláez.<br />
Entrevista con Armando Romero<br />
El recuento <strong>de</strong> la amistad entre poetas suele ser una sabrosa<br />
colección <strong>de</strong> anécdotas dulces, amargas y secretas. Todas tienen que<br />
ver con la propia obra o estirpe poética <strong>de</strong> los implicados, con su<br />
carácter y circunstancia. La poesía y la vida son una y la misma cosa,<br />
en quienes las escriben. Armando Romero (Colombia 1944), es un<br />
poeta mayor que ha gozado y goza todavía <strong>de</strong> la amistad <strong>de</strong> otros<br />
poetas <strong>de</strong> diversos lugares y momentos. La presente entrevista busca indagar por dos<br />
amigos <strong>de</strong>l poeta que fueron cercanos en ciertos espacios y tiempos, y que luego tomaron<br />
caminos diferentes, siendo ambos poetas fundamentales <strong>de</strong> Hispanoamérica: Gonzalo<br />
Rojas y Juan Sánchez Peláez. [MI]<br />
MI | ¿Cuál fue tu nexo personal con ambos poetas? Es <strong>de</strong>cir, ¿cuándo los conociste, en qué<br />
circunstancia y qué cosas compartieron?<br />
AR | ambos los conocí en Caracas en la década <strong>de</strong>l 70. Primero a Juan Sánchez Peláez,<br />
recién regresado <strong>de</strong> USA, y en compañía <strong>de</strong> su esposa Malena. Este encuentro fue más bien<br />
un re-conocimiento. Yo llevaba varios años viviendo en Caracas y había publicado<br />
extensamente en las revistas y periódicos, así que mi nombre era reconocible en el mundo<br />
literario. El prestigio y la poesía <strong>de</strong> Sánchez Peláez eran emblemáticos en la literatura<br />
venezolana. Yo ya era un fanático lector <strong>de</strong> este poeta, quien <strong>de</strong>s<strong>de</strong> un principio me<br />
sorprendió como uno <strong>de</strong> los más gran<strong>de</strong>s poetas latinoamericanos <strong>de</strong> todas las épocas. A<br />
Gonzalo Rojas lo vine a conocer a su llegada a Caracas luego <strong>de</strong> su estadía en la Alemania<br />
Oriental. También lo conocía como gran poeta gracias a que en un largo período <strong>de</strong>l 67 y el<br />
68 viví en Chile. Incluso estuve a punto <strong>de</strong> conocerlo en persona porque me invitaron<br />
informalmente a ir a uno <strong>de</strong> sus congresos literarios en Concepción que él organizaba. No<br />
fui porque alguien me dijo que estaría poblado <strong>de</strong> gente comunista, y yo en aquel entonces<br />
me cuidaba mucho <strong>de</strong> esta asociación. No tanto por diferencias políticas, sino porque, a<br />
causa <strong>de</strong> un <strong>de</strong>scuido meses antes, había sido <strong>de</strong>tenido en Perú por estar viviendo en casa <strong>de</strong><br />
un poeta integrante <strong>de</strong>l partido. Eran tiempos difíciles.<br />
Con Sánchez Peláez surgió una amistad inmediata que duraría toda la vida. Nada más<br />
admirable que su <strong>de</strong>voción por la poesía, y la rigurosidad con que enfrentaba el acto creador.<br />
Era el surrealista más contenido y mesurado que he conocido en su hacer con las palabras, a<br />
diferencia <strong>de</strong> su ser personal que abundaba en humanidad y pasión vital. Con Gonzalo pasó<br />
algo similar. Recuerdo que pronto me invitó a su casa y allí conocí a su esposa Hilda, y a esa<br />
famosa cama china que cargaba por el mundo, y en la cual se resumía, creo, el caudal <strong>de</strong> su<br />
poesía. Eso que va <strong>de</strong> Eros al juego especular <strong>de</strong> la imaginación. Ese día <strong>de</strong> mi primera visita<br />
a su casa, y luego <strong>de</strong> servirme un buen escocés, me dijo: “Armando, cuéntanos tu vida”. Yo,<br />
sorprendido, le dije que eso podía resumirse en pocas palabras, pero que a la vez era muy<br />
largo <strong>de</strong> contar. Miró a Hilda, y a su reloj, y dijo: “No importa, empieza que tenemos toda la<br />
noche”.<br />
Tanto a Juan como a Gonzalo fascinaba que yo a tan corta edad, y con tan poca plata en<br />
el bolsillo, ya hubiera recorrido casi toda América <strong>de</strong> Norte a Sur. No fue sino hasta un<br />
tiempo <strong>de</strong>spués, luego <strong>de</strong> los años, que supe cuánto les importaba mi poesía. La generación<br />
<strong>de</strong> ellos era bastante parca en los juicios, siempre esperaban ver más.<br />
56
MI | ¿Eran sus personalida<strong>de</strong>s muy distintas?<br />
AR | Si, bastante. No se parecían en muchas cosas, pero si coincidían en su <strong>de</strong>voción por<br />
la poesía y en la calidad humana que los distinguía. Al leer y hacer viva la poesía <strong>de</strong> Sánchez<br />
Peláez encontramos, como dije antes, esa alta rigurosidad, ese bruñir el poema hasta sacarle<br />
piedras al polvo, aunado esto a un <strong>de</strong>safiante lirismo amoroso, esplen<strong>de</strong>nte. Sin embargo,<br />
como persona Juan era algo <strong>de</strong>smesurado, visiblemente sensual en sus gestos, en sus<br />
acciones. Inmensamente centrado en sí mismo, pero a la vez abierto por completo a la<br />
amistad. Juan era un hombre <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s pasiones, poco calculador. Ferozmente apolítico, en<br />
el sentido que hacía ban<strong>de</strong>ra <strong>de</strong> su libertad. Gonzalo, por lo contrario, va al poema con cierta<br />
<strong>de</strong>smesura barroca, es más espontáneo, más circunstancial, pero ya en su ser personal era<br />
una persona más contenida, don<strong>de</strong> el pensamiento y la inteligencia privilegiaban la palabra<br />
precisa, no muy espontánea. Más cercano al mundo político, al quehacer <strong>de</strong>l mundo literario,<br />
Gonzalo sabía manejar con cierta astucia las relaciones humanas en estos campos. Juan<br />
Sánchez es, a pesar <strong>de</strong> que él <strong>de</strong>screyera en los regionalismos, un hombre <strong>de</strong>l trópico.<br />
Gonzalo es un poeta austral. Sin embargo los une la dirección erótica, exaltante en Gonzalo,<br />
interna, en Sánchez Peláez. Como ves, son dos poetas que burlan los estereotipos.<br />
MI | Ambos poetas se formaron, o cuando menos tiene una parte fundamental <strong>de</strong> su<br />
educación sentimental y poética, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> Mandrágora, el grupo surrealista chileno. Sin<br />
embargo, no pue<strong>de</strong>n ser más distintos al referirse a este momento <strong>de</strong> sus vidas: Peláez,<br />
siempre orgulloso <strong>de</strong> este período. Rojas, terminó por negar su pertenencia al grupo. ¿A qué<br />
crees que se <strong>de</strong>ba esta diferencia?<br />
AR | No es fácil dilucidar la relación que ambos poetas establecieron con el grupo<br />
Mandrágora, y en especial con Braulio Arenas. Creo que aquí <strong>de</strong>bemos ser muy específicos<br />
porque todo cambia cuando hablamos <strong>de</strong> los otros integrantes <strong>de</strong> Mandrágora, [Enrique]<br />
Gómez-Correa, [Jorge] Cáceres, [Teófilo] Cid. Creo que las cosas se alinean en la dirección <strong>de</strong><br />
una relación <strong>de</strong> ellos con [Braulio] Arenas. Yo conocí poco a Arenas. En Santiago jugaba<br />
ajedrez a veces con él, y la última vez que lo vi fue en casa <strong>de</strong> Juan Sánchez en Caracas, en<br />
esa década <strong>de</strong>l 70. Pero sé que era una persona difícil, muy centrado en sí mismo, aunque a<br />
mi parecer no tenía la prepotencia <strong>de</strong> otros poetas chilenos, valga el caso <strong>de</strong> Pablo <strong>de</strong> Rokha<br />
o <strong>de</strong> Nicanor Parra. Sin embargo, Gonzalo se distancia <strong>de</strong> Mandrágora en una pelea directa<br />
con Arenas. Mucho <strong>de</strong> esto tiene que ver con el panorama político <strong>de</strong> Chile, pero también<br />
porque Arenas <strong>de</strong>viene al final <strong>de</strong> su vida en un poeta ultraconservador, extrañamente<br />
formal. Arenas renuncia a su ser surrealista en una manera catastrófica. Sánchez Peláez no<br />
mostró, al menos en las charlas conmigo, mayor afecto por Arenas, aunque recordaba sus<br />
días en Chile con inmensa nostalgia. Pero su afecto en Chile estaba sembrado en Rosamel <strong>de</strong>l<br />
Valle y en Díaz Casanueva, principalmente. Otra cosa, que nunca podremos comprobar es<br />
que, según me reveló el mismo Juan, Arenas se apo<strong>de</strong>ró <strong>de</strong> una libreta que contenía muchos<br />
poemas <strong>de</strong> él, escritos en Chile, y los publicó como suyos. Eso fue en los años en que Juan<br />
estudiaba en Santiago. A pesar <strong>de</strong> que esta acusación no es comprobable, yo creo que Juan<br />
no inventaba esto. No solamente no le era necesario, sino que <strong>de</strong>jaba ver el dolor que le<br />
producía recordar esos poemas que fueron a parar en la obra <strong>de</strong> otro. Nunca me dijo cuáles<br />
poemas eran, a pesar <strong>de</strong> que se lo pregunté. Siempre <strong>de</strong>jaba la respuesta para <strong>de</strong>spués. En el<br />
caso <strong>de</strong> Gonzalo, recuerdo que una vez me dijo en Pittsburgh que él siempre estuvo cercano<br />
a Mandrágora por la presencia tutelar <strong>de</strong> Vicente Huidobro, no tanto por su adhesión al<br />
grupo.<br />
MI | A diferencia <strong>de</strong> Peláez, Gonzalo Rojas tuvo una larga parte <strong>de</strong> su carrera poética una<br />
agenda política, cercana al gobierno <strong>de</strong> Salvador Allen<strong>de</strong>. ¿Crees que esta faceta <strong>de</strong> la<br />
57
iografía <strong>de</strong> Rojas haya influido en la recepción posterior, o incluso en la recepción y<br />
proyección inmediata <strong>de</strong> su obra?<br />
AR | Si, fue muy importante para lograr esa visibilidad <strong>de</strong> su poesía que tanto buscaba.<br />
Por extraño que parezca, las persecuciones políticas, el exilio y los horrores <strong>de</strong> las<br />
dictaduras, abren al mundo una ventana por la cual se pue<strong>de</strong> ver a los poetas, a los<br />
intelectuales que han sufrido estos vejámenes con mayor claridad. Tal vez es un triste<br />
beneficio, pero es un beneficio <strong>de</strong>finitivamente que logra dar una mayor recepción,<br />
proyección al trabajo literario, y da como resultado que la obra se torne más visible. América<br />
Latina está llena <strong>de</strong> escritores, poetas, que <strong>de</strong>ben su fama, no tanto a su obra, como a las<br />
persecuciones políticas que sufrieron en sus países. No es este el caso <strong>de</strong> Gonzalo Rojas,<br />
pero sí es cierto que su relación con Allen<strong>de</strong>, el ser su vocero por América Latina, y sus<br />
puestos diplomáticos en China y Cuba, fueron muy importantes. Yo recuerdo cuando, luego<br />
<strong>de</strong> la caída <strong>de</strong> Allen<strong>de</strong>, Gonzalo tuvo que ir a vivir a Alemania Oriental y allí empezó a<br />
sentirse <strong>de</strong>sesperado “por esa falta <strong>de</strong> luz”, como me lo dijo una vez en Caracas. Todo el<br />
mundo intelectual venezolano se conmovió por esta situación <strong>de</strong>l poeta, y pronto se puso en<br />
marcha un aparato <strong>de</strong> ayuda y presión para lograr que el gobierno venezolano lo acogiera<br />
como resi<strong>de</strong>nte, otra forma <strong>de</strong>l exilio. Fue Juan Sánchez uno <strong>de</strong> los que trabajó con mayor<br />
ahínco en lograr esto. Yo mismo fui emisario <strong>de</strong> cartas que Juan envió <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Caracas a los<br />
poetas <strong>de</strong> Mérida, Ramón Palomares entre ellos, para lograr el apoyo <strong>de</strong> la Universidad <strong>de</strong> los<br />
An<strong>de</strong>s.<br />
MI | Ambos poetas tuvieron trato (Rojas cercano, Peláez distante) con Octavio Paz. Esta<br />
cercanía o lejanía <strong>de</strong> algún modo pue<strong>de</strong> ser el correlato <strong>de</strong>l reconocimiento que ambos<br />
tuvieron fuera <strong>de</strong> sus países. ¿Por qué crees que esto sucedía? ¿Fue la influencia (social,<br />
política, editorial) <strong>de</strong> Octavio Paz tan <strong>de</strong>finitiva en América Latina? ¿De qué modos concretos<br />
se manifestaba?<br />
AR | Dentro <strong>de</strong> la generación <strong>de</strong> estos poetas, que ven florecer su obra en las décadas <strong>de</strong>l<br />
40 y el 50, la presencia <strong>de</strong> Paz es fundamental. Hablo <strong>de</strong> poetas como Rojas, Sánchez Peláez,<br />
Gaitán Durán, Mutis, Molina, Charry Lara, Westphalen, Martínez Rivas, etc. Tú sabes que la<br />
América Latina poética se divi<strong>de</strong> en tres en la década <strong>de</strong>l 50. Tres gran<strong>de</strong>s ramas <strong>de</strong> ese<br />
tronco que viene <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Darío: Neruda, Vallejo, Paz. No vamos a dilucidar aquí esta gran<br />
ecuación literaria, pero quedémonos con la corriente que se alimentará <strong>de</strong> Paz y lo<br />
alimentará recíprocamente. Con esto quiero <strong>de</strong>cir que, más allá <strong>de</strong> los aciertos <strong>de</strong> su poesía,<br />
Paz es una creación <strong>de</strong> toda una generación <strong>de</strong> poetas que buscaban una alternativa a las<br />
direcciones que se abrían con Neruda, filiación comunista, stalinista, o con Vallejo,<br />
vanguardista comprometido con lo vernacular, con lo social. Paz trae el aliento <strong>de</strong>l mundo<br />
europeo, <strong>de</strong> la cultura francesa gracias a sus buenas lecturas <strong>de</strong> Raymond, Béguin, la<br />
filosofía alemana, los griegos, etc. Paz es el mundo europeo aproximándose a América<br />
Latina, y un puente para acce<strong>de</strong>r a él a través <strong>de</strong> una cultura latinoamericana representativa,<br />
como es el caso <strong>de</strong> la cultura mexicana con sus rasgos mestizos, y como busca ponerlos Paz,<br />
universales. Paz es el resultado <strong>de</strong> una necesidad. Su dominio <strong>de</strong>l campo literario<br />
latinoamericano es virtual, pero real a la vez. Cada una <strong>de</strong> sus palabras se va a pesar en una<br />
balanza que <strong>de</strong>termina direcciones, aciertos o fracasos. Todos estos poetas le guardan una<br />
profunda reverencia. Lo paradójico es que casi todos ellos son poetas <strong>de</strong> mucho más alcance<br />
poético que el mismo Paz. Una vez, hace bastante años, yo dije un día para un periódico<br />
venezolano que Paz era importante en América Latina porque era el único que sabía usar el<br />
punto y coma. Esa noche fui a una cena en casa <strong>de</strong> Juan Sánchez y me encontré con que él<br />
estaba bastante adolorido por lo que yo había dicho <strong>de</strong> Paz, por el irrespeto a una persona<br />
tan importante como Paz. En una reseña a la malísima antología <strong>de</strong>l surrealismo<br />
latinoamericano <strong>de</strong> Stefan Baciu, Paz dice que falta en la lista <strong>de</strong> poetas mencionar a Juan<br />
58
Sánchez, “un poeta vigoroso”. Esa fue toda la crítica que Paz hizo en su vida <strong>de</strong> la obra <strong>de</strong><br />
Sánchez Peláez. No obstante, este poeta celebró por meses ese adjetivo que le había caído<br />
<strong>de</strong>l cielo <strong>de</strong> la poesía. Nada más triste si consi<strong>de</strong>ramos que Sánchez Peláez es un poeta mil<br />
veces superior a Paz. Ya al final <strong>de</strong> su vida, y muerto Paz, Sánchez Peláez me dijo que en<br />
aquel entonces yo tenía razón. Paz no era el gran poeta que todos habían exaltado.<br />
MI | ¿Cuáles eran los nexos políticos o i<strong>de</strong>ológicos entre Paz y Rojas? ¿Crees que estas<br />
coinci<strong>de</strong>ncias fueron importantes en su trato <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l mundo literario?<br />
AR | Ahora bien, en el caso <strong>de</strong> Gonzalo Rojas, la presencia <strong>de</strong> Paz como difusor <strong>de</strong> su obra<br />
es fundamental. Es Paz quien publica a Rojas en su revista Vuelta varias veces, quien<br />
consigue para él la edición cumbre <strong>de</strong> su poesía “Del relámpago” en el FCE. Muy por lo<br />
contrario, Paz no hace nada para promocionar la obra <strong>de</strong> Sánchez Peláez. Debes enten<strong>de</strong>r<br />
aquí que Gonzalo Rojas está ya para ese entonces figurando <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l contexto<br />
internacional como un poeta opuesto frontalmente a la política <strong>de</strong> Pinochet, pero también<br />
fuera <strong>de</strong> la égida <strong>de</strong> Cuba y sus seguidores. Y esta posición a Paz le es muy favorable porque<br />
está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> la órbita <strong>de</strong> sus empeños en busca <strong>de</strong>l premio Nobel. Kun<strong>de</strong>ra por un lado,<br />
Rojas por el otro. Rojas es lo visible en América Latina, Sánchez Peláez es lo invisible, y para<br />
un político como Paz lo invisible no tenía mayor importancia, aunque se hubiera pasado la<br />
vida alabando a los poetas malditos. Así como México es una gran mentira institucional, Paz<br />
es la gran mentira cultural. Y ese es el espejo en que se refleja toda América Latina.<br />
MI | Sin embargo, el caso <strong>de</strong> Paz no es el único que ayuda al reconocimiento <strong>de</strong> Rojas. La<br />
aca<strong>de</strong>mia chilena y la norteamericana también ayudan a este proceso, que terminará en la<br />
adjudicación <strong>de</strong>l premio reina Sofía al poeta: ¿cuál fue tu experiencia <strong>de</strong> este proceso por<br />
parte <strong>de</strong> los estudiosos y amigos <strong>de</strong> la obra <strong>de</strong> Gonzalo?<br />
AR | Con respecto a la literatura escrita en Chile la aca<strong>de</strong>mia chileno-latinoamericana tuvo<br />
un gran acierto al empujar la obra <strong>de</strong> Gonzalo Rojas hacia premios internacionales tan<br />
importantes como ese. El gran <strong>de</strong>sacierto es la promoción <strong>de</strong> una escritora tan mediocre<br />
como Isabel Allen<strong>de</strong>. Pero estos dos casos son producto <strong>de</strong>l mismo fenómeno: lo imperante<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l mundo cultural chileno es velar por sus propios intereses. Chile, no te olvi<strong>de</strong>s, es<br />
una isla, y eso lo dice todo. Sin la mediación <strong>de</strong> la aca<strong>de</strong>mia chilena en Norteamérica, y luego<br />
<strong>de</strong> otros académicos <strong>de</strong> diferentes países que a esto se sumaron, la obra <strong>de</strong> Gonzalo Rojas<br />
no hubiera podido alcanzar esa proyección continental tan po<strong>de</strong>rosa. Claro que es obvio,<br />
como lo dije antes, que la presencia <strong>de</strong> Paz es disparadora, pero el concierto <strong>de</strong> voces<br />
chilenas es fundamental. No digo esto para <strong>de</strong>meritar la obra <strong>de</strong> Gonzalo Rojas, pero yo lo<br />
viví día por día aquí en Estados Unidos. Recuerdo una noche, a principios <strong>de</strong> la década <strong>de</strong>l<br />
90, que me llamó a Cincinnati Hilda, la esposa <strong>de</strong> Gonzalo, y me dijo que ella me invitaba a<br />
sumarme al grupo <strong>de</strong> intelectuales que buscaban promocionar a Gonzalo para el premio<br />
Reina Sofía. Por supuesto que me sumé inmediatamente al grupo.<br />
MI | Frente a este panorama, ¿qué ha pasado con la obra <strong>de</strong> Juan Sánchez Peláez? ¿A qué<br />
atribuyes que sea tan poco explorada, o incluso conocida, fuera <strong>de</strong> Venezuela?<br />
AR | Todo lo contrario con la obra <strong>de</strong> Juan Sánchez Peláez. Hace unos años su viuda<br />
Malena estuvo <strong>de</strong> visita acá en los Estados Unidos, y por ella me enteré <strong>de</strong> que la antología<br />
<strong>de</strong> este poeta, publicada en España por Lumen, iba a ser recogida y probablemente <strong>de</strong>struida.<br />
Los editores se la ofrecían si ella podía recogerla toda y llevársela, <strong>de</strong> lo contrario<br />
<strong>de</strong>saparecería. Y así fue, ya que no creo que ella haya podido hacerlo. A mi juicio Juan<br />
Sánchez Peláez es uno <strong>de</strong> los poetas más gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> toda la historia <strong>de</strong> Hispanoamérica.<br />
Pero este juicio sólo lo puedo compartir con los pocos privilegiados que han tenido acceso a<br />
59
su obra. La respuesta <strong>de</strong> por qué suce<strong>de</strong> esto es fácil. Todo se <strong>de</strong>be al predominio político<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los campos literarios, al manejo <strong>de</strong> las fuentes <strong>de</strong> información y difusión, al po<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> los “capos” <strong>de</strong> la poesía y la cultura. Volvemos al principio, Sánchez Peláez no buscaba un<br />
reconocimiento fácil, un aplauso académico, <strong>de</strong> auditorios llenos. Su necesidad era que se<br />
comprendieran, se pudieran visualizar los centros oscuros <strong>de</strong> su poesía. Tenía una extrema<br />
necesidad en que sus poemas fueran leídos como él quería que lo fuesen. Eran para él<br />
piedras mágicas que conllevaban un Gran Sentido, y <strong>de</strong>bo <strong>de</strong>cir esto con mayúsculas. Pero la<br />
crítica normal no alcanza estas alturas <strong>de</strong> pensamiento poético, y <strong>de</strong> allí su frustración, su<br />
<strong>de</strong>sesperanza y <strong>de</strong>saliento.<br />
MI | ¿Cómo fue la relación entre estos dos escritores al final <strong>de</strong> sus vidas?<br />
AR | Creo que como siempre fue, <strong>de</strong> gran afecto y admiración. No obstante poco a poco<br />
los años los fue colocando en lugares cada vez más distantes. Gonzalo siempre estaba<br />
dispuesto a reclamar para Juan Sánchez Peláez uno <strong>de</strong> los lugares más altos <strong>de</strong> la poesía.<br />
Nunca le oí un juicio crítico negativo, ni para él como persona ni para su poesía. Por lo<br />
contrario, Juan se dolía <strong>de</strong>l protagonismo <strong>de</strong> Gonzalo y así me lo <strong>de</strong>cía: “Gonzalo no necesita<br />
estar saliendo tanto en los periódicos”. Pero <strong>de</strong> hecho era un fervoroso lector <strong>de</strong> su poesía.<br />
Yo sé que si algún día se estudian estos dos poetas profundamente, se encontrarán nexos<br />
que los colocan en una gran cercanía. Tal vez es esa “asfixia” <strong>de</strong> que hablaba Gonzalo Rojas.<br />
MI | ¿Cuál fue tu relación con ellos hasta el final <strong>de</strong> sus vidas?<br />
AR | Lastimosamente a Gonzalo lo perdí <strong>de</strong> vista cuando <strong>de</strong>jó Estados Unidos y se fue<br />
<strong>de</strong>finitivamente a Chile. Ya no los vi nunca más a él ni a Hilda. Hablábamos por teléfono <strong>de</strong><br />
vez en cuando, y siempre estaba yo allí invitado a su casa en Chillán. Me contaba <strong>de</strong> sus<br />
aventuras y <strong>de</strong>sventuras amorosas, <strong>de</strong> sus felicida<strong>de</strong>s y dolores. También hablaba <strong>de</strong><br />
pequeñas cosas, anécdotas <strong>de</strong> su vida en esa población mágica para la poesía. Sabía <strong>de</strong> él por<br />
amigos comunes, y lo leía siempre con el mismo estupor con que leí sus primeros poemas en<br />
Chile, allá en mi juventud. Recordábamos nuestras aventuras por los bares <strong>de</strong> Pittsburgh y<br />
Chicago, eso <strong>de</strong> lo cual él <strong>de</strong>jó constancia en uno <strong>de</strong> sus poemas. Con Juan Sánchez hablaba<br />
frecuentemente por teléfono. Largas charlas acompañadas por dos botellas <strong>de</strong> escocés, una<br />
allá, otra acá. Estas charlas terminaban en cierto <strong>de</strong>lirio que nuestras mutuas esposas, allá y<br />
acá, cortaban con mano <strong>de</strong>licada pero precisa. Mucho hablé esas noches con Juan. Una que<br />
otra vez fui por Venezuela y el encuentro fue maravilloso, lleno <strong>de</strong> gran humor. Teníamos<br />
como tema cantar un viejo tango que ambos adorábamos, Sur, hasta el cansancio. Tengo<br />
para mí que allí estarán siempre conmigo, en ese lugar en que una palabra se acerca a otra y<br />
clama poesía.<br />
Manuel Iris (México 1983). Licenciado en Literatura Latinoamericana por la Universidad<br />
Autónoma <strong>de</strong> Yucatán, con maestría en literatura hispanoamericana por la New Mexico State<br />
University (EEUU). Premio Nacional <strong>de</strong> Poesía "Mérida" (2009). Autor <strong>de</strong> Versos robados y<br />
otros juegos (20<strong>06</strong>), Cua<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> los sueños (2009), y editor <strong>de</strong> En la orilla <strong>de</strong>l silencio,<br />
ensayos sobre Alí Chumacero (2012). Contacto: manueliris65@gmail.com. Página ilustrada<br />
con obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />
60
MARITZA CINO ALVEAR | Sylvia Plath versus<br />
Alejandra Pizarnik… en un solo escenario<br />
Sylvia y Alejandra nacen en la década <strong>de</strong> los años treinta. Sus vidas<br />
intensas y breves transcurren paralelamente. Contemporáneas en la<br />
escritura y en su militancia hacia la muerte. Nacen en diferentes países y<br />
se <strong>de</strong>splazan hacia nuevos espacios geográficos como reconocimiento a<br />
su vocación poética.<br />
Aunque incursionan en otros géneros como cuento y novela, son<br />
recordadas sobre todo por su lírica. Degustan <strong>de</strong>l estímulo <strong>de</strong> la fama, pero no se <strong>de</strong>tienen a<br />
la hora <strong>de</strong> anunciar y optar por otra carrera, precisada en su producción literaria.<br />
Sylvia, visceral-teatral, capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>scuartizar la palabra, enlazada a figuras fantasmales<br />
<strong>de</strong> su infancia, a las que evoca con furor y revancha. Parecería que el camino que ella <strong>de</strong>cidió<br />
transitar a través <strong>de</strong> su obra, se convertiría en un <strong>de</strong>safío al entendimiento, en un riesgo <strong>de</strong><br />
muerte. Una voz en permanente insatisfacción porque como ella dice en su diario: “El no ser<br />
perfecta me hiere”.<br />
Alejandra más cercana a lo confesional, sus versos maceran la ceremonia <strong>de</strong>l rito lírico y<br />
<strong>de</strong> la orfebrería filosófica. Es artífice <strong>de</strong> una poesía que sugiere, insinúa y se profetiza a<br />
través <strong>de</strong> una elegía <strong>de</strong> contemplaciones.<br />
En este escenario Sylvia y Alejandra aparecen y <strong>de</strong>saparecen, en un encuentro<strong>de</strong>sencuentro<br />
poético, <strong>de</strong>cantado en la temporalidad <strong>de</strong> su escritura.<br />
LA CAMPANA <strong>DE</strong> CRISTAL | La Campana <strong>de</strong> Cristal (1963), es la única novela <strong>de</strong> la escritora<br />
norteamericana Sylvia Plath, publicada el mismo año <strong>de</strong> su muerte, en la que Esther,<br />
protagonista <strong>de</strong> la obra narra a través <strong>de</strong> veinte capítulos su conflictiva existencia. Prosa<br />
poética que plantea cronológicamente gran parte <strong>de</strong> la vida <strong>de</strong> la autora y nos pone en<br />
escena a un personaje, que va <strong>de</strong>s<strong>de</strong> los mayores éxitos académicos y literarios en el<br />
contexto <strong>de</strong> la sociedad norteamericana, hasta el anuncio <strong>de</strong> sus caídas y recaídas.<br />
En esta clásica novela <strong>de</strong> Plath, se presentan cuatro momentos en los que la narradora<br />
menciona la campana <strong>de</strong> cristal fusionada a su vida, a su cuerpo y a sus miedos; pero a la<br />
vez es Esther- protagonista, quien con su palabra, intenta atravesar la sonoridad <strong>de</strong>l vacío y<br />
<strong>de</strong>sasfixiarse, para nuevamente quedarse <strong>de</strong>tenida–escindida frente al escenario <strong>de</strong> la<br />
muerte.<br />
En un estudio sobre esta novela bajo el título “Registro <strong>de</strong>spiadado <strong>de</strong> una caída” escrito<br />
por Mariano Serrichio y publicado en el suplemento <strong>de</strong> cultura argentino “La voz interior”, se<br />
expresa:<br />
La campana <strong>de</strong> cristal no pue<strong>de</strong> ser pensada como un exorcismo, que le hubiera permitido<br />
a Plath seguir viviendo, sino tal vez como un lúcido y <strong>de</strong>spiadado registro. Registro <strong>de</strong> las<br />
inagotables aspiraciones al éxito que promueve la forma <strong>de</strong> vida norteamericana, y en<br />
especial las exigencias universitarias, y <strong>de</strong> los manicomios con la eterna incomprensión <strong>de</strong><br />
los doctores provistos <strong>de</strong> una máquina que le permite quitar las angustias ajenas… La<br />
única metáfora que intenta salvar el vacío es la que da título a la novela. Aquí, Plath hace<br />
gala <strong>de</strong> su don poético para <strong>de</strong>purar en una sola imagen tantas líneas <strong>de</strong> fuerza, y <strong>de</strong> esta<br />
forma la introduce: “don<strong>de</strong> quiera que estuviera sentada, estaría bajo la misma campana<br />
<strong>de</strong> cristal, agitándome en mi propio aire viciado”…Así como un día la campana ha caído<br />
sobre la narradora, permitiéndole ver a los otros pero no tocarlos, y otro día se retira,<br />
siempre queda abierta la posibilidad <strong>de</strong> que <strong>de</strong>scienda nuevamente. Igualmente en la<br />
trama <strong>de</strong> la novela la campana no se levanta porque sí, sino por una muerte que roza muy<br />
<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> la narradora, con la apariencia <strong>de</strong> un sacrificio.<br />
61
SU POESÍA | “Soy plateado y exacto. No tengo preconceptos./ Cuanto veo lo trago<br />
inmediatamente…Ahora soy un lago. Una mujer se inclina sobre mí,/ Buscando en mi<br />
extensión lo que ella es en realidad… Soy importante para ella que viene y se va./ En mí ella<br />
ahogó a una muchachita y en mí una vieja se alza hacia ella día tras día, como un pez feroz”,<br />
Fragmento <strong>de</strong>l poema “Espejo”.<br />
Sylvia Plath, elabora su discurso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la ilusión tremendista <strong>de</strong> la muerte. Su método<br />
teatral y apasionado, nos confun<strong>de</strong>, cuando en fragmentos <strong>de</strong> “Lady Lazarus”, revela: “Lo<br />
logré otra vez,/ Me las arreglo/ una vez cada diez años…Y yo una mujer sonriente/ Tengo<br />
solamente treinta años/ Y como gato he <strong>de</strong> morir siete veces… Morir es un arte, como<br />
cualquier otra cosa,/ yo lo hago excepcionalmente bien… Es fácil ejecutarlo en una celda./Es<br />
muy fácil hacerlo y guardar la compostura/. Es teatral.”<br />
A través <strong>de</strong> estos versos parecería que estuviera jugando / jugándosela para que la<br />
muerte irrumpa como una provocación catártica y no como su exclusiva y <strong>de</strong>finitiva salida<br />
hacia perfección.<br />
EL ESCENARIO <strong>DE</strong> ALEJANDRA | En otro escenario Alejandra Pizarnik versifica: Esta<br />
lúgubre manía <strong>de</strong> vivir /esta recóndita humorada <strong>de</strong> vivir/ te arrastra alejandra no lo<br />
niegues.<br />
La escritora argentina confesaba que la poesía no era para ella una carrera sino un<br />
<strong>de</strong>stino. También manifestaba en su texto: Piedra Fundamental (1971): “No puedo hablar con<br />
mi voz sino con mis voces”. Para Alejandra, la poesía era como una promesa obstinada que<br />
no pretendía eludir, sino a la que se iba acercando- cercando con palabras <strong>de</strong> sesgo<br />
aparentemente ingenuo.<br />
La voz poética vacila entre el no <strong>de</strong>cir y el miedo. Un algo o alguien –no precisa-, que la<br />
habita y <strong>de</strong>vora sigilosamente:..”El poema que no digo/ El que no merezco./ Miedo <strong>de</strong> ser<br />
dos/ camino <strong>de</strong>l espejo/ alguien en mí dormido/ me come y me bebe”.<br />
Sus textos también revelan un <strong>de</strong>seo <strong>de</strong> crear relaciones, nexos, ceremonias con el<br />
lenguaje que se pier<strong>de</strong>n en una tentativa inútil ante el placer <strong>de</strong> unas veces nombrar y otras,<br />
insinuar la muerte. Trampa y escenario <strong>de</strong> lo oscuro y fragmentado.<br />
La voz <strong>de</strong> Alejandra da vuelta-revuelta a signos poéticos capturados con profundidad y<br />
negación. El lector se encuentra con fisuras y sentencias <strong>de</strong> gran po<strong>de</strong>r elíptico, don<strong>de</strong><br />
reposa la metáfora <strong>de</strong>l miedo y <strong>de</strong> la seducción; mientras otras voces la asedian para así<br />
ocultarse <strong>de</strong>l combate con las palabras: “No/ las palabras/ no hacen el amor/hacen la<br />
ausencia”.<br />
Nuevamente las palabras provocadoras-mordaces. No para confabular en un acto<br />
amatorio, sino para ausentarse y reescribirse <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la sintaxis <strong>de</strong> la muerte.<br />
Maritza Cino Alvear (Ecuador, 1957). Poeta y ensayista. Contacto: marissacino@yahoo.com.<br />
Página ilustrada con obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />
62
MATEO RELLO | Manuel Rivas: el rayo que no<br />
cesa<br />
Si por algo se caracteriza Manuel Rivas (A Coruña, 1957) es, sin duda,<br />
por su exuberante creatividad. No es <strong>de</strong> extrañar, pues, que este<br />
gallego situacionista se <strong>de</strong>fina a sí mismo como un contrabandista <strong>de</strong><br />
los géneros, y que salte <strong>de</strong> la poesía a la novela, <strong>de</strong> ésta a la prensa y<br />
<strong>de</strong>l periódico a la pantalla con la misma (aparente) facilidad. Rivas ha<br />
tenido la gentileza y la paciencia <strong>de</strong> contestar a vuelta <strong>de</strong> correo este<br />
bombar<strong>de</strong>o <strong>de</strong> preguntas. [MR]<br />
MATEO RELLO | En 2009 se publicó La <strong>de</strong>saparición <strong>de</strong> la nieve, un poemario en gallego<br />
que se editaba acompañado en un mismo volumen <strong>de</strong> sus traducciones al castellano, catalán<br />
y euskera. Concebiste ese proyecto como un “bosque <strong>de</strong> la biodiversidad” linguística. Sin<br />
embargo, parece que la realidad va por otro lado: con frecuencia da la sensación <strong>de</strong> que<br />
entre los propios ámbitos linguísticos peninsulares hay poca curiosidad y colaboración<br />
mutuas; muchos vascos ignoran lo que escriben los catalanes, estos <strong>de</strong>sconocen la obra <strong>de</strong><br />
los gallegos, etc. Tu obra ha sido un gesto <strong>de</strong> optimismo. ¿Crees que vamos hacia una<br />
normalización <strong>de</strong> la convivencia, a una biodiversidad real, entre castellano, catalán, euskera<br />
y gallego? En un proyecto como La <strong>de</strong>saparición <strong>de</strong> la nieve, ¿la relación con Biel Mesquida y<br />
Jon Kortazar, traductores <strong>de</strong> los versos al catalán y vasco respectivamente, fue especial?<br />
¿Participaste en el proceso más que en otras traducciones <strong>de</strong> tus títulos, al margen <strong>de</strong><br />
haberte encargado <strong>de</strong> la traducción al castellano?<br />
MANUEL RIVAS | Como dijo un marinero en relación con un naufragio, “tengo esperanza,<br />
pero una esperanza negativa”. Algo así siento ahora mismo sobre la perspectiva <strong>de</strong> una<br />
biodiversidad real. En términos <strong>de</strong> geopolítica y <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r cultural, en la Península no parece<br />
una prioridad para nadie, o para casi nadie. Por eso son tan importantes iniciativas<br />
individuales como la <strong>de</strong> vuestra revista. Hay que practicar el contrabando, abrir pasos. Y es<br />
una tarea poética extraer esperanza <strong>de</strong> la <strong>de</strong>sesperanza.<br />
En cuanto a las relaciones con los traductores, en el caso <strong>de</strong> A <strong>de</strong>saparición da neve fue<br />
un proceso bastante diferente al habitual. Se acercó a la creación simultánea. El hecho <strong>de</strong><br />
escribir, el primer texto, digamos, es ya una traducción. Uno traduce <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro hacia afuera.<br />
Pero, a<strong>de</strong>más, al recibir las traducciones <strong>de</strong> Biel y Jon se producía un efecto parecido, se me<br />
ocurre, al <strong>de</strong> la cámara oscura: los poemas se recreaban. Creo que les compliqué un poco la<br />
vida, pero fue algo parecido al camino <strong>de</strong> quita y pon que Merlín, el mago jubilado, llevaba<br />
enrollado en un canuto.<br />
MATEO RELLO | Has hablado con frecuencia <strong>de</strong> la importancia <strong>de</strong> la tradición oral,<br />
transmitida por tu madre, en tu acercamiento a la literatura. Esa tradición ha aportado<br />
siempre vigor y raigambre a tu obra. ¿Está ella en el origen <strong>de</strong> tu querencia por lo cotidiano<br />
(historias <strong>de</strong> personajes, presencia <strong>de</strong> los oficios), tanto como <strong>de</strong> ese sesgo mítico y fabulado<br />
(has hablado alguna vez <strong>de</strong> la naturaleza como “fábula más ecología”), tan galaico? La<br />
oralidad ¿tiene todavía un papel en tu mundo <strong>de</strong> creador? Por otro lado, un escritor <strong>de</strong> tu<br />
generación, formada bajo el régimen franquista, ¿cómo contacta con la tradición escrita en<br />
gallego?<br />
MANUEL RIVAS | Creo que el canto está en el origen <strong>de</strong>l lenguaje. También el relato<br />
poético, oral, está en el sustrato <strong>de</strong> lo que hoy llamamos literatura. Es interesante la<br />
interpretación crítica <strong>de</strong> la Odisea como un urdido <strong>de</strong> historias enlazadas por varias voces en<br />
63
el tiempo. Un escribir en el aire que va tomando forma hasta que un día se <strong>de</strong>canta en forma<br />
<strong>de</strong> texto. Dicho con la <strong>de</strong>bida ironía, Homero son varios meros. Pero este ejemplo también<br />
nos pue<strong>de</strong> servir para cuestionar una i<strong>de</strong>a ingenua o naif sobre la oralidad, esa asociación<br />
entre lo oral y lo espontáneo. En la narrativa popular, en los cuentos <strong>de</strong> lar o taberna o<br />
velorio, para enten<strong>de</strong>rnos, hay un oficio, un mester <strong>de</strong>l contar, una complejidad y una<br />
estructura formal en la que son fundamentales, cuando se logra, la sutilidad y la ironía. Es<br />
<strong>de</strong>cir, se habla <strong>de</strong>s<strong>de</strong> “otro tiempo”. Y ese “otro tiempo” no es antiguo ni mo<strong>de</strong>rno, sino<br />
“otro tiempo”. Cuando los animales hablaban. Es <strong>de</strong>cir, pura vanguardia.<br />
La primera herramienta en el oficio <strong>de</strong> escribir es el escuchar. Las historias te buscan,<br />
como <strong>de</strong>cía Kafka, pero siempre que estés con los sentidos <strong>de</strong>spiertos, en posición <strong>de</strong><br />
escucha. Antes <strong>de</strong> ser escritor, antes y ahora, creo que soy un escoita. Así se llamaba a los<br />
marineros que tenían una oreja más gran<strong>de</strong> que otra. En forma <strong>de</strong> caracola. Para escuchar el<br />
mar.<br />
El franquismo fue una mala sombra que me afectó, pero, por suerte, el lenguaje tiene una<br />
estrategia <strong>de</strong> supervivencia y se salva <strong>de</strong> las dosis <strong>de</strong> arsénico que en él <strong>de</strong>positan los<br />
regímenes totalitarios. El partido <strong>de</strong> la vida es frágil pero resistente, como la hierba, aunque<br />
le pase por encima la maquinaria pesada <strong>de</strong> la historia. Y las palabras, para sobrevivir sin<br />
per<strong>de</strong>r el sentido, se refugian en las “voces bajas”.<br />
MATEO RELLO | Mo<strong>de</strong>lar el vacío, trabajar con la materia en torno a él, contando con él<br />
¿consiste en eso el sustracionismo <strong>de</strong>l que hablas en algún poema? En todo caso, ¿se trata <strong>de</strong><br />
una operación artística también al alcance <strong>de</strong>l poeta? Sin alejarnos <strong>de</strong>l tema: el<br />
fragmentarismo como estilo o técnica poéticas parece estar muy en boga (pienso en autores<br />
como Fernán<strong>de</strong>z Mallo, Sergio Gaspar, Kirmen Uribe o tú mismo); sin duda, jugando con los<br />
fragmentos se pue<strong>de</strong> ofrecer una visión contemporánea <strong>de</strong> una sociedad contemporánea,<br />
amén <strong>de</strong> <strong>de</strong>jar soplar por sus huecos el misterio y la interrogación frente a la certeza plana y<br />
directa, pero, a la vez, ¿no se corre un cierto peligro <strong>de</strong> superficialidad o <strong>de</strong> una cierta falta<br />
<strong>de</strong> cohesión interna <strong>de</strong>l poema? ¿Por qué tantos autores recurren a esta técnica? ¿Es un signo<br />
<strong>de</strong> tiempos posmo<strong>de</strong>rnos, <strong>de</strong>l archipiélago? Aunque <strong>de</strong> modo ligeramente distinto, historia y<br />
biografía son dos ámbitos en los que la pérdida y el olvido excavan importantes galerías.<br />
Des<strong>de</strong> este punto <strong>de</strong> vista, cuestiones como azar y Canon, azar e i<strong>de</strong>ntidad, ¿te interesan,<br />
por sí solas y en esas combinaciones?<br />
MANUEL RIVAS | En Portugal llaman “<strong>de</strong>posito <strong>de</strong> monstros” a <strong>de</strong>terminados tipos <strong>de</strong><br />
verte<strong>de</strong>ros. Lo que tenemos <strong>de</strong>lante, en panorámica “histórica”, es un Depósito <strong>de</strong><br />
Monstruos. Los gran<strong>de</strong>s relatos históricos basados en la fe, la utopía, el progreso infinito...<br />
son eso: monstruos. Existen los añicos, los restos... Escribir hoy es andar al raque por la<br />
orilla <strong>de</strong>l mar. En gallego se dice “andar ás crebas”. Apañar lo que el mar empuja, arroja o<br />
vomita. El mar es un gran productor <strong>de</strong> metáforas. Pero no se encuentran restos si no se<br />
<strong>de</strong>ambula. Escribir para mí es <strong>de</strong>ambular. Ese andar vadio, vagabundo, a lo zonzo, sin<br />
sentido aparente, es en sí un sentido. Si vas a un barrio <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s bloques <strong>de</strong> edificios, sin<br />
zonas ver<strong>de</strong>s, inhóspito, lo que uno tiene que hacer es fijarse en el andar situacionista <strong>de</strong> los<br />
ancianos: ellos te van a llevar a algún microclima, a una unidad <strong>de</strong> ambiente, don<strong>de</strong> se cuele<br />
el sol y fermente la memoria. Se refugian en el añico. Cada vez más achicado. Y <strong>de</strong>s<strong>de</strong> allí se<br />
percibe todo lo substraído.<br />
Así que el fragmentarismo no se pue<strong>de</strong> separar <strong>de</strong>l andar simultáneo, <strong>de</strong> la <strong>de</strong>riva, <strong>de</strong>l<br />
vagabun<strong>de</strong>o. Que bor<strong>de</strong>a el vacío. Que picotea en el hueco <strong>de</strong> la historia. De ponerle un<br />
adjetivo, hablaría <strong>de</strong> una poética vadía, vagabunda, que recompone los fragmentos como<br />
una constelación <strong>de</strong> sentido, con nueva simetrías.<br />
MATEO RELLO | Un poco más <strong>de</strong> dialéctica: permíteme la broma <strong>de</strong> <strong>de</strong>cirte que, por tu<br />
tratamiento literario <strong>de</strong> la naturaleza, podrías pasar por un griego clásico: ésta nunca<br />
64
aparece como un cuadro estático, sino como proceso; es muerte y luego retorno y<br />
resurrección –dos elementos, por cierto, importantes en tu cosmología–; es el palimpsesto <strong>de</strong><br />
la nieve, la misma que borra, pero protege la semilla y la memoria hasta que llega abril, el<br />
mes más cruel. Y un piropo naïf: a pesar <strong>de</strong> tanta dialéctica, hay en tu obra un cierto<br />
componente <strong>de</strong> imaginación infantil, <strong>de</strong> fábula, que invita a imaginarte como un personaje<br />
<strong>de</strong> Jean–Pierre Jeunet, empuñando aún la pequeña máquina <strong>de</strong> escribir <strong>de</strong> tu padrino, Xosé<br />
Couseiro.<br />
MANUEL RIVAS | En el principio está el miedo, la necesidad <strong>de</strong> vencerlo. No es la noche.<br />
Sabemos que, al final, la noche ha venido para protegernos. Como <strong>de</strong>cía Novalis, es la “gran<br />
reveladora”. El miedo te enfrenta al horror pero también al extremo <strong>de</strong> lo cómico. El primer<br />
miedo <strong>de</strong>l que tengo memoria es el que me provocaron los cabezudos un día <strong>de</strong> fiesta: esos<br />
cabezudos eran los Reyes Católicos. Todavía andan por ahí, en los pasacalles.<br />
Y, en cuanto a la naturaleza, no es el espacio <strong>de</strong> contemplación. Estamos en guerra contra<br />
ella. La tratamos como una puta o una esclava. Luego le hacemos poemas... Bueno, todavía<br />
hay lugar para un haiku, siempre que los mirlos estén ebrios con las bayas <strong>de</strong>l madroño.<br />
MATEO RELLO | Sueles <strong>de</strong>cir que, aunque la poesía es “la célula madre” <strong>de</strong> tu obra, te<br />
consi<strong>de</strong>ras un “contrabandista <strong>de</strong> los géneros”. Añadiría que un contrabandista que, a<strong>de</strong>más,<br />
gusta <strong>de</strong>l diálogo con otras artes (<strong>de</strong> hecho, te apoyas en la pintura para formular tu teoría<br />
<strong>de</strong>l sustracionismo). Sea como sea, un contrabandista como tú, ¿opta por el poema cuando<br />
necesita una <strong>de</strong>terminada forma <strong>de</strong> intensidad? Dicho <strong>de</strong> otro modo, quizás peligrosamente<br />
místico, la poesía ¿es literatura? Las palabras se encuentran en el poema <strong>de</strong> acuerdo a una<br />
“enigmática organización”, según expresión tuya. ¿Subyace en esa i<strong>de</strong>a un resabio romántico,<br />
una reformulación <strong>de</strong>l concepto <strong>de</strong> inspiración? ¿Por qué se ha reducido tanto tu producción<br />
poética <strong>de</strong>s<strong>de</strong> finales <strong>de</strong> los 90? ¿Traes entre manos poemas nuevos? De ser así, ¿sigues<br />
alejándote <strong>de</strong> aquella poesía sentimental <strong>de</strong> tu juventud, yendo a otra <strong>de</strong> “conocimiento”?<br />
MANUEL RIVAS | Los surrealistas hablaban <strong>de</strong>l “círculo <strong>de</strong> los antónimos” como el punto<br />
<strong>de</strong> arranque creativo. La poesía es ese círculo, el primero <strong>de</strong> los círculos concéntricos <strong>de</strong> la<br />
literatura. La boca <strong>de</strong> la literatura se reconoce <strong>de</strong> inmediato. Intenta <strong>de</strong>cir lo que no se pue<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>cir. Es luz y sombra y luz. Enigmatiza. Ahí está la poesía, no importa en qué formato.<br />
Al margen <strong>de</strong> esta i<strong>de</strong>a, no he <strong>de</strong>jado <strong>de</strong> escribir y publicar poesía con el formato digamos<br />
“tradicional”, pero siempre en convulsión... En gallego se publicó una antología con obra en<br />
parte inédita: Do <strong>de</strong>scoñecido ao <strong>de</strong>scoñecido. Y por ahí andan poemas ceibes, sueltos, libres...<br />
MATEO RELLO | El miedo. La guerra y el miedo. Pero miedo no solo en la coyuntura<br />
bélica, sino como parte <strong>de</strong> la propia condición humana. Por él, tus inquietu<strong>de</strong>s sobre la<br />
guerra <strong>de</strong>l 36 superan el ámbito <strong>de</strong> reivindicación al que estamos acostumbrados. El miedo<br />
es una presencia frecuente en tu obra y se entrevera con la memoria. Ya en uno <strong>de</strong> tus<br />
primeros poemas, “Pan negro”, <strong>de</strong>dicado al abuelo republicano, es un tema importante.<br />
MANUEL RIVAS | Nabokov <strong>de</strong>fendía que el origen <strong>de</strong> la literatura estaba en el miedo, en<br />
esa forma <strong>de</strong> conjurar el miedo que son los cuentos tradicionales, como “Pedro y el lobo”. Y<br />
el miedo más común en esos cuentos es el miedo al abandono. Lo ocurrido en España, esta<br />
amnesia retrógrada, es una forma atroz <strong>de</strong> abandono, la victoria <strong>de</strong> la inhumanidad. La “hiel<br />
sempiterna”, que escribió Luís Cernuda.<br />
MATEO RELLO | En 2011, el Día das Letras Galegas estuvo <strong>de</strong>dicado a Lois Pereiro, gran<br />
poeta cuya obra fuiste <strong>de</strong> los primeros en reivindicar. A priori, la poesía <strong>de</strong> Pereiro, tanto por<br />
su carácter transgresor y <strong>de</strong>scarnado como por su impulso libertario, <strong>de</strong>be resultar<br />
incómoda a cualquier oficialidad; el hecho <strong>de</strong> que esta obra fuese la homenajeada <strong>de</strong> 2011,<br />
65
¿supone un signo <strong>de</strong> normalidad en la cultura gallega? Y, aun siendo así, ¿levantó ampollas?<br />
¿Te sientes partícipe <strong>de</strong> aquella misma movida atlántica en la que se ha encuadrado a Lois, y<br />
que cuenta con tantos representantes en el ámbito <strong>de</strong>l pop (Os resentidos y, luego, Antón<br />
Reixa en solitario, Siniestro Total…). ¿Cómo es el momento que vive la poesía en gallego?<br />
¿Goza <strong>de</strong> buena salud?<br />
MANUEL RIVAS | En Galicia vivimos una época <strong>de</strong> “malestar <strong>de</strong> la cultura”, y lo digo en el<br />
sentido más freudiano. Es un estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>construcción e incluso hostilidad. En realidad, el<br />
hábitat que nos es propio es el exilio, la diáspora, y un interior mohicano. Galicia renació en<br />
América. Esa sí que fue una movida. Una movida trasatlántica. Como un signo <strong>de</strong> lo que<br />
digo, pensemos que el himno gallego, que tiene letra interrogativa y no apodíctica, se<br />
interpretó por vez primera en La Habana, en 19<strong>06</strong>. A mediados <strong>de</strong>l siglo XX, las principales<br />
editoriales gallegas estaban en Argentina y Uruguay. Si sigue este ritmo <strong>de</strong> <strong>de</strong>construcción,<br />
en pocos años tendremos que volver a editar en América... De vez en cuando hay que<br />
ponerse apoucalíptico, que es una forma mo<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> ser apocalíptico.<br />
Lo ocurrido este año con la obra <strong>de</strong> Lois parece contra<strong>de</strong>cir este pesimismo. Un fenómeno<br />
que llamamos vento Lois. En fin, si nos ponemos estupendos po<strong>de</strong>mos proclamar: ¡Qué bien<br />
cojea la literatura gallega!<br />
MATEO RELLO | ¿Es posible reformular literariamente “lo colectivo” en época<br />
posmo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> Lyotard?<br />
MANUEL RIVAS | En Poesía como arte insurgente, Lawrence Ferlinghetiti habla <strong>de</strong>l poeta<br />
como “cuarta persona <strong>de</strong>l singular”. Completaría la respuesta con el capítulo XIV <strong>de</strong> Las uvas<br />
<strong>de</strong> la ira. Allí está todo sobre el asunto.<br />
Mateo Rello (España, 1968). Poeta y editor. Es autor <strong>de</strong> los poemarios Orilla sur, fábula <strong>de</strong><br />
Barcelona (2002), Libro <strong>de</strong> cuentos (2009) y A lomos <strong>de</strong> salamandra (2009). Entrevista<br />
originalmente publicada em Caravansari # 4 (Barcelona, <strong>2013</strong>), revista que el mismo dirige:<br />
www.caravansari.com. Traducción al castellano <strong>de</strong> Fina Iglesias. Contacto:<br />
mateorello@andaluciajunta.es. Página ilustrada con obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista<br />
invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />
66
MIGUEL ESPEJO | Los meandros surrealistas<br />
LA LARGA DURACIÓN <strong>DE</strong>L SURREALISMO EN ARGENTINA | En<br />
ocasiones, constituye un <strong>de</strong>safío cada vez más arduo sustraerse a la<br />
utilización <strong>de</strong>l concepto <strong>de</strong> “larga duración”, que <strong>de</strong>sarrollara la Escuela<br />
<strong>de</strong> los Anales y el gran historiador Fernand Brau<strong>de</strong>l, para compren<strong>de</strong>r<br />
con mayor precisión algunos fenómenos no sólo consi<strong>de</strong>rados<br />
propiamente históricos (las guerras por la In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia, la formación<br />
<strong>de</strong>l Estado-nación, la inmigración en nuestro país, para mencionar estos procesos notorios),<br />
sino también aquellos pertenecientes al campo <strong>de</strong> la literatura, <strong>de</strong>l arte y <strong>de</strong> las religiones.<br />
Dentro <strong>de</strong> la palabra escrita, e incluso <strong>de</strong> la tradición oral, los límites espaciales y<br />
temporales forzosamente son muy laxos. Por ejemplo, las jarchas mozárabes, el jézel, los<br />
villancicos, los romances, reaparecieron, por cierto modificados, en las coplas registradas en<br />
los romanceros <strong>de</strong>l noroeste argentino. [1]<br />
Dicho esto y guardando las <strong>de</strong>bidas proporciones, no se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>jar <strong>de</strong> advertir que los<br />
procesos literarios, sus corrientes y movimientos -aun en un marco pequeño como los que<br />
correspon<strong>de</strong>n a nuestro país, si lo ponemos en relación a la literatura occi<strong>de</strong>ntal-, son<br />
ubicuos y versátiles y, estrictamente, no pue<strong>de</strong>n ser situados en terrenos muy <strong>de</strong>limitados.<br />
Las distintas estribaciones <strong>de</strong>l surrealismo, que tuvo en París su capital indiscutible,<br />
adquirieron una proyección prácticamente planetaria. En Argentina, sobre todo en Buenos<br />
Aires, tanto en el ámbito pictórico (producción que merecería un capítulo aparte) como en el<br />
poético, en artes plásticas y literatura, el movimiento surrealista gozó <strong>de</strong> una vitalidad<br />
especial respecto <strong>de</strong> otros países latinoamericanos, acor<strong>de</strong> a la permeabilidad que hubo en<br />
nuestras distintas manifestaciones artísticas y culturales para aceptar las experiencias<br />
vanguardistas que se <strong>de</strong>sarrollaron en las gran<strong>de</strong>s urbes <strong>de</strong>l mundo. Un ejemplo prístino lo<br />
constituye el caso <strong>de</strong> Xul Solar (Oscar Agustín Schulz Solari, 1887-1963), que no sólo con sus<br />
pinturas dio pruebas <strong>de</strong> pertenecer a esas enormes posibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> experimentación, sino<br />
también con sus emprendimientos linguísticos (intentó la construcción <strong>de</strong> varios lenguajes<br />
artificiales) y sus más que aficiones esotéricas, astrológicas, zodiacales, “campos<br />
magnéticos” comunes a las creencias <strong>de</strong>l surrealismo.<br />
Posiblemente por esta misma onda <strong>de</strong> “larga duración”, hubo que esperar hasta el año<br />
2001 para la aparición <strong>de</strong> la Poesía completa <strong>de</strong> Aldo Pellegrini, que recoge poemas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
finales <strong>de</strong> la década <strong>de</strong>l 20 hasta su muerte, bajo el título <strong>de</strong> uno <strong>de</strong> sus primeros libros, La<br />
valija <strong>de</strong> fuego, o sea, tres cuartos <strong>de</strong> siglo <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> que iniciara, en 1926, junto a sus<br />
compañeros <strong>de</strong> medicina Elías Piterbarg, David Sussman y Marino Cassano, la conformación<br />
<strong>de</strong>l primer grupo surrealista en lengua castellana y, a fortiori, en Hispanoamérica, es <strong>de</strong>cir,<br />
sólo un par <strong>de</strong> años <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> que se publicara el Primer Manifiesto Surrealista “en el<br />
órgano exclusivo <strong>de</strong> ese movimiento: La Révolution Surréaliste”. [2] En aquella década,<br />
cuando se produjo la publicación <strong>de</strong> Proa y, sobre todo, <strong>de</strong> la revista Martín Fierro, todavía<br />
se estaba lejos <strong>de</strong> una absorción medular o plena <strong>de</strong> las experiencias <strong>de</strong> las vanguardias en<br />
la literatura <strong>de</strong> la época. Ni el estri<strong>de</strong>ntismo <strong>de</strong> Maples Arce, ni el creacionismo <strong>de</strong> Huidobro,<br />
[3] ni el ultraísmo <strong>de</strong> Borges, y <strong>de</strong> todos aquellos que los acompañaron, habían alcanzado a<br />
<strong>de</strong>stronar a ese po<strong>de</strong>roso movimiento que fue el mo<strong>de</strong>rnismo en nuestra lengua. Muchos<br />
fueron los signos y señales que dio el mo<strong>de</strong>rnismo acerca <strong>de</strong> la aparición <strong>de</strong>l fenómeno <strong>de</strong><br />
las vanguardias, ya que se consi<strong>de</strong>raba una <strong>de</strong> ellas, y quizás la <strong>de</strong>cisiva. Las Montañas <strong>de</strong>l<br />
Oro (1897) <strong>de</strong> Leopoldo Lugones pue<strong>de</strong>n examinarse también en esta dirección, don<strong>de</strong><br />
elementos alquímicos se unían con la captación <strong>de</strong> la realidad suprasensible para arribar a la<br />
contemplación <strong>de</strong> lo invisible, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un lenguaje todavía impregnado <strong>de</strong> un<br />
romanticismo tardío. [4]<br />
Ahora bien, es evi<strong>de</strong>nte que las corrientes vanguardistas no fueron ni son equiparables al<br />
mo<strong>de</strong>rnismo, ya que algunas <strong>de</strong> las innovaciones propuestas por éste fueron <strong>de</strong>splazadas, y<br />
67
hasta repudiadas, por las vanguardias que lo siguieron y continuaron. Pese a todos estos<br />
embates, muchas <strong>de</strong> las propuestas mo<strong>de</strong>rnistas quedaron en pie por un largo periodo,<br />
incluso <strong>de</strong>vinieron preceptos <strong>de</strong> lo que podría <strong>de</strong>nominarse poesía “oficial”, académica y, por<br />
otra parte, se transmitieron curiosamente a la naciente poesía <strong>de</strong>l tango. Recor<strong>de</strong>mos que<br />
todavía un cuarto <strong>de</strong> siglo <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la conformación <strong>de</strong>l primer grupo surrealista, en<br />
1951, se publicó el primer número <strong>de</strong> la revista El 40, cuyo subtítulo era en sí mismo un<br />
postulado: “revista literaria <strong>de</strong> una generación”, cuyas convicciones estéticas, al menos las <strong>de</strong><br />
un sector importante <strong>de</strong> la llamada “Generación <strong>de</strong>l 40”, se situaban todavía lejos, o en las<br />
antípodas, <strong>de</strong> las vanguardias anti o posmo<strong>de</strong>rnistas.<br />
Así, pese a la cercanía <strong>de</strong> los orígenes respecto <strong>de</strong>l Primer Manifiesto, el año 1926 <strong>de</strong>be<br />
ser consi<strong>de</strong>rado más un símbolo que una concreción <strong>de</strong> los postulados surrealistas. De<br />
acuerdo a confesiones <strong>de</strong> los participantes, se limitaron a efectuar ejercicios <strong>de</strong> escritura<br />
automática, sin ir mucho más lejos en otros registros propuestos por el movimiento: la<br />
adhesión al “puro automatismo psíquico” era en ese momento irrestricta. Aldo Pellegrini<br />
(1903-1973), sin duda el propulsor <strong>de</strong>cisivo <strong>de</strong>l surrealismo en estas tierras, fue el único en<br />
sentirse totalmente i<strong>de</strong>ntificado con todos sus postulados y la ortodoxia con que eran<br />
<strong>de</strong>fendidos. Su juventud no era una excepción, sino la regla, a juzgar por la edad promedio<br />
que tenían los firmantes <strong>de</strong>l Primer y Segundo Manifiesto, allá en París. Pero esta adhesión<br />
no se tradujo en manifiestos, ni en una producción inmediata consi<strong>de</strong>rable, ni menos todavía<br />
en <strong>de</strong>cisiones partidarias o <strong>de</strong>finiciones políticas -aun cuando existiera una clara simpatía<br />
por el marxismo y la revolución bolchevique, sobre todo en el plano individual y no grupal-,<br />
<strong>de</strong> tal manera que el pequeño grupo <strong>de</strong> los comienzos no tuvo que atravesar por las feroces<br />
disputas que fisuraron al movimiento surrealista en París, especialmente en la década <strong>de</strong>l 30,<br />
por el advenimiento <strong>de</strong>l stalinismo con sus purgas, y la urgencia con que algunos <strong>de</strong> sus<br />
miembros reclamaban que el movimiento adhiriera, en un todo, a la política <strong>de</strong>sarrollada por<br />
el Partido Comunista Francés y por los otros partidos adláteres <strong>de</strong>l po<strong>de</strong>roso y hegemónico<br />
Partido Comunista <strong>de</strong> la Unión Soviética. Estas escisiones llegaron a la médula <strong>de</strong>l<br />
movimiento surrealista. Desgarrado ante la alternativa <strong>de</strong> optar entre la fi<strong>de</strong>lidad a las<br />
proposiciones originales <strong>de</strong>l surrealismo, sustentadas con cierto autoritarismo por Breton, y<br />
la revolución encabezada supuestamente por la URSS, René Crevel, en 1935, en la víspera <strong>de</strong>l<br />
Congreso Internacional <strong>de</strong> Escritores para la Defensa <strong>de</strong> la <strong>Cultura</strong>, se suicida. Por el<br />
contrario, otros como Louis Aragon y Paul Eluard, entre los principales, optaron por adherir<br />
a esa propuesta política y se alejaron <strong>de</strong>l movimiento.<br />
De este modo, antes <strong>de</strong> que los acontecimientos históricos sacudieran a todas las<br />
manifestaciones <strong>de</strong> la cultura <strong>de</strong> entre guerra, el surrealismo, <strong>de</strong>spués <strong>de</strong>l dadaísmo, fue una<br />
toma <strong>de</strong> posición estética y axiológica, al mismo tiempo que una consecuencia <strong>de</strong> la Gran<br />
Guerra. Al margen <strong>de</strong> las diversas apreciaciones sobre el influyente trabajo <strong>de</strong> Arnold<br />
Hauser, Historia Social <strong>de</strong> la Literatura y <strong>de</strong>l Arte, y <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sgaste que el tiempo haya<br />
provocado en esta obra publicada pocos años <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la conclusión <strong>de</strong> la Segunda Guerra<br />
Mundial, resulta difícil no coincidir con ella cuando afirma: “Las tres corrientes principales<br />
en el arte <strong>de</strong>l nuevo siglo tienen sus precursores en el período prece<strong>de</strong>nte: el cubismo, en<br />
Cézanne y los neoclásicos; el expresionismo, en Van Gogh y Strindberg; el surrealismo, en<br />
Rimbaud y Lautréamont”. [5] En efecto, el surrealismo se inscribe en ese enorme proceso <strong>de</strong><br />
transformación <strong>de</strong>l significado <strong>de</strong>l arte que tuvo lugar, inicialmente, en el último tercio <strong>de</strong>l<br />
siglo XIX, cuando el predominio <strong>de</strong>l concepto <strong>de</strong> la representación <strong>de</strong> lo real ce<strong>de</strong> ante el<br />
avasallador ímpetu <strong>de</strong> los artistas, <strong>de</strong>cididos a buscar nuevos medios expresivos para<br />
compren<strong>de</strong>r, justamente, la realidad inédita que tenían ante sí. Los escritos <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire,<br />
tanto como Las flores <strong>de</strong>l mal, al igual que la ruptura <strong>de</strong> los límites forjada por Rimbaud en<br />
Una temporada en el infierno o por Mallarmé en Un golpe <strong>de</strong> dados, ilustran la ina<strong>de</strong>cuación<br />
entre la nueva realidad circundante y los cánones heredados <strong>de</strong>l pasado.<br />
El surrealismo estaba <strong>de</strong>cidido a “cambiar la vida” y a “transformar el mundo”, <strong>de</strong><br />
acuerdo con las célebres fórmulas suscriptas por Arthur Rimbaud y Carlos Marx, cuando<br />
68
todavía ellas parecían conciliables. Con su habitual vuelo lírico (y antilírico al mismo tiempo)<br />
Breton escribió en su Primer Manifiesto: “Querida imaginación: lo que me gusta sobre todo<br />
<strong>de</strong> ti es que no perdonas.” [6] Incluso en 1952, en el primer número <strong>de</strong> A partir <strong>de</strong> cero,<br />
Enrique Molina insiste en la i<strong>de</strong>ntificación total entre vida y poesía, a tal punto que las<br />
exigencias que estos autores le hicieron a la poesía para “cambiar la vida” son <strong>de</strong> un or<strong>de</strong>n<br />
que la historia <strong>de</strong>l arte no había conocido. Aun reflejando la precariedad <strong>de</strong>l hombre, su<br />
nada esencial, su transitoriedad, es un movimiento <strong>de</strong> cara al futuro, que hun<strong>de</strong> sus lejanas<br />
raíces en el Romanticismo y en su lucha contra el Iluminismo. Se atreve a reclamar, más allá<br />
<strong>de</strong> la literatura, una vida diferente para la especie humana. En este aspecto, no se lo pue<strong>de</strong><br />
asimilar sin más a las otras experiencias <strong>de</strong> vanguardia que tuvieron lugar en las primeras<br />
décadas <strong>de</strong>l siglo XX. Quizás haya que acudir a algunos postulados implícitos en el<br />
humanismo renacentista, como la articulación <strong>de</strong>l mundo a partir <strong>de</strong>l ser humano, para<br />
encontrar algo semejante, al menos en sus objetivos y pretensiones, a una ten<strong>de</strong>ncia artística<br />
que solicitó dotar <strong>de</strong> un nuevo sentido al mundo que rechazaba.<br />
“El poeta surrealista [escribe Pellegrini en su fundamental Antología <strong>de</strong> la Poesía<br />
Surrealista], como todo artista creador, pone en juego una particular función <strong>de</strong>l espíritu: la<br />
imaginación. Recor<strong>de</strong>mos lo que dijo <strong>de</strong> ella Bau<strong>de</strong>laire: ‘Es la más científica <strong>de</strong> las<br />
faculta<strong>de</strong>s, porque sólo ella compren<strong>de</strong> la analogía universal’.” Y un poco antes: “La libertad<br />
y el amor son los pilares <strong>de</strong> la concepción surrealista <strong>de</strong>l hombre.” [7] Como pue<strong>de</strong><br />
observarse, no es la preocupación política inmediata la que se impone en la corriente<br />
surrealista <strong>de</strong> nuestro país, sino una percepción insobornable <strong>de</strong> la libertad y <strong>de</strong> la<br />
autonomía <strong>de</strong>l escritor para ejercer su actividad, en contra <strong>de</strong> todos los po<strong>de</strong>res y <strong>de</strong> todos<br />
los dictámenes. Si bien comparten con los surrealistas franceses y europeos su inclinación<br />
por el sueño, por la escritura automática y por los mecanismos <strong>de</strong>l inconsciente –su<br />
“gramática”, según Jacques Lacan-, lo hacen <strong>de</strong> un modo pru<strong>de</strong>nte, con cierta distancia,<br />
<strong>de</strong>jando abiertas las puertas para otras experiencias poéticas y literarias. Breton dio<br />
muestras <strong>de</strong> esta “amplitud”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> el Primer Manifiesto, cuando intentó incluir en el<br />
surrealismo a todo autor que le pareció compatible con sus objetivos, al mismo tiempo que<br />
consi<strong>de</strong>raba a Saint-John Perse surrealista a la distancia y a Mallarmé surrealista en la<br />
confi<strong>de</strong>ncia. Des<strong>de</strong> luego, ignoraba las obras que se encontraban acometiendo, por esa fecha,<br />
César Vallejo, Manuel Maples Arce y Oliverio Girondo, quienes habían publicado<br />
respectivamente, en 1922, el mismo año <strong>de</strong> la aparición <strong>de</strong> Anábasis <strong>de</strong> Perse, Trilce,<br />
Andamios interiores y Veinte poemas para ser leídos en un tranvía.<br />
Para apreciar con cierto equilibrio las particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l surrealismo argentino conviene<br />
examinar otras zonas y otros márgenes <strong>de</strong> sus activida<strong>de</strong>s. En la colección que Pellegrini<br />
fundara y dirigiera en la Cía. Fabril Editora, por la misma época en que publicaba su<br />
Antología, encontramos los nombres <strong>de</strong> Saint-John Perse, Ungaretti, Pessoa, Rimbaud (en la<br />
traducción que hiciera Oliverio Girondo junto a Enrique Molina), Prevert, Milosz, Daumal y<br />
las antologías <strong>de</strong> Poesía Precolombina y <strong>de</strong> Poesía China que prepararon Asturias, por un<br />
lado, y Rafael Alberti con María Teresa León, por otro. Una verda<strong>de</strong>ra vocación por la alta<br />
poesía en todas las lenguas, que a Pellegrini no le impidió producir por sí mismo una poesía<br />
que recién pue<strong>de</strong> ser plenamente valorada como una <strong>de</strong> las más intensas que se hicieron en<br />
nuestra lengua –aun cuando el autor no hiciera mucho por la difusión <strong>de</strong> su propia obra-,<br />
junto a la <strong>de</strong> su gran amigo Enrique Molina.<br />
Hay a<strong>de</strong>más dos libros traducidos y prologados por Pellegrini que constituyen una<br />
<strong>de</strong>finición estética e implícita <strong>de</strong> lo que <strong>de</strong>bía enten<strong>de</strong>rse por actividad surrealista. Uno <strong>de</strong><br />
ellos, las Obras completas <strong>de</strong> Lautréamont, con una versión <strong>de</strong> Los Cantos <strong>de</strong> Maldoror que es<br />
casi una hazaña linguística, publicada por primera vez en 1964, en Ediciones Boa, con un<br />
largo estudio preliminar, “El Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lautréamont y su obra”. [8] El otro libro, Van Gogh el<br />
suicidado por la sociedad, apareció en 1971, con el sello <strong>de</strong> la reflotada Editorial Argonauta<br />
(fundada por Aldo Pellegrini y Sussman, en la década <strong>de</strong>l 40, fue clausurada durante el<br />
gobierno <strong>de</strong> Perón), con un texto introductorio, más extenso que el <strong>de</strong>l propio Artaud, y que<br />
69
Pellegrini tituló “Artaud, el enemigo <strong>de</strong> la sociedad”; al año siguiente, muy poco antes <strong>de</strong> su<br />
muerte, apareció otro texto <strong>de</strong> Artaud, Heliogábalo o el anarquista coronado (traducido por<br />
Victor Goldstein). En suma, Pellegrini fue capaz <strong>de</strong> aunar la elaboración <strong>de</strong> su palabra<br />
poética con el rol <strong>de</strong> difusor y divulgador <strong>de</strong> obras, que prefiguraron al surrealismo o lo<br />
acompañaron, a pesar <strong>de</strong> las rupturas y disputas ya aludidas.<br />
LAS REVISTAS: <strong>DE</strong> 1928 A 1967 | Las intermitentes revistas que Pellegrini echara a andar<br />
junto a diversos acompañantes, o las que simplemente impulsó, según la época, se han<br />
constituido en piezas inhallables, codiciadas por anticuarios y coleccionistas <strong>de</strong>l<br />
surrealismo. Fueron varias y tuvieron muchos rasgos en común, en especial su carácter<br />
efímero ya que se publicaron muy pocos números <strong>de</strong> cada una: Qué (1928-1930); Ciclo (1948-<br />
1949); A partir <strong>de</strong> cero (1952 y 1956); Letra y línea (1953-54); Boa (1958) y La rueda (1967).<br />
En los dos números <strong>de</strong> la revista Qué, al grupo original se agregó Ismael Piterbarg,<br />
hermano <strong>de</strong> Elías. Todos los miembros <strong>de</strong>l grupo utilizaron seudónimos para firmar sus<br />
textos y poemas, lo que hubiera parecido sugerir la existencia <strong>de</strong> un contexto social poco<br />
proclive a aceptar las activida<strong>de</strong>s literarias y libertarias <strong>de</strong> sus miembros, al mismo tiempo<br />
que su <strong>de</strong>sarrollo profesional; pero que, en realidad, indicaba el <strong>de</strong>sprecio que sentían por la<br />
literatura entendida como profesión y sus implícitos galardones. En el editorial <strong>de</strong>l primer<br />
número <strong>de</strong> Qué: “Pequeño esfuerzo <strong>de</strong> justificación colectiva”, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> reconocer el<br />
“placer <strong>de</strong> una ilimitada libertad expansiva”, sus miembros <strong>de</strong>claran (y también <strong>de</strong>claman) su<br />
actitud subversiva:<br />
Si <strong>de</strong>svalorizamos la vida es por la evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> un <strong>de</strong>stino. Vomitamos inconteniblemente<br />
sobre todas las formas <strong>de</strong> resignación a este <strong>de</strong>stino (cualidad máxima <strong>de</strong>l espíritu burgués)<br />
y miramos con simpatía todos esos aspectos <strong>de</strong> una liberación voluntaria o involuntaria:<br />
enfermedad, locura, suicidio, crimen, revolución. Pero esto no pasa <strong>de</strong> ser una posición<br />
moral. En realidad estamos <strong>de</strong>cididos a no intentar nada fundamental fuera <strong>de</strong> nosotros.<br />
[9]<br />
Hay <strong>de</strong>recho a sospechar que nos encontramos, como en el Primer Manifiesto, con la<br />
corriente antipsiquiátrica avant la lettre, aunque sin duda la cuestión es más compleja. Un<br />
poco antes <strong>de</strong>l comienzo <strong>de</strong> la Primera Guerra Mundial, Apollinaire se había <strong>de</strong>dicado a<br />
recuperar al Marqués <strong>de</strong> Sa<strong>de</strong>, quien con más <strong>de</strong> un siglo <strong>de</strong> anticipación a los surrealistas<br />
había escrito: “Hay que tener el coraje <strong>de</strong> romper todos los límites”. Y fue Apollinaire,<br />
justamente, quien contribuyó a consolidar los vínculos entre escritores y artistas plásticos,<br />
con su ensayo Los pintores cubistas (1913).<br />
La valija <strong>de</strong> fuego (Poesía completa) está precedido por un texto que Pellegrini había<br />
publicado en su libro Para contribuir a la confusión general (Una visión <strong>de</strong>l arte, la poesía y el<br />
mundo contemporáneo), <strong>de</strong> 1965. Dicho texto lleva por vibrante título “La acción subversiva<br />
<strong>de</strong> la poesía”; <strong>de</strong>más está <strong>de</strong>cir el lugar <strong>de</strong>stacado que el editor, su hijo, le confiere a este<br />
breve ensayo, que oficia <strong>de</strong> introducción al conjunto <strong>de</strong> la escritura poética <strong>de</strong> su padre. Casi<br />
cuatro décadas <strong>de</strong>spués <strong>de</strong>l editorial <strong>de</strong> Qué, Pellegrini seguía confiando en la capacidad <strong>de</strong><br />
la poesía para producir una “revolución” en el espíritu humano. Allí observa:<br />
En una época como la actual, en que la poesía tien<strong>de</strong> a la domesticación por los más<br />
variados mecanismos en los más variados regímenes sociales, los poetas auténticos se<br />
encuentran siempre alertas, aunque estén reducidos a la soledad o compelidos por la<br />
fuerza y el terror. […] Estamos próximos al momento en que la revolución en <strong>de</strong>fensa <strong>de</strong>l<br />
hombre se <strong>de</strong>sarrollará en el plano <strong>de</strong> lo poético.<br />
La aparición y el fin <strong>de</strong> la revista Ciclo, entre 1948 y 1949, coincidió con la publicación ese<br />
mismo año <strong>de</strong>l primer poemario <strong>de</strong> Pellegrini: El muro secreto. Mientras tanto Enrique Molina<br />
70
había publicado Las cosas y el <strong>de</strong>lirio en 1941 y Pasiones terrestres en 1946. Como pue<strong>de</strong><br />
observarse, aun corriendo el riesgo <strong>de</strong> los estereotipos, la década <strong>de</strong>l 40 constituye un<br />
período clave para registrar la fuerte heterogeneidad que ya caracterizaba entonces a la<br />
producción poética argentina. En esa década coexistieron las revistas Canto (Buenos Aires,<br />
1940); Ver<strong>de</strong> memoria (Buenos Aires, 1942); La Carpa (Tucumán, 1944); Arturo (Buenos<br />
Aires, 1946), cuyo único número fuera dirigido por Edgar Bayley, propulsor <strong>de</strong>l<br />
invencionismo, y los dos números <strong>de</strong> la mencionada Ciclo, que se anunciaba <strong>de</strong> manera<br />
optimista como una revista bimestral, a cuyo comité, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> Pellegrini, Piterbarg y<br />
Sussman, se agregó el teórico <strong>de</strong>l psicoanálisis Enrique Pichon-Riviére, en concordancia con<br />
la importancia que los primeros surrealistas le concedían al inconsciente. A estas revistas<br />
literarias habría que añadir los nombres <strong>de</strong> al menos otras dos <strong>de</strong>cenas, que en todo el país,<br />
reflejaron una valiosa diversidad <strong>de</strong> la que ya no habría retorno. [10] Ninguna <strong>de</strong> ellas se<br />
imponía sobre las <strong>de</strong>más y cada una contaba con su mo<strong>de</strong>sto radio <strong>de</strong> influencia; sólo el<br />
tiempo pudo dirimir la pervivencia que estas diversas ten<strong>de</strong>ncias estéticas tendrían en el<br />
<strong>de</strong>sarrollo <strong>de</strong> la creación literaria <strong>de</strong> nuestro país y <strong>de</strong> nuestra lengua.<br />
Los dos primeros números <strong>de</strong> A partir <strong>de</strong> cero se publicaron bajo la dirección <strong>de</strong> Enrique<br />
Molina, con el visible apoyo y <strong>de</strong>cidida colaboración <strong>de</strong> Pellegrini, los cuales aparecieron a<br />
fines <strong>de</strong> 1952; el tercero y último, con participación <strong>de</strong> Olga Orozco, cuatro años <strong>de</strong>spués,<br />
tuvo una dirección colectiva. Molina aclaraba en tapa que la condición <strong>de</strong> la revista era la <strong>de</strong><br />
ser <strong>de</strong> poesía y <strong>de</strong> antipoesía al mismo tiempo. En un artículo anterior, “La conquista <strong>de</strong> lo<br />
maravilloso”, coetáneo <strong>de</strong> la reflexión <strong>de</strong> Alejo Carpentier en el prólogo <strong>de</strong> su novela El reino<br />
<strong>de</strong> este mundo, Pellegrini, en uno <strong>de</strong> los números <strong>de</strong> Ciclo, reafirma que “lo maravilloso no<br />
constituye una negación <strong>de</strong> la realidad sino la afirmación <strong>de</strong> la amplitud <strong>de</strong> lo real”. [11] El<br />
autor sintetiza <strong>de</strong> manera clara y concisa uno <strong>de</strong> los aspectos sobresalientes <strong>de</strong> la ten<strong>de</strong>ncia<br />
que expresaba. El término “surrealismo” o “surrealista”, neologismos galos a los cuales<br />
todavía algunos traductores y estudiosos se resisten, implicó algo mucho más vasto que una<br />
cuestión lexical. La preposición francesa sur no pudo ser traducida por “sobre” ni menos por<br />
“super” o “supra”, con lo cual sensatamente se adoptaron estos nuevos vocablos para<br />
expresar la inconmensurable apertura que la realidad había tenido para el hombre, como si<br />
al unísono con el psicoanálisis, [12] con la física teórica, con la teoría quántica y el principio<br />
<strong>de</strong> incertidumbre <strong>de</strong> Heisenberg, los surrealistas hubieran advertido que la realidad se había<br />
tornado “infinitamente gran<strong>de</strong>, infinitamente pequeña e infinitamente compleja”, tal como<br />
se <strong>de</strong>fine, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hace unas décadas, a nuestro universo.<br />
Por esta época, el primer grupo surrealista realiza una mudanza significativa. En el<br />
estudio que le consagró a Oliverio Girondo, escrito en 1964, Pellegrini recuerda: “conocí a<br />
Girondo hacia 1948 gracias a mi amigo el poeta Enrique Molina”. [13] Aquí es pertinente<br />
señalar que fueron muchos los escritores, <strong>de</strong> filiaciones estéticas diferentes y en ocasiones<br />
disímiles, que consi<strong>de</strong>raron a Girondo no sólo un poeta excepcional, sino una persona que<br />
alentó con generosidad fuera <strong>de</strong> lo común a sus colegas, cualesquiera hayan sido sus<br />
convicciones y credos estéticos. [14] Al final Pellegrini precisa:<br />
el grupo que formábamos Molina, Latorre, Madariaga, Llinás y yo nos reuníamos a<br />
menudo en casa <strong>de</strong> Girondo y fue allí don<strong>de</strong> surgió la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> alguna aventura <strong>de</strong><br />
publicaciones, entre los que llegó a cuajar una efímera revista, “Letra y Línea”, que hizo<br />
bastante ruido en su momento. [15]<br />
Los cuatro números <strong>de</strong> Letra y Línea aparecieron entre 1953 y 1954, por lo que Pellegrini<br />
está situando esos encuentros aproximadamente en el año 1952. La revista marchó casi a la<br />
par <strong>de</strong> A partir <strong>de</strong> cero, lo que sirvió para incorporar nuevos colaboradores y para ampliar el<br />
registro <strong>de</strong> sus intereses estéticos. Habría que agregar los nombres <strong>de</strong> Juan Antonio Vasco,<br />
Juan José Ceselli y Mario Trejo. A través <strong>de</strong> este nuevo grupo “se reinicia la aventura<br />
surrealista en Argentina en su etapa más rica y memorable”. [16]<br />
71
Ellos mismos y otros poetas repartían sus colaboraciones en diversos medios,<br />
especialmente en Poesía Buenos Aires, dirigida por Raúl Gustavo Aguirre a lo largo <strong>de</strong> los<br />
diez años que duró la publicación <strong>de</strong> la revista. Por esta época, Enrique Molina propone<br />
extremar el sentido <strong>de</strong> vanguardia; así lo recuerda en una entrevista que se le efectuara<br />
décadas más tar<strong>de</strong>: “extremar ese sentido <strong>de</strong> vanguardia. […] En fin, un sueño bastante<br />
prometeico que se fue disolviendo solo.” [17] En uno <strong>de</strong> los editoriales <strong>de</strong> Letra y línea se<br />
publica una irreverente diatriba contra Borges y Bioy Casares, acusados <strong>de</strong> profesar “una<br />
literatura gelatinosa” y <strong>de</strong> ser prototipos <strong>de</strong>l escritor profesional, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong><br />
antivanguardistas y conservadores. Digámoslo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquí: uno <strong>de</strong> los mejores poemas <strong>de</strong>l<br />
último periodo <strong>de</strong> Molina se intitula justamente Borges, publicado <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> la muerte <strong>de</strong>l<br />
autor <strong>de</strong> El Aleph. Cambio rotundo <strong>de</strong>l signo <strong>de</strong> los tiempos y prueba <strong>de</strong>l reconocimiento a<br />
uno <strong>de</strong> los mayores autores <strong>de</strong>l siglo XX y -si consi<strong>de</strong>ramos su proyección literaria e<br />
intelectual en el mundo-, para muchos, el mayor <strong>de</strong> nuestra lengua en ese periodo. Por el<br />
contrario, Pellegrini cuestionó y repudió a Borges hasta el final <strong>de</strong> sus días.<br />
De la revista Boa, que Pellegrini impulsó con Julio Llinás, se publicaron tres números;<br />
pero, <strong>de</strong> La Rueda, que Pellegrini lanzara junto a Edgar Bayley, se publicó uno solo. Al igual<br />
que en otros lugares <strong>de</strong>l mundo, por razones y circunstancias muy diversas, que hacen al<br />
cambio <strong>de</strong> paradigmas culturales y al surgimiento <strong>de</strong> “la nouvelle vague”, el surrealismo<br />
argentino también había agotado su tarea <strong>de</strong> difusión directa.<br />
UN AVENTURERO <strong>DE</strong>L ESPÍRITU | En 1989, Mario Pellegrini publica los poemas inéditos <strong>de</strong><br />
su padre, en elaboración en el momento <strong>de</strong> su muerte, compuestos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> un par <strong>de</strong> años<br />
antes, bajo el título <strong>de</strong> Escritos para nadie, título puesto por el propio autor. El conjunto está<br />
precedido por un corto prólogo, esbozo en realidad, en el que, inclaudicable en su<br />
convicción <strong>de</strong> la poesía como instrumento liberador, el poeta asevera:<br />
La poesía es una gran aventura.<br />
Cada poema es una nueva aventura y una exploración. Aventura en los continentes<br />
<strong>de</strong>sconocidos <strong>de</strong>l lenguaje, exploración en la selva virgen <strong>de</strong> los significados. La poesía<br />
quiere expresar con palabras lo que no pue<strong>de</strong>n <strong>de</strong>cir las palabras. Cada palabra tiene un<br />
secreto mágico que es necesario extraer. Pero en <strong>de</strong>finitiva, admiro sólo a los aventureros<br />
<strong>de</strong> la vida. En cuanto a mí, me resigno a ser un aventurero <strong>de</strong>l espíritu. [18]<br />
El texto está fechado en Buenos Aires poco antes <strong>de</strong> su muerte. ¿Qué quiere <strong>de</strong>cir esta<br />
formulación? ¿Que lo vivido se opone al espíritu <strong>de</strong> una manera similar a la que la<br />
experiencia se opone al conocimiento, tal como lo consignara Kierkegaard, ancestro común<br />
<strong>de</strong> todos los existencialistas? ¿O más simplemente se trata aquí <strong>de</strong> la nostalgia que tiene un<br />
hombre, que se siente morir, por todo lo que no vivió y no hizo? ¿Más rebelión que<br />
resignación? Por otra parte, ¿la palabra poética, y en verdad todo lenguaje, está consagrada<br />
al fracaso por la insuficiencia que le es inherente en su relación con lo real? Se podría<br />
argumentar que el texto habla por sí mismo, aunque más no sea para manifestar su falta <strong>de</strong><br />
medios y que si Pellegrini hubiera querido <strong>de</strong>cir otra cosa, como replicara en algún momento<br />
André Breton, lo habría dicho.<br />
En relación con la función <strong>de</strong> la poesía y <strong>de</strong>l arte, hay en Pellegrini una gran coherencia,<br />
que se contrapone tanto con la mudanza y variabilidad <strong>de</strong> los acontecimientos <strong>de</strong>l mundo,<br />
como con las diferentes expresiones estéticas. Por esta razón, es notable la apertura que<br />
tuvo hacia pintores y poetas provenientes <strong>de</strong> registros disímiles a los estrictamente<br />
surrealistas. Si bien es casi el único que pue<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como un surrealista<br />
ortodoxo, si hacemos caso o prestamos atención a esta obsesión taxonómica, lo cierto es que<br />
Aldo Pellegrini, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarse un aventurero <strong>de</strong>l espíritu, fue poseedor <strong>de</strong> un<br />
espíritu generoso. En el poema “Construcción <strong>de</strong> la <strong>de</strong>strucción”, con el cual comienza el<br />
libro <strong>de</strong>l mismo título, publicado en 1957 en la efímera empresa editorial “A partir <strong>de</strong> cero”,<br />
72
po<strong>de</strong>mos leer: “Todo lo espero <strong>de</strong> las palabras. En su fiesta impalpable partiré a la conquista<br />
<strong>de</strong> las puertas. La palabra vacilante como rata ataviada <strong>de</strong> secretos. Y cuando las puertas se<br />
abren, la palabra inicial hun<strong>de</strong> su punta <strong>de</strong> cobre en la aventura <strong>de</strong>l acercamiento.” Nueve<br />
párrafos más componen este poema que concluye: “Y el silencio andará por el mundo<br />
transformado en la fuente íntima <strong>de</strong> los secretos.” [19] En “Viaje”, poema <strong>de</strong>dicado a David<br />
Sussmann, incluido en La valija <strong>de</strong> fuego (1952), Pellegrini afirma la errancia en la que se<br />
encuentran insertas las palabras y la vida:<br />
El ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> botellas mezcla las razas<br />
para alimentar la avi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> los viajes<br />
viajes a través <strong>de</strong> un minuto<br />
que colma la vida entera<br />
la llave <strong>de</strong> la puerta <strong>de</strong>l tiempo<br />
está hecha con el metal <strong>de</strong>l sueño.<br />
Los dos últimos versos <strong>de</strong> la estrofa funcionan como una letanía que se repite en cinco<br />
ocasiones y en la que el estribillo recupera una convicción irrenunciable <strong>de</strong> los surrealistas:<br />
sólo el sueño atesora la realidad que nos falta. “La verda<strong>de</strong>ra vida está ausente” proclamó<br />
Rimbaud en Una temporada en el infierno. “La vida está en otra parte” retomaron los<br />
surrealistas a partir <strong>de</strong> las creencias <strong>de</strong> románticos alemanes e ingleses. El sueño es la<br />
actividad que le restituye al ser humano, en esta óptica, por supuesto, su lugar y su plenitud;<br />
caso contrario, está con<strong>de</strong>nado a la errancia infinita.<br />
Cuando Freud conoció a Dalí lo sorprendió manifestándole, en una suerte <strong>de</strong> broma con<br />
po<strong>de</strong>roso anclaje en la historia <strong>de</strong>l arte, que <strong>de</strong> él no le interesaba su inconsciente, sino su<br />
consciente. ¿Pue<strong>de</strong> el artista realizar una obra sólo gobernado por el sueño y por el azaroso<br />
ritmo que le es implícito? Así como “todo pensamiento emite un golpe <strong>de</strong> dados” y, sobre<br />
todo, que “un golpe <strong>de</strong> dados jamás abolirá el azar”, también se pue<strong>de</strong> invertir la fórmula y<br />
concluir que jamás el puro azar será el artífice <strong>de</strong> un texto poético o <strong>de</strong> una obra <strong>de</strong> arte,<br />
salvo que consi<strong>de</strong>remos tal a las formas escultóricas que el viento crea en algunas montañas.<br />
Construcción en la <strong>de</strong>strucción es quizás <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su mismo título una <strong>de</strong>finición <strong>de</strong> lo que más<br />
se aproxima al proceso creador. El artista o el poeta <strong>de</strong> las rupturas <strong>de</strong>be asumir el enorme<br />
<strong>de</strong>safío <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarticular y <strong>de</strong>struir un lenguaje para configurar otro, que se torne inteligible,<br />
aunque sea para algunos, y no un simple balbuceo que no le dice nada a nadie.<br />
Pue<strong>de</strong> apreciarse, a partir <strong>de</strong> los temas abordados en sus ensayos, la <strong>de</strong>stacada labor<br />
<strong>de</strong>sarrollada por Pellegrini en el campo <strong>de</strong> las artes plásticas, labor que se incrementó, muy<br />
especialmente, en relación con la promoción y difusión <strong>de</strong>l arte mo<strong>de</strong>rno y <strong>de</strong> los artistas<br />
abstractos <strong>de</strong> nuestro país. Vinculado a Marcel Duchamp y al teórico <strong>de</strong>l arte Michel Tapié -<br />
quien curiosamente fue <strong>de</strong> los primeros en escribir sobre Antoni Tàpies-, tuvo una clara<br />
influencia sobre ciertas ten<strong>de</strong>ncias plásticas <strong>de</strong> Argentina. Escribió numerosos catálogos y<br />
presentaciones, tanto para exposiciones individuales como colectivas y en 1966 publicó la<br />
Antología <strong>de</strong> la poesía viva latinoamericana.<br />
Pocos seres he conocido con un instinto <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia intelectual como el que alentaba<br />
en él [afirmó Enrique Molina]. Sin embargo, una vez aceptada por su espíritu, por su<br />
sangre, por su propia sombra una i<strong>de</strong>a o una imagen <strong>de</strong>l mundo, era implacable. No<br />
admitía la más mínima vacilación en su propia creencia. Se empeñaba, a pesar <strong>de</strong> su<br />
ternura, en revestir una dureza <strong>de</strong> cristal, <strong>de</strong> un bloque, intratable. Nada podía hacerlo<br />
vacilar como no fuera otra profunda convicción suya con el mismo <strong>de</strong>seo <strong>de</strong> absoluto. [20]<br />
Casi podría <strong>de</strong>cirse, con la autoridad con que un Papa ejerce su mandato, y no es casual<br />
que Breton recibiera este apodo entre sus compañeros <strong>de</strong> aventura. Por su parte, Graciela<br />
Maturo percibe en Pellegrini que “sus poemas <strong>de</strong> sintaxis nítida muestran el predominio <strong>de</strong><br />
73
una inteligencia or<strong>de</strong>nadora sobre las imágenes, los contrastes sorpresivos, las irrupciones<br />
<strong>de</strong> la fantasía y la voluntad”. Y agrega: “tanto en esos poemas como en sus escritos teóricos<br />
queda expresa su afirmación <strong>de</strong>l hombre, <strong>de</strong> la libertad que apuesta contra el azar, <strong>de</strong> la<br />
capacidad <strong>de</strong> integrarse en el mundo por el amor, al mismo tiempo que un evi<strong>de</strong>nte<br />
disconformismo frente a los sistemas dogmáticos <strong>de</strong>l conocimiento y una aguda percepción<br />
<strong>de</strong> los niveles profundos <strong>de</strong> la realidad”. [21] Cuatro décadas más tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> este juicio pue<strong>de</strong><br />
observarse que la poesía <strong>de</strong> Pellegrini se ha mantenido viva, viviente y vivaz, en virtud <strong>de</strong>l<br />
bagaje <strong>de</strong> su propio “fuego central”.<br />
ENRIQUE MOLINA O LA CELEBRACIÓN <strong>DE</strong>L NOMADISMO | Los dos últimos conjuntos <strong>de</strong><br />
poemas que Enrique Molina (1910-1996) publicara en vida, El ala <strong>de</strong> la gaviota y Hacia una isla<br />
incierta, confirman –como ya lo he señalado anteriormente– [22] el largo <strong>de</strong>splazamiento sobre<br />
el cual ha construido y <strong>de</strong>sarrollado su experiencia poética. Más que al surrealismo, la actitud<br />
nómada que hay en su poesía y en parte <strong>de</strong> su vida pareciera pertenecer al ritmo solar <strong>de</strong>l<br />
continente americano, <strong>de</strong> sus culturas prehispánicas, <strong>de</strong> su columna vertebral andina o <strong>de</strong><br />
las costas <strong>de</strong> Brasil, mixturado con un instinto salvaje por la fusión <strong>de</strong> los contrarios y <strong>de</strong><br />
imágenes y metáforas susceptibles <strong>de</strong> tocar la resonancia última <strong>de</strong>l lenguaje.<br />
Desplazamiento <strong>de</strong> lugares o <strong>de</strong> palabras, <strong>de</strong> tiempos o <strong>de</strong> sueños, la poesía adquiere aquí el<br />
estatuto <strong>de</strong> la errancia. Esta persistente adhesión al movimiento tiene un significado similar al<br />
que se produce cuando el hombre intenta un acompasamiento cósmico que concierne a la<br />
corteza terrestre.<br />
Enrique Molina ha sido consi<strong>de</strong>rado, con toda justicia, uno <strong>de</strong> los mayores poetas <strong>de</strong><br />
Hispanoamérica, al mismo tiempo que uno <strong>de</strong> los más originales. En los hechos es una<br />
poesía que no ha <strong>de</strong>jado continuadores ni epígonos y cuyos antece<strong>de</strong>ntes son más bien<br />
difusos. Molina ha logrado aunar el permanente asombro <strong>de</strong> vivir, con una vocación tantálica<br />
que recorre el conjunto <strong>de</strong> su obra. Su padre, ingeniero agrónomo, administrador <strong>de</strong><br />
estancias, recorrió con la familia la provincia <strong>de</strong> Buenos Aires, Corrientes y Misiones, <strong>de</strong> tal<br />
manera que el mágico mundo <strong>de</strong> la infancia se entrelaza en él con los aspectos míticos <strong>de</strong> las<br />
regiones don<strong>de</strong> creció. Se recibió <strong>de</strong> abogado en la Universidad Nacional <strong>de</strong> La Plata, pero<br />
nunca ejerció esta profesión. Sí en cambio, a partir <strong>de</strong> 1942, recorrió como marinero buena<br />
parte <strong>de</strong>l continente americano y, durante algunos periodos, en la década <strong>de</strong>l cuarenta y <strong>de</strong>l<br />
cincuenta, residió en Perú, Chile y Bolivia, confirmando su inclinación trashumante para<br />
luego embarcarse nuevamente con <strong>de</strong>stino a Hamburgo en 1950. Se <strong>de</strong>sempeñó más tar<strong>de</strong> en<br />
la Dirección Municipal <strong>de</strong> Bibliotecas, un puesto que obtuvo con la ayuda <strong>de</strong> Oliverio<br />
Girondo, con quien mantuvo una larga amistad, lo mismo que con su esposa, Norah Lange.<br />
El incesante flujo <strong>de</strong>l mar, la ininterrumpida marcha nóma<strong>de</strong>, la trashumancia sin término <strong>de</strong>l<br />
hombre y <strong>de</strong> sus sueños, el <strong>de</strong>ambular mismo <strong>de</strong> la condición humana y, sobre todo, la<br />
comunión con las aves migratorias, parecieran conferir horizontes sumamente particulares a<br />
su poesía. Aunque hace cuatro décadas preparó una antología <strong>de</strong> sus poemas que tituló Hotel<br />
pájaro, la obsesión por el <strong>de</strong>splazamiento, por la fugitiva resi<strong>de</strong>ncia don<strong>de</strong> se acoge el ser<br />
humano y la palabra que lo expresa, se encuentra ya en los orígenes <strong>de</strong> su poesía. En uno <strong>de</strong><br />
los poemas <strong>de</strong> Fuego libre expresa: «¡Una gaviota por almohada!» Difícilmente algo pertenezca<br />
<strong>de</strong> manera tan profunda al dominio <strong>de</strong>l hombre como la provisoriedad y el instante. Nacido<br />
bajo la percepción <strong>de</strong> un futuro, don<strong>de</strong> planea inexorable la muerte, el poeta sólo pue<strong>de</strong> oponer<br />
un vuelo constante, que intenta abrazar, en una <strong>de</strong>smesurada tentativa, las amplias regiones<br />
<strong>de</strong>l <strong>de</strong>venir.<br />
La palabra poética, en la compleja tradición ju<strong>de</strong>o-cristiana, se encuentra íntimamente ligada<br />
a la profecía, a esa dimensión que no nos abre un futuro cierto y previsible, sino el<br />
in<strong>de</strong>terminado abismo <strong>de</strong> los orígenes. La profecía capta, en un solo impulso, el <strong>de</strong>nso<br />
movimiento <strong>de</strong>l mundo y la permanente fugacidad <strong>de</strong>l presente, que nos roba el acuerdo con<br />
aquello que ha sido. La profecía, así, siempre linda con el <strong>de</strong>sierto, al cual el hombre es arrojado<br />
porque <strong>de</strong>scubre o re<strong>de</strong>scubre la ausencia <strong>de</strong> patria o <strong>de</strong> un hogar en el mundo. Ahora bien, ¿qué<br />
74
ocurre si es el mismo mundo, pese a su vastedad, el que se convierte en la más fiel morada<br />
<strong>de</strong>l hombre? La tensión entre la tierra natal, en el sentido geográfico, entre la polis y el Cosmos,<br />
ha estado íntimamente presente en el comienzo <strong>de</strong> la filosofía, en ese otro espacio <strong>de</strong><br />
pensamiento, que contribuyera, <strong>de</strong> manera <strong>de</strong>cisiva, a la conformación <strong>de</strong> Occi<strong>de</strong>nte.<br />
Junto al ejercicio <strong>de</strong> esta dimensión, Molina realizó también otras activida<strong>de</strong>s. Como ya se<br />
dijo, fundó y dirigió A partir <strong>de</strong> cero y formó parte <strong>de</strong> la redacción <strong>de</strong> Letra y Línea. A<strong>de</strong>más<br />
<strong>de</strong> ser uno <strong>de</strong> los principales miembros <strong>de</strong>l movimiento surrealista argentino, antes había<br />
pertenecido también a la <strong>de</strong>nominada Generación <strong>de</strong>l 40 y son muchos los que lo consi<strong>de</strong>ran<br />
su más alto exponente. Des<strong>de</strong> su primer libro fue una <strong>de</strong> las voces más representativas <strong>de</strong> su<br />
generación. El crítico venezolano Guillermo Sucre señaló:<br />
[L]o inicial <strong>de</strong> Molina es el <strong>de</strong>slumbramiento frente al mundo. Pero en su primer libro el<br />
mundo no es todavía la intemperie, sino el amparo <strong>de</strong> la morada materna, evocada por<br />
una memoria que <strong>de</strong>scubre lo efímero […] el tiempo visto como una fuerza material que se<br />
instala en los seres y en las cosas contaminándolos <strong>de</strong> una substancia corrosiva. [23]<br />
Pasiones terrestres es su segundo libro y está <strong>de</strong>dicado a Oliverio Girondo. Con la<br />
aparición <strong>de</strong> Costumbres errantes o la redon<strong>de</strong>z <strong>de</strong> la tierra se pue<strong>de</strong> afirmar que Molina está<br />
inmerso por entero en el mundo <strong>de</strong>l surrealismo. Diez años más tar<strong>de</strong>, en Amantes<br />
antípodas (<strong>de</strong>dicado a Aldo Pellegrini), el tono ha variado hacia una reflexión personal sobre<br />
lo circundante, un libro, sin lugar a dudas, central en su intenso <strong>de</strong>spliegue poético. Allí se<br />
encuentra el poema “Alta marea”, uno <strong>de</strong> los mayores que escribiera:<br />
Cuando un hombre y una mujer que se han amado se separan<br />
se yergue como una cobra <strong>de</strong> oro el canto ardiente <strong>de</strong>l<br />
orgullo<br />
la errónea maravilla <strong>de</strong> sus noches <strong>de</strong> amor<br />
las constelaciones pasionales<br />
los arrebatos <strong>de</strong> su indómito viaje sus risas a través <strong>de</strong><br />
las piedras sus plegarias y cóleras<br />
sus dramas <strong>de</strong> secretas injurias enterradas…<br />
En 1957 publica Fuego libre, en un periodo en el que se pone <strong>de</strong> relieve que la poesía que<br />
intenta “la insensata tarea” <strong>de</strong> acunar el mundo <strong>de</strong>be ser fiel al movimiento inicial que la<br />
anima. No hay posibilidad <strong>de</strong> retroce<strong>de</strong>r ante la extraña aventura <strong>de</strong> encontrarnos en el seno<br />
<strong>de</strong>l mundo; se trata, en todo caso, <strong>de</strong> fundar un acuerdo. Este acuerdo Molina lo ha buscado<br />
en los inasibles espacios <strong>de</strong>l vuelo, don<strong>de</strong> si bien Tántalo y Prometeo parecen ser sus<br />
guardianes, sin ninguna duda Ícaro es el principal habitante.<br />
Olga Orozco no podría haberlo sintetizado mejor: “El trayecto <strong>de</strong> este viajero <strong>de</strong> paso, en<br />
perpetuo adiós, en búsqueda incesante e insaciable, ha quedado estampado en una obra<br />
copiosa, impar, personalísima, que escapa a todo canon y en la que centellean las más<br />
vertiginosas y exactas imágenes.” [24] En referencia a los viajes marinos <strong>de</strong> Molina, siempre<br />
presentes en sus textos, se pue<strong>de</strong> observar que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la poesía romántica alemana, la<br />
nostalgia ante la unidad perdida es uno <strong>de</strong> los temas recurrentes <strong>de</strong> la poesía, pues el poeta<br />
comprueba, a través <strong>de</strong> distintos registros, que vive en un mundo fragmentado, que ha<br />
estallado y que ha hecho añicos, incluso, la antigua serenidad <strong>de</strong> los nombres. El mar es,<br />
mítica y metafóricamente, el hogar perdido, que sólo pue<strong>de</strong> ser recuperado por medio <strong>de</strong> la<br />
aventura, don<strong>de</strong> el exilio se continúa y se afianza.<br />
Otra faceta <strong>de</strong> Enrique Molina está en sus pinturas y grabados, aunque presentó sus<br />
cuadros en contadas ocasiones. Su obra en prosa se compone principalmente <strong>de</strong> un texto<br />
afín al género novelesco y <strong>de</strong> algunos ensayos dispersos que aún no se encuentran reunidos<br />
en libro. En primer lugar, el prólogo que escribiera para las Obras Completas <strong>de</strong> Girondo:<br />
75
“Hacia el fuego central o la poesía <strong>de</strong> Oliverio Girondo”, así como el hecho <strong>de</strong> que varios <strong>de</strong><br />
sus textos hayan sido incluidos como prólogos <strong>de</strong> distintos libros <strong>de</strong> arte.<br />
Su texto <strong>de</strong> 1973, Una sombra don<strong>de</strong> sueña Camila O'Gorman, es una obra<br />
verda<strong>de</strong>ramente excepcional en la que se fun<strong>de</strong> una historia novelística con una prosa<br />
poética <strong>de</strong> gran lirismo, dotada por añadidura <strong>de</strong> una enorme profusión <strong>de</strong> imágenes. Texto<br />
que supo convocar a una variedad <strong>de</strong> géneros y a distintos registros para su elaboración y<br />
que permanece como uno <strong>de</strong> los hitos <strong>de</strong> la gran narrativa <strong>de</strong> la segunda mitad <strong>de</strong>l siglo XX.<br />
OTROS AUTORES <strong>DE</strong>L MOVIMIENTO SURREALISTA | No fueron muchos los escritores que<br />
en nuestro país aceptaron ser consi<strong>de</strong>rados exclusivamente surrealistas. La heterodoxia<br />
siempre fue más fuerte que la sujeción a una ten<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>terminada. De estos autores<br />
proporcionaremos más una información bio-bibliográfica que una valoración afinada <strong>de</strong> sus<br />
textos. Entre los poetas que acompañaron con claridad esta experiencia sobresale Francisco<br />
“Coco” Madariaga (1927-2000). Nació en el Paraje Estancia Caimán <strong>de</strong> la provincia <strong>de</strong><br />
Corrientes, hecho que lo marcó profundamente, pues en su obra se refleja toda la dimensión<br />
<strong>de</strong> la tierra <strong>de</strong> su infancia en estrecha relación con la contemplación <strong>de</strong>l universo.<br />
A partir <strong>de</strong> 1950 se vinculó con Aldo Pellegrini, Enrique Molina, Juan Antonio Vasco,<br />
Carlos Latorre, entre otros y, en 1954, publicó su primer libro, El pequeño patíbulo, que<br />
pue<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rarse influido por esta corriente, pero que al igual que su segundo texto, Las<br />
jaulas <strong>de</strong>l sol, está marcado por una impronta muy personal, don<strong>de</strong> las palabras se sustraen<br />
al or<strong>de</strong>n habitual, para incursionar en registros metafóricos completamente insólitos, al<br />
bor<strong>de</strong> <strong>de</strong> la alucinación. En El <strong>de</strong>lito natal se observa <strong>de</strong> manera explícita el reencuentro con<br />
su provincia. De estos y <strong>de</strong> sus libros siguientes, Juan Antonio Vasco señalaba:<br />
Madariaga, ese correntino, es América. Es cierto que utiliza el idioma español que, en<br />
<strong>de</strong>finitiva es un idioma importado, pero es el lenguaje que hicimos nuestro, lo hemos vuelto<br />
a parir. Igualmente, en Madariaga, este español está mechado <strong>de</strong> influencia guaraní, o por<br />
lo menos, <strong>de</strong>l paisaje y <strong>de</strong> la vida que saben reflejar los ojos <strong>de</strong> un poeta nuestro. [25]<br />
En 1980 aparece Llegada <strong>de</strong> un jaguar a la tranquera, en el que Madariaga introduce por<br />
primera vez términos guaraníes, lo que no <strong>de</strong>be llevar a confundir su forma expresiva con<br />
una poesía meramente localista, pues su propósito linguístico es hundirse en las raíces<br />
americanas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> una visión cósmica. Por otra parte, Madariaga ha escrito varios relatos y<br />
textos en prosa, relacionados con sus crónicas <strong>de</strong> viajes <strong>de</strong> exploración por las lagunas y<br />
esteros <strong>de</strong>l Iberá: En la tierra <strong>de</strong> nadie y Solo contra Dios no hay veneno.<br />
El autor ocupa un lugar <strong>de</strong>stacado, tanto por su originalidad como por la <strong>de</strong>nsidad <strong>de</strong> sus<br />
imágenes, en la poesía hispanoamericana contemporánea, ya que como en una vorágine, el<br />
poeta entrelaza muchos planos <strong>de</strong> la realidad y la vegetación, al tiempo que el paisaje en el<br />
que se enmarca, se nutre <strong>de</strong> un animismo alucinante. Los esteros y los palmares, las balsas y<br />
las mariposas, los jaguares y sus soles, se transmutan en sueños o viceversa. En “Versos que<br />
recordé <strong>de</strong> dos poemas que escribí en sueños” consigna lacónicamente: “La mano-océano<br />
regresaba <strong>de</strong>l infinito…” [26] En esta poesía no hay lugar para los límites <strong>de</strong> una expresión<br />
regionalista; por el contrario, Madariaga permanentemente ha buscado situarse en los<br />
múltiples niveles <strong>de</strong> relación que el hombre posee con el mundo. Frente a la previsibilidad <strong>de</strong><br />
la poesía regionalista, la obra entera <strong>de</strong> Madariaga, sin renunciar a “la tierra natal” se ofrece<br />
en una posición <strong>de</strong> ruptura acor<strong>de</strong> con los postulados principales <strong>de</strong>l surrealismo, ámbito en<br />
el cual legítimamente se lo ha incluido.<br />
Otro <strong>de</strong> los integrantes <strong>de</strong>l segundo grupo fue Carlos Latorre (1916-1982), poeta,<br />
dramaturgo y también autor <strong>de</strong> guiones cinematográficos. Des<strong>de</strong> la poesía estuvo ligado al<br />
movimiento surrealista; a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> participar en la creación <strong>de</strong> A Partir <strong>de</strong> Cero, Letra y<br />
Línea y La Rueda, colaboró en muchas otras revistas. Su obra poética se inició en 1950 con<br />
76
Puerta <strong>de</strong> arena, seguido dos años <strong>de</strong>spués por La ley <strong>de</strong> gravedad <strong>de</strong>l que Raúl Gustavo<br />
Aguirre dijo:<br />
en este último libro hay sin embargo indicios <strong>de</strong> la que luego habría <strong>de</strong> ser su orientación<br />
<strong>de</strong>cisiva. Poeta que domina sin dificultad aparente su lenguaje, Latorre es indudablemente<br />
uno <strong>de</strong> los valores más interesantes <strong>de</strong>l grupo surrealista. [27]<br />
Julio Antonio Llinás (1929) fue calificado como “el último surrealista”, aunque él mismo<br />
asegura no saber qué significa haberlo sido. En el año 2005 publicó Querida vida, más un<br />
anecdotario que un libro <strong>de</strong> memorias, don<strong>de</strong> recuerda distintas situaciones vividas con<br />
Pellegrini y Molina, pero sin la expresa intención <strong>de</strong> indagar sobre el trasfondo cultural y<br />
estético <strong>de</strong> la experiencia surrealista. Poeta, crítico <strong>de</strong> arte, narrador y publicista residió en<br />
París entre 1952 y 1957, don<strong>de</strong> participó en la creación <strong>de</strong>l movimiento Phases, una <strong>de</strong> las<br />
últimas estribaciones <strong>de</strong>l surrealismo. Allí conoció a Breton, Dalí y Marcel Marceau. De<br />
regreso a la Argentina, fundó la revista y editorial BOA, <strong>de</strong> vida efímera, estrechamente<br />
vinculadas con Phases. En su entorno se conformó un grupo que <strong>de</strong>sarrolló activida<strong>de</strong>s<br />
menos vinculadas con la literatura que con la plástica, actividad a la que pertenecía su<br />
esposa, la pintora Martha Peluffo. Pero antes <strong>de</strong> su viaje a París, publicó su primer libro,<br />
Pantha rhei (1950), en una editorial dirigida por el dramaturgo peruano Sebastián Salazar<br />
Bondy y en 1952 participó, junto a Enrique Molina y Aldo Pellegrini, en la fundación <strong>de</strong> A<br />
partir <strong>de</strong> cero y <strong>de</strong> Letra y línea. La publicación en 1993 <strong>de</strong> un libro <strong>de</strong> cuentos titulado De<br />
eso no se habla lo sacó <strong>de</strong> un prolongado silencio. Sobre el relato que da nombre al conjunto<br />
se realizó un film que tuvo una importante acogida, aunque muy poco <strong>de</strong> su primera etapa y<br />
<strong>de</strong> su estética anterior encontramos en estos relatos, consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> buena factura.<br />
Otros dos autores <strong>de</strong> participación más espaciada e intermitente fueron Juan José Ceselli<br />
(1909-1983) y Juan Antonio Vasco (1924-1984). El primero <strong>de</strong>scubre su vocación poética<br />
<strong>de</strong>spués <strong>de</strong> haberse <strong>de</strong>dicado algunos años a la pequeña industria. Publicó su primer libro en<br />
1953: La otra cara <strong>de</strong> la luna. Su poesía, tan vinculada con el surrealismo, está poblada <strong>de</strong><br />
imágenes que preten<strong>de</strong>n inventar y mostrar el aspecto ilimitado <strong>de</strong>l lenguaje. “La poesía no<br />
es una retórica -dice el autor-, sino una fuerza invisible, pero perceptible, un lujo que se dan<br />
a sí mismos los seres y los objetos”. Durante algunos años residió en Europa, casi siempre<br />
en París don<strong>de</strong> conoció a varios poetas vinculados al surrealismo y trabó amistad con<br />
Jacques Prévert, el autor <strong>de</strong> “Las hojas muertas” <strong>de</strong> quien tradujo Palabras y Fatras.<br />
Juan Antonio Vasco publicó en Chascomús, en 1943, su primer libro <strong>de</strong> poesía, El ojo <strong>de</strong><br />
la cerradura, y más tar<strong>de</strong> dio a conocer Cuatro poemas con rosas. Entre 1941 y 1948 su<br />
poesía no se aparta <strong>de</strong> las formas tradicionales hasta que en 1951 reflexiona: “[…] luego, tres<br />
años <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconcierto durante los cuales sentía confusamente la inanidad <strong>de</strong> mi trabajo<br />
anterior”. Comienzan entonces sus colaboraciones con Poesía Buenos Aires e inicia la<br />
experiencia <strong>de</strong> la cual proviene su nueva actitud frente a la poesía. Integra el grupo A partir<br />
<strong>de</strong> cero y participa a<strong>de</strong>más en Letra y línea. Por aquella época confiesa: “el automatismo es<br />
mi solución”. Maestro rural que <strong>de</strong>sempeñó diversos oficios en la Capital Fe<strong>de</strong>ral, publicó<br />
Cambio <strong>de</strong> horario, en 1954, año en que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> partir hacia Venezuela, país en el que residió<br />
una década, aproximadamente, y en el que tomó contacto con el grupo <strong>de</strong> artistas reunidos<br />
en El techo <strong>de</strong> la ballena, con quienes Vasco hallará su i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong> poeta enraizado en el<br />
continente latinoamericano. En 1988 con el título <strong>de</strong> uno <strong>de</strong> sus poemas, Déjame pasar se<br />
publicó una antología <strong>de</strong> sus textos. El escritor venezolano Adriano González León ha<br />
<strong>de</strong>finido, pertinentemente, la obra <strong>de</strong> este escritor, como “una poética <strong>de</strong> la mordacidad”.<br />
A<strong>de</strong>más <strong>de</strong> estos autores, que participaron <strong>de</strong> manera activa en “la aventura surrealista”<br />
<strong>de</strong> nuestro país, hay dos que fueron reinvindicados, tardía pero directamente, por los<br />
miembros más representativos <strong>de</strong> esta corriente. Ellos fueron Antonio Porchia (1886-1968) y<br />
Jacobo Fijman (1898-1970). Ambos elaboraron sus respectivas obras al margen <strong>de</strong> los<br />
preceptos estéticos <strong>de</strong>l surrealismo, pero se vieron incluidos en él por razones vinculadas al<br />
77
libre ejercicio con que construyeron sus respectivas obras y, en el caso <strong>de</strong> Fijman, por<br />
a<strong>de</strong>ntrarse en la locura en esta prosecusión. Fijman, poeta, violinista y pintor, llegó a los<br />
cuatro años <strong>de</strong> Besarabia a la Argentina, con una familia que escapaba <strong>de</strong> progroms y <strong>de</strong>l<br />
antisemitismo imperante. Vivió <strong>de</strong> niño en Río Negro y en Lobos (Pcia. <strong>de</strong> Buenos Aires). En<br />
1917 se radicó en Buenos Aires y cursó la Escuela <strong>de</strong> Lenguas Vivas, don<strong>de</strong> obtuvo su título<br />
<strong>de</strong> profesor <strong>de</strong> francés. Ejerció brevemente la docencia, <strong>de</strong> don<strong>de</strong> fue expulsado por<br />
extravagancias que preanunciaban su enfermedad. Perteneció al movimiento martinfierrista<br />
y realizó periodismo en Crítica y Caras y Caretas. Luego <strong>de</strong> su único viaje a Europa, en 1927,<br />
[28] con Oliverio Girondo y Antonio Vallejo, participó en los Cursos <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong> Católica,<br />
convirtiéndose al catolicismo. En el poema “Canto <strong>de</strong>l cisne”, poema con el cual abre Molino<br />
rojo, el que fuera su primer libro y don<strong>de</strong> pue<strong>de</strong>n observarse asociaciones afines a las<br />
utilizadas por los surrealistas, sus dos versos iniciales testimonian la percepción que el<br />
poeta tenía <strong>de</strong> su <strong>de</strong>stino: “Demencia: / el camino más alto y más <strong>de</strong>sierto.” En efecto, los<br />
casi treinta años <strong>de</strong> internación en un hospital psiquiátrico constituyen uno <strong>de</strong> los<br />
momentos más extremos que atravesó un escritor en nuestro país. Durante ese largo<br />
período se <strong>de</strong>dicó más a la pintura que a la escritura. Leopoldo Marechal, por su parte, bajo<br />
el nombre <strong>de</strong> Samuel Tessler, lo transformó en un personaje <strong>de</strong> Adán Buenosayres, sin<br />
conferirle ninguna inclinación estética especial. Muchos años <strong>de</strong>spués, en 1969, la revista<br />
Talismán le realizó un homenaje, con una nutrida presencia <strong>de</strong> escritores y pintores<br />
vinculados al surrealismo, también colaboradores <strong>de</strong>l número íntegramente <strong>de</strong>dicado a él,<br />
don<strong>de</strong> se recoge parte <strong>de</strong> su material inédito. Algunos críticos han visto en su obra una<br />
adhesión espontánea, y hasta salvaje, al “puro automatismo psíquico” <strong>de</strong> los surrealistas.<br />
Para Juan-Jacobo Bajarlía la poesía <strong>de</strong> Fijman no se <strong>de</strong>tiene sólo en el mecanismo<br />
“automatista”, que en su época no fue así <strong>de</strong>signado, sino en otras articulaciones igualmente<br />
fundamentales: la mecánica <strong>de</strong>l inconsciente y, al mismo tiempo, la contención sintáctica y<br />
sobre todo el chiste y la paradoja. [29] Sin embargo, en su tercer y último libro, Estrella <strong>de</strong> la<br />
mañana, son mucho más visibles las alusiones religiosas, el parentesco con el salmo o la<br />
plegaria y la vocación manifiesta <strong>de</strong> elevarse hasta Dios: “Me apoyo en las moradas / don<strong>de</strong><br />
se escon<strong>de</strong> la luz <strong>de</strong> la alabanza y el gozo <strong>de</strong> los cor<strong>de</strong>ros”. [30]<br />
El caso <strong>de</strong> Antonio Porchia es bien diferente. La vertiente espiritual y mística transcurre<br />
aquí más por la ausencia <strong>de</strong> Dios que por la búsqueda <strong>de</strong> su presencia: “La humanidad no<br />
sabe hacia dón<strong>de</strong> ir. Porque nadie la espera. Ni Dios”. Autor <strong>de</strong> un solo libro intitulado Voces,<br />
publicado por primera vez en 1943 y que conoció diversas y ampliadas reediciones, fue<br />
traducido casi inmediatamente al francés por Roger Caillois, quien proclamara que hubiera<br />
sido capaz <strong>de</strong> sacrificar toda su obra a cambio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r escribir esas “voces”. Es gracias a<br />
esta traducción, realizada poco antes <strong>de</strong> que el propio Caillois hiciera conocer a Borges en<br />
Francia, que Breton pudo <strong>de</strong>cir que Porchia era “el poseedor <strong>de</strong>l pensamiento más dúctil <strong>de</strong><br />
lengua española”. Tan contun<strong>de</strong>nte afirmación no podía <strong>de</strong>jar <strong>de</strong> tener su influjo entre los<br />
escritores vinculados al surrealismo. Fue divulgado en México por Octavio Paz y <strong>de</strong> una u<br />
otra forma sus “voces” se abrieron paso hacia otros países <strong>de</strong> habla hispana. Si bien algunos<br />
<strong>de</strong> sus aforismos aparecieron en la revista Sur, quien supo tener una estrecha relación con<br />
Porchia fue Roberto Juarroz. “No he encontrado nadie –aseveró Juarroz- en quien se diera<br />
con igual plenitud que en Antonio Porchia una coinci<strong>de</strong>ncia tan alta entre la sabiduría <strong>de</strong> la<br />
vida y la sabiduría <strong>de</strong>l lenguaje”. [31] A pesar que en sus comienzos sus Voces fueron<br />
editadas por iniciativa <strong>de</strong>l grupo “Impulso” <strong>de</strong> La Boca, constituido por pintores y escritores<br />
cercanos al anarquismo y socialismo, Porchia fue un ser extremadamente solitario,<br />
consciente <strong>de</strong> la banalidad <strong>de</strong>l mundo que lo ro<strong>de</strong>aba: “Para elevarse es necesario elevarse,<br />
pero es necesario también que haya altura.” En suma, Porchia fue adoptado y valorado por el<br />
surrealismo vernáculo, no por una clara afinidad estética, aun cuando sus aforismos puedan<br />
ser comparados con ciertos fragmentos <strong>de</strong> la poesía <strong>de</strong> René Char, sino por su solitaria<br />
aventura espiritual y por una capacidad expresiva que escapaba a todo mol<strong>de</strong>.<br />
78
Huellas <strong>de</strong> esta profunda experiencia se encuentran en la “poesía vertical” <strong>de</strong> Juarroz y en<br />
los aforismos y poemas <strong>de</strong> Miguel Angel Bustos (1932-1976), quien pese a su temprana<br />
muerte, por <strong>de</strong>saparición forzada, ha <strong>de</strong>jado una obra fulgurante y abismal, cuya belleza se<br />
cruza con la búsqueda extrema <strong>de</strong> la condición humana. El rescate que hizo para sí <strong>de</strong> un<br />
linaje “maldito” lo emparentó con una parte esencial <strong>de</strong>l surrealismo y con algunos <strong>de</strong> sus<br />
pre<strong>de</strong>cesores, al punto que su libro central lleva un título <strong>de</strong>finitorio: Visión <strong>de</strong> los hijos <strong>de</strong>l<br />
mal. La utilización que hizo <strong>de</strong>l lenguaje, don<strong>de</strong> combina el verso libre con la parábola y<br />
algunos fulminantes aforismos (“Toda madre mata a su hijo con el cuchillo <strong>de</strong>l pezón.”), lo<br />
sitúa en un plano inusual <strong>de</strong> la poesía argentina, en parte comparable a la voz <strong>de</strong> Alejandra<br />
Pizarnik.<br />
Aldo Pellegrini, refiriéndose a la exposición <strong>de</strong> los dibujos <strong>de</strong> Bustos preparados para la<br />
edición <strong>de</strong> El Himalaya o la Moral <strong>de</strong> los Pájaros, ha sostenido que en este autor “la poesía<br />
tiene dos canales <strong>de</strong> expresión: el verbal y el visual. Ambos parten <strong>de</strong>l mismo centro, y sin<br />
embargo son expresiones distintas. Podría <strong>de</strong>cirse que son las dos caras, los dos aspectos <strong>de</strong><br />
ese centro <strong>de</strong> lo poético. Así lo verbal y lo visual no se superponen sino se completan. Por<br />
cada uno <strong>de</strong> esos canales el poeta transmite una parte <strong>de</strong> su verdad”. [32] En el momento <strong>de</strong><br />
su <strong>de</strong>saparición, el poeta se encontraba perturbado psíquicamente, lo cual agrava a niveles<br />
in<strong>de</strong>cibles este crimen <strong>de</strong> lesa humanidad.<br />
Admitir que la palabra <strong>de</strong> Bustos ocupa un lugar preeminente en la poesía argentina es<br />
sólo una primera etapa <strong>de</strong> su evaluación. Procedimientos posteriores <strong>de</strong>ben contemplar<br />
también el carácter fragmentario <strong>de</strong> una parte importante <strong>de</strong> su obra poética. Están<br />
presentes en ella los “proverbios” <strong>de</strong> William Blake, Novalis, Nietzsche, Lautréamont, pero<br />
también Antonio Porchia. Al igual que Pizarnik, el autor sintió la singular irradiación <strong>de</strong> las<br />
“voces” <strong>de</strong> Porchia, y también sus aforismos parecieran provenir <strong>de</strong> la época presocrática o<br />
<strong>de</strong> un tiempo in<strong>de</strong>terminado, en que el poeta habla <strong>de</strong> las paradojas esenciales que gravitan<br />
en los seres humanos. La obra <strong>de</strong> Miguel Angel Bustos permanece como una perla solitaria, a<br />
través <strong>de</strong> la cual su autor ha buscado un camino <strong>de</strong> salida <strong>de</strong>l laberinto. En lugar <strong>de</strong> seguir la<br />
recomendación que le hiciera Marechal (“<strong>de</strong> todo laberinto se sale por arriba”), el autor ha<br />
encontrado uno <strong>de</strong> los <strong>de</strong>stinos más trágicos <strong>de</strong> la poesía argentina <strong>de</strong> la segunda mitad <strong>de</strong>l<br />
siglo XX.<br />
LAS VOCES FEMENINAS Y EL INFLUJO SURREALISTA | Tres notables poetas realizaron un<br />
segmento <strong>de</strong> su escritura en los bor<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l surrealismo, y en <strong>de</strong>terminados momentos se<br />
vincularon estrechamente con algunos <strong>de</strong> sus miembros aunque en raras ocasiones tuvieron<br />
una participación manifiesta ya que en general siguieron un camino personal, sin las<br />
interferencias <strong>de</strong> grupo alguno. Las voces <strong>de</strong> Olga Orozco, Alejandra Pizarnik y Celia<br />
Gourinski, lindan con las más altas <strong>de</strong> nuestra lengua, al margen <strong>de</strong> todo encasillamiento.<br />
Olga Orozco (1920–1999) tuvo una más amplia proyección internacional y fue<br />
consi<strong>de</strong>rada una <strong>de</strong> las mayores voces femeninas <strong>de</strong> Hispanoamérica. Cuando un año antes<br />
<strong>de</strong> su muerte se le otorgara en México el premio Juan Rulfo se le estaba reconociendo esta<br />
dimensión. En 1939 comenzó su amistad con Oliverio Girondo y Norah Lange; al año<br />
siguiente colaboró en la revista Canto, inscribiéndose en la llamada Generación <strong>de</strong>l 40.<br />
Estrictamente, no pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cirse entonces que haya sido un miembro <strong>de</strong>l grupo surrealista<br />
argentino, pero su inclinación por ver la otra faz <strong>de</strong>l mundo, el uso <strong>de</strong> analogías<br />
contrastantes y la fascinación por los sueños, la lleva a ser consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> manera natural y,<br />
en el mejor sentido, una camarada <strong>de</strong> ruta. Relámpagos <strong>de</strong> lo invisible es el título <strong>de</strong>l libro en<br />
el que reunió una selección importante <strong>de</strong> su producción. Otro volumen, También la luz es<br />
un abismo, contiene sus últimos relatos. Travesías, firmado junto a Gloria Alcorta, da<br />
cuentas <strong>de</strong> un rico periplo en el que alcanzó a frecuentar y tener amistad con los escritores<br />
más relevantes <strong>de</strong> nuestro país. Pero su corazón estaba en Toay, en La Pampa, su lugar <strong>de</strong><br />
nacimiento. “La verda<strong>de</strong>ra patria <strong>de</strong>l hombre es su infancia” observó Rilke, llevando a un<br />
plano universal la sentencia <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire: “Mi patria es mi infancia”. En el caso <strong>de</strong> Olga<br />
79
Orozco es tan cierto que este solo hecho la preservó <strong>de</strong> cualquier acción colectiva. Y si los<br />
aspectos oníricos <strong>de</strong> su obra la vinculan con el surrealismo, la taumaturgia, la cartomancia,<br />
los vaticinios la condujeron a una exploración muy intensa <strong>de</strong> la realidad y <strong>de</strong> una<br />
construcción personal <strong>de</strong> ella.<br />
Ya <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su primer libro, Des<strong>de</strong> lejos están presentes muchos <strong>de</strong> los elementos que se<br />
encontrarán luego a lo largo <strong>de</strong> su obra. Entre 1946 y 1947, y en compañía <strong>de</strong> Enrique<br />
Molina, viaja a Bolivia y Chile en una suerte <strong>de</strong> itinerario literario, en el curso <strong>de</strong>l cual ambos<br />
poetas dan conferencias y charlas; comienzo <strong>de</strong> muchos viajes posteriores, como becaria o<br />
turista, pero siempre interesada en el estudio <strong>de</strong> “Lo oculto y lo sagrado en la poesía<br />
mo<strong>de</strong>rna”. [33] En Las muertes se acentúa el clima <strong>de</strong> su primer libro y cuando diez años<br />
más tar<strong>de</strong> obtiene el Primer Premio Municipal <strong>de</strong> Poesía por Los juegos peligrosos (1964),<br />
Alejandra Pizarnik escribió: “se trata <strong>de</strong> una aventura excepcional, <strong>de</strong> ‘juegos peligrosos’; se<br />
trata <strong>de</strong> comunicar la más alta nostalgia <strong>de</strong>l alma: aquella <strong>de</strong> la unidad <strong>de</strong>l paraíso perdido,<br />
<strong>de</strong> la ‘vida anterior’. Los hombres son múltiples: su nostalgia es una y es la misma”. [34] En<br />
1984, con La noche a la <strong>de</strong>riva publicado en México, recibe el Primer Premio Nacional <strong>de</strong><br />
Poesía. Posteriormente se conocieron En el revés <strong>de</strong>l cielo y Con esta boca, en este mundo.<br />
Enrique Molina dijo <strong>de</strong> ella:<br />
Su energía <strong>de</strong> pasión fusiona en un punto único el mundo interior, las cosas y “los otros”,<br />
realizando simbólicamente la presentida unidad <strong>de</strong>l mundo. Cada uno <strong>de</strong> sus poemas se<br />
<strong>de</strong>spliega como una constelación <strong>de</strong> todos los elementos, como un vínculo <strong>de</strong> todos los<br />
planos <strong>de</strong> la realidad, aunque resuene en ellos la misma pregunta infinita: “¿Quién soy? ¿Y<br />
dón<strong>de</strong>? ¿Y cuándo?”, y sean la expresión <strong>de</strong> una extrañeza esencial, que es sólo la evi<strong>de</strong>ncia<br />
<strong>de</strong> que “la tierra en algún lado está partida en dos”. Su poesía es la conciencia <strong>de</strong> esa<br />
fractura, inaceptable como la muerte, y al mismo tiempo, su solución, el ámbito en que<br />
toda antinomia <strong>de</strong>saparece. [35]<br />
En lo que respecta a (Flora) Alejandra Pizarnik (1936-1972), a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> mantener fuertes<br />
vínculos con ciertos poetas surrealistas <strong>de</strong> nuestro país, pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cirse, sin exceso, que<br />
muchos <strong>de</strong> sus textos se superponen y recortan sobre las estéticas y el “espíritu” <strong>de</strong>l<br />
surrealismo, sobre todo con alguno <strong>de</strong> ellos, como Artaud, pero nunca perteneció<br />
formalmente al movimiento. Pizarnik residió en París, entre 1960-1964, e integró el Comité<br />
<strong>de</strong> colaboradores extranjeros <strong>de</strong> la revista Les lettres nouvelles, fundada por Maurice Na<strong>de</strong>au<br />
en 1953. Esta estadía le posibilitó trabar amistad con importantes escritores<br />
hispanoamericanos y europeos, entre los que se pue<strong>de</strong> mencionar a Octavio Paz, Julio<br />
Cortazar y André Pieyre <strong>de</strong> Mandiargues. Sus primeros poemarios datan <strong>de</strong> la década <strong>de</strong>l<br />
cincuenta: La tierra más ajena, La última inocencia y Las aventuras perdidas. En la década<br />
siguiente aparece Arbol <strong>de</strong> Diana, en cuyo prólogo Octavio Paz sostiene: “El árbol <strong>de</strong> Diana<br />
refleja sus rayos y los reúne en un foco central llamado poema, que produce un calor<br />
luminoso capaz <strong>de</strong> quemar, fundir y hasta volatilizar a los incrédulos. Se recomienda esta<br />
prueba a los críticos literarios <strong>de</strong> nuestra lengua”. [36] Publica luego Los trabajos y las<br />
noches, Extracción <strong>de</strong> la piedra <strong>de</strong> la locura y Nombres y figuras; en el primer libro<br />
mencionado hay una frase <strong>de</strong>l poema “Adioses <strong>de</strong>l verano” que resume <strong>de</strong> manera ejemplar<br />
la estética <strong>de</strong> la muerte que vertebra su poesía: “Quisiera estar muerta y entrar también yo<br />
en un corazón ajeno.” Ya en 1971, la autora publica los poemarios El infierno musical y Los<br />
pequeños cantos (Caracas) y el libro <strong>de</strong> relatos titulado La con<strong>de</strong>sa sangrienta. En 1972, luego<br />
<strong>de</strong> un período <strong>de</strong> internación en una clínica psiquiátrica, se suicida. Póstumamente se<br />
publicaron varias antologías y se emprendió la edición <strong>de</strong> sus obras completas, incluida su<br />
correspon<strong>de</strong>ncia y sus diarios. En una <strong>de</strong> estas antologías, Semblanza (México, 1992), en el<br />
que se publican también fragmentos <strong>de</strong> su diario personal, Frank Graziano escribe en el<br />
prólogo: “El corpus literario <strong>de</strong> Pizarnik (intactas las implicaciones sensuales <strong>de</strong>l término)<br />
80
pue<strong>de</strong> ser llamado así ‘obra suicida’: una extensa, ritualista y estética nota <strong>de</strong> suicidio que<br />
ofrece cierta medida <strong>de</strong> protección y aislamiento contra la muerte a la que nombra”. [37]<br />
La ubicación <strong>de</strong> Pizarnik en la poesía argentina contemporánea ha ido adquiriendo<br />
lentamente un lugar privilegiado. La estrecha relación que mantuvo con Olga Orozco y<br />
Enrique Molina contribuyeron a remarcar en su poesía los rasgos <strong>de</strong> nocturna magia, que le<br />
permitieron intentar a<strong>de</strong>más el difícil tránsito a lo inefable. No sólo el suicidio y su<br />
confesada homosexualidad participaron en la confirmación <strong>de</strong> los pocos mitos actuales que<br />
posee nuestra literatura. Su <strong>de</strong>sgarrada voz, en la que se produce un cuestionamiento vital y<br />
metafísico <strong>de</strong> la propia i<strong>de</strong>ntidad, le permite dotar a los textos que escribe <strong>de</strong> una tonalidad<br />
sumamente particular en la poesía <strong>de</strong> nuestra lengua. La combinación <strong>de</strong> símbolos, <strong>de</strong> noche,<br />
<strong>de</strong> sexo y <strong>de</strong> terror, posibilitaron poemas que poseían y poseen un sello inconfundible.<br />
Celia Gourinski (1938) se relacionó <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muy joven con los surrealistas. En 1959 aparece<br />
su primer libro, Nervadura <strong>de</strong>l silencio (bajo el nombre <strong>de</strong> Celia G. Lesca). A propósito <strong>de</strong> su<br />
segundo texto, El regreso <strong>de</strong> Jonás, Aldo Pellegrini escribió: “La aparición <strong>de</strong> un libro como el<br />
<strong>de</strong> Celia Gourinski constituye un acontecimiento poco frecuente en un medio como el<br />
nuestro tan huérfano <strong>de</strong> poesía”. [38] Luego vendrían Tanatérotica, Acaso la Tierra e<br />
Instantes suicidas. Su libro Inocencia feroz le permitió restablecer la dimensión <strong>de</strong> su poesía<br />
<strong>de</strong>spués <strong>de</strong> un prolongado silencio. Y si es verdad que cierta poesía nos ofrece el sentido <strong>de</strong><br />
la transmutación y <strong>de</strong> la alquimia, tanto para su autor como para el lector, o incluso, más<br />
lejos aún, para gran parte <strong>de</strong> los textos que a ella se unen como a través <strong>de</strong> vasos<br />
comunicantes, en este último libro encontramos pruebas visibles <strong>de</strong> esa hipótesis. Esta<br />
poesía es un punto <strong>de</strong> inflexión entre “la inocencia feroz” anunciada hace ya décadas por<br />
Aldo Pellegrini, y la certeza con que construye su propio futuro. Certeza no <strong>de</strong> fórmulas<br />
matemáticas ni <strong>de</strong> <strong>de</strong>stellos emanados <strong>de</strong> la prospectiva, sino <strong>de</strong> aquella que proviene <strong>de</strong>l<br />
temblor <strong>de</strong> una hoja en el otoño ante la duda <strong>de</strong> su fin.<br />
Los poemas <strong>de</strong> estas tres autoras merecerían una honda reflexión acerca <strong>de</strong>l lugar que<br />
ellos ocupan en las últimas décadas <strong>de</strong> la poesía argentina realizada por mujeres. Ya se sabe<br />
que la producción artística, por lo general, carece <strong>de</strong> sexo. Pero el arte o la poesía no pue<strong>de</strong>n<br />
confundirse con los ángeles; ellos habitan en la provisoriedad <strong>de</strong> la tierra y en la<br />
magnificencia <strong>de</strong>l amor. En un aspecto y hacia el final <strong>de</strong> su vida, el surrealismo era para<br />
Enrique Molina, en relación a Celia Gourinski, la abolición <strong>de</strong> la distancia entre el amor por<br />
una mujer y la plenitud <strong>de</strong> la palabra. No sorpren<strong>de</strong> entonces que, <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> su muerte,<br />
pueda el lector a<strong>de</strong>ntrarse en los poemas <strong>de</strong> “inocencia feroz” a través <strong>de</strong> esta tajante<br />
<strong>de</strong>dicatoria: “A Enrique, / a nuestro amor en / el siempre”. Abolición, entonces, <strong>de</strong> la muerte,<br />
como lo quería Novalis o reinvindicación <strong>de</strong>l canto puro <strong>de</strong>l anochecer.<br />
Algo más <strong>de</strong> treinta poemas componen este libro precedido por un luminoso epígrafe <strong>de</strong><br />
Czeslaw Milosz: “Espejos en los que vi el color <strong>de</strong> mi boca / ¿Quién anda por ahí, quién <strong>de</strong> sí<br />
mismo / se extraña <strong>de</strong> nuevo?”. El amor que resuena en los textos no <strong>de</strong>ja ni por un instante<br />
<strong>de</strong> situarse en el centro <strong>de</strong> un estallido. La explosión <strong>de</strong> la alquimia parte <strong>de</strong> un principio <strong>de</strong><br />
continuidad, según el cual los seres se contaminan <strong>de</strong> una misma esencia, y en esta<br />
transformación ocurre la unión con todas las partículas <strong>de</strong>l universo. En el poema “Inocencia<br />
<strong>de</strong>spués”, Gourinski parte <strong>de</strong> una exaltación:<br />
Inocencia, no <strong>de</strong>sesperes en la culpa <strong>de</strong> los cuerpos marchitos<br />
Ellos nunca fueron elegantes, nunca un fulgor echó sobre ellos su hechizo<br />
Inocencia <strong>de</strong> bellas cruelda<strong>de</strong>s, acompáñame a recorrer lugares reservados a los dioses<br />
burlones, que juegan a <strong>de</strong>vorar toda ley inventada por sus vástagos [39]<br />
Versos más a<strong>de</strong>lante, don<strong>de</strong> se propicia un lapidario remate, la conclusión exuda el valor<br />
<strong>de</strong> la carne, “Puta mágica sagrada”. El amor no aparece disociado <strong>de</strong> aquello que le es más<br />
próximo a la mano, don<strong>de</strong> el gesto <strong>de</strong> aferrarse a alguien en el momento que prece<strong>de</strong> a la<br />
muerte, se conjuga con los cuerpos entrelazados en un esplendor. A manera <strong>de</strong> un círculo<br />
81
que se cierra, el amor, la transgresión, la muerte y la libertad han sido rasgos básicos <strong>de</strong> la<br />
poesía surrealista argentina, temas que -hay que admitirlo- atraviesan a toda la poesía lírica,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> el lejanísimo amor condusse noi ad una morte <strong>de</strong>l Canto V <strong>de</strong>l Infierno <strong>de</strong> Dante.<br />
CONCLUSIÓN | De un modo análogo al que se ha dicho que hay dos vanguardismos en<br />
América Latina, uno original, para nada ligado a las proposiciones vanguardistas europeas,<br />
<strong>de</strong>l cual serían ejemplos sobresalientes César Vallejo y Macedonio Fernán<strong>de</strong>z; se podría <strong>de</strong>cir<br />
algo parecido <strong>de</strong>l surrealismo <strong>de</strong>sarrollado en la Argentina; uno siguiendo sus propias<br />
pulsaciones y sus propios tiempos, y otro acor<strong>de</strong> con las aperturas que tuvieron lugar tanto<br />
en el or<strong>de</strong>n <strong>de</strong> la poesía como en el <strong>de</strong> una filosofía <strong>de</strong> vida, en Francia en particular y, en<br />
artes plásticas, también en los Estados Unidos. Estas adscripciones, que variaron en su<br />
énfasis, permiten pensar en la gravitación <strong>de</strong> lo que llamamos “surrealismo” sobre nuestra<br />
literatura, entendido éste como ruptura <strong>de</strong> esquemas mentales y aun retóricos.<br />
La proyección <strong>de</strong> estos autores no ha sido equivalente. Hay aquellos cuya obra pue<strong>de</strong><br />
verse como encapsulada, marginal y hasta secreta, sobre todo en autores como Latorre,<br />
Ceselli, Vasco y Madariaga; otros, han obtenido triunfos individuales <strong>de</strong> gran importancia<br />
pública y aun académica, como es el caso <strong>de</strong> Molina, Orozco y Pizarnik; por último, la<br />
irradiación <strong>de</strong> Pellegrini en la difusión <strong>de</strong> los surrealistas franceses y <strong>de</strong> otros poetas<br />
centrales, que fue superior, hasta ahora, a la impronta <strong>de</strong> su propia obra. Razonamiento, en<br />
fin, que podría aplicarse a la pintura: sus exponentes, Batlle Planas, Roberto Aizemberg,<br />
Víctor Chab y otros, han merecido reconocimientos importantes, pero no en virtud <strong>de</strong> sus<br />
manifiestos ni proclamas.<br />
Se podría <strong>de</strong>cir, en suma, que más allá <strong>de</strong> su <strong>de</strong>signación, las obras <strong>de</strong> varios <strong>de</strong> los<br />
protagonistas <strong>de</strong> esta aventura han logrado una presencia indudable en los registros<br />
literarios argentinos y, sin duda, han incidido en los modos <strong>de</strong> escritura <strong>de</strong> otros poetas a<br />
los que no se pue<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar como rupturistas. Línea sinuosa, difícil <strong>de</strong> establecer: habría<br />
que <strong>de</strong>tectar en cada poeta posterior o contemporáneo, como Edgar Bayley, Alberto Vanasco,<br />
Mario Trejo o Juan-Jacobo Bajarlía con sus Estereopoemas <strong>de</strong> la época <strong>de</strong> Arte Madí, los<br />
restos, trazas, lecciones que el surrealismo pudo haber impreso y <strong>de</strong>jado en sus poéticas.<br />
NOTAS<br />
1. Raúl Dorra, Los extremos <strong>de</strong>l lenguaje, México, Editorial <strong>de</strong> la UNAM, 1982.<br />
2. Aldo Pellegrini, Antología <strong>de</strong> la Poesía Surrealista, Buenos Aires, Fabril Editora, 1961, en su<br />
prólogo “La poesía surrealista”. Reeditado por Editorial Argonauta, Buenos Aires, 20<strong>06</strong>.<br />
3. Las relaciones <strong>de</strong> Huidobro con el surrealismo no han terminado <strong>de</strong> establecerse. Ver<br />
Waldo Rojas, “Sobre algunos acercamientos y prevenciones a la obra poética <strong>de</strong> Vicente<br />
Huidobro en lengua francesa”, en Vicente Huidobro, Obras poéticas en francés (Edición<br />
bilingue), Santiago <strong>de</strong> Chile, Editorial Universitaria, 1999.<br />
4. Y, sobre todo, Lunario sentimental, Buenos Aires, 1909; Madrid, Cátedra, 1988.<br />
Consi<strong>de</strong>rado prevanguardista, se suele emparentar esos poemas con la poesía <strong>de</strong>l<br />
simbolista Jules Lafforgue.<br />
5. Arnold Hauser, Historial social <strong>de</strong> la literatura y el arte, Madrid, Guadarrama, 1969.<br />
6. André Breton, Antología (1913-1966), México, Siglo XXI Editores, 1973.<br />
7. Aldo Pellegrini, op.cit.<br />
8. Este libro se volvió a reeditar por Argonauta en Barcelona en 1978 y 1986 y,<br />
recientemente, en Buenos Aires en 2007.<br />
9. Aldo Pellegrini, La valija <strong>de</strong> fuego (Poesía completa), compilación y notas <strong>de</strong> Mario<br />
Pellegrini, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 2001.<br />
10. Alfredo Veiravé, “La poesía: generación <strong>de</strong>l 40”, en Historia <strong>de</strong> la Literatura argentina,<br />
Vol.<strong>II</strong>I, Buenos Aires, Centro Editor <strong>de</strong> América Latina, 1968.<br />
11. Aldo Pellegrini, Antología <strong>de</strong> la Poesía Surrealista, op.cit.<br />
82
12. Ver Raúl Antelo, “Poesía hermética y surrealismo”, en El oficio se afirma, vol. 6 <strong>de</strong><br />
Historia crítica <strong>de</strong> la literatura argentina, Buenos Aires, Emecé, 2004.<br />
13. Aldo Pellegrini, “Oliverio Girondo”, en Antología, Buenos Aires, Editorial Argonauta,<br />
1989.<br />
14. Ver, en este volumen, Delfina Muschietti, “Oliverio Girondo y el giro <strong>de</strong> la tradición”.<br />
15. Aldo Pellegrini, “Oliverio Girondo”, op.cit.<br />
16. Mario Pellegrini, “Nota <strong>de</strong>l editor”, La valija <strong>de</strong> fuego, op. cit.<br />
17. Entrevista realizada por Javier Barreiro Cavestany y Fernando Lostaunau, en 1987,<br />
reproducida en “Surrealismo: poesía y libertad”, http:/www.poeticas.com.ar.<br />
18. Aldo Pellegrini, Escrito para nadie, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 1989.<br />
19. Aldo Pellegrini, La valija <strong>de</strong> fuego, op.cit.<br />
20. Enrique Molina, “El gran lujo”, en La valija <strong>de</strong> fuego, op. cit.<br />
21. Graciela <strong>de</strong> Sola, Proyecciones <strong>de</strong>l surrealismo en la literatura argentina, Buenos Aires,<br />
Ediciones <strong>Cultura</strong>les Argentinas, 1967.<br />
22. Miguel Espejo, “Enrique Molina: la resi<strong>de</strong>ncia fugitiva”, en Enrique Molina, Antología<br />
poética, Madrid, Visor, 1990.<br />
23. Guillermo Sucre, La máscara, la transparencia, Caracas, Monte Ávila, 1975.<br />
24. Olga Orozco/Gloria Alcorta, Travesías, Buenos Aires, Editorial Sudamericana, 1997.<br />
25. Juan Antonio Vasco, en País garza real, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 1997.<br />
26. Francisco Madariaga, Criollo <strong>de</strong>l Universo, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 1998.<br />
27. Raúl Gustavo Aguirre, Poesía Buenos Aires, 1954.<br />
28. Daniel Calmels, El Cristo rojo: cuerpo y escritura en la obra <strong>de</strong> Jacobo Fijman, Buenos<br />
Aires, Topía editorial, 1996. No existe ningún rastro <strong>de</strong> que Fijman o Girondo hayan<br />
tomado contacto con miembros <strong>de</strong>l surrealismo.<br />
29. Juan-Jacobo Bajarlía, Fijman, poeta entre dos vidas, Buenos Aires, Ediciones <strong>de</strong> la Flor,<br />
1992.<br />
30. Jacobo Fijman, Obra poética, Buenos Aires, La Torre Abolida, 1983.<br />
31. Roberto Juarroz, “Antonio Porchia o la profundidad recuperada”, México, Plural Nº 47,<br />
agosto <strong>de</strong> 1975.<br />
32. Aldo Pellegrini, en el catálogo <strong>de</strong> la exposición, Buenos Aires, 1970.<br />
33. Olga Orozco/Gloria Alcorta, op.cit.<br />
34. Alejandra Pizarnik, Semblanza, México, Fondo <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong> Económica, 1992.<br />
35. Enrique Molina, “La poesía <strong>de</strong> Olga Orozco”, en Páginas <strong>de</strong> Olga Orozco seleccionadas por<br />
la autora, Buenos Aires, Editorial Celtia, 1984.<br />
36. Octavio Paz, Árbol <strong>de</strong> Diana, Buenos Aires, Sur, 1962.<br />
37. Franz Graziano, en Semblanza, México, Fondo <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong> Económica, 1992.<br />
38. Aldo Pellegrini, prólogo a El regreso <strong>de</strong> Jonás, Buenos Aires, Rayuela, 1971.<br />
39. Celia Gourinski, Inocencia Feroz, Buenos Aires, Editorial Argonauta, 1999, con prólogo <strong>de</strong><br />
Miguel Espejo “La alquimia <strong>de</strong> la ferocidad”.<br />
Miguel Espejo (Argentina, 1948). Poeta y ensayista. Este ensayo es capítulo <strong>de</strong> Rupturas,<br />
volumen 7, dirigido por Celina Manzoni, <strong>de</strong> Historia crítica <strong>de</strong> la literatura argentina (2009).<br />
Contacto: miguel.espejo@speedy.com.ar. Página ilustrada con obras <strong>de</strong> Lucebert (Holanda),<br />
artista invitado <strong>de</strong> esta edición <strong>de</strong> ARC.<br />
83
THOMAS RAIN CROWE | Nan Watkins: Yvan Goll e<br />
a erva mágica da poesia<br />
Nan Watkins. Nascida e criada no Condado <strong>de</strong> Bucks, Pensilvânia,<br />
EUA, Nan Watkins é formada pelo Oberlin College e pela Universida<strong>de</strong><br />
Johns Hopkins, com estudos complementares na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Munique e na Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Viena. Seus interesses<br />
abrangem música, tradução literária e viagens. Teve textos publicados<br />
em diversos periódicos, inclusive o Asheville Poetry Review, o<br />
International Poetry Review, o Beloit Poetry Journal e o Shearsman (UK). Seu interesse em<br />
Yvan e Claire Goll levou ao ensaio "Twin Suns," publicado na França no catálogo da<br />
retrospectiva do 50º aniversário do trabalho <strong>de</strong> Yvan Goll, e às traduções dos poemas <strong>de</strong><br />
Claire Goll em 10,000 Dawns: Love Poems of Yvan & Claire Goll (White Pine Press, 2004).<br />
Seu diário <strong>de</strong> viagem East Toward Dawn: A Woman's Solo Journey Around the World foi<br />
publicado pela Seal Press in 2002. Nan vive e trabalha na Serra <strong>de</strong> Blue Ridge, Carolina do<br />
Norte, EUA. [TRC]<br />
TRC | Vamos começar pela inclusão, por Floriano Martins, do trabalho <strong>de</strong> Yvan Goll em<br />
sua antologia a ser publicada em breve sobre o Surrealismo Americano, e pela tradução por<br />
Márcio Simões do livro Fruit From Saturn, <strong>de</strong> Goll's, que irá publicar através <strong>de</strong> sua editora, a<br />
Sol Negro Edições. Sei que você manteve contato com os dois a respeito <strong>de</strong>sses projetos. O<br />
que po<strong>de</strong> nos dizer sobre as conversas que teve com Floriano e Márcio?<br />
NW | Gostei muito <strong>de</strong> trabalhar com Floriano Martins e Márcio Simões em seus esforços<br />
para expor algo do trabalho <strong>de</strong> Yvan Goll ao público brasileiro. Floriano pediu que eu<br />
escrevesse a introdução à obra <strong>de</strong> Goll para sua antologia. Embora Goll tivesse nascido em<br />
1891 na região contestada da Alsácia e recebido cidadania alemã quando jovem, suas raízes<br />
judaicas mais tar<strong>de</strong> lhe negaram essa cidadania e ele fugiu para os Estados Unidos em 1939,<br />
lá ficando até 1947. Durante o exílio, Goll adquiriu cidadania americana e, como tinha<br />
publicado seu próprio Manifesto Surrealista em outubro <strong>de</strong> 1924, no mesmo mês em que<br />
André Breton publicou o seu, a poesia surrealista <strong>de</strong> Goll se qualificava para uma antologia<br />
do surrealismo americano.<br />
Fiquei satisfeita em saber que Márcio estava traduzindo um dos livros <strong>de</strong> poesia <strong>de</strong> Goll,<br />
Fruit From Saturn, que escreveu em inglês e publicou em Nova Iorque, em 1946. É um<br />
trabalho tardio, escrito <strong>de</strong>pois que Goll soube que estava morrendo <strong>de</strong> leucemia. No livro, ele<br />
clama não apenas contra sua própria sentença <strong>de</strong> morte, mas também contra as bombas<br />
atômicas americanas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, ao mesmo tempo que mergulha<br />
nos mistérios esotéricos da Cabala e da astrologia. Escrevi um breve esboço biográfico sobre<br />
Goll para a tradução <strong>de</strong> Márcio, que também será publicada em breve.<br />
TRC | O que po<strong>de</strong> nos dizer a respeito <strong>de</strong> quem é Yvan Goll e do porquê <strong>de</strong> seu interesse<br />
para esses editores? Por que ele é <strong>de</strong> interesse aos brasileiros?<br />
NW | Yvan Goll, um dos maiores poetas líricos da primeira meta<strong>de</strong> do Séc. XX, escrevia<br />
tanto em francês quanto em alemão. Sua curiosida<strong>de</strong> insaciável e sua visão <strong>de</strong> mundo<br />
abrangente o levaram a investigar e participar tanto do expressionismo alemão quanto do<br />
surrealismo francês. Sua obra ampla e variada inclui poesia, teatro, romances, textos<br />
musicais e traduções.<br />
Embora Goll tenha passado a maior parte da vida na Europa – primeiro mudando-se para<br />
a Suíça ao irromper da Primeira Guerra Mundial, <strong>de</strong>pois vivendo e trabalhando em Berlim<br />
84
antes <strong>de</strong> se estabelecer em Paris – também <strong>de</strong>ixou sua marca no Novo Mundo, nas Américas.<br />
Sua visão global já era evi<strong>de</strong>nte em sua antologia <strong>de</strong> 1922, Cinq continents: Anthologie<br />
mondiale <strong>de</strong> poésie contemporaine par Ivan Goll.<br />
Com efeito, já no primeiro livro <strong>de</strong> poesia que Goll publicou, surgia o poema<br />
"Brasilianerin". Duas outras <strong>de</strong> suas primeiras publicações, que escreveu na casa dos vinte<br />
anos, eram uma tradução das cartas <strong>de</strong> Walt Whitman nos campos <strong>de</strong> batalha da Guerra Civil<br />
Americana e um poema ar<strong>de</strong>nte, "Der Panama-Kanal", que representava a maravilha<br />
industrial que era o Canal e as <strong>de</strong>sprezíveis condições dos operários durante sua construção.<br />
Goll também visitou Cuba no começo da década <strong>de</strong> 1940 e <strong>de</strong>ixou um ensaio, "Cuba,<br />
corbeille <strong>de</strong> fruits", e um poema, "Vénus Cubaine" publicados em Nova Iorque, em 1946.<br />
Outra ligação que po<strong>de</strong> interessar aos brasileiros é o fato <strong>de</strong> que a confi<strong>de</strong>nte e musa <strong>de</strong><br />
Goll por muitos anos, a poeta e pintora austríaca Paula Ludwig, <strong>de</strong>ixou a Europa <strong>de</strong>vastada<br />
pela guerra em 1940 e migrou para o Brasil, on<strong>de</strong> viveu e trabalhou entre os artistas <strong>de</strong> São<br />
Paulo e do Rio <strong>de</strong> Janeiro antes <strong>de</strong> retornar à Europa em 1953. Durante a guerra, ela e Goll se<br />
separaram e nunca mais se encontraram. Um dos maiores ciclos <strong>de</strong> poemas <strong>de</strong> amor que ele<br />
escreveu, Malaiische Liebeslie<strong>de</strong>r e Chansons malaises foi escrito para ela tanto em alemão<br />
quanto em francês.<br />
TRC | Sabemos que Goll teve influência sobre o movimento surrealista francês, mas ele<br />
foi muito mais do que isso. Po<strong>de</strong> nos contar o que a atraiu para Goll e seu trabalho e por que<br />
<strong>de</strong>dica tanto do seu tempo ao esforço <strong>de</strong> traduzir sua obra do Alemão para o inglês?<br />
NW | Acho que <strong>de</strong>ve ser, em parte, pelo menos, o fato <strong>de</strong> que a mente cosmopolita <strong>de</strong> Goll<br />
o levou a tantas abordagens diferentes sobre a arte e a vida, ao fato <strong>de</strong> que ele não foi<br />
reclamado e promovido por qualquer grupo específico. Com isso, seu trabalho ficou pouco<br />
conhecido, especialmente no mundo anglófono. On<strong>de</strong> quer que estivesse, sempre se<br />
movimentava entre os artistas e escritores do momento, pesquisando e contribuindo,<br />
recebendo conhecimento e dando o próprio em troca. Mas a vida e a obra <strong>de</strong> Goll são<br />
<strong>de</strong>sconhecidas do púbico contemporâneo. Quero ajudar a dar nova vida ao seu trabalho,<br />
especialmente além das fronteiras da Europa. Suas i<strong>de</strong>ias iluminadas me atraem.<br />
Começa assim o Manifesto Surrealista <strong>de</strong> Goll: "A realida<strong>de</strong> é a base <strong>de</strong> toda a arte <strong>de</strong><br />
monta. Sem ela não há vida, não há substância. Realida<strong>de</strong>: é o solo sob os nossos pés e o céu<br />
sobre as nossas cabeças". Durante a vida, Goll expandiu sua visão, que passou a abranger<br />
todo o cosmos, a questionar o ímpeto industrial <strong>de</strong>struindo o mundo natural, a registrar seu<br />
espírito nôma<strong>de</strong> e questionador nos ciclos poéticos Jean Sans Terre (“João Sem Terra”) Goll<br />
ficou do lado do povo, não dos exploradores do planeta e da humanida<strong>de</strong>.<br />
Seu pacifismo o levou a manifestar-se precocemente contra a guerra no Requiem für die<br />
Gefallenen von Europa. Sua peça satírica Methusalem (em alemão) é uma acusação contra o<br />
consumismo e a falsida<strong>de</strong> da vida burguesa. Sua Élegie <strong>de</strong> Lackawanna é um amoroso<br />
lamento pelas tribos indígenas americanas perdidas, que foram expulsas exatamente da<br />
terra on<strong>de</strong> vivia, no Brooklyn, Nova Iorque, em seu exílio durante a Segunda Guerra Mundial.<br />
TRC | A maioria dos tradutores tem uma certa maneira <strong>de</strong> abordar a tarefa <strong>de</strong> trazer um<br />
trabalho <strong>de</strong> uma língua para outra. Você tem alguma fórmula ou método para trabalhar em<br />
algum projeto – especialmente na tradução do livro Dreamweed, <strong>de</strong> Goll?<br />
NW: Dreamweed é uma obra-prima tardia <strong>de</strong> Goll. Depois do diagnóstico <strong>de</strong> leucemia<br />
incurável enquanto ainda vivia em Nova Iorque, ele começou a imaginar uma planta estranha<br />
que chamou <strong>de</strong> Traumkraut, ou Dreamweed (Erva-dos-sonhos). É significativo que ele a tenha<br />
imaginado em alemão e não em francês. Até ali, quando não podia mais publicar em alemão<br />
<strong>de</strong>pois da ascensão dos nazistas, publicava tudo em francês. Mas quando precisou enfrentar<br />
a i<strong>de</strong>ia da própria morte iminente, precisou expressar-se em alemão.<br />
85
Minha abordagem à tradução do alemão para os públicos anglófonos inglês e americano<br />
foi a <strong>de</strong> habitar o mais profundamente que pu<strong>de</strong> a língua alemã <strong>de</strong> Goll e o pensamento por<br />
trás <strong>de</strong> suas palavras. Meu objetivo era criar um poema em inglês que o próprio Goll pu<strong>de</strong>sse<br />
ter escrito. Isso parece ousado, mas não sei <strong>de</strong> que outra maneira me expressar. Ao mesmo<br />
tempo que procurava pelas palavras certas, estava procurando pelo espírito profundo, pela<br />
raiva, pelo <strong>de</strong>sespero, pela graça salvadora do amor que se fundiram para fazer dos poemas<br />
algo tão belo. Enquanto procura pela palavra certa, a tradutora precisa ir além das palavras e<br />
entrar no espírito da obra.<br />
But pink almond trees<br />
Grow from your heart<br />
And larks chirp in your raspberry eyes<br />
[Amendoeiras carmim<br />
No seu coração<br />
Cotovias em seus olhos framboesa]<br />
O todo <strong>de</strong> um poema <strong>de</strong> Goll é maior do que a soma <strong>de</strong> suas partes. Como Goll escolheu o<br />
alemão como ferramenta para esses poemas, procurei usar em inglês o máximo possível <strong>de</strong><br />
palavras germânicas, em vez das <strong>de</strong> origem latina.<br />
Dreamweed começa com poemas que tratam da agonia física que a doença fatal impõe a<br />
Goll. À medida que o livro avança, <strong>de</strong>sloca-se para memórias <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong><br />
sofrimento no Antigo Testamento, como nos poemas "Job" (Jó), e, finalmente, para o cosmos,<br />
como se, na pele <strong>de</strong> Jean Sans Terre, ele soubesse que todo o universo é seu território. O<br />
livro conduz o leitor em uma gran<strong>de</strong> jornada da realida<strong>de</strong> tangível terrena para a majesta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>spercebida da imaginação do poeta entre as estrelas.<br />
Beloved, your hanging lamp of mourning<br />
Beams to me through outer space<br />
Like the red<strong>de</strong>ned eyes<br />
Of <strong>de</strong>eply anguished stars<br />
[Amada, teu lustre <strong>de</strong> lamento<br />
Chega a mim vindo do espaço<br />
Olhos injetados<br />
De angústia das estrelas]<br />
TRC | Acho que os leitores da <strong>Agulha</strong> gostariam <strong>de</strong> saber algo dos acontecimentos<br />
importantes na vida <strong>de</strong> Goll referentes à criação dos poemas da coleção Dreamweed e por<br />
que ela é consi<strong>de</strong>rada tão especial no corpo geral da obra do autor.<br />
NW | Quando Goll e sua esposa <strong>de</strong>ixaram Nova Iorque e voltaram a Paris, em 1947, ele<br />
precisou suportar longos períodos <strong>de</strong> hospitalização para obter um remissão pelo menos<br />
temporária da leucemia. Durante essas internações, ele sentia muita dor e foi tratado com<br />
drogas. É <strong>de</strong> se imaginar que esse estado alterado tenha expandido sua visão enquanto ele<br />
rabiscava trechos <strong>de</strong> poemas em quaisquer papéis que pu<strong>de</strong>sse alcançar.<br />
Quando pô<strong>de</strong> retomar a vida em seus últimos anos, Goll permaneceu ativo, publicando e<br />
promovendo seu trabalho. Uns poucos meses antes <strong>de</strong> morrer, esteve numa conferência da<br />
PEN em Veneza e, a caminho <strong>de</strong> casa, em Paris, fez uma parada na famosa estação <strong>de</strong> rádio<br />
Beromünster, perto <strong>de</strong> Zurique, e gravou alguns dos poemas que escrevera recentemente.<br />
Anunciou, "Agora vou ler poemas <strong>de</strong> meu livro mais recente, ainda não publicado, Das<br />
Traumkraut." Isso foi no final <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1949. No começo <strong>de</strong> novembro, o jovem poeta<br />
Paul Celan visitou Goll em Paris e os dois travaram uma amiza<strong>de</strong> cordial. Quando Goll foi<br />
para o Hôpital Américain <strong>de</strong> Neuilly sur Seine, perto <strong>de</strong> Paris, em 13 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, Celan foi<br />
um dos muitos poetas e artistas que visitaram o hospital e ofereceram seu sangue para que<br />
o poeta moribundo pu<strong>de</strong>sse completar sua última obra. Foi um tributo significativo a alguém<br />
que trabalhara tanto durante a vida para promover o trabalho <strong>de</strong> outros. Sua esposa, Claire,<br />
estava com ele quando morreu, em 27 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1950. O túmulo <strong>de</strong> Goll fica em frente<br />
86
ao <strong>de</strong> Chopin no Cimetière du Père Lachaise, em Paris. Goll não chegou a ver a publicação <strong>de</strong><br />
Traumkraut, mas o livro saiu pela Limes Verlag, <strong>de</strong> Wiesba<strong>de</strong>n, Alemanha, em 1951.<br />
Ao longo dos anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a morte <strong>de</strong> Goll, poetas <strong>de</strong> todo o mundo <strong>de</strong>scobriram e<br />
reverenciaram os diversos poemas <strong>de</strong> Traumkraut, mas o livro como um todo nunca surgiu<br />
em inglês. Espero que a edição bilíngue publicada nos EUA em 2012 pela Black Lawrence<br />
Press permita que os poetas e todas as pessoas do mundo anglófono possam experimentar<br />
em primeira mão uma das obras primas <strong>de</strong> Goll.<br />
TRC | Olhando para a vida e obra <strong>de</strong> Goll, fica claro que era uma personagem<br />
internacional. Po<strong>de</strong> nos falar um pouco <strong>de</strong>sse aspecto <strong>de</strong> sua biografia e bibliografia?<br />
NW | Quando se lê a respeito do trabalho <strong>de</strong> outros artistas da primeira meta<strong>de</strong> do Séc.<br />
XX percebe-se que a vida <strong>de</strong> Goll entrelaçou-se com a <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>les. Ao publicar o próprio<br />
trabalho e o <strong>de</strong> outros poetas, tanto em Paris quanto em Nova Iorque, ele alistou muitos<br />
pintores para ilustrar os livros: Chagall, Tanguy, Dali, Picasso, Arp, Grosz, Delaunay. Chagall<br />
ilustrou diversos dos volumes <strong>de</strong> poemas <strong>de</strong> amor <strong>de</strong> Yvan e Claire, inclusive com oito<br />
<strong>de</strong>senhos para as edições originais em francês e alemão e para a tradução inglesa <strong>de</strong> 10,000<br />
Dawns: Love Poems of Yvan & Claire Goll, publicado nos EUA pela White Pine Press em 2004.<br />
Essas amiza<strong>de</strong>s íntimas com artistas perduraram por toda a sua vida.<br />
Goll procurou novos originais enquanto trabalhava para a editora suíça Rhein Verlag;<br />
entre eles estava a primeira tradução para o alemão <strong>de</strong> Ulysses <strong>de</strong> James Joyce (por George<br />
Goyert). Durante esse período, Goll trabalhou com Joyce e Samuel Beckett para traduzir para<br />
o francês parte do capítulo Anna Livia Plurabelle, <strong>de</strong> Finnegans Wake. Entre as outras<br />
traduções <strong>de</strong> Goll do alemão para o francês está a do romance <strong>de</strong> Stefan Zweig, Le Brésil,<br />
terre d'avenir (Brasil, País do Futuro). Enquanto vivia em Nova Iorque, trabalhou e formou<br />
amiza<strong>de</strong> com muitos poetas e escritores americanos, como William Carlos Williams, Henry<br />
Miller, Kenneth Patchen e Philip Lamantia, cujo trabalho apareceu na revista Hemispheres, <strong>de</strong><br />
Goll.<br />
Seria necessária toda uma vida para digerir tudo o que Goll escreveu e para seguir sua<br />
ágil carreira como o poeta João Sem-terra ao redor do planeta. Que o trabalho que Floriano<br />
Martins e Márcio Simões e nós mesmos estamos fazendo para traduzir e publicar o trabalho<br />
<strong>de</strong> Goll inspire por muitos anos novas gerações <strong>de</strong> todo o mundo. Vamos encerrar a<br />
entrevista ce<strong>de</strong>ndo a última palavra a Yvan Goll. Eis um poema <strong>de</strong> amor que escreveu para<br />
sua mulher um mês antes <strong>de</strong> morrer:<br />
Did I pluck you in the gar<strong>de</strong>ns of Ephesus<br />
The curly hair of your carnations<br />
The evening bouquet of your hands?<br />
Did I fish for you in the lakes of dream?<br />
An angler on your meadows’ shores<br />
I threw you my heart for food<br />
Did I find you in the dryness of the <strong>de</strong>sert?<br />
You were my last tree<br />
You were the last fruit of my soul<br />
Now I am wrapped in your sleep<br />
Bed<strong>de</strong>d <strong>de</strong>ep in your repose<br />
Like the almond in its night-brown shell<br />
[Terei te visto nos jardins do Éfeso<br />
Os caracóis das tuas flores<br />
O buquê noturno das mãos?<br />
Terei te pescado em lagos <strong>de</strong> sonhos?<br />
Nos teus prados lançado o anzol<br />
Meu coração foi tua isca<br />
Encontrei-te na secura do <strong>de</strong>serto?<br />
Tu, última árvore<br />
Fruto final da minha alma<br />
Estou envolvo em teu sono<br />
No leito do teu repouso<br />
Como a amêndoa em sua casca escura]<br />
87
Thomas Rain Crowe (U.S., 1949). Poet, translator and editor in chief of New Native Press:<br />
www.newnativepress.com. In the 70s of last century was the director of the International<br />
Poetry Festival in San Francisco and of the magazine Beatitu<strong>de</strong>. Author of books like Water<br />
From The Moon (1995), The Laugharne Poems (1997), and Poems From Zoro’s Field (2005).<br />
Currently organizes together with Floriano Martins, an anthology of poets living in the<br />
United States, to La Cabra Ediciones, Mexico. Contact: newnativepress@hotmail.com. Page<br />
illustrated with works by Lucebert (Netherland), guest artist this issue of ARC.<br />
88
WLADIMIR SALDANHA | Duas vezes Lêdo Ivo<br />
1. QUANDO O MORMAÇO AVANÇA: A MORTE SOLAR <strong>DE</strong> LÊDO IVO |<br />
Com Mormaço, ainda inédito no Brasil, fecha-se o conjunto da obra <strong>de</strong><br />
Lêdo Ivo (1924-2012), conjunto até então in<strong>de</strong>finidamente aberto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que, em 1944, um jovem alagoano, recém-chegado ao Rio <strong>de</strong> Janeiro para<br />
estudar Direito, publicara As imaginações, a que logo se seguiram dois<br />
romances, alguns ensaios e mais sete livros <strong>de</strong> poesia, até o final da<br />
mesma década. Aos poucos, o pai, o advogado Floriano Ivo, que <strong>de</strong> Maceió lhe pedia por<br />
carta notícias sobre recursos interpostos nos tribunais superiores (então com se<strong>de</strong>s no Rio),<br />
ia se acostumando ao caminho abraçado pelo filho poeta, embora às vezes com certo<br />
<strong>de</strong>sagradado, por saber pelos jornais ou por terceiros dos lançamentos, dada a <strong>de</strong>mora dos<br />
correios.<br />
Sessenta anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> As imaginações, ao lançar a sua Poesia Completa, em 2004, Lêdo<br />
Ivo ainda publicaria Réquiem (poesia), O ajudante <strong>de</strong> mentiroso (ensaio), E agora a<strong>de</strong>us<br />
(correspondência passiva), O vento do mar (seleta <strong>de</strong> prosa e poesia) e Alagoa australis<br />
(seleta <strong>de</strong> poesia com temas alagoanos), traindo reiteradamente o título do alentado volume<br />
<strong>de</strong> quase 1.100 páginas, o que apenas confirma os versos <strong>de</strong>dicados ao pai, em Justificação<br />
do poeta, poema do livro primeiro: “Pai, meus pensamentos não cabem na tua sala com<br />
piano tranquilo a um lado e escuras ca<strong>de</strong>iras vazias perto da janela”. E por causa <strong>de</strong> coisas<br />
<strong>de</strong>sse tipo, Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda diria que aquele jovem era um poeta “<strong>de</strong> versos<br />
longos e nome curto”, em uma geração <strong>de</strong> “nomes longos e versos curtos”.<br />
Péricles Eugênio da Silva Ramos, Domingos Carvalho da Silva, Fernando Ferreira <strong>de</strong><br />
Loanda e o mais famoso <strong>de</strong> todos – João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto, a que parte da crítica nega<br />
sistematicamente o pertencimento à Geração <strong>de</strong> 45 −, seriam alguns <strong>de</strong>sses “nomes longos”<br />
afeitos a uma poética <strong>de</strong> concisão e clareza, quadro que oferecia ao crítico o bem humorado<br />
paradoxo. Quanto a Lêdo Ivo, em 1954 já surpreendia Sérgio Milliet, uma das vozes mais<br />
prescritivas <strong>de</strong> então, mas que, diante da coletânea intitulada Um brasileiro em Paris, iria<br />
elogiar “a forma con<strong>de</strong>nsada e fortemente sugestiva do livro”, acrescendo, em tom <strong>de</strong> mea<br />
culpa: “percebo que na verda<strong>de</strong> esse homem é múltiplo e há que esperar <strong>de</strong>le muitas<br />
renovações como a atual”.<br />
A multiplicida<strong>de</strong>, uma das seis propostas <strong>de</strong> Ítalo Calvino para o milênio que já foi<br />
próximo e é atual, parece ter sido a gran<strong>de</strong> marca da ativida<strong>de</strong> literária <strong>de</strong> Lêdo Ivo, cujos<br />
“versos longos”, mais abundantes nos primeiros <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> escrita, continuariam<br />
ocorrentes, porém convivendo com formas curtas, medidas ou não, do sonetilho ao haicai, e<br />
até os aforismos espalhados em obras <strong>de</strong> enquadramento difícil (memorialismo? ensaísmo?),<br />
como O aluno relapso e Confissões <strong>de</strong> um poeta.<br />
É essa varieda<strong>de</strong> formal que se vê em seu último volume <strong>de</strong> poesia, Mormaço, até o<br />
momento publicado apenas na Espanha, aon<strong>de</strong> Lêdo Ivo ia com frequência nos últimos anos,<br />
conhecendo ali uma recepção literária mais intensa e entusiasmada que no Brasil do tal<br />
milênio. Em solo espanhol o poeta partiu para o <strong>de</strong>sconhecido, <strong>de</strong>ixando inacabada a última<br />
viagem, o que talvez agradasse (ou agra<strong>de</strong>) à sua consciência, já que celebra a incompletu<strong>de</strong><br />
no primeiro poema <strong>de</strong> Mormaço (esta e as <strong>de</strong>mais citações <strong>de</strong> poemas foram colhidas na edição<br />
espanhola: Vaso Roto Ediciones, 2011):<br />
O DIA INACABADO<br />
Como todos os homens, sou inacabado.<br />
Jamais termino <strong>de</strong> ser.<br />
Após a noite breve um longo amanhecer<br />
me <strong>de</strong>tém no umbral do dia.<br />
89
Perco o que ganho no sonho e no <strong>de</strong>sejo<br />
quando a mim mesmo me acrescento.<br />
Toda vez que me somo, subtraio-me,<br />
uma porção levada pelo vento.<br />
Incompleto no dia inacabado,<br />
livre <strong>de</strong> ser ainda como e quando,<br />
sigo a marcha das plantas e das estrelas.<br />
E o que me falta e sobra é o meu contentamento.<br />
Não temos mais o poeta que buscava impactar o leitor com uma imagem non sense, como<br />
faz em Linguagem, obra <strong>de</strong> 1951, cujo primeiro verso <strong>de</strong>clara: “Minha vida é uma janela<br />
aberta sobre a Ásia”. Entretanto, a janela continuaria aberta, acessível a múltiplas formas e<br />
possibilida<strong>de</strong>s criativas: Mormaço reúne verso livre e medido, curto e longo, e ao mesmo<br />
tempo confirma a persona viajante do autor e seu apego ao imaginário da terra natal<br />
alagoana.<br />
Esse último tópico, aliás, respon<strong>de</strong> pelo título. Mormaço é o clima acachapante, <strong>de</strong> calor<br />
intenso e sem vento: a canícula tão comum em cida<strong>de</strong>s nor<strong>de</strong>stinas, Maceió inclusive. E não é<br />
a primeira vez que o poeta tira partido do signo: mormaço é palavra que já compunha o<br />
vocabulário poético <strong>de</strong> Lêdo Ivo, aparecendo em obras anteriores, como é o caso da “leve<br />
mortalha <strong>de</strong> mormaço e salsugem” que, “do nascimento à morte”, recobre os nascidos em<br />
Maceió (poema Planta <strong>de</strong> Maceió, <strong>de</strong> Finisterra).<br />
Deslocado, porém, para título <strong>de</strong> um livro, a palavra ganha em potencial <strong>de</strong> significação.<br />
Diante <strong>de</strong> um poema em que se louva o silêncio <strong>de</strong> um rádio com as pilhas gastas, embora o<br />
poeta não reproduza a ambiência da palavra-título, um pequeno trecho <strong>de</strong> verso – “O sol é<br />
silencioso e nos ilumina” – parece lembrar ao leitor que estamos diante <strong>de</strong> uma atmosfera<br />
radiosa (com o perdão do trocadilho).<br />
Além da luminosida<strong>de</strong>, o título po<strong>de</strong> sugerir o momento estático <strong>de</strong> parada, o “ponto<br />
morto” ou mesmo o ponto final. Hoje sabemos que Lêdo Ivo tinha saú<strong>de</strong> frágil – embora sua<br />
vitalida<strong>de</strong> faça a informação soar como uma mentira, ou justificativa para a morte <strong>de</strong> quem,<br />
aos 88 anos, dividia seu “tempo livre” em palestras, viagens <strong>de</strong>ntro e fora do Brasil,<br />
colaborações em reedições alheias (como o posfácio sobre Jorge Amado em Navegação <strong>de</strong><br />
cabotagem, comemorando o centenário). Mas, possivelmente o autor contava que Mormaço<br />
iria ser o seu último rebento, embora se afirmasse sempre incompleto e inacabado, com isso<br />
estabelecendo uma tensão criativa − para o leitor, sobretudo, que <strong>de</strong>verá consi<strong>de</strong>rar o título<br />
da obra prece<strong>de</strong>nte, O vento do mar, como outro termo simbólico, o último sopro da<br />
mobilida<strong>de</strong>. Em um poema forte e cálido (na dupla acepção <strong>de</strong> quente e terno), Lêdo Ivo traça<br />
o paralelo entre o mormaço e a morte:<br />
O CORAÇÃO PRESUNÇOSO<br />
De nada adianta<br />
negar a verda<strong>de</strong>.<br />
Não temos passagem<br />
para a eternida<strong>de</strong>.<br />
O mormaço avança<br />
e envolve a cida<strong>de</strong>.<br />
Tudo é provisório.<br />
Nada é realida<strong>de</strong>.<br />
Estamos no escuro<br />
como no cinema.<br />
90
Coração impuro,<br />
qual o teu problema?<br />
Queres ser eterno.<br />
Como és presunçoso!<br />
Além das estrelas<br />
não há nenhum pouso.<br />
O ritmo binário, mas sem marcação rigorosa, provoca uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>sencontro entre o<br />
tema e sua formulação. Quem é esse “eu” que se acerca do próprio coração e <strong>de</strong> sua vanitas<br />
diante da morte, como um pai diante do berço? É um Lêdo Ivo que atingira a simplicida<strong>de</strong>,<br />
em que os recursos expressivos <strong>de</strong> tal modo se encontravam incorporados à sua dicção que<br />
nada mais parecia artificioso, forçado. E então o <strong>de</strong>sencontro se converte em encontro, o<br />
momento máximo <strong>de</strong> possível aceitação <strong>de</strong> nossa condição provisória, <strong>de</strong>masiado humana.<br />
Não há grito nem <strong>de</strong>sespero, e mesmo em uma balada em que glosa D. João <strong>de</strong> Menezes, o<br />
glosador parece <strong>de</strong>leitar-se em não <strong>de</strong>sesperar:<br />
Desespero mais houvera<br />
eu não <strong>de</strong>sesperaria.<br />
Desesperar é querer<br />
pois quem <strong>de</strong>sespera espera<br />
antes que se ponha o dia<br />
<strong>de</strong> duas águas beber.<br />
São águas da mesma fonte<br />
paridas no mesmo monte:<br />
a água clara da alegria<br />
e a água salobra da mágoa<br />
que, <strong>de</strong> amarga, sabe a lágrima.<br />
O conhecimento do final perpassa Mormaço, mas não conduz o poeta a nenhum<br />
paroxismo. Seu memento mori é quase sempre sereno e não raro bem humorado. Alheio “à<br />
vida que po<strong>de</strong>ria ter sido e não foi”, o velho Lêdo Ivo, com sua vida que sempre foi e ainda<br />
era, apurava o ouvido e captava em novo diapasão o que pu<strong>de</strong>sse haver <strong>de</strong> lírico no<br />
<strong>de</strong>senlace. Em um dos poemas mais tocantes, a consciência da morte é como um<br />
“estremecimento”, como “algo quase inaudível, rumor brando/ <strong>de</strong> granizo durante a<br />
madrugada/ ou graveto caído <strong>de</strong> uma árvore”:<br />
Era um sopro fremente, uma passagem<br />
<strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> sombra e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />
Era o pouso no chão <strong>de</strong> um passarinho,<br />
o rastejar <strong>de</strong> um bicho na floresta,<br />
um ninho <strong>de</strong>rrubado pelo vento,<br />
um passo tenebroso no caminho?<br />
Eu não sei se era a vida que partia<br />
ou a morte que chegava <strong>de</strong> mansinho.<br />
Em outros momentos, porém, prevalece o Lêdo Ivo sarcástico, aquele que não hesita em<br />
escarnecer da própria morte. Esta é a “puta sôfrega” que “não respeita a nossa privacida<strong>de</strong>”,<br />
como escreve em A ronda da morte. E, diante <strong>de</strong>ssa dama a ser ultrajada, alguns temas da<br />
vida literária fornecem o mote para as <strong>de</strong>liciosas especulações <strong>de</strong> O poeta e o professor ou<br />
para as advertências <strong>de</strong> Conselho a um velho poeta: no primeiro, o poeta rebate as profecias<br />
<strong>de</strong> um professor-crítico que insiste em lhe negar sobrevivência; no segundo, aconselha seu<br />
91
duplo a <strong>de</strong>spojar-se <strong>de</strong> todos os arquivos (o que <strong>de</strong> certo modo fizera o próprio Lêdo Ivo, ao<br />
doar em vida seu acervo ao Instituto Moreira Salles, no Rio, e ao Memorial que leva seu<br />
nome, em Maceió).<br />
Interessante, nesse ponto, ressaltar a coerência criativa <strong>de</strong> Mormaço, pois o livro não é<br />
um mero amontoado <strong>de</strong> poemas escritos profusamente, como um a<strong>de</strong>us espalhafatoso, <strong>de</strong><br />
quem procura assegurar-se do aceno. O próprio signo “mormaço”, quando não está<br />
diretamente relacionado ao ambiente dos poemas, à sugestão <strong>de</strong> morte que domina o livro,<br />
ocorre discretamente, como quando o poeta replica ao professor:<br />
Tua rubrica é futrica.<br />
Teus <strong>de</strong>cretos prematuros<br />
são erros crassos,<br />
falácias que o futuro<br />
e o mormaço<br />
mudarão em fumaça.<br />
A sonorida<strong>de</strong> áspera – “aço” – é uma constante reaproveitada. É por ela que o poeta, em<br />
vários momentos <strong>de</strong>sse livro magno, procura comunicar ao leitor a sensação <strong>de</strong>sagradável<br />
<strong>de</strong>sse zênite, não <strong>de</strong> todo alheio ao medo, embora vivido sem fuga ou lamentações.<br />
Aproximando-o <strong>de</strong> substantivos como “calçada” ou formas verbais como “faço-te” (nos<br />
poemas Os passos na calçada e Decerto ou talvez), Lêdo Ivo faz rebrilhar o que era palavra<br />
perdida, moeda azinhavrada nos dicionários ou na oralida<strong>de</strong>.<br />
Como imagem, em sua potência visual, o mormaço lediano é um signo <strong>de</strong> clareza<br />
mórbida. O poeta divaga sobre praças vazias (em Os sinos <strong>de</strong> Maceió) e assassinados pela<br />
violência endêmica em sua terra natal (no perfeito Alameda), violência que, já <strong>de</strong>nunciada<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o romance “Ninho <strong>de</strong> cobras”, da década <strong>de</strong> 1970, até hoje atualíssima: no último<br />
censo, a capital alagoana permanece em <strong>de</strong>staque nos infográficos <strong>de</strong> homicídios. Clara,<br />
solar, diurna e até celebratória – “Tudo é sol, tudo é sol”, como exclama em “Regresso a<br />
Jaraguá” – a morte, para o Lêdo Ivo final, não encontrou nos signos usuais da convenção<br />
literária – escuridão, treva, sombras – o seu correlato imagístico. O que nos faz lembrar um<br />
soneto da 1951, intitulado “Da comparsaria”: “A mão da morte pousa no meu ombro/ on<strong>de</strong><br />
uma cicatriz <strong>de</strong> luz transborda./ E eu, que sou transitório, vivo o assombro/da rotina do<br />
eterno que me aborda.” Agora, com seu Mormaço, a “cicatriz <strong>de</strong> luz” voltava a transbordar<br />
em Lêdo Ivo:<br />
Sempre caminhei<br />
entre luzes e sombras<br />
e agora a clarida<strong>de</strong><br />
do mundo me assusta.<br />
E uma mão invisível<br />
<strong>de</strong> Deus? <strong>de</strong> mim? dos homens?<br />
pousa no meu ombro<br />
junto ao mar dourado.<br />
Foi essa mão invisível e solar que pousou no ombro do poeta na Espanha, às vésperas do<br />
Natal <strong>de</strong> 2012, quando ainda fazia planos − conforme soubemos pelas entrevistas <strong>de</strong> seu<br />
filho Gonçalo − <strong>de</strong> cruzar a pé uma ponte sobre o Guadalquivir. A nós, brasileiros, resta<br />
aguardarmos que a poesia seja repatriada e a viagem se complete.<br />
2. <strong>DE</strong> JANTARES, FACAS E TAÇAS: UM ANTIEPITÁFIO PARA LÊDO IVO | A literatura<br />
brasileira é suficientemente vacinada contra os males do excesso. João Cabral ridicularizou o<br />
estilo <strong>de</strong> “janta abaianada”, reunindo no mesmo prato sujo <strong>de</strong> azeite o retórico Rui Barbosa e<br />
92
o oralizante (e a seu modo retórico) Jorge Amado. O poema se chama “Graciliano Ramos” –<br />
isso mesmo, se chama, tamanha a i<strong>de</strong>ntificação com o autor <strong>de</strong> Angústia, que aliás <strong>de</strong>testava<br />
esse livro, por lhe parecerem excessivas as divagações <strong>de</strong> Luís da Silva. E levando-se em<br />
conta que Machado <strong>de</strong> Assis, com seus capítulos curtos e estética fragmentária, é o<br />
responsável pela gran<strong>de</strong> revolução realista no século XIX, o corte operado na produção<br />
anterior – <strong>de</strong> que Alencar é o maior exemplo −, será também uma ruptura estilística, não<br />
apenas temática ou <strong>de</strong> concepção literária. No século XX, a “poética do menos” – na feliz<br />
expressão <strong>de</strong> Antonio Carlos Secchin sobre João Cabral − seria abraçada com furor também<br />
por autores que, conjugando a literatura ao jornalismo ou à publicida<strong>de</strong>, entronizariam a<br />
estética do pouco, à la Hemingway, cabendo lembrar, aleatoriamente e apenas como<br />
exemplo, dos melhores momentos <strong>de</strong> Fernando Sabino – porque, <strong>de</strong> Uma faca só lâmina à<br />
sua Faca <strong>de</strong> dois gumes a distância po<strong>de</strong> ser um fio.<br />
Nesse quadro, fica mais difícil enten<strong>de</strong>r a existência <strong>de</strong> Lêdo Ivo, que exerceu o<br />
jornalismo durante anos, embora advogado <strong>de</strong> formação (como, aliás, a maioria dos<br />
escritores <strong>de</strong> seu tempo). Mas o laconismo do lead e a obsessão pela comunicabilida<strong>de</strong> não<br />
seduziram o autor <strong>de</strong> Ninho <strong>de</strong> cobras, romance com que ganharia, na década <strong>de</strong> 1970, o<br />
Prêmio Walmap, o mais vultoso da época, após ter sido rejeitado por duas editoras. A obra é<br />
a consagração da estilística do excesso: embora seja relativamente pequena, os parágrafos<br />
são longos, e o narrador <strong>de</strong>monstra especial prazer nas enumerações caóticas, recurso<br />
largamente utilizado pelo Lêdo Ivo poeta (veja-se, por exemplo, a O<strong>de</strong> ao crepúsculo). O<br />
subtítulo <strong>de</strong> “história mal contada”, aliás, tem relação com esse parentesco entre a prosa e<br />
poesia em Lêdo Ivo, que amava a arte <strong>de</strong> Raul Pompeia e Walmir Ayala, os representantes<br />
máximos daquilo que, em seus ensaios, chamava <strong>de</strong> “romance poemático”.<br />
Des<strong>de</strong> logo confrontado com uma crítica que parecia ecoar os mesmos pressupostos<br />
estéticos <strong>de</strong> sua geração − pelo menos no que tocava aos imperativos <strong>de</strong> concisão e clareza<br />
−, Lêdo Ivo se viu ante o dilema <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r a vozes como Álvaro Lins, Sérgio Milliet e Sérgio<br />
Buarque <strong>de</strong> Holanda, ou perseverar escrevendo prolificamente (em vários gêneros e <strong>de</strong> vários<br />
modos), e pagar o preço <strong>de</strong> sua diferença. Optou pelo segundo caminho, se é que isso é um<br />
ato <strong>de</strong>liberado – seguir o próprio rumo, afirmar aquilo que o ensaísta A. Alvarez chama <strong>de</strong> “a<br />
voz do escritor”. Mas a malfadada Geração <strong>de</strong> 45 seria uma sombra a rondar Lêdo Ivo<br />
durante toda a vida, sombra <strong>de</strong> recepção literária que, todavia, não po<strong>de</strong>mos enxotar no<br />
espaço <strong>de</strong> um artigo.<br />
Mais proveitoso, diante das dimensões oceânicas <strong>de</strong> sua obra, agora finalmente concluída<br />
com a morte do autor – ao morrer na Espanha, às vésperas do Natal <strong>de</strong> 2012, o poeta já<br />
havia acrescentado mais cinco títulos à sua bibliografia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a publicação, em 2004, da<br />
Poesia Completa –, pois mais proveitoso, dizíamos, é enumerar algumas linhas mestras, ou<br />
portas <strong>de</strong> entrada para quem tenha a curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciar ou aprofundar o conhecimento<br />
da obra lediana.<br />
O caminho mais óbvio, claro está, é o da poesia, e então o leitor terá que afeiçoar-se a um<br />
discurso poético às vezes contraditório consigo mesmo, a uma lógica <strong>de</strong> palinódia constante.<br />
Um traço contínuo, po<strong>de</strong>-se dizer, é a pactuação do poeta com a matéria, o que, todavia, não<br />
implica materialismo: ao falar <strong>de</strong> água e fogo, vento e terra, aí também espreita Deus, pois<br />
este foi o rumo que tomou particularmente sua inquietação metafísica. Há um gnosticismo<br />
em Lêdo Ivo, ainda inexplorado e rico <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s, mas também há o poeta do<br />
cotidiano e o sarcástico, jamais alinhado à representação apiedada e pequeno-burguesa dos<br />
pobres: uma voz que não se intimidava em expor a rejeição, e que exigia do leitor posição<br />
crítica ou caritativa que nos acostumamos a querer apenas no papel (ou na tela, o que dá no<br />
mesmo).<br />
Aos leitores preferenciais <strong>de</strong> prosa: há que conhecer o Lêdo Ivo ficcionista, mais<br />
divulgado pelo já referido Ninho <strong>de</strong> cobras, mas também autor <strong>de</strong> um instigante A morte do<br />
Brasil, que <strong>de</strong> certo modo continua o primeiro em nova perspectiva. Nessas obras, a que um<br />
paladar menos exigente também ajuntaria realizações da juventu<strong>de</strong> – O caminho sem<br />
93
aventura e As alianças –, tem-se uma das gran<strong>de</strong>s temáticas ledianas, a errância, pois o mote<br />
<strong>de</strong> todos é o partir ou ficar no lugar <strong>de</strong> nascimento. A narrativa curta, conto ou crônica,<br />
também segue o mesmo rumo do “romance poemático”, e Lêdo Ivo terá escrito pelo menos<br />
um conto antológico, A resposta: o tema são as sugestões <strong>de</strong> um nome próprio (“Serafim<br />
Costa”) na memória <strong>de</strong> um jovem, que mais tar<strong>de</strong> baralha impressões e sensações, e revive<br />
aquela primeira percepção <strong>de</strong>slumbrada, como em uma espécie <strong>de</strong> arqueologia da relação<br />
homem-palavra.<br />
Finalmente, a quem abusar <strong>de</strong>sses temas ou <strong>de</strong> suas formulações, resta o ensaísta, pois<br />
nos textos <strong>de</strong> livros como A ética da aventura ou do mais recente O ajudante <strong>de</strong> mentiroso<br />
encontramos aquela joia rara (cada vez mais rara) do ensaísmo não acadêmico, on<strong>de</strong> talvez<br />
se ofereça o Lêdo Ivo mais inteiro: paixão irrefreada pela leitura, reflexão provocativa e o<br />
olhar certeiro <strong>de</strong> quem sabe colher em uma obra clássica o dado menos óbvio, porém<br />
relevante, como o <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> José Dias na trama <strong>de</strong> Dom Casmurro. Será também nos<br />
ensaios que Lêdo Ivo insistirá na valorização da literatura assim chamada infanto-juvenil, e<br />
banida das histórias literárias como menor, ou mero “entretenimento”: a partir <strong>de</strong> suas<br />
memórias <strong>de</strong> leitor menino, da Coleção Terramarear, questiona o lugar <strong>de</strong> autores<br />
esquecidos, como o Emílio Salgari das histórias <strong>de</strong> marinheiros.<br />
Uma pausa: ao escrever este artigo, e evocar o Lêdo Ivo ensaísta, dou-me conta do quanto<br />
havia ali <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrutor, embora esta palavra, aportada pelo pós-estruturalismo em nossa<br />
crítica atual, seja utilizada apenas para alguns autores e obras, como se houvesse um selo <strong>de</strong><br />
origem controlada, impedindo a leitura indistinta e libertária. E me pergunto mesmo se as<br />
críticas feitas a essa corrente, que hoje domina nosso pensamento crítico, não se ressentem<br />
do mesmo vezo, isto é, <strong>de</strong> não se procurar uma maleabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conceitos teóricos como<br />
<strong>de</strong>sconstrução, <strong>de</strong>scentramento ou reversão, para citar alguns que o jargão acadêmico<br />
consagra. Seria o caso <strong>de</strong> buscarmos em um termo caro a certo <strong>de</strong>safeto <strong>de</strong> Lêdo Ivo – a<br />
antropofagia – o velho e novo diapasão <strong>de</strong> assimilar o que é do Outro e torná-lo nosso, sem<br />
quaisquer prevenções. Mas por que não?<br />
Até em textos aparentemente reacionários, como o Epitáfio do Mo<strong>de</strong>rnismo, escrito nos<br />
anos 1960 como introdução a uma antologia da Geração <strong>de</strong> 45, a leitura mais atenta po<strong>de</strong>rá<br />
sobrelevar o discurso sobre uma mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> aportada não apenas em São Paulo e não<br />
apenas em 1922, mas anterior e dispersa. A mesma leitura <strong>de</strong>sse e <strong>de</strong> outros ensaios <strong>de</strong> Lêdo<br />
Ivo sobre o mo<strong>de</strong>rnismo (Lição <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, por exemplo), traria surpresas a quem<br />
se dispusesse à aventura: ali encontramos tanto o <strong>de</strong>sagrado com o poema-piada<br />
mo<strong>de</strong>rnista, um dos principais pontos <strong>de</strong> ataque dos grupos <strong>de</strong> 45, quanto à revalorização<br />
do Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> artífice do verso, ou a crítica a um Raul Bopp obcecado em múltiplas<br />
reedições <strong>de</strong> Cobra Norato, cada uma com mais cortes que a anterior.<br />
E aqui voltamos da pausa. Porque essa última observação reitera o que dizíamos na<br />
abertura do artigo: que uma das marcas mais significativas da trajetória literária <strong>de</strong> Lêdo Ivo<br />
está em afirmar uma potência positiva do excesso. Se reprovava em Bopp a obsessão pelo<br />
corte <strong>de</strong> palavras e até versos inteiros, em um poema que afinal admirava e cujos ecos<br />
repercutem até na sua O<strong>de</strong> equatorial, aí temos o Lêdo Ivo <strong>de</strong> sempre, marcando sua<br />
diferença estética em um cenário ortodoxo − cenário do menos e talvez do pouco. Porque,<br />
olhando-se bem, nem todo excesso é meramente <strong>de</strong>corativo, e nem toda sobra é expurgo. Se<br />
a <strong>de</strong>sconfiança cabralina em relação ao signo linguístico <strong>de</strong>monstra a “serventia das i<strong>de</strong>ias<br />
fixas” – tornou-se a mais bem sucedida empresa <strong>de</strong> consenso estético <strong>de</strong> nossa literatura:<br />
mais persuasiva e mais ampla, talvez, que a própria antropofagia −, há um duplo-fundo na<br />
proscrição apriorística <strong>de</strong> todo recurso retórico: esse menos escon<strong>de</strong> o que possa haver <strong>de</strong><br />
expressivo e rico no mais. Escon<strong>de</strong> tanto sua potência <strong>de</strong> ênfase quanto <strong>de</strong> <strong>de</strong>vaneio, e<br />
oblitera sua natureza <strong>de</strong> vida, o lado dionisíaco do festim que, como em As bacantes, o rei se<br />
nega a oferecer ao <strong>de</strong>us – embora advertido pelo velho Tirésias, impotente para evitar a<br />
tragédia.<br />
À crítica que, em jovem, lhe reprovara o excesso na extensão dos versos, mas também na<br />
94
prática reiterada <strong>de</strong> vários gêneros, Lêdo Ivo ofereceu a resposta <strong>de</strong> sua persistência,<br />
resposta que não correspon<strong>de</strong> meramente a uma teimosia, mas encontra ecos fundos em sua<br />
constituição artística. Apropriou-se criativamente do epíteto <strong>de</strong> “<strong>de</strong>rramado”, tirando partido<br />
da imagem subliminar que remete à água, o elemento por excelência do excesso e da<br />
transformação. E com essa i<strong>de</strong>ia do “<strong>de</strong>rramamento” configurou um discurso metaliterário<br />
em sua poesia, associando-o ao imaginário <strong>de</strong> águas <strong>de</strong> sua terra natal, Alagoas: os livros<br />
estão cheios <strong>de</strong> chuvaradas, rios transbordantes, penínsulas que são ilhas incompletas,<br />
lagoas doces e salobras, e sobretudo <strong>de</strong> mar − signos com que fala <strong>de</strong> si mesmo, da literatura<br />
e do ser humano diante da natureza. Criaria, assim, uma nova genealogia, em que também<br />
entrava outra or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> reapropriações: <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte longínquo do povo caeté, dos índios<br />
que, nos primórdios da colonização, <strong>de</strong>voraram o primeiro bispo do Brasil em uma praia <strong>de</strong><br />
Alagoas, Lêdo Ivo reivindicava para si, entre sério e jocoso (era difícil precisar), o estatuto <strong>de</strong><br />
legítimo antropófago; e ao paulista Oswald chamava <strong>de</strong> “antropófago <strong>de</strong> papel”.<br />
Uma disputa, como se vê, que se esten<strong>de</strong> à mesa, como no poema <strong>de</strong> Cabral. Ou talvez<br />
comece nela: o <strong>de</strong>sencontro entre Lêdo Ivo e Oswald, que vai contado na versão do primeiro<br />
em Confissões <strong>de</strong> um poeta, ter-se-ia dado após um almoço (ou jantar?) cujo final fora<br />
apressado por Oswald, ocupado como estava em “terminar um romance proletário”. Conta<br />
Lêdo Ivo que saíra comentando com terceiros o que lhe parecera a mais bela blague<br />
oswaldiana, isto é, o escritor “proletário” concluindo rapidamente seus últimos acepipes<br />
para afinal <strong>de</strong>dicar-se à gran<strong>de</strong> causa antiburguesa. A isso Oswald, que perdia o amigo mas<br />
não a blague, não perdoaria: preferindo o sacrifício <strong>de</strong> ambos, obteve, influente como era, a<br />
<strong>de</strong>missão <strong>de</strong> Lêdo Ivo <strong>de</strong> um jornal. Verda<strong>de</strong>, mentira, meia verda<strong>de</strong> ou meia mentira, o fato<br />
é que o episódio coloca mais uma vez na mesa a discussão literária.<br />
Ao morrer após um jantar que com muita chance <strong>de</strong> certeza foi lauto, o poeta Lêdo Ivo<br />
<strong>de</strong>ixaria, inédito no Brasil, um livro <strong>de</strong> poemas, Mormaço, publicado até agora apenas na<br />
Espanha, pela Vaso Roto Ediciones. São 121 poemas em que há um pouco <strong>de</strong> tudo: verso<br />
livre e medido, soneto, sonetilho, balada, glosa, litania, temas “altos” e “baixos” e poemas<br />
que são apenas anotações líricas, irmãos gêmeos da prosa memorialística e reflexiva que<br />
gostava <strong>de</strong> praticar. Ao contrário do epitáfio que João Cabral lhe <strong>de</strong>dicou em vida – nos<br />
tempos em que essa discussão era vivida na clave da amiza<strong>de</strong> e do gracejo −, não morre<br />
“livre <strong>de</strong> todas as palavras”, mas em meio a elas, pleno e senhor. Ele próprio se pensa uma<br />
palavra:<br />
As palavras são pássaros migratórios<br />
que nos incitam a partir para as montanhas.<br />
São estrelas errantes. São navios.<br />
E eu sou uma palavra: estou sempre andando<br />
no mundo que é caminho.<br />
O livro último confirma a estética lediana do excesso. Diante <strong>de</strong>ssa obra, magna até pelo<br />
tamanho – e que não po<strong>de</strong>ríamos resenhar em espaço tão curto! −, ficamos achando que o<br />
poeta ancião nos está a advertir, como o velho Tirésias <strong>de</strong> As bacantes, sobre a importância<br />
<strong>de</strong> brindar mais uma vez a Dioniso. Ergamos a taça!<br />
Wladimir Saldanha (Brasil, 1977). Poeta, narrador, ensaísta. Autor <strong>de</strong> As culpas do poema<br />
(poesia, 2012). Contato: 1107@terra.com.br. Página ilustrada com obras <strong>de</strong> Lucerbert<br />
(Holanda), artista convidado <strong>de</strong>sta edição <strong>de</strong> ARC.<br />
95
ERIK SLAGTER | Lucebert: poeta e visionário, pintor<br />
e testemunha Ocular<br />
O poeta e pintor Lucebert (ps. <strong>de</strong> Lubertus Jacobus Swaanswijk, 1924-<br />
1994) tem assento garantido na literatura holan<strong>de</strong>sa como “Imperador”<br />
dos novo poetas do pós-guerra. Des<strong>de</strong> o dia, um 1953, em que se vestiu<br />
<strong>de</strong> Imperador para receber prêmio <strong>de</strong> poesia <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong> natal,<br />
Amsterdã, seus poemas não apenas mereceram mais atenção do que os<br />
<strong>de</strong> outros poetas; <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aquele dia, sua crescente reputação como<br />
gran<strong>de</strong> poeta jamais foi contestada. Mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> começar a concentrar-se mais na<br />
pintura, <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 1950 em diante, ainda era conhecido, acima <strong>de</strong> tudo, como<br />
poeta. Era consi<strong>de</strong>rado o lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> poetas inovadores, inicialmente chamados <strong>de</strong><br />
“Experimentalistas”, embora o próprio Lucebert num poema programático escrito em 1951,<br />
tenha apontado sua admiração e afinida<strong>de</strong> com os poetas Friedrich Höl<strong>de</strong>rlin e Hans Arp. Em<br />
outro poema, em que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a poesia experimentalista <strong>de</strong> sua geração, ou o “Movimento<br />
Cinquentista”, como veio a ser conhecida, Lucebert também mencionou Blake, Rimbaud e<br />
Bau<strong>de</strong>laire, além <strong>de</strong> Dada, a tendência mais impactante da literatura e das artes visuais no<br />
período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial.<br />
O Movimento Experimentalista da poesia holan<strong>de</strong>sa que surgiu logo após a Segunda<br />
Guerra Mundial foi, na verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certa forma, a recuperação <strong>de</strong> um atraso. A pintura<br />
expressiva holan<strong>de</strong>sa a partir do período da libertação, em 1945, também lembrava o<br />
trabalho <strong>de</strong> tendências internacionais das décadas <strong>de</strong> 1920 e 30, como o Dadaísmo e o<br />
Surrealismo.<br />
A Holanda se mantivera apartada dos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial e as<br />
tendências culturais internacionais <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes, por isso, tiveram pouca ou nenhuma<br />
influência sobre a arte e a literatura holan<strong>de</strong>sas. A lacuna somente foi preenchida <strong>de</strong>pois da<br />
Segunda Guerra Mundial, quando os jovens poetas e pintores pós-’45 extraíram sua<br />
inspiração <strong>de</strong> uma nova fonte, <strong>de</strong> autores e artistas que já tinham <strong>de</strong>ixado sua marca na<br />
França e na Alemanha. Isso não quer dizer, contudo, que fossem apenas seguidores. A maior<br />
virtu<strong>de</strong> da poesia <strong>de</strong> Lucebert é ter rompido as barreiras da língua holan<strong>de</strong>sa e aberto<br />
caminho para novos sons e uma poesia inteiramente original.<br />
A poesia e a pintura <strong>de</strong> Lucebert abalaram muitas convenções <strong>de</strong>sgastadas pelo tempo,<br />
<strong>de</strong>monstraram gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> em termos <strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong>, traço e cor, e, afinal, evoluíram<br />
<strong>de</strong> um protesto contra a injustiça e as regras para um anseio pelo amor e por valores<br />
místicos. Na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realista, Lucebert era testemunho <strong>de</strong> sua época; era, também, um<br />
visionário que revelava o <strong>de</strong>sconhecido e o misterioso <strong>de</strong> uma maneira inteiramente nova. É<br />
isso que dá à sua obra tal importância, seja em sua terra natal, seja no contexto<br />
internacional – como revelam as muitas traduções e mostras <strong>de</strong> seu trabalho. Isso não<br />
significa, contudo, que sua poesia e sua pintura seja extensão uma da outra; são duas<br />
formas <strong>de</strong> expressão diferentes que, às vezes, se complementam, mas que na maioria dos<br />
casos vêm <strong>de</strong> fontes diferentes e nem sempre correm paralelas.<br />
O protesto <strong>de</strong> Lucebert se volta menos contra a poesia <strong>de</strong> seus antecessores do que<br />
contra a guerra e o abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Durante a crise da década <strong>de</strong> 1930 – quando Lucebert<br />
tinha cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e vivia num bairro operário <strong>de</strong> Amsterdã – a violenta<br />
supressão policial e militar <strong>de</strong> uma revolta dos <strong>de</strong>sempregados o marcou profundamente.<br />
Quando, alguns anos <strong>de</strong>pois do fim da ocupação da Holanda pela Alemanha, o governo<br />
holandês anunciou “medidas policiais” em resposta à pressão pela in<strong>de</strong>pendência em sua<br />
antiga colônia, a Indonésia, a voz <strong>de</strong> Lucebert foi uma das primeiras a se erguer em protesto.<br />
Sua ‘Carta <strong>de</strong> Amor à Noiva Torturada, a Indonésia” (“Minnebrief aan onze gemartel<strong>de</strong> bruid<br />
Indonesia”), que surgiu em 1948, foi seu primeiro poema publicado:<br />
96
...Sou eu o noivo doce Borobodur<br />
quanto se vinga o noivo <strong>de</strong> sua noiva<br />
enquanto ela se <strong>de</strong>bate sobre poças do sangue <strong>de</strong> Java<br />
saqueadores partem e sugam sua presa seus olhos-ostras?<br />
O poema foi frequentemente citado em 1995, ano em que a Holanda celebrava meio<br />
século <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Libertação e em que a Indonésia celebrava o quinquagésimo aniversário <strong>de</strong><br />
sua própria <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência.<br />
O protesto contra a gana por po<strong>de</strong>r e repressão não é inci<strong>de</strong>ntal na poesia <strong>de</strong> Lucebert,<br />
mas um tema central. Em um <strong>de</strong> seus primeiros poemas, na coletânea <strong>de</strong> 1952 intitulada<br />
Apócrifos - O Nome Alfabético (Apocrief - De Analphabetische naam), ele <strong>de</strong>clara, “Não sou<br />
um poeta gentil”. Havia muitos <strong>de</strong>senhos e pinturas <strong>de</strong>dicados ao tema, além <strong>de</strong> uma<br />
antologia poética. O tema foi constante em sua obra até o fim <strong>de</strong> sua vida: um dos últimos<br />
poemas <strong>de</strong> Lucebert foi um protesto contra a pena <strong>de</strong> morte <strong>de</strong>cretada pelo Irã contra<br />
Salman Rushdie.<br />
Para Lucebert, a poesia era algo <strong>de</strong> que precisava para enfrentar um mundo em que o<br />
homem abusa do homem usando dos mais hediondos meios. O fato <strong>de</strong> que o uso das<br />
palavras como arma não era questão <strong>de</strong> escolha para Lucebert, mas, isto sim, uma<br />
compulsão, ficou claramente <strong>de</strong>monstrado no “Poema Experimental” (“Het<br />
proefon<strong>de</strong>rvin<strong>de</strong>lijk gedicht”). Nele, Lucebert <strong>de</strong>clarou que o poeta é testemunha e porta-voz<br />
<strong>de</strong> seu tempo. Também escreveu que “meus poemas são formados / pelos meus ouvidos”.<br />
Lucebert não era apenas testemunha ocular do seu tempo, contudo; era, também, um poeta<br />
lírico que expressava as vozes internas que escutava como sons e ritmo, como mensageiro<br />
do mistério. Noutra obra, disse do processo da escrita que “trata-se <strong>de</strong> um Deus / tocando<br />
violino com a minha garganta”.<br />
Essas múltiplas origens e funções da obra poética <strong>de</strong> Lucebert (um pseudônimo composto<br />
<strong>de</strong> “lux” e “bert”, ambos com o significado <strong>de</strong> “luz”), isto é, enquanto comentarista do que<br />
via e intérprete <strong>de</strong> uma voz sobrenatural, significam que sua poesia po<strong>de</strong> ser interpretada <strong>de</strong><br />
mais <strong>de</strong> uma maneira. Isso, por sua vez, faz com que ela seja <strong>de</strong> difícil tradução. O próprio<br />
Lucebert estava ciente <strong>de</strong>ssa qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu trabalho e fazia uso pleno <strong>de</strong>ssa<br />
multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sons e significados. Os sons conduzem o poeta a associações e emprestam<br />
novos significados que as convenções normais da língua não proporcionam. Lucebert tentou<br />
“dar expressão à extensão mais plena da vida”. Por isso, seus poemas assumem um<br />
significado adicional quando lidos em voz alta. Por um lado, como Hans Arp, Lucebert utiliza<br />
associações e jogos <strong>de</strong> palavras; por outro, como Höl<strong>de</strong>rlin, é um poeta místico que está em<br />
contato com vozes divinas que não po<strong>de</strong>m ser representadas por meio da linguagem<br />
convencional. Quando, em ‘Procuro à Maneira Poética’ (‘Ik tracht op poëtische wijze’), o<br />
poeta escreve que “procurou a linguagem beleza em sua beleza” e “escutou que ela nada<br />
mais tinha <strong>de</strong> humano”, isso po<strong>de</strong> ser encarado como uma referência tanto a uma realida<strong>de</strong><br />
em que não mais existe qualquer beleza quanto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recriar a beleza por meio<br />
do uso <strong>de</strong> novas palavras.<br />
Lucebert recorreu ao dicionário e a outros poetas em sua busca: “É tudo no mundo é<br />
tudo”. Ele não só explorou as possibilida<strong>de</strong>s da língua, soprando vida nova, por exemplo, em<br />
expressões caídas em <strong>de</strong>suso, como também se voltou para as artes plásticas em busca <strong>de</strong><br />
formas que pu<strong>de</strong>ssem ser traduzidas em poesia.<br />
A coletânea Apócrifos contém uma separata intitulada ‘O Nome Desenhado’ (‘<strong>de</strong><br />
geteken<strong>de</strong> naam’) que traz poemas <strong>de</strong>dicados a artistas. Aqui, vemos que Lucebert consi<strong>de</strong>ra<br />
a obra <strong>de</strong> Arp “o batimento cardíaco da pedra”; <strong>de</strong>screve Henry Moore como “a terra que<br />
vagueia e rola pelo homem”; a obra <strong>de</strong> Paul Klee é <strong>de</strong>scrita assim: “pela janela alegre erguese<br />
o aroma dos frutos coloridos das coisas”, e, noutro ponto:<br />
97
...as gaiolas da poesia se<br />
abrem para os bichos <strong>de</strong> Miró<br />
uma pulga, um lekkerkerker e uma joaninha<br />
esten<strong>de</strong>m seus tentáculos para <strong>de</strong>ntro da língua.<br />
O talento <strong>de</strong> Lucebert foi canalizado para a poesia e as artes plásticas. Foi estimulado pela<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renovar a língua e pelo ímpeto <strong>de</strong> tornar-se conhecido como testemunha<br />
ocular do seu tempo. Como artista plástico, expôs constantemente os maus atos <strong>de</strong> seus<br />
contemporâneos.<br />
Lucebert conseguiu <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado a poesia, mas jamais o <strong>de</strong>senho. Des<strong>de</strong> muito jovem,<br />
<strong>de</strong>senhava em tudo; na juventu<strong>de</strong>, copiou muitos trabalhos e fez croquis espontâneos nas<br />
margens <strong>de</strong> seus poemas, croquis que não pretendiam servir <strong>de</strong> ilustração para os poemas.<br />
Mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, foi “<strong>de</strong>scoberto” <strong>de</strong>senhando nas ruas e levado<br />
para a escola <strong>de</strong> arte, on<strong>de</strong> um professor progressista o apresentou ao Dadaísmo e ao<br />
Surrealismo. Os primeiros rendimentos <strong>de</strong> Lucebert vieram <strong>de</strong> cartuns e ilustrações. Seus<br />
<strong>de</strong>senhos livres são impressionantes pela imaginação fantasiosa e pela sua capacida<strong>de</strong><br />
surpreen<strong>de</strong>ntemente constante <strong>de</strong> evocar associações.<br />
Embora jamais tivesse parado <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar, Lucebert, no começo, ficou famoso<br />
principalmente como poeta. Envolveu-se apenas indiretamente com o novo movimento<br />
expressivo e experimental da arte holan<strong>de</strong>sa associado ao grupo CoBrA (1948-1951). Só<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1955 começou a aplicar-se mais intensamente a seus <strong>de</strong>senhos e pinturas, que<br />
expôs regularmente a partir <strong>de</strong> 1958 - na Galerie Espace no Haarlem e <strong>de</strong>pois em Amsterdã,<br />
mas também em Londres, na Marlborough Art Gallery.<br />
O próprio Lucebert <strong>de</strong>screvia seu trabalho <strong>de</strong> artista plástico assim: “Pinto tudo que me<br />
vem à cabeça, Desenho e pinto tudo e em tudo, valorizo igualmente todas as visões, não<br />
escolho motivos e não luto para encontrar sínteses, me satisfaço em <strong>de</strong>ixar as oposições no<br />
lugar e, enquanto lutam umas com as outras, não ofereço resistência e me mantenho fora <strong>de</strong><br />
alcance, experimentando a liberda<strong>de</strong> que apenas eles me dão, minhas pinturas, meus poemas,<br />
esses playgrounds felizes on<strong>de</strong> tudo tem seu lugar, on<strong>de</strong> Saaras e oceanos se reúnem nas<br />
caixas <strong>de</strong> areia. Assim, não me prendo a pinturas espessas ou finas, não tenho preferência por<br />
<strong>de</strong>terminadas paletas, hoje busco refugio no marrom das árvores, amanhã me afogo, rindo,<br />
no azul-orvalho. Concretu<strong>de</strong>, abstração, para mim é tudo a mesma coisa, mal percebo a<br />
diferença, sei apenas que são termos vindos <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong> conceitos em que sou e quero<br />
permanecer um forasteiro xenófobo.” (De Calma, Crianças, Algo <strong>de</strong> Importante Está<br />
Acontecendo - kalm aan kin<strong>de</strong>ren, er valt iets zwaars, 1961).<br />
Numa entrevista <strong>de</strong> 1989, quando lhe foi perguntado a que critérios uma boa pintura<br />
<strong>de</strong>veria aten<strong>de</strong>r, Lucebert respon<strong>de</strong>u: “expressão, forma, composição cromática... Em primeiro<br />
lugar, tem que ser interessante. Interessante pra o olho interno. Surpreen<strong>de</strong>nte. Nova a cada<br />
manhã. A pior coisa é se tornar cansativa. Ou, ainda pior, virar uma simples <strong>de</strong>coração<br />
pendurada na pare<strong>de</strong>. Tudo é possível numa pintura, fina ou espessa, bagunçada ou<br />
rigidamente composta, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que surpreenda”.<br />
As diferentes fontes a que Lucebert recorre abrangem o livro <strong>de</strong> Prinzhorn <strong>de</strong><br />
1922, Bildnerei <strong>de</strong>r Geisteskranken (sobre ‘as pinturas dos loucos) e “uma mancha que<br />
po<strong>de</strong>ria perfeitamente ser um rosto / entre a borracha e o líquido corretivo / (...) nada melhor<br />
que ser dominado pela mancha / para apagar recortar dissolver borrar substituir / confuso<br />
reconstruir encharcar <strong>de</strong>rrubar levantar...’ (<strong>de</strong> ‘A Mancha como Obra da Vida” - ‘vlek als<br />
levenswerk’, 1963).<br />
Lucebert <strong>de</strong>ixa claro que o acaso é importante em seu trabalho e que os jornais, o rádio, a<br />
TV e o cinema também po<strong>de</strong>m ser a centelha para sua imaginação. “Então nasce uma boa<br />
pintura na terra <strong>de</strong> ninguém, uma área limítrofe entre o <strong>de</strong>sígnio e a consciência, uma terra<br />
on<strong>de</strong> nem as convenções da memória e nem os sonhos-dogmas <strong>de</strong> uma ou outra utopia<br />
po<strong>de</strong>m representar seus papeis limitadores. Um bom poema, uma boa pintura, portanto,<br />
98
nunca estão completos, nunca estão terminados, são abertos e improvisados, não<br />
permanecem em silêncio enquanto sofrem ou riem, permitem, satisfeitos, que um excêntrico<br />
os manipule e modifique ao longo do tempo”. (<strong>de</strong> Calma, Crianças, Algo <strong>de</strong> Importante Está<br />
Acontecendo).<br />
Em seu trabalho visual, Lucebert frequentemente faz o contrário do que percebe e<br />
enfrenta no mundo que o cerca: empresta domínio à sua impotência, usa as armas <strong>de</strong> sua<br />
arte em vez <strong>de</strong> abusar do po<strong>de</strong>r para impor sua vonta<strong>de</strong> aos outros e às coisas que produz.<br />
Sua arte parece ter surgido espontaneamente; o artista não precisa fazer nada além <strong>de</strong> se<br />
ocultar: “Deixo que loucos, imperadores, mandarins e outras personagens parecidas falem por<br />
mim e, se necessário, me objetifico um pouco”, disse, numa entrevista <strong>de</strong> 1959.<br />
Os resultados surgem num processo experimental, enquanto ele trabalha em comunhão<br />
com seus materiais: <strong>de</strong>senhos que empregam as mais variadas técnicas, colagens,<br />
xilogravuras, litogravuras e silk-screen; pinturas a guache, tinta acrílica e óleo; cerâmica e<br />
fotografia – praticamente tudo po<strong>de</strong> servir ao improviso; assim como o ritmo <strong>de</strong> sua mão<br />
que escreve e pinta po<strong>de</strong> ser conduzido pelo jazz <strong>de</strong> Thelonious Monk ou Dizzy Gillespie.<br />
Nada disso significa que não haja <strong>de</strong>senvolvimento ou linha temática em sua obra: cada<br />
pintura, cada <strong>de</strong>senho, é inconfundivelmente um Lucebert. No começo, seu trabalho era<br />
brincalhão e fantástico, com uma boa dose <strong>de</strong> humor, mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1958, quando Lucebert<br />
já tinha estúdio próprio há muitos anos e também começara a se concentrar em pinturas a<br />
óleo, a agressivida<strong>de</strong> aumentou. Seu trabalho se tornou mais raivoso, com generais<br />
frenéticos e tiranos a ranger os <strong>de</strong>ntes. Nesses trabalhos, o abuso impiedoso do po<strong>de</strong>r se<br />
contrapõe à subjetivida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>fesa. Lucebert espelhava-se no mundo <strong>de</strong> Hieronymus Bosch<br />
e, na verda<strong>de</strong>, escreveu um longo poema sobre uma das obras <strong>de</strong> Bosch, O Jardim das<br />
Delícias Terrenas, em 1968.<br />
Lucebert passou muito tempo nas Espanha <strong>de</strong> meados da década <strong>de</strong> 1960 em diante e<br />
<strong>de</strong>senvolveu interesse pela cultura do país; influenciado, em parte, pelo sol espanhol, seu<br />
trabalho tornou-se mais claro e nítido, mais raivoso e satírico. Adquiriu o impacto da obra <strong>de</strong><br />
El Greco ou Goya, com sua expressão visionária, amarga, implacável, algo que também<br />
caracteriza as telas <strong>de</strong> Francis Bacon, por exemplo. “Talvez seja por isso que os monstros não<br />
se disfarçam mais”, disse, “mas se revelem como são e como os vejo: <strong>de</strong>sejos ilimitados <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r ou suspiros impotentes <strong>de</strong> ressentimento’.<br />
Sua raiva arrefeceu e sua crítica tornou-se mais controlada, mas isso não diminuiu o<br />
impacto <strong>de</strong> seus trabalhos. Com uma pequena variação sobre um poema <strong>de</strong> 1981 para o<br />
poeta / pintor Breyten Breytenbach (ver The Low Countries 1995-96: 252-258), que foi<br />
aprisionado por suas opiniões a respeito do apartheid, o trabalho <strong>de</strong> Lucebert também “se<br />
envergonhava <strong>de</strong> ser um poema e não uma bala / com que – poeta – pu<strong>de</strong>sse matar seu<br />
carrasco”.<br />
Os horrores da guerra e da execução, do terror, do ódio racial e da vaida<strong>de</strong> continuaram a<br />
ser um motivo importante nos trabalhos <strong>de</strong> Lucebert durante a década <strong>de</strong> 1970. Ele obrigava<br />
o observador a olhar para os complexos penitenciários, os pátios <strong>de</strong> seleção e as cabanas (‘O<br />
Crime Perfeito’ - ‘De perfekte misdaad’, 1968).<br />
O cinismo <strong>de</strong> Lucebert a respeito <strong>de</strong> um mundo que se repete mas não se aprimora<br />
aumentou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa fase, embora ainda houvesse espaço em sua obra para um humor<br />
brincalhão e uma ironia leve, dando um caráter mais anedótico à agressivida<strong>de</strong> contra a<br />
repressão.<br />
A produção <strong>de</strong> Lucebert foi muito ampla; todos os dias eram dias <strong>de</strong> trabalho com uma<br />
rotina consi<strong>de</strong>ravelmente rígida e <strong>de</strong>finida. Como o pintor francês Dubuffet, cuja concepção<br />
e cujo método <strong>de</strong> expressão apresentam forte correspondência com os <strong>de</strong> Lucebert, ele<br />
gostava <strong>de</strong> tomar “aquilo que lhe causa aversão” como ponto <strong>de</strong> partida para o trabalho.<br />
Rejeitou todos os estilos e isso dificulta a classificação <strong>de</strong> sua obra. Influências <strong>de</strong> todos os<br />
tipos, <strong>de</strong> arte tanto antiga quanto mais recente, estão incorporadas em seu trabalho e<br />
99
ecebem a expressão que lhe é própria. E os títulos, por fim, são também elementos originais<br />
que abrem ainda outra perspectiva.<br />
A impressão <strong>de</strong> encantamento e, às vezes, <strong>de</strong> tolice que o trabalho <strong>de</strong> Lucebert <strong>de</strong>ixa<br />
naqueles que o veem mantém intacto o espelho inclemente que ele apresenta à humanida<strong>de</strong><br />
quando expõe suas falhas e a envolve, como um criminoso militante, no mundo sardônico <strong>de</strong><br />
suas criações. Sua arte é implacável e ainda assim empática e nos força a participar. Lucebert<br />
permaneceu “um comentarista da comoção”. A acusação que suas imagens trazem é<br />
opressiva; ao mesmo tempo, sua originalida<strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>nte e visionária po<strong>de</strong> ser<br />
libertadora.<br />
Erik Slagter (Holanda, 1939). Crítico <strong>de</strong> arte. Tradução <strong>de</strong> Allan Vidigal. O tradutor agra<strong>de</strong>ce<br />
a Hil<strong>de</strong> Herbold pela ajuda com a interpretação do original em holandês do poema<br />
“Minnebrief aan onze gemartel<strong>de</strong> bruid Indonesia”, <strong>de</strong> Lucebert. Página ilustrada com obras<br />
<strong>de</strong> Lucebert (Holanda), artista convidado <strong>de</strong>sta edição <strong>de</strong> ARC.<br />
100
<strong>Agulha</strong> <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong><br />
editor geral<br />
FLORIANO MARTINS<br />
editor assistente<br />
MÁRCIO SIMÕES<br />
logo & <strong>de</strong>sign<br />
FLORIANO MARTINS<br />
revisão <strong>de</strong> textos & difusão<br />
FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES<br />
equipe <strong>de</strong> tradução<br />
ALLAN VIDIGAL | ÉCLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FLORIANO MARTINS | LUIZ LEITÃO DA<br />
CUNHA | MÁRCIO SIMÕES<br />
jornalista responsável<br />
SOARES FEITOSA | DRT/CE, reg. nº 364, 15.05.1964<br />
apoio cultural<br />
JORNAL <strong>DE</strong> POESIA<br />
contatos<br />
FLORIANO MARTINS<br />
Caixa Postal 52817 - Ag. Al<strong>de</strong>ota | Fortaleza CE 60150-970 BRASIL<br />
agulha.floriano@gmail.com | floriano.agulha@gmail.com | arcflorianomartins@gmail.com<br />
MÁRCIO SIMÕES<br />
Rua do Sobreiro, 7936 Cida<strong>de</strong>-satélite | Natal RN 59<strong>06</strong>8-450 BRASIL<br />
mxsimoes@hotmail.com | arcmarciosimoes@gmail.com<br />
cartas<br />
agulha@groups.facebook.com<br />
registro <strong>de</strong> domínios para a internet no Brasil<br />
www.revista.agulha.nom.br<br />
banco <strong>de</strong> imagens<br />
acervo triunfo produções ltda<br />
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista<br />
os editores <strong>de</strong> <strong>Agulha</strong> <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>Cultura</strong> não se responsabilizam pela <strong>de</strong>volução <strong>de</strong><br />
material não solicitado<br />
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda<br />
CNPJ 02.081.443/0001-80<br />
101