EDIÇÃO 06 | MARÇO DE 2013 | FASE II - Agulha Revista de Cultura
EDIÇÃO 06 | MARÇO DE 2013 | FASE II - Agulha Revista de Cultura
EDIÇÃO 06 | MARÇO DE 2013 | FASE II - Agulha Revista de Cultura
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
música politonal <strong>de</strong> John Coltrane, os efeitos cenográficos evocados por Joseph Beuys, a<br />
erradicação da malha harmônica no free jazz <strong>de</strong> Ornette Coleman, somando-se aí a frustrada<br />
prefiguração <strong>de</strong> um anarquismo que per<strong>de</strong>ria componentes no cal<strong>de</strong>irão alquímico on<strong>de</strong> se<br />
digladiavam a socieda<strong>de</strong> do espetáculo e o maio <strong>de</strong> 68, até então sem perceberem o quanto<br />
eram siameses.<br />
Pobre Max Ernst. Pobre Jell Roll Morton. Seu notável apelo à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fusão<br />
permanente entre composição e improvisação foi uma vez mais esquecido em nome <strong>de</strong> uma<br />
obsessão ou outra: ora a composição, ora a improvisação. Então já não havia mais<br />
surrealismo. O surrealismo sempre foi surdo, e per<strong>de</strong>u muito com isto. Mesmo que Joyce<br />
Mansour tenha dito que não é uma <strong>de</strong>terminada técnica pictórica que po<strong>de</strong> ser entendida<br />
como surrealista e sim o pintor, ou seja, sua visão <strong>de</strong> vida, o surrealismo já então havia<br />
<strong>de</strong>scartado alguns <strong>de</strong> seus mais importantes nomes ligados à pintura por relutância em<br />
aceitar que por trás <strong>de</strong> toda visão <strong>de</strong> vida há uma técnica em que ela se manifesta.<br />
A subversão também é uma técnica. Assim como a dialética, a vertigem e a<br />
inconsequência. A realida<strong>de</strong> exige talento. Descarta o inventor <strong>de</strong> jazz e preserva o notável<br />
pianista <strong>de</strong> blues. Somos todos invenção da realida<strong>de</strong> ou apenas seus notáveis executores?<br />
Assim é que nos anos 60 as técnicas se multiplicaram <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente e não cabia<br />
mais falar em tensão narrativa. Convulsão política, conflitos raciais, anarquismo, rebeliões<br />
sindicais, encontravam-se no mesmo gramado que <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> harmônica, exotismos<br />
melódicos, instalações, body art, prenúncios da multimídia, minimalismo etc. Atirava-se para<br />
todos os lados. E talvez o único alvo fosse o da regência do espetáculo. O estilo Broadway <strong>de</strong><br />
selecionar dançarinos para suas temporadas. Seria tão simples assim?<br />
René Magritte então lembrava que a técnica é indispensável para tornar a obra visível,<br />
mas que não alcança importância além do meio. Destacava ainda que é estúpido (assim se<br />
referia ao tema) o interesse <strong>de</strong>masiado pela técnica. René Magritte referia-se à pintura como<br />
o pensamento que vê. De alguma maneira sobrevivemos ao século XX e a subversão<br />
converteu-se em muitos casos em subserviência. Já não temos mais inventores <strong>de</strong> jazz ou<br />
mesmo notáveis pianistas <strong>de</strong> blues. A socieda<strong>de</strong> do espetáculo prenunciada nos anos 60<br />
instaurou-se <strong>de</strong> tal maneira que abolimos a dualida<strong>de</strong> composição/improvisação, substituída<br />
por uma massa informe que opera no sentido <strong>de</strong> limitar a sensibilida<strong>de</strong> e não <strong>de</strong> aguçá-la.<br />
Resta saber se ainda há uma maneira <strong>de</strong> pintar hoje em dia, ou se acaso tudo se converteu<br />
em uma visão <strong>de</strong> produtores.<br />
***<br />
Qual o verda<strong>de</strong>iro tempo que habitamos com nossas criações?<br />
Ronda-me o fantasma <strong>de</strong> Jelly Roll Morton e o faz sempre bailando com o <strong>de</strong> Max Ernst.<br />
Agenda tomada <strong>de</strong> recortes que são atalhos cuja guia ou senha é mais do que uma saída. A<br />
solução como <strong>de</strong>corrência e não como meta.<br />
Assim é que a linguagem me assalta.<br />
Sem a i<strong>de</strong>ia fixa <strong>de</strong> uma permanente atualização. Intensamente <strong>de</strong>dicada ao parto normal.<br />
Sem fórceps ou cesariana, sem este sentido comercial que confun<strong>de</strong> as tarefas da medicina,<br />
<strong>de</strong>snortear <strong>de</strong> princípios que também a arte achou por bem adotar. Não há brutalida<strong>de</strong><br />
maior que o alheamento. Atenção ao mundo, a si mesmo, a todas as coisas à nossa volta.<br />
Todos os sonhos são reais, como <strong>de</strong>fendia Artaud.<br />
Por on<strong>de</strong> caminha meu pensamento? Por mares <strong>de</strong> espíritos diferentes, por rios <strong>de</strong><br />
sombras encantadas e também pelas poças <strong>de</strong> sangue que i<strong>de</strong>ntificam certas opções que não<br />
aceitamos como tais. Metáforas <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m que muitas vezes funcionam como estímulos<br />
intelectuais, mas que se tornam enfadonhas, mecanismos gastos, se não as insultamos para<br />
que abandonem essa condição teimosamente única, e se lancem além <strong>de</strong> si… além <strong>de</strong> toda<br />
metáfora.<br />
28