19.04.2013 Views

Jean-Louis Besson OS ÚLTIMOS SOBRESSALTOS DA VIDA Em ...

Jean-Louis Besson OS ÚLTIMOS SOBRESSALTOS DA VIDA Em ...

Jean-Louis Besson OS ÚLTIMOS SOBRESSALTOS DA VIDA Em ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

dois campos tende a provar que as coisas não são bem assim, mesmo que estas<br />

meditações sejam mais frequentes entre os partidários de Danton. A questão das<br />

orientações políticas e a da experiência existencial cruzam-se, influenciando-se<br />

mutuamente, mas estão longe de se misturar totalmente. Como se Büchner tivesse<br />

querido mostrar que o sofrimento profundo do ser era exacerbado pela sua acção na<br />

História, mas em muitos pontos separado das apostas desta última. O mundo das<br />

experiências privadas das personagens em A Morte de Danton ultrapassa o espaço<br />

espiritual e afectivo da acção, e daí o grande desfasamento entre esfera pública e esfera<br />

privada.<br />

Na peça, a questão do sofrimento é debatida sob a forma de uma discussão filosófica<br />

entre diferentes presos. Liderados por Payne, os detidos trocam opiniões sobre a nãoexistência<br />

de Deus. Depois de ter tentado demonstrar que Deus não pode existir, pois a<br />

sua essência eterna é contrária à ideia de Criação, depois de se ter lançado numa<br />

refutação vulgar do panteísmo de Spinoza, e depois de ter perguntado se uma causa<br />

perfeita podia criar algo de imperfeito, Payne faz um desmentido da Teodiceia, tendo<br />

em conta a presença do mal na terra:<br />

“Acabai com a imperfeição, só assim se poderá provar a existência de Deus.<br />

Espinosa tentou-o. Podemos negar o mal, mas não a dor. Só a razão pode provar<br />

a existência de Deus, o sentimento revolta-se contra isso. Repara, Anaxágoras,<br />

porque é que eu sofro? Aqui nasce o rochedo do ateísmo. O mais leve<br />

estremecimento da dor, mesmo que seja num átomo, destrói de alto abaixo a<br />

criação.”<br />

A argumentação prossegue, desenvolvendo o que Büchner aborda nas suas notas sobre<br />

Espinosa. Ao comentar a afirmação XI da Ética, reconhece que somos forçados a<br />

“chegar a qualquer coisa que só pode ser pensada como sendo”, mas objecta: “O que é<br />

que nos dá o direito de, por essa razão, fazer dessa essência o absolutamente perfeito,<br />

Deus?: O entendimento? Ele conhece o imperfeito; o sentimento? Ele conhece a dor.”<br />

Para Espinosa, nem o entendimento nem o sentimento podem demonstrar a existência<br />

de Deus. Só o facto de Deus ser pensado permite pressupor que ele existe. Payne inverte<br />

o argumento: segundo ele, o entendimento permitiria demonstrar a existência de Deus.<br />

Mas como o entendimento não pode demonstrar tudo, Deus e as outras coisas, isso<br />

significa que aquilo que ele pode demonstrar não poderia chamar-se Deus. O<br />

entendimento pode tudo afirmar e tudo negar, incluindo o bem e o mal. Só a dor seria<br />

então a prova da não-existência de Deus. Porque, se o mal é um conceito abstracto que<br />

pode ser negado, a dor é sentida fisicamente, o que a torna incontestável. Büchner tinha<br />

já encontrado este argumento em Epicuro. Como é que um Deus perfeitamente bom e<br />

todo-poderoso poderia tolerar o sofrimento? Se não pode impedi-lo, é porque não é<br />

todo-poderoso; e, se não quer impedi-lo, é porque não é perfeitamente bom, deleitandose<br />

mesmo com ela, como os romanos se divertem com o flamejar das cores dos peixes<br />

agonizantes. Esta questão do sofrimento, apresentada aqui como “o rochedo do<br />

ateísmo”, não deixará de preocupar Büchner. Encontramos ainda vestígios em Lenz<br />

onde o poeta declara ao pastor Oberlin: “Mas eu, se fosse todo-poderoso, se fosse assim<br />

e não pudesse suportar o sofrimento, eu salvaria, pois só desejo a calma, a calma…”<br />

Apesar da importância da “conversa dos filósofos”, em vão procuramos em A Morte de<br />

Danton ou na obra de Büchner uma ilustração das teses de Espinosa ou de Epicuro.<br />

Contudo, o tema da criatura sofredora num mundo abandonado pelos deuses é retomado<br />

na peça sob inúmeras variações.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!