C.O.u: 9: 82-4 ENSINO CR1TICO ... - PPPG - Ufma
C.O.u: 9: 82-4 ENSINO CR1TICO ... - PPPG - Ufma
C.O.u: 9: 82-4 ENSINO CR1TICO ... - PPPG - Ufma
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
C.O.u: 9: <strong>82</strong>-4<br />
<strong>ENSINO</strong> <strong>CR1TICO</strong> - HISTORIOGRÁFrco DO LIVRO "HISTORIA DA AM!RlCA POR<br />
TUGUESA" DE SEBASTIAo DA ROCHA PITTA.<br />
Therezinha de Jesus Marilia Almeida Tavares1<br />
RESUMO<br />
o presente ensaio é fruto de uma análise histórica do livro de Sebas<br />
tião da Rocha Pitta, "História da América Portuguesa", obra que publicou em Lisboã<br />
na terceira década do século XVIII. Nesse contexto sobressaem a formação, ideolo<br />
gia e estilo do historiador, além da maneira como relata os aspectos políticos:<br />
sociais e econômicos do Brasil, desde o seu descobrimento até o ano de 1724.<br />
1 INTRODUçAo<br />
Dos trabalhos sobre oBra<br />
sil, nos três primeiros séculos<br />
da vida colonial brasileira, va<br />
rios podem ser destacados, nao<br />
somente pela antiguidade como<br />
pela importância das informações<br />
transmitidas pelos nossos primei<br />
ros historiadores. Um deles, S~<br />
BASTIÂO DA ROCHA PITTA, no seu<br />
livro "HIST6RIA DA AMt:RICA POR<br />
TUGUESA", descreve o país, a bon<br />
dade do clima, a fertilidade da<br />
terra sempre fecunda nas suas pro<br />
duções, além dos aspectos políti<br />
cos, sociais e econômicos cujos<br />
comentários abordamos adiante.<br />
Nosso propósito, neste tra<br />
balho, é efetuar urna análise his<br />
tórica do livro de Rocha Pitta<br />
História da América Portuguesa, obra<br />
que publicou em Lisboa no ano de<br />
1730. Nessa abordagem,sobressaem<br />
os aspectos da cultura, a estru<br />
tura do livro, bem como a forma<br />
çao, ideologia e o estilo do his<br />
toriador.<br />
Baiano das margens do Para<br />
guaçu, Rocha Pitta estudou, como<br />
todos os brasileiros do seu tempo,<br />
no colégio dos jesuítas,seguindo<br />
aos dezesseis anos para Coimbra a<br />
fim de se aplicar ao Direi to Can-ª<br />
nico. De regresso à terra ,misturou<br />
os misteres da lavoura com o das<br />
letras. Recolheu-se a urna fazenda<br />
que possuía próximo à Vila de C~<br />
choeira e ficou entregue ao cul<br />
tivo da terra e à leitura de obras<br />
literárias e científicas. Escre<br />
veu, nessa fase,alguns cânticos,<br />
sonetos e hinos. A obra que lhe<br />
(1) Professora Assistente do Departamento de História e Geociências da UFMA.<br />
54 Cad. Pesq. são Luis, 4 (2): 54 - 64, jul./dez. 1988<br />
.'
deu celebridade foi HISTORIA DA<br />
AMeRICA PORTUGUESA e, para tanto,<br />
abandonou suas terras e entregou~<br />
se à pesquisa nos arquivos dos<br />
Conventos das Ordens de são Fran<br />
cisco, Carmo e são Bento e nos<br />
próprios Jesuítas, responsáveis<br />
pela sua formação. Após esgotar<br />
os recursos de investigação no<br />
Brasil, partiu para Lisboa, onde<br />
ali recolheu o que lhe faltava.<br />
Esse notável historiador<br />
brasileiro, passou a metade da vi<br />
da a escrever a "História da Ame<br />
rica Portuguesa", que relata des<br />
de o descobrimento do Brasil atá<br />
o ano de 1724, oferecida a maj-e~-<br />
tade augusta de el-Rei D. João V<br />
que, como recompensa, lhe agr5:.<br />
ciou como Fidalgo de sua casa,C~<br />
valeiro da Ordem de Cristo, Cor~<br />
nel do Regimento de Ordenança da<br />
Bahia e Acadêmico Supranumerário<br />
da Academia Real da História Por<br />
tuguesa.<br />
A 3â edição do Lí.v ro , 0B<br />
jeto de nossos comerrt.â rLoa publf.<br />
cação da Editora Progresso, Ba<br />
hia, 1950, apresenta todas as li<br />
cenças emanadas da Academia Real,<br />
Santo Oficio, do Ordinário e De<br />
sembargo do Paço.<br />
2 o AUTOR: TRAÇOS BIOGRÂFICOS<br />
SEBASTIÃO DA ROCHA PITTA,<br />
historiador brasileirq nasceu em<br />
Salvador. BahIa , a3 de ma í o de<br />
1660. Foram seus progenitores<br />
João Velho Gondim e D. Brites da<br />
Rocha Pitta. Após os estudos no<br />
Colegio da Bahia,estudou Direito<br />
em Coimbra. De berço opulento, i~<br />
teligencia viva, espírito aberto<br />
à cultura que adquiriu naquele<br />
Colégio,não chegou a dou t.crar+se<br />
em Coimora como relatam alguns<br />
biógrafos. Coronel de ordenanças<br />
e fazendeiro, pertenceuà l\.oademia<br />
Brasíl1ca dos Esquecidos (1724),<br />
na qualidade de historiador e<br />
poeta. Estudou línguas; aprofu~<br />
dou-se no francês, italiano e h2<br />
landês. Aprimorou o seu castelha<br />
no, que sabia bem.<br />
Faleceu em Cachoeirú,no es<br />
tado natal, a 2 de novembro de<br />
1738, deixando urna História da<br />
América Portuguesa.um Tratado Po<br />
lítico (inêdito) e poemas gong~<br />
ricos ..<br />
3 O ESTILO<br />
O estilo de Rocha Pitta é<br />
o que há de rebuscadoe enfadonho.<br />
Eis como descreve o Brasil.<br />
"Do Novo Hundo, tantos se<br />
eules escondido e de tantos sa<br />
bios calumniado, onde não chegaram<br />
Hannon com suas navegações, Her<br />
cules Lybico com suas -columnas.<br />
nem Hercules Thebano com suas em<br />
Çad. pesq. Sãb Luís, 4 (2): 54 ~ 64, jul./dez. 1988 55
presas,e melhor porçao o Brasil;<br />
vastissima região felicissimo ter<br />
~<br />
reno,em cuja superficie tudo sao<br />
fructos, em cujo centro tudo<br />
thesouros, em cujas monta~has e<br />
costas tudo são aromas, tributan<br />
do os seus campos o mais util ali<br />
mento, as suas m1nas o mais fino<br />
ouro, os seus troncos o mais<br />
suave balsamo, e os seu s mares<br />
ambar ... 11<br />
~ O lirismo escolar que<br />
aprendemos na nossa infância e de<br />
que nos separamos tão cedo com<br />
sacrificio de algumas ilusões. Os<br />
defeitos de sua maneira de escre<br />
ver eram os da época; amava o re<br />
buscado da forma, as imagens ti<br />
radas à antiguidade. A sonorida<br />
de e o efeito da frase tinham ca<br />
pital importância.<br />
Por outro lado, o estilo da<br />
sua obra é tipicamente gongóricq<br />
aceito oficialmente pelas agr!<br />
miações literárias e históricas<br />
do tempo. A despeito disso, do<br />
prejuízo causado muitas veze~ a<br />
clareza de expressão, é Rocha<br />
Pitta o mais aIto valor da "Aca<br />
demia dos Esquecidos". Como·afir<br />
ma Silvio Romero: "a nota pred~<br />
minante no autor da História da<br />
América Portuguesa ê o patriotis<br />
mo; ele amava este pals;o se~ li<br />
vro e urna espécie de hino patrió<br />
tico",<br />
podemos afirmar que e, cer<br />
tamente, um dos grandes respo~<br />
sáveis pelo nosso ufanismo p~<br />
triótico. A título de exemplo,<br />
este trecho onde mostra a imagem<br />
do Brasil:<br />
"Em nenhuma outra região se<br />
mostra o céu mais sereno, nem ma<br />
druga a mais bela a aurora;o sol<br />
em nenhum outro hemisfério tem os<br />
raios mais dourados, nem os re<br />
flexos noturnos mais brilhantes;<br />
~<br />
as estrelas sao as mais benignas<br />
e se mostram sempre alegres os ho<br />
rizontes, ou nasça o sol, ou se<br />
sepulte, estão sempre claros; as<br />
aguas, ou se tomem nas fontes p~<br />
Ias campos, "ou dentro das<br />
voaçoes nos aquedutos ,são as mais<br />
puras ".<br />
Basta uma leitura<br />
ficial desses fragmentos<br />
perceber que Rocha Pitta<br />
supeE.<br />
para se<br />
descre<br />
ve o Brasil como um paraíso teE.<br />
renal. Na arquitetura dodiscurso<br />
apologético do historiador I co~<br />
correm vetoz-es eulturais que se<br />
originam no século XVI encarnados<br />
no mito do eldorado,e outr6s que<br />
o Barroco determinou. Com efeito,<br />
o derrame verbal de Rocha Pitta,<br />
tirado à retórica mais sibilante,<br />
resulta da perduração dum estado<br />
de ânimo vigente já nas primeiras<br />
décadas de nossa história, e do<br />
apoio magnificador emprestado p~<br />
56 Cad. Pesq , são Luis, 4 (2): 54 ~ 64, jul./dez, 1988
Ia est~tica barroca_ Desse modo,<br />
o escritor se distingue como uma<br />
espécie de representante repleto<br />
de prosa gongórica entre nós lCO~<br />
dição essa que permite situá-lo<br />
facilmente nos quadros literários;<br />
a incontinência vocabular compr~<br />
mete-o de forma decisiva, mas o<br />
transporte lírico que o sustenta<br />
assinala um estilista porventura<br />
inconformado com a linguagem um<br />
tanto embotada que a historiogr~<br />
fia seiscentista empregava.<br />
Seja como for, o ufanismo<br />
altissoante de Sebastião da Rocha<br />
Pitta insere-se numa linha de for<br />
ça que, iniciada na altura do de~<br />
cobrimento do Brasil, permanece<br />
at.ê os nossos dias com suas vir<br />
tudes e defeitos.<br />
4 A OBRA<br />
A Historia da América Por<br />
tuguesa de Rocha Pitta é consti<br />
tuida de dez "Livros" repartidos<br />
em tópicos encimados por titulo<br />
dos capitulos e..xplicativosdo con<br />
teúdo. Ela abrange u.m período<br />
que vai desde o descobimento do<br />
Brasil, 1500, atê o ano de 1724.<br />
O titulo da obra implica fideli<br />
dade à l
um filho qualquer do Índio que<br />
praticara o crime, e, no caso de<br />
não ter nenhum, lançava mão do pa<br />
rente mais próximo, ficando este<br />
como escravo daquela familia por<br />
toda a vida.<br />
No 29 Livro, refere-se à<br />
fundação de virias provlncias co<br />
mo as da Bahia, Pará, Maranhao,<br />
Ceará, Rio Grande, Paraiba, Ita<br />
maracá, Pernambuco,Sergipe,Porto<br />
Seguro, Ilhéus, Espírito Santo,<br />
Rio de Janeiro e são Vicente.Faz<br />
uma descrição sobre a grandeza e<br />
povoação do recôncavo baiano. Res<br />
salta a existênciade 150 engenhos,<br />
uns de água, outros movidos a ca<br />
valos, saindo em cada ano 15 a 16<br />
mil caixas de açúcar. Faz uma co<br />
locação sobre a sociedade da<br />
época: os escravos, que se desta<br />
cavam no serviço dos engenhos,<br />
plantio da cana-de-açúcar e de<br />
outras lavourasjalêm dos nobres,<br />
que gozavam de todos os pr í.v í.Lâ<br />
gios.A JX>P.1laçãoabrangia 100 L<br />
000<br />
habitantes sem contar os que não<br />
frequentavam o confissionárioL<br />
Há um engano do<br />
página 67, quando ele<br />
João III doou à Bahia<br />
autor, na<br />
diz que D.<br />
o seu escu<br />
do d'armas. Segundo Gabriel<br />
Soares de Sousa, melhorinformadq<br />
quem atribuiu esse brasão à ci<br />
dade baiana foi Duarte da Cos<br />
ta.l Na pag~na 71, comenta qu~<br />
antes de Aires da Cunha, esteve<br />
no Maranhã'o, Luiz de Melo da 8il<br />
va que, ao desembarcar na ilha,<br />
batizou-a com o nome de são Luis<br />
Rocha Pitta era na cronologia,<br />
colocando a expedição de L uiz de<br />
Melo antes da aventura de Aires<br />
da Cunha. Este, como um dos co-<br />
donatários da capitania do Mara<br />
nhao, zarpou de Lisboa em novem<br />
bro de 1534 como comandante de<br />
uma grande frota,indo morrer no<br />
naufrágio que lhe sucedeu nas<br />
costas do Maranhão.Luiz de Melo<br />
levou às mesmas águas a sua ar<br />
mada, em 1554, portanto vinte<br />
anos depois, sem obter maior<br />
eXito,pois escapou de perecer<br />
num desastre semelhante. Acabou<br />
desaparecendo com a nau em que<br />
voltava da India Em 1572. 2 Quanto<br />
ao nome de s.Luis dado à ilha<br />
do Maranhão, Berredo, copiando<br />
os cronistas franceses, diz: lia<br />
fortaleza ali fundada,a 8 de se<br />
tembro de 1612, em homenagem ao<br />
seu jovem rei, Luiz XIII. ... "3.<br />
(1} SOUSA.Gabrie1 Soares de. T):"atado Descritjvo do Brasil. p.15.<br />
(2) BARROS.,João de. Décadas (1496-1570.2.Lisboa,1777.Citado por COUTO.<br />
(3) BERREDO.Anais Históricos. 3 ed. p.59.<br />
58 Cad. Pesq. são Luís, 4 (2): 54 ~ 64, jul./dez. 1988
o Livro 39 comenta sobre os<br />
Governadores Gerais e a atuação<br />
deles no Brasil. Trata da Funda<br />
çao da Cidade de são Salvador e<br />
dos benefícios efetuados pelos<br />
seus administradores naquela Ci<br />
dade.<br />
o 49 estuda o Brasil sob o<br />
dominio holand~s e esse estudo<br />
continua até o Livro 59 que trata<br />
também da aclamação e morte de D.<br />
João IV. Na página l63,referente<br />
ao 49 Livro, há uma pas sagemi!2.<br />
teressante sobre Adr í.ào Pater que<br />
vale a pena comentarmos. Diz Ro<br />
cha Pitta:<br />
"O G enera 1 Ad r ião Pa ter ,que<br />
certo do seu inevitavel perigo,<br />
já se contentava com que a<br />
~<br />
ru~na<br />
da<br />
capitania holandesa acomp~<br />
nhasse a espanhola, vendo agora<br />
que desatracara e que a sua fi<br />
cara para perecer do incendio,<br />
não procurando salvar-se na nos<br />
sa por não servir ao triunfo do<br />
nosso general, quis ser singular<br />
na eleição da morte, acabando a<br />
vida a seu pr6prio voluntário i~<br />
pulso, antes que chegasse a peE.<br />
dê-la ao rigor das chamas de que<br />
to que ~ste seu famoso capitão,<br />
querendo poupar-lheos mausol~us,<br />
escondesse no profundo do oceano o<br />
seu cadáver".<br />
~ realmente bonita lenda,<br />
mais simplesmente lenda, o grande<br />
gesto de Adriao Pater atirando-<br />
se, armado e enrolado na bandei<br />
r.a,no mar, que o sepultou.Os r~<br />
latos mais frios da batalha que<br />
se deu na aia de Traição em 12<br />
de setembro de 1631 contam que,<br />
incendiada a nau capitânia,muito<br />
tempo ficou ele dependurado de<br />
um cabo, à espera de salvamento,<br />
caindo n'água quando lhe faltaram<br />
as forças ... observe-sea evolução<br />
do mito. Fr.Rafael de Jesus, Ca~<br />
trioto Lusitano, diz literalmen<br />
te: "amortalhado na honra se se<br />
pultou vivo".4 Rocha Pita fala<br />
que poupara os mausoléus, escon<br />
dendo, no profundo oceano, o cor<br />
po. Vieram, em seguida, os com<br />
pendios de história pátria que a<br />
aceitaram, fazendo circular a<br />
moeda falsa dessa enfase que ci<br />
tamos como indice das enfadonhas<br />
repetições, entre os antigos es<br />
critores da história.<br />
não podia livrar-se; fazendo vai Nos p~imE;ros parágrafOS<br />
dade de ter escolha naúltima des do Livro 59, os t.reohos são rep~<br />
graça, se lançou ao mar armado e tidos quase literalmente. Uma<br />
envolto no estandarte da sua Re parte de sua transcrição servirá<br />
pública, a qual pudera levantar para dar uma idéia do cuidado es<br />
estátuas ~ sua pos.ter.idade.,po~ tilistico do autor:<br />
(4} JESUS,Fr.Rafael de. Literatura Portuguesa. Lisboa,1679. p.66.<br />
Cad. Pesq ..são Luís, 4 (2}: 54 - 64, jul.jdez .1988 59
Il T in h a ch e g a d o o v e.n tu r o so<br />
p r a z o d o fel ic i s s í m o ano d e mil<br />
e seiscentos e quarenta,no ultimo<br />
mes em que terminava o seu mis<br />
terioso círculo,ponto em que aca<br />
bavam as desgraças de Portugal e<br />
principiavam as suas felicidades;<br />
limite prescrito das profeciasdo<br />
nosso Encoberto; termo dilatado e<br />
apetecido das nossas esperanças<br />
e tempo das nossas esperanças e<br />
tempo da iegunda cliusula da pr~<br />
messa de Deus Nosso Senhor", •.<br />
o Livro seguinte, o 69, in<br />
forma que: "Entra na regência do<br />
reino a serenissima senhora rai<br />
nha D. LuIsa"; fala de descobri<br />
mento e povoação das terras do<br />
Piauí. Aborda, ainda, o contágio<br />
da bexiga que assolou todo o re<br />
côncavo baiano. Acrescenta que a<br />
falta de médicos e remédios na<br />
cidade de Salvador fez com que<br />
inúmeras pessoas perecessem. Em<br />
conseqüência, muitos Senhores de<br />
Engenho ficaram pobres porque peE<br />
derfu~ todos seus trabalhadores e<br />
não puderam, sem suas vidas, be<br />
neficiar as suas possessoes. A<br />
seguir, registra uma fome geral<br />
no nosso país,onde o povo sofreu<br />
Oi<br />
durante vários anos devido a ca<br />
rênc.í a dos cultores das plantas<br />
e sementeiras e dos outros g~<br />
neros preciosos que alimentam a<br />
vida~<br />
Há outro engano de Rocha<br />
Pitta,. página 246, quando se re<br />
fere a um morador do sertão que<br />
visitou a Bahia e descobriu gra~<br />
des minas de pratanaquela região.<br />
Informou ao governador Afonso<br />
Furtado a referida descoberta. Em<br />
verdade, em 16710 filho do goveE-<br />
nador, João Furtado, escreveu ao<br />
provedor de paranaguá, Manuel de<br />
Lemos Condes, dizendo: "Recebi a<br />
carta que M.M. me escreveu em 10<br />
de maio deste ano com a nova do<br />
descobrimento das m i n a s de Para<br />
nagua 8 as duas barretas de prata<br />
que eram amostra de sua fi<br />
neza,.,"5<br />
o Livro 79 trata da vinda<br />
de Roque da Costa Barreto para<br />
governar o Estado do Brasil com<br />
o título de mestre-de-campo Gene<br />
ral; fala da Fundação da nova C~<br />
lonia do Sacramento, da sucessão<br />
de Costa Barreto por Antonio de<br />
Sousa de Menezes com o posto de<br />
Capitão Geral; das dissenções e<br />
FUR.TADO, João ao provedor de Par anaguà , 10 de maio de 1671..<br />
rico VI. p ..2<strong>82</strong>.<br />
Documento histõ<br />
Cad. Pesq. são Luis, 4 (2)~ 54 - 64, jul./dez. 1988
parcialidade na Bahia no tempo<br />
do seu governo. Nesse Livro, faz<br />
comentários sobre o ataque conta<br />
gioso da "bicha".No ano de 1686,<br />
em pernambuco,a causa desse gra~<br />
de mal foi devido aos pecados dos<br />
moradores dessa localidade, cor<br />
ruptos de vicias e culpas graves.<br />
Esta doença foi levada ao povo<br />
recifense com tanto excesso que<br />
morreram mais de 2.000 pessoas.<br />
Sobre a "bicha" em pernam<br />
buco chamada de "males", há cu<br />
riosas e insistentes notícias nas<br />
cartas do padre Antonio Vieira<br />
de 1686. Esse "novo" gênero de<br />
mal", identificado canoo primeiro<br />
surto de febre amarela no Brasil,<br />
matou grande número de importa~<br />
tes pessoas da Bahia.<br />
Eduardo de Faria no seu Li<br />
vro Novo Dicionário da Língua<br />
Portuguesa comen t.ae "Epi d em í a<br />
muito destrutora como foi a que<br />
assolou a Bahia em 1685,,6.<br />
o Livro 89 começa com a su<br />
cessão no governo geraldo Brasil<br />
por D. Pedra de Lencastro; trata<br />
da fundação de Casas de Moeda na<br />
Bahia, Rio de Janeiro e pernam<br />
buco;da introdução dos ouvidores<br />
das comarcas e juízes-de-fora em<br />
(6 )<br />
algumas províncias do Br.asil e<br />
das suas atuações •.Na página 302,<br />
o autor comenta: "o príncipe<br />
Zumbi com os mais esforçados gue.E.<br />
reiros e leais súditos, querendo<br />
obviar o ficarem cativos da n o. sa<br />
gente, e desprezando o morreram<br />
ao nosso ferro, subiram ã sua<br />
grande eminência e vo1untariamen<br />
te se despenharam, e com aquele<br />
genero de morte mostraram nao -<br />
amar a vic na escravidão,<br />
querer perdê-Ia aos nossos<br />
p e s" .<br />
e nao<br />
Rocha Pitta é responsável<br />
pela empolgante história do<br />
Zumbi, que se arrojou do alto<br />
monte, preferindo a morte nos<br />
abismos à ignomínia da escravi<br />
dão. Perpetuada a lenda na lite<br />
ratura e na emoção nacional, fOE<br />
neceu ao sentimento libertárioum<br />
símbolo: o remate dramático da<br />
aventura dos Palmares,o desfecho<br />
alegórico da rebelião dos negros<br />
Spartacus, o seu fim grandioso.<br />
Mas a verdade é diferente.Não di<br />
minui a importãncia da guerra que<br />
aos "quilombolas" fizeram os ca<br />
pitães de mato, mas restringe o<br />
episódio t.erm í neI do sacrifício<br />
do Zumbi a proporções modestas.<br />
FARIA, Eduardo de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janei<br />
ro, Ed. Vi11enenne, 1859. p. 64.<br />
Cad. Pesq. são Luis, 4 (2): 54 -e- 64, jul./dez .1988 61
o fato é que André Furtado de Men<br />
donça teve um prêmio por "haver<br />
morto e cortado a cabeça do negro<br />
Zumb i".7 Apanhado de surpresa com<br />
outros companheiros, graças à as<br />
túcia de um Itmulato~valido", !na<br />
taram-no a tiros: a cabeça foiex<br />
posta em lugar público para Irat~<br />
morizar os negros que super~t!<br />
ciosamente julgavam esteimortal"<br />
e assim abalou a tenaz resistên<br />
cia dos Palmares. 8<br />
NoLivro 99, comenta Ln.ící.a L<br />
mente a substituição do govern~<br />
dor e capitão general do Brasil, D.<br />
Rodrigo da Costa, por Luis Cesar<br />
de Menezes, alferes-mor do reii<br />
relata a morte do sereníssimo se<br />
nhor Rei D. pedro 11, além de ou<br />
tros assuntos.<br />
No Livro 109 e último,fala<br />
das minas de ouro em Jacobina<br />
(BA); da abertura, pela segunda<br />
vez, das casas de moedas no Rio<br />
de Janeiro e Bahia;aç~es do Vice<br />
Rei e os sucessos do Brasil du<br />
rante o seu governo, em que poe<br />
fim esta História.<br />
A obra de Sebastião da Ro<br />
cha Pitta, que compreende um p~<br />
riodo de duzentos e vinte e quatro<br />
anos (1500-1724), abrange, como<br />
vimos,aspectos políti~os,sociais<br />
e econômicos do Brasil. Muitos<br />
dos tópicos indicados são apenas<br />
alguns dos inúmeros que compõem<br />
a sua obra.A nosso ver,indicamos<br />
e comentamos os mais importantes.<br />
Foram selecionamos de modo a dar<br />
idéia, embora vaga, da diversida<br />
de imensa de temas e problemas<br />
contidos na sua História da Ame<br />
rica Portuguesa." Narrando aconte<br />
cimentos de 1724,nesse ano,Rocha<br />
Pitta concluiu a sua Barroca His<br />
tória.<br />
5 CONCLUSÕES<br />
(7) Revistado Institutodo Ceara.Capo XXXVII. p..8S..<br />
Do século XVIII ê a "Histõ<br />
ria da América Portuguesa" do<br />
poeta e historiador Sebastião da<br />
Rocha Pitta. Embora o seu livro<br />
contenha algumas informações va<br />
liosas, é muito prejudicado pelo<br />
estilo palavroso do autor~ Sua<br />
obra foi lida com entusiasmo, r~<br />
cebendo as licenças necessárias<br />
e os melhores elogios da Academia<br />
Real, ensejando sua publicação<br />
conforme observamos no início.<br />
Apesar de apresentar deturpações<br />
de fatos históricos e utilizar<br />
(8) ENNES,Ernesto..As guerrasdos Pàlmares..são Paulo, 1938~p.63.<br />
62 Cad. pesq. são LuIs, 4 (21~ 54 - 64, jul./dez. 1988
expressões empoladas, sua Hist~<br />
ria representa muito em nossas<br />
letras incipientes por ser a pr!<br />
meira tentativa de uma história<br />
sistematizada, alªm de traduzir,<br />
embora simploriamente um senti<br />
mento já amadurecido e generali<br />
zado; o orgulho da Pátria em for<br />
maçao.<br />
Não obstante Rocha Pitta<br />
tivesse como modelo o Lnc ompar â<br />
vel Frei Vicente do Salvador, re<br />
gistramos divergências estilíst!<br />
cas em seus escritos, considera~<br />
do que o primeiro compôs um livro<br />
documentado retórico e de lingu~<br />
gem empolada, enquanto o segundo<br />
em sua instrutiva Historiado Bra<br />
si1 proporciona leitura agradável<br />
com narraçao históricaentremeada<br />
de episódios engraçados e pit~<br />
rescos.<br />
o nosso historiógrafo re~~<br />
re-se muito à po Lft.Lcaj re.saLt.an<br />
do formas de governo e lutas em<br />
preendidas pelos franceses e ho<br />
landeses com a finalidade preci<br />
pua de ocuparem o território br~<br />
sileiro. Relativamente ao aspecto<br />
social, revela-nos a vida dos<br />
índies e dos escravos. Finalmen<br />
te, quanto à parte econômica, co<br />
menta a geologia dessa vasta re<br />
gião de solo fªrtil e clima salu<br />
tar, o que propicia a produção<br />
de várias culturas, descrevendo<br />
cada uma pormenorizadamente.<br />
Apesar do fraseado gongórico<br />
o. "barroqu í smo" que lhe sobreca:.::.<br />
rega a narrativa dos fatos histó<br />
ricos, sem entretanto lhe tirar -<br />
no essencial do livro - a fluên<br />
eia e a clareza, a HISTORIA DA<br />
AM~RICA PORTUGUESA de SEBASTIÃO<br />
DA ROCHA PITTA, sobrevivendo ao<br />
embate dos anos, continua indis<br />
pensável como reposi tório do sa<br />
ber para os estudiosos e pesqui<br />
sadores é , nossa hist6ria.<br />
SUMMARY<br />
This essay is the result<br />
of ahistorical study of Sebastião<br />
da Rocha Pitta's book. "History<br />
of Portugese America", published<br />
in Lisboa in the third decade of<br />
the eighteenth century. The essay<br />
distinguishes between the<br />
ideologica formation and style<br />
of the historian and the poli tical,<br />
social and economicrelationships<br />
which existed in Brasil from its<br />
discovery until 1724.<br />
BIBLIOG~IA CONSULTADA<br />
1. FONTES PRIMÁRIAS PUBLICADAS<br />
OFICIAIS<br />
BERREDO. AnnaesHistóricos. 3.ed.<br />
BARROS. João de. Décadas (1496-<br />
1570).Lisboa,1777. citado por<br />
COUTO.<br />
Correspondência do filho do gover<br />
nador da Bahia com o provedor<br />
Cad. pesq. são Luís, 4 ~): 54 - 64, jul./dez. 1988 63
64<br />
de paranaguá, 1671. Documento<br />
histórico VI.<br />
PERI6D ICO<br />
Revista do Instituto Histórico e<br />
Geográfico do Ceará RIHGB.cap.<br />
XXXVII<br />
2. F~NTES SECUNDÁRIAS<br />
ESPECIALIZADAS<br />
ENNES, Ernesto. As guerras dos<br />
Palmares. são Paulo, 1938.<br />
FARIA, Eduardo de. Novo Dicioná<br />
rio da Línguaportuguesa.4.ed.<br />
Rio, Villenenne, 1859.<br />
JESUS, Fr. Rafael de. ~eratura<br />
Portuguesa. Lisboa, 1679.<br />
PAIS, Simão Ferreira. As famosas<br />
armadas portuguesas. Rio,1937.<br />
PITTA, Sebastião da Rocha. História<br />
da América Portuguesa. 3. ed.<br />
Bahia. Progresso, 1950.<br />
____ , Tratann PQ1ítico. Bras!<br />
lia, Instituto Nacional do Li<br />
vro, 1972.<br />
ENDEREÇO DO AUTOR<br />
THEREZlNHADE .)"ESJS MARILIAAIMEIDA<br />
TAVARES<br />
Departamento de História e GeQ<br />
ciências ,_<br />
Centro de Estudos Básicos/UFMA<br />
Campus Universitário-Bacanga<br />
Tel.: (098) 221~5433<br />
SÃO LU1:S ~.MA •.<br />
Cad. Pesq. são Luis, 4 (2): 54 - 64, jul./dez. 1988