20.04.2013 Views

entre o viajar eo narrar: o olhar viajante de d.pedro ii em minas gerais

entre o viajar eo narrar: o olhar viajante de d.pedro ii em minas gerais

entre o viajar eo narrar: o olhar viajante de d.pedro ii em minas gerais

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

ENTRE O VIAJAR E O NARRAR: O OLHAR VIAJANTE DE D.PEDRO<br />

II EM MINAS GERAIS (1881)<br />

João Ricardo Ferreira. Pires FUNEDI/UEMG 1<br />

A comunicação se propõe a discutir o diário <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> a Minas Gerais do Imperador D.Pedro<br />

II <strong>de</strong> 1881. Em um momento crítico <strong>de</strong> seu governo – a década <strong>de</strong> 1880 assistirá ao<br />

recru<strong>de</strong>scimento das forças contrárias ao regime até seu esgotamento final <strong>em</strong> 1889 – o<br />

Imperador e seu séquito viajam pela região central e zona da mata mineira num exercício <strong>de</strong><br />

espacialização do po<strong>de</strong>r. Propomos usando da fala do Imperador discutir as características da<br />

sua narrativa <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> e, ainda, o que chama sua atenção tanto na viag<strong>em</strong> quanto na escrita,<br />

chegando assim, próximo dos sentidos <strong>de</strong>sta viag<strong>em</strong>. Propomos uma leitura atenciosa do diário<br />

<strong>de</strong> viag<strong>em</strong> a Minas, comparando com outros diários <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> do próprio Imperador, para<br />

chegarmos mais perto <strong>de</strong> uma conceituação <strong>de</strong> D. Pedro II como um <strong>viajante</strong> típico do XIX,<br />

informado pela ciência e pelas construções imagéticas do Romantismo.<br />

Palavras-Chave: D. Pedro II, Narrativa <strong>de</strong> Viag<strong>em</strong>, Minas Gerais.<br />

“As viagens são os <strong>viajante</strong>s. O que v<strong>em</strong>os, não é o que v<strong>em</strong>os, senão o que somos”.<br />

(Fernando Pessoa)<br />

O texto que ora apresentamos é uma pequena parte do terceiro capítulo da nossa<br />

dissertação <strong>de</strong>fendida <strong>em</strong> 2007 no programa <strong>de</strong> pós-graduação <strong>em</strong> História da UFMG na qual<br />

tratamos da viag<strong>em</strong> e do diário <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> <strong>de</strong> D. Pedro II a Minas Gerais <strong>em</strong> 1881.<br />

Recortamos a parte que discute as características da sua narrativa <strong>de</strong> viag<strong>em</strong>.<br />

Uma questão fundamental para o entendimento <strong>de</strong> nosso objeto é a narrativa, ou seja,<br />

os el<strong>em</strong>entos discursivos utilizados por D. Pedro II. Qual seria a técnica narrativa utilizada?<br />

Quais são os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> narrativa conhecidos e manejados pelo Imperador? Primeiro<br />

<strong>de</strong>finamos narrativa: sumariamente, por narrativa estar<strong>em</strong>os enten<strong>de</strong>ndo o estabelecimento<br />

<strong>de</strong> uma organização t<strong>em</strong>poral, através <strong>de</strong> que o diverso, irregular e aci<strong>de</strong>ntal entram <strong>em</strong><br />

or<strong>de</strong>m; or<strong>de</strong>m que não é anterior ao ato da escrita, mas coinci<strong>de</strong>nte com ela; que é pois<br />

constitutiva <strong>de</strong> seu objeto[...] (LIMA, 1989, p. 17)<br />

1 Mestre <strong>em</strong> História pela UFMG.


Nesse conceito <strong>de</strong> narrativa estão presentes algumas questões fundamentais no que se<br />

refere à escrita auto-referencial: a organização do <strong>de</strong>scontínuo t<strong>em</strong>poral <strong>em</strong> uma or<strong>de</strong>m<br />

contínua; é no ato <strong>de</strong> <strong>narrar</strong> que a or<strong>de</strong>m dos eventos surge, ou seja, a matéria narrada possui<br />

uma in<strong>de</strong>terminação que é própria da vida humana, quando esta matéria se torna uma narração<br />

ela adquire uma or<strong>de</strong>m. Essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar o <strong>de</strong>vir humano está na<br />

orig<strong>em</strong> da necessida<strong>de</strong> da escrita. Para D. Pedro II a viag<strong>em</strong>, com toda sua in<strong>de</strong>terminação<br />

adquire um sentido, adquire uma organização t<strong>em</strong>poral e espacial quando ele, passado tudo<br />

isso, narrava os eventos colocando-os <strong>em</strong> seqüência e construindo assim uma continuida<strong>de</strong>.<br />

A narrativa é uma explicação <strong>de</strong> tipo causal, ela vai criando laços <strong>de</strong> significado <strong>entre</strong><br />

um acontecimento e outro, ela nos fala da influência <strong>de</strong> fatos anteriores <strong>em</strong> fatos posteriores e<br />

para isso ela monta uma configuração, um <strong>de</strong>senho significativo da mudança, da passag<strong>em</strong> do<br />

t<strong>em</strong>po. D. Pedro II escreve <strong>de</strong> maneira esqu<strong>em</strong>ática: não é uma escrita corrida, com<br />

parágrafos e frases gran<strong>de</strong>s e elaboradas, ele vai só pontuando as coisas que fez ao longo do<br />

dia. Escreve muitas vezes a hora e imediatamente, s<strong>em</strong> nenhuma outra palavra, o nome do<br />

local visitado acrescido <strong>de</strong> um adjetivo. Ele monta quadros curtos <strong>de</strong>finindo o que fez e o que<br />

achou das pessoas e dos lugares. São instantân<strong>eo</strong>s parciais dos vários momentos da viag<strong>em</strong>.<br />

Vejamos uma passag<strong>em</strong> b<strong>em</strong> ilustrativa <strong>de</strong>sses quadros instantân<strong>eo</strong>s:<br />

[...] 11 h 5’. Vê-se a ponte. Chegamos às 11 ¼. Almoço e pouco <strong>de</strong>pois conversei<br />

com o dr. Mo<strong>de</strong>stino Franco que julga que a estrada <strong>de</strong> ferro <strong>de</strong>ve ir até a foz do<br />

Paraúna. Partida às 12 ½. 1 h 5’. Lugar das estacas resto <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong><br />

mineração. Vamos <strong>de</strong>vagar porque o barco po<strong>de</strong> bater. Ficar perto do lugar<br />

chamado Carreira-Comprida. 1 h 25’. Defronte casa da fazenda da Carreira-<br />

Comprida. 1 ½ acabou a estacada. 2 h 12’. Ponta <strong>de</strong> areia que se adianta da<br />

marg<strong>em</strong> esquerda no lugar Taquaras. 2 h 4’. Passou-se a ilha das Taquaras que t<strong>em</strong><br />

seu comprimento. 2 ¾. Marg<strong>em</strong> direita fazenda <strong>de</strong> Joaquim Moreira das pedras. O<br />

rio é aqui bastante fundo. 3 h 5’ Ribeirão da Mata. 3 h. Muitas macaúbas<br />

(acrocomia selerocarpa). Mat. St. Hilaire — Voyages dans les provinces <strong>de</strong> Rio<br />

etc., 1 ère partie vol. 2 pág. 377. 3 h 35’. Passamos por <strong>de</strong>fronte da casa do engenho<br />

<strong>de</strong> cana do major Fre<strong>de</strong>rico Dolabella, Encerra-bo<strong>de</strong>s, irmão do dr. Mo<strong>de</strong>stino <strong>de</strong><br />

Sta. Luzia. 4 h. Avista-se a serra da Pieda<strong>de</strong> do lado para on<strong>de</strong> o rio corre [..] 2 .<br />

É uma escrita impressionista: ele pincela os quadros <strong>de</strong> maneira rápida e com poucas<br />

cores e, mais, parece não ter muito t<strong>em</strong>po a per<strong>de</strong>r com a escrita, escreve rápido resumindo os<br />

eventos a poucas palavras, ele corre com a escrita tal como correu na viag<strong>em</strong>. Sobrava-lhe<br />

muito pouco t<strong>em</strong>po para esses afazeres mais pessoais. Normalmente o t<strong>em</strong>po para suas notas<br />

2 BEDIAGA, B. (org). Diário do Imperador D. Pedro II. Petrópolis: Museu Imperial, vol. 24, 1999, p. 46-48 do<br />

manuscrito.


<strong>de</strong> viag<strong>em</strong> era à noite, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um dia todo exaustivo <strong>de</strong> encontros, cerimônias, visitas ou<br />

<strong>de</strong>slocamentos <strong>em</strong> cima <strong>de</strong> cavalos e burros.<br />

Há, ainda, uma questão importante a ser discutida que está relacionada com narrativa<br />

do diário <strong>de</strong> D. Pedro II: a relação <strong>entre</strong> discurso e po<strong>de</strong>r, narrativa e política. Toda escrita é<br />

política na medida <strong>em</strong> que é performativa, poiética, ou seja, produtora <strong>de</strong> sentido, produtora<br />

<strong>de</strong> mundos significativos. Todo discurso é disciplinador, elabora formas <strong>de</strong> seleção, <strong>de</strong><br />

exclusão e interdição, ele quer dominar o evento aleatório e construir um repertório narrativo<br />

controlador. A narrativa é retórica, possui intenções persuasivas, quer passar e “ven<strong>de</strong>r” uma<br />

imag<strong>em</strong> e, por isso, <strong>de</strong>monstra uma articulação específica <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, se há a tentativa <strong>de</strong><br />

convencer há uma relação assimétrica <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A narrativa po<strong>de</strong> ser uma forma <strong>de</strong> anular o<br />

outro (BENATI, 2000, p. 63-103). Po<strong>de</strong>mos chamar atenção para a politização da linguag<strong>em</strong>,<br />

para o po<strong>de</strong>r das palavras e o po<strong>de</strong>r nas palavras. A narrativa <strong>de</strong> D. Pedro II <strong>viajante</strong> aponta<br />

para isso: ele vai construindo, ao longo do diário, um mapa do po<strong>de</strong>r mineiro na época: por<br />

on<strong>de</strong> ele passa, as fazendas <strong>em</strong> que se hospeda há s<strong>em</strong>pre, se não um comentário, ao menos a<br />

referência à classe senhorial do lugar. Receber o Imperador dava, com certeza, prestígio a<br />

esses senhores. Ser citado no diário do Imperador <strong>de</strong>notava as relações duplas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r: é o<br />

Imperador, que, com sua presença, conce<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, interfere no jogo político local e, ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po, o po<strong>de</strong>r central se fortalece com o apoio dos po<strong>de</strong>res locais. Como ex<strong>em</strong>plo, as<br />

festas <strong>de</strong> recepção eram momentos claros <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ssa partida dupla do po<strong>de</strong>r.<br />

Po<strong>de</strong>mos dizer que a narrativa do Imperador é uma forma <strong>de</strong> política, uma forma <strong>de</strong><br />

exercer po<strong>de</strong>r, já que suas palavras são carregadas dos mais variados sentidos políticos: o<br />

sentido mais geral, das questões críticas do Império (estamos na década crucial para o que a<br />

historiografia imperial <strong>de</strong>fine como Crise do Império); um sentido mais local <strong>de</strong> configuração<br />

<strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho político da província ou dos municípios; um sentido mais interno, da própria<br />

escrita configurando um <strong>de</strong>senho outro do po<strong>de</strong>r provincial e; um sentido mais interno ainda,<br />

das próprias opiniões e comentários pessoais <strong>de</strong> D. Pedro II. Escrever é dobrar-se sobre si<br />

mesmo, é comprometer-se, toda escrita é produtora <strong>de</strong> sentidos e não mero reflexo do mundo.<br />

Tal como a viag<strong>em</strong> que possui um caráter político claro, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

ser <strong>em</strong> se tratando do Imperador <strong>de</strong> um país viajando por seu próprio império, o Diário,<br />

também, é político. Nele assistimos o político Pedro participando <strong>de</strong> cerimônias oficiais;<br />

visitando e inquirindo como um chefe os órgãos públicos; prestigiando <strong>de</strong>terminadas figuras<br />

políticas da província; numa palavra: um gran<strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> visualização política. Sua escrita<br />

se <strong>de</strong>bruça - na sua gran<strong>de</strong> parte - nos momentos mais nitidamente políticos e públicos. São


esses eventos feitos aos olhos <strong>de</strong> todos, como representante político maior do país, que<br />

merec<strong>em</strong> ser<strong>em</strong> eternizados pela escrita. Aos outros, aos eventos íntimos, apenas poucas ou<br />

quase nenhuma palavra. Por isso diz<strong>em</strong>os que é uma escrita pública, que não possui o trato<br />

íntimo que o senso comum consi<strong>de</strong>ra presente nos diários. Nos atentar<strong>em</strong>os a partir daqui <strong>em</strong><br />

analisar a aproximação do Imperador com as formas <strong>de</strong> se <strong>viajar</strong> no século XIX, notadamente<br />

as viagens aristocráticas e o “Grand Tour”.<br />

D. Pedro II logo no início do único diário que sobrou no qual estão lançadas notas dia-<br />

a-dia durante um ano (1862) <strong>de</strong>clara seu <strong>de</strong>sejo por viagens: Nasci para consagrar-me às<br />

letras e às ciências e, a ocupar posição política, preferia a <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> República ou<br />

ministro à <strong>de</strong> imperador. Se ao menos meu pai imperasse ainda estaria eu há 11 anos com<br />

assento no Senado e teria viajado pelo mundo [...] 3 . D. Pedro II fez essas tão sonhadas<br />

viagens ao exterior. Mas ele não era um turista comum e não só por ser Imperador - ele<br />

tentava nestas viagens se afastar, o quanto podia, da imag<strong>em</strong> majestática no exterior -, mas<br />

por procurar nestas viagens não apenas prazer, mas também instrução. Viajar para a Europa<br />

no século XIX representava carimbar no “passaporte” o selo da cultura, da civilização e era<br />

<strong>em</strong>preitada para poucos. D. Pedro II representava o que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> grand tourist,<br />

<strong>viajante</strong>s que tinha t<strong>em</strong>po e recursos <strong>de</strong> sobra para permanecer muito t<strong>em</strong>po nos locais<br />

visitados. D. Pedro II gastou b<strong>em</strong> mais <strong>de</strong> um ano <strong>em</strong> cada uma das duas primeiras viagens<br />

internacionais. A viag<strong>em</strong> era o momento <strong>de</strong> ver com os próprios olhos todos os monumentos,<br />

lugares e pessoas que formaram a cultura intelectual ao longo do século XIX. Era o momento<br />

para D. Pedro II ver com os próprios olhos o que lia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a infância. Não por outro motivo<br />

vai se avistar e vai conviver com vários escritores, intelectuais e cientistas no Velho Mundo.<br />

Esse tipo <strong>de</strong> grand tour atestava a supr<strong>em</strong>acia européia, era um valor <strong>de</strong> status, ter viajado<br />

para Europa conferia superiorida<strong>de</strong>.<br />

Na tese <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong>te Daflon do Santos sobre a importância da viag<strong>em</strong> <strong>em</strong> escritores<br />

brasileiros há a construção <strong>de</strong> duas linhagens <strong>de</strong> escritores-<strong>viajante</strong>s: a linhag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Nabuco e<br />

a linhag<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rnista. A primeira é b<strong>em</strong> s<strong>em</strong>elhante a este tipo <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> que falamos<br />

3 PEDRO II. Diário <strong>de</strong> 1862. Anuário do Museu Imperial, Petrópolis, v. 17, 1956, p. 15. Neste mesmo diário e na<br />

mesma página D. Pedro diz que queimou seus apontamentos <strong>de</strong> anos passados e a nota 1 (as notas foram feitas<br />

por Hélio Vianna) informa: “Realmente a não ser quanto à viag<strong>em</strong> às províncias da costa Leste e Nor<strong>de</strong>ste<br />

[parte publicado <strong>em</strong>: PEDRO II. Viagens pelo Brasil: Bahia, Sergipe, Alagoas, 1859. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bom<br />

Texto; Letras & Expressões, 2003], não se conhec<strong>em</strong> apontamentos diários <strong>de</strong> D. Pedro II senão posteriores a<br />

estes. Excetuam-se notas datadas, como as que conservou o mordomo Paulo Barbosa da Silva, atualmente <strong>em</strong><br />

po<strong>de</strong>r do Prof. Américo Jacobina Lacombe” (p. 15). D. Pedro II diz que seria senador porque o art. 46 da<br />

Constituição Imperial dava como lei que os príncipes da Casa Imperial ao completar<strong>em</strong> 25 anos se tornariam<br />

automaticamente senadores.


acima: são os <strong>viajante</strong>s que, tal como Joaquim Nabuco, t<strong>em</strong> a imaginação européia, que<br />

viajam pr<strong>eo</strong>cupados <strong>em</strong> vivenciar aquilo que leram durante a vida. D. Pedro II estaria mais<br />

próximo da linhag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Nabuco, pois a mo<strong>de</strong>rnista já são aqueles pr<strong>eo</strong>cupados com a viag<strong>em</strong><br />

interna ao país, interna a cultura nacional. Passa do <strong>de</strong>slumbre com a Europa para uma certa<br />

crítica e um voltar para <strong>de</strong>ntro 4 . Esse <strong>olhar</strong> educado pelas coisas da ciência e do intelecto<br />

também vai estar presente na viag<strong>em</strong> a Minas.<br />

Encerramos nosso texto com algumas indagações: Quais po<strong>de</strong>riam ser as<br />

características da narrativa <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> do Imperador? O que lhe pren<strong>de</strong> a atenção na viag<strong>em</strong> e<br />

na escrita? Há uma s<strong>em</strong>elhança <strong>de</strong> forma <strong>entre</strong> <strong>narrar</strong> e <strong>viajar</strong>: todos os dois são<br />

<strong>de</strong>slocamentos, todos os dois alteram o que estava aceito e constro<strong>em</strong> novos sentidos para o<br />

que estava dado. D. Pedro II ao <strong>de</strong>slocar-se espacialmente <strong>de</strong>sloca seu <strong>olhar</strong>, <strong>de</strong>sloca seus<br />

conceitos, <strong>de</strong>sloca os mineiros. O livro <strong>de</strong> Sussekind (1990), já citado, discorrendo sobre o<br />

narrador <strong>de</strong> ficção na literatura brasileira do século XIX nos aponta questões importantes: o<br />

principal interlocutor do primeiro narrador na literatura brasileira da primeira meta<strong>de</strong> do<br />

século XIX é o <strong>viajante</strong>-naturalista e seus relatos <strong>de</strong> viag<strong>em</strong>. D. Pedro II, <strong>em</strong> várias passagens<br />

do diário, dialoga com o relato <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> naturalista <strong>de</strong> Saint Hilaire, como já explicamos no<br />

segundo capítulo. Mais do que interlocutor, do narrador <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> esse primeiro narrador<br />

literário brasileiro toma algumas características, tais como a sensação <strong>de</strong> não estar <strong>de</strong> todo.<br />

Escrever relatos <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> é o <strong>de</strong>slumbramento participante: passou-se o momento especial,<br />

os eventos da viag<strong>em</strong> e o narrador tenta, contra essa passag<strong>em</strong>, marcar os acontecimentos<br />

importantes para que não se perca, ao menos na m<strong>em</strong>ória escrita, o t<strong>em</strong>po da alegria, do idílio<br />

da viag<strong>em</strong>. Além do que se escreve s<strong>em</strong> estar-se <strong>de</strong> todo, pon<strong>de</strong>rando, julgando, reelaborando<br />

o vivido. D. Pedro II mesmo escrevendo no percurso da viag<strong>em</strong> produz essa reelaboração,<br />

pois escrevia ao final do dia, passado as experiências sobre as quais escrevia.<br />

FONTES<br />

BEDIAGA, B. (org). Diário do Imperador D. Pedro II. Petrópolis: Museu Imperial, vol. 24,<br />

1999.<br />

4 Para o grand tour ver: SALGUEIRO, Valéria. Op. cit. Para a tese <strong>de</strong> Clau<strong>de</strong>te Santos ver: SANTOS, Clau<strong>de</strong>te<br />

Daflon dos. A Viag<strong>em</strong> e a Escrita: Uma reflexão sobre a importância da viag<strong>em</strong> na formação e produção<br />

intelectual dos escritores-<strong>viajante</strong>s brasileiros. Tese <strong>de</strong> Doutorado apresentada no <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Letras da<br />

PUC-RJ. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2002. A tese - PIMENTEL, Thais Velloso Cougo. Op. cit - analisa a narrativa <strong>de</strong><br />

viag<strong>em</strong> <strong>de</strong> alguns escritores que também po<strong>de</strong>m ser enquadrados nesta linhag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Nabuco.


GUIMARÃES, Argeu. D. Pedro II nos Estados Unidos (as reportagens <strong>de</strong> James O’Kelly e o<br />

Diário do Imperador). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Civilização Brasileira S. A, 1961.<br />

PEDRO II. Viagens pelo Brasil: Bahia, Sergipe, Alagoas, 1859. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bom Texto;<br />

Letras & Expressões, 2003.<br />

PEDRO II. Diário <strong>de</strong> 1862. Anuário do Museu Imperial, Petrópolis, v. 17, 1956.<br />

PEDRO II. Conselhos à Regente. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria São José, 1958.<br />

SANTOS, Francisco Marques dos. D Pedro II e a Província do Paraná (Diário da Visita <strong>de</strong> D.<br />

Pedro II a Província do Paraná). Anuário do Museu Imperial, Petrópolis, v. 20, p. 29-75,<br />

1959.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

BENATTI, Antonio Paulo. História, Ciência, Escritura e Política. In: RAGO, Margareth;<br />

GIMENES, Renato Aloizio <strong>de</strong> Oliveira(orgs). Narrar o Passado, Repensar a História.<br />

Campinas: UNICAMP, 2000, p. 63-103.<br />

LIMA, Luiz Costa. A Narrativa na escrita da História e da Ficção. In: LIMA, Luiz Costa. A<br />

Aguarrás do T<strong>em</strong>po: estudos sobre narrativa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Rocco, 1989, p. 15-121.<br />

PIMENTEL, Thais Velloso Cougo. De Viagens e <strong>de</strong> Narrativas: Viajantes Brasileiros no<br />

Além-Mar (1913-1957). Tese <strong>de</strong> Doutorado apresentada a FFLCH/USP. São Paulo, 1998.<br />

SALGUEIRO, Valéria. Grand Tour: uma contribuição à história do <strong>viajar</strong> por prazer e por<br />

amor à cultura. Disponível <strong>em</strong>: http:/www.scielo.br/pdf/rbh/v22n44/14001.pdf Acessado <strong>em</strong><br />

21/04/06 18:52.<br />

SANTOS, Clau<strong>de</strong>te Daflon dos. A Viag<strong>em</strong> e a Escrita: Uma reflexão sobre a importância da<br />

viag<strong>em</strong> na formação e produção intelectual dos escritores-<strong>viajante</strong>s brasileiros. Tese <strong>de</strong><br />

Doutorado apresentada no <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Letras da PUC-RJ. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2002.<br />

SUSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viag<strong>em</strong>. São Paulo: Cia das<br />

Letras, 1990.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!