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o olhar materno:um enfoque no narcisismo. - Sigmund Freud ...

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O OLHAR MATERNO:UM ENFOQUE NO NARCISISMO.<br />

Graciana St<strong>um</strong>pf Heck<br />

Núcleo de Estudos <strong>Sigmund</strong> <strong>Freud</strong><br />

Formação em Psicanálise<br />

Porto Alegre, julho de 2007


Um forte egoísmo protege contra o adoecimento, mas, <strong>no</strong> final,<br />

precisamos começar a amar para não adoecer, e iremos<br />

adoecer se, em conseqüência de impedimentos, não pudermos<br />

amar. (FREUD, 1914, p. 106)


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 4<br />

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................................................... 5<br />

2.1.Nas origens do mito................................................................................................... 5<br />

2.2. Contextualização histórica....................................................................................... 6<br />

2.3. Conceitualização de Narcisismo............................................................................... 8<br />

3. ILUSTRAÇÃO DE CASO CLÍNICO E QUESTIONAMENTOS<br />

TEÓRICOS.............................................................................................................................<br />

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 17<br />

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 18<br />

12


INTRODUÇÃO<br />

A motivação para escrever o presente trabalho, tendo como tema central o<br />

Narcisismo, surgiu a partir de <strong>um</strong> seminário ministrado por Eurema Gallo de Moraes <strong>no</strong><br />

Núcleo de Estudos <strong>Sigmund</strong> <strong>Freud</strong>. Partindo da teoria, a escuta clínica de <strong>um</strong>a paciente<br />

em especial passou a ter <strong>um</strong> sentido diferente.<br />

No início do tratamento, questionava-me a respeito das escolhas de objeto feitas<br />

por esta paciente. Fui compreendendo que sua história de vida estava diretamente<br />

relacionada com tais escolhas, <strong>um</strong>a vez que mostravam-se alicerçadas n<strong>um</strong>a “falha” do<br />

Narcisismo.<br />

Inicio este trabalho trazendo o mito de Narciso, que explana o amor de <strong>um</strong><br />

indivíduo por si mesmo. Em seguida, faço <strong>um</strong>a breve contextualização, tanto a nível<br />

histórico do tema proposto, quanto a nível pessoal, enfocando o momento em que <strong>Freud</strong><br />

desenvolve o tema do Narcisismo. Após, desenvolvo <strong>um</strong>a revisão teórica , baseada em<br />

autores clássicos e contemporâneos, que tem como objetivo elucidar o tema proposto.<br />

Além disso, farei <strong>um</strong>a discussão de <strong>um</strong> caso clínico, relacionando a teoria com a prática.<br />

Gostaria ainda de salientar que abordar este tema, n<strong>um</strong> breve trabalho como este,<br />

é <strong>um</strong>a tarefa complexa e difícil. Desta forma, tenho o objetivo de fazer alg<strong>um</strong>as<br />

reflexões a respeito do tema do Narcisismo, sem a pretensão de esgotar tal assunto.


2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA<br />

2.1. Nas origens do mito<br />

Narciso é filho do rio Céfiso e da Ninfa Liríope. Embora tenha sido <strong>um</strong>a<br />

gravidez não desejável e árdua, fora concebido este lindo meni<strong>no</strong>. Narciso era<br />

considerado <strong>um</strong> mortal de suprema beleza, mais belo do que os próprios imortais,<br />

despertando o desejo das deusas, ninfas e jovens da Grécia. No entanto, toda esta<br />

formosura do filho despertava <strong>um</strong> certo receio em Liríope. Frente a tal preocupação, vai<br />

consultar Tirésias (adivinho, profeta) para saber quantos a<strong>no</strong>s viveria seu filho, visto<br />

que era o mais esplêndido dos mortais. Tirésias comunica à Liriope que seu filho<br />

poderia viver muitos a<strong>no</strong>s, com a condição de que não se visse. (BRANDÃO, 2000)<br />

Narciso passou a despertar o encantamento de muitas jovens e ninfas.<br />

Entretanto, o jovem filho do rio Céfiso mostrava-se indiferente a quem se maravilhava<br />

por ele. Uma ninfa chamada Eco se apaixo<strong>no</strong>u por Narciso. Eco havia sido punida pela<br />

deusa Hera a não conversar mais, somente repetindo as últimas palavras que ouvisse.<br />

Tal punição se estabeleceu visto que Hera havia decidido prender seu marido Zeus <strong>no</strong><br />

mundo dos imortais pois desconfiava da infidelidade deste ao viajar <strong>no</strong> mundo dos<br />

mortais. Zeus, decidiu chamar Eco, que falava demais, para que distraísse sua esposa<br />

enquanto dava suas voltas com as belas mortais. (BRANDÃO, 2000)<br />

Eco, desl<strong>um</strong>brada pela beleza de Narciso, passou a segui-lo desapercebida<br />

enquanto este caçava. Narciso ouve barulhos e pergunta quem está ali. Eco passa a


epetir as últimas palavras de Narciso. Eco vai a seu encontro, e, ao vê-la, foge e grita:<br />

“Antes morrer do que confiar-te meus tesouros” (SHULER, 1994, p. 18). Eco sente-se<br />

desprezada, deixa de se alimentar e se transforma em pedra. Frente à tamanha<br />

insensibilidade de Narciso, as outras ninfas solicitam que Nêmesis puna-o. Narciso,<br />

deste modo, é condenado: “que ele mesmo ame assim, e que assim recuse o amado”<br />

(SHULER, 1994 p. 19). Sua condenação foi viver <strong>um</strong> amor impossível.<br />

No verão, Narciso se aproxima de <strong>um</strong> lago para aliviar a sede que sentia. Ao<br />

chegar perto, pode ver sua imagem refletida, supondo haver outro ser. “Viu-se e não<br />

mais pôde sair dali: Apaixonara-se pela própria imagem” (BRANDÃO, 2000, p. 180).<br />

Roudinesco e Plon (1998) referem que Narciso, na tentativa de abraçar a imagem<br />

refletida, afunda seus braços na água. Porém, tal imagem escapa. Narciso passa a<br />

perceber que aquela é a sua imagem, sendo ele mesmo seu objeto de desejo. Com choro<br />

forte, fere seu peito com seus próprios punhos. No lugar do corpo, foi encontrada <strong>um</strong>a<br />

flor.<br />

2.2. Contextualização histórica<br />

Para <strong>um</strong> melhor entendimento do fundamento teórico, acredito que, em <strong>um</strong><br />

primeiro momento, seja fundamental <strong>um</strong>a compreensão tanto do contexto histórico<br />

quanto do contexto pessoal em que <strong>Freud</strong> fundamenta sua teoria do <strong>narcisismo</strong>.<br />

Em 1910 <strong>Freud</strong> escreve o ensaio “Leonardo da Vinci e <strong>um</strong>a lembrança de sua<br />

infância”. Neste, foi abordado pela primeira vez o conceito de <strong>narcisismo</strong>: <strong>um</strong>a fase<br />

inicial, situada entre o auto-erotismo e o amor objetal (GAY, 1989).


No estudo que fez sobre Schreber em 1911, e em “Totem e Tabu” (1913), <strong>Freud</strong><br />

também acrescenta alg<strong>um</strong>as referências sobre o <strong>narcisismo</strong>. No entanto, irá se dedicar<br />

de fato ao tema em seu artigo de 1914: “À guisa de introdução ao Narcisismo”(GAY,<br />

1989).<br />

Em 1913, <strong>Freud</strong> já havia escrito <strong>um</strong> rascunho de seu ensaio sobre o <strong>narcisismo</strong>.<br />

Neste mesmo a<strong>no</strong>, ocorre <strong>um</strong>a ruptura do relacionamento de Jung com <strong>Freud</strong>. <strong>Freud</strong> faz<br />

<strong>um</strong>a menção deste a<strong>no</strong> para seu amigo Ernest Jones:<br />

É difícil lembrar-me de <strong>um</strong>a época tão cheia de<br />

mesquinhas maldades e contrariedades como<br />

esta. É como <strong>um</strong>a chuva de mau tempo, você<br />

tem de esperar quem irá melhorar, você ou o<br />

gênio mau deste tempo.(JONES, 1989, p. 108)<br />

Jones (1989) menciona que ainda neste a<strong>no</strong> ocorre o casamento de sua filha<br />

Sophie com Max Halberstadt. Um breve casamento pois Sophie vem a falecer em 1920,<br />

devido a <strong>um</strong>a pne<strong>um</strong>onia.<br />

O a<strong>no</strong> de 1914, é marcado por <strong>um</strong> contexto histórico importante: a eclosão da<br />

Primeira Guerra Mundial, tendo seu início <strong>no</strong> final de julho de 1914 e seu térmi<strong>no</strong> em<br />

1918 (COTRIM, 1995).<br />

Antes da explosão da guerra, <strong>Freud</strong> vivencia, <strong>no</strong> início do a<strong>no</strong>, alguns<br />

acontecimentos marcantes, como o nascimento de seu primeiro neto que atualmente tem<br />

a mesma profissão de seu avô, tornando-se, portanto, <strong>um</strong> psicanalista. Além disso <strong>Freud</strong><br />

passou por difíceis perturbações intestinais, criando-se a hipótese de <strong>um</strong> câncer. Foi<br />

preciso se submeter a <strong>um</strong> exame exaustivo para descartar tal hipótese.(JONES, 1989).


2.3. O conceito de Narcisismo<br />

A partir de observações clínicas, <strong>Freud</strong>, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1914, formula o conceito de<br />

<strong>narcisismo</strong>, como sendo <strong>um</strong>a etapa <strong>no</strong>rmal do desenvolvimento. Marca <strong>um</strong>a progressão<br />

do auto-erotismo ao <strong>narcisismo</strong> primário e deste ao <strong>narcisismo</strong> secundário.<br />

No caso Schreber, <strong>Freud</strong> (1911) refere-se ao <strong>narcisismo</strong> como sendo <strong>um</strong>a fase do<br />

desenvolvimento libidinal. Em <strong>um</strong> certo momento,comenta <strong>Freud</strong>, as pulsões sexuais,<br />

que antes haviam sido dirigidas à atividade auto-erótica, se agrupam com o objetivo de<br />

obter <strong>um</strong> objeto amoroso. Este objeto passa a ser o próprio corpo do indivíduo. Somente<br />

após este movimento, haverá investimento libidinal a <strong>um</strong>a pessoa alheia.<br />

Esta atividade auto-erótica é descrita por Laplanche e Pontalis (1996),como<br />

sendo “<strong>um</strong>a fase anárquica, que precede a convergência das pulsões parciais para <strong>um</strong><br />

objeto com<strong>um</strong>” (p. 48). <strong>Freud</strong> (1915), menciona que <strong>no</strong> auto-erotismo, não há <strong>um</strong><br />

investimento <strong>no</strong> mundo exter<strong>no</strong> visto que o ego está “totalmente tomado por pulsões e<br />

em parte é capaz de satisfazer tais pulsões em si mesmo” (p.158). Neste período, tudo o<br />

que é sentido como prazeroso fica reservado ao ego, ao passo que sensações<br />

desprazerosas e desconhecidas ficam relacionadas com o mundo exter<strong>no</strong>.<br />

Após tal fase auto-erótica estabelece-se o <strong>narcisismo</strong> primário. Este, diferencia-<br />

se do momento anterior pela formação de <strong>um</strong> ego rudimentar, ao qual dirigem-se as<br />

pulsões parciais. <strong>Freud</strong> (1914) ressalta que é preciso, frente ao auto-erotismo, a<br />

ocorrência de <strong>um</strong>a <strong>no</strong>va ação psíquica para que o <strong>narcisismo</strong> primário se estabeleça.<br />

Portanto, o objeto da fase auto-erótica é distinto do objeto do <strong>narcisismo</strong> <strong>um</strong>a vez que<br />

neste passa a existir <strong>um</strong>a representação unificada de si mesmo (HORNSTEIN 1989).<br />

Em <strong>um</strong> primeiro momento, o Ego é investido de libido (libido do ego).<br />

Hornstein (1989) afirma que este investimento é essencial para a constituição do ego.


Somente depois, ressalta <strong>Freud</strong> (1914), <strong>um</strong>a porcentagem desta libido será dirigida aos<br />

objetos (libido objetal). No entanto, existe <strong>um</strong> equilíbrio energético entre libido do ego e<br />

libido objetal: quanto maior catexia <strong>no</strong> Ego, me<strong>no</strong>r será a catexia <strong>no</strong> objeto.<br />

Ao falar de investimentos <strong>no</strong> Ego, é fundamental ter em mente a função materna.<br />

Para Hornstein (1989), o bebê deve ser adequadamente narcisizado por sua mãe,<br />

tornando-se <strong>um</strong> ego ideal. O bebê passa a ser o ideal da mãe, onde esta experiência <strong>um</strong><br />

sentimento de completude. Portanto, <strong>no</strong> <strong>narcisismo</strong> primário, o ego está identificado<br />

com o ideal. Além disso, <strong>Freud</strong> (1914) observa que os adultos, os pais, querem<br />

recuperar o <strong>narcisismo</strong> que vivenciaram em sua infância mediante a idealização de seus<br />

filhos. A expressão utilizada por <strong>Freud</strong>: “sua majestade o bebê” remete a revelação do<br />

<strong>narcisismo</strong> primário dos pais abandonado (ROUDINESCO E PLON, 1998). É, portanto,<br />

através da criança os pais revivem seu ego ideal que havia sido, de certa forma,<br />

esquecido (HORNSTEIN, 1989).<br />

<strong>Freud</strong> (1914), salienta que algo acontece <strong>no</strong> <strong>narcisismo</strong> primário, <strong>um</strong>a espécie de<br />

perturbação. Que perturbação ele estaria se referindo?<br />

Hornstein (1989) relaciona esta perturbação com a conflitiva edípica. Desta<br />

forma, ocorre a entrada de <strong>um</strong> terceiro que é <strong>um</strong> objeto de desejo da mãe e onde, neste<br />

campo, a criança acaba ficando de fora. A criança passa a perceber que não contém todo<br />

o valor como imaginava anteriormente, onde se via como <strong>um</strong> ego ideal. Como saída, ela<br />

se identifica com o idealizado, com <strong>um</strong> ideal de ego, <strong>no</strong> objetivo de readquirir a<br />

plenitude vivenciada <strong>no</strong> <strong>narcisismo</strong> primário.<br />

De acordo com <strong>Freud</strong> (1914), “o que o ser h<strong>um</strong>a<strong>no</strong> projeta diante de si como seu<br />

ideal é o substituto do <strong>narcisismo</strong> perdido de sua infância, durante a qual ele mesmo era<br />

seu próprio ideal” (p. 112). O <strong>narcisismo</strong> infantil perdido é deslocado para o ideal do<br />

ego, <strong>um</strong>a vez que o ego não está disposto a renunciar a <strong>um</strong>a satisfação já


experimentada. No ideal de ego, além de estarem presentes as perfeições do <strong>narcisismo</strong><br />

infantil, também encontram-se proibições. Portanto, o ideal do ego a<strong>um</strong>enta as<br />

exigências do ego, sendo <strong>um</strong> forte instigador do recalcamento.<br />

Laplanche e Pontalis (1996) abordam <strong>um</strong>a conceitualização do termo ideal de<br />

ego, sendo este <strong>um</strong>a “instância da personalidade resultante da convergência do<br />

<strong>narcisismo</strong> (idealização do ego) e das identificações com os pais, com seus substitutos e<br />

com seus ideais coletivos (...) constitui <strong>um</strong> modelo a que o sujeito procura conformar-<br />

se”.(p. 222).<br />

Em À guisa de introdução ao <strong>narcisismo</strong>, <strong>Freud</strong> (1914) faz <strong>um</strong>a ligeira menção<br />

ao <strong>narcisismo</strong> secundário. Neste, há <strong>um</strong> retor<strong>no</strong> da libido investida <strong>no</strong>s objetos em<br />

direção ao ego.<br />

Descrevi, até o presente momento, o <strong>narcisismo</strong> como fazendo parte do<br />

desenvolvimento do ser h<strong>um</strong>a<strong>no</strong>. Tenho como questionamento o que se passa quando há<br />

<strong>um</strong>a “falha” <strong>no</strong> <strong>narcisismo</strong> primário. Quando o <strong>olhar</strong> da mãe “atravessa” a criança, ou<br />

seja, <strong>um</strong> <strong>olhar</strong> que é desviado e tira de cena a possibilidade da criança ser olhada.<br />

Um <strong>olhar</strong> com ausência na capacidade de refletir. Portanto, este <strong>olhar</strong> <strong>mater<strong>no</strong></strong> não<br />

reflete <strong>um</strong>a plenitude, <strong>um</strong> ego ideal. Poderíamos pensar em <strong>um</strong> <strong>olhar</strong> alicerçado <strong>no</strong> desamparo.<br />

Mcdougall faz <strong>um</strong>a relação desta “falha” <strong>no</strong> <strong>olhar</strong> <strong>mater<strong>no</strong></strong> com a construção da auto-<br />

imagem. Acrescenta:<br />

a criação de <strong>um</strong>a representação de si mesmo remete-<strong>no</strong>s à<br />

necessidade inexorável para o ser h<strong>um</strong>a<strong>no</strong> de transgredir com<br />

hiância real constituída pela alteridade, exigindo que aquilo que<br />

está fora venha fazer parte do mundo inter<strong>no</strong>, em alg<strong>um</strong> lugar<br />

da psique. (1983, p. 116)


Esta autora faz menção à alteridade, onde se coloca o outro <strong>no</strong> lugar do ser. E<br />

neste caso, outro não é visto como objeto para o sujeito.


3. ILUSTRAÇÃO DE CASO CLÍNICO E QUESTIONAMENTOS TEÓRICOS<br />

Trago <strong>um</strong> res<strong>um</strong>o da história de vida de Lúcia bem como alguns trechos de<br />

sessões. Tenho como objetivo elucidar questões do <strong>narcisismo</strong> <strong>no</strong> contexto da clínica<br />

psicanalítica.<br />

Lúcia, <strong>um</strong>a moça de 23 a<strong>no</strong>s, inicia comigo o tratamento <strong>no</strong> final de 2005. Ao<br />

questioná-la sobre motivo de sua busca , ela comenta:<br />

Bom, busco <strong>um</strong> tratamento para resolver alg<strong>um</strong>as questões<br />

minhas. Acho que a minha insegurança. Acho que venho<br />

também porque tem a ver com toda a minha história de vida.<br />

Quando eu tinha uns 4 a<strong>no</strong>s de idade, meus pais se separaram.<br />

Minha mãe me deixou. E eu acabei indo morar com o meu pai e<br />

a minha avó. Acho que tem <strong>um</strong>a carência com relação à<br />

presença da minha mãe. Acho quem tem a ver com as minhas<br />

inseguranças.<br />

Conforme o relato de Lúcia, se estabelece <strong>um</strong>a separação entre seus pais quando<br />

ainda era pequena. Refere que seus pais se separaram porque sua mãe o traía. Logo após<br />

a separação, Lúcia passou uns dias com sua mãe, e seu pai tinha pensado em solicitar<br />

guarda da filha na justiça. Mas eles conseguiram chegar a <strong>um</strong> acordo: Lúcia foi morar<br />

com seu pai. Tem a lembrança que sua mãe ficava lhe dizendo: “chora minha filha,


pede pela mãe. Aí, teu pai deixa a mãe ficar” (sic). Comenta que nunca fez isso, que<br />

nunca chorou, nem ficou pedindo para ela ficar. Em seguida, adoeceu, adquirindo<br />

‘Diabetes’. Segundo a paciente, seu pedido se deu através do corpo. Lúcia conta que sua<br />

mãe acabou se prostituindo e que tem vergonha de falar neste assunto.<br />

Antes de ocorrer a separação, Lúcia comenta <strong>um</strong>a situação que a marcou. Estava<br />

em seu berço, quando escuta alguns barulhos. O berço ficava dentro do quarto dos pais.<br />

Lúcia conta que desce deste berço e vai em direção à cama, onde a mãe se encontrava. E<br />

a mãe lhe diz: “vai dormir, este não é o teu pai” (sic).<br />

Durante sua adolescência, tinha vergonha de sair de casa, visto que .mora n<strong>um</strong>a<br />

cidade do interior com cerca de 20 mil habitantes; e tinha medo de que as pessoas a<br />

vinculassem com a mãe <strong>no</strong> que se refere à questão da prostituição. Certa vez, em <strong>um</strong><br />

baile, a atual namorada do seu ex-namorado ficou dizendo que ela não prestava, que sua<br />

mãe é <strong>um</strong>a prostituta. Esta menina gritou bem alto: “ tu não vale nada, deveria bater<br />

ponto junto com a tua mãe” (sic). Após ter gritado, deu <strong>um</strong> tapa <strong>no</strong> rosto de Lúcia. Esta,<br />

comenta que não teve nenh<strong>um</strong>a reação, que “ficou guardando tudo” (sic). No entanto,<br />

em seguida, começou a ficar cheia de bolas pelo corpo. Comenta que hoje em dia isso<br />

ainda é <strong>um</strong> pouco difícil, ainda tem medo que fiquem apontando-a na rua. Segundo<br />

Lúcia, tem contato com sua mãe, <strong>no</strong> entanto, não consegue ser muito próxima dela.<br />

Ainda durante sua adolescência, ocorreu <strong>um</strong> fato a deixou muito constrangida.<br />

Lúcia estava na sala, tendo relações com seu primeiro namorado. Quando, de repente,<br />

seu pai entrou. Este ficou muito bravo. Em seguida, pegou <strong>um</strong>a arma e disse que ia<br />

matar seu namorado. O meni<strong>no</strong> saiu correndo. Seu pai falou que ela era igual a sua mãe,<br />

que era <strong>um</strong>a vagabunda.. Comenta que “naquele dia, me senti como ela. Não, pior do<br />

que ela. Minha mãe sempre diz que a prostituta faz e recebe, mas a vagabunda faz e


não recebe. Naquele dia, me senti <strong>um</strong>a vagabunda. Tive <strong>um</strong> orgasmo” (sic). Lúcia<br />

salienta que após este episódio, nunca mais conseguiu ter orgasmo.<br />

Quando estava namorando seu primeiro namorado, falou para sua mãe que<br />

gostaria de transar. Nesta época, estava com 14 a<strong>no</strong>s. Para sua surpresa, a mãe disse que<br />

ela não poderia fazer isso, que só poderia transar depois que casasse.<br />

No a<strong>no</strong> de 2006, sua avó lhe contou que quando sua mãe ficou sabendo que da<br />

gravidez, disse para o médico que não queria ter o bebê. Embora compreendesse que ela<br />

era muito <strong>no</strong>va, fica <strong>um</strong> sentimento de “ela não me quis e não é bom sentir isso” (sic).<br />

A paciente teve quatro namorados e sempre se sentiu muito insegura com eles.<br />

Refere que “sempre acontece a mesma coisa: “quando me sinto insegura, acabo logo o<br />

relacionamento” (sic). Tem medo que eles acabem com ela. Comenta que tem muita<br />

dificuldade de ficar sozinha. Desde que teve seu primeiro namorado, seguiu engatando<br />

<strong>um</strong> namoro <strong>no</strong> outro.<br />

Ainda neste a<strong>no</strong> de 2006, teve vontade de engravidar, parando de usar<br />

anticoncepcional. Refere que tem <strong>um</strong>a amiga que teve <strong>um</strong> filho e esta disse que <strong>um</strong> filho<br />

é alguém que ninguém pode tirar. Comenta que queria ter <strong>um</strong> bebê para não ficar<br />

sozinha.<br />

Atualmente, Lúcia tem trazido questões referentes ao <strong>olhar</strong>. Diz: “Acho que<br />

quero mesmo é ter alguém. Não importa quem seja. Acho que não consigo ficar<br />

sozinha. Sabe, é muito forte isso que eu sento, mas sinto que o Igor não me vê”. Igor é<br />

seu atual namorado.<br />

Em outra sessão, comenta:<br />

queria que a minha mãe pudesse me ver. Não queria que ela<br />

tivesse ido embora. Quando namorei meu segundo namorado,


ele morava na mesma rua da casa que eu passei alguns dias<br />

com a minha mãe. Isso foi logo depois da separação. Depois,<br />

fui morar com meu pai. Eu gostava tanto de ir pra casa dele<br />

porque toda a vez que eu ia, olhava para aquela casa que<br />

fiquei com a mãe e sentia saudade.<br />

Lúcia está à procura de <strong>um</strong> <strong>olhar</strong>. Um <strong>olhar</strong> que busca em todos relacionamentos<br />

com seus namorados, mas não acha. Um <strong>olhar</strong> que busca em sua mãe, mas também não<br />

encontra.<br />

No mito, Narciso olha-se <strong>no</strong> lago e esforça-se para apreender seu reflexo.<br />

McDougall (1983) faz alguns questionamentos a respeito deste movimento de Narciso:<br />

Pode ser que o encastelamento em si mesmo delimite <strong>um</strong><br />

espaço impregnado de decepção e desespero; que a aparente<br />

auto-satisfação emanante de Narciso seja mera ilusão do<br />

observador. E não poderíamos supor também que esta criança<br />

frágil, à espreita de <strong>um</strong>a imagem de si mesma duplicada,<br />

procura <strong>no</strong> espelho das águas <strong>um</strong> objeto perdido, diferente dela,<br />

<strong>um</strong> <strong>olhar</strong>? (p. 116)<br />

Um <strong>olhar</strong> que a criança procura em sua mãe, que estará contido o que esta<br />

significa para a mãe. Por meio deste <strong>olhar</strong>, a criança pode se reconhecer como <strong>um</strong><br />

indivíduo, que contém valores próprios. Hornstein (1989) salienta que esta criança foi<br />

olhada como <strong>um</strong> indivíduo, não sendo percebido como parte da própria mãe.<br />

Portanto, fala-se de <strong>um</strong> <strong>olhar</strong> que está contido a alteridade. No entanto,tal <strong>olhar</strong><br />

não está presente na mãe de Lúcia. Quando esta diz para a menina ir deitar pois aquele


não é o seu pai, Lúcia se depara com <strong>um</strong>a situação de desamparo, <strong>um</strong> excesso de<br />

excitação que não tem condições de metabolizar.<br />

Hornstein (1989) ressalta que o bebê deve ser adequadamente narcisizado por<br />

sua mãe. Lúcia, ao solicitar ser vista, está justamente a busca deste <strong>olhar</strong> que narcisiza.<br />

Tenho como questionamento a forma como se constitui o ego ideal e o ideal de ego de<br />

Lúcia, <strong>um</strong>a vez que esta menina não é percebida, como diria <strong>Freud</strong>, como “sua<br />

majestade o bebê” para seus pais. Poderíamos pensar em <strong>narcisismo</strong> primário muito<br />

frágil, sempre a busca de <strong>um</strong> ego ideal.


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Posso dizer que este tema do <strong>narcisismo</strong> me fascina, justamente por estar<br />

presente em todos os indivíduos. É algo que faz parte da vida. Todos nós passamos por<br />

<strong>um</strong> <strong>narcisismo</strong>. Para alg<strong>um</strong>as pessoas, pode ocorrer de forma adequada, com pais que<br />

tiveram condições de investir em seu bebê. Um investimento libidinal com capacidade<br />

de reconhecer o outro, gerando <strong>um</strong> espaço onde a criança irá criar a representação de si<br />

mesmo. No entanto, para outras pessoas, como é o caso de Lúcia, o <strong>narcisismo</strong> primário<br />

se estabeleceu de forma frágil.<br />

Ao mencionar o <strong>narcisismo</strong> como momento próprio do desenvolvimento, algo<br />

que se passou na infância de cada indivíduo, poderíamos pensar que por ter <strong>um</strong> longo<br />

distanciamento com a vida adulta não haveria qualquer relação com a atualidade. Mas<br />

sabemos que em psicanálise não funciona desta forma. Que justamente há <strong>um</strong>a<br />

atemporalidade <strong>no</strong> inconsciente. Estava lendo <strong>um</strong> romance de Khaled Hosseini (2005) e<br />

ele fala sobre o passado:“descobri que não é verdade o que dizem a respeito do passado,<br />

essa história de que podemos enterrá-lo. Porque, de <strong>um</strong> jeito ou de outro, ele sempre<br />

consegue escapar” (p. 9). Em Lúcia podemos perceber justamente a força deste passado,<br />

a forma como acaba sendo revivido <strong>no</strong> presente, <strong>no</strong>s seus relacionamentos amorosos.<br />

Abordar <strong>um</strong> tema tão complexo como o Narcisismo não é tarefa fácil.<br />

Desenvolver este trabalho me deixou com o desejo de seguir estudando tal tema e poder<br />

me aprofundar cada vez mais.


REFERÊNCIAS<br />

Brandão, J. (2000). Mitologia grega. Rio de Janeiro: Vozes. Vol<strong>um</strong>e 2, 11 Ed.<br />

Cotrim, G. (1995). História e consciência do mundo. (2a. ed.). São Paulo: Saraiva.<br />

<strong>Freud</strong>, S. (2004). Escritos sobre a psicologia do inconsciente. V 1. À guisa de<br />

introdução ao Narcisismo. (1914). Rio de Janeiro: Imago.<br />

_____(1915).V 1.Pulsões e desti<strong>no</strong> da pulsão.<br />

<strong>Freud</strong>, S. (1975). Obras psicológicas completas de <strong>Sigmund</strong> <strong>Freud</strong>. 24v. V. 12: Caso<br />

Schereber. (1911). Rio de Janeiro: Imago.<br />

Gay, P. (1989). <strong>Freud</strong>: <strong>um</strong>a vida para o <strong>no</strong>sso tempo. São Paulo: Companhia das<br />

letras.<br />

Hornstein, L. (1989). Introdução à psicanálise. São Paulo: Escuta.<br />

Jones, E. (1989). A vida e a obra de <strong>Sigmund</strong> <strong>Freud</strong>. Vol. 2: A maturidade. Rio de<br />

Janeiro:Imago.<br />

Khaled, H.(2005). O caçador de pipas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.<br />

Laplanche, J. , Pontalis. (1996). Vocabulário de psicanálise. 2 ed. São Paulo: Martins<br />

Fontes.<br />

McDougall, J. (1983). Em defesa de <strong>um</strong>a certa a<strong>no</strong>rmalidade: teoria e clínica<br />

psicanalítica. 3ed. Porto Alegre: Artes Medicar.


Roudinesco, E., Plon, M. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge<br />

Zahar Ed.<br />

Schuler, D. (1994). Narciso errante. Rio de Janeiro: Vozes.

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