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A impressão que se tira é a de<br />
que a “Tropicália” era uma grande<br />
contradição em si mesma, mas<br />
cheia de significado. Era um anti-<br />
-nacionalismo que repudiava o<br />
preconceito dos conservadores<br />
com relação aos instrumentos<br />
elétricos e a influência de consagrados<br />
músicos da Europa e dos<br />
EUA nos arranjos dos compositores<br />
brasileiros, mas que, ao<br />
mesmo tempo, valorizava todas<br />
as formas de expressão cultural típicas<br />
das regiões mais longínquas<br />
do Brasil, sem medo de serem<br />
rotulados de exóticos. Ao mesmo<br />
tempo em que negava a bossa-<br />
-nova pura e simplesmente como<br />
“O” ritmo brasileiro (nos moldes<br />
do tango para os argentinos), admitia<br />
a influência crucial de João<br />
Gilberto, criador desse ritmo, nos<br />
alicerces da “Tropicália”. Era, na<br />
verdade, um manifesto ao sincretismo<br />
no sentindo de unidade de<br />
todos os sons e sabores. Uma antropofagia.<br />
Quando surgiram Os<br />
Mutantes, tudo virou de ponta<br />
cabeça mesmo.<br />
Criou-se no Brasil essa (contra)cultura<br />
da antítese. Misturar<br />
a guitarra de Hendrix com os<br />
atabaques do candomblé e a viola<br />
de Tonico e Tinoco parecia uma<br />
esquizofrenia, mas o que realmente<br />
estava acontecendo era<br />
que esses jovens passavam uma<br />
mensagem. Não se submeteriam<br />
à conveniência. Os grilhões da racionalidade<br />
lógica para a expressão<br />
artística foram quebrados<br />
e, com isso, puderam vir à tona<br />
sentimentos que antes estavam<br />
guardados nos confins da alma do<br />
artista por medo da exposição da<br />
própria contradição. Como declarar<br />
que ser feliz não é o sentido<br />
único da vida quando estamos<br />
imersos dentro de um movimento<br />
libertário que prega a felicidade<br />
a todo custo? Eles fizeram ao<br />
mesmo tempo em que preteriram<br />
a riqueza à mesma felicidade que<br />
questionavam/endeusavam.<br />
Acredito que o que falta no<br />
nosso mundo hoje em dia é um<br />
pouco do sentimento tropicalista.<br />
Falta-nos um desprendimento<br />
que nos liberte das amarras que a<br />
própria sociedade criou. Existem<br />
muitas regras de conduta, muitas<br />
idéias de politicamente correto<br />
que não passam da mais pura hipocrisia.<br />
É como se existisse uma<br />
ética acima do nosso próprio discernimento<br />
nos ditando o que se<br />
deve e o que não se deve fazer. A<br />
ela ninguém contesta porque só o<br />
fato de fazê-lo é considerado um<br />
despautério. É muito mais do que<br />
um dogma religioso. É algo calcado<br />
no consciente e no inconsciente<br />
e tido como fato: “As coisas<br />
são por que são”. Precisamos sair<br />
dessa zona de conforto que nos<br />
embalsama para dar a cara à tapa,<br />
questionar, mostrar que o mundo<br />
é muito mais do que uma opinião<br />
majoritária, afinal, mesmo os tropicalistas,<br />
geniais musicalmente<br />
como foram (são), sofreram com<br />
aqueles que remavam contra e,<br />
do mesmo jeito, conseguiram<br />
mandar o seu recado. É aderir ao<br />
“porquenãoismo”.<br />
Essa é a mensagem que devemos<br />
tirar do tropicalismo. A coragem<br />
de mostrar para os demais<br />
<strong>aqui</strong>lo que algumas cabeças pensavam<br />
e o que alguns corações<br />
espaço aberto<br />
sentiam sem medo de serem estigmatizados<br />
- e até preparados<br />
para isso - nos inspira a não deixar<br />
de lado nossas opiniões por mais<br />
heterodoxas que elas pareçam ser<br />
no meio que nos circunda. O próprio<br />
Caetano disse que o legado<br />
principal da “Tropicália” foi proporcionar<br />
aos artistas um cenário<br />
de “convivência com a diversidade<br />
e o desmantelamento dos nichos”.<br />
O espírito do movimento<br />
é deixar de nos envergonhar de<br />
nossas características “esquisitas”,<br />
respeitando as esquisitices dos<br />
demais. Tudo junto, misturado<br />
num só caldeirão de imagens e<br />
gostos.<br />
Tropicalizar-se, portanto, nada<br />
mais é do que levar a cabo esses<br />
princípios. É deixar de ser guiado<br />
pelo gosto massificado e mostrar<br />
ser capaz, mesmo sem concordar,<br />
de respeitá-lo e de conviver sem<br />
o menor atrito. É respeitar nossas<br />
identidades e nossas influências<br />
sem que isso se torne uma bandeira<br />
ou um grito de guerra. Ser<br />
democrático no sentido mais<br />
puro dessa palavra, mas não deixar<br />
de buscar seu espaço. É não<br />
ter medo de ser uma voz dissonante<br />
fora de dentro de si. É poder<br />
ser contraditório no fundo da<br />
alma sem o menor remorso disso.<br />
Ivan Mardegan<br />
FEA – Economia<br />
2º semestre<br />
novembro 2011 o visconde 25