a variedade de temas em marcial ea possibilidade da análise das ...
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A VARIEDADE DE TEMAS EM MARCIAL E A POSSIBILIDADE DA<br />
ANÁLISE DAS RELIGIÕES ESTRANGEIRAS<br />
PARRA, Aman<strong>da</strong> Giacon (UNESP/Assis- bolsista FAPESP)<br />
ROSSI, Andr<strong>ea</strong> Lucia Dorini <strong>de</strong> Oliveira Carvalho (UNESP/Assis)<br />
Preten<strong>de</strong>-se nessa comunicação discorrer a respeito <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Marcial, autor do I e<br />
início do segundo séculos, que viveu <strong>em</strong> Roma Mostrar-se-á como os epigramas <strong>de</strong> Marcial<br />
representam possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> estudos acerca <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> romana, <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,<br />
enfim, po<strong>de</strong>m ser fontes para os estudos sobre os mais variados aspectos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma<br />
no Principado. Além disso, preten<strong>de</strong>-se probl<strong>em</strong>atizar alguns epigramas nos quais o autor fala<br />
sobre os celebrantes dos cultos orientais na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma.<br />
Sobre o autor<br />
Marco Valério Marcial nasceu <strong>em</strong> 39 ou 40 d.C na região <strong>da</strong> Espanha, <strong>em</strong> Bilbilis, e<br />
chegou a Roma por volta do ano 60. A ci<strong>da</strong><strong>de</strong> atraía muitas pessoas <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> melhores<br />
expectativas <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
Foi com esse autor irreverente que o gênero epigramático atingiu seu apogeu, segundo<br />
Martin e Gaillard (1995, p.407).<br />
Segundo Dezotti (1990, p. 27), “a obra <strong>de</strong> Marcial nos chegou volumosa, or<strong>de</strong>na<strong>da</strong> e<br />
praticamente inteira. São mais <strong>de</strong> 1500 epigramas distribuídos <strong>em</strong> 15 livros dispostos <strong>em</strong><br />
or<strong>de</strong>m cronológica, bastando para isso que se anteponham aos livros <strong>de</strong> I a XII, os livros XIII<br />
e XIV”.<br />
Porém, só no ano <strong>de</strong> 80, com a inauguração do Anfit<strong>ea</strong>tro Flávio e com o oferecimento<br />
dos Jogos, é que Marcial escreve o livro intitulado Liber <strong>de</strong> spetaculis. Nesse livro trata dos<br />
Jogos r<strong>ea</strong>lizados no Anfit<strong>ea</strong>tro e sobre Tito, o imperador que havia proporcionado c<strong>em</strong> dias <strong>de</strong><br />
intensa movimentação <strong>em</strong> Roma. Com isso, Tito acabou o recompensando com algumas<br />
honras na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e Marcial adquiriu uma parte <strong>de</strong> sua fama.<br />
Depois <strong>de</strong> mais alguns anos (quatro ou cinco), Marcial viria publicar os Xenia e<br />
Apophoreta, livros que hoje são enumerados como XIII e XIV, nos quais <strong>de</strong>screvia os<br />
1
presentes trocados durante as Saturnalia, festa <strong>em</strong> honra a Saturno r<strong>ea</strong>liza<strong>da</strong> <strong>de</strong> 17 a 23 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro.<br />
O estatuto social <strong>de</strong> Marcial na Roma Antiga era o <strong>de</strong> cliens, ou seja, <strong>de</strong>via obrigações<br />
aos po<strong>de</strong>rosos para sua sobrevivência. Seus rendimentos não eram suficientes e, para<br />
sobreviver, <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> diversos favores <strong>de</strong> seus patroni. Por isso, uma forte característica<br />
nos epigramas é a adulação que ren<strong>de</strong> aos po<strong>de</strong>rosos.<br />
Deveria to<strong>da</strong> manhã recolher a sportula, quantia <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> aos cliens pelos patroni.<br />
Para seu sustento, pe<strong>de</strong> apoio a vários po<strong>de</strong>rosos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> romana, <strong>de</strong>ntre eles <strong>de</strong>stacam-<br />
se: Arrúncio Estela, Plínio o Jov<strong>em</strong>, Juvenal, Quintiliano, Frontino, entre outros.<br />
A partir dos Xenia e Apophoreta publica seus outros livros. Os livros I e II foram<br />
publicados <strong>em</strong> 86, o III no fim <strong>de</strong> 87, o IV <strong>em</strong> 89 e o V <strong>em</strong> 90. No ano <strong>de</strong> 91 publicou o livro<br />
VI, <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 92 o VII, o VIII <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 94, o IX na primavera <strong>de</strong> 95.<br />
O livro X foi publicado ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> 95, o livro XI <strong>em</strong> 96 e o XII <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 101 a<br />
outubro <strong>de</strong> 102, quando o autor já havia voltado para sua terra natal, <strong>em</strong> Bílbilis 1 .<br />
Não se sabe exatamente o ano <strong>da</strong> morte do poeta, alguns autores afirmam que o<br />
epigramatista morreu por volta <strong>de</strong> 103 ou 104.<br />
Sobre o gênero escrito por Marcial<br />
De maneira simplifica<strong>da</strong>, “epigrama” significa inscrição. E era essa sua função inicial,<br />
servia <strong>de</strong> inscrição <strong>em</strong> túmulos para que os passantes parass<strong>em</strong> para lê-los e observá-los.<br />
Nessas inscrições colocava-se como o indivíduo havia morrido, entre outras informações, e a<br />
principal característica <strong>de</strong>ssas inscrições era a brevi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Posteriormente transformado <strong>em</strong> um gênero <strong>da</strong> poesia o epigrama adquiriu outras<br />
características e seus <strong>t<strong>em</strong>as</strong> se ampliaram.<br />
Segundo Martin e Gaillard (1995, p.404), o metro utilizado nesses po<strong>em</strong>as era<br />
frequent<strong>em</strong>ente o dístico elegíaco, talvez <strong>em</strong> razão <strong>da</strong>s origens funerárias. A segun<strong>da</strong><br />
característica era evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente a brevi<strong>da</strong><strong>de</strong>. A terceira característica é o “público do<br />
epigrama”, ou seja, a interpelação do passante, do viajante cuja atenção é tira<strong>da</strong>.<br />
Em Roma, há dois escritores que se <strong>de</strong>stacaram no gênero. O primeiro <strong>de</strong>les é Catulo<br />
no primeiro século a.C. O segundo é Marcial, autor do primeiro e início do segundo século<br />
1 As <strong>da</strong>tas <strong>de</strong> publicação <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um dos livros segue a indicação <strong>de</strong> Sullivan (CESILA, 2002, p.32).<br />
2
d.C.<br />
Porém, Martin e Gaillard afirmam que Marcial é o epigramatista por excelência, o<br />
mestre do gênero. Resum<strong>em</strong> a “doutrina <strong>de</strong> Marcial do gênero <strong>em</strong> cinco pontos” (1995,<br />
p.407).<br />
O primeiro ponto seria a brevi<strong>da</strong><strong>de</strong>, segundo Martin e Gaillard (1995, p.407), as obras<br />
gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sencorajam o leitor. O epigrama seria também um po<strong>em</strong>a alegre <strong>em</strong> contraste com<br />
a austeri<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> epopéia. Outro ponto <strong>de</strong>stacado pelos autores é o fato <strong>de</strong> o epigrama ser um<br />
tipo <strong>de</strong> “saturnais literária”, ou seja, no período <strong>da</strong> festa <strong>da</strong>s Saturnais, <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro, havia<br />
um certo abandono <strong>da</strong>s convenções sociais e isso favorecia a leitura dos epigramas.<br />
O quarto ponto é que o epigrama fazia pouco caso com coisas como <strong>de</strong>cência e<br />
respeitabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, particularmente no que se refere à vi<strong>da</strong> sexual. O último ponto trata <strong>de</strong> uma<br />
perspectiva quase jornalística do epigrama, se aproximando <strong>da</strong> sátira, porém mantendo uma<br />
diferença fun<strong>da</strong>mental entre ambos: o epigrama não t<strong>em</strong> nenhuma ambição filosófica ou<br />
moralizante.<br />
Não há nos epigramas a indignatio, ou seja, intenção moralizante que há por ex<strong>em</strong>plo<br />
nas sátiras <strong>de</strong> Juvenal.<br />
Uma característica <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque nos epigramas <strong>de</strong> Marcial é que a crítica não era mais<br />
dividi<strong>da</strong> contra pessoas específicas, mas contra tipos. Segundo Dezotti:<br />
“(...) velhas que se esforçam por dissimular a i<strong>da</strong><strong>de</strong> com banhos, cabelos<br />
postiços, com tinturas, com <strong>de</strong>ntes comprados; ricos extr<strong>em</strong>amente<br />
avarentos, oradores e gramáticos analfabetos, que comet<strong>em</strong> todos os<br />
barbarismos e solecismos; poetas e pintores que 'assassinam' com suas obras;<br />
médicos que, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> curar, matam; oculistas que cegam até as estátuas;<br />
maridos enganados ou complacentes” (DEZOTTI, 1990, p. 65).<br />
A maioria dos epigramas <strong>de</strong> Marcial são satíricos, e nesses epigramas há uma particulari<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>staca<strong>da</strong> por Dezotti, um traço fun<strong>da</strong>mental e inovador <strong>de</strong> Marcial. Explica Dezotti: “<strong>em</strong> vez<br />
<strong>de</strong> diluir a graça ou agu<strong>de</strong>za por to<strong>da</strong> a peça, Marcial a reserva caprichosamente para o último<br />
verso ou até para a última palavra”(1990, p.34).<br />
As características cita<strong>da</strong>s são apenas alguns comentários acerca do gênero utilizado por<br />
Marcial, pois o estudo do gênero epigramático é b<strong>em</strong> mais amplo e complexo, elencou-se<br />
apenas alguns pontos que se julgou necessários para a <strong>análise</strong> <strong>da</strong> fonte.<br />
3
A <strong>varie<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>t<strong>em</strong>as</strong> <strong>de</strong> Marcial<br />
Marcial escrevia sobre inúmeros <strong>t<strong>em</strong>as</strong>. Registrava várias categorias, tipos humanos e<br />
seus comportamentos: beberrões, gulosos, avarentos, hipócritas, homossexuais, <strong>de</strong>latores,<br />
mulheres <strong>de</strong> todos os tipos, adúlteros, entre outros. Marcial falava <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos<br />
(BIAZZOTO, 1993, p. 117).<br />
O epigramatista comenta, como afirma Biazzoto (1993, p.47-48), “(...) situações<br />
aparent<strong>em</strong>ente incômo<strong>da</strong>s, mas que revelam o conhecimento <strong>da</strong> intimi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>da</strong>s pessoas retrata<strong>da</strong>s, o que as tornava acessíveis ao público e, por conseguinte, conheci<strong>da</strong>s”.<br />
Assim Dezotti (1990, p.32) <strong>de</strong>fine a escrita <strong>de</strong> Marcial:<br />
“Atento observador <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, extraordinário cronista dos<br />
acontecimentos miúdos, Marcial faz <strong>de</strong>sfilar, quer nas invectivas, quer nas<br />
<strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> cenas pitorescas, os tipos humanos, os sucessos, os vícios e as<br />
virtu<strong>de</strong>s que compunham a vi<strong>da</strong> social na Roma <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po. A vi<strong>da</strong> e o<br />
hom<strong>em</strong>: eis o t<strong>em</strong>a que sua poesia promete”.<br />
Em seus po<strong>em</strong>as critica os vícios e não as pessoas (CESILA, 2002, p.32). Alguns<br />
ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> <strong>t<strong>em</strong>as</strong> tratados por Marcial <strong>em</strong> seus epigramas encontram-se a seguir.<br />
Primeiramente, um t<strong>em</strong>a bastante recorrente <strong>em</strong> Marcial é quando ele discorre sobre o próprio<br />
epigrama, suas funções metalinguísticas, e as possíveis críticas que eles po<strong>de</strong>riam vir a sofrer<br />
(MARCIAL, 2000-01, p.56):<br />
“Há bons, alguns medíocres, na sua maior parte são maus<br />
os versos que aqui lês: não é <strong>de</strong> outro modo, Avito, que se faz um livro.”<br />
Outro assunto presente <strong>em</strong> Marcial são os po<strong>de</strong>rosos. Marcial geralmente adula os<br />
po<strong>de</strong>rosos dos quais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vido à sua condição <strong>de</strong> cliens. No epigrama que se segue<br />
Marcial adula o imperador (MARCIAL, 2000-01, p.56):<br />
“Prazeres, César, e diversões e brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> leões<br />
Foi o que nós vimos – até isso a arena te oferece-,<br />
S<strong>em</strong>pre que, apanha<strong>da</strong>, aos brandos <strong>de</strong>ntes escapava<br />
E, errante, corria pelas fauces escancara<strong>da</strong>s, uma lebre.<br />
Como po<strong>de</strong> um leão voraz poupar a sua presa?<br />
Mas diz-se que o leão é teu: portanto po<strong>de</strong>.”<br />
4
Discorre sobre as condutas <strong>da</strong>s pessoas. No po<strong>em</strong>a seguinte fala <strong>da</strong> homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
passiva <strong>de</strong> Letiliano por causa <strong>de</strong> suas h<strong>em</strong>orrói<strong>da</strong>s (MARCIAL, 2000-01, p.76):<br />
“Quando eu disse ‘fícus’, tu riste como se fosse uma barbari<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
E man<strong>da</strong>s-me dizer, Letiliano, ‘ficos’.<br />
Chamarei ‘fícus’ aos que sab<strong>em</strong>os que nasc<strong>em</strong> na árvore,<br />
Chamarei ‘ficos’, Letiliano, aos que tens no traseiro”.<br />
Já <strong>em</strong> outro epigrama critica Lésbia por ser uma matrona exibicionista e<br />
<strong>de</strong>savergonha<strong>da</strong> (MARCIAL, 2000-01, p.62-63):<br />
“S<strong>em</strong> guar<strong>da</strong>s, Lésbia, e s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong> portas abertas,<br />
Tu fornicas e não ocultas as tuas escapa<strong>de</strong>las<br />
E <strong>de</strong>leita-te mais o observador do que o amante;<br />
Não te dão gozo os prazeres se alguma coisa escon<strong>de</strong>m.<br />
Uma prostituta afasta os curiosos com a cortina e a chave,<br />
E poucas fen<strong>da</strong>s se vê<strong>em</strong> no bor<strong>de</strong>l <strong>de</strong> Submémio.<br />
Ao menos apren<strong>de</strong> com o pudor <strong>de</strong> Quíone ou <strong>de</strong> Ias:<br />
Até essas putas reles se ocultam nos túmulos.<br />
Acaso dura <strong>de</strong>mais te parece esta censura?<br />
Proíbo-te <strong>de</strong> seres surpreendi<strong>da</strong>, Lésbia, não <strong>de</strong> seres fodi<strong>da</strong>”.<br />
No epigrama abaixo Marcial critica Fescénia, acusando-a <strong>de</strong> bêba<strong>da</strong> (MARCIAL,<br />
2000-01, p.84). Os romanos que abusam <strong>da</strong> bebi<strong>da</strong> tornam-se t<strong>em</strong>a recorrente nos epigramas.<br />
01, p.88-89):<br />
“Para não tresan<strong>da</strong>res, Fescénia, ao vinho <strong>de</strong> ont<strong>em</strong>,<br />
Fartas-te <strong>de</strong> mastigar pastilhas <strong>de</strong> Cosmo.<br />
Este pequeno almoço limpa os <strong>de</strong>ntes, mas <strong>em</strong> na<strong>da</strong> obsta,<br />
quando o arroto brota do fundo do sorvedouro.<br />
E então? Não é mais forte a mistura <strong>de</strong> fedor e perfume<br />
e, redobra<strong>da</strong>, não vai mais longe a exalação do hálito?<br />
Já são <strong>de</strong> sobra conhecidos os truques, e os ardis <strong>de</strong>smascarados:<br />
<strong>de</strong>ixa-te disso e sê simplesmente bêba<strong>da</strong>”.<br />
Em alguns epigramas, Marcial critica a mesquinhez <strong>da</strong>s pessoas (MARCIAL, 2000-<br />
“ Ain<strong>da</strong> não tinhas sequer dois milhões,<br />
Mas tão pródigo e generoso<br />
E tão opulento eras Caleno, que todos<br />
Os maigos te <strong>de</strong>sejavam <strong>de</strong>z milhões.<br />
Ouviu um <strong>de</strong>us os votos e as nossas súplicas;<br />
5
E no espaço, julgo eu, <strong>de</strong> sete calen<strong>da</strong>s,<br />
Quatro mortes te <strong>de</strong>ram aquela soma,<br />
E tu, como se te não foss<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixados,<br />
Mas roubados <strong>de</strong>z milhões, tornaste-te,<br />
Infeliz, num tal unhas-<strong>de</strong>-fome,<br />
Que os banquetes mais faustosos,<br />
Que ofereces, uma vez <strong>em</strong> todo o ano,<br />
Os preparas com a mesquinhez <strong>de</strong> uma moe<strong>da</strong> negra<br />
E nós, os teus sete velhos amigos,<br />
Te custamos meia libra <strong>de</strong> chumbo.<br />
Que hav<strong>em</strong>os <strong>de</strong> augurar digno <strong>de</strong> tal proce<strong>de</strong>r?<br />
Desejamos-te c<strong>em</strong> milhões, Caleno.<br />
Se esta sorte te tocar, tu à fome hás-<strong>de</strong> morrer”.<br />
Nesse sentido, é possível constatar <strong>em</strong> Marcial uma <strong>varie<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> significativa <strong>de</strong> <strong>t<strong>em</strong>as</strong><br />
que po<strong>de</strong>m contribuir para estudos <strong>em</strong> vários âmbitos. No Brasil, é pouco estu<strong>da</strong>do como<br />
fonte histórica e há poucas traduções <strong>em</strong> português.<br />
T<strong>em</strong>-se conhecimento <strong>da</strong> dissertação <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong> Biazotto, do ano <strong>de</strong> 1993, na qual<br />
a autora estu<strong>da</strong> o viver urbano <strong>em</strong> Roma por meio <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Plínio o Jov<strong>em</strong> e Marcial. A<br />
autora investiga o viver urbano buscando o clientelismo, não só para enten<strong>de</strong>r o vínculo entre<br />
patrono e cliente, mas o comportamento no interior <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado espaço <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. A<br />
autora aproveita-se <strong>da</strong>s informações que levam a crer Marcial como um cliens <strong>de</strong> Plínio para<br />
tornar sua <strong>análise</strong> ain<strong>da</strong> mais proveitosa.<br />
No campo lingüístico, há a dissertação <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong> José Dejalma Dezotti sobre o<br />
epigrama antigo intitulado: “O epigrama latino e sua expressão vernácula” <strong>de</strong> 1990 que<br />
cont<strong>em</strong>pla <strong>análise</strong>s linguísticas sobre a obra <strong>de</strong> Marcial.<br />
Nesse mesmo campo, houve também uma publicação <strong>em</strong> 2004 <strong>de</strong> uma dissertação<br />
sobre a metalinguag<strong>em</strong> nos epigramas <strong>de</strong> Marcial intitula<strong>da</strong>: “Metapoesia nos epigramas <strong>de</strong><br />
Marcial:Tradução e <strong>análise</strong>” <strong>de</strong> Robson Ta<strong>de</strong>u Cesila. O autor pesquisa os epigramas que<br />
tratam <strong>da</strong> arte <strong>de</strong> se fazer epigramas, dos probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> publicação, dos plágios, do fato dos<br />
epigramas ser<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rados um gênero “menor”, enfim, todos os epigramas nos quais<br />
Marcial discorra sobre a escrita.<br />
Outro trabalho do ano <strong>de</strong> 2007 <strong>da</strong> ár<strong>ea</strong> <strong>de</strong> Letras diz respeito à tradução <strong>de</strong> epigramas<br />
que traz<strong>em</strong> a relação <strong>da</strong> invectiva com a construção <strong>de</strong> mulheres e suas relações com o gênero<br />
epidítico. O autor é Alexandre Agnolon e a dissertação chama-se: “Uns epigramas, certas<br />
mulheres: a misoginia nos Epigrammata <strong>de</strong> Marcial”.<br />
6
Epigramas a respeito <strong>da</strong>s religiões orientais<br />
Na obra <strong>de</strong> Marcial há vários po<strong>em</strong>as nos quais o autor comenta acerca <strong>da</strong> religião<br />
romana e dos cultos estrangeiros e são exatamente esses que serão usados como fonte nesse<br />
estudo. Por meio do discurso <strong>de</strong>sse cliens objetiva-se encontrar novos el<strong>em</strong>entos para o estudo<br />
<strong>da</strong>s religiões estrangeiras <strong>em</strong> Roma e suas influências sobre a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e cultura.<br />
Não há condições <strong>de</strong> se <strong>de</strong>screver a religião romana como algo fixo e com uma<br />
“teologia” b<strong>em</strong> estrutura<strong>da</strong>. A religião romana mudou intensamente ao longo <strong>da</strong> história:<br />
<strong>de</strong>uses foram incluídos, cultos e sacerdócios modificados, enfim, não havia uma estrutura fixa<br />
n<strong>em</strong> rígi<strong>da</strong>.<br />
O que há, no entanto, são algumas características <strong>da</strong> religião romana que<br />
permaneceram durante um longo período e formas <strong>de</strong> crer que estavam presentes na<br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. De forma geral, a religião politeísta romana era uma religião <strong>de</strong> festas, havia um<br />
calendário <strong>de</strong> festas religiosas controlado pelo Estado romano que era rigorosamente seguido.<br />
Aos nossos olhos, a forma <strong>de</strong> crer dos romanos era bastante objetiva já que eles eram<br />
centrados no rito. Nas palavras <strong>de</strong> Scheid(1993), para um romano “crer era fazer”, ou seja, era<br />
executar perfeitamente um ritual, com as palavras e gestos exatos. Isso garantiria a paz entre<br />
homens e <strong>de</strong>uses, o que para um romano era essencial para o equilíbrio e sucesso <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Percebe-se portanto características que era controla<strong>da</strong> e geri<strong>da</strong> pelos dirigentes do<br />
Estado romano, esse tipo <strong>de</strong> religião <strong>em</strong> Roma, chama-se pública e oficial. Só a seguia<br />
aqueles que eram consi<strong>de</strong>rados ci<strong>da</strong>dãos e só tinham vínculos <strong>de</strong> sacerdócio aqueles que eram<br />
dirigentes do Estado romano que, <strong>de</strong> maneira geral, eram homens.<br />
Por outro lado, no primeiro século Roma vivia um período bastante intenso <strong>de</strong> trocas<br />
culturais. Trazi<strong>da</strong>s por escravos, mercadores, enfim todos aqueles que vinham a Roma. Nesse<br />
período portanto, novas crenças chegaram a Roma e tiveram seu auge no século <strong>em</strong> questão.<br />
Com características bastante distintas dos cultos ligados ao Estado, <strong>de</strong>scritos acima,<br />
essas novas religiões traziam para a religião pública <strong>de</strong> Roma el<strong>em</strong>entos diversos, formas <strong>de</strong><br />
cultos que muitas vezes foram consi<strong>de</strong>rados excessos pelos romanos. Aquilo que por eles era<br />
chama<strong>da</strong> externa superstitio.<br />
Enquanto a religião tradicional tinha por base o mos maiorum, que <strong>de</strong> maneira<br />
simplifica<strong>da</strong> diz respeito ao costume dos antepassados, as novas religiões vin<strong>da</strong>s<br />
principalmente do oriente traziam el<strong>em</strong>entos como por ex<strong>em</strong>plo o <strong>de</strong> “salvação pessoal”<br />
7
inexistentes na religião oficial.<br />
Um ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> <strong>de</strong>usa oriental cultua<strong>da</strong> nesse período <strong>em</strong> Roma é Ísis. O culto <strong>de</strong> Ísis<br />
e Osíris, por ex<strong>em</strong>plo, é um <strong>de</strong>sses cultos <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> estrangeira que era praticado <strong>em</strong> Roma<br />
com características mistéricas. Esse casal <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses passou por todo o Mediterrâneo (Ásia<br />
Menor, Grécia, Sicília e Magna Grécia). O culto teve sucesso <strong>em</strong> Roma, porém por várias<br />
vezes o Senado tentou impedir o culto ao casal. Posteriormente muitos imperadores<br />
utilizaram-se dos atributos dos <strong>de</strong>uses egípcios associando-os à sua própria imag<strong>em</strong>.<br />
Uma <strong>da</strong>s versões do mito que trata <strong>da</strong> estória do casal afirma que Osíris, irmão e<br />
esposo <strong>de</strong> Ísis, foi morto pela inveja <strong>de</strong> seu irmão Seth que mutila e espalha os pe<strong>da</strong>ços <strong>de</strong><br />
Osíris. Ísis sai à procura <strong>da</strong>s partes do corpo <strong>de</strong> Osíris e consegue trazer-lhe à vi<strong>da</strong> novamente.<br />
Segundo Fantacussi, o culto no Egito tinha como características assegurar a<br />
fertili<strong>da</strong><strong>de</strong>. O culto estava associado ao t<strong>em</strong>po cíclico, à vegetação, as cheias do Nilo, à vi<strong>da</strong> e<br />
à morte, além <strong>da</strong> renovação do direito ao trono. Na cultura egípcia os mitos constituíam<br />
mo<strong>de</strong>los para o comportamento humano (2006, p.13-14).<br />
O culto isíaco chegou a Roma ain<strong>da</strong> durante a República e, nesse momento enfrentou<br />
muita oposição. Segundo Sanzi (2006 p.39), Augusto e o Senado proibiram culto isíaco <strong>em</strong><br />
52, 48, 28 e 21a.C, já Calígula provavelmente o inseriu no calendário oficial. Sob o período<br />
<strong>da</strong> helenização muitas modificações no culto foram feitas <strong>em</strong> relação às práticas iniciais do<br />
Egito. Ísis foi inclusive i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> com outras divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s já existentes <strong>em</strong> Roma como, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, D<strong>em</strong>éter.<br />
Segundo Sanzi (2006, p. 39-41), os atributos <strong>de</strong> Ísis foram ampliados como, por<br />
ex<strong>em</strong>plo, a <strong>de</strong>usa passou a ser regente do <strong>de</strong>stino astral. Havia festas celebra<strong>da</strong>s <strong>em</strong> honra a<br />
<strong>de</strong>usa além <strong>de</strong> ações rituais diárias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a abertura do t<strong>em</strong>plo até o seu fechamento.<br />
A principal festa <strong>em</strong> honra a Ísis celebra<strong>da</strong> <strong>em</strong> Roma era chama<strong>da</strong> Navigium Isidis.<br />
Era r<strong>ea</strong>lizado no período <strong>da</strong>s navegações, no 5ºdia do mês <strong>de</strong> março.<br />
Segundo Fantacussi, a essência do culto isíaco, “leva à busca <strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificação f<strong>em</strong>inina e a participação <strong>de</strong> fato <strong>da</strong>s mulheres” (2006, p.66).<br />
A seguir há alguns epigramas <strong>de</strong> Marcial nos quais o autor comenta sobre os<br />
celebrantes do culto <strong>da</strong> <strong>de</strong>usa. Em uma <strong>de</strong>ssas vezes Ísis (a “nilíaca novilha”) e Dindimene<br />
(ou seja, Cibele) não são suficientes para fazer com que Gélia se <strong>de</strong>sapegue <strong>de</strong> suas pérolas. O<br />
epigrama está transcrito abaixo:<br />
Livro VIII – epigrama 81 (MARCIAL, 2000-01, p. 94):<br />
8
“N<strong>em</strong> pelos místicos rituais <strong>de</strong> Dindimene<br />
n<strong>em</strong> pelo boi <strong>da</strong> nilíaca novilha,<br />
enfim, por <strong>de</strong>uses e <strong>de</strong>usas alguns<br />
Gélia é capaz <strong>de</strong> jurar, mas pelas suas pérolas.<br />
Afaga-as, cobre-as <strong>de</strong> beijos,<br />
chama-lhes irmãos, chama-lhes irmãs,<br />
ama-as com mais ardor que aos seus dois filhos.<br />
Se <strong>de</strong>las, por um aci<strong>de</strong>nte, viesse a carecer a pobrezinha<br />
diz que não haveria <strong>de</strong> viver n<strong>em</strong> uma hora.<br />
Ai, ai! Que boa caça<strong>da</strong> agora, Papiriano,<br />
faria a mão <strong>de</strong> Aneu Sereno!”.<br />
Por ser único na obra <strong>de</strong> Marcial, não há el<strong>em</strong>entos suficientes para enten<strong>de</strong>r o<br />
epigrama acima como uma crítica aos celebrantes do culto <strong>de</strong> Ísis. Os ex<strong>em</strong>plos não se<br />
repet<strong>em</strong> como no caso <strong>de</strong> Cibele. O que se po<strong>de</strong> afirmar é que Ísis foi cita<strong>da</strong> por Marcial<br />
algumas vezes, no entanto, seus ritos parec<strong>em</strong> não “assustar” tanto os romanos leitores <strong>de</strong><br />
Marcial, pois não são citados com a frequencia dos rituais “<strong>de</strong>sviantes” <strong>de</strong> Cibele.<br />
A <strong>análise</strong> po<strong>de</strong> ser estendi<strong>da</strong> também aos aspectos políticos <strong>da</strong> escrita <strong>de</strong> Marcial. O<br />
livro VIII é <strong>de</strong>dicado ao imperador Domiciano. O epigramatista começa o livro com uma<br />
<strong>de</strong>dicatória que trazia várias intenções no que diz respeito aos títulos que o imperador po<strong>de</strong>ria<br />
lhe conce<strong>de</strong>r. El<strong>em</strong>ento importante nesse caso é ter <strong>em</strong> vista que os Flavianos (68-98)<br />
geralmente associaram as suas imagens à Ísis e Serápis buscando, com isso, s<strong>em</strong>elhanças com<br />
os faraós e com o seu po<strong>de</strong>r divino (FANTACUSSI, 2006, p.47).<br />
Além do que, no século I os rituais <strong>de</strong> Ísis já tinham entrado para o calendário oficial<br />
<strong>da</strong>s festivi<strong>da</strong><strong>de</strong>s romanas. Isso po<strong>de</strong> indicar que m<strong>em</strong>bros <strong>da</strong> aristocracia cultuavam a <strong>de</strong>usa, o<br />
que afasta o “sarcasmo” <strong>de</strong> Marcial, já que esse <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> vários aristocratas e dos próprios<br />
imperadores para sua sobrevivência.<br />
Dessa forma, percebe-se a <strong>varie<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>t<strong>em</strong>as</strong> presentes na escrita <strong>de</strong> Marcial. O autor<br />
mostra-se uma fonte bastante proveitosa para o estudo <strong>de</strong> vários <strong>t<strong>em</strong>as</strong> do período do<br />
Principado romano, apesar <strong>de</strong> ain<strong>da</strong> pouco explorado no Brasil.<br />
Essa comunicação faz parte <strong>de</strong> uma pesquisa <strong>de</strong> mestrado inicia<strong>da</strong> <strong>em</strong> 2008, na qual a<br />
autora estu<strong>da</strong> vários cultos estrangeiros como o <strong>de</strong> Priapo, Baco e Cibele na obra <strong>de</strong> Petrônio,<br />
o romance Satyricon, e <strong>em</strong> alguns epigramas <strong>de</strong> Marcial.<br />
Até esse momento obteve-se conclusões iniciais a respeito dos cultos estrangeiros <strong>em</strong><br />
Roma na visão <strong>de</strong> Marcial, no entanto, é inegável que a fonte po<strong>de</strong> ser muito explora<strong>da</strong> e t<strong>em</strong><br />
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muito a contribuir para a construção do conhecimento histórico do período antigo.<br />
Referências<br />
Fontes:<br />
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