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uma leitura performática de Memórias Póstumas de Brás Cubas

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mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> leitora que não tem discrição, termo usado provavelmente no sentido <strong>de</strong><br />

agu<strong>de</strong>za <strong>de</strong> percepção, como indica Vieira aos leitores do Barroco. Virgília não saberia<br />

distinguir as opiniões <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong> ao <strong>de</strong>correr dos anos, ou seja, a diferença daquilo<br />

que ele dizia sobre ela quando eram jovens e agora, no momento <strong>de</strong> enunciação e <strong>leitura</strong><br />

do texto.<br />

A coincidência temporal entre a escrita e a <strong>leitura</strong> é outro fator que mobiliza a<br />

forma tradicional do romance. Um veículo <strong>de</strong> perenização da arte é retratado como<br />

forma <strong>de</strong> transmissão imediata <strong>de</strong> mensagem. Nesse sentido, a coincidência entre escrita<br />

e <strong>leitura</strong>, consi<strong>de</strong>rada stricto senso, suprime da produção romanesca parte <strong>de</strong> seu<br />

processo material <strong>de</strong> constituição (revisor, editor, diagramador gráfico, etc.) Cria-se a<br />

fantasia <strong>de</strong> que o autor-<strong>de</strong>funto, como se auto<strong>de</strong>nomina o narrador, po<strong>de</strong>ria substituir a<br />

comunicação mediada pelo diálogo instantâneo.<br />

Essa representação chega, inclusive, a apresentar a fala <strong>de</strong> Virgília: −Mas, dirás<br />

tu, como é que po<strong>de</strong>s assim discernir a verda<strong>de</strong> daquele tempo, e exprimi-la <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

tantos anos? (ibid, p. 547).<br />

No tempo que o livro torna-se a representação <strong>de</strong> um não livro pelo aspecto<br />

negativo da mediação oral comunicativa entre o narrador e Virgília, é apresentado o<br />

vaticino prognosticado no capítulo VI, sobre a exposição da teoria das edições h<strong>uma</strong>nas:<br />

Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não;<br />

é <strong>uma</strong> errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é <strong>uma</strong><br />

edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até<br />

a edição <strong>de</strong>finitiva, que o editor dá <strong>de</strong> graça aos vermes. (ibid.,<br />

p.527)<br />

Ora, o final da narrativa interliga um capítulo <strong>de</strong>ixado em aberto há 31 páginas,<br />

logo, polariza-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Virgília estar diante <strong>de</strong> um livro oferecido<br />

instantaneamente ao leitor durante a ação do escritor. A evocar a completu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />

idéia que ficou em aberto 21 capítulos atrás, a obra reafirma-se como livro <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação<br />

sucessiva e evolutiva das idéias.<br />

Essa teatralida<strong>de</strong> da escrita continua pelo capítulo XXXII, quando um possível<br />

leitor “circunspecto” interromperia o trabalho <strong>de</strong> <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong> para questionar se o<br />

capítulo anterior “A borboleta preta” era apenas <strong>uma</strong> “sensaboria” ou se “chega a<br />

empulhação”. <strong>Brás</strong> <strong>Cubas</strong> refere-se, inúmeras vezes, à digressão filosófica como <strong>uma</strong>

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