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Fundação Educacional de Divinópolis - <strong>FUNEDI</strong><br />

Universidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais-<strong>UEMG</strong><br />

Mestra<strong>do</strong> <strong>em</strong> Educação, Cultura e Organizações Sociais<br />

ENTRE O INDIVIDUALISMO E SOLIDARIEDADE: UM ESTUDO DE CASO EM<br />

COOPERATIVAS DO MUNICIPIO DE SALINAS-MG<br />

Edson Antunes Quaresma Júnior<br />

Divinópolis-MG<br />

2009


Edson Antunes Quaresma Júnior<br />

ENTRE O INDIVIDUALISMO E SOLIDARIEDADE: UM ESTUDO DE CASO<br />

EM COOPERATIVAS DO MUNICIPIO DE SALINAS-MG<br />

Dissertação apresentada ao curso Mestra<strong>do</strong> <strong>em</strong> Educação,<br />

Cultura e Organizações Sociais da <strong>FUNEDI</strong>/<strong>UEMG</strong> como<br />

requisito para obtenção <strong>do</strong> título de Mestre <strong>em</strong><br />

Educação,Cultura e Organizações Sociais.<br />

Área de concentração: Estu<strong>do</strong>s Cont<strong>em</strong>porâneos<br />

Linha de Pesquisa: Cultura e Linguag<strong>em</strong><br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Leandro Pena Catão<br />

Divinópolis-MG<br />

2009


Quaresma júnior, Edson Antunes.<br />

Q1e Entre o individualismo e solidariedade: um estu<strong>do</strong> de caso <strong>em</strong><br />

cooperativas <strong>do</strong> município de Salinas - MG / Edson Antunes Quaresma<br />

Júnior. <strong>–</strong> Divinópolis - MG, 2009.<br />

XX f., enc.<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Leandro Pena Catão<br />

Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) <strong>–</strong> Universidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais -<br />

<strong>UEMG</strong> <strong>–</strong> <strong>FUNEDI</strong>.<br />

Bibliografia: f. XX - XX<br />

1. Sist<strong>em</strong>as produtivos . 2. Individualismo.<br />

3. Capitalismo. 4. Coletivismo. 5 Cooperativismo.<br />

I. Título.<br />

CDD: 330.342


AUTORIZAÇÃO PARA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA<br />

DA DISSERTAÇÃO<br />

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta<br />

dissertação por processos de fotocopia<strong>do</strong>ras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição<br />

integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da <strong>FUNEDI</strong>/<strong>UEMG</strong>.<br />

Edson Antunes Quaresma Júnior<br />

Divinópolis, 27/11/2009


Dedico este trabalho acadêmico a to<strong>do</strong>s os que contribuíram de alguma forma para sua construção,<br />

principalmente aquela que me deu o estímulo e incentivo inicial para esta longa jornada<br />

(literalmente).


Agradeço a Deus, como s<strong>em</strong>pre, s<strong>em</strong> pedir.<br />

Agradeço aos amigos encontra<strong>do</strong>s no mestra<strong>do</strong>, <strong>em</strong> especial àqueles com qu<strong>em</strong> pude conviver com<br />

as discussões densas e pontuais, vin<strong>do</strong>s de Belo Horizonte, Montes Claros, Itabira.<br />

Agradeço aos parentes, familiares e ex-namorada, pelo estímulo e incentivo nesta longa jornada e<br />

também pelo suporte, como hospedag<strong>em</strong> e abraços.<br />

Agradeço aos professores, que ajudaram a construir e destruir o necessário, ou até mais...<br />

Agradeço ao meu orienta<strong>do</strong>r, pelo esforço <strong>do</strong> auxílio, mesmo diante de tantas tormentas e<br />

obstáculos <strong>do</strong> dia a dia.<br />

Agradeço aos d<strong>em</strong>ais funcionários técnico-administrativos <strong>do</strong> centro de pós-graduação da <strong>UEMG</strong>-<br />

<strong>FUNEDI</strong>, incrivelmente comprometi<strong>do</strong>s com nossos resulta<strong>do</strong>s.<br />

Agradeço aos coopera<strong>do</strong>s que foram, como s<strong>em</strong>pre, pessoas maravilhosas e muito corteses.


ou<br />

Quanto mais livre, mais preso ao que te torna livre.<br />

Nietzsche<br />

Nenhum hom<strong>em</strong> é uma ilha inteiramente independente;<br />

to<strong>do</strong> hom<strong>em</strong> é uma parte <strong>do</strong> Continente,<br />

uma parte <strong>do</strong> to<strong>do</strong>; se um torrão de terra é leva<strong>do</strong><br />

pelo mar, a Europa fica menor, assim como se fosse um<br />

Promontório, ou a casa de teus amigos ou de ti mesmo;<br />

a morte de qualquer hom<strong>em</strong> me diminui,<br />

porque faço parte da espécie humana:<br />

Portanto, nunca mandes saber por qu<strong>em</strong> os sinos <strong>do</strong>bram;<br />

Eles <strong>do</strong>bram por ti.<br />

John Donne


RESUMO<br />

O foco da pesquisa deste trabalho acadêmico perpassa o individualismo e o capitalismo. Mas não<br />

busca estas duas facetas da realidade cont<strong>em</strong>porânea <strong>em</strong> um espaço coerente com estas mesmas<br />

dimensões. Através de um estu<strong>do</strong> de caso descritivo, visa verificar suas possibilidades de existência<br />

e influencia <strong>em</strong> entrevistas realizadas no interior de cooperativas, local conexo aos movimentos da<br />

economia solidária, que pregam valores como o coletivismo e o cooperativismo. Como resulta<strong>do</strong>s,<br />

conseguiu-se perceber que os indivíduos pesquisa<strong>do</strong>s mostram uma terceira dimensão entre as<br />

matrizes individualismo-capitalismo e coletivismo-cooperativismo, um lócus onde se observam<br />

enquanto diferentes mas dev<strong>em</strong> buscar objetivos comuns e compet<strong>em</strong>, mas por um crescimento<br />

hierárquico coletivo, uma valorização comum, para o grupo. Indica amarrações entre as categorias<br />

<strong>em</strong> alguma medida dicotômicas através da distorção que é realizada pela economia solidária num<br />

continuum capitalista.<br />

Palavras chaves: individualismo; capitalismo; coletivismo; cooperativismo; cont<strong>em</strong>poraneidade.


ABSTRACT<br />

The research focus of this acad<strong>em</strong>ic work goes through the individualism and capitalism. But <strong>do</strong> not<br />

search these two facets of cont<strong>em</strong>porary reality in an area consistent with these same dimensions.<br />

Through a descriptive case study, aims to verify their existence and influence on interviews within<br />

cooperatives, local mov<strong>em</strong>ents related to the solidarity economy, that preach values such as<br />

collectivism and cooperative. As a result, were able to see that survey participants shows a third<br />

dimension of the matrices capitalism-individualism and collectivism-cooperative, a locus where<br />

they are observed as different but must seek common objectives and compete, but by a collective<br />

hierarchical growth, a group common valorization. Indicates bindings between the categories in<br />

some measure by the dichotomy distortion performed by the solidarity economy in the capitalist<br />

continuum.<br />

Key Words: individualism, capitalism, collectivism; cooperative; cont<strong>em</strong>poraneity.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES<br />

LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SALINAS NO ESTADO DE MINAS GERAIS .............. 80


LISTA DE TABELAS E QUADROS<br />

RELEVÂNCIA DA COOPERATIVA .......................................................................................... 85<br />

RELAÇÃO ENTRE COOPERATIVA E COOPERADO .............................................................. 87<br />

PREPONDERÂNCIA INDIVIDUAL E COLETIVA ................................................................... 89<br />

COMPORTAMENTOS COMPATÍVEIS OU NÃO COM VALORES DA COOPERATIVA ....... 91<br />

NOÇÃO DE PARTICIPAÇÃO E PERTENCIMENTO DO COOPERADO ................................. 92<br />

ARTIFÍCIOS E IMPORTÂNCIA DA LIGAÇÃO INDIVÍDUO - COOPERATIVA. .................... 95<br />

NECESSIDADE DE CONTROLES SOBRE AS INTENÇÕES DOS COOPERADOS ................. 98<br />

RELAÇÃO ENTRE COOPERADOS ......................................................................................... 101<br />

NECESSIDADE DE TRATAMENTO IGUALITÁRIO .............................................................. 103<br />

VALOR DO TRABALHO INDIVIDUAL E INTERESSE POR CRESCIMENTO ..................... 105<br />

NECESSIDADE DA HIERARQUIA E SUBMISSÃO DO COOPERADO ................................ 107<br />

EXISTENCIA E INTERESSE DOS COOPERADOS PELA COMPETIÇÃO. ........................... 111<br />

ESTRATÉGIAS COOPERATIVISTAS...................................................................................... 114


SUMÁRIO<br />

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 13<br />

2 O INDIVIDUALISMO : (DES)VINCULAÇÕES SOCIAIS E REFLEXOS ........................... 20<br />

2.1 A Ética Protestante e o Indivíduo: Perspectiva e Centro ....................................................... 26<br />

2.2 Racionalismo e Individualismo: Entrelaçamentos ............................................................... 35<br />

2.3 A Gênese <strong>do</strong> Capitalismo e Conexões com a Burguesia e o Individualismo ......................... 38<br />

3 A FRAGMENTAÇÃO ESPAÇO/TEMPORAL DA REFERÊNCIA AO LOCAL ................. 48<br />

3.1 O Atrelamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> à Fragmentação Social Através da Disciplina ............................... 52<br />

3.2 Autocontrole: uma Alternativa para o Alinhamento das Ações ............................................ 56<br />

3.3 A Complexidade da Referência à Classe de Trabalha<strong>do</strong>res.................................................. 59<br />

4 AS COOPERATIVAS E O SISTEMA DE PRODUÇÃO CAPITALISTA ............................ 65<br />

4. 1 Raízes <strong>do</strong> Cooperativismo no Mun<strong>do</strong> e Emergência no Brasil ............................................. 65<br />

4.2 A Disparidade e Conexões <strong>do</strong> Continuum Cooperativista..................................................... 68<br />

4.3 Entre Diversidade e Solidariedade ....................................................................................... 71<br />

5 METODOLOGIA................................................................................................................... 75<br />

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................... 79<br />

6.1. Formação e características das Cooperativas ................................................................... 81<br />

6.2. Analises das Entrevistas .................................................................................................. 84<br />

7 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 119<br />

BIBLIOGRAFIAS................................................................................................................... 122


1 INTRODUÇÃO<br />

Esta pesquisa é resulta<strong>do</strong> de viagens para Salinas, uma pequena cidade <strong>do</strong> norte <strong>do</strong><br />

esta<strong>do</strong> de Minas Gerais, onde o pesquisa<strong>do</strong>r acessou, trabalhou e fomentou a formação de<br />

instituições cooperativistas. Estas s<strong>em</strong>pre se mostraram perpassadas pela força de vontade <strong>do</strong>s<br />

indivíduos <strong>em</strong> se libertar de certa realidade de pobreza e exclusão, identifica<strong>do</strong>s por relatos <strong>do</strong>s<br />

participantes sobre as parcas oportunidades de <strong>em</strong>prego e renda.<br />

Naqueles momentos muitas coisas pareciam ser relevantes para o sucesso ou fracasso <strong>do</strong><br />

<strong>em</strong>preendimento, como condições ambientais favoráveis, a existência de recursos e fomentos<br />

governamentais, distância de grandes centros de decisão ou mesmo interesses políticos. Mas uma<br />

característica específica chamava a atenção e parecia ser comum <strong>em</strong> grande medida: o desinteresse<br />

particular <strong>em</strong> se submeter a um paradigma diferente de organização. As cooperativas exigiam uma<br />

dedicação muito grande para o grupo; um envolvimento radical de t<strong>em</strong>po e interesse, na maioria das<br />

vezes, s<strong>em</strong> nenhum tipo de retorno pelo <strong>em</strong>penho no perío<strong>do</strong> de anos, uma mudança radical para<br />

qu<strong>em</strong> acredita dever ser “r<strong>em</strong>unera<strong>do</strong>” por um trabalho presta<strong>do</strong>. Certos participantes se adaptaram<br />

mais rapidamente, outros a seu próprio t<strong>em</strong>po, alguns não acreditaram naquela proposta quan<strong>do</strong> a<br />

enfrentaram face a face e saíram, outros não saíram.<br />

Nesse ínterim, outra adaptação que chamava a atenção era que, até certo limite,<br />

precisava-se da subordinação efetiva de interesses individuais <strong>do</strong>s participantes à uma realidade<br />

grupal. As decisões não eram mais individuais, as pessoas eram tratas estritamente da mesma<br />

forma, e não eram mais <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s, mas <strong>do</strong>nos 1 , s<strong>em</strong>, no entanto, uma posição hierárquica de<br />

coman<strong>do</strong>, ou uma condição de decisão maior ou menor. Para a cooperativa, to<strong>do</strong>s são iguais. Uma<br />

sujeição a qual algumas pessoas poderiam ser muito individualistas para se adaptar.<br />

Assim, se percebeu que o individualismo e o cooperativismo são <strong>do</strong>is pontos que<br />

perpassam a sociedade ocidental cont<strong>em</strong>porânea, mas que pod<strong>em</strong> ter alguns pontos divergentes.<br />

Para Velho (1999), o individualismo está presente por toda a sociedade e levaria o ser<br />

humano a se perceber como uma unidade valorativa principal. Por meio desta observação <strong>do</strong><br />

hom<strong>em</strong> enquanto centro, <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> certas contrariedades relacionadas aos grupos onde se encontra,<br />

como competições internas e a tentativa de diferenciação, de distinção <strong>do</strong>s próximos.<br />

1 Para Singer (2008a) a cooperativa é um local por excelência, onde capital e trabalho estão <strong>em</strong>aranha<strong>do</strong>s entre si.


O cooperativismo, <strong>em</strong> contrapartida, é cristaliza<strong>do</strong> <strong>em</strong> organizações de cunho solidário<br />

onde, para Bhowmik (2008) e Singer (2008a), se trabalha através de princípios como igualdade e<br />

d<strong>em</strong>ocracia, por meio de uma efetiva solidariedade entre parceiros. Denota-se assim, um ideário de<br />

coletivismo na esfera cooperativista, que prega, ao invés de diferenciação e competição, igualdade e<br />

solidariedade.<br />

A caracterização desse contra-senso fica ainda mais evidente ao se analisar certa relação<br />

proximal entre individualismo e capitalismo 2 : Silva (2004) percebe que algumas facetas da<br />

realidade vivida nas organizações capitalistas amplificam a desconexão entre indivíduo e grupo,<br />

como a competição entre trabalha<strong>do</strong>res, que é inerente a uma série de processos (e <strong>em</strong> algumas<br />

oportunidades, estimula<strong>do</strong> pela organização) e a fragmentação <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, reduzi<strong>do</strong> e dividi<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> processos cada vez menores de trabalho. Arrighi (1996), também contribui para a aproximação<br />

<strong>do</strong>s termos quan<strong>do</strong> apreende no capitalismo, a existência de uma classe composta por grandes<br />

preda<strong>do</strong>res, onde vale a “lei da selva”, que justifica a competição e a desconexão <strong>do</strong>s indivíduos <strong>em</strong><br />

relação às d<strong>em</strong>ais esferas sociais. Propostas distantes <strong>do</strong> coletivismo e da solidariedade.<br />

Destacam-se assim, quatro dimensões que se agrupam <strong>em</strong> <strong>do</strong>is conjuntos aglutina<strong>do</strong>res<br />

iniciais (o primeiro grupo com o individualismo-capitalismo; o segun<strong>do</strong> com coletivismo-<br />

cooperativismo) que t<strong>em</strong> pontos incoerentes, talvez até colidentes.<br />

Mas as cooperativas parec<strong>em</strong> existir mesmo diante dessa contraditoriedade: é<br />

perpassada diretamente por essas dimensões inconsistentes. E diante da possibilidade de<br />

incoerência, sugere probl<strong>em</strong>atizações. As instituições cooperativistas se encontram dentro ou fora<br />

<strong>do</strong> capitalismo? O quão distante ou puramente cristalizadas estão as quatro dimensões alvo <strong>do</strong><br />

estu<strong>do</strong> <strong>em</strong> seu interior? Até que ponto pod<strong>em</strong> interferir na sua realidade? Existiriam pontos de<br />

convergência entre dimensões tão contraditórias?<br />

2 Lechat (2008) percebe o surgimento das cooperativas dentro <strong>do</strong> movimento <strong>do</strong> socialismo utópico, e que aparece como<br />

resposta e reivindicação contra crises econômicas geradas pelo capitalismo. Nota-se assim que se o cooperativismo é<br />

um movimento que t<strong>em</strong> raízes <strong>em</strong> ideais socialistas, contrários à grande parte das características <strong>do</strong> capitalismo. Na<br />

medida <strong>em</strong> que este se aproxima <strong>do</strong> individualismo, contribui ainda mais para um “afastamento” entre individualismo<br />

e cooperativismo.<br />

14


Assim, para responder às perguntas levantadas teceu-se um objetivo principal: Verificar<br />

relações entre individualismo, capitalismo e coletivismo dentro de organismos cooperativistas <strong>do</strong><br />

município de Salinas, Minas Gerais.<br />

Este trabalho se justifica, portanto, devi<strong>do</strong> à possibilidade de geração de mais<br />

<strong>em</strong>basamento sobre a conexão entre indivíduo e coletivo, já que sua análise acontece <strong>em</strong> uma escala<br />

social específica, mas relevante. Além disso, pode esclarecer aspectos <strong>do</strong> funcionamento social<br />

desses órgãos coletivistas (contribuin<strong>do</strong> para o seu funcionamento) e trazer características <strong>do</strong>s<br />

formatos <strong>do</strong> individualismo, possivelmente visualizáveis <strong>em</strong> outros organismos e escalas sociais,<br />

mas menos destacadas quanto d<strong>em</strong>onstra<strong>do</strong> nessa esfera. Colabora desta forma para uma percepção<br />

mais profunda e abrangente das possibilidades de existência de indivíduos e grupos.<br />

Por se condensar <strong>em</strong> locais diferentes de um continuum capitalista, esta pesquisa torna-<br />

se saliente também pelo foco, que detém poucas pesquisas específicas ao t<strong>em</strong>a, o que colabora com<br />

os estu<strong>do</strong>s que porventura perpassar<strong>em</strong> a discussão. Somam-se assim, a possibilidade de<br />

crescimento e contribuição para a sociedade, os movimentos solidários, a acad<strong>em</strong>ia e o pesquisa<strong>do</strong>r,<br />

pois pod<strong>em</strong> crescer com as análises e resulta<strong>do</strong>s.<br />

Na discussão teórica deste estu<strong>do</strong> de caso descritivo, visa-se analisar os eixos principais,<br />

que por sua vez estão agrupa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> duas matrizes 3 .<br />

O primeiro eixo trata <strong>do</strong> individualismo <strong>em</strong> suas conotações cont<strong>em</strong>porâneas, e<br />

posteriormente realiza uma tentativa de compreensão de sua realidade <strong>em</strong>basada <strong>em</strong> características<br />

anteriores, que teriam influencia<strong>do</strong> sua <strong>em</strong>ergência ou formatação, sob a configuração <strong>em</strong> que se<br />

encontra. Trata assim duplamente de sua gênese e das discussões cont<strong>em</strong>porâneas, atualmente<br />

ligadas a estu<strong>do</strong>s antropológicos, sociológicos e psicológicos (estes estu<strong>do</strong>s, principalmente pela via<br />

da Psicologia Trans Cultural 4 , que também verifica relações entre individualismo e coletivismo).<br />

3 Como defini<strong>do</strong> anteriormente, individualismo e capitalismo como uma primeira matriz; coletivismo e cooperativismo<br />

como a segunda. Estas discussões estão divididas nos diversos capítulos, <strong>em</strong> alguns momentos separa<strong>do</strong>s pelas linhas<br />

ou matrizes e <strong>em</strong> outros para<strong>do</strong>xalmente conecta<strong>do</strong>s, na busca de laços, ligaduras entre os el<strong>em</strong>entos.<br />

4 De acor<strong>do</strong> com Ribas(2006) a Psicologia Trans Cultural é uma vertente da abordag<strong>em</strong> sócio-cultural da psicologia. A<br />

abordag<strong>em</strong> sócio cultural visa uma análise <strong>do</strong> desenvolvimento humano enquanto um processo que se dá nas<br />

interações sociais. No entanto, a linha de pesquisas trans culturais se diferencia das d<strong>em</strong>ais no senti<strong>do</strong> <strong>em</strong> que acredita<br />

15


A próxima linha tratada é o capitalismo, sist<strong>em</strong>a de produção atual que para Singer<br />

(2008a), sobrepõe e direciona as relações econômicas, produtivas, legais e institucionais (inclusive<br />

o próprio cooperativismo). Busca-se assim, através de autores como Dobb (1988), tratar sobre a<br />

evolução desse sist<strong>em</strong>a, na tentativa de encontrar características iniciais que influenci<strong>em</strong> na sua<br />

realidade atual e seu conceito, discussão que culmina na sua cristalização <strong>em</strong> organizações privadas.<br />

Antes, no entanto, de se avançar na discussão sobre as <strong>em</strong>presas capitalistas, é<br />

importante fazer um pequeno movimento e, outra direção. Na tentativa de compreender o universo<br />

das <strong>em</strong>presas capitalistas, se partiu para uma percepção <strong>do</strong> seu macro ambiente, através de algumas<br />

ligações entre capitalismo e o Esta<strong>do</strong>, como sua forma de sujeição e controle <strong>do</strong>s indivíduos a partir<br />

de Miller (2000), Foucault (1977), Foucault (1979) e Bentham (1787), que tratam das novas<br />

formatações <strong>do</strong> disciplinamento das ações individuais.<br />

Essas possibilidades são importantes para a discussão teórica uma vez que para Bauman<br />

(1999), a introjeção e representação <strong>do</strong> social não é mais realizada apenas no contexto da<br />

comunidade, <strong>do</strong> pequeno espaço de convivência comum, mesmo que os indivíduos continu<strong>em</strong><br />

existin<strong>do</strong> <strong>em</strong> sociedade. O individuo se reporta também a outros espaços, mesmo desloca<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seu<br />

espaço circunscrito, mesmo distantes da sua realidade imediata. Para Bauman (1999) e Arendt<br />

(1989) exist<strong>em</strong> muitos fatores que levam e amplificam a desconexão <strong>do</strong>s indivíduos com os grupos<br />

onde se encontram espacialmente e momentaneamente circunscritos. E essa desconexão espaço<br />

t<strong>em</strong>poral exige novas modalidades de controle, de sujeição <strong>do</strong>s indivíduos.<br />

Utilizan<strong>do</strong>-se das observações de Silva (2004) são transportadas algumas facetas deste<br />

“novo” controle para as organizações capitalistas e analisam-se algumas interferências deste<br />

controle disciplinar no contexto de um ser humano particular, mas que trabalha <strong>em</strong> espaço coletivo.<br />

As organizações capitalistas gerariam torções nas referências de coletivo e individuo,<br />

exigin<strong>do</strong> trabalhos <strong>em</strong> grupo, mas com uma competitividade enorme, tentan<strong>do</strong> se transformar na<br />

na cultura como “(...) um conjunto de variáveis contextuais que afetam o comportamento individual, algo fora <strong>do</strong>s<br />

indivíduos e basicamente entendi<strong>do</strong> como um mo<strong>do</strong> de vida compartilha<strong>do</strong> entre pessoas que interag<strong>em</strong>, e se<br />

transmitiria por processos de aculturação e socialização (RIBAS, 2006, p.133). Assim, essa área da psicologia tenta<br />

buscar <strong>em</strong>basamentos para os processos internos <strong>do</strong> individuo, mas ten<strong>do</strong> como base variáveis ambientais, como seus<br />

processos de socialização e aculturação.<br />

16


eferência principal, fragmentan<strong>do</strong>, diversifican<strong>do</strong> e individualizan<strong>do</strong> ainda mais a existência<br />

humana.<br />

Pela via das análises realizadas inicialmente, pretendeu-se tecer ligaduras, conexões,<br />

entrelaçamentos que assim compuseram uma primeira matriz direciona<strong>do</strong>ra da discussão: as<br />

relações entre o individualismo, e capitalismo na sociedade cont<strong>em</strong>porânea. Dessas análises surg<strong>em</strong><br />

visões como a competição, o ideal de diferenciação, a fragmentação e alienação <strong>do</strong> indivíduo.<br />

Numa tentativa de resposta ou contraposição a esse primeiro agrupamento, porém,<br />

<strong>em</strong>erge a segunda linha de raciocínio. Esta trata de uma possibilidade paradigmática diversa, que<br />

aborda neste senti<strong>do</strong>, o coletivismo e o cooperativismo (compreendi<strong>do</strong>s aqui pela perspectiva da<br />

economia solidária 5 ).<br />

O coletivismo é trata<strong>do</strong> através de conceitos relaciona<strong>do</strong>s a pesquisas cont<strong>em</strong>porâneas e<br />

posteriormente, <strong>em</strong> uma perspectiva de noção solidária, dividida para Durkheim (1999) <strong>em</strong> duas<br />

formas de solidariedade: a mecânica, que liga o individuo diretamente ao grupo devi<strong>do</strong> a<br />

similaridades, e a orgânica, que cria uma relação de dependência <strong>do</strong> individuo com a sociedade<br />

através da especialização e divisão <strong>do</strong> trabalho.<br />

As considerações sobre a solidariedade são a principal conexão com o cooperativismo,<br />

que é uma última linha direciona<strong>do</strong>ra. Trata-se nesse trabalho, de realizar também uma investigação<br />

sobre o cooperativismo através de sua gênese e aspectos atuais, suas ligações complexas com o<br />

mo<strong>do</strong> de produção capitalista e a ligação entre coopera<strong>do</strong>s e o trabalho diante das observações de<br />

Melman (2002), Lechat (2008), Heiden (2008), Singer (2008) e Durkheim (1999), para qu<strong>em</strong> existe<br />

uma noção diferenciada da coletivização, onde, <strong>em</strong> torno <strong>do</strong> trabalho e mesmo dentro <strong>do</strong><br />

capitalismo, observa-se novamente a solidariedade.<br />

principais.<br />

Pela via das discussões teóricas apresentadas, o trabalho foi dividi<strong>do</strong> <strong>em</strong> cinco partes<br />

5 Lechat (2008) considera a economia solidária como sen<strong>do</strong> a junção entre as dimensões <strong>do</strong> econômico, social e o<br />

político, capaz de gerar um desenvolvimento solidário e comum entre to<strong>do</strong>s os parceiros.<br />

17


Inicialmente se delineia a introdução, que trata das probl<strong>em</strong>atizações, objetivo e breve<br />

d<strong>em</strong>onstração <strong>do</strong> que será discuti<strong>do</strong> no trabalho. O referencial teórico que deu base para as analises<br />

deste trabalho é a próxima etapa, e por sua vez, está subdividi<strong>do</strong> <strong>em</strong> três capítulos.<br />

No primeiro, trata-se da verificação e análise crítica de características <strong>do</strong> individualismo<br />

a luz de autores cont<strong>em</strong>porâneos: Velho (1999), Elias (1994), Gouveia (2003) e Dumont (1985) e<br />

de perío<strong>do</strong>s anteriores como Dukheim (1999) e Tocqueville (2000). Também se analisam as<br />

conexões mais profundas da percepção <strong>do</strong> indivíduo enquanto centro de referências, na tentativa de<br />

delinear a gênese e conexão dessa percepção com movimentos como o protestantismo, racionalismo<br />

e a ascensão da burguesia. São consideradas estas dimensões também <strong>em</strong> composição com<br />

capitalismo e principalmente sob a luz de Weber (2001), Dumont (1985), Reis (2003) e Dobb<br />

(1988).<br />

Ainda no referencial teórico se discut<strong>em</strong> aspectos da cont<strong>em</strong>poraneidade que pod<strong>em</strong><br />

amplificar probl<strong>em</strong>atizações à noção de lugar comum inerente a uma comunidade, desconectan<strong>do</strong><br />

ainda mais o particular <strong>do</strong> coletivo. O pesquisa<strong>do</strong>r se apóia para essa tarefa, das análises de Arendt<br />

(1989), Bauman (1999), Steven (2001), Chartier (2002), sobre a fragmentação da comunidade<br />

enquanto espaço social de influência e controle sobre o ser humano. Essa apreciação posteriormente<br />

des<strong>em</strong>boca no esta<strong>do</strong> capitalista e por meio <strong>do</strong>s trabalhos de Miller (2000), Foucault (1977),<br />

Foucault (1979) e Bentham (1787), vêm à tona as novas formatações <strong>do</strong> disciplinamento das ações<br />

individuais, uma vez que sua introjeção e representação <strong>do</strong> social não é mais realizada apenas no<br />

contexto da comunidade, <strong>do</strong> pequeno espaço de convivência comum. Utilizan<strong>do</strong>-se das observações<br />

de Silva (2004) são ainda transportadas algumas facetas deste “novo” controle para as organizações<br />

capitalistas e analisa-se a interferência deste controle disciplinar no contexto de um ser humano<br />

particular, mas que trabalha <strong>em</strong> espaço coletivo, <strong>em</strong> grande medida.<br />

A última parte da discussão teórica adentra ao universo cooperativista, que diante das<br />

observações de Melman (2002), Lechat (2008), Heiden (2008), Singer (2008a) e Durkheim (1999),<br />

faria parte de uma noção diferenciada da coletivização, onde, <strong>em</strong> torno <strong>do</strong> trabalho e mesmo dentro<br />

18


<strong>do</strong> capitalismo, observa-se novamente a solidariedade, a busca pelo b<strong>em</strong> comum apreendi<strong>do</strong> trata<strong>do</strong><br />

<strong>em</strong> Tocqueville (2000). Analisa-se o conceito de economia solidária também devi<strong>do</strong> a sua<br />

possibilidade de torção entre coletivo e indivíduo, solidário e particular, entre capitalismo e<br />

economia solidaria.<br />

O Capítulo seguinte tece os fundamentos meto<strong>do</strong>lógicos e éticos utiliza<strong>do</strong>s para dar luz<br />

à parte <strong>em</strong>pírica deste trabalho, definin<strong>do</strong> procedimentos e ferramentas, b<strong>em</strong> como os passos de sua<br />

utilização.<br />

A penúltima parte <strong>do</strong> trabalho trata da tabulação e analises <strong>em</strong>píricas sobre os da<strong>do</strong>s<br />

recebi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s sujeitos de pesquisa, d<strong>em</strong>onstran<strong>do</strong> os resulta<strong>do</strong>s colhi<strong>do</strong>s e sua conexão com o<br />

referencial teórico.<br />

E por fim é feita a conclusão, realizada a partir <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s na etapa anterior.<br />

E assim as discussões teóricas foram condensadas na execução <strong>em</strong>pírica deste trabalho<br />

acadêmico, que teve como foco duas cooperativas da cidade de Salinas, na região norte <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de<br />

Minas Gerais, onde exist<strong>em</strong> tentativas de organização <strong>do</strong> cooperativismo, na tentativa de trazer<br />

novas luzes para essas contraditórias possibilidades cont<strong>em</strong>porâneas.<br />

19


2 O INDIVIDUALISMO : (DES)VINCULAÇÕES SOCIAIS E REFLEXOS<br />

São perceptíveis características <strong>do</strong> individualismo <strong>em</strong> diversos aspectos <strong>do</strong> cotidiano, e<br />

algo torna a analise sobre o t<strong>em</strong>a extr<strong>em</strong>amente relevante: sua capacidade de contrapor valores<br />

coletivos a individuais, mesmo ten<strong>do</strong> recebi<strong>do</strong> também influencias <strong>do</strong>s grupos. Algo observa<strong>do</strong><br />

dentro da sociedade e que pode, <strong>em</strong> alguns momentos, induzir o sujeito a uma direção contrária ao<br />

coletivo.<br />

Além de estar presente, de acor<strong>do</strong> com Velho (1999) o individualismo encontra na<br />

sociedade atual, o t<strong>em</strong>po-espaço <strong>em</strong> que aparec<strong>em</strong> com maior peso e ou <strong>do</strong>minância, as instâncias<br />

que levam ao seu reforço. Talvez por ser <strong>em</strong> alguma medida evidente, alguns autores tentaram<br />

delimitar seu conceito.<br />

Enquanto conceito deste termo, Dukheim (1999) aponta a evidência <strong>do</strong> individuo <strong>em</strong><br />

detrimento da sociedade, denotan<strong>do</strong> a sua ausência de vínculos nos grupos, através da d<strong>em</strong>onstração<br />

de uma personalidade individual diferenciada da coletiva. Giddens (1998) percebe uma distinção<br />

clara e subjacente às primeiras obras de Durkheim como se referin<strong>do</strong> “a qualquer ramo da filosofia<br />

social que conferisse ao „indivíduo‟ alguma forma de primazia sobre a sociedade” ( Giddens, 1998,<br />

p. 148). Outro autor que tentou definir esta característica foi Tocqueville (2000), que delimita: “o<br />

individualismo é um sentimento refleti<strong>do</strong> e tranqüilo, que dispõe cada cidadão a se isolar da massa<br />

de seus s<strong>em</strong>elhantes (...).” (Tocqueville, 2000, p. 19). Ou ainda Dumont (1985), que afirma:<br />

“Designa-se por individualista (...), uma ideologia que valoriza o indivíduo, (...) e negligencia ou<br />

subordina a totalidade social” (Dumont, 1985, p. 279).<br />

É perceptível, nas afirmativas de Tocqueville (2000) e Durkheim (1999), um conceito<br />

que trata <strong>do</strong> individualismo, como um sentimento interno que traz uma forma de contraposição ou<br />

desconexão <strong>do</strong> individuo <strong>em</strong> relação à sociedade.


O conceito trata<strong>do</strong> por Dumont (1985), no entanto, não define o individualismo desta<br />

maneira. Este autor percebe que, antes de haver uma contraposição, ou alguma forma de<br />

negligência, existe uma ideologia, uma formatação social coerente.<br />

A visão de alguns autores cont<strong>em</strong>porâneos também d<strong>em</strong>onstra o individualismo não<br />

como um valor que gera contraposição ferrenha entre individuo e sociedade. Vê<strong>em</strong> de maneira mais<br />

complexa, como Velho (1999) que percebe o contexto individualiza<strong>do</strong>r como aquele <strong>em</strong> que se<br />

focaliza o indivíduo biológico como unidade <strong>em</strong> torno da qual se desenvolve um sist<strong>em</strong>a de<br />

referencias e não um valor <strong>em</strong> detrimento a outros. Ou Elias (1994), que acredita no individualismo<br />

enquanto a culminância de um processo de<br />

autoconsciência de pessoas, que foram obrigadas a a<strong>do</strong>tar um grau elevadíssimo de<br />

refreamento, controle afetivo, renuncia e transformação <strong>do</strong>s instintos, e que estão<br />

acostumadas a relegar grande número de funções, expressões instintivas e desejos a<br />

enclaves privativos de sigilo, afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> olhar <strong>do</strong> „mun<strong>do</strong> externo‟, ou até aos<br />

porões de seu psiquismo, ao s<strong>em</strong>iconsciente ou inconsciente.(ELIAS, 1994, p. 32)<br />

Para este autor, é a tensão entre duas esferas internas <strong>do</strong> individuo (por um la<strong>do</strong> ordens<br />

e proibições sociais que a pessoa introjeta como se foss<strong>em</strong> seu autocontrole e por outro os instintos<br />

ou inclinações recalca<strong>do</strong>s ou não controla<strong>do</strong>s) que levam o indivíduo a achar que existe<br />

internamente, s<strong>em</strong> relações com os outros, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> externo.<br />

Ainda na perspectiva de Elias (1994), o reflexo teórico <strong>do</strong> intenso conflito que algumas<br />

pessoas sent<strong>em</strong> internamente, é projeta<strong>do</strong> pela sua consciência no mun<strong>do</strong>, como um abismo<br />

existencial e um eterno conflito entre indivíduo e sociedade, que na verdade se trata de uma balança<br />

entre as percepções “nós-eu” (particular e coletivo), e tende neste momento para uma centralização<br />

maior <strong>do</strong> individuo, mesmo que a observação <strong>do</strong> “nós” seja também existente.<br />

Já Gouveia (2003), analisa através de estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s pela chamada “Psicologia<br />

Trans-Cultural”, que o individualismo deve ser trata<strong>do</strong> por meio de escalas multifatoriais, existin<strong>do</strong><br />

tipos específicos de individualismo. Como ex<strong>em</strong>plo, pode-se perceber o protoindividualismo, que<br />

21


para Triandis (1995), se caracteriza através <strong>do</strong>s sujeitos “batalha<strong>do</strong>res”, típico <strong>em</strong> sociedades de<br />

caça<strong>do</strong>res e pesca<strong>do</strong>res e que realizam suas atividades com independência das d<strong>em</strong>ais. Na<br />

atualidade, segun<strong>do</strong> o mesmo autor, seria importante para dimensionar culturas com claras<br />

d<strong>em</strong>arcações econômico-sociais. Outra possibilidade seria tratada <strong>em</strong> Parsons (1959-1976) 6 apud<br />

Gouveia (2003), que trata <strong>do</strong> individualismo expressivo: uma tendência a dar maior importância aos<br />

relacionamentos pessoais, <strong>em</strong> detrimento das relações instrumentais, principalmente <strong>em</strong> se tratan<strong>do</strong><br />

da família ou comunidade local <strong>do</strong> indivíduo.<br />

E uma terceira possibilidade (que t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> utilizada como enfoque principal para<br />

diversas pesquisas), no entanto, não só aprofunda a percepção sobre o individualismo, como<br />

também, relaciona individualismo e coletivismo, denotan<strong>do</strong> duas categorias <strong>em</strong> comum para ambas<br />

dimensões: a horizontal e a vertical. Na perspectiva horizontal as pessoas seriam similares na<br />

maioria <strong>do</strong>s aspectos, sobretu<strong>do</strong> no status.<br />

No caso <strong>do</strong> individualismo, <strong>em</strong> função da alta liberdade e igualdade que estas<br />

experimentam, constrói-se um eu independente, mas não diferente <strong>do</strong>s d<strong>em</strong>ais<br />

m<strong>em</strong>bros da sua cultura. Em outras palavras, as pessoas que se orientam pelo<br />

individualismo horizontal quer<strong>em</strong> ser distintas <strong>do</strong>s grupos. Em relação ao<br />

coletivismo, cont<strong>em</strong>pla-se uma baixa liberdade, porém alta igualdade, explican<strong>do</strong> o<br />

motivo de um eu interdependente e compartilha<strong>do</strong> com os d<strong>em</strong>ais m<strong>em</strong>bros da<br />

sociedade. Assim, as pessoas se vê<strong>em</strong> como sen<strong>do</strong> similares às outras, enfatizam<br />

objetivos comuns com os outros, mas, todavia, não são submetidas facilmente à<br />

autoridade (GOUVEIA, 2003, p. 225).<br />

No entanto, a observação vertical, <strong>em</strong> contraposição, enfatiza a aceitação da<br />

desigualdade, além <strong>do</strong> privilégio a hierarquia. Para os individualistas,<br />

6 Parsons, T. El sist<strong>em</strong>a social. Madri: Revista de Occidente, 1976 (Original publica<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1959).<br />

22


(...) isto se reflete <strong>em</strong> um eu independente e diferente <strong>do</strong>s d<strong>em</strong>ais; aceita-se a baixa<br />

igualdade ao passo que é dada máxima importância ao senti<strong>do</strong> de liberdade,<br />

definin<strong>do</strong> uma típica d<strong>em</strong>ocracia de merca<strong>do</strong>. As pessoas que segu<strong>em</strong> esta<br />

orientação quer<strong>em</strong> ser distintas, adquirin<strong>do</strong> status social. Faz<strong>em</strong> isso geralmente <strong>em</strong><br />

competições com os outros. No caso <strong>do</strong>s coletivistas, traduz-se no senti<strong>do</strong> de servir<br />

aos outros, fazer sacrifícios <strong>em</strong> benefício <strong>do</strong> seu próprio grupo de pertença e<br />

cumprir suas obrigações impostas como normas sociais. (GOUVEIA, 2003, p.<br />

225).<br />

Com base no exposto, se identifica a característica principal apresentada pela pessoa<br />

que a<strong>do</strong>ta cada orientação: “Individualismo horizontal: Único; Individualismo vertical: Orienta<strong>do</strong><br />

ao êxito; Coletivismo horizontal: Cooperativo; e Coletivismo vertical: Cumpri<strong>do</strong>r” (Triandis 7 , 1995<br />

apud Gouveia, 2003, p. 225).<br />

O autor delimita também que apesar <strong>do</strong> individualismo horizontal significar se manter<br />

afasta<strong>do</strong> ou mesmo não se identificar com os en<strong>do</strong>grupos, no Brasil “os d<strong>em</strong>ais fatores <strong>do</strong><br />

individualismo não significam uma renuncia ao contato social, ou a identificação com en<strong>do</strong>grupos<br />

secundários (amigos, companheiros e visinhos)” (Gouveia, 2002, p. 211) 8 .<br />

Velho (1999) corrobora <strong>em</strong> parte com estas dimensões sobre o individualismo, quan<strong>do</strong><br />

delineia suas duas principais modalidades: o prestigio e a ascensão. A primeira trata de uma<br />

avaliação hierárquica, dentro de categorias b<strong>em</strong> definidas de um determina<strong>do</strong> modelo e a segunda<br />

define a sua outra faceta, qual seja: a transformação e mudança <strong>do</strong> individuo, tanto <strong>em</strong> termos de<br />

trajetória individual quanto de contexto social.<br />

Existe, portanto, uma relação entre a atribuição vertical tratada por Gouveia (2003) e a<br />

ascensão definida por Velho (1999): ambas tratam de uma mudança de atribuição de valor <strong>do</strong><br />

individuo na sociedade. Assim, o indivíduo poderia ascender socialmente e teria uma atribuição<br />

hierárquica mais positiva que o posto ocupa<strong>do</strong> anteriormente pelo mesmo. No mesmo senti<strong>do</strong>, a<br />

pessoa pode ter uma atribuição hierárquica negativa, se decrescer para um degrau social<br />

7 Triandis, H. C. Individualism and collectivism. Boulder, CO: Westview Press, 1995.<br />

8 Como define ainda Gouveia (2002), a pessoa pode ser orientada principalmente pelo individualismo, mas s<strong>em</strong><br />

renunciar às relações sociais, principalmente aquelas que se encontram <strong>em</strong> âmbitos mais informais, como<br />

companheiros de estu<strong>do</strong> e trabalho.<br />

23


hierarquicamente inferior. Este critério denota uma dimensão “quantitativa” da posição individual.<br />

Esclarece racionalmente qu<strong>em</strong> ou qual posição é maior, ou menor.<br />

É passível também uma relação entre as duas outras dimensões definidas pelos autores.<br />

O prestigio depende de categorias b<strong>em</strong> definidas para d<strong>em</strong>onstrar a transição <strong>do</strong> individuo s<strong>em</strong><br />

ascensão, s<strong>em</strong> uma atribuição valorativa de crescimento, mas uma mudança qualitativa. Assim<br />

como o atributo horizontal, que precisa de similaridades para “conceituar” a diferença, que se torna<br />

então, a meta individual. Seu foco é a mudança da dimensão “qualitativa”, mas não necessariamente<br />

<strong>do</strong> nível hierárquico.<br />

O individualismo d<strong>em</strong>onstra relações muito fortes com a possibilidade de liberdade e<br />

com a competição por crescimento e valorização social. Os quatro conceitos constituintes<br />

(atribuição vertical ou horizontal e ascensão ou prestígio), no entanto, independent<strong>em</strong>ente de raízes,<br />

se cruzam ao d<strong>em</strong>onstrar, diante <strong>do</strong> individualismo, o imperativo da diferenciação <strong>do</strong> individuo<br />

(quantitativa ou qualitativamente), para gerar mais importância para ao o que foge à regra, ao<br />

diferente.<br />

Mas não se pode, neste momento, retirar a acuidade <strong>do</strong>s valores atribuí<strong>do</strong>s pelo sist<strong>em</strong>a<br />

de relações, uma vez que existe a necessidade de unidades definidas pela sociedade, <strong>em</strong> alguma<br />

medida fixas e comuns, para, a partir daí, pensar a diferenciação: não há diferença s<strong>em</strong> critérios que<br />

definam o “diferente”. Além disso, a mudança <strong>do</strong> individuo acontece <strong>em</strong> grande medida, para lócus<br />

que foram previamente defini<strong>do</strong>s pela sociedade ou grupos específicos.<br />

Ao que estas as evidências conceituais apontam, portanto, a diferenciação é uma faceta<br />

importante da intenção <strong>do</strong>s indivíduos e para além desta afirmativa, a sociedade define e d<strong>em</strong>onstra<br />

particularidades <strong>do</strong> que é ser diferente, por critérios pré-defini<strong>do</strong>s. Como afirma Velho (1999),<br />

parece existir um arcabouço atual para facilitar e estimular a diferença.<br />

Exist<strong>em</strong> reflexos desta característica da sociedade no individuo, como percebe ainda<br />

Velho (1999), “quanto mais exposto estiver o autor a experiências diversificadas, quanto mais tiver<br />

que dar conta <strong>do</strong> ethos e visões de mun<strong>do</strong> contrastantes, quanto menos fechada for sua rede de<br />

24


elação ao nível <strong>do</strong> seu cotidiano, mais marcada será sua auto percepção de individualidade<br />

singular” (Velho, 1999 p. 32). Ao que tu<strong>do</strong> indica, a sociedade fortalece algo que pode ser contrário<br />

a si, mas diferent<strong>em</strong>ente da idéia de isolamento e ausência de vínculos abordada por<br />

Tocqueville (2000) e Durkheim (1999), a massa de individualistas também está conectada à<br />

sociedade. D<strong>em</strong>onstra uma alteração na própria sociedade, que devi<strong>do</strong> a gama de posições a ser<strong>em</strong><br />

tomadas, de possibilidades de caminhos diferentes a ser<strong>em</strong> trilha<strong>do</strong>s, levou o individuo a ser a<br />

unidade valorativa principal, a partir <strong>do</strong> qual as referencias são realizadas. O individualismo é uma<br />

elevação <strong>do</strong>s sujeitos à unidade de percepção principal, a partir da qual as referencias são feitas. O<br />

individualismo é a elevação <strong>do</strong>s indivíduos ao centro a partir <strong>do</strong> qual as relações apontam.<br />

É importante notar que, ao se entender como unidade central e participar de diferentes<br />

grupos, os homens guia<strong>do</strong>s pelo individualismo, <strong>em</strong> determina<strong>do</strong>s momentos entenderiam que o<br />

valor <strong>do</strong> grupo instantâneo é prioritário e <strong>em</strong> outros não. Por esta via, são os indivíduos qu<strong>em</strong><br />

dev<strong>em</strong> ser prioriza<strong>do</strong>s, não os diversos conjuntos, o que pode ser extrapola<strong>do</strong> a níveis <strong>em</strong> que se<br />

represente ir contra a sociedade.<br />

Ao analisar ponderadamente a questão da desconexão e da contrariedade <strong>em</strong> relação aos<br />

grupos explorada enquanto conceito de individualismo por Tocqueville (2000) e Durkheim(1999)<br />

compreende-se no entanto, que a não conexão e o ato de ir contra um determina<strong>do</strong> grupo, seriam<br />

efeitos de uma maior percepção valorativa <strong>do</strong> ser humano, não um conceito central <strong>do</strong> termo.<br />

Assim, chega-se no conceito que norteará este trabalho, pois individualismo não é a<br />

desconexão ou contrariedade relativa ao grupo, mas a percepção da centralidade <strong>do</strong> individuo <strong>em</strong><br />

relação ao mesmo, atrelada assim à redução de valor <strong>do</strong>s vínculos com os diversos organismos<br />

sociais. A realidade desta discussão denota uma espécie de fragmentação entre o to<strong>do</strong> e o particular,<br />

uma independência entre indivíduo e grupo.<br />

Diante desse conceito nortea<strong>do</strong>r, <strong>em</strong>erge a necessidade de mais investigações sobre as<br />

características principais <strong>do</strong> individualismo, como sua conexão com a diferenciação horizontal e<br />

vertical, ou certa percepção <strong>do</strong> individuo enquanto ente isola<strong>do</strong>. Ficam claras também necessidades<br />

25


de esclarecimentos sobre os reflexos <strong>do</strong> individualismo na sociedade, como sua desconexão e a<br />

contraposição. Uma investigação sobre a gênese <strong>do</strong> individualismo poderia esclarecer melhor essa<br />

relação na sociedade atual.<br />

2.1 A Ética Protestante e o Indivíduo: Perspectiva e Centro<br />

Antes de alguma generalização a respeito da idéia de um individualismo pungente e<br />

s<strong>em</strong>pre existente, é importante tornar níti<strong>do</strong> que exist<strong>em</strong> contrapontos este conceito, uma vez que<br />

exist<strong>em</strong> vestígios de que “algumas culturas valorizam altamente o individualismo, enquanto outras<br />

pod<strong>em</strong> colocar maior ênfase <strong>em</strong> necessidades <strong>em</strong> comum” (Giddens, 2005, p. 38), como na<br />

perspectiva grega clássica, onde o individuo é subjuga<strong>do</strong> <strong>em</strong> relação ao to<strong>do</strong> (essa afirmativa torna-<br />

se observável numa concepção jusnaturalista, quan<strong>do</strong> os indivíduos são vistos primeiramente como<br />

m<strong>em</strong>bros de uma família, e posteriormente da sociedade enquanto evolução normal).<br />

Velho (1999), percebe que nas modernas sociedades industriais individualistas, exist<strong>em</strong><br />

possibilidades de alta conexão com grupos, como o valor atribuí<strong>do</strong> à religião, ou carreira, a<br />

participação <strong>em</strong> certas instituições, a família.<br />

Portanto, a valorização dada a alguma característica não deve ser vista como algo<br />

estanque. Como afirma Giddens (2005) os valores e as normas culturais mudam através <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po e<br />

o próprio conceito de cultura trata de aspectos da sociedade que são antes aprendi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que<br />

herda<strong>do</strong>s. Exist<strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plos, como as sociedades caça<strong>do</strong>ras e coletoras, oriundas de até 50.000<br />

anos atrás, que tinham uma ênfase muito maior na cooperação <strong>do</strong> que no valor individual, ou o<br />

ex<strong>em</strong>plo grego ora cita<strong>do</strong> que tende a apontar para uma sociedade que não vê no individuo uma<br />

referencia maior <strong>do</strong> que na família ou na sociedade. Em alguma medida, portanto, o individualismo<br />

não é uma das dimensões mais marcantes das primeiras sociedades humanas.<br />

Neste contexto, torna-se possível pensar que o conjunto de valores <strong>do</strong>s indivíduos teve<br />

uma mudança a ponto de trazer a tona características que provavelmente, inexistiam anteriormente.<br />

26


Uma suposição que tornaria factível tal probabilidade, ainda segun<strong>do</strong> o autor, seria a dialética<br />

inerente ao contato com os valores de outros indivíduos e da sociedade.<br />

O fato de que, <strong>do</strong> nascimento até a morte estejamos <strong>em</strong> interação com outros<br />

certamente condiciona nossas personalidades, os valores que sustentamos e o<br />

comportamento <strong>em</strong> que nos engajamos (GIDDENS, 2005, p. 43)<br />

Seria então possível a <strong>em</strong>ergência <strong>do</strong> individualismo, desde que a orientação da<br />

sociedade, tenha, <strong>em</strong> algum momento da história, propicia<strong>do</strong>.<br />

Tocqueville (2000) percebe o surgimento <strong>do</strong> individualismo enquanto um movimento<br />

novo <strong>do</strong> século XIX, e delimita sua distinção clara <strong>do</strong> egoísmo:<br />

O individualismo é uma expressão recente que uma nova idéia faz surgir. Nossos<br />

pais só conhec<strong>em</strong> o egoísmo. O egoísmo é um amor apaixona<strong>do</strong> e exagera<strong>do</strong>, que<br />

leva o hom<strong>em</strong> a referir tu<strong>do</strong> a si mesmo e a se preferir a tu<strong>do</strong> mais.<br />

(TOCQUEVILLE, 2000, p. 19).<br />

Outra opinião acerca <strong>do</strong> surgimento <strong>do</strong> individualismo enquanto característica <strong>do</strong><br />

hom<strong>em</strong> seria a percepção de Durkheim (1999), para qu<strong>em</strong> o surgimento <strong>do</strong> individualismo é um<br />

“fenômeno que não começa <strong>em</strong> lugar nenhum” (Durkheim, 1999, p. 154) sen<strong>do</strong>, assim, s<strong>em</strong>pre<br />

perceptível na humanidade.<br />

Porém, novamente no caso de Tocqueville(2000) e Durkheim(1999), trata-se aqui, das<br />

causas, não <strong>do</strong> efeito. O isolamento <strong>do</strong> individuo pode ter <strong>em</strong>ergi<strong>do</strong> como causa, no séc. XIX e,<br />

possibilidades de alguns indivíduos estar<strong>em</strong> se valorizan<strong>do</strong> <strong>em</strong> detrimento da sociedade pod<strong>em</strong> ser<br />

percebidas desde t<strong>em</strong>pos r<strong>em</strong>otos, talvez desde que um ancestral preferiu fugir de um preda<strong>do</strong>r a<br />

enfrentá-lo com seus companheiros de tribo. Nesse senti<strong>do</strong>, os <strong>do</strong>is autores poderão estar, <strong>em</strong><br />

alguma medida, corretos. Mas o que se trata no caso <strong>do</strong> surgimento <strong>do</strong> individualismo é o momento<br />

<strong>em</strong> que o conjunto de valores da sociedade começa a fazer <strong>do</strong>s indivíduos (e não de organismos ou<br />

instituições sociais), o local central de referência, mesmo que dentro da sociedade.<br />

27


Boa parte das teorias não concorda com o perío<strong>do</strong> <strong>em</strong> que teria surgi<strong>do</strong> tal faceta <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> cont<strong>em</strong>porâneo. Segun<strong>do</strong> Dumont (1985), alguns autores acreditam que o individualismo<br />

esteve presente s<strong>em</strong>pre por toda parte, outros autores crê<strong>em</strong> no surgimento deste traço na<br />

renascença ou com a burguesia <strong>em</strong> sua ascensão e outros ainda, dão por certa sua primeira<br />

representação como oriunda das heranças clássicas e judaico-cristãs ou no surgimento, na Grécia<br />

Antiga, <strong>do</strong> “discurso coerente”.<br />

De acor<strong>do</strong> com a tese de Dumont (1985), algo <strong>do</strong> individualismo moderno está presente<br />

nos primeiros cristãos e no mun<strong>do</strong> que os cerca. No desenvolvimento de sua argumentação, o autor<br />

verá <strong>em</strong> Calvino e na reforma protestante a partir <strong>do</strong> século XVIII a culminância de uma série de<br />

fatores que faziam os homens se realizar<strong>em</strong> fora <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> enquanto indivíduo, levan<strong>do</strong> o ser<br />

humano, à partir de então, a unificar os campos de visão “indivíduo-fora-<strong>do</strong>-mun<strong>do</strong>” e “indivíduo-<br />

no-mun<strong>do</strong>”, buscan<strong>do</strong> assim a realização terrena das ações que comprovarão, para si mesmo, a idéia<br />

de que fora um <strong>do</strong>s escolhi<strong>do</strong>s para a glória eterna. Pode-se observar que a partir da conjunção<br />

momentânea, seguir os preceitos religiosos na vida mundana é uma forma de se encontrar <strong>em</strong> união<br />

com o caminho divino para a glória eterna <strong>em</strong> Deus.<br />

Para se caracterizar melhor a idéia de indivíduo-fora-<strong>do</strong>-mun<strong>do</strong>, pode-se utilizar o<br />

ex<strong>em</strong>plo indiano: “o hom<strong>em</strong> que busca a verdade última aban<strong>do</strong>na a vida social e suas restrições<br />

para consagrar-se ao seu progresso e destino próprios” (Dumont, 1985, p.37) e também conceitos<br />

contratualistas que, apesar de surgir<strong>em</strong> algum t<strong>em</strong>po depois enquanto idéia, r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a perío<strong>do</strong>s<br />

anteriores e abarcam traços que ajudam a clarificar o conceito: “A noção de esta<strong>do</strong> de natureza, de<br />

fato, aponta aquilo que seria a condição <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> fora da sociedade civil (...)” (Duso, 2005, p.<br />

113). Quanto à explicação <strong>do</strong> indivíduo-no-mun<strong>do</strong>, basta-se observar que o mesmo vive <strong>em</strong><br />

sociedade e busca na mesma as formas de se realizar pessoalmente. Cabe aqui no entanto, uma<br />

investigação mais profunda sobre o que gerou a possibilidade de um maior reforço na esfera <strong>do</strong><br />

individuo-no-mun<strong>do</strong>, ponto importante para a <strong>em</strong>ergência <strong>do</strong> individualismo.<br />

28


Weber (2001), percebe que o individuo se afirmou fort<strong>em</strong>ente no mun<strong>do</strong> sob influência<br />

da religião, mais especificamente sob a luz <strong>do</strong> protestantismo. Na cont<strong>em</strong>poraneidade, no entanto,<br />

parece lógico o fato de que a igreja é apenas um grupo (<strong>do</strong>s diversos) com qu<strong>em</strong> as pessoas mantêm<br />

relações, ou mesmo que, como define o autor, as pessoas imbuídas <strong>do</strong> espírito <strong>do</strong> capitalismo<br />

tend<strong>em</strong> hoje a ser indiferentes, senão hostis a igreja, recorren<strong>do</strong> a estas ou a qu<strong>em</strong> representam<br />

somente <strong>em</strong> momentos que julgam necessários.<br />

Mas uma gama de evidências reforça que, até determina<strong>do</strong> ponto a humanidade esteve<br />

como que atrelada a referências que tangenciavam o individuo, mas não efetivamente o eram. Até<br />

mesmo <strong>em</strong> um perío<strong>do</strong> não muito distante daquele onde <strong>em</strong>ergiu o protestantismo, o centro de<br />

influencias humano não era principalmente o ser, mas organismos socialmente construí<strong>do</strong>s, como a<br />

igreja.<br />

Para um t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que o além significava tu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> a posição social de um<br />

cristão dependia de sua admissão à comunhão, os clérigos com seu mistério, a<br />

disciplina da igreja e a pregação, exerciam uma influência (que pode ser apreciada<br />

nas coleções Consilia, Casus Conscientiae, etc.) que nós, homens modernos somos<br />

totalmente incapazes de imaginar. (WEBER, 2001, p. 113).<br />

Diante de tamanha influência, seria de relativa dificuldade a transição de um referencial<br />

para outro, de um mun<strong>do</strong> basea<strong>do</strong> <strong>em</strong> “superstições” ou mesmo a religião, para um mun<strong>do</strong> onde o<br />

individuo percebe nas pessoas particulares o principal sist<strong>em</strong>a de valores. Ao analisar algumas<br />

grandes seitas religiosas que influenciaram a concepção protestantista, no entanto, nota-se alguma<br />

alteração no formato de certas referências subjetivas.<br />

Nas seitas batistas, afirma Weber (2001), somente adultos que tivess<strong>em</strong> adquiri<strong>do</strong> sua<br />

própria fé poderiam tomar posse <strong>do</strong> seu <strong>do</strong>m da salvação através <strong>do</strong> batismo. Mas isso unicamente<br />

ocorreria mediante revelação individual <strong>do</strong> espírito divino e viria somente diante da não resistência<br />

<strong>do</strong> indivíduo a sua vida, com um apego pecaminoso ao mun<strong>do</strong>. Isso era traduzi<strong>do</strong> com uma rígida<br />

observância <strong>do</strong>s preceitos bíblicos e um repúdio absoluto à i<strong>do</strong>latria da carne. No limite, levou<br />

mesmo a seita <strong>do</strong>s quakers a eliminação <strong>do</strong> batismo e da religião. Emerge nesta seita também a<br />

idéia de consciência individual, e o papel da ação <strong>do</strong> individuo se torna tão relevante, que, “só a luz<br />

29


interior da revelação contínua poderia capacitar alguém de fato até para as revelações bíblicas de<br />

Deus” (Weber, 2001, p. 108). Este esta<strong>do</strong> de perfeição, no entanto, não era uma regra, mas um<br />

degrau que o individuo tinha que buscar obrigatoriamente, com a ajuda de sua consciência.<br />

Torna-se evidente o papel central <strong>do</strong> indivíduo através de sua consciência individual.<br />

Logicamente, também fica claro que a meta principal era o esta<strong>do</strong> de graça religioso, que ilustra o<br />

individuo fora <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, mas, “por outro la<strong>do</strong>, posto que os meios pelos quais era obti<strong>do</strong> diferiam<br />

nas várias <strong>do</strong>utrinas, não poderia ser garanti<strong>do</strong> por qualquer sacramento mágico, n<strong>em</strong> pelo alivio da<br />

confissão ou pelas obras individuais” (Weber, 2001, p. 112). O autor ainda afirma que aos<br />

segui<strong>do</strong>res <strong>do</strong> calvinismo surgiram duas questões principais para provar que eram predestina<strong>do</strong>s a<br />

graça de Deus: ou consideravam a si mesmos como escolhi<strong>do</strong>s, combaten<strong>do</strong> qualquer dúvida e<br />

tentação ou realizavam intensa atividade como recomendação para obter a auto confiança.<br />

Até mesmo a perca da certeza de que era um predestina<strong>do</strong>, poderia se caracterizar sinal<br />

de que o individuo não era um prometi<strong>do</strong> ao reino <strong>do</strong>s céus. Em parte deve-se a isso o fato <strong>do</strong>s<br />

protestantistas se deter<strong>em</strong> com tamanho vigor na sua prática. E uma das questões que torna mais<br />

lúcida a transição <strong>do</strong> individuo para a vida mundana é exatamente a sua prática, ou ascetismo<br />

religioso, que era para<strong>do</strong>xalmente contra a vida mundana.<br />

O calvinismo exigia de seus crentes não boas ações isoladas, como no caso <strong>do</strong>s<br />

católicos, mas uma vida de boas ações combinadas <strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a unifica<strong>do</strong>.<br />

O Calvinista criava por si a própria salvação (ou sua convicção disso), através de<br />

atos positivos, constantes, sist<strong>em</strong>áticos, que o ajudavam a se livrar <strong>do</strong> me<strong>do</strong> da<br />

condenação. Mas esta salvação não poderia, como no catolicismo, consistir <strong>em</strong> um<br />

grande acúmulo de boas ações individuais para crédito pessoal, e sim num<br />

autocontrole sist<strong>em</strong>ático que a qualquer momento se defrontaria com a alternativa<br />

inexorável <strong>–</strong> escolhi<strong>do</strong> ou condena<strong>do</strong>. (WEBER, 2001, p. 86)<br />

Assim, como no calvinismo e outras seitas protestantes, para o metodismo, aquele que<br />

não realizasse as obras não seria um verdadeiro crente e, para além dessa afirmativa, as obras <strong>do</strong><br />

30


individuo não eram a causa, mas o meio de se perceber seu esta<strong>do</strong> de graça. Enquanto obras, pode-<br />

se inclusive perceber o trabalho, que atrela<strong>do</strong> à idéia de vocação, el<strong>em</strong>ento importante da ideologia<br />

protestante, engajou ainda mais o ser humano na vida terrena.<br />

De acor<strong>do</strong> com Weber (2001), Alia<strong>do</strong> a idéia de vocação, o trabalho veio a ser<br />

considera<strong>do</strong> <strong>em</strong> si a própria finalidade da vida ordenada por Deus. Era condenável, no entanto, a<br />

utilização da acumulação para a perda de t<strong>em</strong>po na vida social, <strong>em</strong> conversas ociosas, <strong>em</strong> luxos e<br />

mesmo <strong>em</strong> <strong>do</strong>rmir mais que o necessário. Sobrava então ao individuo trabalhar na sua vocação, para<br />

a glória de Deus. Na ética quaker 9 , a vida <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> na sua vocação é um exercício da virtude<br />

ascética e uma prova <strong>do</strong> seu esta<strong>do</strong> de graça diretamente para sua consciência 10 . Na percepção<br />

luterana,<br />

o único mo<strong>do</strong> de vida aceitável por Deus não era o superar a moralidade mundana<br />

pelo ascetismo monástico, mas unicamente, o cumprimento das obrigações<br />

impostas ao individuo pela posição no mun<strong>do</strong>. Esta era sua vocação. O<br />

cumprimento <strong>do</strong>s deveres mundanos é, <strong>em</strong> todas as circunstâncias, o único mo<strong>do</strong><br />

de vida aceitável por Deus. (WEBER, 2001, p. 65).<br />

Na ideologia <strong>do</strong> luteranismo ainda de acor<strong>do</strong> com Weber (2001), a busca pelo individuo<br />

da profissão correta era um mandamento divino até mesmo de caráter impositivo. Em se tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

pietismo, apesar <strong>do</strong> mesmo ter um el<strong>em</strong>ento <strong>em</strong>ocional, era ainda porta<strong>do</strong>r de certo racionalismo, e<br />

seu ascetismo também fortalecia o trabalho. Diante disso, “o desenvolvimento metódico <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

de graça para graus s<strong>em</strong>pre mais altos de certeza e perfeição era um sinal de graça” (Weber, 2001,<br />

p. 98) e a providencia divina trabalhava <strong>em</strong> função <strong>do</strong>s que estivess<strong>em</strong> no esta<strong>do</strong> da perfeição, o<br />

que, alia<strong>do</strong> à idéia de vocação, d<strong>em</strong>onstrava que aqueles que tinham sucesso no trabalho, eram<br />

eleitos e abençoa<strong>do</strong>s. Já no calvinismo, como define o autor,<br />

9<br />

Uma das diversas seitas protestantes definidas por Weber(2001), assim como o pietismo, o luteranismo, entre outras<br />

citadas neste texto.<br />

10<br />

Nessa medida, o trabalho <strong>do</strong> sujeito era a comprovação de seu esta<strong>do</strong> de graça e sua subserviência a Deus para si<br />

mesmo.<br />

31


o amor fraternal, uma vez que só poderia ser pratica<strong>do</strong> pela glória de Deus e não a<br />

serviço da carne, é expresso <strong>em</strong> primeiro lugar no cumprimento das tarefas diárias,<br />

dadas pela Lex naturae; e no processo, esta obediência assume um caráter<br />

peculiarmente objetivo e impessoal, a serviço <strong>do</strong> interesse da organização racional<br />

<strong>do</strong> nosso meio social (WEBER, 2001, p. 82).<br />

Portanto, apesar de ter como objetivo principal o reino <strong>do</strong>s céus, algumas características<br />

das seitas protestantes trouxeram o ser humano a cada vez mais para o plano mundano.Weber<br />

(2001), percebe ainda, que mesmo entre os círculos <strong>do</strong>s protestantes, existe uma tendência, com o<br />

aumento <strong>do</strong> numero de ricos, ao aumento <strong>do</strong> orgulho, da cólera e da mundanidade. E esta afirmativa<br />

denota um ponto central da característica <strong>do</strong> individualismo: o ser humano passou a ter limites<br />

defini<strong>do</strong>s sobr<strong>em</strong>aneira por uma consciência individual.<br />

Logicamente, <strong>em</strong> se tratan<strong>do</strong> da vida terrena, fica nítida uma tentativa de relação<br />

harmoniosa na sociedade, não se trata ainda de uma desconexão (que como foi trata<strong>do</strong><br />

anteriormente pode ser um <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong> individualismo). Segun<strong>do</strong> Velho (1999), por mais que<br />

haja um projeto de decisão individual, este é permea<strong>do</strong> por regras e meios que são defini<strong>do</strong>s pela<br />

sociedade, que ainda realiza determinada pressão pela escolha. Isso torna-se perceptível por<br />

ex<strong>em</strong>plo, no fato de que apesar de contrários a to<strong>do</strong> tipo de cultura que não tivesse um valor<br />

objetivo conecta<strong>do</strong> à religião, de acor<strong>do</strong> com Weber (2001), os puritanos eram formais e favoráveis<br />

ao ato de seguir a lei.<br />

A influência exercida sobre as pessoas por parte da igreja e <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, é ainda mais<br />

relevante ao se analisar que as duas entidades tentaram por muito t<strong>em</strong>po se tornar o centro de<br />

referencia para o individuo. Para Weber (2001), o próprio Calvino s<strong>em</strong>pre deu prioridade e foco à<br />

igreja <strong>em</strong> detrimento ao esta<strong>do</strong>, propon<strong>do</strong> inclusive que a mesma estivesse <strong>em</strong> uma posição<br />

superposta, ou seja, que fosse hierarquicamente superior. Mas diante das duas intenções, entre<br />

igreja e esta<strong>do</strong>, o indivíduo, é ressalta<strong>do</strong>: através da predestinação (inerente à sua teoria, segun<strong>do</strong> a<br />

qual, os escolhi<strong>do</strong>s irão para o céu) o indivíduo suplanta a igreja, não precisan<strong>do</strong> da mesma para<br />

atingir sua graça, mas sim, de sua predestinação à glória, provada pelos atos terrenos. Por esta via,<br />

32


um esta<strong>do</strong> enquanto referencia principal sob o qual to<strong>do</strong>s estariam subjuga<strong>do</strong>s torna-se também<br />

incoerente com o individualismo.<br />

No entanto, pode-se dizer que, pela nova concepção das ações terrenas, como o trabalho<br />

individual e a vocação, o individualismo se aproxima <strong>do</strong> ideal burguês.<br />

Ainda nas comunidades pré-burguesas, a falta de interesse das classes proprietárias,<br />

d<strong>em</strong>onstrava que os mesmos, “antes de ser<strong>em</strong> súditos numa monarquia ou cidadãos numa república,<br />

eram essencialmente pessoas privadas” (Arendt, 1989, p. 168).<br />

Os efeitos econômicos da ética protestante eram, também por este mo<strong>do</strong>, antagônicos ao<br />

protestantismo e manifesta<strong>do</strong> o agu<strong>do</strong> entusiasmo inicial, puramente religioso, “as raízes religiosas<br />

esva<strong>em</strong>-se lentamente para dar lugar à mundanidade econômica” (Weber, 2001, p. 127).<br />

O individuo torna-se o centro, <strong>em</strong> conexão com a manifestação burguesa, porém,<br />

multifaceta<strong>do</strong>, entre as realidades terrenas e celestiais. Deve-se ter certo cuida<strong>do</strong>, no entanto, <strong>em</strong><br />

relação às colocações feitas sobre as esferas mundana e divina, pois o plano fora-<strong>do</strong>-mun<strong>do</strong> perdeu<br />

força sobre o individuo que, diante da nova realidade, entr<strong>em</strong>ea<strong>do</strong> <strong>em</strong> instituições, na vida terrena,<br />

na sociedade e principalmente <strong>em</strong> si mesmo, tornou a vinculação da pessoa no espaço social ainda<br />

mais complexa, cont<strong>em</strong>plan<strong>do</strong> também, a religião.<br />

Uma das principais vinculações que agregam certa complexidade às relações sociais é o<br />

que Weber (2001), percebe como surgimento de uma ética burguesa, a partir da qual, se o<br />

<strong>em</strong>preende<strong>do</strong>r burguês, agisse corretamente e moralmente além de não utilizar sua riqueza para fins<br />

questionáveis, poderia obter lucros se sentin<strong>do</strong> b<strong>em</strong> com o fato. Esta mesma ética gerava<br />

trabalha<strong>do</strong>res sóbrios, conscientes e ativos, que acreditavam que seu trabalho glorificaria a Deus.<br />

Esta visão favoreceu também a acumulação capitalista, já que os trabalha<strong>do</strong>res que recebiam baixos<br />

salários, mas que eram fiéis ao trabalho, agradavam a Deus. A ética burguesa poderia ser uma<br />

tentativa de solucionar o tormento desencadea<strong>do</strong> pelas duas referências: o lucro e a religião.<br />

33


Diante da dúvida sobre qual a referência deve ser a prioritária, independent<strong>em</strong>ente, é<br />

possível afirmar que o atrelamento entre individualismo (que eleva e prevê o hom<strong>em</strong> no centro) e a<br />

ética burguesa (que tenta conciliar Deus e a vida mundana) tende a um efeito de incoerência com<br />

qualquer forma de organização social que tente ser tratada como referência principal: hora o<br />

indivíduo é orienta<strong>do</strong> pela esfera divina, hora pela esfera mundana. Mas qu<strong>em</strong> deve decidir <strong>em</strong> qual<br />

momento cada um pode ou deve ser leva<strong>do</strong> <strong>em</strong> consideração é prioritariamente, o indivíduo.<br />

Este movimento contribui de maneira marcante, portanto, para a <strong>em</strong>ergência <strong>do</strong><br />

individualismo. Na cont<strong>em</strong>poraneidade, é saliente que para além dessa constatação:<br />

Excluí<strong>do</strong> da participação na gerencia <strong>do</strong>s negócios públicos que envolv<strong>em</strong> to<strong>do</strong>s os<br />

cidadãos, o indivíduo perde tanto o seu lugar a que t<strong>em</strong> direito na sociedade quanto<br />

a conexão natural com seus s<strong>em</strong>elhantes (ARENDT, 1989, p. 170).<br />

Novamente fica clara, pela percepção da autora, que a desconexão com a comunidade<br />

pode ter ligações umbilicais com o individualismo. Em conseqüência da afirmativa, torna-se uma<br />

tarefa menos complexa conceber uma revolução burguesa nos moldes da revolução francesa, que<br />

trouxe a tona uma nova formatação social.<br />

Como afirma Reis (2003), entre os séculos XIII e XVI <strong>em</strong>erge “um novo personag<strong>em</strong>”:<br />

o hom<strong>em</strong> burguês e urbano, movi<strong>do</strong> pelas frentes religiosa e mundana ao mesmo t<strong>em</strong>po.<br />

Por continuar fiel a Deus e ser conquista<strong>do</strong>r deste mun<strong>do</strong>, o burguês possui<br />

objetivos diferentes e incompatíveis: o lucro e a salvação! Ainda cristão, ele deseja<br />

a eternidade, a salvação; burguês, deseja os prazeres múltiplos deste mun<strong>do</strong> (REIS,<br />

2003, p. 23).<br />

Entre realidades, o burguês se encontra dividi<strong>do</strong>. Não seria, no entanto, coerente afirmar<br />

que a divisão da humanidade <strong>em</strong> partes tencionadas teve início, ou só aconteceu com os mesmos: “a<br />

vida grega era fragmentada <strong>em</strong> pequenos to<strong>do</strong>s, dividi<strong>do</strong>s e <strong>em</strong> guerra” (Reis, 2003, p. 16). Mas<br />

certamente, com o atrelamento <strong>do</strong> burguês que surge e o individuo que se torna o cerne <strong>do</strong>s<br />

apontamentos, tenha ocorri<strong>do</strong> uma agudição <strong>do</strong> processo.<br />

34


Haveria, portanto, uma tendência de organizar as consciências estilhaçadas <strong>do</strong> que era a<br />

identidade humana durante a <strong>em</strong>ergência da burguesia e <strong>do</strong> indivíduo e as pessoas se apoiaram <strong>em</strong><br />

um fundamento ainda greco-romano: a razão. “A racionalização geralmente ocorre quan<strong>do</strong> há a<br />

fragmentação da consciência” (REIS, 2003, p.23).<br />

2.2 Racionalismo e Individualismo: Entrelaçamentos<br />

A cultura ocidental cont<strong>em</strong>porânea, que t<strong>em</strong> alicerce na cultura greco-romana e sua<br />

posterior expansão aliada ao cristianismo, como delimita Reis (2003), começa a d<strong>em</strong>onstrar certas<br />

incoerências com a nova fase histórica representada principalmente por sua visão <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po e da<br />

história a partir <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século XVI. A dualidade <strong>em</strong> que o individuo estava imerso, gerava<br />

tensões com a perspectiva anterior baseada no universalismo cristão da salvação.<br />

A nova possibilidade religiosa, baseada no protestantismo, não era diferente <strong>do</strong><br />

cristianismo somente devi<strong>do</strong> a <strong>do</strong>gmas religiosos, mas sim por um formato de conduta, basea<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

racionalismo 11 , planejamento e sist<strong>em</strong>atização. Para Weber (2001), o Deus <strong>do</strong>s calvinistas exigia de<br />

seus crentes não boas ações isoladas, como no caso <strong>do</strong>s católicos, mas uma vida de boas ações<br />

combinadas <strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a unifica<strong>do</strong>. O calvinismo se mostrou racional e basea<strong>do</strong> <strong>em</strong> fatos reais,<br />

não somente <strong>do</strong>gmas ou crenças. Objetivava livrar o hom<strong>em</strong> <strong>do</strong> poder <strong>do</strong>s impulsos irracionais e de<br />

sua dependência <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e da natureza, colocan<strong>do</strong> o seu agir sob constante e meticuloso<br />

autocontrole. Para o autor, até mesmo o méto<strong>do</strong> para induzir o arrependimento para obtenção da<br />

graça divina tornou-se objeto da atividade humana sist<strong>em</strong>atizada.<br />

11 Trata-se <strong>do</strong> racionalismo a partir da perspectiva de Kant (2003), que atribui a este, um meio de conhecimento <strong>do</strong>s<br />

objetos da realidade não por meio de <strong>do</strong>gmas pré-fabrica<strong>do</strong>s ou percepções s<strong>em</strong> crítica, mas sim <strong>em</strong> um <strong>em</strong>pirismo<br />

calca<strong>do</strong> na necessidade de discernimento objetivo, que busque a universalidade efetiva da causa/efeito (causalidade).<br />

35


Só era possível um tipo de comportamento: o racional. “Seguiu-se disso um incentivo<br />

para que o individuo supervisionasse metodicamente seu esta<strong>do</strong> de graça <strong>em</strong> sua própria conduta, e<br />

nela introduzisse o ascetismo” (WEBER, 2001, p. 112). O que levou a um planejamento racional da<br />

vida individual como um to<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com a vontade de Deus. Essa vida religiosa vivida então,<br />

<strong>em</strong> meio ao mun<strong>do</strong> e suas instituições levou à racionalização da conduta no mun<strong>do</strong>, moldan<strong>do</strong>-a<br />

também à perspectiva laica.<br />

Na modernidade houve inicialmente uma busca da afirmação racional e prática humana<br />

(e este processo não pode ser afirma<strong>do</strong> como termina<strong>do</strong>). Neste espaço, a visão anterior, apoiada <strong>em</strong><br />

uma concepção de magia e religião, a vida humana não teria um respal<strong>do</strong> suficient<strong>em</strong>ente forte para<br />

levar à realização da continuidade de expansionismo europeu ocidental, uma vez que, ainda<br />

segun<strong>do</strong> Reis (2003), teve início a partir <strong>do</strong> século XVIII uma nova organização política, econômica<br />

e social, onde o mun<strong>do</strong> material até mesmo desafiava a religião.<br />

O hom<strong>em</strong> moderno se engajava na procura da razão e <strong>do</strong> lucro, uma vez que, de acor<strong>do</strong><br />

com Reis (2003), a vida baseada apenas <strong>em</strong> fundamentos religiosos, levaria ao fracasso terreno.<br />

Para o autor, estas constatações levariam ao derretimento da metafísica entre os séculos XIII e XVI.<br />

Nesse perío<strong>do</strong> ocorreriam fraturas na identidade universal com o hom<strong>em</strong> como que ata<strong>do</strong> pelos<br />

braços a forças opostas: as dicotomias razão-religião e lucro-salvação.<br />

Segun<strong>do</strong> Reis (2003), pelas fraturas, havia um esforço de racionalização, já que os<br />

sentimentos contraditórios tend<strong>em</strong> a ser organiza<strong>do</strong>s de forma racional para que assim ocorra de<br />

certa forma uma legitimação de tão contraditória, e neste momento, fragmentada existência. Esse<br />

processo de racionalização se laicizou, e as sociedades passaram a ser movimentadas também pelo<br />

esta<strong>do</strong> burocrático e pela <strong>em</strong>presa capitalista. Para Weber (2001), o processo de racionalização no<br />

campo da organização econômica e técnica determina boa parte <strong>do</strong>s ideais de vida da sociedade<br />

burguesa. Trabalhar a serviço de uma organização racional para suprir a humanidade de bens<br />

36


materiais certamente representou para o espírito capitalista um <strong>do</strong>s mais importantes propósitos da<br />

vida profissional.<br />

É uma das características fundamentais de uma economia individualista capitalista,<br />

racionalizada com base no rigor <strong>do</strong> cálculo, dirigida com previsão e cautela para o<br />

sucesso econômico almeja<strong>do</strong> e está <strong>em</strong> agu<strong>do</strong> contraste com a existência simples<br />

<strong>do</strong> camponês e com a <strong>do</strong> tradicionalismo privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong> artesão corporativista e <strong>do</strong><br />

capitalismo aventureiro, orienta<strong>do</strong> para a exploração das oportunidades políticas e<br />

da especulação irracional (WEBER, 2001, p. 62).<br />

Através <strong>do</strong> modelo de esta<strong>do</strong> burocrático e pela <strong>em</strong>presa capitalista, torna-se mais<br />

factível que o individuo entre <strong>em</strong> contradição consigo e com os preceitos religiosos anteriores, se<br />

alian<strong>do</strong> ao racionalismo <strong>em</strong> uma jornada <strong>em</strong>inente e, possivelmente, reforça<strong>do</strong>ra das duas<br />

dimensões: o racionalismo e o individualismo.<br />

É perceptível a conexão entre individualismo e racionalismo através das dimensões<br />

qualitativa e quantitativa: no aspecto qualitativo, relativo a um mesmo nível hierárquico, <strong>em</strong> que o<br />

individualismo é uma noção contraditória de engajamento e não pertencimento <strong>do</strong> ser humano a<br />

determina<strong>do</strong> grupo e onde busca sua diferenciação, o indivíduo encontraria na racionalidade uma<br />

grande aliada para a sua diferenciação, já que ainda segun<strong>do</strong> Reis (2003), pelas fraturas, existe a<br />

possibilidade de um esforço de racionalização, pois os sentimentos contraditórios tend<strong>em</strong> a ser<br />

organiza<strong>do</strong>s de forma racional para que assim ocorra de certa forma uma legitimação.<br />

Na dimensão quantitativa, que é vertical e definida pela possibilidade de ascensão para<br />

níveis sociais mais valorativos, aceitar a desigualdade e privilegiar a hierarquia descreve <strong>em</strong> alguma<br />

medida questões relativas às organizações capitalistas atuais, que pod<strong>em</strong> conter diversos níveis<br />

hierárquicos e uma competição ferrenha <strong>em</strong> merca<strong>do</strong> global, racional e coerente com um ideal de<br />

liberdade.<br />

37


As organizações capitalistas atuais pod<strong>em</strong> ser vistas, inclusive, como reforça<strong>do</strong>ras de<br />

alguns efeitos <strong>do</strong> individualismo, como a desconexão das pessoas de seus grupos anteriores, o<br />

exacerbamento da competição.<br />

Percebe-se assim, o individuo burguês e multifaceta<strong>do</strong>, dividi<strong>do</strong> entre tensões e<br />

tentan<strong>do</strong> se recompor através de uma racionalidade fort<strong>em</strong>ente arraigada nas novas relações sociais,<br />

mas que fortalece o individualismo, o racionalismo e o capitalismo.<br />

2.3 A Gênese <strong>do</strong> Capitalismo e Conexões com a Burguesia e o Individualismo<br />

Antes de afirmar que o individualismo e o capitalismo estão conecta<strong>do</strong>s de alguma<br />

forma, se faz importante um estu<strong>do</strong> sobre algumas perspectivas que pod<strong>em</strong> ser utilizadas para tratar<br />

das particularidades <strong>do</strong> capitalismo. Para Arrighi (1996), por ex<strong>em</strong>plo, trata-se de um modelo de<br />

estrutura que sobrepõe e depende de duas outras camadas 12 , e molda os merca<strong>do</strong>s e as vidas <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> inteiro. Para este autor, que corrobora com a perspectiva de Braudel (1982), o capitalismo, é<br />

uma classe antimerca<strong>do</strong>lógica, composta por grandes preda<strong>do</strong>res, e onde vale a “lei da selva”.<br />

Percebe-se o capitalismo como uma dimensão acima da economia de merca<strong>do</strong>, à qual esta está<br />

sujeita, receben<strong>do</strong> os contornos pelos quais tratará de funcionar.<br />

De acor<strong>do</strong> com Arrighi (1996), devi<strong>do</strong> a esta característica, é condição fundamental<br />

para a existência e funcionamento <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a que o mesmo esteja intrinsecamente conecta<strong>do</strong> ao<br />

esta<strong>do</strong> <strong>–</strong> e este é o aspecto mais importante de uma série de etapas e transformações que levou o<br />

“poder” capitalista de uma forma dispersa para uma formatação concentrada, que t<strong>em</strong> a capacidade<br />

de exercer forte influencia na vida das pessoas. De acor<strong>do</strong> com o autor, aconteceram quatro etapas<br />

12 As duas camadas iniciais, tratadas primeiramente por Braudel (1982) se compõ<strong>em</strong> de uma economia extr<strong>em</strong>amente<br />

el<strong>em</strong>entar e auto-suficiente, tratada como “vida material”, seguida da segunda parte, chamada de economia de<br />

merca<strong>do</strong>, onde através das diversas comunicações entre os diferentes comércios, acontece a regulação pela oferta e<br />

procura. Nesse senti<strong>do</strong>, o capitalismo depende, mas está acima destas duas camadas.<br />

38


ou ciclos principais de acumulação: o genovês, o holandês, o britânico e por fim o norte-americano,<br />

mas to<strong>do</strong>s decorreram <strong>do</strong> atrelamento <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> e da acumulação financeira derivada de variáveis<br />

específicas <strong>do</strong> momento vivi<strong>do</strong> <strong>em</strong> cada uma dessas etapas.<br />

O que impulsionou a prodigiosa expansão da economia mundial capitalista <strong>do</strong>s<br />

últimos 500 anos, <strong>em</strong> outras palavras, não foi a concorrência entre Esta<strong>do</strong>s como<br />

tal, mas essa concorrência aliada a uma concentração cada vez maior <strong>do</strong> poder<br />

capitalista no sist<strong>em</strong>a mundial como um to<strong>do</strong> (ARRIGHI, 1996, p. 13).<br />

Tanto Arrighi (1996) quanto Dobb (1988) acreditam <strong>em</strong> um profun<strong>do</strong> enlace (e até<br />

mesmo certa dependência) entre o sist<strong>em</strong>a capitalista e o esta<strong>do</strong>. Mas suas convergências não<br />

ultrapassam <strong>em</strong> muito este ponto principal.<br />

Para Dobb (1988), exist<strong>em</strong> diversos autores que tentam delimitar o capitalismo, através<br />

de diversos matizes. Uma primeira abordag<strong>em</strong> seria aquela <strong>em</strong> que se observa o sist<strong>em</strong>a enquanto<br />

uma totalidade de características representadas pelo “espírito” que t<strong>em</strong> inspira<strong>do</strong> a vida de<br />

determinada época. Por esta via, <strong>em</strong> diversos momentos da história se observaria um conjunto de<br />

atitudes econômicas diferentes, e um “espírito” específico 13 criou a atitude e o sist<strong>em</strong>a econômico<br />

<strong>em</strong> questão. Concordariam com esta linha: Sombart (1928) 14 e Weber (2001), entre outros.<br />

A segunda possibilidade tratada pelo autor, referente às abordagens que tentam definir o<br />

capitalismo, é aquela <strong>em</strong> que se contrapõ<strong>em</strong> o regime da antiga guilda artesanal, onde o artesão<br />

vendia seus produtos a varejo no merca<strong>do</strong> da cidade e uma organização da produção para merca<strong>do</strong>s<br />

distantes, <strong>do</strong>nde já se encontram presentes atacadistas e a perseguição a um lucro presumivelmente<br />

irrestrito. Assim, o capitalismo estaria presente já quan<strong>do</strong> os atos de produção e venda a varejo se<br />

separam <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po e espaço pela intervenção de um grande negociante que adiantava dinheiro no<br />

13 De acor<strong>do</strong> com o autor “tal espírito é uma síntese <strong>do</strong> espírito de <strong>em</strong>preendimento ou aventura entr<strong>em</strong>istura<strong>do</strong> com o<br />

„espírito burguês‟ de prudência e racionalidade”(Dobb, 1988, p. 6).<br />

14 SOMBART. Der Moderne Kapitalismus. 1928.<br />

39


intuito de obter lucro. Alguns partidários desta abordag<strong>em</strong> para o autor seriam: Schmoller (1929) 15<br />

e Pirene (1914) 16 .<br />

séria crítica:<br />

Porém, quanto a estas duas primeiras linhas de análise sobre o capitalismo, existe uma<br />

Tanto a concepção (...) <strong>do</strong> espírito capitalista quanto uma concepção de capitalismo<br />

como sen<strong>do</strong> primariamente um sist<strong>em</strong>a comercial compartilham o defeito, <strong>em</strong><br />

comum com as concepções que focalizam a atenção no fato de uma inversão<br />

lucrativa de dinheiro, de ser<strong>em</strong> insuficient<strong>em</strong>ente restritivas para confinar o termo a<br />

qualquer época da História, e de parecer<strong>em</strong> levar inexoravelmente à conclusão de<br />

que quase to<strong>do</strong>s os perío<strong>do</strong>s da História foram capitalistas, pelo menos <strong>em</strong> certo<br />

grau (DOBB, 1988, p.8).<br />

A terceira linha, à qual se integra o próprio autor cita<strong>do</strong>, fugiria dessa possibilidade<br />

probl<strong>em</strong>ática (mesmo que, para<strong>do</strong>xalmente, o autor perceba que os sist<strong>em</strong>as não se encontr<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />

sua forma pura <strong>em</strong> nenhum momento da história). Esta corrente defende “um sist<strong>em</strong>a sob o qual a<br />

própria força de trabalho „se tornara uma merca<strong>do</strong>ria‟ e era comprada e vendida no merca<strong>do</strong> como<br />

qualquer outro objeto de troca” (DOBB, 1988, p.7).<br />

No desenvolvimento de sua argumentação, se percebe o feudalismo enquanto sist<strong>em</strong>a de<br />

produção e antecessor <strong>do</strong> capitalismo, sen<strong>do</strong> que, este <strong>em</strong>erge depois de uma série de movimentos<br />

onde personagens como os senhores feudais, servos e reis transitam pelas cidades <strong>em</strong> crescimento<br />

ou mesmo <strong>em</strong> territórios feudais, numa luta que culmina no declínio <strong>do</strong> feudalismo. É definida<br />

também, e decorrente deste movimento, a formatação onde o Esta<strong>do</strong> finalmente se conecta<br />

fort<strong>em</strong>ente aos grandes proprietários de capital 17 .<br />

Obviamente, para alcançar esta situação, questões diversas aconteceram, e a própria<br />

composição que levou ao fim ou declínio <strong>do</strong> feudalismo dependeu de um longo e d<strong>em</strong>ora<strong>do</strong><br />

crescimento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, entre outros pontos. O assunto torna-se de tal forma complexo que Dobb<br />

15 SCHMOLLER. Principes d’Économie Politique. Passim. In: Economica: 1929.<br />

16 PIRENE. American Historical Review. 1914.<br />

17 Ocorre atrelada a esta dinâmica e também <strong>em</strong> decorrência da mesma, a expansão <strong>do</strong> mercantilismo e o início da<br />

burguesia, o surgimento <strong>do</strong> capital industrial e os probl<strong>em</strong>as oriun<strong>do</strong>s da acumulação de capital, as exportações e o<br />

comercio colonial <strong>do</strong> século XIX, além <strong>do</strong> crescimento <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong>.<br />

40


(1988), delimita a existência de evidencias de que o crescimento da economia monetária levou tanto<br />

ao declínio quanto ao aumento da servidão e também <strong>do</strong> feudalismo <strong>em</strong> determina<strong>do</strong>s momentos.<br />

Independent<strong>em</strong>ente, para o autor, tanto o crescimento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> quanto a alteração <strong>do</strong><br />

modelo de produção <strong>–</strong> de servo para trabalha<strong>do</strong>r assalaria<strong>do</strong> <strong>–</strong> exerceram grande influencia para a<br />

transição ao capitalismo. E sua conclusão com relação a isso é que “ineficiência <strong>do</strong> feudalismo<br />

como sist<strong>em</strong>a de produção, conjugada às necessidades crescentes de renda por parte da classe<br />

<strong>do</strong>minante, foi fundamentalmente responsável por seu declínio (...)” (DOBB, 1988, p.32) já que o<br />

t<strong>em</strong>po dedica<strong>do</strong> pelo servo ao senhor feudal e a renda deste tinham ligação diretamente positiva, ao<br />

passo que o t<strong>em</strong>po dedica<strong>do</strong> pelo servo à cultura de terra para a própria subsistência e a renda <strong>do</strong><br />

senhor feudal tinham uma ligação diretamente negativa. Ou seja, quanto mais era exigi<strong>do</strong> <strong>do</strong> servo,<br />

menos condição este teria para sua própria subsistência. E isso teria chega<strong>do</strong> a um limite.<br />

Ainda agregava pressão à relação o fato <strong>do</strong> servo, <strong>em</strong> diversos locais, ter por obrigação<br />

se manter na terra <strong>do</strong> senhor feudal (mas que, diante de tamanha pressão por produção levou a uma<br />

deserção <strong>em</strong> massa <strong>do</strong>s feu<strong>do</strong>s para as cidades <strong>em</strong> diversas regiões). Segun<strong>do</strong> Dobb (1988), os<br />

fatores que dev<strong>em</strong> ter exerci<strong>do</strong> maior relevância na formatação da produção foram a abundância ou<br />

escassez, o preço alto ou baixo da mão de obra.<br />

A influência exercida pela formatação descrita contribuiu tanto para a constituição das<br />

cidades, devi<strong>do</strong> à deserção <strong>do</strong>s servos, quanto para a formação da burguesia. Mas, mesmo no<br />

interior das cidades e com certo contato com os burgueses, resquícios <strong>do</strong> feu<strong>do</strong> poderiam ser<br />

percebi<strong>do</strong>s, através de m<strong>em</strong>bros da aristocracia, <strong>do</strong>nos de terra na cidade e <strong>em</strong> seu contorno. Este<br />

fator é assas importante para a constatação delimitada por Dobb (1988): existiam camadas<br />

hierárquicas no interior das cidades. E o poder político se encontrava, <strong>em</strong> grande parte <strong>do</strong>s casos,<br />

conecta<strong>do</strong> à classe mais alta, definin<strong>do</strong> as relações de troca de merca<strong>do</strong>, como preços e monopólios.<br />

As associações de burgueses ou artesãos também exerciam este tipo de poder, no intuito<br />

de limitar a concorrência entre os próprios associa<strong>do</strong>s, o que d<strong>em</strong>onstraria uma nítida relação com o<br />

41


coletivismo horizontal e seu espírito de cooperação trata<strong>do</strong> <strong>em</strong> Gouveia (2003), mas essas<br />

associações logo começaram a pender s<strong>em</strong>pre para uma parcela mais influente. Os <strong>do</strong>is casos,<br />

entretanto (das associações comerciais e da aristocracia), d<strong>em</strong>onstram a existência de uma minoria<br />

<strong>do</strong>minante, que, posteriormente, conseguiu limitar os ganhos da grande maioria da população.<br />

Para Dobb (1988), a partir da segunda metade <strong>do</strong> século XVI, os salários reais mostram<br />

uma queda catastrófica e acontece uma inflação <strong>do</strong>s lucros, devi<strong>do</strong> à existência de uma nova<br />

burguesia mercantil, caracterizada pelo ganho através da redução <strong>do</strong>s salários <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res e<br />

seu enraizamento profun<strong>do</strong> 18 com a sociedade feudal/aristocrática.<br />

Se antes seria mais complexo observar traços <strong>do</strong> individualismo, a partir desse<br />

momento, é perceptível a composição de orientação ao êxito ou crescimento hierárquico vertical,<br />

característica marcante <strong>do</strong> individualismo vertical de acor<strong>do</strong> com Gouveia (2003). Também fica<br />

clara a noção de “autoconsciência de pessoas, que foram obrigadas a a<strong>do</strong>tar um grau elevadíssimo<br />

de refreamento, controle afetivo, renuncia e transformação <strong>do</strong>s instintos” (ELIAS, 1994, p. 32) uma<br />

vez que a classe <strong>do</strong> novo burguês merca<strong>do</strong>r:<br />

Floresceu como intermediário, cujo sucesso dependia de sua habilidade insinuante,<br />

de sua facilidade de adaptação e <strong>do</strong>s favores políticos que conseguisse(...). Esses<br />

novos homens tinham que ser agradáveis e astuciosos: tinham de t<strong>em</strong>perar extorsão<br />

com bajulação, combinar avareza com lisonja, e encobrir a dureza <strong>do</strong> usurário com<br />

as vestes <strong>do</strong> cavalheiro. (DOBB, 1988, p. 87)<br />

A aliança gerou resulta<strong>do</strong>s muito importantes para os burgueses mercantis, que<br />

obtiveram controles monopolistas <strong>do</strong> comércio local e posteriormente de exportações. Além disso, a<br />

união retratada reflete-se na acumulação de capital juntamente com diversas outras questões, (como<br />

lucros inespera<strong>do</strong>s, arrendamentos eleva<strong>do</strong>s e ganhos da usura) necessárias a alguns movimentos<br />

18 Fato conquista<strong>do</strong> através de aquisição de terras, sociedades com a aristocracia, recebimento <strong>do</strong>s m<strong>em</strong>bros e filhos da<br />

pequena nobreza <strong>em</strong> suas associações, matrimônios, aquisições de títulos, coalizões políticas e aceite de cargos<br />

ministeriais ou na corte.<br />

42


econômicos posteriores 19 , como o próprio amadurecimento <strong>do</strong> capitalismo e sua constituição como<br />

política de Esta<strong>do</strong>, e não mais de cidades isoladas. Percebe-se, todavia, que questões como o<br />

monopólio (que limitam investimentos) e a redução de valores salariais (que limitam a quantidade<br />

de pessoas interessadas no trabalho e o próprio tamanho <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>) são condições contrárias ao<br />

capitalismo. Como seria possível o florescimento de uma revolução industrial, diante dessas<br />

condicionantes ao seu desenvolvimento?<br />

Para Dobb (1988) a resposta repousa no fato de que estas movimentações contribuíram<br />

para a criação <strong>do</strong> proletaria<strong>do</strong>, e da acumulação de capital para investimento: o acúmulo gera<strong>do</strong> se<br />

revertia também <strong>em</strong> terras, estas “digeriam” os pequenos loteamentos que geravam as condições de<br />

subsistência <strong>do</strong>s servos ou de uma classe de pequenos proprietários. Outros fatores que<br />

contribuíram para a criação da classe <strong>do</strong>s proletários foram o crescimento da população, a dívida e o<br />

próprio monopólio (que fixava valores <strong>do</strong>s produtos ou outras condições, que beneficiavam os<br />

grandes burgueses), mesmo <strong>em</strong> locais de terra livre. Nascia um enorme contingente de<br />

des<strong>em</strong>possa<strong>do</strong>s. No limite, pode-se afirmar que<br />

(...) nos séculos anteriores, o crescimento da indústria capitalista foi dificulta<strong>do</strong><br />

pela estreiteza <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> e sua expansão ameaçada pela baixa produtividade<br />

imposta pelos méto<strong>do</strong>s de produção <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> estes obstáculos reforça<strong>do</strong>s<br />

de quan<strong>do</strong> <strong>em</strong> vez pela escassez de trabalho. Na revolução industrial, essas<br />

barreiras foram simultaneamente banidas e, <strong>em</strong> vez disso, a acumulação e o<br />

investimento <strong>do</strong> capital se viram, a cada ponto <strong>do</strong> quadrante econômico, diante de<br />

horizontes cada vez mais amplos para incitá-los (DOBB, 1988, p. 184)<br />

Para Dobb (1988), o conjunto de fatores que culminou na Revolução Industrial, deixou<br />

diversas marcas na sociedade e nos indivíduos:<br />

19 Mas é importante que se perceba o monopólio excessivo como um <strong>em</strong>pecilho ao próprio capitalismo, que também se<br />

alimenta, no ponto de vista <strong>do</strong> autor, <strong>do</strong> livre comércio. Assim, o capitalismo estava ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> franca<br />

evolução e limita<strong>do</strong> pela sua forma até o inicio <strong>do</strong> século XVII, onde exist<strong>em</strong> os primeiros indícios de uma mudança.<br />

43


(...) no século XIX o ritmo da modificação econômica, no que diz respeito à<br />

estrutura da indústria e das relações sociais, ao volume de produção e à extensão e<br />

variedade <strong>do</strong> comércio, mostrou-se inteiramente anormal (...) a ponto de<br />

transformar radicalmente as idéias <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> sobre a sociedade de uma concepção<br />

mais ou menos estática de um mun<strong>do</strong> onde, de uma geração para outra, os homens<br />

estavam fada<strong>do</strong>s a permanecer na posição que lhes fora conferida ao nascer, e onde<br />

o rompimento com a tradição era contrária à natureza, para uma concepção <strong>do</strong><br />

progresso como lei da vida e <strong>do</strong> aperfeiçoamento constante como esta<strong>do</strong> normal de<br />

qualquer sociedade sadia (DOBB, 1988, p. 184).<br />

Concepções estreitamente conectadas ao individualismo. Percebe-se também como<br />

conectada às esferas <strong>do</strong> individualismo a enorme expansão da divisão <strong>do</strong> trabalho, d<strong>em</strong>onstrada<br />

também <strong>em</strong> Smith (1996) e Durkheim (1999), além da necessidade de conformação <strong>do</strong> indivíduo à<br />

velocidade das máquinas, “uma mudança técnica de equilíbrio que teve seu reflexo sócio-<br />

econômico na crescente dependência <strong>do</strong> trabalho <strong>em</strong> relação ao capital e no papel cada vez maior<br />

des<strong>em</strong>penha<strong>do</strong> pelo capitalista como força disciplina<strong>do</strong>ra e coatora <strong>do</strong> produtor humano <strong>em</strong> suas<br />

operações detalhadas” (DOBB, 1988, p. 186).<br />

Se percebe assim, uma estreita relação entre individualismo ao capitalismo, onde cinco<br />

fatores principais se destacaram: a sujeição da pessoa a um novo formato de indivíduo: o<br />

trabalha<strong>do</strong>r operário; a possibilidade de ascensão social; a possibilidade de diferenciação dentro de<br />

uma mesma escala; a divisão <strong>do</strong> trabalho e a questão da mobilidade. Então:<br />

Com relação à <strong>em</strong>ersão <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r operário, é importante não subestimar este<br />

efeito: exige <strong>do</strong> indivíduo uma atenção especial sobre suas necessidades particulares, sobre o com o<br />

faz, o como se adaptar. Um novo tipo de conhecimento sobre objetivos que não <strong>do</strong> sujeito, mas sim<br />

da produção. Também uma nova relação de poder. Exige <strong>do</strong> indivíduo um novo olhar e sobre si e<br />

acima disso, uma nova forma de ação, uma nova subjetivação baseada <strong>em</strong> um continuum<br />

constitutivo que se volta para si e seu autocontrole. É uma nova ética introjetada, voltada para a<br />

adaptação <strong>do</strong> ser <strong>em</strong> um profun<strong>do</strong> nível. D<strong>em</strong>onstra claras ligações com a perspectiva de Elias<br />

(1994), que acredita <strong>em</strong> um processo onde a evolução da autoconsciência das pessoas culminou no<br />

individualismo.<br />

44


Enquanto se trata de ascensão ou crescimento social, pode-se analisar como<br />

relacionadas a um ideário de “progresso como lei da vida e <strong>do</strong> aperfeiçoamento constante como<br />

esta<strong>do</strong> normal de qualquer sociedade sadia” (DOBB, 1988, p. 184) nesta medida, o indivíduo não<br />

somente deve poder crescer, o crescimento é o ideal quimérico busca<strong>do</strong> pelos que estão envolvi<strong>do</strong>s<br />

na sociedade pelo capitalismo. Há aqui a conexão direta com o individualismo quantitativo, trata<strong>do</strong><br />

por Triands (1995) como vertical e por Velho (1999) como um individualismo volta<strong>do</strong> para a<br />

ascensão;<br />

A possibilidade de diferenciação gera ligaduras por meio das diversas profissões que<br />

perpassadas pelo ideal de trabalha<strong>do</strong>r padroniza<strong>do</strong>, são meios de tornar<strong>em</strong> os indivíduos<br />

qualitativamente diferentes, se tornar<strong>em</strong> específicos, únicos. A pergunta que o trabalha<strong>do</strong>r faz,<br />

parece s<strong>em</strong>pre dizer respeito a qual profissão deve seguir. Encontra-se imanente a idéia de trabalhar,<br />

mas exist<strong>em</strong> profissões de melhor ou pior conceito, mesmo diante de recompensas iguais. São<br />

tratadas por Triands (1995) e Velho (1999) respectivamente como individualismo horizontal e<br />

prestígio.<br />

A divisão <strong>do</strong> trabalho se torna relevante à medida que d<strong>em</strong>anda <strong>do</strong> indivíduo<br />

velocidade certa para acompanhar as máquinas e um tipo de ação peculiar para corresponder às<br />

necessidades daquele trabalho específico. Leva o indivíduo a uma fragmentação ainda maior de sua<br />

interioridade, agora alienada, pois se antes, enquanto artesão ou servo tinha uma noção de to<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

relação ao processo de produção, conhecen<strong>do</strong> etapas e resulta<strong>do</strong>s finais, agora não conhece o<br />

porquê de suas ações, estan<strong>do</strong> subordina<strong>do</strong> a necessidades que esvaziam seu próprio devir;<br />

Com relação à última característica, retratada pela necessidade de mobilidade <strong>do</strong><br />

indivíduo, que se torna traço fundamental ao capitalismo, seu papel é extr<strong>em</strong>amente relevante na<br />

desconexão e fragmentação <strong>do</strong> indivíduo, antes conecta<strong>do</strong> a terra e tradição, mas agora obriga<strong>do</strong> a<br />

se mover para acompanhar a dinâmica <strong>do</strong> capital. Por esta via se percebe novamente o<br />

multifacetamento <strong>do</strong> indivíduo, entre ideais burgueses e capitalistas, tradicionais e racionais;<br />

45


A questão da localidade <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r se tornou extr<strong>em</strong>amente relevante e sumamente<br />

importante a sua mobilidade. “A merca<strong>do</strong>ria „força de trabalho‟ não tinha apenas que existir,<br />

precisava mostrar-se disponível <strong>em</strong> quantidades adequadas nos lugares onde mais fosse<br />

necessária(...)” ( DOBB, 1988, p.196). Para este autor, exist<strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plos como o da Rússia, Prússia<br />

e Al<strong>em</strong>anha, onde, por determinada restrição à mobilidade <strong>do</strong> capital, a produção da indústria fabril<br />

se manteve reprimida.<br />

Na Inglaterra, país berço da Revolução Industrial, chegou-se a revogar leis que<br />

favoreciam o assentamento das pessoas <strong>em</strong> áreas rurais, d<strong>em</strong>onstran<strong>do</strong> ainda mais a proximidade<br />

entre o Esta<strong>do</strong> e o capital e a necessidade de mobilidade, que contribuía para o individualismo pela<br />

via da desconexão <strong>do</strong>s sujeitos com os grupos.<br />

Para<strong>do</strong>xalmente, no entanto, a Revolução Industrial e o capitalismo se conectam<br />

também com o coletivismo horizontal, na medida <strong>em</strong> que à partir <strong>do</strong> século XIX fez com que a<br />

classe trabalha<strong>do</strong>ra começasse a ter um caráter homogêneo de proletaria<strong>do</strong>, onde<br />

cont<strong>em</strong>pla-se uma baixa liberdade, porém alta igualdade, explican<strong>do</strong> o motivo de<br />

um eu interdependente e compartilha<strong>do</strong> com os d<strong>em</strong>ais m<strong>em</strong>bros da sociedade.<br />

Assim, as pessoas se vê<strong>em</strong> como sen<strong>do</strong> similares às outras, enfatizam objetivos<br />

comuns com os outros, mas, todavia, não são submetidas facilmente à autoridade<br />

(GOUVEIA, 2003, p. 225).<br />

Dessa forma, não seria uma coincidência tão grande perceber movimentos como o<br />

ludismo 20 , sindicalismo e o cooperativismo tão logo a revolução chega ao ápice, ou até mesmo<br />

pouco antes. Como define Foucault (1988), as relações de poder são intencionais, mas pelas<br />

mesmas linhas de força que perpassa o poder, caminha a resistência. Os trabalha<strong>do</strong>res teriam<br />

características comuns, o que os agregava, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que não se submeteram com<br />

tamanha facilidade à autoridade. Dessa forma, realizaram lutas e criaram reivindicações,<br />

d<strong>em</strong>onstran<strong>do</strong>-se como uma faceta também relevante para o processo, e principalmente, tornaram<br />

20 Compreendi<strong>do</strong> como o movimento que levou a quebra de máquinas uma vez que estas levavam a substituição de<br />

trabalha<strong>do</strong>res.<br />

46


claro que tinham seu ponto de vista para ser coloca<strong>do</strong>. Para tal, se aproveitaram da mesma arma<br />

utilizada para sua sujeição: seu trabalho, fragmenta<strong>do</strong>, dividi<strong>do</strong> e subordina<strong>do</strong>. Mas s<strong>em</strong> eles,<br />

grande parte <strong>do</strong> trabalho não aconteceria. Assim, o coletivo também t<strong>em</strong> voz no campo capitalista.<br />

Entretanto, não se deve exasperar as considerações sobre o coletivismo nessa esfera.<br />

Como define Singer (2008a) o capitalismo é um mo<strong>do</strong> de produção que subordina subsist<strong>em</strong>as<br />

legais e institucionais e as ligaduras <strong>do</strong> individualismo com o capitalismo prevê<strong>em</strong> conexões <strong>em</strong><br />

maior quantidade de dimensões, e todas pod<strong>em</strong> ser vistas como incoerentes com o coletivismo: a<br />

<strong>em</strong>ersão <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r operário gera sujeitos cada vez mais volta<strong>do</strong>s para si; a possibilidade de<br />

ascensão social divide o grupo <strong>em</strong> castas hierarquizadas, o que reduz a noção de igualdade; a<br />

possibilidade de diferenciação dentro de uma mesma escala também fragmenta o grupo de acor<strong>do</strong><br />

com suas nomenclaturas de cargos, d<strong>em</strong>onstran<strong>do</strong> nitidamente qu<strong>em</strong> é diferente de qu<strong>em</strong>; a divisão<br />

<strong>do</strong> trabalho fragmenta o próprio cargo, alienan<strong>do</strong> o individuo <strong>do</strong> to<strong>do</strong>; e a necessidade de<br />

mobilidade <strong>do</strong> individuo, retira o sujeito das comunidades de onde estira subscrito, desconectan<strong>do</strong>-o<br />

de valores e crenças construídas socialmente.<br />

To<strong>do</strong>s os pontos parec<strong>em</strong> contribuir sobr<strong>em</strong>aneira para o individualismo, mas três <strong>do</strong>s<br />

cinco destaca<strong>do</strong>s t<strong>em</strong> algo <strong>em</strong> comum: suger<strong>em</strong> uma quebra de vínculos, uma desconexão <strong>do</strong><br />

espaço grupal ao qual estivera subscrito. Inclusive, <strong>em</strong> diversos momentos da investigação sobre o<br />

individualismo, encontra-se,a questão da fragmentação e desvinculação <strong>do</strong>s indivíduos com grupos,<br />

que sugere mesmo uma outra questão: de que grupos/locais as pessoas estão sen<strong>do</strong> desconectadas?<br />

Todavia, mais importante <strong>do</strong> que responder a essa questão é buscar o limite e condições<br />

de interferência dessas duas esferas (a fragmentação e a desconexão individual <strong>do</strong> local). Emerge de<br />

tal d<strong>em</strong>anda, a necessidade de uma investigação mais aprofundada, que leve <strong>em</strong> consideração<br />

também aspectos que foram reflexos capitalismo, sobre um prisma amplia<strong>do</strong> na sociedade.<br />

47


3 A FRAGMENTAÇÃO ESPAÇO/TEMPORAL DA REFERÊNCIA AO LOCAL<br />

Alguns pontos da fragmentação social parec<strong>em</strong> ser reforça<strong>do</strong>s devi<strong>do</strong> à burocracia e a<br />

perspectiva capitalista de acumulação, mas talvez nenhum seja tão perceptível quanto a existência<br />

da elite e, utilizan<strong>do</strong> o termo de Arendt, (1989) da ralé.<br />

Segun<strong>do</strong> a autora, a classe <strong>do</strong>s extr<strong>em</strong>amente pobres é um subproduto da sociedade<br />

burguesa, mas sequer têm conexão com a mesma e, ainda segun<strong>do</strong> a autora, se a ralé não t<strong>em</strong><br />

conexão com a sociedade da qual teve orig<strong>em</strong>, os <strong>do</strong>nos de capital excedente confirmam que são<br />

aliena<strong>do</strong>s <strong>do</strong> corpo social desde quan<strong>do</strong>, durante o perío<strong>do</strong> anterior ao imperialismo, invest<strong>em</strong> <strong>em</strong><br />

terras fora das fronteiras da sua nação, fato incoerente <strong>em</strong> relação à perspectiva mercantilista. Os<br />

<strong>do</strong>nos <strong>do</strong> capital supérfluo foram os primeiros a desejar lucros s<strong>em</strong> exercer qualquer função social<br />

verdadeira no espaço das fronteiras da comunidade onde estavam subscritos.<br />

É importante notar que o individualismo é coerente com o capitalismo, pois pode prever<br />

a liberdade individual de escolhas, sob determina<strong>do</strong> conjunto de valores. No entanto, a avareza o<br />

libera de regras, define o individuo acumulan<strong>do</strong> riqueza <strong>em</strong> detrimento de tu<strong>do</strong> e to<strong>do</strong>s e<br />

independent<strong>em</strong>ente, resulta <strong>em</strong> um utilitarismo 21 que para Weber (2001), estaria longe <strong>do</strong> espírito<br />

capitalista, que prega a acumulação de capital, mas pela via da coerência e legalidade. Para este<br />

autor, este utilitarismo é repreensível, mas, inevitável.<br />

Se antes as pessoas com dinheiro disponível para investir tinham apenas o interesse <strong>em</strong><br />

extrair o produto excedente, para Bauman (1999), na cont<strong>em</strong>poraneidade, mais <strong>do</strong> que desconexão<br />

com os valores da sociedade, aqueles não se prend<strong>em</strong> de maneira alguma inclusive no espaço.<br />

21 O utilitarismo é compreendi<strong>do</strong> neste trabalho com a definição que Bentham (1787) trabalha <strong>em</strong> sua teoria panoptista:<br />

deve haver uma utilidade servil para tu<strong>do</strong> e to<strong>do</strong>s. Neste senti<strong>do</strong>, só deve existir o que é útil e a utilidade das coisas e<br />

pessoas deve ser levada ao seu extr<strong>em</strong>o, <strong>em</strong> detrimento que qualquer outro valor.


A terra, enquanto local de investimento <strong>em</strong> seus primórdios era ainda que ligeiramente<br />

aprisiona<strong>do</strong>r <strong>do</strong> investimento <strong>em</strong> uma perspectiva de longo prazo, uma vez que o solo podia<br />

diminuir sua produção se fosse explora<strong>do</strong> s<strong>em</strong> a devida responsabilidade. Existia ainda, a<br />

impossibilidade de a propriedade fundiária ser trocada.<br />

Para o autor, estes fatores geravam limites para a desvinculação com os grupos e mais<br />

ainda, levavam ao encontro com a alteridade, com o diferente. Contraditoriamente, o que está <strong>em</strong><br />

vigor atualmente é “uma desconexão <strong>do</strong> poder face a obrigações (...), <strong>em</strong> suma, liberdade face ao<br />

dever de contribuir para a vida cotidiana, e a perpetuação da comunidade” (BAUMAN, 1999, p.16).<br />

Portanto, a classe citada não têm conexões com qualquer que seja a “coisa” ali existente, a não ser<br />

pela via <strong>do</strong> utilitarismo, <strong>do</strong> que lhes é útil, preferencialmente capital e poder.<br />

Em continuidade com o seu raciocínio, o autor percebe que <strong>em</strong> todas as épocas, os ricos<br />

s<strong>em</strong>pre tenderam a criar uma cultura própria de desprezo às fronteiras que confinam as classes<br />

inferiores. E isso pode ser atribuí<strong>do</strong> também a sua ausência na comunidade local: os mesmos não<br />

têm um entrelaçamento suficiente para ter conhecimento e proximidade. Ou talvez simplesmente,<br />

não queiram ter.<br />

Em alguma medida, a melhor maneira de descrever a discrepância das elites com a<br />

localidade <strong>em</strong> que se encontram não é pensar na sua não inserção naquela totalidade de<br />

características. Ou ainda, na sua hibridação com valores externos, devi<strong>do</strong> ao seu desprendimento<br />

com o espaço físico <strong>do</strong> local.<br />

A possibilidade de locomoção e acesso a outros valores teria um grande ícone a seu<br />

favor: a tecnologia. Por esta via, a hibridação de valores pode ainda ser agravada, pois, enquanto<br />

porta<strong>do</strong>res de características estrangeiras pode-se pensar não apenas <strong>em</strong> elites, mas, na perspectiva<br />

representada pela mobilidade, os valores locais têm encontra<strong>do</strong> <strong>em</strong> uma grande massa de indivíduos<br />

molda<strong>do</strong>s pelas relações com outros ambientes, um ativo instrumento para o desgaste de sua<br />

comunidade.<br />

49


Foi antes de mais nada a disponibilidade de meios de viag<strong>em</strong> rápi<strong>do</strong>s que<br />

desencadeou o processo tipicamente moderno de erosão e solapamento das<br />

„totalidades‟ sociais e culturais localmente arraigadas (BAUMAN, 1999, p. 21)<br />

Na cont<strong>em</strong>poraneidade, no entanto, não se trata mais de pensar somente <strong>em</strong> conduções<br />

por meio de viagens físicas. Navegações, sítios, endereços e correios eletrônicos, são vocábulos que<br />

mostram que, intrínsecas às técnicas de condução, se manifestam também a difusão e acesso à<br />

informação e um grande ícone, o computa<strong>do</strong>r.<br />

Como esclarece Steven (2001), agora conecta<strong>do</strong>s à internet, os computa<strong>do</strong>res são mais<br />

representativos de um ambiente <strong>do</strong> que de uma máquina. Outros valores tornam-se mais acessíveis,<br />

mesmo que dissonantes <strong>do</strong>s da comunidade local. Poden<strong>do</strong>-se estar <strong>em</strong> diversas plataformas <strong>em</strong> um<br />

curtíssimo perío<strong>do</strong> de t<strong>em</strong>po, as pessoas pod<strong>em</strong>, a cada momento, se tornar mais desconexos <strong>do</strong><br />

espaço e principalmente, <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po local.<br />

Outro fator que d<strong>em</strong>onstra a capacidade de fragmentação <strong>do</strong> indivíduo representada<br />

pelo computa<strong>do</strong>r é o que Chartier (2002), considera como a capacidade <strong>do</strong>s dispositivos formais, de<br />

inscrever<strong>em</strong> <strong>em</strong> suas estruturas as expectativas e as competências <strong>do</strong> público que pretend<strong>em</strong><br />

alcançar ou ainda, de produzir uma área social de recepção. Em um espaço onde a acessibilidade é<br />

cada vez mais alta, o individuo pode se cercar efetivamente daquilo que considera importante para<br />

si, s<strong>em</strong> a necessidade de se sujeitar a aquilo que não lhe interessa. O individuo é a cada momento<br />

mais cerca<strong>do</strong> de si mesmo, suas idéias, aquilo no que acredita e no que acredita ser importante.<br />

Torna-se mais <strong>em</strong>basa<strong>do</strong> <strong>em</strong> sua realidade.<br />

As alterações oriundas da tecnologia, porém, dev<strong>em</strong> ser ponderadas. Não pod<strong>em</strong> ser<br />

consideradas enquanto ocupantes da realidade para to<strong>do</strong>s os seres humanos, pois, como define<br />

Bauman (1999) o resulta<strong>do</strong> que se obtém com a anulação tecnológica das distâncias<br />

t<strong>em</strong>porais/espaciais é a polarização da condição humana: alguns conquistam a liberdade frente às<br />

50


estrições territoriais e outros são confina<strong>do</strong>s ao seu significa<strong>do</strong> e da sua capacidade de <strong>do</strong>ar<br />

identidade.<br />

No momento atual, os detentores <strong>do</strong> poder pod<strong>em</strong> ser vistos como extraterritoriais e<br />

ainda mais capazes de alterações no territorialmente defini<strong>do</strong>. As elites escolheram o isolamento e<br />

impediram os outros seres humanos de acesso ao que lhes interessa e são capazes de defender com<br />

o seu poder (e com o seu poder carregaram também os espaços normatiza<strong>do</strong>res, ou seja, os locais de<br />

onde se pode influenciar nas decisões). Isso gera o que Bauman (1999) chama de guerra pelo<br />

espaço, a partir <strong>do</strong> momento <strong>em</strong> que exist<strong>em</strong> as resistências a esta movimentação.<br />

O território urbano torna-se o campo de batalha de contínua guerra espacial, que às<br />

vezes irrompe no espetáculo público de motins internos, escaramuças rituais com a<br />

polícia, ocasionais tropelias de torcidas de futebol, mas travadas diariamente logo<br />

abaixo da superfície de versão oficial da pública (publicada) da ord<strong>em</strong> urbana<br />

rotineira. (BAUMAN, 1999, p. 29)<br />

T<strong>em</strong>-se, portanto, nas comunidades, uma aproximação de um esta<strong>do</strong> de oposição, não<br />

<strong>em</strong> uma continuidade que preencha to<strong>do</strong> o t<strong>em</strong>po <strong>do</strong> indivíduo, mas que <strong>em</strong> alguns momentos<br />

<strong>em</strong>erge como que não sen<strong>do</strong> mais suporta<strong>do</strong> no interior das intrincadas relações que formam a<br />

sociedade. Surge nesse ínterim, novamente a incoerência entre o individualismo e o espaço<br />

comunitário, <strong>em</strong> uma possibilidade que não abrange a totalidade <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po cotidiano, mas que, <strong>em</strong><br />

alguns momentos se torna níti<strong>do</strong>.<br />

Alia<strong>do</strong> ao racionalismo, o individualismo tende a orig<strong>em</strong> de ações baseadas no que é<br />

útil à intenção <strong>do</strong> individuo: <strong>em</strong> alguns momentos é interessante ir a favor <strong>do</strong> grupo, <strong>em</strong> outros,<br />

contra. Através desta perspectiva, denota uma fragmentação não somente espacial, mas também<br />

t<strong>em</strong>poral <strong>do</strong> sujeito ao local.<br />

Mas qual seria esse local? É importante, inicialmente, destacar que exist<strong>em</strong> diversas<br />

referencias, posto que diversos locais serv<strong>em</strong> de matiz.<br />

51


Para responder se os organismos sociais seriam incapazes de criar artifícios que<br />

abrandariam a desconexão entre individuo e grupo, deve-se antes, pensar na possibilidade de<br />

diferentes locais. Aqui, tentar-se-á analisar <strong>do</strong>is principais: as pequenas comunidades, inicialmente<br />

agrupa<strong>do</strong>ras de individuos e sua posterior transição para o esta<strong>do</strong> capitalista.<br />

3.1 O Atrelamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> à Fragmentação Social Através da Disciplina<br />

As relações sociais, ao definir<strong>em</strong> possibilidades positivamente, determinam também<br />

condutas que não dev<strong>em</strong> ser executadas pelas pessoas. É factível esta percepção a partir da notória<br />

influência das valorações socialmente atribuídas nas decisões individuais.<br />

Para Elias (1994), <strong>em</strong> um t<strong>em</strong>po onde as pessoas estiveram ligadas umas às outras pelas<br />

pequenas comunidades, a criação de valores seria subordinada a uma vida no cotidiano grupal, com<br />

uma grande carga levada para as decisões da comunidade e pouco espaço para o individuo.<br />

Porém, s<strong>em</strong> as conexões específicas <strong>do</strong>s grupos anteriores, o controle exerci<strong>do</strong><br />

prioritariamente pelas comunidades (assim como grande parte de to<strong>do</strong> o sist<strong>em</strong>a de relações sociais)<br />

passa a ser <strong>em</strong> grande medida uma composição individual.<br />

É possível que, quanto menos conectadas ao espaço e t<strong>em</strong>po de um sist<strong>em</strong>a de relações<br />

específico, menos sejam planificadas e homogêneas as ações particulares.<br />

As pessoas passam a ser menos coesas com os grupos anteriores e aqui entra o papel <strong>do</strong><br />

esta<strong>do</strong>, substituin<strong>do</strong> práticas locais pelas suas normatizações, tentan<strong>do</strong> tornar-se o “único ponto de<br />

referencia universalmente impositivo para todas as medidas e divisões <strong>do</strong> espaço” (Bauman, 1999<br />

p. 36) o que culminou <strong>em</strong> uma subordinação funcional de todas as soluções arquitetônicas às<br />

necessidades da cidade e sua separação de partes por função ou por qualidade de seus habitantes.<br />

52


Isso, além de tornar ainda mais singulariza<strong>do</strong> o cidadão urbano, contribuiu sobr<strong>em</strong>aneira para a<br />

continuidade <strong>do</strong> rompimento de seus laços com o espaço.<br />

Elias (1994) percebe que na medida <strong>em</strong> que a transferência de funções relativas à<br />

proteção e controle <strong>do</strong> indivíduo vão sen<strong>do</strong> transferidas de pequenos grupos (como guildas, tribos,<br />

paróquias, feu<strong>do</strong>s e pequenos Esta<strong>do</strong>s) para Esta<strong>do</strong>s altamente centraliza<strong>do</strong>s e urbaniza<strong>do</strong>s, as<br />

pessoas adultas quebram laços com grupos locais próximos, basea<strong>do</strong>s na consangüinidade, e há o<br />

rompimento da coesão de grupos.<br />

Ainda de acor<strong>do</strong> com Elias (1994), os indivíduos eram controla<strong>do</strong>s pela presença<br />

constante <strong>do</strong>s outros, o saber-se liga<strong>do</strong> a eles pelo resto da vida e o me<strong>do</strong> direto. Assim, para o<br />

autor, os sujeitos se vê<strong>em</strong> a cada vez mais autônomos quanto às decisões antes envolvidas durante a<br />

vida inteira pelas comunidades locais. Nesse senti<strong>do</strong>, ampliam-se consideravelmente as opções, que<br />

impel<strong>em</strong> a uma particularização crescente. E esta alteração levaria também a uma maior<br />

diversificação <strong>do</strong>s comportamentos humanos, agora menos controla<strong>do</strong>s pelos pequenos grupos.<br />

No entanto, a análise realizada por este autor é contrabalanceada por Foucault (1979).<br />

Este não acredita que uma “ausência” de controle impeliu a uma individualização (que por sua vez<br />

seria contrária aos mecanismos <strong>do</strong> poder), mas sim, que estes mecanismos <strong>do</strong> controle disciplinar<br />

têm sua força máxima na particularização 22 , nos corpos e suas relações, através de uma subjetivação<br />

específica. Os mecanismos da disciplina estatais d<strong>em</strong>andam, reforçam e utilizam-se da<br />

individualização.<br />

Ou seja, o indivíduo não é o outro <strong>do</strong> poder: é um de seus primeiros efeitos. O<br />

indivíduo é um efeito <strong>do</strong> poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um<br />

efeito, é seu centro de transmissão, o poder passa através <strong>do</strong> indivíduo que ele<br />

constitui (FOUCAULT, 1979, p. 183).<br />

22 Nas palavras <strong>do</strong> autor: “as disciplinas funcionam cada vez mais como técnicas que fabricam indivíduos úteis”<br />

(FOUCAULT, 1977, p. 185).<br />

53


Percebe-se a relevância extr<strong>em</strong>ada dada ao indivíduo e o Esta<strong>do</strong> precisou muito <strong>do</strong>s<br />

mesmos na sua intenção de governamentalidade das populações. Suas táticas se cristalizam nas<br />

idéias de justiça, administração e governabilidade.<br />

Em primeiro lugar o Esta<strong>do</strong> de justiça, nasci<strong>do</strong> <strong>em</strong> uma territorialidade de tipo<br />

feudal e que corresponderia grosso mo<strong>do</strong> a uma sociedade da lei; <strong>em</strong> segun<strong>do</strong><br />

lugar, o Esta<strong>do</strong> administrativo, nasci<strong>do</strong> <strong>em</strong> uma territorialidade de tipo fronteiriço<br />

nos séculos XV <strong>–</strong> XVI e que corresponderia a uma sociedade de regulamento e<br />

disciplina; finalmente, um Esta<strong>do</strong> de governo que não é mais essencialmente<br />

defini<strong>do</strong> por sua territorialidade, pela superfície ocupada, mas pela massa da<br />

população, com seu volume, sua densidade, e <strong>em</strong> que o território que ela ocupa é<br />

apenas um componente. Este Esta<strong>do</strong> de governo que t<strong>em</strong> essencialmente como alvo<br />

a população e utiliza a instrumentalização <strong>do</strong> saber econômico, corresponderia a<br />

uma sociedade controlada pelos dispositivos de segurança (FOUCAULT, 1979, p.<br />

292).<br />

É importante destacar que os pontos fundamentais destas três estratégias da<br />

governamentalidade são individualizantes. O Esta<strong>do</strong>: de justiça pela analise e observação de cada<br />

pessoa diante da lei, que pode resultar <strong>em</strong> punição, mas individual; o administrativo, pela<br />

<strong>em</strong>ergência da ciência <strong>do</strong> governo, pois passou a observar a família e própria população como<br />

instrumento, sen<strong>do</strong> seu objetivo final a continuidade da existência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> 23 ; o de governo, que,<br />

diante da probl<strong>em</strong>ática da gestão da população lança mão de dispositivos de segurança, como seus<br />

mecanismos essenciais. Há uma forte tendência ao uso <strong>do</strong>s engenhos disciplina<strong>do</strong>res, apoia<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />

grande medida na individualidade que, crescente e estimulada, levam a particularização, a<br />

diferenciação.<br />

A sociedade t<strong>em</strong>, portanto, através de certo conhecimento racional construí<strong>do</strong>,<br />

possibilidades e forças de aglomeração, mesmo diante da probl<strong>em</strong>ática <strong>do</strong> esfacelamento das<br />

comunidades e pequenos grupos. Seus efeitos mesmo <strong>em</strong> face <strong>do</strong>s mais diversos mecanismos,<br />

resultam <strong>em</strong> um individuo que é muito mais relevante <strong>do</strong> que fora anteriormente. Agora é a vida<br />

que é levada <strong>em</strong> consideração. Como define Foucault (1988), se antes o soberano poderia definir<br />

23 Emerge aqui a disciplina.<br />

54


sobre a morte das pessoas, agora é a sua vida que é extr<strong>em</strong>amente importante para os processos <strong>do</strong><br />

poder.<br />

E isso pode significar momentos <strong>em</strong> que se leva mais <strong>em</strong> consideração a parte que o<br />

to<strong>do</strong>, a pessoa que a sociedade. No entanto, seria essa capacidade de governo ten<strong>do</strong> como base o<br />

indivíduo suficiente? Para Arendt (1989), Elias (1993) e Bauman (1999), o resulta<strong>do</strong> final da<br />

exasperação das ações individuais é o caos, que o poder s<strong>em</strong>pre tentaria fugir, pois seu ideal é de<br />

controle racional.<br />

Alguns ex<strong>em</strong>plos da utilização <strong>do</strong> conhecimento racional para a eliminação das relações<br />

caóticas da sociedade, pode-se observar a construção das cidades utopistas que, segun<strong>do</strong> Bauman<br />

(1999), têm todas uma preocupação comum com um certo ideal de racionalidade feliz <strong>em</strong> sua fuga<br />

da multiplicidade de ordens existentes, sintoma <strong>do</strong> caos. Também são claros a situação da<br />

transparência e da legibilidade como uma meta necessária a todas as relações <strong>do</strong>s indivíduos. A<br />

interferência que o indivíduo enquanto referencia principal t<strong>em</strong> sobre o to<strong>do</strong>, ajuda a justificar ainda<br />

mais a tentativa de precisar e planejar racionalmente os espaços e o controle na intenção de obter<br />

resulta<strong>do</strong>s futuros mais distantes <strong>do</strong> caos.<br />

No entanto, para Foucault (1977), a resposta para o alinhamento das ações individuais,<br />

passa não somente por planejamentos e racionalizações <strong>do</strong> espaço onde os cidadãos se encontrarão,<br />

mas também, pelo planejamento <strong>do</strong> próprio sujeito, pela tentativa de fazer da pessoa, o principal<br />

espaço <strong>do</strong> poder. Para Foucault (1988), o poder <strong>em</strong>ana da subjetivação <strong>do</strong>s indivíduos, de suas<br />

atividades e sua subjetivação: se exerce através de diversos pontos; é imanente e produtor de uma<br />

subjetividade; reside no mesmo local de onde <strong>em</strong>ana a resistência.<br />

De acor<strong>do</strong> com o autor, gera-se assim uma linha de força que pode se originar de<br />

heterogeneidades, mas t<strong>em</strong> no fun<strong>do</strong> um efeito homogeneiza<strong>do</strong>r. O poder precisaria portanto, que as<br />

pessoas sejam, <strong>em</strong> sua diversidade, capazes de se mover de acor<strong>do</strong> com ilações de efeitos<br />

heg<strong>em</strong>ônicos. O individuo assim, não é o outro <strong>do</strong> poder, é sim, sua maior força, na medida <strong>em</strong> que<br />

introjeta e reflete as construções nas quais está submeti<strong>do</strong>.<br />

55


3.2 Autocontrole: uma Alternativa para o Alinhamento das Ações<br />

A exasperação da tentativa de controle <strong>do</strong> caos, associada ao racionalismo instrumental,<br />

geram uma nova possibilidade, o controle onipresente, exaspera<strong>do</strong>. De acor<strong>do</strong> com Miller, (2000),<br />

“o axioma que suporta o dispositivo Panóptico (...) é que as circunstancias faz<strong>em</strong> o hom<strong>em</strong>. Já que<br />

aqui se trata de transformá-lo, é preciso <strong>do</strong>minar, banir o acaso. O Panóptico será o espaço <strong>do</strong><br />

controle totalitário” (Miller, 2000, p. 79). A máquina definida por este dispositivo segun<strong>do</strong> o<br />

mesmo autor é uma tentativa de produzir uma imitação de Deus, de elevar o controle ao nível<br />

máximo, trazen<strong>do</strong> através de uma gama enorme de artifícios de extr<strong>em</strong>o detalhamento a noção de<br />

que o indivíduo está constant<strong>em</strong>ente sob controle.<br />

Para Foucault (1977), o processo de disciplinamento justifica<strong>do</strong> pela peste <strong>em</strong><br />

determina<strong>do</strong> momento da história d<strong>em</strong>onstra de alguma forma o processo: d<strong>em</strong>andava uma divisão<br />

maciça e binária entre uns e outros, e para além dessa afirmativa, separações múltiplas,<br />

distribuições individualizantes. Era organiza<strong>do</strong> profundamente pela vigilância e pelo controle, como<br />

uma forma de ramificação <strong>do</strong> poder e objetivava, assim, evitar a mistura, a não adaptação <strong>do</strong>s<br />

indivíduos às restrições. Procurava individualizar para controlar.<br />

Emerg<strong>em</strong> de contextos como esses, um conjunto de técnicas e de instituições que<br />

assum<strong>em</strong> como tarefa medir, controlar e corrigir os anormais, fazen<strong>do</strong> funcionar os dispositivos<br />

disciplinares que o me<strong>do</strong> da peste justificava.<br />

No caso específico da peste, o sist<strong>em</strong>a funcionava através de um policiamento espacial<br />

restritivo, onde famílias foram reduzidas as suas casas e supervisionadas por um inspetor geral e por<br />

um síndico da rua (ou outros responsáveis, desde que já pré-determina<strong>do</strong>s). Esse “supervisor” se<br />

informava constant<strong>em</strong>ente sobre o esta<strong>do</strong> de saúde <strong>do</strong>s ocupantes e alimentava o sist<strong>em</strong>a de<br />

informações como nome, idade e sexo. O interesse <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a, representa<strong>do</strong> na pessoa <strong>do</strong> guardião,<br />

era o de impedir a movimentação não pré-definida, a multiplicação <strong>do</strong> que não está sob controle<br />

disciplinar; a continuidade da peste, a força da natureza e <strong>do</strong> não previsto.<br />

56


Apesar de, na maior parte das organizações o panóptico ser aplicável, a análise <strong>em</strong> uma<br />

penitenciária mostra com muita nitidez um <strong>do</strong>s seus pontos mais importantes: to<strong>do</strong> o sist<strong>em</strong>a<br />

utiliza-se de uma forma de visibilidade que serve de armadilha, onde, além da divisão e da ord<strong>em</strong> o<br />

preso está sujeito a simplesmente, não ver o que ou qu<strong>em</strong> o vigia.<br />

A multidão, massa compacta, local de múltiplas trocas, individualidades que se fund<strong>em</strong>,<br />

efeito coletivo, é abolida <strong>em</strong> proveito de uma coleção de individualidades separadas. Do ponto de<br />

vista <strong>do</strong> guardião, é substituída por uma multiplicidade enumerável e controlável; <strong>do</strong> ponto de vista<br />

<strong>do</strong>s detentos, por uma solidão seqüestrada e olhada. Daí o efeito mais importante <strong>do</strong> Panóptico:<br />

“induzir no detento um esta<strong>do</strong> consciente e permanente de visibilidade que assegura o<br />

funcionamento automático <strong>do</strong> poder.” (FOUCAULT, 1977, p. 177).<br />

Portanto, como afirma Bentham (1787), quanto mais t<strong>em</strong>po as pessoas estiver<strong>em</strong> sobre<br />

vigilância melhor e, se <strong>em</strong> to<strong>do</strong>s os momentos, isso não for possível, o indivíduo deve s<strong>em</strong>pre<br />

pensar que está sob esta condição. Esta particularidade induz no indivíduo uma concepção de<br />

onipresença <strong>do</strong> controle. A idéia é ter o controle total de mente sobre a mente, to<strong>do</strong> o t<strong>em</strong>po, ou de<br />

que as concepções e valores coletivos, mesmo que investi<strong>do</strong>s <strong>em</strong> algumas peças, sejam levadas a<br />

cabo sobre a sociedade individualmente. O controle torna-se assim, at<strong>em</strong>poral e intangível.<br />

T<strong>em</strong>-se aqui uma extr<strong>em</strong>a condição de <strong>do</strong>minação: o controle eleva<strong>do</strong> ao seu máximo<br />

nível é a possibilidade de, dentro de todas as lógicas, melhor <strong>do</strong>minar o indivíduo e a natureza da<br />

qual s<strong>em</strong>pre pode irromper uma pulsão ou uma atitude fora da intencionalidade <strong>do</strong> interesse <strong>do</strong><br />

poder.<br />

A idéia disciplinar de controle é utilizada na sociedade para <strong>do</strong>minar a natureza presente<br />

no individualismo irrefrea<strong>do</strong>, ou se não isso, seus efeitos. Além dessa questão, com a laicisação da<br />

racionalidade através <strong>do</strong> utilitarismo, tenta-se mais que controlar, usar a forma de <strong>do</strong>mínio a favor<br />

<strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a no qual o indivíduo se encontra. Assim, <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> idéias sobre trabalho enquanto se está<br />

57


sobre vigília, sobre a utilização de artífices <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a para reforçar outros artífices, etc. tu<strong>do</strong><br />

meticulosamente calcula<strong>do</strong>, milimetra<strong>do</strong> capilarmente, adapta<strong>do</strong> ao dispositivo e a seu alvo.<br />

Como define Miller (2000) o ideal panóptico é a servilização integral da natureza ao<br />

útil. As necessidades mais el<strong>em</strong>entares dever-se ia chegar a capturá-las no dispositivo para gerar<br />

mais rendimento, mais produtividade futura. O Panóptico funciona conseqüent<strong>em</strong>ente, como um<br />

dispositivo que almeja a onipresença, ao ser rel<strong>em</strong>bra<strong>do</strong> constant<strong>em</strong>ente, introjetan<strong>do</strong> no próprio<br />

individuo o controle e a disciplina, que passam a ser representa<strong>do</strong>s no seu ambiente. E a<br />

possibilidade culminante de controle sobre a natureza <strong>do</strong> individuo foi realizada utilizan<strong>do</strong>-se uma<br />

característica da própria natureza: o fato da mesma ser constant<strong>em</strong>ente r<strong>em</strong><strong>em</strong>orada e assim,<br />

estan<strong>do</strong> <strong>em</strong> to<strong>do</strong> o lugar, praticamente não esquecida ou ignorada.<br />

Assim, a percepção de constância <strong>do</strong> controle, <strong>em</strong>aranhada nas cadeias de ramificações<br />

da sociedade atual, recebeu também uma utilidade: dar suporte à tentativa <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> hom<strong>em</strong><br />

sobre sua natureza inconstante. A utilização <strong>do</strong> controle torna-se também coerente com o<br />

capitalismo e o individualismo e gera sua faceta mais laicizante: o autocontrole 24 .<br />

O autocontrole, como pode ser percebi<strong>do</strong> na cont<strong>em</strong>poraneidade, é <strong>em</strong> alguma medida<br />

reforça<strong>do</strong> pelo próprio sist<strong>em</strong>a de relações e d<strong>em</strong>onstra fortes vínculos com o mesmo. Nessa<br />

dimensão disciplina<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> poder pod<strong>em</strong>-se notar aspectos que o transformam <strong>em</strong> uma rede forte e<br />

extr<strong>em</strong>amente presente, o que Foucault (1977) define como sen<strong>do</strong> sua microfísica: a existência de<br />

um ponto central de vigilância, de onde <strong>em</strong>ana o poder, d<strong>em</strong>anda uma articulação capilarizada com<br />

o espaço, minuciosamente orquestrada <strong>em</strong> detalhes que envolv<strong>em</strong> o sist<strong>em</strong>a de relações sociais.<br />

Como define o autor, a idéia de utilização <strong>do</strong> ser humano como um estandarte <strong>do</strong> poder<br />

foi amplamente difundida na sociedade, através de diversos artifícios, como as escolas e as<br />

penitenciárias. Talvez, no entanto, crer que este ideário se cristalizou <strong>em</strong> todas as partículas da<br />

24 O autocontrole pode ser percebi<strong>do</strong> através <strong>do</strong> trabalho de Foucault (1977), na medida <strong>em</strong> que se dão os treinamentos<br />

minuciosos e concretos das forças úteis. Na perspectiva da disciplina, o investimento nos corpos visa a fabricação <strong>do</strong><br />

indivíduo, tornan<strong>do</strong>-o uma engrenag<strong>em</strong> repeti<strong>do</strong>ra e renova<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s efeitos <strong>do</strong> poder.<br />

58


sociedade igualmente seja um erro. Durkheim (1999) percebia que uma dessas partículas tende a<br />

substituição das outras, sugere e objetiva a si <strong>em</strong> detrimento das d<strong>em</strong>ais escalas sociais: a <strong>em</strong>presa<br />

capitalista.<br />

Esta fração da sociedade pode ser percebida com certa carga de relevância. No caso<br />

deste trabalho, deve-se focar este fragmento também devi<strong>do</strong> às propostas das linhas de discussão,<br />

que já d<strong>em</strong>onstrou certa quantidade de ligaduras entre o capitalismo e o individualismo. É<br />

importante lançar luz sobre a relação entre o individuo e esta partícula específica, onde o imperativo<br />

<strong>do</strong> lucro e da racionalização são leva<strong>do</strong>s a extr<strong>em</strong>os. Nelas o atrelamento ao utilitarismo e<br />

individualismo, são não só perceptíveis, mas estimula<strong>do</strong>s.<br />

3.3 A Complexidade da Referência à Classe de Trabalha<strong>do</strong>res<br />

As <strong>em</strong>presas da atualidade d<strong>em</strong>onstram uma capacidade relativamente alta de controle<br />

sobre seus processos. Basea<strong>do</strong>s <strong>em</strong> uma perspectiva racionalista, <strong>em</strong> que tu<strong>do</strong> o que existe deve ser<br />

útil, e através de um complexo acompanhamento das etapas de produção e processos, estas<br />

organizações têm, nitidamente, um poder de alinhamento de recursos e pessoas com seus objetivos,<br />

<strong>em</strong> níveis extr<strong>em</strong>a<strong>do</strong>s. E um foco é nitidamente perceptível: a máxima produtividade.<br />

Segun<strong>do</strong> Silva (2004), é considera<strong>do</strong> hoje um <strong>do</strong>s grandes objetivos das <strong>em</strong>presas a<br />

“produção enxuta” ou lean production. Esta por sua vez é conquistada através da maximização da<br />

capacidade instalada, o corte <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>pos de ociosidade <strong>do</strong>s processos e a extração máxima da força<br />

de trabalho, o que aproxima <strong>em</strong> muito a <strong>em</strong>presa <strong>do</strong> seu “ideal” almeja<strong>do</strong>. Muito próximo também<br />

<strong>do</strong> imaginário taylorista/fordista 25 , (que visava à máxima produção através de redução de “t<strong>em</strong>pos<br />

25 Trata<strong>do</strong> aqui também através <strong>do</strong> intento utilitarista, mas por meio de certa manipulação atrelada nesse momento ao<br />

dinheiro e divisão das funções, separação entre mãos e cérebro.<br />

59


mortos” de operação e alto controle sobre os indivíduos, submeti<strong>do</strong>s a uma velocidade ditada pela<br />

<strong>em</strong>presa), mas com uma sofisticação maior.<br />

Além disso, levar o indivíduo a um trabalho com produtividade máxima, tensionan<strong>do</strong> ao<br />

limite, transmite razoavelmente a exasperação utilitarista compreendida ainda no panóptico, de<br />

Bentham (1787). “Apenas, o máximo. Quer dizer, o útil pelo útil: não é esta a lei que vimos, ao<br />

longo de tu<strong>do</strong>, reinar sobre as construções benthamianas? Tu<strong>do</strong> deve ser útil, relacionar-se com<br />

outra coisa além de si mesma, servir” (MILLER, 2000, p. 98).<br />

Visa-se racionalizar, utilizar os recursos de forma que contribuam ao nível mais<br />

culminante possível. Outro artifício benthamiano que pode ser percebi<strong>do</strong> é a fragmentação da classe<br />

de trabalha<strong>do</strong>res <strong>em</strong> grupos, com a intenção de conhecer melhor os detalhes, de utilizar e reutilizar<br />

suas forças. Individualiza-se e cataloga-se o des<strong>em</strong>penho (conhecimentos, habilidades, atitudes,<br />

resulta<strong>do</strong>s anteriores) e características de to<strong>do</strong>s (sexo, cor, idade, esta<strong>do</strong> civil, etc.) tu<strong>do</strong><br />

minuciosamente guarda<strong>do</strong> <strong>em</strong> bancos de da<strong>do</strong>s. “É o poder de individualização que t<strong>em</strong> o exame 26<br />

como instrumento fundamental” (FOUCAULT, 1979, p. 107) e leva a individualidade a se tornar<br />

el<strong>em</strong>ento pertinente para o exercício <strong>do</strong> poder.<br />

Entre o ideal de produtividade e a realidade, as <strong>em</strong>presas tentam fugir da possibilidade<br />

de alteração <strong>do</strong>s seus planos devi<strong>do</strong> à interação com o “fator humano”, através de um sist<strong>em</strong>a<br />

complexo, que visa um controle fino das pessoas, ou como delimita Silva (2004), o controle<br />

individualiza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>res, através de fichas <strong>do</strong>s des<strong>em</strong>penhos particulares. “O<br />

acompanhamento da performance <strong>do</strong> trabalho segue de perto to<strong>do</strong>s e cada um” (SILVA, 2004, p.<br />

22).<br />

Por esta via, fica claro que as <strong>em</strong>presas na atualidade têm mais uma conexão com o<br />

ideal panóptico: a visibilidade. O propósito é a comparação entre o indivíduo particular e os grupos,<br />

26 De acor<strong>do</strong> com as análises de Foucault (1979) o exame é observa<strong>do</strong> como a vigilância permanente, classificatória,<br />

que permite distribuir os indivíduos, julgá-los, medi-los, localizá-los e, por conseguinte, utilizá-los ao máximo.<br />

60


fazen<strong>do</strong> com que se torn<strong>em</strong> conheci<strong>do</strong>s os mais produtivos e também os de menor performance para<br />

a organização. Dessa maneira, se instala na organização um ideal de competitividade e de valoração<br />

<strong>do</strong>s melhores, mas não somente entre <strong>em</strong>presas, e sim entre os próprios m<strong>em</strong>bros <strong>do</strong> grupo,<br />

agregan<strong>do</strong> pressão ao sist<strong>em</strong>a.<br />

O controle a partir desta pr<strong>em</strong>issa reforça a individualização através da competição e da<br />

visibilidade. Pela dimensão da visibilidade, o ideal de controle onipresente induz o ser humano a se<br />

perceber no espaço trabalhan<strong>do</strong> <strong>em</strong> grupo, mas controla<strong>do</strong> individual e minuciosamente pela<br />

<strong>em</strong>presa. Isola-se, pela necessidade de controlar-se, de voltar-se a si, de saber como está <strong>em</strong> relação<br />

ao deseja<strong>do</strong> pela organização que conhece a realidade de seu des<strong>em</strong>penho.<br />

Na dimensão da competição, percebe-se que um sujeito tolhi<strong>do</strong> pelo para<strong>do</strong>xo da<br />

realidade organizacional: pode ser ajuda<strong>do</strong> e ajudar colegas, que a um mesmo t<strong>em</strong>po são<br />

concorrentes. A cada momento é compeli<strong>do</strong> à realização de resulta<strong>do</strong>s grupais cujo seu resulta<strong>do</strong><br />

pode ser importante ou até preponderante (o que aumenta sua culpabilidade, já que é responsável<br />

pela meta também <strong>do</strong> grupo), a cada momento dependente mais de um conjunto que pode estar<br />

repleto de oponentes. Isola-se, o indivíduo, pela frugalidade das relações com o grupo.<br />

A questão entre coletivo e individuo se distorce, trazen<strong>do</strong> mais uma vantag<strong>em</strong> à<br />

<strong>em</strong>presa: a adequação à sua estrutura, como preponderante. Silva (2004), entende que, através das<br />

tendências de trabalhos <strong>em</strong> grupo, <strong>em</strong> equipes, times ou células de produção, que d<strong>em</strong>onstram uma<br />

tentativa de quebra das solidariedades civis clássicas, consagradas pelo antagonismo de classes,<br />

acontece uma construção de solidariedades baseadas na <strong>em</strong>presa. E neste mesmo movimento, a<br />

relação <strong>do</strong> opera<strong>do</strong>r com o trabalho t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> muito mais valorizada.<br />

Para o autor, se pode identificar a transformação <strong>em</strong> curso, que consiste na substituição<br />

da referência coletiva da classe de trabalha<strong>do</strong>res pela referência individual <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r dentro da<br />

organização e, para além disso: uma tendência de separação entre o mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho e o mun<strong>do</strong><br />

fora <strong>do</strong>s muros da fábrica, reproduzin<strong>do</strong> modalidades de privatização <strong>do</strong> público dentro da <strong>em</strong>presa,<br />

61


que poderiam ser percebidas somente <strong>em</strong> uma esfera social mais ampliada. Já Durkheim, (1999),<br />

entendia o meio profissional como preponderante e não coincidente com o meio territorial ou<br />

familiar. Ao contrário, notava Durkheim (1999), tende a substituição <strong>do</strong>s outros, à valorização da<br />

<strong>em</strong>presa <strong>em</strong> detrimento das d<strong>em</strong>ais escalas sociais. A organização visaria simplesmente o<br />

envolvimento total <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, sua dedicação à <strong>em</strong>presa preponderant<strong>em</strong>ente.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, para Silva (2004), o envolvimento <strong>do</strong> individuo com a organização será<br />

negocia<strong>do</strong>, e dependerá <strong>do</strong> formato e senti<strong>do</strong> das negociações <strong>do</strong>s diversos espaços priva<strong>do</strong>s deste<br />

tipo, como o ramo de atividade, <strong>em</strong>presas, funções, características <strong>do</strong>s funcionários, etc. A<br />

perspectiva da negociação e <strong>do</strong> envolvimento com a organização, denotam certa porosidade das<br />

fronteiras entre coletivo e individual.<br />

Enquanto a negociação pressupõe diferenças entre as partes, a noção de envolvimento<br />

pressupõe certo pen<strong>do</strong>r comunitarista:<br />

a negociação caminha no senti<strong>do</strong> de que as partes conflitantes encontr<strong>em</strong> um<br />

parâmetro coletivo que sirva de referência para categorias inteiras de<br />

representa<strong>do</strong>s; o envolvimento é individualizante e flui<strong>do</strong>, por causa <strong>do</strong> arbitrário<br />

que informa seu conteú<strong>do</strong>: qual é a marg<strong>em</strong> para que alguém defina a si mesmo<br />

como „envolvi<strong>do</strong>‟ ou para que o proponente sinta-se satisfeito com o<br />

„envolvimento‟ ofereci<strong>do</strong> pela contraparte?(...) Dir<strong>em</strong>os que a negociação está<br />

dentro <strong>do</strong> campo s<strong>em</strong>ântico <strong>do</strong> contratualismo, enquanto o envolvimento está<br />

dentro <strong>do</strong> campo s<strong>em</strong>ântico da pessoalização e <strong>do</strong> arranjo ad hoc, <strong>em</strong> vez <strong>do</strong> direito<br />

(SILVA, 2004, p. 11).<br />

Silva (2004), nota ainda que, s<strong>em</strong>pre houve processos que atrapalhavam a noção de<br />

“classe de trabalha<strong>do</strong>res”: clivagens sociais operadas pelas diferenças de raça, gênero,<br />

nacionalidade. Na cont<strong>em</strong>poraneidade, porém, a classe trabalha<strong>do</strong>ra experimentou uma relativa<br />

estabilidade, de 1945 a 1975, onde <strong>em</strong>prego e salário somavam energias, levan<strong>do</strong> os sindicatos a<br />

conter as forças fragmenta<strong>do</strong>ras da identidade coletiva da classe trabalha<strong>do</strong>ra. Logicamente, porém,<br />

este perío<strong>do</strong> representa uma pequena parcela <strong>do</strong>s acontecimentos político-econômicos da história da<br />

humanidade e, mostra que “na verdade, ocorre o contrário: a identidade de classe é a exceção, pois<br />

62


vigora durante poucos perío<strong>do</strong>s, <strong>em</strong> geral aqueles perío<strong>do</strong>s de „regulação‟, <strong>em</strong> vez de crise”<br />

(SILVA, 2004, p. 15).<br />

Além da probl<strong>em</strong>ática da referência a uma classe, as pessoas no interior das <strong>em</strong>presas se<br />

vê<strong>em</strong> ainda mais fragmentadas, como percebe Silva (2004), pelo aumento <strong>do</strong> ritmo de trabalho,<br />

conquista<strong>do</strong> através da redução <strong>do</strong> número de ajudantes e a “polivalência” <strong>do</strong>s que restaram, os<br />

bônus por produtividade e o redesenho das células de produção (<strong>em</strong> formato de “U”, para facilitar o<br />

deslocamento das pessoas entre os processos).<br />

O aumento da velocidade de produção divide ainda mais os grupos entre melhores e<br />

piores. A velocidade e a competição são ampliadas ainda, pelos prêmios e pela disputa entre turnos,<br />

que agrega mais um fator de divisão: pessoas diferentes transitan<strong>do</strong> constant<strong>em</strong>ente no mesmo local<br />

de trabalho.<br />

Note-se que o sist<strong>em</strong>a de células, cuja retórica enfatiza a necessidade de perenidade<br />

nas relações sociais internas ao grupo, choca-se com o vai-e-v<strong>em</strong> mais ou menos<br />

constante <strong>do</strong>s operários entre turnos, o que não seria saudável para a constituição<br />

de uma sociabilidade própria à célula (SILVA, 2004, p. 26).<br />

T<strong>em</strong>-se no ambiente de trabalho uma contradição: coletivo <strong>em</strong> competição, grupo <strong>em</strong><br />

fragmento. A diferenciação é preponderante, a competição e a fragmentação, ressaltadas.<br />

O individuo ainda vive pressiona<strong>do</strong> não apenas pela corporação capitalista, mas sim,<br />

entre as contradições inerentes a esta (que não existe para gerar b<strong>em</strong> estar, mas sim, lucro) e a<br />

arriscada questão de não estar trabalhan<strong>do</strong>. “O que está na base <strong>do</strong> comportamento de competição e<br />

de sua tendência subjacente de fragmentação <strong>–</strong> <strong>em</strong> vez de solidariedade <strong>–</strong> <strong>do</strong> coletivo operário é a<br />

insegurança representada pelo merca<strong>do</strong> de trabalho” (SILVA, 2004, p. 22). Configura-se na<br />

organização, a eterna vigilância e a prontidão permanente para não perder o seu lugar no merca<strong>do</strong><br />

de trabalho. Isso leva o trabalha<strong>do</strong>r a perder ainda mais vínculos com os outros, fixan<strong>do</strong>-se<br />

sobr<strong>em</strong>aneira à <strong>em</strong>presa.<br />

63


Com relação ao merca<strong>do</strong> de trabalho e <strong>em</strong>prego, portanto, exist<strong>em</strong> <strong>do</strong>is vetores<br />

principais: aquele que impele o ser humano a fazer parte de alguma <strong>em</strong>presa, pois não trabalhar<br />

recebe uma conotação negativa na sociedade, além de gerar conseqüências econômicas individuais<br />

catastróficas (o que o arrebata <strong>em</strong> uma competição com os outros pelo <strong>em</strong>prego); e aquele que, uma<br />

vez estan<strong>do</strong> no quadro de funcionários, o leva a uma fragmentação e competição se não igual, ainda<br />

maior, pois além <strong>do</strong>s des<strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s, lutaria com os colegas de trabalho, cotidianamente. “Na<br />

verdade, o que se observa a partir da marcha <strong>do</strong>s novos méto<strong>do</strong>s de organização <strong>do</strong> trabalho é uma<br />

tendência forte na direção da diferenciação e da individualização” (SILVA, 2004, p. 11).<br />

Portanto, se encontra o sujeito perpassa<strong>do</strong> por muitas inconsistências, dicotomias entre<br />

coletivo e grupo, entre satisfação e suas necessidades, entre seus desejos e sua realidade. Um fator<br />

ainda mais complexante é a extr<strong>em</strong>ada força com a qual o sist<strong>em</strong>a de produção capitalista leva as<br />

pessoas a adentrar<strong>em</strong> <strong>em</strong> suas organizações: trabalho t<strong>em</strong> uma carga extr<strong>em</strong>amente positiva na<br />

sociedade, além de ser uma resposta para atendimento das necessidades monetárias. A grande parte<br />

das pessoas encontra-se, desta forma, entre possibilidades de decisão que só pode levar a um<br />

caminho.<br />

Mas, apesar de uma imensa maioria sujeita a esta relação, existiriam alternativas?<br />

64


4 AS COOPERATIVAS E O SISTEMA DE PRODUÇÃO CAPITALISTA<br />

Na cont<strong>em</strong>poraneidade é possível a perceber organismos sociais que buscam uma<br />

alternativa para a probl<strong>em</strong>ática inerente ao sist<strong>em</strong>a de produção cristaliza<strong>do</strong> nas <strong>em</strong>presas<br />

capitalistas.<br />

Melman, (2002), nota que “de fato, o controle <strong>do</strong> pessoal e <strong>do</strong>s fluxos financeiros<br />

tornou-se peça importante da atividade gerencial no capitalismo (...) (MELMAN, 2002, p. 538),<br />

porém, o mesmo autor, localiza movimentos que consegu<strong>em</strong> <strong>em</strong> alguma medida, trazer respostas<br />

diferenciadas à necessidade de trabalho imposta pelo sist<strong>em</strong>a atual. “Em cooperativas e s<strong>em</strong>elhantes<br />

iniciativas de trabalho comunitário, a desalienação por projeto desafia a busca convencional de<br />

lucros e poder por meio da concorrência predatória e da hierarquia” (MELMAN, 2002, p. 481).<br />

Diante da possibilidade, algumas dúvidas centrais se descortinam, como: qual a<br />

efetividade destas respostas distintas no senti<strong>do</strong> de uma nova noção de grupo solidário, o quanto<br />

elas são diferentes das organizações capitalistas, mesmo estan<strong>do</strong> <strong>em</strong> um mesmo sist<strong>em</strong>a e sen<strong>do</strong><br />

obrigadas a se manter, por assim dizer, vivas, ou ainda, se são mesmo capazes de minimizar no seu<br />

interior, os efeitos <strong>do</strong> individualismo e da competição exacerba<strong>do</strong>s. Torna-se importante uma<br />

investigação maior a respeito das cooperativas, organizações sobre as quais estará o maior enfoque<br />

deste trabalho.<br />

4. 1 Raízes <strong>do</strong> Cooperativismo no Mun<strong>do</strong> e Emergência no Brasil<br />

Lechat (2008) percebe o surgimento das cooperativas dentro <strong>do</strong> movimento <strong>do</strong><br />

socialismo utópico, e aparece como resposta a crises econômicas. Para a autora, durante o séc. XIX<br />

varias comunidades ou aldeias cooperativas foram criadas nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s e na Inglaterra, de


onde se t<strong>em</strong> um ex<strong>em</strong>plo de cooperativa de consumo importante, denominada de Pioneiros<br />

Equitativos de Rochedale, que criou uma carta de princípios conhecida e utilizada mundialmente<br />

como parâmetro até os dias atuais. Estas Cooperativas, no entanto, receberam forte pressão, sen<strong>do</strong><br />

fechadas devi<strong>do</strong> às influencias da classe patronal e <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> governo daquele perío<strong>do</strong>,<br />

declaradamente hostil à idéia.<br />

O movimento cooperativista seguiu de 1830 a 1840, por meio de<br />

sociedades de socorro mútuo, balcões alimentícios e cooperativas de produção.<br />

Criadas por operários ou por artesãos que se negavam a tornar-se proletários essas<br />

iniciativas tentavam amenizar os sofrimentos trazi<strong>do</strong>s pelos acidentes, pelas<br />

<strong>do</strong>enças e pela morte. A partir de 1848, no entanto, a repressão se abateu sobre<br />

estas associações (LECHAT, 2008, p. 5).<br />

Para Lechat (2008) novas oscilações positivas no número de cooperativas <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> com<br />

força, durante a grande crise <strong>do</strong>s anos 1873 a 1895, compostas por entidades agrícolas e de<br />

poupança, como forma de soluções de sobrevivência encontradas pelos pequenos produtores.<br />

Em momento posterior, as cooperativas também já haviam se torna<strong>do</strong> uma solução<br />

apresentada pelos operários: durante a grande crise de 1929, antes mesmo da intervenção <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>.<br />

Como movimento mais recente, a autora percebe que houve outra crise e o decorrente<br />

fechamento de <strong>em</strong>presas e des<strong>em</strong>prego a partir de 1970. Novamente, no entanto, as cooperativas se<br />

mostraram como alternativa para a solução.<br />

Floresceu então, a partir de 1977 e até 84, uma série de iniciativas para salvar ou<br />

criar <strong>em</strong>pregos, através de <strong>em</strong>presas autogeridas pelos próprios trabalha<strong>do</strong>res e isto<br />

com o apoio de alguns sindicatos progressistas. Entre 1980 e 85 foram criadas <strong>em</strong><br />

massa cooperativas de trabalha<strong>do</strong>res <strong>em</strong> toda a Europa (Defourny, 2001) 27 . Por<br />

outro la<strong>do</strong>, os inúmeros movimentos sociais e étnicos trouxeram uma nova visão<br />

<strong>do</strong> social, da sua relação com o econômico e da relação <strong>do</strong> hom<strong>em</strong> com o meio<br />

ambiente (LECHAT, 2008, p. 6).<br />

27 DEFOURNY, Jacques. Entrevista concedida a Noëlle Lechat pelo Diretor <strong>do</strong> Centre d’Études Sociales. Liège, 15<br />

jun. 2001.<br />

66


Com relação a este movimento no país, Heiden, (2008) acredita na cooperativa “como<br />

um sist<strong>em</strong>a organizacional que v<strong>em</strong> atuan<strong>do</strong> desde 1969 com sucesso no Brasil no segmento de<br />

prestação de serviços, constituin<strong>do</strong>-se num novo merca<strong>do</strong> que está geran<strong>do</strong> muitos postos de<br />

trabalho” (HEIDEN, 2008, p.51). Porém, o cooperativismo neste país é um movimento anterior,<br />

mesmo <strong>em</strong> uma forma primitiva.<br />

o cooperativismo teve uma forma inicial “primitiva” quan<strong>do</strong> os jesuítas se uniram<br />

no trabalho coletivo volta<strong>do</strong> para a “persuasão” de povos indígenas nas práticas <strong>do</strong><br />

amor e auxílio mútuo cristãos <strong>em</strong> mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVII. As primeiras<br />

cooperativas implantadas no Brasil foram as de consumo, cujo objetivo é distribuir<br />

produtos/serviços aos seus sócios, buscan<strong>do</strong> as melhores condições de preços e de<br />

qualidade (GALLO, 2008, p. 47).<br />

Eid (1998) 28 , apud. Gallo (2008) também localizou uma colônia organizada nessas<br />

bases, fundada por um grupo de europeus, <strong>em</strong> 1847, mas:<br />

Posteriormente a esse fenômeno, somente no final <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> século<br />

XX retomou-se a criação de cooperativas de consumo. As primeiras foram na<br />

região Sudeste e depois na região Sul <strong>do</strong> país. No entanto, a partir da década de<br />

1960, as cooperativas de consumo entraram <strong>em</strong> crise. Concomitante as<br />

cooperativas de consumo, foram criadas também as cooperativas agropecuárias e<br />

de crédito rural principalmente na região Sul <strong>do</strong> país. Ao longo <strong>do</strong>s anos, outros<br />

tipos de cooperativas foram sen<strong>do</strong> criadas como as de produção, de trabalho e<br />

educacionais. Em 16/12/1971 com a lei 5.764, ainda <strong>em</strong> vigor, ficou defini<strong>do</strong> o<br />

regime jurídico, a constituição e o funcionamento <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a de representação das<br />

cooperativas e os organismos de apoio. (GALLO, 2008, p. 48).<br />

Percebe-se nessa afirmativa que, mesmo com uma linha de desenvolvimento, é factível<br />

a interpretação, oriun<strong>do</strong> das movimentações cooperativistas, de diversas representações que o<br />

intento cooperativista encerrara com o decorrer de sua história neste país, na tentativa de adaptação<br />

28 EID, F. “COOPERATIVISMO”. Curso de Especialização Lato Sensu. Departamento de Engenharia de Produção,<br />

UFSCar, 1998.<br />

67


às realidades impostas pelo sist<strong>em</strong>a de produção excludente. Em certa medida, ss cooperativas<br />

tornaram-se uma alternativa importante.<br />

4.2 A Disparidade e Conexões <strong>do</strong> Continuum Cooperativista<br />

Mesmo oriundas de bases comuns, as cooperativas se tornaram organizações<br />

diferenciadas, adaptadas <strong>em</strong> grande medida às necessidades <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s e <strong>do</strong> ambiente <strong>em</strong> que<br />

se encontravam. Nos relatos de Ide, (2005), as cooperativas pod<strong>em</strong> ser compreendidas por uma<br />

noção de <strong>do</strong>utrina moral, social e econômica, uma noção de lugar e outra de organização.<br />

Ten<strong>do</strong> como foco a noção cooperativista enquanto <strong>do</strong>utrinária, foi observada a<br />

possibilidade de construir uma “República Cooperativa”, idéia ainda inerente ao socialismo utópico,<br />

mas <strong>em</strong> paralelo com o mesmo. Pregava que “o cidadão, como produtor, é antes um servi<strong>do</strong>r ou<br />

escravo da coletividade” (IDE, 2005, p. 72).<br />

Com uma visão ainda aproximada à <strong>do</strong>utrinária, observa-se que as cooperativas eram<br />

vistas também como lugar, enquanto construto simbólico onde pessoas se afirmavam m<strong>em</strong>bros<br />

pertencentes de acor<strong>do</strong> com valores comuns. Como afirma Ide, (2005), um <strong>do</strong>s seus preceitos<br />

reforça<strong>do</strong>res era o de que seria justo a venda de produtos de boa qualidade e na quantidade exata<br />

por parte <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s aos outros participantes (uma vez que à época, era comum a troca de<br />

merca<strong>do</strong>rias e a venda de produtos <strong>em</strong> uma quantidade inconsistente).<br />

Neste trabalho, a representação das cooperativas que será principalmente analisada é a<br />

última possibilidade, verificada enquanto noção organizativa, que é uma conotação cont<strong>em</strong>porânea,<br />

prevista na legislação federal brasileira, caracterizada por forma jurídica própria e criada para<br />

prestar serviços aos associa<strong>do</strong>s. Uma vez que, <strong>em</strong> se tratan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s “é para eles e por eles<br />

que ela existe e vai trabalhar” (HEIDEN, 2008, p. 51), esta representação atual das cooperativas é<br />

importante, pois, “Ao contrário da sabe<strong>do</strong>ria popular, <strong>em</strong> que elas são geralmente apresentadas<br />

como experimentos excepcionais, as cooperativas têm si<strong>do</strong> altamente b<strong>em</strong> sucedidas como grupos<br />

68


de <strong>em</strong>presas” (MELMAN, 2002, p. 482). O autor se refere à cooperativa Mondragon que opera na<br />

região basca <strong>do</strong> noroeste da Espanha como uma das mais importantes, com faturamento de mais de<br />

seis bilhões de dólares já <strong>em</strong> 1996.<br />

No Brasil, de acor<strong>do</strong> com Gallo (2008), <strong>em</strong> 1999, haviam 5.600 cooperativas<br />

registradas na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) com 5,5 milhões de coopera<strong>do</strong>s<br />

registra<strong>do</strong>s. E esta grande quantidade de organismos encerra <strong>em</strong> seu movimento características<br />

extr<strong>em</strong>amente diversificadas (mesmo ainda caracteriza<strong>do</strong>s enquanto noção organizativa):<br />

(...)<strong>em</strong>presas autogeridas; pequenas e médias associações ou cooperativas de<br />

produção ou comercialização; cooperativas agropecuárias formadas pelo<br />

Movimentos <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais S<strong>em</strong> Terra (MST); cooperativas de trabalho<br />

e de serviços, formadas por Incuba<strong>do</strong>ras Tecnológicas de Cooperativas Populares;<br />

cooperativas de serviços de diversos tamanhos, boa parte agrupadas nas Federações<br />

de Cooperativas de Trabalho estaduais.(SINGER,1999 29 apud GALLO, 2008, p.<br />

49).<br />

As cooperativas pod<strong>em</strong> ser percebidas, por meio de sua diferenciação, como uma<br />

alternativa flexível, no contexto atual. Mas exist<strong>em</strong> características que se mantiveram.<br />

Como afirma Bhowmik (2008), os princípios básicos das cooperativas são basea<strong>do</strong>s<br />

ainda nos construtos desenvolvi<strong>do</strong>s <strong>em</strong> Rochdale, e foram adapta<strong>do</strong>s pelo movimento <strong>em</strong> to<strong>do</strong> o<br />

mun<strong>do</strong>. São eles: “um voto por cada m<strong>em</strong>bro (...); as vendas são efectuadas de acor<strong>do</strong> com os<br />

preços <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>; a distribuição <strong>do</strong>s lucros entre os accionistas t<strong>em</strong> como base as acções detidas; e<br />

a existência de um número limita<strong>do</strong> de acções por pessoa” (BHOWMIK, 2008, p. 40).<br />

No entanto, Singer (2008), não acredita na forma de exposição de um destes fatores.<br />

Para o autor, na <strong>em</strong>presa solidária não há lucro porque nenhuma parte de sua receita é distribuída<br />

<strong>em</strong> proporção às cotas de capital e, para além dessa afirmativa, as chamadas “sobras anuais”, têm<br />

uma destinação definida pelos próprios trabalha<strong>do</strong>res, o que deixa clara outra característica: a<br />

autogestão da cooperativa.<br />

29 SINGER. P. Cooperativismo e sindicatos no Brasil. Sindicalismo e Economia Solidária. 1999.<br />

69


Os <strong>do</strong>is autores concordam, no entanto, sobre a intenção principal das cooperativas, que<br />

seria trabalhar através de princípios de igualdade e d<strong>em</strong>ocracia, por meio de uma efetiva<br />

solidariedade entre parceiros 30 .<br />

Lechat (2008) considera a economia solidária como sen<strong>do</strong> a junção entre as dimensões<br />

<strong>do</strong> econômico, social e o político, capaz de gerar um desenvolvimento solidário. De acor<strong>do</strong> com<br />

estes princípios, Singer (2008a), define as <strong>em</strong>presas solidárias como a negação da separação entre<br />

trabalho e posse <strong>do</strong>s meios de produção, ou seja, o trabalho e o capital “estão fundi<strong>do</strong>s porque to<strong>do</strong>s<br />

os que trabalham são proprietários da <strong>em</strong>presa e não há proprietários que não trabalh<strong>em</strong> na <strong>em</strong>presa.<br />

E a propriedade da <strong>em</strong>presa é dividida por igual entre to<strong>do</strong>s os trabalha<strong>do</strong>res, para que to<strong>do</strong>s tenham<br />

o mesmo poder de decisão sobre ela” (SINGER, 2008a, p. 4).<br />

A economia solidária seria, portanto, uma alternativa ao sist<strong>em</strong>a capitalista de produção<br />

<strong>–</strong> que para Singer (2008a), pressupõe a separação entre trabalho e posse <strong>do</strong>s meios de produção<strong>–</strong> ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se constitui numa parte dele.<br />

A economia solidária constitui um mo<strong>do</strong> de produção que, ao la<strong>do</strong> de diversos<br />

outros mo<strong>do</strong>s de produção - o capitalismo, a pequena produção de merca<strong>do</strong>rias, a<br />

produção estatal de bens e serviços, a produção privada s<strong>em</strong> fins de lucro -,<br />

compõe a formação social capitalista, que é capitalista porque o capitalismo não só<br />

é o maior <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s de produção mas molda a superestrutura legal e institucional<br />

de acor<strong>do</strong> com os seus valores e interesses (SINGER, 2008a, p. 6).<br />

A fragmentação das realidades vividas entre indivíduo e coletivo na cont<strong>em</strong>poraneidade<br />

é <strong>em</strong> alguma medida levada ao extr<strong>em</strong>o nos coopera<strong>do</strong>s, de onde culmina a separação marcante da<br />

contradição entre competição e cooperação: dentro, deteriam um laço extr<strong>em</strong>amente forte e comum:<br />

são iguais e parceiros; fora, indivíduos suscetíveis a toda espécie de particularização e<br />

diversificação, pois viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> uma sociedade influenciada pelo capitalismo.<br />

30 Os autores localizam as cooperativas dentro <strong>do</strong> conceito de economia solidária, que se mistura após determina<strong>do</strong><br />

momento, com o conceito de terceiro setor.<br />

70


E o próprio capitalismo gera crises internas que levam ao surgimento de contradições<br />

entre o particular e socializa<strong>do</strong>, entre as referências de individualismo e solidariedade. E, por<br />

conseguinte, gera também possibilidades <strong>do</strong> surgimento de movimentos da economia solidária.<br />

A questão principal que <strong>em</strong>erge, trata <strong>do</strong> seguinte ponto: até onde os laços solidários<br />

serviriam de referencia principal aos coopera<strong>do</strong>s, diante de tamanha valorização <strong>do</strong> individual fora<br />

das cooperativas?<br />

4.3 Entre Diversidade e Solidariedade<br />

A solidariedade é um <strong>do</strong>s pontos principais <strong>do</strong> intento cooperativista, que detém<br />

também conceitos como igualdade e d<strong>em</strong>ocracia. Para haver solidariedade, no entanto, pode-se<br />

pensar primordial a existência de desigualdade, para que alguém ajude a outr<strong>em</strong>.<br />

Lechat (2008), no entanto, não concorda com esta afirmativa, pois, a solidariedade só<br />

denota que no momento de sua aplicação, há uma desigualdade entre que dá e qu<strong>em</strong> recebe, mas<br />

não indica uma desigualdade intrínseca. Para o autor, a solidariedade supõe um laço recíproco,<br />

diferent<strong>em</strong>ente da caridade, que teria como fator principal um dever unilateral. Tocqueville (2000)<br />

percebe na solidariedade a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> b<strong>em</strong> comum, que d<strong>em</strong>andaria pequenos sacrifícios <strong>em</strong> prol<br />

<strong>do</strong>s outros, cotidianamente.<br />

Durkheim (1999) também desenvolve conceitos de relaciona<strong>do</strong>s à solidariedade, sen<strong>do</strong><br />

a mecânica aquela que liga o individuo diretamente ao grupo devi<strong>do</strong> a similitudes, e a mecânica<br />

outra, que cria relação de dependência <strong>do</strong> individuo com as partes que compõe a sociedade através<br />

da especialização e divisão <strong>do</strong> trabalho. A primeira tende a ajudar a coletivização e a não<br />

personificação <strong>do</strong> sujeito, a segunda à diferenciação para a tentativa <strong>do</strong> sujeito de conseguir<br />

conquistar mais trabalho alheio, uma vez que as necessidades segu<strong>em</strong> uma escalada contínua. A<br />

segunda possibilidade, no entanto, geraria uma vinculação mais forte devi<strong>do</strong> a uma relação de<br />

71


dependência, e denota certa aproximação à realidade <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a capitalista. Segun<strong>do</strong> Smith (1778)<br />

o aprimoramento <strong>do</strong> processo produtivo através da divisão <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, levou a<br />

sociedade até um processo de acumulação de riquezas para aquisição de mais trabalho alheio. Para<br />

o autor, a especialização <strong>do</strong> individuo <strong>em</strong> um único trabalho agrega produtividade.<br />

Este processo consolida algumas formatações individualistas: aumenta a relação de<br />

interdependência, amplia a configuração da competição agora para aquisição de mais trabalho<br />

alheio e, <strong>em</strong> outra faceta, cria a necessidade de maior liberdade individual e menor restrição por<br />

parte de to<strong>do</strong>s às movimentações de bens e riquezas. Para Smith (1778) até mesmo entre países,<br />

pode-se observar uma tendência maior a movimentação, uma vez que tend<strong>em</strong> a depender<br />

sobr<strong>em</strong>aneira uns <strong>do</strong>s outros. A divisão <strong>do</strong> trabalho cria organismos internos que exist<strong>em</strong> com o<br />

intuito de atender necessidades diferentes, de pessoas diferentes, <strong>em</strong> momentos diferentes.<br />

Confirman<strong>do</strong> isso, Durkheim (1999) percebe que as sociedades tend<strong>em</strong> a se ass<strong>em</strong>elhar,<br />

mas não os sujeitos de cada uma. Segun<strong>do</strong> o autor, “a divisão <strong>do</strong> trabalho une ao mesmo t<strong>em</strong>po que<br />

opõe; faz convergir atividades que diferencia; aproxima aqueles que separa” (DURKHEIM, 1999,<br />

p. 275). E para dividir as funções a comunicação deve ser constante. “Para que as unidades sociais<br />

possam diferenciar-se, é necessário antes de mais nada que sejam atraídas ou agrupadas <strong>em</strong> virtude<br />

das s<strong>em</strong>elhanças que apresentam” (DURKHEIM, 1999, p. 278).<br />

Através da solidariedade t<strong>em</strong>-se a diferenciação, um <strong>do</strong>s pontos principais <strong>do</strong><br />

individualismo. Segun<strong>do</strong> Durkheim, (1999), à medida que o trabalho se divide, a flexibilidade e a<br />

liberdade se tornam maiores, pois os indivíduos precisam se adaptar. Além disso, a mobilidade <strong>do</strong><br />

capital exige que os trabalha<strong>do</strong>res estejam prontos para segui-lo e, por conseguinte, segui-lo nos<br />

diferentes tipos de <strong>em</strong>pregos. Quan<strong>do</strong> a divisão <strong>do</strong> trabalho atinge um nível muito alto, o<br />

trabalha<strong>do</strong>r se isola <strong>em</strong> sua tarefa e não se sente mais parte de um to<strong>do</strong>, não t<strong>em</strong> mais a noção de<br />

uma obra comum. A consciência coletiva diminui, à medida que a divisão <strong>do</strong> trabalho evolui, e sua<br />

evolução leva a cada vez mais tendências centrífugas, que pod<strong>em</strong> ser percebidas também como<br />

conseqüências <strong>do</strong> individualismo.<br />

72


Porém, ainda segun<strong>do</strong> o autor, “a sociedade consiste inteiramente na cooperação,(...)<br />

não t<strong>em</strong> outro objetivo senão adaptar o individuo ao seu meio físico” (DURKHEIM, 1999, p. 355).<br />

Portanto, a liberdade de ações individuais resulta das regulações sociais.<br />

É o que percebe também Nietzsche (2007), quan<strong>do</strong> delimita o que se descortina<br />

inexoravelmente no horizonte: quanto mais livre, mais preso <strong>do</strong>s valores que o tornam livre. Quanto<br />

mais individualista, mais suscetível aos valores <strong>do</strong> ambiente que serv<strong>em</strong> de troca, que o torna<br />

satisfeito <strong>em</strong> relação a algo. E à medida que os valores são mais cambiáveis, surge um novo fator:<br />

para ser troca<strong>do</strong>, ou ser mais valora<strong>do</strong> <strong>em</strong> relação a outro, um valor não pode ter uma valoração<br />

extr<strong>em</strong>a, deve ser móvel.<br />

A subjetividade <strong>do</strong> ser humano se transforma <strong>em</strong> uma frivolidade de subjetivações<br />

contínuas, com o individuo <strong>em</strong> constante mutação. Neste arcabouço, as relações de solidariedade<br />

orgânica levam à competição e individualização, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que a solidariedade mecânica<br />

vê-se no meio de um fluxo constante, ora sen<strong>do</strong> fator relevante, ora sen<strong>do</strong> mais um fator não<br />

prioritário momentaneamente. Talvez Lechat (2008) esteja certa, pois aqui não se observa<br />

desigualdade intrínseca, e sim instantânea. Mas <strong>em</strong> uma instantaneidade inerente.<br />

Poderia parecer uma luta entre a referência aos laços de solidariedade da cooperativa, e<br />

a referencia a algo maior, mas o probl<strong>em</strong>a que se descortina sobre a subjetividade cont<strong>em</strong>porânea é<br />

mais complexo.<br />

O que se coloca para as subjetividades hoje não é a defesa de identidades locais<br />

contra identidades globais, n<strong>em</strong> tampouco de identidade geral contra a<br />

pulverização; é a própria referencia identitária que deve ser combatida, não <strong>em</strong><br />

nome da pulverização (o fascínio niilista pelo caos) mas para dar lugar aos<br />

processos de singularização, de criação existencial, movi<strong>do</strong>s pelo vento <strong>do</strong>s<br />

acontecimentos(LINS et al., 1997, p.23).<br />

73


sociedade, mas sim,<br />

Dessa forma, pode ser que não existam efetivamente as referencias individuo e<br />

Toman<strong>do</strong>-se como referencia qualquer sociedade, poder-se-ia dizer que ela vive<br />

permanent<strong>em</strong>ente a contradição entre as particularizações de experiências restritas<br />

a certos segmentos, categorias, grupos e até indivíduos e a universalização de<br />

outras experiências que se expressam culturalmente através de conjuntos de<br />

símbolos homogeneiza<strong>do</strong>res e paradigmas, t<strong>em</strong>as, etc (VELHO, 1999 p. 18).<br />

Portanto, individual e coletivo são referencias individuais construídas na coletividade<br />

que, de acor<strong>do</strong> com Elias (1994), pend<strong>em</strong> <strong>em</strong> momentos específicos para um la<strong>do</strong> da balança e <strong>em</strong><br />

algumas ocasiões para o outro.<br />

O individuo vive <strong>em</strong> constante processo de subjetivação devi<strong>do</strong> às necessidades<br />

percebidas na sociedade <strong>em</strong> que está inseri<strong>do</strong>. A frivolidade das relações põe fim às subjetividades<br />

estruturalistas essenciais, mas através de uma coerência caótica, interpreta a realidade a partir <strong>do</strong>s<br />

diversos pontos de referência individuais, sejam eles coletivistas ou não.<br />

74


5 METODOLOGIA<br />

Esse trabalho acadêmico é <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente indutivo e teve como objetivo, após pesquisa<br />

bibliográfica que lhe deu <strong>em</strong>basamento, analisar duas unidades, correspondentes às Cooperativas A<br />

e B 31 , no município de Salinas, Minas Gerais. Ambas têm um histórico de inicio com mais de 130<br />

coopera<strong>do</strong>s que posteriormente foram reduzi<strong>do</strong>s para 22 e 15 coopera<strong>do</strong>s. Foram escolhidas<br />

exatamente por existir<strong>em</strong> ali, possibilidades de contradição entre individuo e grupo que pudess<strong>em</strong><br />

estar contribuin<strong>do</strong> para a evasão de pessoas.<br />

Como a pesquisa analisou apenas 2 unidades, optou-se pela utilização de meto<strong>do</strong>logia<br />

baseada <strong>em</strong> um estu<strong>do</strong> de caso, pois, como descreve Greenwood (1973) 32 , apud Lopes (2000, p.45),<br />

o estu<strong>do</strong> de caso consiste <strong>em</strong> um exame intensivo de uma unidade de análise. Já Duarte; Furta<strong>do</strong><br />

(2002) perceb<strong>em</strong> como uma fase ou a totalidade <strong>do</strong> processo social de uma unidade. Foi, portanto,<br />

um meio de se organizar os da<strong>do</strong>s, preservan<strong>do</strong> o caráter unitário <strong>do</strong> projeto social estuda<strong>do</strong>. Ainda<br />

<strong>em</strong> conformidade com os objetivos, verificou-se a necessidade da formulação <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> de caso <strong>do</strong><br />

tipo descritivo: conforme delimita Duarte; Furta<strong>do</strong> (2002) as pesquisas descritivas descrev<strong>em</strong> um<br />

fenômeno ou situação mediante um estu<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong> <strong>em</strong> determina<strong>do</strong> contexto espacial ou<br />

t<strong>em</strong>poral.<br />

Pode-se afirmar como coloca<strong>do</strong> por Lopes (2000, p. 45), que o estu<strong>do</strong> de caso <strong>do</strong> tipo<br />

descritivo teria como finalidade descrever um caso <strong>em</strong> toda a sua complexidade s<strong>em</strong> vislumbrar<br />

obter a forma geral, mas apenas pistas, fragmentos ou possibilidades, uma vez que influencia<strong>do</strong><br />

pelo contexto <strong>do</strong> espaço t<strong>em</strong>po circunscrito.<br />

O universo desta pesquisa compreendeu o grupo total de coopera<strong>do</strong>s freqüentes às<br />

cooperativas, num total de 14 na Cooperativa B e 8 na Cooperativa A, que serão as organizações<br />

31 Nomes fictícios, utiliza<strong>do</strong>s para preservar a integridade das entidades.<br />

32 GREENWOOD, E.Meto<strong>do</strong>s principales de investigacion social <strong>em</strong>pirica. Buenos Aires,Pai<strong>do</strong>s, 1973.


estudadas. A amostra obteve um total de 12 coopera<strong>do</strong>s, corresponden<strong>do</strong> a aproximadamente<br />

55% da população.<br />

O estu<strong>do</strong> de caso teve sua base <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente qualitativa devi<strong>do</strong> aos aspectos a ser<strong>em</strong><br />

estuda<strong>do</strong>s, que requer<strong>em</strong> méto<strong>do</strong>s diferencia<strong>do</strong>s para este caso. Como delimita Trujillo (2001), a<br />

pesquisa qualitativa visa investigar se uma qualidade está presente, e não quantificar a presença da<br />

mesma como seria a pesquisa quantitativa. A perspectiva qualitativa foi observada <strong>em</strong> todas as<br />

etapas, desde entrevistas e observação a analise bibliográfica e <strong>do</strong>cumental.<br />

- Pesquisa <strong>do</strong>cumental: como delimita Lakatos; Marconi (2003), é caracterizada pela fonte<br />

de coleta de da<strong>do</strong>s restrita a <strong>do</strong>cumentos, escritos ou não, constituin<strong>do</strong> o que se denomina de<br />

fontes primárias. À partir desta técnica, pôde-se analisar as características das <strong>em</strong>presas, b<strong>em</strong><br />

como particularidades de seu histórico, através de <strong>do</strong>cumentos como atas de reuniões e seu<br />

estatuto, que denotam fundamentos básicos sobre a realidade vivida nesta escala social.<br />

- Entrevista: definida neste trabalho como “um encontro entre duas pessoas, a fim de que<br />

uma delas obtenha informações a respeito de determina<strong>do</strong> assunto, mediante uma conversação<br />

de natureza profissional”(LAKATOS; MARCONI, 2003, p.195). A modalidade de entrevista<br />

utilizada é a não-estruturada, mas focalizada, que se caracteriza por liberdade <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong>r<br />

mediante um roteiro de tópicos relativos ao probl<strong>em</strong>a a ser analisa<strong>do</strong>. Efetivou busca de<br />

el<strong>em</strong>entos que permitiss<strong>em</strong> inferir sobre conexões com o t<strong>em</strong>a aborda<strong>do</strong> a partir das respostas,<br />

e foi aplicada a to<strong>do</strong>s os el<strong>em</strong>entos da amostra. As respostas foram gravadas com auxilio de<br />

equipamento de som e posteriormente transcritas para análise, por meio da digitação feita pelo<br />

pesquisa<strong>do</strong>r.<br />

- Observação: como evidencia Lakatos; Marconi (2003), é um méto<strong>do</strong> que utiliza os<br />

senti<strong>do</strong>s na obtenção de certos aspectos da realidade. Por não ser realizada <strong>em</strong> situações<br />

controladas, e n<strong>em</strong> ter determina<strong>do</strong> de ant<strong>em</strong>ão aspectos relevantes, caracteriza-se por uma<br />

meto<strong>do</strong>logia assist<strong>em</strong>ática. Foi realizada durante as entrevistas, na tentativa de conseguir<br />

76


informações não mencionadas pelos entrevista<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> que estas informações foram<br />

assinaladas no bloco de anotações <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r.<br />

Finaliza<strong>do</strong> o processo de levantamento <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, os mesmos foram seleciona<strong>do</strong>s,<br />

codifica<strong>do</strong>s e transcritos, para que foss<strong>em</strong> então realizadas ilações sobre seu conteú<strong>do</strong>: “(...)<br />

produzir inferências <strong>em</strong> análise de conteú<strong>do</strong> t<strong>em</strong> um significa<strong>do</strong> bastante explícito e pressupõe a<br />

comparação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, obti<strong>do</strong>s mediante discursos e símbolos, com os pressupostos teóricos de<br />

diferentes concepções de mun<strong>do</strong>, de indivíduo e sociedade” (FRANCO, 2008, p. 31). Para tanto, os<br />

da<strong>do</strong>s foram:<br />

- Analisa<strong>do</strong>s na tentativa de evidenciar as relações existentes entre o fenômeno estuda<strong>do</strong> e<br />

outros fatores como define Lakatos; Marconi (2003);<br />

- Interpreta<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> esta a fase onde se procura dar um significa<strong>do</strong> mais amplo às<br />

respostas, vinculan<strong>do</strong>-as a outros conhecimentos.<br />

- Tabula<strong>do</strong>s, objetivan<strong>do</strong> assim obter uma maior organização e clareza na transmissão da<br />

informação.<br />

Assim, como delimitam Henry; Moscovici (1968) 33 apud Franco (2008), trata-se de<br />

procedimento fecha<strong>do</strong>, uma vez que estes textos serão observa<strong>do</strong>s mediante referencial de<br />

determina<strong>do</strong> quadro teórico pré-estabeleci<strong>do</strong> e não modifica<strong>do</strong>, para o qual as teorias estudadas são<br />

primordiais. É importante ainda ressaltar que durante a analise e interpretação <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, na etapa<br />

das entrevistas, as informações recebidas foram agrupadas <strong>em</strong> índices 34 primários e posteriormente<br />

<strong>em</strong> grupos maiores, onde pod<strong>em</strong> estar reuni<strong>do</strong>s a outros. Os conjuntos de índices primários foram<br />

trata<strong>do</strong>s com a nomenclatura de índices secundários, para facilitar a compreensão e denotar sua<br />

profunda conexão com os primeiros.<br />

Uma vez que “para grande parte das investigações, qualquer que seja o t<strong>em</strong>a explicita<strong>do</strong>, o<br />

mesmo passa a ter mais importância para a análise de da<strong>do</strong>s quanto mais freqüent<strong>em</strong>ente for<br />

33 HENRY, P.; MOSCOVICI, S. Probl<strong>em</strong>es de l’analyse de contenu. Langage, n II, Set. 1969.<br />

34 Os índices são compreendi<strong>do</strong>s <strong>em</strong> conformidade com a análise de Franco (2008): trata-se de menção, explícita ou<br />

subjacente de certo t<strong>em</strong>a <strong>em</strong> uma mensag<strong>em</strong>.<br />

77


menciona<strong>do</strong>.” (FRANCO, 2008, p. 58), para findar o artifício meto<strong>do</strong>lógico utiliza<strong>do</strong>, os índices<br />

secundários foram quantifica<strong>do</strong>s para verificar sua freqüência <strong>em</strong> relação a outros t<strong>em</strong>as igualmente<br />

presentes.<br />

78


6 RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Antes de um trabalho mais rebusca<strong>do</strong> a respeito <strong>do</strong>s grupos de análises apreendi<strong>do</strong>s pelos<br />

resulta<strong>do</strong>s das inferências feitas a partir das respostas <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s, é importante ressaltar<br />

alguns da<strong>do</strong>s que inform<strong>em</strong> a realidade sob a qual as cooperativas se encontram inseridas.<br />

Segun<strong>do</strong> <strong>arquivo</strong>s da Biblioteca <strong>do</strong> Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,<br />

2007a) 35 , a descoberta de jazidas de sal na região contribuiu sobr<strong>em</strong>aneira para seu povoamento,<br />

uma vez que este produto era escasso e por isso tinha um alto valor. O nome inicial da cidade era<br />

Santo Antonio de Salinas, muito <strong>em</strong> função da <strong>do</strong>ação de terras para a construção de uma primeira<br />

capela, batizada sob a proteção daquele santo. O povoamento teve inicio então, quan<strong>do</strong> os<br />

explora<strong>do</strong>res das jazidas se assentaram nos arre<strong>do</strong>res da igreja.<br />

Ainda segun<strong>do</strong> o IBGE (2007a), a região onde se deu esse primeiro povoamento era<br />

pertencente a uma área onde se encontra o município de Rio Par<strong>do</strong> de Minas, de onde surgiu o<br />

distrito de Santo Antonio de Salinas se <strong>em</strong> 1855. O distrito foi <strong>em</strong>ancipa<strong>do</strong> e <strong>em</strong> 04 de outubro de<br />

1887, recebeu a titulação de cidade já com o nome de Salinas.<br />

De acor<strong>do</strong> com o último censo <strong>do</strong> Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,<br />

2007b), o município de Salinas se encontra na região norte <strong>do</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais, que, <strong>do</strong><br />

ponto de vista geopolítico, ocupa uma área de 120.701 Km², correspondente a 20,7% <strong>do</strong> território<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Engloba 92 municípios, com 1.416.334 habitantes. Pre<strong>do</strong>minam os municípios de<br />

pequeno porte (80 municípios), que possu<strong>em</strong> infra-estrutura urbana deficiente e níveis mais baixos<br />

de qualidade de vida, com economias locais baseadas nas atividades agropecuárias e extrativistas.<br />

As características geofísicas da região, com seus ecossist<strong>em</strong>as de cerra<strong>do</strong> e caatinga, seu clima<br />

s<strong>em</strong>i-ári<strong>do</strong> e as precárias condições de vida da maior parte da sua população, muito se ass<strong>em</strong>elham<br />

às características pre<strong>do</strong>minantes no Nordeste brasileiro.<br />

35 http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/minasgerais/salinas.pdf


FIGURA 01- Localização <strong>do</strong> município de Salinas no Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais.<br />

Fonte: IBGE, 2007.<br />

Ainda de acor<strong>do</strong> com o IBGE (2007b), o município de Salinas, ao qual estão subscritas as<br />

duas cooperativas pesquisadas, t<strong>em</strong> área total de 1.897 Km², população igual a 37.370 habitantes e<br />

possui um PIB total de R$ 168.202.370,00 totalizan<strong>do</strong> um valor per capta de R$ 4501,00. Seu PIB<br />

t<strong>em</strong> um valor agrega<strong>do</strong> de 7,2% pela agricultura, 14,81% pela indústria e 77,98% pelos serviços, ao<br />

passo que o Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais agrega respectivamente 9,31%, 32,47% e 58,23%, nos mesmos<br />

setores. Isso denota uma fraca afinidade <strong>do</strong> município com o segmento da indústria e assim uma<br />

pequena capacidade de transformação de riquezas por esta via.<br />

A geração de oportunidades por esse setor pode ser influencia<strong>do</strong>r de outras análises, uma<br />

vez que pelos da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> IBGE (2007b), é possível verificar que a população <strong>do</strong> município reduziu<br />

entre os anos de 1991 e 2007 de 50.849 para 37.370 habitantes, o que totaliza um número negativo<br />

de 13.479 pessoas, ou aproximadamente 26% <strong>do</strong> total. Em que pese que o município perdeu um de<br />

seus distritos, denomina<strong>do</strong> Santa Cruz de Salinas, com um total de 5.192, sua redução real é de<br />

8.287 habitantes ou 16,3%.<br />

80


Outro fator relevante para a analise da quantidade de oportunidades, é o vultuoso número de<br />

pessoas com a idade de 20 a 24 anos que não permanec<strong>em</strong> da cidade. Entre 15 a 19 anos, a idade<br />

média <strong>em</strong> que se formam as pessoas <strong>do</strong> ensino fundamental, exist<strong>em</strong> 2223 indivíduos, enquanto são<br />

1668 de 20 a 24 anos, uma perca de 24,97%. No esta<strong>do</strong> de Minas Gerais, a relação destes números é<br />

de 922.650 para as pessoas de 15 a 19 anos e 836.593 para a população de 20 a 24. Caracteriza uma<br />

redução de 9,32%.<br />

D<strong>em</strong>onstra-se assim um lócus onde movimentos de inserção das pessoas,<br />

principalmente jovens, pode acontecer. E essa possibilidade t<strong>em</strong> chances de ocorrer com a formação<br />

de cooperativas. Como define Durkheim (1999), “a sociedade consiste inteiramente na<br />

cooperação,(...) não t<strong>em</strong> outro objetivo senão adaptar o individuo ao seu meio físico”<br />

(DURKHEIM, 1999, p. 355). E especificamente, <strong>em</strong> se tratan<strong>do</strong> deste movimento no país, Heiden,<br />

(2008) acredita na cooperativa “como um sist<strong>em</strong>a organizacional que v<strong>em</strong> atuan<strong>do</strong> desde 1969 com<br />

sucesso no Brasil no segmento de prestação de serviços, constituin<strong>do</strong>-se num novo merca<strong>do</strong> que<br />

está geran<strong>do</strong> muitos postos de trabalho” (HEIDEN, 2008, p.51).<br />

6.1. Formação e características das Cooperativas<br />

A Cooperativa A, como define o Anuário <strong>do</strong> Cooperativismo Mineiro (2009), foi fundada<br />

<strong>em</strong> 02 de outubro de 2003, e está localizada no segmento mineral. Trata-se de uma cooperativa<br />

especializada na compra, lapidação e acabamento, além de venda de pedras preciosas.<br />

Esta entidade teve início após palestra que tinha como objetivo fomentar a criação de<br />

cooperativas, para inserção de jovens no merca<strong>do</strong> de trabalho. Foi realizada para tanto, <strong>em</strong> uma<br />

escola estadual <strong>do</strong> município de Salinas, cidade situada no norte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> de Minas Gerais. Como<br />

confirmam alguns coopera<strong>do</strong>s:<br />

81


(...)a importância da cooperativa desde quan<strong>do</strong> nós começamos com aquele ideal,<br />

de formar a cooperativa,era de, levar uma estabilidade para muitos <strong>do</strong>s jovens que<br />

estavam des<strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s, né, a procura de um merca<strong>do</strong> e aí pintou essa idéia de<br />

criar uma cooperativa, e como a região é rica <strong>em</strong> minérios né, e isso aconteceu<br />

devida a uma palestra no colégio idalino ribeiro e aí pintou essa idéia, né, vamos<br />

formar uma cooperativa, e tu<strong>do</strong>(informação verbal) 36 .<br />

Os coopera<strong>do</strong>s que se reuniram, <strong>em</strong> grande parte ex-alunos daquela ou de outras instituições<br />

de ensino médio e fundamental, conseguiram aporte financeiro e de maquinário por meio de órgãos<br />

de fomento a este tipo de atividade, que <strong>em</strong> alguma medida, ampararam seu início 37 . Entretanto,<br />

encontraram dificuldades financeiras e administrativas, na operacionalização e utilização das<br />

máquinas com a propriedade que o merca<strong>do</strong> onde se encontravam exigia, e tiveram muitas baixas<br />

nos seus quadros de coopera<strong>do</strong>s, que esperavam também receber algum retorno financeiro:<br />

t<strong>em</strong> sim pessoas que estavam participan<strong>do</strong> e de repente até estão participan<strong>do</strong> e<br />

imaginavam a cooperativa como outra forma de obter rendimento e de repente<br />

frustraram, de repente se afastaram da entidade porque não era aquilo o que a<br />

pessoa imaginava(informação verbal) 38 .<br />

Então hoje.. a importância dela é... veio somar, somar conhecimentos, somar<br />

expectativas também de uma coisa melhor. Mas no momento é expectativa<br />

(informação verbal) 39 .<br />

Dos iniciais 132 coopera<strong>do</strong>s, hoje a cooperativa conta com 15. Algo s<strong>em</strong>elhante ocorreu<br />

com a segunda entidade analisada que apesar de iniciar suas atividades com 127 coopera<strong>do</strong>s,<br />

atualmente t<strong>em</strong> 22 pessoas participantes.<br />

A Cooperativa B foi formada por costureiras e bordadeiras <strong>em</strong> 2003 e produz peças de<br />

vestuário masculino e f<strong>em</strong>inino, e também acessórios para roupas. Seu inicio aconteceu com ajuda<br />

de uma pessoa que foi media<strong>do</strong>ra, e que convi<strong>do</strong>u as costureiras da cidade para participar<strong>em</strong> de um<br />

projeto inicial.<br />

36 Da<strong>do</strong>s das entrevistas, 2009.<br />

37 Documentos não disponibiliza<strong>do</strong>s pelas entidades para divulgação neste trabalho, por haver<strong>em</strong> informações sigilosas<br />

e nomes de pessoas que ficariam expostos.<br />

38 Da<strong>do</strong>s das entrevistas, 2009.<br />

39 Da<strong>do</strong>s das entrevistas, 2009.<br />

82


É a Patricia, né?... Ela corre atrás... A Patrícia é funda<strong>do</strong>ra de cooperativa; de todas,<br />

todas, ela trabalha no banco, através <strong>do</strong> banco que eu conheço ela. Ela que corre<br />

atrás pra nós (informação verbal) 40 .<br />

A cooperativa foi formada <strong>em</strong> grande medida por costureiras, mas teve também o aporte de<br />

pessoas que não estavam atuan<strong>do</strong> na região com este ofício. Durante certo t<strong>em</strong>po, conseguiu ajuda e<br />

apoio de órgãos como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, desta forma<br />

marcan<strong>do</strong> presença <strong>em</strong> locais como o “7° Circuito Craft de Design” 41 caracteriza<strong>do</strong> por Keiko<br />

(2005), e que aconteceu na cidade de São Paulo.<br />

A instituição recebeu contribuição de maquinário e capital posteriores via <strong>do</strong>ações, mas teve<br />

no seu inicio um <strong>em</strong>préstimo bancário, que a cooperativa deve até os dias atuais, apesar da sua<br />

redução até a quase liquidação da dívida. Teve muitas baixas nos seus quadros e inicialmente não<br />

conseguia r<strong>em</strong>unerar <strong>em</strong> nada seu corpo de coopera<strong>do</strong>s. Teve probl<strong>em</strong>as com a primeira diretoria,<br />

que cometeu erros administrativos e financeiros, contribuin<strong>do</strong> ainda mais para o aprofundamento da<br />

dívida da cooperativa. A entidade teve dificuldades e perdeu uma parcela <strong>do</strong>s colabora<strong>do</strong>res<br />

iniciais.<br />

ela já teve acabada, então as cooperadas... nós lutamos, ficamos, sofr<strong>em</strong>os,<br />

passamos vergonha, vin<strong>do</strong> cobrança... ainda tamo pagan<strong>do</strong>. A primeira diretoria<br />

saiu... ficou deven<strong>do</strong> Salinas <strong>em</strong> peso... nos ficamos sofren<strong>do</strong>, trabalhan<strong>do</strong> s<strong>em</strong><br />

receber um centavo, pra pagar conta que nos não fiz<strong>em</strong>os, então agente trabalhou,<br />

sofri<strong>do</strong> e ta pagan<strong>do</strong> ainda... a cooperativa continua com o nome sujo. A<br />

cooperativa. Porque agente ainda deve seis mil reais, então agente trabalha pra...<br />

pagar esta dívida tal... pra cooperativa(informação verbal) 42 .<br />

Por meio das constatações obtidas pelas análises <strong>do</strong>cumentais 43 , observação e entrevistas,<br />

percebe-se algo comum às cooperativas: ambas buscavam alternativas de inserção de pessoas <strong>em</strong><br />

um projeto idealiza<strong>do</strong> com cunho cooperativista; também tiveram um quadro inicial de mais de 100<br />

40 Da<strong>do</strong>s das entrevistas, 2009.<br />

41 http://www2.uol.com.br/modabrasil/sp_link/artesanato_pauta/index.htm<br />

42 Da<strong>do</strong>s das entrevistas, 2009.<br />

43 Documentos não disponibiliza<strong>do</strong>s pelas entidades para divulgação neste trabalho, por haver<strong>em</strong> informações sigilosas<br />

e nomes de pessoas que ficariam expostos.<br />

83


coopera<strong>do</strong>s, como denotam os registros das atas de reuniões iniciais e <strong>do</strong>cumentos de registros de<br />

freqüência 44 ; hoje contam com um quadro de menos de 25 coopera<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> que destes, n<strong>em</strong> to<strong>do</strong>s<br />

são freqüentes; as organizações tiveram probl<strong>em</strong>as de gerenciamento de recursos e uma delas na<br />

operacionalização de maquinários; as duas instituições mudaram de diretorias.<br />

Logicamente, esta pequena noção a respeito das entidades pesquisadas, não é suficiente para<br />

realizar os objetivos propostos pela pesquisa, mas, a partir destes, pode-se dar início a analise das<br />

informações principais da investigação, que tratam das respostas <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.<br />

6.2. Analises das Entrevistas<br />

A busca deste material se reflete <strong>em</strong> grande medida nas perguntas feitas aos coopera<strong>do</strong>s, que<br />

dão marg<strong>em</strong> às considerações realizadas. O primeiro grupo de perguntas 45 (de número 1 a 5) visa a<br />

verificação da relevância da cooperativa diante <strong>do</strong> coopera<strong>do</strong>, b<strong>em</strong> como a participação <strong>do</strong>s mesmos<br />

e sua possível “noção” de b<strong>em</strong> comum. Para tanto a questão inicial foi relativa à percepção da<br />

importância da cooperativa diretamente sobre a vida <strong>do</strong> coopera<strong>do</strong>, ao que se obteve um quadro de<br />

respostas, que, depois de analisadas, deram orig<strong>em</strong> à tabela 01:<br />

44<br />

Documentos não disponibiliza<strong>do</strong>s pelas entidades para consulta neste trabalho, por haver<strong>em</strong> informações sigilosas e<br />

nomes de pessoas que ficariam expostos.<br />

45<br />

Talvez o termo pergunta neste trabalho, fique <strong>em</strong> alguma medida incoerente. Uma vez que trata-se de entrevista s<strong>em</strong>i<br />

estruturada, pode-se observá-la também como forma de orientação ou direcionamento para algum assunto, (desde<br />

que não seja influencia<strong>do</strong>r das percepções <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s sobre a resposta ou t<strong>em</strong>a <strong>em</strong> análise).<br />

84


RELEVÂNCIA DA COOPERATIVA<br />

Importância definida<br />

TABELA 01<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Atrelamento a aspectos financeiros<br />

Possibilidade de ter rendimentos financeiros na cooperativa;<br />

Se sustentar na região mesmo, s<strong>em</strong> precisar sair;<br />

Expectativas de maior ganho;<br />

Poderia ser melhor financeiramente;<br />

Descrença <strong>em</strong> lucros excessivos.<br />

Valorização e resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> coletivo<br />

Crescimento conjunto;<br />

Realizar os outros;<br />

Gosto por conviver <strong>em</strong> grupo;<br />

Divisão <strong>do</strong> trabalho;<br />

Aprendiza<strong>do</strong><br />

Aprendiza<strong>do</strong> sobre novos tipos de comportamento;<br />

Aprendiza<strong>do</strong> profissional;<br />

Aprendiza<strong>do</strong> relaciona<strong>do</strong> a erros e crescimento;<br />

Apego ao local<br />

Trazer melhorias para a cidade e região;<br />

Possibilidade de não sair da região;<br />

Desenvolvimento da comunidade.<br />

Associação à familiaridade<br />

Levo como se fosse uma família;<br />

Parte <strong>do</strong> princípio de entidade familiar;<br />

Ter uma ajuda melhor: familiar.<br />

Auto- Realização<br />

Realização de um sonho;<br />

Preenche muito, eu acho que realização;<br />

Conquista que é nossa.<br />

Interesse pelo tipo de trabalho específico<br />

Gosto de fazer o que eu faço;<br />

Meu objetivo é costurar;<br />

Sou apaixonada pelas pedras.<br />

Ausência de regras institucionais<br />

Liberdade no trabalho<br />

Forma de ocupar o t<strong>em</strong>po<br />

Se sentin<strong>do</strong> enjoada, agoniada, a cooperativa foi uma ajuda.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

Através <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s da tabela, se percebe que os <strong>do</strong>is principais campos de resposta <strong>em</strong><br />

freqüência são as vinculações obtidas por aspectos financeiros com 08 indicações nas respostas e<br />

também a valorização e resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s junto à coletividade com o mesmo valor absoluto. Em<br />

seguida estão respostas relacionadas ao aprendiza<strong>do</strong>, com 05 entradas, e associações a<br />

Nº<br />

08<br />

08<br />

05<br />

03<br />

03<br />

03<br />

03<br />

01<br />

01<br />

85


familiaridade, auto-realização e apego ao local, com 03. Completa a lista 01 ligação das respostas<br />

com alguma forma de ocupar o t<strong>em</strong>po ou a ausência de regras institucionais.<br />

Neste escopo, se tornam perceptíveis respostas tanto próximas a noções coletivas quanto<br />

individuais, mas sobr<strong>em</strong>aneira, ao resulta<strong>do</strong> financeiro individual que poderia ser obti<strong>do</strong> junto às<br />

entidades e à realização de crescimento comum. São possibilidades <strong>em</strong> alguma medida, para<strong>do</strong>xais,<br />

mas que denotam alguns indícios sobre o que são as cooperativas: como define Singer (2008a)<br />

alternativas inseridas, <strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a capitalista, uma vez que este molda e sobrepõe as dimensões<br />

legais e institucionais, mas ao mesmo t<strong>em</strong>po, baseada <strong>em</strong> valores solidários. Uma categoria que<br />

representa determina<strong>do</strong> interstício entre o capitalismo e a economia solidaria é o aprendiza<strong>do</strong>,<br />

percebi<strong>do</strong> como uma forma de crescimento profissional, portanto volta<strong>do</strong> para um profissionalismo<br />

idealiza<strong>do</strong> também pelo sist<strong>em</strong>a capitalista, mas que associa<strong>do</strong> a erros e acertos como a um novo<br />

tipo de comportamento, promove uma melhor valorização <strong>do</strong> coletivo por meio <strong>do</strong> desenvolvimento<br />

individualiza<strong>do</strong>.<br />

Exist<strong>em</strong> também com base nas informações da tabela, valores conexos à solidariedade,<br />

como o apego ao local e a noção de familiaridade, e conexos a um individualismo que isolaria ou<br />

tornaria o indivíduo independente <strong>do</strong>s grupos 46 como as características de auto-realização, interesse<br />

pelo tipo de trabalho específico, ausência de regras institucionais, forma de ocupar o t<strong>em</strong>po. Estas<br />

categorias contraditórias d<strong>em</strong>onstram vínculos com o grupo por determina<strong>do</strong>s meios e desconexões<br />

por outros. Traz vestígios de um teci<strong>do</strong> que desamarra o indivíduo de liames capitalistas e liga a<br />

outros, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre coletivistas, mas de uma forma específica desse lócus, <strong>do</strong> espaço-t<strong>em</strong>po que é a<br />

cooperativa. O inicio desta análise deixa algumas dúvidas sobre como estas ligaduras são<br />

efetivadas, como é a relação entre cooperativa e coopera<strong>do</strong>, ou mesmo como ambos se conectam.<br />

Para dar continuidade a esta análise, seria conveniente verificar as outras respostas<br />

relacionadas às questões seguintes, de 02 a 05, que visam aprofundar ainda mais a investigação<br />

46 Conceitos trata<strong>do</strong>s por Durkheim (1999) e Tocqueville (2000) respectivamente.<br />

86


sobre o grau de priorização da cooperativa e a participação, além de noção de b<strong>em</strong> comum, na vida<br />

<strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s. A questão 02, que deu orig<strong>em</strong> à tabela 02, argüiu ao entrevista<strong>do</strong> sobre a forma da<br />

relação entre cooperativa e coopera<strong>do</strong>.<br />

TABELA 02<br />

RELAÇÃO ENTRE COOPERATIVA E COOPERADO<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Relação definida<br />

Desenvolvimento Coletivo<br />

Objetivos comuns acima <strong>do</strong>s probl<strong>em</strong>as;<br />

Progresso coletivo;<br />

Nós só t<strong>em</strong>os nosso trabalho;<br />

Sintonia no trabalho;<br />

Participação coletiva no processo decisório.<br />

Relações de Afetividade<br />

Fico sentida pelas pessoas pensar<strong>em</strong> muito <strong>em</strong> si;<br />

Cada um se preocupa com o outro;<br />

O bom relacionamento é recíproco;<br />

Agente criou tipo uma família.<br />

Diversidade de perspectivas atual<br />

Alguns se importam mais <strong>do</strong> que outros;<br />

Grupos de pensamentos diferentes;<br />

Não t<strong>em</strong> uma união forte, cada um pensa mais <strong>em</strong> si;<br />

Respeito pela diversidade;<br />

Hierarquia entre direção da cooperativa e coopera<strong>do</strong>.<br />

Liberdade no trabalho<br />

Não é uma <strong>em</strong>presa particular, t<strong>em</strong> mais liberdade;<br />

O ritmo de trabalho depende <strong>do</strong> coopera<strong>do</strong>;<br />

A diretoria não pega no pé.<br />

Diversidade de perspectivas inicial<br />

Os que não concordavam com a cooperativa evadiram;<br />

Ninguém enxergava o outro.<br />

Persistência<br />

Os coopera<strong>do</strong>s atuais são persistentes;<br />

É difícil, mas agente faz o possível para unir.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

De acor<strong>do</strong> com a tabela anterior, as definições principais d<strong>em</strong>onstradas pelas respostas <strong>do</strong>s<br />

coopera<strong>do</strong>s e pautadas às relações entre cooperativa e indivíduos se abre inicialmente com o<br />

desenvolvimento coletivo, que está conti<strong>do</strong> 07 vezes nas afirmativas, segui<strong>do</strong> de relações de<br />

afetividade e diversidade de perspectivas atual, com 06. No continuum de análise se perceb<strong>em</strong> ainda<br />

liberdade no trabalho, diversidade de perspectivas inicial e persistência, com 04, 03 e 02 entradas.<br />

Nº<br />

07<br />

06<br />

06<br />

04<br />

03<br />

02<br />

87


Deste mo<strong>do</strong>, os indivíduos se conectam à cooperativa por um ideal de crescimento coletivo,<br />

delimita<strong>do</strong> por objetivos e sintonia comuns, e estes laços são defini<strong>do</strong>s por objetivos que <strong>em</strong> alguma<br />

medida, estão acima <strong>do</strong>s probl<strong>em</strong>as. Outra dimensão da ligação entre coopera<strong>do</strong>s e cooperativa é a<br />

afetiva, que leva <strong>em</strong> consideração valores relata<strong>do</strong>s por alguns m<strong>em</strong>bros pelo grupo, que se<br />

preocupam uns com os outros ou com comportamentos mais volta<strong>do</strong>s para si mesmos. Denotam<br />

uma valoração positiva para os comportamentos coletivistas e contraditórios à afirmativa que trata<br />

que o que está <strong>em</strong> vigor atualmente é “uma desconexão <strong>do</strong> poder face a obrigações (...), <strong>em</strong> suma,<br />

liberdade face ao dever de contribuir para a vida cotidiana, e a perpetuação da comunidade”<br />

(BAUMAN, 1999, p.16).<br />

Entretanto, a próxima categoria encontrada d<strong>em</strong>onstra que exist<strong>em</strong> também valorações<br />

contrárias, uma vez que a diversidade de perspectivas expõe valores individualistas, que tratam de<br />

existência de diferenciação, que é um <strong>do</strong>s traços <strong>do</strong> individualismo horizontal aborda<strong>do</strong> por<br />

Triandis (1995) e Gouveia (2007) ou <strong>do</strong> prestígio, defini<strong>do</strong> <strong>em</strong> Velho (1999). A diversidade de<br />

perspectivas atinge também da hierarquia no trabalho, traços <strong>do</strong> individualismo vertical ou da<br />

ascensão, discuti<strong>do</strong> nos mesmos autores. A característica citada ainda permite conexões com outras,<br />

como a diversidade inicial e a liberdade no trabalho.<br />

Exist<strong>em</strong> vestígios da existência de duas abordagens principais e distintas dentro das<br />

entidades: uma coletivista, conecta<strong>do</strong> ao desenvolvimento grupal e afetivamente interligada e outra,<br />

mais individualista, diversa e hierarquizada. Estas duas abordagens se conectariam por meio da<br />

persistência que se desenvolveu através <strong>do</strong>s estímulos relativos à diversidade inicial, quan<strong>do</strong> muitos<br />

colabora<strong>do</strong>res deixaram as cooperativas por não conseguir<strong>em</strong> adaptar aos objetivos solidários. A<br />

maioria <strong>do</strong>s indivíduos que restaram estariam então mais próximos de um coletivismo <strong>do</strong> que <strong>do</strong><br />

individualismo. Mas esta suposição, só seria confirmada diante da pre<strong>do</strong>minância de algum <strong>do</strong>s<br />

valores, sen<strong>do</strong> portanto, relevante compreender com mais objetividade qual o principal tipo de<br />

interesse <strong>do</strong>s indivíduos, individual ou coletivo.<br />

88


a tabela 03:<br />

A questão seguinte, referente o pre<strong>do</strong>mínio de interesses coletivos e individuais, determinou<br />

TABELA 03<br />

PREPONDERÂNCIA INDIVIDUAL E COLETIVA<br />

Preponderância Individual e Coletiva<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Possível meio de subsistência<br />

A cooperativa não é outra forma de obter rendimentos;<br />

A cooperativa ainda não r<strong>em</strong>unera muito, mas r<strong>em</strong>unera;<br />

Emprego é importante;<br />

Eu e a cooperativa quer<strong>em</strong>os ganhar o nosso...;<br />

Nós terceirizamos e passamos um pouco para a cooperativa;<br />

Preponderância individual e coletiva<br />

Interesses pessoais e da cooperativa estão juntos;<br />

Eu e a cooperativa quer<strong>em</strong>os ganhar juntos;<br />

Interesses individuais e da cooperativa têm o mesmo peso;<br />

Quero ajudar os <strong>do</strong>is;<br />

Preponderância individual<br />

A cooperativa não dá rendimentos para uma prioridade maior;<br />

Terceirizan<strong>do</strong> ficou bom pra mim;<br />

Diversidade de perspectivas atual<br />

Pessoas que estavam ou estão pensan<strong>do</strong> na cooperativa como<br />

outra forma de obter rendimento;<br />

T<strong>em</strong>os outra área, outro direcionamento;<br />

Penso mais <strong>em</strong> mim, mas as outras pensam diferente.<br />

Preponderância coletiva<br />

É o interesse coletivo.<br />

Aprendiza<strong>do</strong><br />

Agente aprende, está por dentro de muita coisa.<br />

Auto realização<br />

Agente quer ser reconheci<strong>do</strong> <strong>em</strong> qualquer lugar.<br />

Noção de familiaridade<br />

Os interesses pessoais agente leva muito pelo la<strong>do</strong> da família.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

Percebe-se na tabela 03 que existe um número absoluto maior relativo aos valores<br />

individuais com 04 respostas sobre os coletivos com 01 resposta. Entretanto, os <strong>do</strong>is principais<br />

eixos estão nas respostas relativas ao possível meio de subsistência com 08 e a seguinte, com 07<br />

respostas, correspondente à preponderância individual e coletiva ao mesmo t<strong>em</strong>po. Foram citadas<br />

ainda as categorias: diversidade de perspectivas atual, o aprendiza<strong>do</strong>, a auto-realização e as noções<br />

de familiaridade com especificamente, a primeira com 04 respostas e as seguintes com 01.<br />

Nº<br />

08<br />

07<br />

04<br />

03<br />

01<br />

01<br />

01<br />

01<br />

89


Estas parec<strong>em</strong> denotar uma relação para<strong>do</strong>xal entre preponderância individual e coletiva<br />

<strong>em</strong> um mesmo t<strong>em</strong>po. Não existe <strong>do</strong>minação de uma sobre a outra, individual ou coletiva, mas sim<br />

uma relação de necessidade e dependência, já que os coopera<strong>do</strong>s tratam a cooperativa como um<br />

meio de subsistência. Com foco então <strong>em</strong> um possível meio de subsistência, de conexão com o<br />

sist<strong>em</strong>a capitalista onde estão inseri<strong>do</strong>s, são capazes de ponderar entre interesses pessoais e<br />

coletivos, o que é perceptível claramente <strong>em</strong> meio à diversidade de posicionamentos. Os sujeitos<br />

perceb<strong>em</strong> as duas possibilidades, que subsist<strong>em</strong> no local. Corroboran<strong>do</strong> Elias (1994) e Velho(1999),<br />

pend<strong>em</strong> <strong>em</strong> momentos específicos para um la<strong>do</strong> da balança e <strong>em</strong> algumas ocasiões para o outro.<br />

Mas este meio condicional poderia ser contraditório ao andamento <strong>do</strong> coletivo. Justifica-se<br />

uma análise mais detalhada da compatibilidade <strong>do</strong>s comportamentos com os objetivos da<br />

cooperativa.<br />

Para tanto, perguntou-se aos coopera<strong>do</strong>s se já haviam percebi<strong>do</strong> comportamentos que seriam<br />

incompatíveis com os valores da cooperativa, além de sua pre<strong>do</strong>minância.<br />

90


TABELA 04<br />

COMPORTAMENTOS COMPATÍVEIS OU NÃO COM VALORES DA COOPERATIVA<br />

Preponderância de Comportamentos<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Diversidade de perspectivas atual<br />

Agente nota a diferença de valores entre os coopera<strong>do</strong>s;<br />

Eu olho mais o coletivo, mas elas olham mais a parte pessoal;<br />

T<strong>em</strong> os que vêm to<strong>do</strong>s os dias e os que só v<strong>em</strong> quan<strong>do</strong> quer;<br />

Cada um que está aqui t<strong>em</strong> uma opinião e um objetivo diferente;<br />

Preponderância coletiva<br />

Quan<strong>do</strong> as pessoas compreend<strong>em</strong> passam a pensar coletivamente;<br />

Hoje a maioria pensa mais na cooperativa;<br />

T<strong>em</strong>os que trabalhar juntos, ser parceiros;<br />

Preponderância individual<br />

Levam pelo la<strong>do</strong> pessoal, interesse próprio;<br />

Quer<strong>em</strong> as coisas pra ont<strong>em</strong>;<br />

Devi<strong>do</strong> às dificuldades da cooperativa, o particular primeiro;<br />

Primeiro eles, depois a cooperativa;<br />

Relações com aspectos financeiros<br />

Lapidei, estou precisan<strong>do</strong> de dinheiro;<br />

O grupo perde espaço, quan<strong>do</strong> o la<strong>do</strong> financeiro não é satisfatório;<br />

Volta mais ao dinheiro, depois a cooperativa;<br />

Talvez lá fora ganha mais;<br />

Desenvolvimento coletivo<br />

Pensam no b<strong>em</strong> da cooperativa, <strong>em</strong> vê-la crescen<strong>do</strong>;<br />

Eu entrei para realizar as outras cooperadas.<br />

Aprendiza<strong>do</strong><br />

Hoje eu estou aprenden<strong>do</strong><br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

A diversidade de perspectivas atual é o agrupamento com a maior freqüência na tabela 04,<br />

com 07 afirmativas. Em certa medida, coerente com o fato de o segun<strong>do</strong> e o terceiro agrupamentos,<br />

que d<strong>em</strong>onstram ponderações de pre<strong>do</strong>minância coletiva com 06 e individual com 05 respostas,<br />

uma vez que são perspectivas diferentes. Exist<strong>em</strong> também afirmativas relacionadas a aspectos<br />

financeiros com 04 entradas e, posteriormente desenvolvimento coletivo e aprendiza<strong>do</strong> com os<br />

valores de 03 e 01 respostas <strong>em</strong> seu total.<br />

Estas informações expressam novamente o fato de que não existe uma <strong>do</strong>minância principal<br />

coletiva ou individual, mas sim que os <strong>do</strong>is valores estão presentes e que são permea<strong>do</strong>s por uma<br />

alteridade significante, onde os próprios indivíduos se defin<strong>em</strong> <strong>em</strong> contato com uma diversidade<br />

Nº<br />

07<br />

06<br />

05<br />

04<br />

03<br />

01<br />

91


efetiva, pungente. Exist<strong>em</strong> também, ligações <strong>do</strong>s grupos aspectos financeiros com a preponderância<br />

individual: as respostas d<strong>em</strong>onstram certo d<strong>em</strong>érito <strong>do</strong> grupo, uma ascendência <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po espaço de<br />

escolha utilitarista e individual quan<strong>do</strong> se trata de dinheiro. Colabora com a preponderância<br />

coletiva o desenvolvimento coletivo, que parece d<strong>em</strong>onstrar algum sacrifício de indivíduos com<br />

relação à coletividade, questão próxima <strong>do</strong> b<strong>em</strong> comum apreendi<strong>do</strong> <strong>em</strong> Tocqueville (2000). Para<br />

finalizar a série de questionamentos que buscavam analisar a relevância da cooperativa diante <strong>do</strong><br />

coopera<strong>do</strong>, b<strong>em</strong> como sua participação e noção de b<strong>em</strong> comum, os mesmos foram indaga<strong>do</strong>s sobre<br />

sua percepção enquanto parte da cooperativa, geran<strong>do</strong> assim a tabela 05.<br />

TABELA 05<br />

NOÇÃO DE PARTICIPAÇÃO E PERTENCIMENTO DO COOPERADO<br />

Noção de participação e pertencimento<br />

Noção de participação<br />

É uma união de forças;<br />

Me sinto parte;<br />

Eu sou a cooperativa;<br />

Trabalhei muito pra estar aqui dentro;<br />

Afetividade<br />

Um amor que agente criou entre agente;<br />

Eu gosto da cooperativa;<br />

Eu sinto falta da cooperativa;<br />

Defen<strong>do</strong> a cooperativa;<br />

Sonho <strong>em</strong> ver esta cooperativa acontecen<strong>do</strong>;<br />

Gosto de costurar<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Noção de compl<strong>em</strong>entaridade<br />

Se eu sair da cooperativa, vai ficar vago, vai faltar algo;<br />

A cooperativa depende <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s;<br />

A cooperativa é os coopera<strong>do</strong>s;<br />

A cooperativa depende de mim;<br />

Persistência<br />

A cooperativa t<strong>em</strong> seu lugar, mesmo diante das dificuldades;<br />

Lutei muito, trabalhei muito para continuar;<br />

A primeira diretoria saiu e deixou tu<strong>do</strong> bagunça<strong>do</strong>, mas agente<br />

aju<strong>do</strong>u muito, para o b<strong>em</strong> da cooperativa;<br />

Noção de propriedade<br />

Sou <strong>do</strong>na da cooperativa.<br />

Possível meio de subsistência<br />

Agente não teve o retorno espera<strong>do</strong> ainda.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

Nº<br />

09<br />

07<br />

06<br />

03<br />

02<br />

01<br />

92


Com base nas afirmativas da tabela 05, fica níti<strong>do</strong> que as pessoas se avistam como parte de<br />

um grupo uni<strong>do</strong>, que chega a interferir nas percepções de realidade ou separação entre coletivo e<br />

individual, pois exist<strong>em</strong> pessoas que falam que são a cooperativa, d<strong>em</strong>onstran<strong>do</strong> o quanto a noção<br />

de participação é forte no grupo. Esta noção perfaz 09 das 12 possibilidades de respostas.<br />

Os coopera<strong>do</strong>s também são perpassa<strong>do</strong>s por sentimentos fortes, por uma conexão <strong>em</strong>otiva,<br />

como d<strong>em</strong>onstram a contag<strong>em</strong> de 07 respostas na categoria afetividade. As informações internas a<br />

esta, permit<strong>em</strong> notar que as pessoas também estão ali porque gostam, porque têm vínculos<br />

sentimentais com o que a cooperativa representa para os mesmos. Estas dimensões contrariam<br />

Durkheim (1999), para qu<strong>em</strong> a exist<strong>em</strong> somente <strong>do</strong>is tipos de solidariedade: a mecânica, que liga o<br />

individuo diretamente ao grupo devi<strong>do</strong> a similitudes, e a mecânica que cria relação de dependência<br />

<strong>do</strong> individuo com as partes que compõe a sociedade através da especialização e divisão <strong>do</strong> trabalho.<br />

Aqui não se tratam somente de igualdades (como mostram a quantidade de respostas relativas à<br />

diferenciação) ou ligações devi<strong>do</strong> à divisão <strong>do</strong> trabalho. Essa é uma solidariedade afetiva,<br />

<strong>em</strong>ocional, uma possibilidade para além <strong>do</strong> que trata o autor.<br />

Claramente, no entanto, existe também a solidariedade orgânica, nítida pela noção de<br />

compl<strong>em</strong>entaridade. Com 06 identificações no seu total, esta é composta por el<strong>em</strong>entos que<br />

exprim<strong>em</strong> certa dependência da cooperativa para com o coopera<strong>do</strong>, que perceb<strong>em</strong> na entidade um<br />

atrelamento das contribuições individuais e, para além disso, a necessidade de estar ali <strong>em</strong> função<br />

de um objetivo maior que suas intenções pessoais. Essa afirmativa fica ainda mais clara com a<br />

análise da categoria persistência, que d<strong>em</strong>arca a vivência de esforços <strong>do</strong>s indivíduos <strong>em</strong> prol da<br />

entidade e de um grupo coerent<strong>em</strong>ente conecta<strong>do</strong>. Permit<strong>em</strong> transparecer, mesmo com uma<br />

freqüência de respostas de 03 (o que a torna relativamente pequena), que pessoas <strong>do</strong> grupo se<br />

dedicam sobr<strong>em</strong>aneira para a manutenção e continuidade da instituição, novamente <strong>em</strong> comum<br />

acor<strong>do</strong> com a idéia de Tocqueville (2000): a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> b<strong>em</strong> compreendi<strong>do</strong>.<br />

93


Fecham, com as freqüências de 01 e 02 declarações respectivamente, as categorias possível<br />

meio de subsistência e noção de propriedade. Esta denota indícios de uma conexão com a<br />

afetividade, participação e compl<strong>em</strong>entaridade <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s por meio de sua responsabilidade.<br />

Seriam assim, tão dedica<strong>do</strong>s que se sent<strong>em</strong> <strong>do</strong>nos da cooperativa. Esta afirmativa fica clara também<br />

pelo tom de voz <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s que faz<strong>em</strong> esta colocação. Traz evidencias de ir além de algum tipo<br />

de contrato assina<strong>do</strong>, de uma simples relação formal: indica uma dedicação forte, que busca no seu<br />

arrolamento cotidiano a manutenção de formatações solidárias, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que procura<br />

instituir um mo<strong>do</strong> de conexão <strong>do</strong> individuo no sist<strong>em</strong>a ao qual se encontra inseri<strong>do</strong>.<br />

Isso é contraditório com todas as noções individualistas fixas, como também as solidárias<br />

homogêneas. Mas afirmações pautadas <strong>em</strong> noções estruturalistas, que buscariam uma “identidade<br />

comum” ou um continuum linear, não traduziriam de melhor maneira a realidade deste estu<strong>do</strong> de<br />

caso. Exist<strong>em</strong> orientações coletivistas, permeadas por individualistas e vice-versa. Denota certa<br />

proximidade com uma noção de b<strong>em</strong> comum, uma vez que “a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> b<strong>em</strong> compreendi<strong>do</strong> não<br />

produz grandes devoções, mas sugere to<strong>do</strong>s os dias pequenos sacrifícios” (TOCQUEVILLE, 2000,<br />

p. 147). É o grupo sen<strong>do</strong> forma<strong>do</strong> pela subjetivação cotidiana individual. Desta maneira, torna-se<br />

importante analisar <strong>em</strong> profundidade a questão da ligação entre individuo e cooperativa, os<br />

instrumentos que criam, mantém ou defin<strong>em</strong> as interfaces desta relação. O próximo agrupamento de<br />

indagações, numeradas de 06 a 07, procuram lançar luz sobre o t<strong>em</strong>a. A questão 06 trata sobre a<br />

manutenção das pessoas na cooperativa, procuran<strong>do</strong> dispositivos, artífices e características dessa<br />

ligação. Para tanto, foi desenvolvida a Tabela 06.<br />

94


TABELA 06<br />

ARTIFÍCIOS E IMPORTÂNCIA DA LIGAÇÃO INDIVÍDUO - COOPERATIVA.<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Artifícios e importância da ligação<br />

Desenvolvimento coletivo<br />

Uni<strong>do</strong>s, a concentração de esforços produz resulta<strong>do</strong>s;<br />

Interesse por progresso, por ir <strong>em</strong> frente;<br />

Vontade de vencer. Não sozinho, mas <strong>em</strong> conjunto;<br />

O que segura agente é o projeto(...), t<strong>em</strong> vontade de realizar ele;<br />

Atrelamento a aspectos financeiros<br />

Ligadas, aqui... eu acho mais assim, que é o dinheiro;<br />

Se você sair vai pegar mais dívida;<br />

Pra ver se isso acontece, se um dia agente t<strong>em</strong> um salário bom;<br />

Se agente tivesse dinheiro pra tocar aquilo, ia ganhar dinheiro.<br />

Interesses comuns<br />

A união e o desejo de to<strong>do</strong>s que é igual... o sonho de ir pra frente;<br />

Um conjunto de pessoas que faz tu<strong>do</strong> igual;<br />

O interesse 47 ;<br />

Então todas se sente assim: sente elas como um compromisso;<br />

Me<strong>do</strong> de possível frustração<br />

Cê quer sair?(...) Ninguém t<strong>em</strong> corag<strong>em</strong>... e o me<strong>do</strong>?<br />

Sujou o nome(...) se você sair, qu<strong>em</strong> vai resgatar?<br />

Me<strong>do</strong> de perder aquela estrutura;<br />

Estão porque pensam numa coisa melhor amanha.<br />

Persistência<br />

Vontade. Muita vontade;<br />

E essas 20 é porque são persistente;<br />

Ah... eu acho que, as que estão lá inda t<strong>em</strong> um fio de esperança.<br />

Noção de compl<strong>em</strong>entaridade<br />

Se cada um fosse fazer isso separa<strong>do</strong>, não é o mesmo resulta<strong>do</strong>;<br />

Eu não posso fazer nada s<strong>em</strong> ninguém e ninguém(...) s<strong>em</strong> eu;<br />

Num t<strong>em</strong> cooperativa é nós que somos a ferramenta dela, né?<br />

Noção de participação<br />

Desejo de união mesmo;<br />

cooperativa, é um conjunto de pessoas que faz tu<strong>do</strong> igual;<br />

Afetividade para com o grupo<br />

Agente já se apegou muito;<br />

O amor mesmo pela nossa união.<br />

Apego ao local<br />

Busca mutua de crescimento e desenvolvimento social da cidade;<br />

conquistar um algo melhor né?... pra sociedade como um to<strong>do</strong>.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Continua)<br />

47 Informação extraída <strong>do</strong> diário de anotações <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r. A entrevistada verbalizou “interesso” ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />

<strong>em</strong> que fez um gesto de dinheiro com uma das mãos.<br />

Nº<br />

11<br />

07<br />

05<br />

05<br />

04<br />

03<br />

02<br />

02<br />

02<br />

95


TABELA 06<br />

ARTIFÍCIOS E IMPORTÂNCIA DA LIGAÇÃO INDIVÍDUO - COOPERATIVA.<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Artifícios e importância da ligação<br />

Interesse pelo tipo de trabalho específico<br />

A maior parte, eu creio que é o amor mesmo por pedra;<br />

V<strong>em</strong>, por causa disso... qu<strong>em</strong> costura, por causa da costura.<br />

Noção de propriedade<br />

Uma acha que assim... se eu sou <strong>do</strong>na, eu tenho que ta lá;<br />

Noção de familiaridade<br />

acho que gente já....já... vive como se fosse uma família.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Conclusão)<br />

Os índices da tabela 06 d<strong>em</strong>onstram uma hierarquia <strong>do</strong>s valores referentes à categoria <strong>do</strong><br />

desenvolvimento coletivo, segui<strong>do</strong> pelo atrelamento a aspectos financeiros, interesses comuns e<br />

me<strong>do</strong> de possível frustração, com respectivamente 11, 07, 05 e 05 afirmações. Abaixo destes estão<br />

indica<strong>do</strong>res de persistência e noção de compl<strong>em</strong>entaridade, com 04 e 03 respostas. Estes são<br />

segui<strong>do</strong>s pelos aponta<strong>do</strong>res da noção de participação, afetividade, apego ao local e interesse pelo<br />

tipo de trabalho específico, to<strong>do</strong>s com 02. E nas últimas posições das afirmações <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s<br />

sobre o que conecta as pessoas às cooperativas estão a noção de propriedade e de familiaridade,<br />

ambos com 01 títulos percebi<strong>do</strong>s nas respostas <strong>do</strong>s sujeitos da pesquisa.<br />

È possível perceber que a categoria me<strong>do</strong> de uma possível frustração t<strong>em</strong> importantes<br />

ligações com outras, sen<strong>do</strong> um ponto intercessor da primeira, segunda, terceira e quinta categorias,<br />

pois as pessoas se vê<strong>em</strong> enquanto alvos de uma possível frustração por perder<strong>em</strong> a oportunidade de<br />

se desenvolver<strong>em</strong> coletivamente (uma vez que seus resulta<strong>do</strong>s coletivos pod<strong>em</strong> realizar o projeto<br />

ti<strong>do</strong> como alvo idealiza<strong>do</strong>) e assim realizar<strong>em</strong> os interesses comuns, sen<strong>do</strong> que um deles é receber<br />

um retorno financeiro quan<strong>do</strong> isso acontecer. Isso tende a fortalecer ainda mais a persistência de<br />

m<strong>em</strong>bros <strong>do</strong> grupo, que enxergam uma esperança razoável e têm muita vontade de continuar.<br />

Nº<br />

02<br />

01<br />

01<br />

96


As d<strong>em</strong>ais categorias d<strong>em</strong>onstram outro tipo de conexão com as cooperativas. A<br />

primeira deixa claro coopera<strong>do</strong>s que se perceb<strong>em</strong> enquanto compl<strong>em</strong>entares. Crê<strong>em</strong> que, além de<br />

fazer parte de um grupo, exist<strong>em</strong> relações de dependência e funcionalidade. Enquanto dentro dessa<br />

relação de dependência, seus m<strong>em</strong>bros compõe o to<strong>do</strong> também pela sua diversificação, sab<strong>em</strong> que<br />

pod<strong>em</strong> fazer falta. Essa característica é coerente novamente com a analise de Durkheim (1999),<br />

sobre a divisão <strong>do</strong> trabalho, para qu<strong>em</strong> “a divisão <strong>do</strong> trabalho une ao mesmo t<strong>em</strong>po que opõe; faz<br />

convergir atividades que diferencia; aproxima aqueles que separa” (DURKHEIM, 1999, p. 275).<br />

Ainda para este autor, no entanto, as unidades sociais depend<strong>em</strong> também da<br />

similaridade, antes mesmo de ser<strong>em</strong> diferenciadas e “para que as unidades sociais possam<br />

diferenciar-se, é necessário antes de mais nada que sejam atraídas ou agrupadas <strong>em</strong> virtude das<br />

s<strong>em</strong>elhanças que apresentam” (DURKHEIM, 1999, p. 278). E assim as concepções de<br />

compl<strong>em</strong>entaridade e participação se ligam, uma vez que a segunda se mostra coerente com um<br />

desejo de união e de igualdade.<br />

As d<strong>em</strong>ais categorias d<strong>em</strong>onstram nexos com sentimentos e <strong>em</strong>oções, de acor<strong>do</strong> com<br />

determina<strong>do</strong>s tipos, como a divisão identificada por meio da afetividade para com o grupo, que se<br />

liga aos aspectos de interesses comuns assim como desenvolvimento coletivo por meio de um ideal<br />

de união e por se gostar desta. Os sentimentos positivos relaciona<strong>do</strong>s à união são ainda coerentes<br />

com as concepções anteriores de compl<strong>em</strong>entaridade e participação e com as posteriores de apego<br />

ao local, interesse pelo tipo de trabalho específico e a noção de familiaridade: parece existir uma<br />

rede de sentimentos positivos que circunda a noção de união <strong>do</strong> grupo. Mesmo diante destas<br />

evidencias, entretanto, se torna, significante analisar se exist<strong>em</strong> controles formais utiliza<strong>do</strong>s pela<br />

organização, uma vez que esta poderia ter construí<strong>do</strong> dispositivos para conectá-los, para além das<br />

amarrações afetuosas. Para tanto, buscou-se na pergunta 07 uma análise mais densa sobre os<br />

controles das instituições, no ponto de vista <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s.<br />

97


TABELA 07<br />

NECESSIDADE DE CONTROLES SOBRE AS INTENÇÕES DOS COOPERADOS<br />

Necessidades sobre os coopera<strong>do</strong>s<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Controles<br />

To<strong>do</strong> grupo t<strong>em</strong> essa necessidade;<br />

Sim, com certeza(...) Essa palavra é agressiva...(...);<br />

Acho que deveria ter sim... no regimento;<br />

T<strong>em</strong> que ter uma pessoa ali pra controlar agente, né?;<br />

Imporante;<br />

Diversidade de controles<br />

Já pensou, se num tivesse uma pessoa pra nos controlar, pra nos ta<br />

falan<strong>do</strong>, adiantan<strong>do</strong> e ali, né?;<br />

Se num tiver uma liderança forte, pra ta ó.. num é assim, e tal...<br />

caba brigano;<br />

Precisa assim ter um controle assim, ter um...coisa pra prender;<br />

T<strong>em</strong> que ter o acompanhamento, t<strong>em</strong> que perceber tu<strong>do</strong> isso;<br />

Porque se não tiver assim o controle (...) ficava uma bagunça, né?<br />

T<strong>em</strong> que ter uma pessoa ali pra ta manobran<strong>do</strong>.<br />

Liberdade<br />

Eu acredito que as pessoas precisam ser livres;<br />

a cooperativa não pode controlar 100% os coopera<strong>do</strong>s, t<strong>em</strong> que<br />

ser uma forma parcial, de comum...;<br />

Que cooperativa ce num controla, né? Somos somos livres,<br />

lutan<strong>do</strong> por um sonho.<br />

Auto-controle<br />

Agente faz tu<strong>do</strong> pra num ser preciso ser chama<strong>do</strong>, ser corrigi<strong>do</strong>;<br />

Então elas precisam estar conscientes;<br />

Diversidade de perspectivas<br />

Deus foi tiran<strong>do</strong> aquelas que acho que não era daqui...;<br />

To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> hoje t<strong>em</strong> suas diferença, e suas qualidade.<br />

Confiança mútua<br />

hoje eu sinto confiança nelas...<br />

Desenvolvimento coletivo<br />

E diz que se tiver espírito de cooperação, então e melhor.<br />

Afetividade<br />

Controla. S<strong>em</strong>pre, quan<strong>do</strong> t<strong>em</strong> algum probl<strong>em</strong>a agente faz<br />

reunião, e lava a roupa suja.; eu acho importante, porque tu<strong>do</strong> que<br />

agente sente agente t<strong>em</strong> que dispor. Porque ali agente num guarda<br />

rancor, num é...<br />

Insegurança Inicial<br />

Nós queria por uma câmera pra gravar tu<strong>do</strong> e pra ver o que que<br />

acontecia aqui. Era uma insegurança muito grande...<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

Três características foram desm<strong>em</strong>bradas a partir das respostas positivas. Uma delas, a<br />

categoria controle, é afirmativa e define a real necessidade <strong>do</strong>s mesmos, sen<strong>do</strong> contrária à categoria<br />

liberdade, que d<strong>em</strong>onstra comunicações verbais contrárias ao imperativo destes <strong>do</strong>mínios. Ocorre<br />

Nº<br />

09<br />

07<br />

03<br />

02<br />

02<br />

01<br />

01<br />

01<br />

01<br />

98


uma pre<strong>do</strong>minância das respostas favoráveis à necessidade, pois exist<strong>em</strong> 09 comunicações, contra<br />

03 da categoria contrária.<br />

A segunda trata da qualificação ou utilização da diversidade de controles, com uma<br />

freqüência igual a 07. Trata <strong>do</strong>s motivos pelos quais os entrevista<strong>do</strong>s crê<strong>em</strong> na sua importância, sob<br />

seus diversos tipos. Nas opiniões colhidas, se perceb<strong>em</strong> objetivos de liderança, comprometimento,<br />

conhecimento e análise da realidade, definição de limites, organização e orientação. Como fica<br />

claro, muitos e varia<strong>do</strong>s objetivos, mas com uma coisa <strong>em</strong> comum: to<strong>do</strong>s validam a relação <strong>do</strong><br />

controle com uma certa manutenção da ord<strong>em</strong> instalada, para levar a cabo algo através <strong>do</strong>s<br />

indivíduos, algo com o qual eles tend<strong>em</strong> a concordar <strong>em</strong> grande medida e que serviria de arcabouço<br />

na luta contra uma dimensão que se representa pela diversidade de perspectivas, ou a insegurança<br />

inicial, com, respectivamente 02 e 01 respostas.<br />

Para Foucault (1988), o poder <strong>em</strong>ana da subjetivação <strong>do</strong>s indivíduos, de suas atividades e<br />

sua subjetivação. Desta forma, se descortinam amarrações da análise da necessidade de artifícios de<br />

controle com alguns pontos principais <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> de exame das relações de poder delimitadas pelo<br />

autor:<br />

O poder se exerce através de diversos pontos: visível e ressalta<strong>do</strong> na averiguação<br />

das respostas <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s, pois deixam claro que este serviria para liderar,<br />

comprometer, conhecer e analisar a realidade, definir limites, organizar e orientar;<br />

É imanente e produtor de uma subjetividade, pois faz parte <strong>do</strong> cotidiano <strong>do</strong>s<br />

indivíduos;<br />

T<strong>em</strong> uma estreita relação com os próprios submeti<strong>do</strong>s, uma vez é valida<strong>do</strong> nas<br />

diversas afirmações <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s. Gera uma linha de força que pode se originar<br />

de heterogeneidades, mas t<strong>em</strong> no fun<strong>do</strong> um efeito heg<strong>em</strong>ônico e homogeneiza<strong>do</strong>r:<br />

a percepção de um objetivo comum;<br />

99


Onde habita o poder, ocorre a resistência, como se observa nos discursos <strong>do</strong>s<br />

sujeitos que acreditam na não necessidade <strong>do</strong>s controles, mas sim na liberdade <strong>do</strong>s<br />

coopera<strong>do</strong>s;<br />

O controle perpassa toda uma série de formatos de ação, que des<strong>em</strong>bocam na<br />

subjetivação mais completa e anexa ao mesmo. O controle tende à disciplina, formato da última<br />

classe obtida das respostas positivas, com 02 ilações: o autocontrole, que define uma possível<br />

introjeção <strong>do</strong>s controles, sua percepção enquanto ideal: um disciplinamento <strong>em</strong> prol<br />

desenvolvimento coletivo, com 01 afirmativa. Mas não seria esse o objetivo <strong>do</strong> controle? A<br />

disciplina?<br />

Essas organizações sociais são perpassadas por relações de <strong>do</strong>minação e controle de<br />

comportamentos. Entretanto, é importante ressaltar que a submissão não denota uma relação<br />

simplista <strong>do</strong> tipo “<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>r <strong>do</strong>mina<strong>do</strong>”, não apela para diferenciação <strong>do</strong>s indivíduos ou mesmo<br />

seu crescimento <strong>em</strong> termos de valor social. A sujeição a determina<strong>do</strong>s artifícios institucionais não é<br />

um traço <strong>do</strong> individualismo e sim <strong>do</strong> coletivismo horizontal, pois como define Gouveia (2003), a<br />

horizontalidade da orientação, “no caso <strong>do</strong>s coletivistas, traduz-se no senti<strong>do</strong> de servir aos outros,<br />

fazer sacrifícios <strong>em</strong> benefício <strong>do</strong> seu próprio grupo de pertença e cumprir suas obrigações impostas<br />

como normas sociais. (GOUVEIA, 2003, p. 225).<br />

Uma vez que o poder acontece nas relações entre os sujeitos da cooperativa, se torna<br />

relevante o aprofundamento das análises. Isso foi objetiva<strong>do</strong> na tabela 08:<br />

100


RELAÇÃO ENTRE COOPERADOS<br />

Relação entre coopera<strong>do</strong>s<br />

Bom relacionamento<br />

É boa sim;<br />

Tá muito b<strong>em</strong> relaciona<strong>do</strong> hoje;<br />

TABELA 08<br />

Afetividade<br />

Uma relação amistosa, amigável;<br />

To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> olha na cara a cara...;<br />

É bastante amigo, uma preocupa com a outra;<br />

Eu gosto muito das cooperadas.<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Diversidade de perspectivas atual<br />

To<strong>do</strong> o grupo t<strong>em</strong> alguns (...) mais juntos, outros(...) mais<br />

afasta<strong>do</strong>s;<br />

É só uma, assim, no caso, assim... que agente num se dá b<strong>em</strong>;<br />

existe alguns... umas discussãozinha;<br />

É mentira falar que é 100%... é mentira;<br />

Diversidade de perspectivas inicial<br />

No primeiro momento dá aquele impacto de concorrência;<br />

40% <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s estão muito b<strong>em</strong>... os d<strong>em</strong>ais evadiram;<br />

hoje, não. Antes tinha. (...)Por causa da diretoria.<br />

Os outros 10% é interesse próprio; é boa.<br />

Noção de participação<br />

Nós deixamos essa parte da, da concorrência e passamos a ver o<br />

coopera<strong>do</strong> como um alia<strong>do</strong>, como um companheiro;<br />

90% cooperativismo mesmo, cooperan<strong>do</strong> um com o outro;<br />

To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> uni<strong>do</strong>, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> trabalhan<strong>do</strong>...;<br />

Quan<strong>do</strong> se identificam, (...)deixamos essa parte da,concorrência;<br />

Noção de familiaridade<br />

Alguns momentos até agente sente até de uma certa irmandade;<br />

já ta mais com um tipo de irmandade...;<br />

eu me sinto numa família...<br />

Preponderância coletiva<br />

Eu não sou nada... então eu tenho que inspirar no outro;<br />

Nós procuramos fazer assim, entender to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>;<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

As relações entre os indivíduos, como denota<strong>do</strong> pela recorrência de 06 respostas, é boa.<br />

Mas n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre foi assim, como mostram as 04 afirmativas da diversidade de perspectivas inicial<br />

e, <strong>em</strong> alguma medida, é perpassada por diversidades atuais, como deixam claro os 04 respondentes<br />

que apontaram esta categoria. Os coopera<strong>do</strong>s conectam de forma nítida, uma possível má relação<br />

com as diversidades entre as pessoas.<br />

Nº<br />

06<br />

04<br />

04<br />

04<br />

04<br />

03<br />

02<br />

101


Independent<strong>em</strong>ente, porém, as relações são transcorridas <strong>em</strong> grande medida pela<br />

afetividade, noção de participação e familiaridade, com 04, 04 e 03 afirmativas respectivamente.<br />

Defin<strong>em</strong>, portanto uma preponderância coletiva das relações, mesmo que esta categoria tenha<br />

diretamente 02 inclusões apontadas.<br />

Para além de uma discussão dicotômica entre preponderâncias individuais e coletivas,<br />

observa-se nessas análises o atributo horizontal, uma vez que<br />

102<br />

No caso <strong>do</strong> individualismo, <strong>em</strong> função da alta liberdade e igualdade que estas<br />

experimentam, constrói-se um eu independente, mas não diferente <strong>do</strong>s d<strong>em</strong>ais<br />

m<strong>em</strong>bros da sua cultura. Em outras palavras, as pessoas que se orientam pelo<br />

individualismo horizontal quer<strong>em</strong> ser distintas <strong>do</strong>s grupos. Em relação ao<br />

coletivismo, cont<strong>em</strong>pla-se uma baixa liberdade, porém alta igualdade, explican<strong>do</strong> o<br />

motivo de um eu interdependente e compartilha<strong>do</strong> com os d<strong>em</strong>ais m<strong>em</strong>bros da<br />

sociedade. Assim, as pessoas se vê<strong>em</strong> como sen<strong>do</strong> similares às outras, enfatizam<br />

objetivos comuns com os outros, mas, todavia, não são submetidas facilmente à<br />

autoridade (GOUVEIA, 2003, p. 225).<br />

Esta afirmativa foi melhor ponderada pelas afirmações colhidas no ponto seguinte, que<br />

realizou uma investigação direta sobre a necessidade de to<strong>do</strong>s os coopera<strong>do</strong>s receber<strong>em</strong> um<br />

tratamento igualitário.<br />

Considera-se para esta, a questão 09, que gerou a tabela com a mesma numeração.


TABELA 09<br />

NECESSIDADE DE TRATAMENTO IGUALITÁRIO<br />

Necessidades de tratamento igualitário<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Necessidade de tratamento igualitário<br />

Dev<strong>em</strong>, com certeza;<br />

Independent<strong>em</strong>ente (...) to<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s de maneira igual;<br />

a presidente não que é a <strong>do</strong>na... é só a presidente e a tesoureira é<br />

só a tesoureira;<br />

sim, porque se não receber igual acaba crian<strong>do</strong> diafazença;<br />

por ser ser humano... to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> t<strong>em</strong> que ser respeita<strong>do</strong>;<br />

num to pra falar assim 100%, mas deve ser;<br />

Diversidade de perspectivas atual<br />

Agente manda os comunica<strong>do</strong>s e não comparec<strong>em</strong>;<br />

Não existe ninguém igualmente igual, pensamento igual(...);<br />

Só que não ganha igual (...) cada um t<strong>em</strong> um ritmo de trabalho;<br />

N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre assim acontece assim por geral;<br />

área nenhuma que eu falar eu to mentino, que... s<strong>em</strong>pre t<strong>em</strong> um<br />

atrito né...;<br />

Efetividade <strong>do</strong> tratamento igualitário<br />

Eu acredito que acontece;<br />

É eu acredito que é to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> igual;<br />

E é tanto que até a questão de pagamento (...), o valor é o mesmo;<br />

To<strong>do</strong>s são trata<strong>do</strong>s de uma forma legal;<br />

Ajustes <strong>do</strong> grupo para a preponderância coletiva<br />

s<strong>em</strong>pre t<strong>em</strong> um rerezim, agente (...)procura por no lugar certo;<br />

s<strong>em</strong>pre t<strong>em</strong> um atrito né... que desde que seja recupera<strong>do</strong> né.<br />

Autocontrole<br />

a responsabilidade eu jogo na mão de to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>;<br />

então to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> t<strong>em</strong> que trabalhar legal.<br />

Noção de compartilhamento<br />

tu<strong>do</strong> o que acontece dentro da cooperativa é leva<strong>do</strong> ao<br />

conhecimento de to<strong>do</strong>s;<br />

falo vocês são os <strong>do</strong>nos, se vira...<br />

Noção de propriedade<br />

Vocês são <strong>do</strong>no;<br />

to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é mesmo <strong>do</strong>no, né?<br />

Interesse comum<br />

To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ta trabalhan<strong>do</strong> no mesmo senti<strong>do</strong>;<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

11 respostas deixam clara a necessidade de tratamento igualitário. Ressaltam essa alta<br />

relevância, mesmo diante das hierarquias funcionais, para não acontecer<strong>em</strong> conflitos ou mesmo<br />

para que sejam respeita<strong>do</strong>s por ser<strong>em</strong> pessoas. Esta categoria é conectada com a efetividade <strong>do</strong><br />

Nº<br />

11<br />

05<br />

05<br />

02<br />

02<br />

02<br />

02<br />

01<br />

103


tratamento igualitário, que com 05 afirmativas, mostra a prática de um ideal solidário,<br />

ex<strong>em</strong>plificada pelos valores financeiros recebi<strong>do</strong>s.<br />

Exist<strong>em</strong> ligações ainda, entre as duas categorias perceptíveis na tabela 09 e citadas<br />

anteriormente, com as posteriores de: autocontrole, que define a existência não só de direitos como<br />

de deveres comuns para com os bens da cooperativa; noção de compartilhamento, que d<strong>em</strong>onstra<br />

determina<strong>do</strong> esforço <strong>em</strong> partilhar informações e deveres; interesse comum, defini<strong>do</strong>r de uma<br />

orientação única, um ideal construí<strong>do</strong> entre os indivíduos. Estas categorias tiveram uma após a<br />

outra, 02, 02 e 01 entradas.<br />

Contraditoriamente, entretanto, a categoria diversidade de perspectivas atual d<strong>em</strong>onstra<br />

comportamentos <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s que se mostram diferencia<strong>do</strong>s mesmo diante de tratamentos<br />

igualitários. Com 05 afirmativas mostra diferenciações <strong>em</strong> relação a ritmo de trabalho, pensamentos<br />

e comportamentos, e ligações com conflitos. Seriam media<strong>do</strong>s então pelas características de ajustes<br />

coletivos para a preponderância coletiva, que tratam <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s utiliza<strong>do</strong>s para contornar os<br />

conflitos; o autocontrole, noção de compartilhamento e propriedade, que evidenciam a necessidade<br />

de responsabilidade para atingir as expectativas <strong>do</strong> grupo.<br />

To<strong>do</strong>s se mostram valores horizontaliza<strong>do</strong>s, como d<strong>em</strong>onstra Gouveia (2003).<br />

Diferenciam no grupo, mas s<strong>em</strong> hierarquizar os indivíduos. Entretanto, antes de declarar a<br />

inexistência ou mesmo a sujeição <strong>do</strong>s aspectos verticais, que são presentes também nas análises <strong>do</strong><br />

autor, é importante verificar a pergunta seguinte, que analisa o valor <strong>do</strong> trabalho, além <strong>do</strong> interesse<br />

de crescimento <strong>do</strong>s sujeitos da pesquisa. Investiga seu interesse um prestígio perceptível como<br />

delimita Velho (1999) ou por alguma ascensão, como define Gouveia(2003).<br />

104


TABELA 10<br />

VALOR DO TRABALHO INDIVIDUAL E INTERESSE POR CRESCIMENTO<br />

Valor <strong>do</strong> trabalho e interesse por crescimento<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Efetividade <strong>do</strong> tratamento igualitário<br />

O trabalho de cada um? É igual. T<strong>em</strong> o mesmo valor;<br />

T<strong>em</strong> que distinguir áreas, mas o valor comum dentro da<br />

cooperativa é único;<br />

Por parte da cooperativa sim;<br />

T<strong>em</strong>, apesar de que agente espera que eles trabalhass<strong>em</strong> mais;<br />

Dos que trabalham direito na cooperativa, sim;<br />

Da presidente ante a pregadeira de Butão pra mim é...<br />

Desinteresse pelo crescimento hierárquico<br />

Ah.. não, não, não;<br />

De exercer outro cargo, não;<br />

Uma porque eu não tenho leitura, outra que eu não sou de falar...;<br />

quer<strong>em</strong> me por na presidência, mas eu que não quis;<br />

Efetividade <strong>do</strong> tratamento diferencia<strong>do</strong><br />

É lógico que você t<strong>em</strong> que distinguir áreas;<br />

Qu<strong>em</strong> faz coisa mais difícil, é mais valoriza<strong>do</strong>;<br />

N<strong>em</strong> tu<strong>do</strong>...;<br />

N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre, porque uns t<strong>em</strong> assim, mais dificuldade;<br />

Necessidade de tratamento igualitário<br />

Até certa altura você t<strong>em</strong> que considerar valores iguais;<br />

Elas cobra muito, que quer ser tratada igual;<br />

T<strong>em</strong> sim;<br />

Diversidade de perspectivas<br />

Talvez os próprios coopera<strong>do</strong>s pod<strong>em</strong> até não dar um ao outro o<br />

mesmo tratamento devi<strong>do</strong>;<br />

agente espera que (...) trabalhass<strong>em</strong> mais e eles num trabalha, né?;<br />

uns t<strong>em</strong> assim, mais dificuldade,(..). outros sabe mais, (...)<br />

Interesse pelo crescimento da valoração individual<br />

A intenção é ta crescen<strong>do</strong>...;<br />

Eu não posso ser presente, mas futuramente(...);<br />

Qu<strong>em</strong> faz coisa mais difícil, é mais valoriza<strong>do</strong>;<br />

Aprendiza<strong>do</strong><br />

eu s<strong>em</strong>pre procuro assim, aprender coisas novas e assim...<br />

aprender mais... na minha parte;<br />

Eu quero aprender mais (...) eu quero conhecer mais inovação;<br />

Interesse pelo tipo de trabalho específico<br />

Satisfeito com a posição, pelo fato de estar <strong>em</strong> um posto ali...;<br />

Eu quero lapidar mais(...) eu gosto da área de (...)captar contatos;<br />

Noção de compl<strong>em</strong>entaridade<br />

Cada um na sua função, na sua área;<br />

Porque um depende <strong>do</strong> outro.<br />

Desenvolvimento coletivo<br />

Eu quero que a cooperativa cresça <strong>em</strong> termos de venda, <strong>em</strong><br />

termos de contatos, parcerias, cursos;<br />

Buscan<strong>do</strong> melhores... para a cooperativa.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Continua)<br />

Nº<br />

08<br />

05<br />

04<br />

03<br />

03<br />

03<br />

02<br />

02<br />

02<br />

02<br />

105


TABELA 10<br />

VALOR DO TRABALHO INDIVIDUAL E INTERESSE POR CRESCIMENTO<br />

Valor <strong>do</strong> trabalho e interesse por crescimento<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Noção de familiaridade<br />

a cooperativa, agente fala s<strong>em</strong>pre que é formada de pessoas, de<br />

seres humanos, né, de famílias.<br />

Noção de participação<br />

Etão t<strong>em</strong> que ter a união de to<strong>do</strong>s, senão...<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Conclusão)<br />

Por meio da tabela 10, se percebe inicialmente um reforço no valor coletivista horizontal,<br />

que, como define Triandis (1995) 48 apud Gouveia (2003), é cooperativo. Pois como se percebe são<br />

08 respostas tratan<strong>do</strong> da efetividade de um tratamento igualitário e 03 tratan<strong>do</strong> de uma necessidade<br />

desse tratamento. Além da definição de uma necessidade (clara por categorias como a noção de<br />

familiaridade e participação com 01 resposta e outras com 02 declarações como o desenvolvimento<br />

coletivo e noção de compl<strong>em</strong>entaridade) uma efetividade, ilustrada pelas 05 ilações a respeito <strong>do</strong><br />

desinteresse pelo crescimento hierárquico.<br />

Uma idealização e seu cumprimento, todavia, que não pod<strong>em</strong> ser vistas como<br />

perspectivas únicas, pois d<strong>em</strong>onstram esta diferenciação através de 03 respostas referentes a<br />

diversidades de perspectivas, claras para alguns no trato ou no comportamento <strong>do</strong>s mesmos.<br />

Ocorr<strong>em</strong> ainda 03 interessa<strong>do</strong>s diretamente no próprio crescimento ou ascenção, que defin<strong>em</strong> uma<br />

clara verticalização, definida na relação entre a atribuição vertical tratada por Gouveia (2003) e a<br />

ascensão definida por Velho (1999): ambas tratam de uma mudança de atribuição de valor <strong>do</strong><br />

individuo na sociedade. Assim, o indivíduo poderia ascender socialmente e teria uma atribuição<br />

hierárquica mais positiva que o posto ocupa<strong>do</strong> anteriormente pelo mesmo. No mesmo senti<strong>do</strong>, a<br />

pessoa pode ter uma atribuição hierárquica negativa, se decrescer para um degrau social<br />

hierarquicamente inferior. Este critério denota uma dimensão “quantitativa” da posição individual.<br />

Nesta medida, as pessoas pod<strong>em</strong> crescer individualmente, recobrin<strong>do</strong>-se de prestígio ou<br />

48 Triandis, H. C. Individualism and collectivism. Boulder, CO: Westview Press, 1995.<br />

Nº<br />

01<br />

01<br />

106


ascendência: valores que estão nitidamente conecta<strong>do</strong>s ao labor, qu<strong>em</strong> trabalha melhor, qu<strong>em</strong> faz<br />

mais, que está <strong>em</strong> um cargo mais alto. Nesta medida, o aprendiza<strong>do</strong>, representa<strong>do</strong> também pela sua<br />

ligação ao trabalho, contribui para o individualismo.<br />

Neste senti<strong>do</strong> fica evidenciada a existência de valores individualistas verticais.<br />

Entretanto, não deixa clara a possibilidade de um coletivismo vertical, defini<strong>do</strong> por um sujeito<br />

cumpri<strong>do</strong>r por Triandis 49 (1995) apud Gouveia (2003). Para tanto, foi pergunta<strong>do</strong> aos entrevista<strong>do</strong>s<br />

sobre a necessidade de pessoas hierarquicamente superiores e além dessa possibilidade, se diante da<br />

mesma, os coopera<strong>do</strong>s se submeteriam com tranqüilidade. Os resulta<strong>do</strong>s pod<strong>em</strong> ser observa<strong>do</strong>s pela<br />

tabela 11.<br />

TABELA 11<br />

NECESSIDADE DA HIERARQUIA E SUBMISSÃO DO COOPERADO<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Necessidade da hierarquia e submissão<br />

Funcionalização da liderança<br />

Nesse momento a secretária tão corren<strong>do</strong> atrás de nosso interesso;<br />

E eles fala é ce fez b<strong>em</strong>, e tal <strong>em</strong> ter feito aquilo;<br />

T<strong>em</strong> que ter uma pessoa responsável, né, pela conta... t<strong>em</strong> que ter<br />

é... ele t<strong>em</strong> que ter responsabilidade de ir pras feira buscar cursos,<br />

né...;<br />

Não é um processo de ditadura, mas é um processo de<br />

organização, de ter alguém para orientar a definição <strong>do</strong>s<br />

objetivos;<br />

Não pra <strong>do</strong>minar, isso não é intenção;<br />

Uma que é lei, outra que é necessário;<br />

Porque t<strong>em</strong> uma conta bancária que num pode qualquer um<br />

assinar;<br />

T<strong>em</strong> a necessidade de um corpo diretivo, né, para direcionar;<br />

O ser humano, ele olha muito pra si próprio. E se agente não tiver<br />

um direcionamento, uma concordância, um pouco...;<br />

Presidente. Isso aí só quer dizer que você t<strong>em</strong> mais<br />

responsabilidade, mais compromissos;<br />

Precisa, pra, coordenar;<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

49 Triandis, H. C. Individualism and collectivism. Boulder, CO: Westview Press, 1995.<br />

(Continua)<br />

Nº<br />

12<br />

107


TABELA 11<br />

NECESSIDADE DA HIERARQUIA E SUBMISSÃO DO COOPERADO<br />

Necessidade da hierarquia e submissão<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Necessidade de hierarquia ou liderança<br />

T<strong>em</strong> que ter. Porque s<strong>em</strong> cabeça, né, órgão nenhum vai pra frente;<br />

Sim. A hierarquia deve existir <strong>em</strong> to<strong>do</strong> e qualquer lugar;<br />

Hoje se você não t<strong>em</strong> hierarquia, vira uma anarquia;<br />

Esta s<strong>em</strong>ana mesmo eu tive necessidade de uma pessoa assim;<br />

Eu acredito que sim;<br />

Características da liderança<br />

Então isso num é dizer que vai por pressão;<br />

É uma pessoa de coman<strong>do</strong> que, tu<strong>do</strong> ela resolve;<br />

T<strong>em</strong> mais responsabilidade, mais compromissos, mas estan<strong>do</strong> na<br />

igualidade com to<strong>do</strong>s os coopera<strong>do</strong>s;<br />

Compreende as pessoas;<br />

t<strong>em</strong> uns que chega assim queren<strong>do</strong>... num t<strong>em</strong> assim, forma de<br />

falar, então a pessoa num quer aceitar;<br />

É bom até fazer um rodízio.<br />

Diversidade de perspectivas entre líder e lidera<strong>do</strong>s<br />

Há pessoas que discordam, né, inclusive das, da maioria;<br />

Se essa aceitação de liderança acontecesse 100% entre os<br />

coopera<strong>do</strong>s, eles estariam hoje na cooperativa;<br />

N<strong>em</strong> tu<strong>do</strong>... n<strong>em</strong> todas questões que elas... 50 ;<br />

Num t<strong>em</strong> assim, forma de falar, então a pessoa num quer aceitar.<br />

T<strong>em</strong> umas pessoas que num aceita. Ai começa a discutir, então.<br />

Eu não gosto de líder, mas uma pessoa assim, normal, que atende<br />

tu<strong>do</strong> e faz...<br />

Submissão à autoridade<br />

Acho que mesmo na cooperativa, (...), até uma certa obediência;<br />

Mas elas obedece (...) mas ela aceita;<br />

Aceita, porque eles não dão conta;<br />

Eles t<strong>em</strong> assim... t<strong>em</strong> mais respeito com agente e num questiona;<br />

Aceita. To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> concorda.<br />

Diversidade de perspectivas atual<br />

para 25 associa<strong>do</strong>s você t<strong>em</strong> 5 que discordam 20 que<br />

concordam...;<br />

de vez <strong>em</strong> quan<strong>do</strong> aparece uma coisa que n<strong>em</strong> to<strong>do</strong>s t<strong>em</strong> a mesma<br />

aceitação.<br />

Aprendiza<strong>do</strong> enquanto líder<br />

Aprendi coisa que eu jamais imaginaria que iria aprender.<br />

Afetividade<br />

Mas só... só naquela hora também. Passou, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é amigo...<br />

que num gosta de ser manda<strong>do</strong>, num gosta de ser repreendi<strong>do</strong>.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Continua)<br />

50 Entrevistada nervosa e com receio de responder à questão. Gestualmente indicou a sua contrariedade à liderança<br />

atual, o que foi anota<strong>do</strong> no caderno de observações <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r.<br />

Nº<br />

11<br />

07<br />

06<br />

05<br />

03<br />

01<br />

01<br />

108


TABELA 11<br />

NECESSIDADE DA HIERARQUIA E SUBMISSÃO DO COOPERADO<br />

Necessidade da hierarquia e submissão<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Noção de propriedade<br />

eu e Liete, nós num é <strong>do</strong>no de nada, se nós num tiver aqui, aí nada<br />

resolve? Será que é assim, sen<strong>do</strong> que todas são <strong>do</strong>nas?<br />

Necessidade de reuniões<br />

ce fizer qualquer coisa aqui e não avisar <strong>em</strong> reunião o pau<br />

moi...ah... cês fica fazen<strong>do</strong> as coisa por conta sua...<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Conclusão)<br />

Como é possível observar na tabela 11, o t<strong>em</strong>a relativo à liderança ou hierarquia é<br />

rebusca<strong>do</strong> de perspectivas. A tabela inicia-se com a necessidade de hierar quia ou liderança e sua<br />

funcionalização da liderança, com respectivamente 11 e 12 respostas. A primeira indica a<br />

quantidade de afirmativas positivas para um imperativo da liderança ou hierarquia e a segunda,<br />

quais funções os coopera<strong>do</strong>s acreditam que deve existir para a liderança.<br />

Além <strong>do</strong>s sujeitos de pesquisa afirmar<strong>em</strong> a necessidade da liderança, d<strong>em</strong>onstraram<br />

muitas de suas funções tornadas reais através de uma divisão <strong>do</strong> trabalho, que definiria quais papeis<br />

são representa<strong>do</strong>s pelos indivíduos diante de cada posição, como as idéias de representação da<br />

cooperativa e <strong>do</strong> grupo, de sua organização e direcionamento, além <strong>do</strong> atendimento a aspectos<br />

normativos, defini<strong>do</strong>s pelas regras da legislação à qual a entidade é subordinada. Mas alguns<br />

aspectos da característica vão além de uma funcionalização <strong>do</strong> trabalho. Tratam de outras duas<br />

dimensões: inicialmente, de como o líder deve manter uma coesão grupal, interferin<strong>do</strong> <strong>em</strong> conflitos<br />

e reduzin<strong>do</strong> os interesses individuais. Em uma segunda abordag<strong>em</strong>, define quais são os méto<strong>do</strong>s<br />

legitima<strong>do</strong>s pela coletividade, pelos quais deve exercer sua liderança. Torna-se clara a conexão das<br />

características da liderança, com 07 respostas e sua funcionalização e necessidade.<br />

Os coopera<strong>do</strong>s legitimam a hierarquia, mas como d<strong>em</strong>onstram suas alegações, não de<br />

todas as formas. Os coopera<strong>do</strong>s quer<strong>em</strong> um líder que se perceba <strong>em</strong> vias de igualdade com os<br />

Nº<br />

01<br />

01<br />

109


d<strong>em</strong>ais, saiba que sua posição é passageira e que deve tentar compreender os interesses <strong>do</strong>s outros e<br />

ainda, que se expresse de forma a manter o respeito que deve habitar a instituição.<br />

Parece tênue o equilíbrio entre os agrupamentos da submissão <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s e da<br />

diversidade de perspectivas que têm com a liderança, uma vez que esta não é b<strong>em</strong> acolhida se não<br />

validada pelo conjunto. A freqüência de ambas também é muito próxima, de 05 inferências da<br />

primeira contra 06 da segunda. Transforma-se <strong>em</strong> algo ainda mais complexo analisar que entre os<br />

próprios coopera<strong>do</strong>s existe certa diversidade de perspectivas, d<strong>em</strong>onstradas pelas 03 entradas dessa<br />

categoria. O papel <strong>do</strong> líder para ser corrobora<strong>do</strong> perpassa uma série de posturas flexíveis, pois<br />

d<strong>em</strong>andam adaptação, posto que têm méto<strong>do</strong>s específicos de atuação.<br />

Essas considerações abr<strong>em</strong> possibilidades para as outras categorias nas quais a tabela se<br />

divide: afetividade; noção de propriedade; aprendiza<strong>do</strong>; necessidade de reuniões, cada qual com 01<br />

resposta constante. O líder deve ser capaz de aprender, envolver os indivíduos na perspectiva de que<br />

são os verdadeiros <strong>do</strong>nos da estrutura, conseguir se manter como amigo e realizar diversas reuniões<br />

para dividir seu poder de decisão com os d<strong>em</strong>ais coopera<strong>do</strong>s. Muitas e talvez contraditórias são as<br />

posições necessárias para validação de uma posição hierarquizada nas instituições.<br />

Uma dimensão <strong>em</strong>otiva transparece nessa relação complexa. Mas como d<strong>em</strong>onstra Reis<br />

(2003), <strong>em</strong> outros momentos da história, pelas fraturas, pode haver um esforço de racionalização, já<br />

que os sentimentos contraditórios tend<strong>em</strong> a ser organiza<strong>do</strong>s de forma racional para que assim ocorra<br />

de certa forma uma legitimação. Independent<strong>em</strong>ente, fica nítida assim a existência de uma<br />

dimensão coletivista verticalizada na análise. “(...)No caso <strong>do</strong>s coletivistas, traduz-se no senti<strong>do</strong> de<br />

servir aos outros, fazer sacrifícios <strong>em</strong> benefício <strong>do</strong> seu próprio grupo de pertença e cumprir suas<br />

obrigações impostas como normas sociais.” (GOUVEIA, 2003, p. 225).<br />

Mas deixa claras as ligações concretas com uma dimensão horizontalizada <strong>do</strong><br />

coletivismo, já que a liderança é aceita, mas dentro de uma situação rebuscada, onde o próprio líder<br />

deve se observar enquanto igual, ou seja,<br />

110


111<br />

cont<strong>em</strong>pla-se uma baixa liberdade, porém alta igualdade, explican<strong>do</strong> o motivo de<br />

um eu interdependente e compartilha<strong>do</strong> com os d<strong>em</strong>ais m<strong>em</strong>bros da sociedade.<br />

Assim, as pessoas se vê<strong>em</strong> como sen<strong>do</strong> similares às outras, enfatizam objetivos<br />

comuns com os outros, mas, todavia, não são submetidas facilmente à autoridade<br />

(GOUVEIA, 2003, p. 225).<br />

Assim <strong>em</strong>erge a figura <strong>do</strong> líder na cooperativa, mas dentro de um grupo de valorações às<br />

quais deve se submeter. É importante perceber que valorações positivas para a liderança, também<br />

pod<strong>em</strong> ser visto <strong>em</strong> um contexto vertical de individualismo, onde as pessoas competiriam pelo<br />

crescimento. E este foi o intuito da questão de número 12: verificar uma possível competição<br />

interna à cooperativa para, a partir dali, criar ilações com uma possível verticalidade também<br />

individualista. As respostas a esta questão deram orig<strong>em</strong> a tabela 12.<br />

TABELA 12<br />

EXISTENCIA E INTERESSE DOS COOPERADOS PELA COMPETIÇÃO.<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Existência e interesse pela competição<br />

Características da competição<br />

Ai, era mais gente, era um... vixe... era uma competição mesmo;<br />

Quan<strong>do</strong> tinha um número maior, então...;<br />

Ficou muito pouca gente, então num dá pra eles querer competir;<br />

Quer ser assim, melhor que a outra, quer fazer melhor que a outra;<br />

Tinha aquela competitividade, qu<strong>em</strong> fazia mais, qu<strong>em</strong> fazia mais<br />

rápi<strong>do</strong>, qu<strong>em</strong> ia ta... mas agente tinha aquela influência de ganhar,<br />

né...;<br />

é por causa mesmo da forma de trabalho, porque pagava pelo...;<br />

umas que competir, quer ser assim, melhor que a outra, quer fazer<br />

melhor que a outra, mas existe;<br />

achar que o dele é s<strong>em</strong>pre melhor que <strong>do</strong> outro, né;<br />

Até certo ponto, não é, parcialmente, tu<strong>do</strong> na vida t<strong>em</strong> que ter<br />

competição, mas é como eu disse: com respeito;<br />

pra o b<strong>em</strong> da cooperativa eu procuro competir;<br />

que num é 100% que quer competir pra fazer a coisa assim, igual<br />

assim...as vezes, mes que que, mas t<strong>em</strong> vez que discuida;<br />

era só uma briga...;<br />

s<strong>em</strong>pre há uma competição mas de forma sadia;<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Continua)<br />

Nº<br />

15


TABELA 12<br />

EXISTENCIA E INTERESSE DOS COOPERADOS PELA COMPETIÇÃO.<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Existência e interesse pela competição<br />

Inexistência de competição<br />

Não. Acredito que não. Inicialmente sim né;<br />

Hoje não t<strong>em</strong>os nenhum tipo de competição interna por parte de<br />

nenhum <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s, mais liga<strong>do</strong>s diretamente, intimamente<br />

Eu acho que aqui nessa cooperativa não...;<br />

Pelo menos no grupo que está aqui, ainda não;<br />

Já competiu muito, hoje, não;<br />

Aqui t<strong>em</strong> muita poucas pessoas...num t<strong>em</strong> competição aqui não;<br />

Não. Hoje não;<br />

Não. Hoje não. Tu<strong>do</strong> trabalha assim, numa boa;<br />

Ah, ultimamente não... assim, antes tinha;<br />

Ó... agora, no momento, eu acho que não t<strong>em</strong>.<br />

Existência de competição<br />

Compete. Com certeza, não é...;<br />

Existe.Eu vou falar por mim...é...;<br />

Inda t<strong>em</strong> um pouquinho ainda;<br />

Existe. Existe. É o que mais t<strong>em</strong>.<br />

Tentativa de eliminação da competição<br />

T<strong>em</strong> visão de pessoas que faz, agente quer tirar, mas a pessoa já é<br />

velha...;<br />

Então agente s<strong>em</strong>pre tentou trabalhar isso aí, é, tirar essa idéia da<br />

cabeça <strong>do</strong>s meninos.<br />

Valorização <strong>do</strong> coletivo<br />

Sei que eu desenvolvo um papel melhor, mas eu não me sinto,<br />

que eu s<strong>em</strong>pre eu to ajudan<strong>do</strong> (...) pra elas ficá igualzinha a eu;<br />

O meu companheiro pode ganhar, mas o trabalho que vai sair lá<br />

fora é o trabalho da entidade, e não meu trabalho pessoal.<br />

Auto-realização<br />

Já era um sonho, então na primeira reunião eu já fui.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Conclusão)<br />

Por meio da tabela 12, fica clara uma dimensão t<strong>em</strong>poral da competição. 11 relatos<br />

somam afirmativas nesse senti<strong>do</strong>. D<strong>em</strong>onstram que existiu uma competição muito grande nas fases<br />

iniciais da cooperativa, e que esta competição encontra resistências relacionadas à quantidade de<br />

pessoas como também sua proximidade. Os indivíduos se encontrariam conecta<strong>do</strong>s agora de forma<br />

mais íntima. Estas afirmativas são contrárias ao que seria “<strong>em</strong> suma, liberdade face ao dever de<br />

contribuir para a vida cotidiana, e a perpetuação da comunidade” (BAUMAN, 1999, p.16). Dessa<br />

maneira, enquanto intimamente conexos, os indivíduos se perceberiam <strong>em</strong> um lócus onde se<br />

Nº<br />

11<br />

04<br />

02<br />

02<br />

01<br />

112


encontram diferent<strong>em</strong>ente das definições de Velho (1999), como instancias de individualização, já<br />

que, “quanto mais exposto estiver o autor a experiências diversificadas, quanto mais tiver que dar<br />

conta <strong>do</strong> ethos e visões de mun<strong>do</strong> contrastantes, quanto menos fechada for sua rede de relação ao<br />

nível <strong>do</strong> seu cotidiano, mais marcada será sua auto percepção de individualidade singular” (Velho,<br />

1999 p. 32).<br />

Os coopera<strong>do</strong>s se perceb<strong>em</strong> próximos, pois t<strong>em</strong> uma rede de relações que é forte, que<br />

desestimula a competição. Para<strong>do</strong>xalmente, entretanto (e mesmo que a categoria tentativa de<br />

eliminação da competição d<strong>em</strong>onstre 02 colocações nesse senti<strong>do</strong>), ela não foi eliminada ainda. E<br />

04 colocações sobre a existência da competição corroboram esta afirmativa que fica mais<br />

compreensível com as suas características, que com 15 ilações nas respostas <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s,<br />

d<strong>em</strong>onstra que as pessoas pod<strong>em</strong> se descuidar e se observar<strong>em</strong> com atitudes de concorrência.<br />

A competição é conectada diretamente ao trabalho, quanto ao número de pessoas, sen<strong>do</strong><br />

que quanto mais pessoas maior a concorrência; ao próprio trabalho, no senti<strong>do</strong> de se fazer algo<br />

melhor <strong>do</strong> que o outro; aspectos financeiros, para se obter ganhos maiores.<br />

É também conectada a padrões negativos de comportamento, como a falta de respeito<br />

pelo outro e alguma diferença existente entre pessoas, o que geraria um mau relacionamento. Mas<br />

ambas as percepções são recobertas de atribuições negativas, o que fica mais evidente pela não<br />

intenção de crescimento hierárquico da maior parte <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s. O grupo d<strong>em</strong>onstra pelas suas<br />

relações e valores, quais os tipos de atitudes são interessantes. Funciona como uma bússola, que<br />

orienta as pessoas <strong>em</strong> relação a quais caminhos trilhar.<br />

As valorações negativas afirmam, portanto, uma desconexão com o individualismo<br />

vertical, já que neste senti<strong>do</strong>, seria<br />

113<br />

(...)dada máxima importância ao senti<strong>do</strong> de liberdade, definin<strong>do</strong> uma típica<br />

d<strong>em</strong>ocracia de merca<strong>do</strong>. As pessoas que segu<strong>em</strong> esta orientação quer<strong>em</strong> ser<br />

distintas, adquirin<strong>do</strong> status social. Faz<strong>em</strong> isso geralmente <strong>em</strong> competições com os<br />

outros.(GOUVEIA, 2003, p. 225).


Para<strong>do</strong>xalmente, no entanto, exist<strong>em</strong> competições, mesmo que frutos de algum descui<strong>do</strong><br />

ou quan<strong>do</strong> estão orientadas para um b<strong>em</strong> comum. Assim mostra-se preponderante o papel <strong>do</strong> grupo<br />

na orientação, na definição, na d<strong>em</strong>onstração das escalas, caminhos e esferas que o individuo deve<br />

passar.<br />

Mas quais são as táticas <strong>do</strong> grupo para se manter coeso e uni<strong>do</strong>, diante de sua realidade?<br />

Como se manter <strong>em</strong> meio a uma sociedade capitalista, que parece reforçar el<strong>em</strong>entos contrários?<br />

Qual é a estratégia para se manter cooperativista? Estas são as respostas buscadas na questão 13,<br />

que deu base para a tabela 13.<br />

ESTRATÉGIAS COOPERATIVISTAS<br />

TABELA 13<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Estratégias cooperativistas<br />

Sacrifício e persistência<br />

Insistência d<strong>em</strong>ais... o povo é insistente;<br />

Outros afastaram(...) tamos aqui, na marretinha oh 51 ...Batalhan<strong>do</strong>;<br />

Lutou por ela... os coopera<strong>do</strong>s;<br />

Nós lutamos, ficamos, sofr<strong>em</strong>os, passamos vergonha;<br />

Eu acredito que nós fomos guerreiras;<br />

ficamos lá no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> poço, mas pelejamos, lutamos, lutamos<br />

até saímos.<br />

Eu acho que to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> gosta de ser desafia<strong>do</strong>,cê num acha?;<br />

Já engolimos muita coisa (...) tamo prepara<strong>do</strong> pra enfrentar mais;<br />

Aspectos financeiros<br />

Você consegue agariar recursos, fun<strong>do</strong>s, trabalhan<strong>do</strong> junto;<br />

Trabalhan<strong>do</strong> s<strong>em</strong> receber um centavo, pra pagar conta que nos<br />

não fiz<strong>em</strong>os;<br />

Um ponto certo, pra gente ficar s<strong>em</strong> pagar o aluguel;<br />

Cada uma juntasse uma porção de dinheiro pra gente tentar com<br />

um capital de giro;<br />

Valorização <strong>do</strong> coletivo<br />

Acho que t<strong>em</strong>os que dar as mãos mesmo e seguir juntos;<br />

T<strong>em</strong> que ter muita união;<br />

Pra que desse pra todas é... conseguir aquilo que deseja;<br />

Primeiro, trabalhar a coletividade.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Continua)<br />

51 Foi anotada no caderno de observações <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r uma comunicação não verbal, realizada através de gestos de<br />

golpes e batidas das mãos <strong>do</strong> sujeito de pesquisa, com intensidade, reforçan<strong>do</strong> a relevância da informação.<br />

Nº<br />

10<br />

04<br />

04<br />

114


ESTRATÉGIAS COOPERATIVISTAS<br />

TABELA 13<br />

Coopera<strong>do</strong>s<br />

Estratégias cooperativistas<br />

Desenvolvimento coletivo<br />

É pensar no desenvolvimento, no crescimento de forma integrada,<br />

de forma sustentável;<br />

T<strong>em</strong>os que dar as mãos mesmo e seguir juntos. Par com par;<br />

Junto a força é maior.<br />

Órganismos governamentais<br />

E pelo menos uma ajuda assim <strong>do</strong> prefeito...;<br />

Um apoio <strong>do</strong>s próprios governantes, mas, agente faz parte de uma<br />

cooperativa, por mais que agente vê muito incentivo, muito<br />

projeto, mas há uma burocracia, uma dificuldade;<br />

Um sonho (...)também é desvincular a cooperativa de prefeitura.<br />

Interesse comum<br />

Ela t<strong>em</strong> que ter um único objetivo, né...;<br />

A cooperativa t<strong>em</strong> que fazer um grupo de mulheres e todas querer<br />

a mesma coisa;<br />

Necessidade de bases<br />

Eu aconselharia pra ter pé no chão (...) quan<strong>do</strong> começar;<br />

Uma cooperativa, pra ela existir, eu acho que ela t<strong>em</strong> que... agente<br />

t<strong>em</strong> que começar com os pés no chão.<br />

Divisão <strong>do</strong> trabalho<br />

Ter duas ou três cortadeira que eu acho que agente nunca pode ter<br />

um só... nós precisamos de ter várias costureiras... e cada uma<br />

com a sua habilidade...;<br />

Tal coopera<strong>do</strong> poderia desenvolver muito mais pra essa área,<br />

específica.<br />

Atrelamento ao gênero f<strong>em</strong>inino<br />

Muier é chata...hum... se fosse hom<strong>em</strong> já tinha chuta<strong>do</strong> o balde!;<br />

A cooperativa t<strong>em</strong> que fazer um grupo de mulheres e todas querer<br />

a mesma coisa.<br />

Diversidade de perspectivas<br />

T<strong>em</strong> os “suga” aqueles que quer sugar... os que quer podar...;<br />

E isso é difícil, porque cada um t<strong>em</strong> o objetivo diferente.<br />

Aprendiza<strong>do</strong><br />

To<strong>do</strong>s t<strong>em</strong> que ter qualificação, né...<br />

Centralização <strong>do</strong> ser humano<br />

ter o ser humano como principal foco da atividade. Porque as<br />

outras <strong>em</strong>presas não é o ser humano é como o principal foco. O<br />

principal foco ali é a continuidade daquele lucro que é projeta<strong>do</strong>.<br />

Necessidade de humildade<br />

Eu acho que cooperativa é mais as pessoa mais humilde;(...) n<strong>em</strong><br />

questão de riqueza pobreza. Antigamente as competições era <strong>em</strong><br />

questão disso mesmo.<br />

Noção de propriedade<br />

Poque cooperativa é como se fosse uma <strong>em</strong>presa, um <strong>em</strong>presa de<br />

vários <strong>do</strong>nos.<br />

Fonte: Da<strong>do</strong>s da pesquisa<br />

(Conclusão)<br />

Nº<br />

03<br />

03<br />

02<br />

02<br />

02<br />

02<br />

02<br />

01<br />

01<br />

01<br />

01<br />

115


Fundamenta<strong>do</strong> no exposto pela tabela 13, se perceb<strong>em</strong> estratégias cooperativistas.<br />

Pod<strong>em</strong>-se citar conexões com organismos governamentais, e uma estruturação inicial, uma busca<br />

por bases antes de começar com a cooperativa, com 03 e 02 respondentes.<br />

A primeira categoria <strong>em</strong> freqüência no entanto, não trata destes <strong>do</strong>is agrupamentos, mas<br />

sim de uma clara necessidade de sacrifício e persistência, mesmo diante de adversidades para uma<br />

continuidade <strong>do</strong> intento cooperativista. Este agrupamento, com 10 respostas, mostra a conexão <strong>do</strong><br />

desígnio coletivista com uma realidade que, nas definições de alguns coopera<strong>do</strong>s, “(...) tu<strong>do</strong> é<br />

competitivo, concorrente (...)”(informação verbal). O escopo de uma guerra fica também níti<strong>do</strong> nos<br />

formatos de expressão utiliza<strong>do</strong>s pelos indivíduos que precisam lutar, se sacrificar, ser<strong>em</strong> guerreiros<br />

para dar continuidade ao seu desígnio.<br />

Contrariamente, ainda por meio das comunicações realizadas pelos entrevista<strong>do</strong>s, esta<br />

batalha é travada com um fito de desafio e de superação diante <strong>do</strong>s obstáculos. Portanto, as<br />

percepções acontec<strong>em</strong> sob ângulos positivos e negativos, mas perceb<strong>em</strong> para um futuro uma<br />

tendência positiva. São ainda perpassadas por visões distintas <strong>em</strong> relação ao outro da disputa:<br />

pod<strong>em</strong> se referir a aspectos ambientais ou interiores, ou seja, a luta acontece entre coopera<strong>do</strong>s e<br />

tanto <strong>em</strong> ambiente externo quanto interno. A disputa poderia assim ser travada consigo e com o<br />

outro, como elucidam as categorias diversidade de perspectivas e necessidade de humildade (02 e<br />

01 entradas), uma vez que as pessoas deverão se adaptar aos interesses coletivos. Mas a percepção<br />

de uma luta, também pode ser travada com sist<strong>em</strong>a <strong>em</strong> que estão to<strong>do</strong>s inseri<strong>do</strong>s, como deixa clara<br />

a afirmação relacionada a centralização <strong>do</strong> ser humano, que mostra a necessidade de uma mudança<br />

de foco: <strong>do</strong> lucro para o ser humano.<br />

Relevante perceber que uma centralização <strong>do</strong> individuo seria uma definição aproximada<br />

de individualismo, mas o objetivo é a continuidade, a manutenção da cooperativa, - que insere os<br />

indivíduos no sist<strong>em</strong>a capitalista. A economia solidária seria, portanto, uma alternativa ao sist<strong>em</strong>a<br />

capitalista de produção <strong>–</strong> que para Singer (2008a), pressupõe a separação entre trabalho e posse <strong>do</strong>s<br />

116


meios de produção<strong>–</strong> ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se constitui numa parte dele. Busca a inserção <strong>do</strong>s<br />

indivíduos e da cooperativa neste sist<strong>em</strong>a, como evidenciam os aspectos financeiros, com 04<br />

afirmativas. Nesse senti<strong>do</strong>, a ilação concernente à noção de propriedade, que define uma<br />

cooperativa como “<strong>em</strong>presa de vários <strong>do</strong>nos” (informação verbal), d<strong>em</strong>onstra certa distorção que<br />

esta cria dentro <strong>do</strong> capitalismo, mesmo estan<strong>do</strong> no seu interior: se para a existência <strong>do</strong> capitalismo,<br />

foi necessária a separação entre trabalho e capital, Singer (2008a), define as <strong>em</strong>presas solidárias<br />

como a negação da separação entre trabalho e posse <strong>do</strong>s meios de produção, ou seja, o trabalho e o<br />

capital “estão fundi<strong>do</strong>s porque to<strong>do</strong>s os que trabalham são proprietários da <strong>em</strong>presa e não há<br />

proprietários que não trabalh<strong>em</strong> na <strong>em</strong>presa. E a propriedade da <strong>em</strong>presa é dividida por igual entre<br />

to<strong>do</strong>s os trabalha<strong>do</strong>res, para que to<strong>do</strong>s tenham o mesmo poder de decisão sobre ela” (SINGER,<br />

2008a, p. 4).<br />

As definições da batalha têm ainda conexões com as valorizações coletivas e o interesse<br />

comum (respectivamente com 04 e 02 afirmações), uma vez que estas categorias d<strong>em</strong>onstram para<br />

onde os objetivos apontam, b<strong>em</strong> como, quais os méto<strong>do</strong>s deve se atribuir mais valor na intenção de<br />

alcançá-los. Indica um esforço no senti<strong>do</strong> de orientar as pessoas por um intuito coletivo, que<br />

subordinaria os interesses pessoais <strong>em</strong> preponderância. Uma estratégia de orientação <strong>do</strong>s indivíduos<br />

como percebe Tocqueville (2000), corresponde à realização de boas ações s<strong>em</strong> interesse de receber<br />

algo <strong>em</strong> troca diretamente, imediatamente. Assim, subordinan<strong>do</strong> a necessidade imediata <strong>do</strong>s<br />

indivíduos ao grupo, “a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> b<strong>em</strong> compreendi<strong>do</strong> não produz grandes devoções, mas sugere<br />

to<strong>do</strong>s os dias pequenos sacrifícios” (TOCQUEVILLE, 2000, p. 147).<br />

É significante também perceber que pela leitura evidenciada, existe uma competição,<br />

que é uma das extensões <strong>do</strong> individualismo vertical, conforme percebe Gouveia (2003), mas por<br />

esta via, se alinha com uma noção de desenvolvimento coletivo, evidenciada pelas 03 respostas<br />

coletadas, num intuito coletivista. O grupo não parece se encaixar <strong>em</strong> alguma categoria coletivista,<br />

uma vez que não busca uma simples equalização <strong>do</strong>s m<strong>em</strong>bros, muito menos <strong>em</strong> uma dimensão<br />

117


individualista, pois perpassada de uma <strong>do</strong>utrina de b<strong>em</strong> compreendi<strong>do</strong>, que t<strong>em</strong> que ser concebida<br />

coletivamente.<br />

Essa “não adequação” fica ainda mais clara com sua conexão com o aprendiza<strong>do</strong>, pois<br />

deixa claro que to<strong>do</strong>s dev<strong>em</strong> se qualificar para buscar um b<strong>em</strong> comum ao mesmo t<strong>em</strong>po que se<br />

diferenciam pela divisão <strong>do</strong> trabalho requerida para o desenvolvimento individual, <strong>em</strong> áreas<br />

específicas. Conceitos trabalha<strong>do</strong>s por Durkheim (1999) como de solidariedade, sen<strong>do</strong> a mecânica<br />

aquela que liga o individuo diretamente ao grupo devi<strong>do</strong> a similitudes, e a mecânica outra, que cria<br />

relação de dependência <strong>do</strong> individuo com as partes que compõe a sociedade através da<br />

especialização e divisão <strong>do</strong> trabalho.<br />

Mas denota um entre termos, uma terceira dimensão além das análises horizontais ou<br />

verticais. São diferentes, mas dev<strong>em</strong> buscar objetivos comuns, compet<strong>em</strong> por um crescimento<br />

hierárquico, uma valorização comum, para o grupo. Indica amarrações entre as categorias <strong>em</strong><br />

alguma medida dicotômicas: individualismo e coletivismo. Mas o realiza através da distorção que é<br />

realizada pela economia solidária no continuum capitalista.<br />

118


7 CONCLUSÃO<br />

As relações entre individualismo, capitalismo e coletivismo dentro de organismos<br />

cooperativistas <strong>do</strong> município de Salinas, Minas Gerais se mostraram complexas.<br />

As cooperativas se traduz<strong>em</strong> efetivamente enquanto uma possibilidade de inserção das<br />

pessoas <strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a contrário. Reflet<strong>em</strong>-se e receb<strong>em</strong> muita importância por parte <strong>do</strong>s<br />

coopera<strong>do</strong>s individualmente, <strong>em</strong> função das muitas considerações a respeito da importância<br />

financeira que representam.<br />

Entretanto, a perspectiva monetária, também clara nessa apresentação, não é a única. Os<br />

indivíduos nas cooperativas são perpassa<strong>do</strong>s por uma gama de outros valores, como o apego ao<br />

local, a afetividade que sent<strong>em</strong> pelos parceiros. São ainda, nitidamente interessa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> um ideal de<br />

crescimento coletivo, fato liga<strong>do</strong> ao apego pelo local. D<strong>em</strong>onstra que as perspectivas tratadas por<br />

autores como Bauman (1999) e Arendt (1989), que versam uma desconexão face a deveres e<br />

obrigações grupais ou mesmo a locais específicos, neste caso se torna incoerente. Os indivíduos<br />

participantes são sim, liga<strong>do</strong>s às cooperativas, a ponto de ser<strong>em</strong> capazes de suportar a ausência de<br />

repasses financeiros pelo seu trabalho, <strong>em</strong> prol de um interesse coletivo. Esse ponto mostra cortes<br />

no continuum capitalista. A necessidade de capital existe, mas simplesmente, não é o único ponto a<br />

ser considera<strong>do</strong>. Existe aqui, <strong>em</strong> determina<strong>do</strong>s momentos, o b<strong>em</strong> comum apreendi<strong>do</strong> defini<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

Tocqueville (2000).<br />

Também seria um erro, todavia, considerar os valores coletivistas como preponderantes<br />

nesse caso. Não se pode chegar a uma definição simplista como essa, pelo fato de não se<br />

apresentar<strong>em</strong> preponderâncias absolutas <strong>do</strong> coletivismo. Se houvesse realmente uma linha de onde<br />

se perceb<strong>em</strong> coletivismo e individualismo enquanto opostos, nesse caso a linha representaria uma<br />

incoerente grafia de idas e vindas, entradas e retornos, onde suas pontas estão a uma distancia <strong>em</strong>


alguns momentos e outra <strong>em</strong> outros. Existe a hierarquia, mas a noção de igualdade, a diferenciação,<br />

mas to<strong>do</strong> um arcabouço para conexão e aproximação <strong>do</strong>s indivíduos. Indica também uma dedicação<br />

forte, que busca no seu arrolamento cotidiano a manutenção de formatações solidárias, ao mesmo<br />

t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que procura instituir um mo<strong>do</strong> de conexão <strong>do</strong> individuo no sist<strong>em</strong>a ao qual se encontra<br />

inseri<strong>do</strong>.<br />

As pessoas se avistam como parte de um grupo uni<strong>do</strong>, que chega a interferir nas<br />

percepções de realidade ou separação entre coletivo e individual, pois exist<strong>em</strong> pessoas que falam<br />

que são a cooperativa. É interessante perceber também que, por mais que os indivíduos estejam<br />

liga<strong>do</strong>s por fatores como um ideal comum, um crescimento coletivo, algum tipo de nexo pode ser<br />

analisa<strong>do</strong> pelo me<strong>do</strong> de se frustrar se saír<strong>em</strong> da instituição. Os indivíduos buscam uma realização<br />

comum aos outros, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que buscam sua auto-realização, seus objetivos pessoais.<br />

Outros <strong>do</strong>is fatores d<strong>em</strong>onstram a complexidade <strong>do</strong> t<strong>em</strong>a: os artifícios de mediação das<br />

diferentes perspectivas (claro também pela existência de competição, mesmo não tão fortes) e<br />

interesse pelo crescimento (além da necessidade existência de líderes).<br />

O primeiro mostra que não exist<strong>em</strong> instrumentos de controle explicitamente defini<strong>do</strong>s<br />

como na <strong>em</strong>presa capitalista. Eles acontec<strong>em</strong> na interação entre os indivíduos e essa é estimulada<br />

constant<strong>em</strong>ente, pelas reuniões, o cotidiano próximo, onde os ideais de familiaridade, coletividade,<br />

igualdade são constant<strong>em</strong>ente reforça<strong>do</strong>s.<br />

O segun<strong>do</strong> mostra uma necessidade da existência de líderes, mas ao mesmo t<strong>em</strong>po, um<br />

controle relativamente grande sobre suas ações. O papel <strong>do</strong> líder para ser corrobora<strong>do</strong> perpassa uma<br />

série de posturas flexíveis, pois d<strong>em</strong>andam adaptação, posto que tenha méto<strong>do</strong>s específicos de<br />

atuação, que são valida<strong>do</strong>s pelo grupo. É claro também o quanto que este deve interferir na<br />

construção <strong>do</strong> ideal coletivo, enquanto media<strong>do</strong>r: o líder, ser individual e hierarquicamente<br />

superior, deve reforçar o coletivismo nas cooperativas.<br />

120


E assim se encontram os coopera<strong>do</strong>s: indivíduos que lutam interna e externamente por<br />

uma valorização maior, mas inicialmente <strong>do</strong> coletivo, para conseguir chegar na seu objetivo<br />

pessoal.<br />

121


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125


ANEXOS


I <strong>–</strong> Questões que orientarão a entrevista:<br />

Entrevista Pesquisa de Mestra<strong>do</strong><br />

As questões de 1 a 5 visam a verificação da relevância da cooperativa diante <strong>do</strong><br />

coopera<strong>do</strong>, b<strong>em</strong> como a participação <strong>do</strong>s mesmos e sua noção de b<strong>em</strong> comum.<br />

1) Qual a importância da cooperativa na sua vida? Por quê?<br />

2) Como é a relação entre cooperativa e coopera<strong>do</strong>?<br />

3) Entre interesses da cooperativa e individuais, quais têm si<strong>do</strong> preponderantes na sua vida?<br />

4) Você já percebeu comportamentos <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s que seriam incompatíveis com os valores<br />

da cooperativa? Qual tipo de comportamento é mais freqüente: aqueles que levam primeiro<br />

<strong>em</strong> consideração o individuo ou os que levam primeiro <strong>em</strong> consideração o grupo? Poderia<br />

citar algum ex<strong>em</strong>plo?<br />

5) Você se sente parte da cooperativa? Porque?<br />

As questões 6 e 7 visa a verificação <strong>do</strong>s valores ou instrumentos que levam a conexões<br />

entre coopera<strong>do</strong>s e cooperativa.<br />

6) O que mantêm as pessoas ligadas à cooperativa? A cooperativa t<strong>em</strong> artifícios para conectar<br />

as pessoas aos seus valores e interesses? Caso positivo, estes instrumentos são importantes?<br />

7) É necessário algum controle sobre as intenções <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s? Este controle é muito<br />

importante?<br />

A partir da questão 8 visa-se verificar valorização ou interesse <strong>do</strong>s coopera<strong>do</strong>s <strong>em</strong><br />

cooperar ou ser<strong>em</strong> similares aos outros e <strong>em</strong> se diferenciar e ser melhor que os outros.<br />

8) Como é a relação entre coopera<strong>do</strong>s?<br />

9) Você acredita que to<strong>do</strong>s os coopera<strong>do</strong>s dev<strong>em</strong> receber um tratamento igualitário?<br />

10) O trabalho de to<strong>do</strong>s os coopera<strong>do</strong>s t<strong>em</strong> o mesmo valor para a cooperativa? Caso negativo:<br />

você deseja crescer na cooperativa?<br />

11) Existe a necessidade de pessoas hierarquicamente superiores? Diante da necessidade, os<br />

coopera<strong>do</strong>s se submeteriam com tranqüilidade à autoridade <strong>do</strong>s mesmos?<br />

12) Existe alguma competição interna à cooperativa? Você compete por alguma coisa? E os<br />

outros coopera<strong>do</strong>s?<br />

13) Como você definiria a estratégia para ser cooperativista?

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