Avaliação morfológica - Febrasgo
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Revista Medicina<br />
Materno-Fetal<br />
Ano II • nº 3/2011 ISSn 2177-1588<br />
Avanços<br />
<strong>Avaliação</strong> e conduta pré-natal<br />
<strong>Avaliação</strong> <strong>morfológica</strong><br />
Primeiro trimestre<br />
Ultrassonografia<br />
Translucência nucal
Revista Medicina<br />
Materno-Fetal<br />
Ano II • nº 3/2011 ISSn 2177-1588<br />
Neste número da Revista Medicina Materno-Fetal nosso enfoque será o exame<br />
ultrassonográfico de primeiro trimestre. Considerando que a ultrassonografia<br />
do primeiro trimestre é prática bem estabelecida nos dias atuais e é usada<br />
rotineiramente para a avaliação da idade gestacional através da medida do comprimento<br />
cabeça-nádega (CCN), medida da translucência nucal (TN), da corionicidade e<br />
do número de fetos nas gestações gemelares, nosso objetivo é ratificar a importância<br />
da realização deste exame por médico adequadamente treinado.<br />
Há mais de duas décadas foi demonstrado que a maioria dos fetos com anomalias<br />
cromossômicas pode ser identificada pela combinação da idade materna, medida da<br />
TN, níveis séricos de b-hCG (b human chorionic gonadotrophin) e PAPP-A (pregnancyassociated<br />
plasma protein A). Recentemente, com a melhora dos aparelhos ultrassonográficos,<br />
o exame do primeiro trimestre evoluiu de um exame onde essencialmente<br />
se media o CCN e a TN para um exame onde se inclui uma avaliação detalhada da<br />
anatomia fetal com a intenção de detectar malformações maiores, possibilitando aconselhamento<br />
e acompanhamento adequados da gestação. Estudo envolvendo mais de<br />
45 mil gestantes determinou que as malformações graves podem ser divididas em<br />
três grupos em relação à sua possibilidade de detecção no primeiro trimestre: (a)<br />
anomalias estruturais que são sempre detectáveis em uma ecografia, onde a rotina de<br />
avaliação inclui o corte sagital apropriado do feto para a medida da TN e CCN e uma<br />
varredura em cortes tranversos que começa na cabeça e passa pelo tórax e abdômen,<br />
(b) anomalias que NÃO são detectáveis no primeiro trimestre, pois manifestam-se<br />
somente no segundo e/ou terceiro trimestre da gestação e (c) as malformações que<br />
são potencialmente detectáveis, dependendo dos objetivos determinados para cada<br />
exame, e consequentemente do tempo alocado para o exame fetal, experiência do<br />
examinador e qualidade do aparelho usado. Outras evidências têm demonstrado que<br />
algumas doenças que acometem a gestação também podem ser rastreadas a exemplo<br />
das aneuploidias no primeiro trimestre de gestação, através da combinação de características<br />
demográficas maternas, história clínica e obstétricas em associação com<br />
alguns marcadores bioquímicos.<br />
Assim, neste número da Revista Medicina Materno-Fetal nosso objetivo é informar<br />
e apresentar as possibilidades atuais da ultrassonografia de primeiro trimestre e lançar<br />
desafios para o porvir na prática obstétrica dos consultórios da saúde pública e suplementar,<br />
sendo o objetivo principal diminuir as complicações do binômio materno-fetal.<br />
Prof. Dr. Eduardo Borges da Fonseca<br />
Professor Adjunto da UFPB.<br />
Presidente da Comissão de Medicina Fetal da FEBRASGO.<br />
4<br />
Avanços a ser percorridos na<br />
avaliação e conduta pré-natal<br />
do século atual<br />
Jader J Cruz, Kypros H Nicolaides<br />
9<br />
<strong>Avaliação</strong> <strong>morfológica</strong> fetal<br />
no primeiro trimestre<br />
Homero Medeiros de Oliveira, Marcella<br />
Muniz Marinho, Eduardo Borges da<br />
Fonseca<br />
19<br />
Ultrassonografia do primeiro<br />
trimestre: avaliação da<br />
translucência nucal<br />
Medicina Materno-Fetal é uma publicação patrocinada pela Farmoquímica S/A, produzida pela Office Editora e Publicidade - Diretor Responsável: Nelson dos Santos Jr. - Diretora Executiva: Waléria Barnabá - Diretor de Arte: Roberto E. A. Issa - Publicidade: Adriana<br />
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aos médicos. Os pontos de vista aqui expressos refletem a experiência e as opiniões dos autores. Antes de prescrever qualquer medicamento eventualmente citado nesta publicação, deve ser consultada a bula emitida pelo fabricante. (09311B)
Avanços a ser percorridos na<br />
avaliação e conduta pré-natal do<br />
século atual<br />
4 Rev Med Mat Fetal 2011;2(3):4-9.<br />
Jader J Cruz*, Kypros H Nicolaides**<br />
* Harris Birthright Research Centre for Fetal Medicine.<br />
** King’s College Hospital Medical School, London, UK.<br />
RESUMO<br />
Os avanços tecnológicos atuais permitem uma<br />
avaliação e acompanhamento pré-natal extremamente<br />
eficazes. Nesta revisão, os autores demonstram<br />
as possibilidades atuais no rastreamento de certas<br />
doenças que acometem o binômio materno-fetal e<br />
demonstram possibilidades futuras de ação na rotina<br />
pré-natal, sinalizando uma mudança nos paradigmas<br />
do acompanhamento pré-natal. Esta revisão tem<br />
como objetivo demonstrar que é possível iniciar tais<br />
mudanças cujo objetivo final é melhorar os indicadores<br />
maternos e perinatais, sobretudo a mortalidade e<br />
morbidade associadas às mais comuns complicações<br />
durante o ciclo gravídico-puerperal.<br />
ABSTRACT<br />
The current technological advances allow a better<br />
assessment and extremely effective management in<br />
the prenatal care. The authors intend to demonstrate<br />
the current possibilities in the screening of certain<br />
diseases affecting the pregnancies and demonstrate<br />
future possibilities of action in prenatal care. This<br />
review demonstrates the possibilities and changes<br />
the paradigms of prenatal care. The aim was to demonstrate<br />
that it is possible to initiate such changes<br />
whose ultimate goal is to improve maternal and<br />
perinatal morbidity and mortality associated with the<br />
most common complications during the pregnancy.<br />
Há mais de um século reconheceu-se que a metodologia<br />
vigente não era o suficiente na prevenção da<br />
mortalidade materna e perinatal. (1-4) Com o objetivo<br />
de melhorar esses resultados, foi proposto um novo<br />
modelo de investigação sistemática, com introdução<br />
do pré-natal, que constituiu um grande avanço no cuidado<br />
de mulheres grávidas e desempenhou um papel<br />
crucial na redução substancial da mortalidade materna<br />
e perinatal alcançados durante o último século. (2,3)<br />
Em 1929, o Ministério da Saúde do Reino Unido<br />
publicou um Memorando sobre clínicas pré-natais<br />
recomendando que as mulheres deveriam primeiramente<br />
ser vistas até 16 semanas, depois na 24ª e<br />
28ª semana de gestação; após essa data a avaliação<br />
deveria ser feita quinzenalmente até 36 semanas,<br />
sendo, a partir desta idade gestacional, semanal até o<br />
parto (fig. 1) (Ministério do Relatório sobre a Saúde,<br />
1929). (5) Esta recomendação não foi alicerçada em<br />
nenhuma razão explícita, nem foi advogado o conteúdo<br />
destas visitas clínicas. Entretanto, estas diretrizes<br />
estabeleceram o padrão de atendimento pré-natal<br />
que até hoje é seguido em todo o mundo. O maior<br />
número de visitas no final do terceiro trimestre indica<br />
que a maioria das complicações ocorre em direção<br />
ao final da gravidez e resultados adversos não podem<br />
ser previstos a partir do primeiro trimestre.<br />
Avanços científicos nos últimos 20 anos trazem a<br />
esperança de que muitas complicações da gravidez<br />
são potencialmente detectáveis a partir da 12ª semana<br />
de gestação. (1,2,6-17) Por exemplo, as principais aneuploidias<br />
podem ser identificadas entre 11 e 13 semanas<br />
por uma combinação de características maternas,<br />
achados ultrassonográficos e testes bioquímicos de<br />
sangue materno. (13) Também está cada vez mais evidente<br />
que uma primeira visita ao hospital no primeiro<br />
trimestre, integrada à ecografia do primeiro com
dados demográficos maternos e história obstétrica,<br />
com resultados de testes bioquímicos, pode definir<br />
o risco específico-paciente para um amplo espectro<br />
de complicações na gravidez, incluindo aborto e<br />
morte fetal, (1) parto prematuro, (6,8,17) pré-eclâmpsia, (2,17)<br />
diabetes gestacional, (13,14,18) restrição do crescimento<br />
fetal (9,17) e macrossomia. (13,15)<br />
Estudos ratificam que cerca de 90% dos fetos com<br />
aneuploidias podem ser identificados por teste que<br />
combina a avaliação da espessura da translucência<br />
nucal fetal (NT), da idade materna e da concentração<br />
soro materno da fração livre do ß-hCG e PAPP-A<br />
(“pregnancy associated plasma protein-A”) entre<br />
11 e 13 semanas de gestação. (13) Melhora no desempenho<br />
do rastreamento no primeiro trimestre pode<br />
ser alcançada através da realização do teste bioquímico<br />
entre 9 a 10 semanas de gestação e ecografia<br />
realizada na 12ª semana de gestação, incluindo ao<br />
exame ecográfico a avaliação de outros marcadores<br />
para aneuploidias, tais como presença do osso nasal,<br />
avaliação do fluxo no duto venoso, da artéria hepática<br />
e valva tricúspide. (13) Desempenho semelhante pode<br />
ser alcançado através do exame ultrassonográfico, em<br />
que estes outros marcadores são avaliados em todos<br />
os casos, ou por uma avaliação sequencial, na qual<br />
a primeira fase de análise combinada (translucência<br />
nucal e bioquímica de primeiro trimestre) classifica<br />
os pacientes como alto, intermediário e baixo risco,<br />
sendo os outros marcadores avaliados apenas no<br />
grupo de risco intermediário por médico habilitado<br />
para esta avaliação mais detalhada e, então, reclassificamos<br />
a gestante como de baixo ou de alto risco. (13)<br />
AVALIAÇÃO MORFOLÓGICA ESTRUTURAL<br />
Sabemos também que no primeiro trimestre (entre<br />
11 e 13 semanas de gestação) é possível diagnosticar<br />
ou suspeitar da presença das mais frequentes<br />
e importantes anormalidades, que podem ser letais<br />
ou associadas a graves sequelas pós-natais, de<br />
modo que os pais podem ser orientados adequadamente<br />
de forma precoce durante o pré-natal, de<br />
modo a programar o porvir deste feto ou escolher<br />
de forma adequada o local de nascimento onde o<br />
recém-nascido poderá ter a melhor assistência pósnatal.<br />
As anormalidades fetais graves podem ser<br />
alocadas em três grupos em relação à possibilidade<br />
Revista Medicina<br />
Materno-Fetal<br />
Figura 1. Pirâmide demonstrando a agenda de<br />
consultas pré-natais: passado (esquerda) e futuro<br />
(direita).<br />
diagnóstica no primeiro trimestre: (16) primeiro,<br />
aqueles que são sempre anormalidades detectáveis,<br />
incluindo anomalias como anencefalia, “body-stalk”,<br />
holoprosencefalia alobar, onfalocele, gastrosquise e<br />
megabexiga; segundo, anormalidades indetectáveis,<br />
porque os sinais ultrassonográficos são apenas o<br />
manifestar durante o segundo ou terceiro trimestre<br />
da gravidez, incluindo algumas anormalidades cerebrais,<br />
tais como microcefalia, hipoplasia do vermis<br />
do cerebelo ou hidrocefalia e agenesia do corpus,<br />
anormalidades do pulmão, acondroplasia, anomalias<br />
renais e obstrução intestinal. O terceiro grupo inclui<br />
as anormalidades que são potencialmente detectáveis<br />
dependendo de algumas variáveis importantes, como<br />
os objetivos estabelecidos para a realização de um<br />
exame adequado, o tempo alocado para a avaliação<br />
da morfologia fetal, a perícia do ultrassonografista<br />
e a qualidade do equipamento utilizado; associados<br />
à presença de um marcador facilmente detectável<br />
por uma determinada anormalidade. Bons exemplos<br />
desses marcadores no primeiro trimestre incluem<br />
aumento da espessura da NT em alguns fetos com<br />
displasias esqueléticas letais (10) e hérnia diafragmática;<br />
aumento da espessura da NT e anormalidades<br />
do fluxo no ducto venoso e na valva tricúspide nas<br />
malformações cardíacas graves (7) e aumento no diâmetro<br />
do tronco cerebral, diminuição do diâmetro<br />
do quarto ventrículo/cisterna magna no complexo<br />
espinha bífida. (11)<br />
Abortamento e óbito fetal intrauterino<br />
Estudos demonstram que as taxas de abortamento<br />
e natimorto após a demonstração de um feto vivo<br />
entre 11 e 13 semanas de gestação são cerca de 1 e<br />
Cruz JJ, Nicolaides KH, Avanços a ser percorridos na avaliação e conduta pré-natal do século atual<br />
5
0,4%, respectivamente. Aumento no risco de abortamento<br />
e natimorto está associado com algumas<br />
características maternas, incluindo o aumento da<br />
idade e peso materno, abortamento ou natimorto em<br />
gestações anteriores, extrato social e racial. (1)<br />
A maior incidência de abortamento e natimortos<br />
está também associada com resultados anormais dos<br />
testes de rastreamentos de aneuploidias realizados no<br />
primeiro trimestre da gestação, incluindo o aumento<br />
na espessura da TN, anormalidades no fluxo do ducto<br />
venoso, baixos valores no soro materno do PAPP-A. (1)<br />
Considerando que até o momento não há intervenção<br />
útil para evitar aborto, a utilização deste<br />
algoritmo na prática clínica é discutível. (17) Por outro<br />
lado, identificação de um grupo de alto risco para<br />
morte fetal no primeiro trimestre poderia levar a uma<br />
redução desta complicação através de um acompanhamento<br />
adequado do crescimento e do bem-estar<br />
fetal, identificando o momento ideal do parto.<br />
Parto prematuro<br />
O nascimento prematuro é a principal causa<br />
de morbidade e mortalidade neonatal em crianças<br />
e a maior parte destas complicações são comuns<br />
naqueles que nascem antes da 34ª semana de gestação<br />
e representam um grupo de 2% da população<br />
de gestações únicas e 8% das gestações gemelares.<br />
Dois terços dos partos prematuros abaixo de 34 semanas<br />
são espontâneos, isto é, decorrentes do início<br />
espontâneo do trabalho de parto ou decorrentes da<br />
rutura prematura de membranas ovulares. Os outros<br />
33% são iatrogênicos, devidos, principalmente, à<br />
pré-eclâmpsia.<br />
O risco do paciente-específico para parto espontâneo<br />
antes de 34 semanas pode ser determinado por<br />
um algoritmo que combina características maternas<br />
e antecedentes obstétricos. (6) Este risco a priori pode<br />
ser modificado pela medida ultrassonográfica do<br />
comprimento do colo do útero em 11 a 13 semanas<br />
que é inversamente relacionado com a probabilidade<br />
de parto prematuro espontâneo. (8) Atualmente não<br />
existem outros marcadores biofísicos úteis ou bioquímicos<br />
do parto prematuro espontâneo. (6) Investigação<br />
futura irá determinar se a intervenção precoce com<br />
medidas tais como o uso profilático de progesterona<br />
ou circlagem cervical vai ser eficaz na redução do<br />
parto prematuro espontâneo.<br />
6 Rev Med Mat Fetal 2011;2(3):4-9.<br />
Pré-eclâmpsia<br />
A pré-eclâmpsia é a principal causa de morbidade<br />
e mortalidade materna. A gravidade e a idade gestacional<br />
do início da doença são inversamente proporcionais<br />
à gravidade das alterações na placentação<br />
e às complicações maternas e perinatais a curto e<br />
longo prazo. Algoritmos que combinam características<br />
maternas, pressão arterial média, Doppler das<br />
artérias uterinas e testes bioquímicos entre 11 e 13<br />
semanas podem potencialmente identificar cerca de<br />
90, 80 e 60% das gestações em que posteriormente<br />
se desenvolve pré-eclâmpsia em idade gestacional<br />
precoce (antes das 34 semanas), intermediária<br />
(entre 34 e 37 semanas) e tardia (após 37 semanas)<br />
para uma taxa de falso-positivo de 5%. (2)<br />
Investigações determinarão se no grupo considerado<br />
de alto risco as intervenções farmacológicas, tais<br />
como aspirina em baixas doses, a partir do primeiro<br />
trimestre poderiam melhorar a placentação e reduzir<br />
a prevalência da doença.<br />
Diabetes gestacional<br />
Diabetes mellitus gestacional (GDM), definido<br />
como qualquer grau de intolerância a carboidratos<br />
com primeiro diagnóstico na gestação, está associado<br />
a um maior risco de complicações maternas e perinatais,<br />
tanto a curto como a longo prazo. O rastreamento<br />
tradicional realizado no final do segundo trimestre<br />
da gestação por uma série de características maternas<br />
independentes possui resultados insatisfatórios, com<br />
uma taxa de detecção de cerca de 60% e uma taxa<br />
de falso-positivo de 30 a 40%. (18)<br />
Algoritmos que combinam características demográficas<br />
da mãe e das gestações anteriores com níveis<br />
séricos maternos de adiponectina (polipeptídeo<br />
derivado dos adipócitos), hormônio sexual ligado à<br />
globulina (glicoproteína derivada do fígado materno)<br />
entre 11 e 13 semanas podem potencialmente identificar<br />
cerca de 75% das gestações que, posteriormente,<br />
desenvolverão GDM, para um taxa de falso-positivo<br />
de 20%. (12)<br />
Além disso, o diagnóstico de diabetes gestacional<br />
pode ser feito no primeiro trimestre com ajustes<br />
apropriados para os critérios tradicionais da prova<br />
oral de tolerância à glicose. (14) Investigação futura irá<br />
determinar se no grupo de alto risco a adequação<br />
dietética e as intervenções farmacológicas, como a
metformina, poderiam reduzir a incidência de diabetes<br />
gestacional e macrossomia fetal associados.<br />
dESVIOS dO CRESCIMENTO FETAL<br />
Fetos pequenos para a idade gestacional<br />
Os recém-nascidos pequenos para a idade gestacional,<br />
definidos como aqueles com peso inferior<br />
ao percentil 10 para a idade gestacional, podem<br />
ser constitucionalmente pequenos ou apresentarem<br />
uma restrição de crescimento (RCF) decorrente de<br />
alterações na placentação, com graus variáveis de<br />
insuficiência placentária, ou devida a doenças genéticas<br />
ou danos celulares extrínsecos.<br />
No grupo com RCF, os riscos de morte perinatal<br />
e de sequelas pós-natais estão substancialmente aumentados<br />
em relação aos recém-nascidos com pesos<br />
adequados. Todavia, tais riscos podem ser reduzidos<br />
caso esta condição seja diagnosticada precocemente,<br />
pois permitirá monitoração adequada da gestação e<br />
programação da época ideal do parto.<br />
Algoritmos que combinam características maternas,<br />
pressão arterial média, Doppler das artérias<br />
uterinas e testes bioquímicos entre 11 e 13 semanas<br />
poderão potencialmente identificar cerca de 75%<br />
das gestantes sem diagnóstico de pré-eclâmpsia que<br />
desenvolverão RCF. (9) Considerando que a proporção<br />
de RCF/feto pequeno para idade gestacional é maior<br />
em fetos prematuros, é provável que marcadores<br />
bioquímicos e biofísicos de crescimento fetal possam<br />
identificar um subgrupo de RCF entre os fetos<br />
considerados pequenos para a idade gestacional.<br />
Fetos grandes para a idade gestacional<br />
Fetos grandes para a idade gestacional (GIG),<br />
definidos com aqueles com peso superior ao percentil<br />
90 para a idade gestacional, estão associados com<br />
maior risco de cesárea, tocotraumatismo, distocia de<br />
ombro, lesão do plexo braquial, fratura de úmero ou<br />
clavícula e asfixia intraparto.<br />
Rastreamento para fetos grandes para idade gestacional<br />
ou macrossômicos (peso ao nascimento >4.000<br />
gramas) pode ser realizado por uma combinação de<br />
características demográficas e obstétricas, com valor da<br />
translucência nucal e marcadores bioquímicos, como<br />
porção livre ß-hCG e PAPP-A (pregnancy associated<br />
plasma protein-A) entre 11 e 13 semanas. A utilização<br />
Revista Medicina<br />
Materno-Fetal<br />
deste modelo pode identificar, aproximadamente 35%<br />
das mulheres que darão à luz RN macrossômicos ou<br />
GIG. (15) Naturalmente, futuras pesquisas são necessárias<br />
para identificar novos marcadores biofísicos e<br />
bioquímicos que poderiam melhorar o desempenho<br />
deste modelo de rastreamento e determinar à medida<br />
que a identificação precoce de uma população de<br />
alto risco poderia melhorar a vigilância pré-natal e a<br />
prevenção de macrossomia/GIG e das complicações<br />
durante o parto relacionado a esta condição.<br />
NOVAS dIRETRIzES NA ASSISTêNCIA<br />
NEONATAL<br />
Identificação precoce de um grupo de pacientes<br />
com riscos específicos para as complicações mais frequentes<br />
da gravidez poderia melhorar os resultados<br />
maternos e neonatais através de uma mudança na<br />
estrutura atual do pré-natal, a partir de uma série de<br />
consultas de rotina, considerando o risco da gestação<br />
e criação de protocolos específicos abordando uma<br />
agenda programada de consultas pré-natais e conduta<br />
individualizada por grupos de risco.<br />
Desta forma, cada visita terá um objetivo predefinido<br />
e os resultados vão gerar razões de probabilidade<br />
que podem ser usadas para modificar o risco<br />
específico individual por paciente e por doença<br />
estimada a partir da avaliação inicial ente 11 e 13<br />
semanas. Este modelo sequencial de rastreamento<br />
está bem estabelecido no rastreamento de aneuploidias<br />
onde o risco específico da paciente com base na<br />
idade materna é modificado pelos achados ultrassonográficos<br />
e resultados dos testes bioquímicos, tanto<br />
no primeiro como no segundo trimestres da gestação.<br />
Este modelo de ação foi idealizado considerando os<br />
preceitos de Hipócrates e de Galileo Galilei. O primeiro<br />
afirma que o bom médico deve aprender do passado,<br />
pesquisar o presente para prever o futuro; o segundo,<br />
afirmando que a linguagem de Deus é matemática,<br />
enfatiza que devemos medir tudo o que é mensurável<br />
e tornar mensurável tudo o que ainda não é.<br />
Desta forma, no primeiro trimestre da gestação (entre<br />
11ª e 13ª semana), as gestantes seriam avaliadas e<br />
classificadas como sendo de baixo risco para complicações<br />
comuns à gravidez. Esta atitude selecionaria uma<br />
pequena proporção de mulheres de alto risco para<br />
doenças específicas (fig. 1). O grupo de baixo risco<br />
Cruz JJ, Nicolaides KH, Avanços a ser percorridos na avaliação e conduta pré-natal do século atual<br />
7
poderia ter um menor número de consultas médicas,<br />
talvez três ou quatro, permitindo uma maior atenção<br />
e acompanhamento mais próximo ao grupo de alto<br />
risco. Assim, após o primeiro trimestre, faríamos uma<br />
segunda consulta entre 20-23 semanas, onde reavaliaríamos<br />
a anatomia e o crescimento fetal, o risco<br />
para as principais complicações como pré-eclâmpsia,<br />
parto prematuro e RCF. Finalmente, uma terceira visita<br />
próxima da 37ª semana, onde a avaliação do bem-estar<br />
materno-fetal teria lugar, seguida por uma avaliação<br />
materna, no sentido de determinar a melhor época e<br />
via ideal do parto. Em menos de 10% desta população,<br />
nova consulta ocorreria entre 40 e 41 semanas. Por<br />
outro lado, poderíamos intensificar a ação no grupo<br />
de alto grupo através de uma maior vigilância em clínica<br />
especializada, tanto em termos de investigações<br />
a serem executadas, como do pessoal envolvido na<br />
prestação dos cuidados.<br />
Pesquisas futuras, inevitavelmente, expandirão<br />
o número de condições que podem ser identificadas<br />
no início da gravidez e definir marcadores<br />
genéticos das doenças que irão aumentar a acurácia<br />
desta avaliação. O risco basal (ou risco a priori)<br />
considerando as características maternas e a história<br />
médica (clínica e obstétrica) será combinado a<br />
outros novos marcadores (biofísicos, bioquímicos<br />
e genéticos), possibilitando cada vez mais ações<br />
específicas na conduta médica-obstétrica. Assim, ao<br />
passar dos anos, tornar-se-á necessário reavaliar o<br />
calendário e o conteúdo das consultas pré-natais,<br />
no sentido de identificar a melhor época para as<br />
consultas pré-natais com ação programada para<br />
cada visita, bem como as razões de probabilidade<br />
para cada teste.<br />
A seleção precoce de grupos de alto risco também<br />
irá estimular pesquisas que definirão o melhor<br />
protocolo para o acompanhamento das gestantes e<br />
o desenvolvimento de estratégias para a prevenção<br />
de distúrbios de gravidez ou as suas consequências<br />
adversas. É provável que este novo desafio que objetiva<br />
melhorar os indicadores maternos e perinatais<br />
determine uma inversão na pirâmide de cuidados<br />
pré-natais estabelecida por Arthur Greenwood em<br />
1929 (fig. 1) e introduza de forma sistemática e em<br />
grande escala um novo modelo de ação no pré-natal,<br />
que será baseado nos resultados de uma abrangente<br />
avaliação no primeiro trimestre da gestação.<br />
8 Rev Med Mat Fetal 2011;2(3):4-9.<br />
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Revista Medicina<br />
Materno-Fetal<br />
<strong>Avaliação</strong> <strong>morfológica</strong> fetal no<br />
primeiro trimestre<br />
Homero Medeiros de Oliveira*,<br />
Marcella Muniz Marinho*,<br />
Eduardo Borges da Fonseca**<br />
* Graduandos da Universidade Federal da Paraíba.<br />
** Professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba, Presidente da Comissão de Medicina Fetal da FEBRASGO.<br />
RESUMO<br />
O exame ultrassonográfico de primeiro trimestre<br />
evoluiu da simples aferição do comprimento<br />
crânio-nádegas para datar a gestação, para uma<br />
avaliação substancial do feto, incluídos rastreamento<br />
de cromossomopatia, diagnóstico de<br />
malformações fetais e rastreamento das principais<br />
doenças que ocorrem durante a gestação.<br />
Neste sentido, a principal indicação do exame<br />
ultrassonográfico de primeiro trimestre é analisar<br />
a morfologia fetal, sendo os métodos de<br />
rastreamento de cromossomopatias importantes<br />
não só na determinação do risco individual da<br />
gestante, mas, sobretudo, na padronização e na<br />
melhoria da qualidade do exame realizado. Nesta<br />
revisão, os autores têm como objetivo demonstrar<br />
a importância da avaliação estrutural do feto<br />
normal, no sentido de aumentar a acurácia do<br />
diagnóstico pré-natal em fase precoce das mais<br />
graves alterações anatômicas fetais.<br />
ABSTRACT<br />
The first trimester ultrasound has increased<br />
from simple crown-rump-length (CRL) for dating<br />
the pregnancy to a substantial evaluation of the<br />
fetus, including chromosomal abnormalities screening,<br />
diagnosis of fetal anomalies and screening<br />
for major diseases that occur during pregnancy.<br />
Therefore, the main indication of first-trimester<br />
scan is firstly to analyze the fetal anatomy, and<br />
secondly, screening methods for chromosome<br />
abnormalities. The screening for chromosomal<br />
abnormalities is not only an approach to determine<br />
the individual maternal risk, but especially<br />
in standardizing and improving the quality of the<br />
first trimester scan. The authors aim to demonstrate<br />
the importance of assessment fetal anatomy,<br />
to increase the accuracy of prenatal diagnosis of<br />
severe fetal structural abnormalities at an early<br />
of pregnancy.<br />
O exame ultrassonográfico na fase precoce<br />
da gestação foi primeiramente introduzido com a<br />
intenção de medir o comprimento crânio-nádegas<br />
fetal para datação adequada da gestação. Ficava<br />
reservado ao segundo trimestre o objetivo de<br />
analisar a morfologia fetal. Entretanto, na última<br />
década, o aperfeiçoamento da resolução dos<br />
aparelhos de ultrassonografia tornou possível a<br />
visibilização da anatomia fetal normal e suspeitar<br />
ou diagnosticar a presença de um grande número<br />
de malformações fetais já no primeiro trimestre<br />
da gestação. (1)<br />
No fim do século passado, vários trabalhos<br />
demonstraram uma associação entre o aumento<br />
da translucência nucal e anormalidades cromossômicas<br />
e estruturais no primeiro trimestre da<br />
gestação. (2)<br />
Desta forma, a avaliação ultrassonográfica da<br />
translucência nucal tornou-se método de rastreamento<br />
de anomalias cromossômicas, estruturais,<br />
em especial do coração, com taxa de detecção<br />
de, aproximadamente, 80%. (3)<br />
Oliveira HM, et al. <strong>Avaliação</strong> <strong>morfológica</strong> fetal no primeiro trimestre<br />
9
Autor N Método<br />
No sentido de melhorar a acurácia do método,<br />
além da medida da translucência nucal,<br />
outros marcadores de cromossomopatias foram<br />
absorvidos à avaliação ultrassonográfica do primeiro<br />
trimestre, tais como: avaliação da presença<br />
do osso nasal, da onda a no ducto venoso, da<br />
regurgitação da válvula tricúspide e do ângulo<br />
facial.<br />
Considerando o exposto, concluímos que<br />
as principais indicações para a realização da<br />
ultrassonografia do primeiro trimestre (entre<br />
11 e 13 semanas + 6 dias) são: (1) avaliação da<br />
morfologia fetal, (2) rastreamento e diagnóstico<br />
de malformações cardíacas e (3) rastreamento de<br />
cromossomopatias.<br />
Anatomia fetal<br />
Quando o embrião atinge o comprimento de<br />
42 mm, ele já apresenta aspecto de feto humano<br />
e passa a ser denominado feto. A partir desse<br />
tamanho é possível a visualização anatômica de<br />
seus vários segmentos, sendo possível diagnosticar<br />
algumas malformações. Todavia, a 12ª semana<br />
de gestação representa a idade gestacional ideal<br />
para avaliação ecográfica <strong>morfológica</strong> do primeiro<br />
trimestre.<br />
A calcificação da calota craniana já pode ser<br />
identificada, e no cérebro os plexos coroides<br />
ocupam 1/3 dos ventrículos laterais e o forame<br />
magno é demonstrado próximo à base do crânio.<br />
A maxila e a mandíbula são visualizadas. Os ossos<br />
longos dos membros superiores e inferiores<br />
10 Rev Med Mat Fetal 2011;2(3):9-18.<br />
Anomalias<br />
estruturais maiores<br />
(%)<br />
Taxa de detecção no<br />
primeiro trimestre<br />
(%)<br />
Taxa de<br />
detecção total<br />
(%)<br />
Economides et al (1998) (6) 1,632 TA + TV 17 (1,0) 65 82<br />
Guariglia at al (2000) (7) 3,478 TV 64 (1,8) 51,6 84,4<br />
Carvalho et al (2002) (8) 2,853 TA + TV 66 (2,3) 38 79<br />
Taipale et al (2003) (9) 20,465 TV 307 (1,5) 52 -<br />
Chen et al (2004) (10) 1,609 TA + TV 26 (1,6 ) 54 77<br />
Souka et al (2006) (11) 1,148 TA + TV 14 (1,2 ) 50 92<br />
Cedergren et al (2006) (12) 2,708 TA 13 (1,2) 40 -<br />
Dane et al (2007) (13) 1,290 TA + TV 24 (1,86) 70 95<br />
TA – transabdominal; TV – transvaginal<br />
podem ser individualizados. Alguns órgãos internos<br />
como o estômago, bexiga e, em algumas<br />
ocasiões, os rins, podem ser identificados com<br />
11 semanas. (4)<br />
Com 12 semanas, quando o feto mede entre<br />
52 e 64 mm, a avaliação ultrassonográfica da anatomia<br />
permite imagens mais nítidas das estruturas<br />
externas e dos órgãos internos. O cerebelo, a<br />
fossa posterior, o tálamo e as órbitas estão mais<br />
bem definidos do que antes. O palato anterior<br />
pode ser visualizado. Os dígitos das mãos e algumas<br />
vezes dos pés já podem ser identificados<br />
e contados. O diafragma pode ser visualizado. O<br />
estômago e a bexiga são facilmente visibilizados.<br />
As costelas e a coluna vertebral já estão bem definidas<br />
e podem ser avaliadas com 12 semanas. (4)<br />
Na 13ª semana, quando o feto mede entre 64<br />
e 78 mm, pouca informação adicional é obtida<br />
em relação ao exame anatômico da 12ª semana;<br />
todavia, observar-se-á maior nitidez das estruturas<br />
fetais, sendo agora os dedos dos pés melhor caracterizados,<br />
assim como a face. O coração também é<br />
mais bem avaliado do que na 12ª semana, sendo<br />
possível uma avaliação das quatro câmaras, e em<br />
alguns casos detectar anomalias cardíacas. Após<br />
esta época, a avaliação da translucência nucal<br />
pode ser dificultada, mesmo sabendo que sua<br />
avaliação pode ser feita em fetos entre 45 e 84 mm.<br />
Diagnóstico de malformações fetais<br />
A morfologia fetal está completa na 11a<br />
semana de gestação e mais de três quartos das
malformações desenvolvem-se antes desse período.<br />
(5) Muitos estudos têm avaliado a capacidade<br />
da ultrassonografia de primeiro trimestre<br />
na detecção de anomalias fetais (quadro 1). A<br />
combinação dos dados do quadro 1 nos permite<br />
concluir que a incidência de anomalias fetais<br />
graves é baixa, em torno de 1,5% (531/35.183)<br />
e que o exame ultrassonográfico de primeiro<br />
trimestre pode detectar um número expressivo<br />
destas malformações.<br />
Alguns estudos comparativos entre a ultrassonografia<br />
de primeiro trimestre (via transvaginal)<br />
e a ultrassonografia <strong>morfológica</strong>, realizada na<br />
metade do segundo trimestre, relatam uma taxa<br />
de falso-negativo que varia de 6,6% a 38,5%. (13-16)<br />
Corroborando estes achados, Yagel et al. compararam<br />
a ultrassonografia do início do segundo<br />
trimestre (13 a 16 semanas, via transvaginal) ao<br />
morfológico convencional e encontraram 17,4%<br />
de falsos-negativos, recomendando que estes exames<br />
devem ser sempre complementares. Ainda<br />
nesse estudo, os autores encontraram alterações<br />
presentes no primeiro exame e que desapareceram<br />
no exame posterior (dois casos de dilatação<br />
de pelve renal e três casos de higroma cístico),<br />
chamando a atenção para o fato de que nem<br />
sempre os achados “patológicos” vão persistir<br />
durante a gestação. (17)<br />
A via transvaginal é a via de escolha na maioria<br />
dos estudos, já que a maior proximidade do<br />
transdutor em relação ao órgão-alvo gera uma<br />
imagem de melhor resolução. Achiron & Tadmor<br />
compararam as duas vias, transvaginal e<br />
trans abdominal, e, segundo estes autores, 50%<br />
das malformações detectadas nesta fase da<br />
gestação não seriam diagnosticadas se utilizada<br />
somente a via transabdominal. (18)<br />
Em relação ao rastreamento das patologias<br />
fetais, é importante chamar a atenção para o fato<br />
de que a abordagem transvaginal precoce não<br />
substitui a ultrassonografia <strong>morfológica</strong> entre 20<br />
e 24 semanas no rastreamento de malformações<br />
fetais.<br />
A avaliação destes trabalhos confirma que,<br />
através da ultrassonografia de primeiro trimestre<br />
entre 11 e 13 semanas, é possível diagnosticar<br />
ou suspeitar da presença das anormalidades<br />
Revista Medicina<br />
Materno-Fetal<br />
estruturais mais importantes, que podem ser<br />
letais ou associadas com grave deficiência futura.<br />
As principais anormalidades fetais podem ser<br />
divididas em três grupos em relação à possibilidade<br />
de diagnóstico na ultrassonografia de<br />
primeiro trimestre: primeiro, aquelas que podem<br />
sempre ser detectadas, incluindo anomalia<br />
corpo perseguir, anencefalia; holoprosencefalia<br />
alobar, onfalocele, gastrosquise e megabexiga;<br />
segundo, anormalidades detectáveis apenas no<br />
segundo ou terceiro trimestre de gestação, pois<br />
os sinais ultrassonográficos são apenas manifestos<br />
nesta fase da gravidez, incluindo algumas<br />
anormalidades cerebrais, tais como microcefalia,<br />
hipoplasia do vermis do cerebelo ou hidrocefalia<br />
e agenesia do corpus, pulmão acondroplasia<br />
callosum ecogênica, lesões, muitas anomalias<br />
renais e obstrução intestinal. O terceiro grupo<br />
inclui as anormalidades que são potencialmente<br />
detectáveis dependendo primeiro dos objetivos<br />
estabelecidos para tal exame e, consequentemente,<br />
o tempo determinado para o exame fetal,<br />
a perícia do ultrassonografista e a qualidade do<br />
equipamento utilizado e, segundo, a presença<br />
de um marcador facilmente detectável por anormalidade.<br />
Bons exemplos desses marcadores no<br />
primeiro trimestre incluem aumento importante<br />
da translucência nucal em alguns fetos com displasia<br />
letal e hérnia diafragmática, (16) aumento da<br />
translucência nucal e fluxo anormal no ducto venoso<br />
e valva tricúspide em defeitos cardíacos (15)<br />
e diminuição do diâmetro do quarto ventrículocisterna<br />
magna no complexo espinha bífida. (19)<br />
MALFORMAÇõES dO SISTEMA<br />
NERVOSO CENTRAL<br />
Acrania/Exencefalia/Anencefalia<br />
A acrania é uma desordem do SNC caracterizada<br />
por uma ausência parcial ou total do<br />
crânio. A condição é frequentemente associada<br />
com anencefalia. A acrania é uma ausência parcial<br />
ou total do calvária com desenvolvimento<br />
anormal de tecido cerebral. Esta anomalia é letal<br />
em todos os casos e tem implicações importantes<br />
para a gestão obstétrica. Acrania pode ser<br />
diagnosticada no início da gravidez através de<br />
Oliveira HM, et al. <strong>Avaliação</strong> <strong>morfológica</strong> fetal no primeiro trimestre<br />
11
uma ultrassonografia <strong>morfológica</strong> de primeiro<br />
trimestre, onde se observa osso facial perfeitamente<br />
normal, coluna cervical normal, mas sem<br />
o crânio do feto e um volume de tecido cerebral<br />
equivalente a pelo menos um terço do normal<br />
do tamanho do cérebro. A exencefalia é uma<br />
malformação na qual o cérebro está situado fora<br />
do crânio. Esta malformação dá-se geralmente<br />
em embriões durante as primeiras etapas da<br />
anencefalia. À medida que uma gravidez progride,<br />
o tecido nervoso degenera-se gradualmente.<br />
Quando não há cérebro ou traços pouco dele<br />
são detectados, a anomalia é conhecida como<br />
anencefalia.<br />
Estas três alterações são estágios sucessivos<br />
de uma mesma condição, iniciando com acrania,<br />
exencefalia e finalmente anencefalia. Na ausência<br />
da calota craniana, existe degeneração progressiva<br />
do tecido cerebral exposto, evoluindo para<br />
anencefalia. (20) No primeiro trimestre, o sinal<br />
patognomônico é a acrania, e o cérebro pode<br />
ainda estar inteiramente normal ou com vários<br />
graus de distorção e destruição.<br />
A ossificação do crânio se inicia na 10 a semana<br />
de gestação (21) e pela ultrassonografia com<br />
11 semanas percebe-se hiperecogenicidade da<br />
calota craniana em relação aos outros tecidos. (22)<br />
Assim, concluímos que todos os casos de acrania/anencefalia<br />
são possivelmente diagnosticados<br />
no primeiro exame. (23-26)<br />
Como a anencefalia pode ser o último estágio<br />
evolutivo da acrania, (27) dependendo da idade<br />
gestacional, o tecido cerebral ainda pode estar<br />
presente, mesmo com a calota craniana ausente,<br />
dificultando o diagnóstico de anencefalia. Desta<br />
forma, diante da suspeita, ou seja, aspecto<br />
anormal do polo cefálico, a avaliação por via<br />
endovaginal deve ser indicada. (28)<br />
Encefalocele<br />
Encefalocele (ou cranium bifidum) é um<br />
defeito do tubo neural onde há herniação do<br />
cérebro e das meninges por aberturas no crânio.<br />
Associa-se com deficiências motoras e intelectuais<br />
graves. O único tratamento efetivo disponível é<br />
a cirurgia reparadora, que não reverte as complicações<br />
acima.<br />
12 Rev Med Mat Fetal 2011;2(3):9-18.<br />
A prevenção se dá da mesma forma que os<br />
outros defeitos do tubo neural, utilização de 400<br />
mg de ácido fólico periconcepcional.<br />
O diagnóstico de encefalocele não é possível<br />
antes do término da ossificação da calota<br />
craniana, que ocorre entre a 10ª e 11ª semanas<br />
de gestação. A encefalocele, no primeiro trimestre,<br />
caracteriza-se pela presença de duas áreas<br />
translucentes na região occipital e em fase mais<br />
avançada, após a 13ª semana de gestação, o<br />
defeito de fechamento do crânio e a protrusão<br />
do cérebro são confirmados. (29) Numa fase mais<br />
avançada, a encefalocele diferencia-se do higroma<br />
cístico por apresentar defeito ósseo na calota<br />
craniana. A encefalocele pode ser diagnosticada<br />
em diferentes idades gestacionais, dependendo<br />
do tamanho do defeito. (30)<br />
Uma vez que a encefalocele está associada<br />
com a síndrome de Meckel-Gruber, que é uma<br />
condição letal autossômica recessiva, caracterizada<br />
pela tríade encefalocele, rins policísticos<br />
bilaterais e polidactilia, é importante a avaliação<br />
<strong>morfológica</strong> cuidadosa das lojas renais e dígitos<br />
em todos os casos de encefalocele. Vários<br />
relatos na literatura sugerem que a expressão<br />
fenotípica desta síndrome pode estar evidente<br />
com 11 semanas de gestação e, talvez nesta fase,<br />
o diagnóstico seja mais fácil do que na gestação<br />
tardia, quando o oligo-hidrâmnio prejudica em<br />
muito a avaliação do feto. (31)<br />
Iniencefalia<br />
A iniencefalia é um defeito pouco comum do<br />
tubo neural que combina uma retroflexão extrema<br />
da cabeça (que se dobra para trás) com defeitos<br />
graves da espinha dorsal. Esta malformação<br />
é caracterizada por disrafismo cervical e defeito<br />
occipital (inion), com ou sem encefalocele. O<br />
diagnóstico desta malformação pode ser realizado<br />
no primeiro trimestre e os achados observados<br />
podem ser acrania, cabeça persistentemente<br />
hiperestendida e disrafismo espinhal. (32) Há uma<br />
associação entre trissomia do 18 (síndrome de<br />
Edwards) e iniencefalia.<br />
O diagnóstico pode se realizar imediatamente<br />
após o nascimento porque a cabeça<br />
apresenta uma retroflexão tão séria que a cara
olha para cima. A pele do rosto está conectada<br />
diretamente à pele do peito e o couro cabeludo<br />
está conectado diretamente à pele das costas.<br />
Geralmente, o pescoço está ausente. A maioria<br />
dos indivíduos com iniencefalia tem outras<br />
anomalias associadas, tais como anencefalia<br />
(defeito do tubo neural que ocorre quando a<br />
cabeça não consegue se fechar), cefalose (um<br />
transtorno no qual parte do conteúdo cranial<br />
se sobressai do crânio), hidrocefalia, ciclopia,<br />
ausência da mandíbula, lábio leporino e paladar<br />
fendido, transtornos cardiovasculares, hérnias<br />
do diafragma e malformações gastrointestinais.<br />
O transtorno é mais comum nas meninas. O<br />
prognóstico para os pacientes com iniencefalia<br />
é extremamente reservado. Os recém-nascidos<br />
com iniencefalia raramente vivem mais de umas<br />
horas. (33)<br />
Holoprosencefalia<br />
A holoprosencefalia é resultante da clivagem<br />
incompleta do prosencéfalo e pode ser de três<br />
tipos: o tipo alobar, que é o mais grave, caracterizado<br />
por uma cavidade monoventricular e<br />
fusão dos tálamos; o tipo semilobar, em que<br />
existe segmentação parcial dos ventrículos e<br />
dos hemisférios cerebrais posteriores, com fusão<br />
incompleta dos tálamos; o tipo lobar, em que<br />
observa-se separação normal dos ventrículos e<br />
tálamos, mas ausência do septo pelúcido. Os dois<br />
primeiros tipos são frequentemente acompanhados<br />
de anomalias faciais (fenda facial, arrinia,<br />
probóscis, microftalmia, hipotelorismo).<br />
O diagnóstico de holoprosencefalia no primeiro<br />
trimestre já foi descrito por vários autores. O<br />
tipo diagnosticado no primeiro trimestre é o tipo<br />
alobar. Anomalias cromossômicas estão associadas<br />
a esta malformação, principalmente trissomia<br />
do 13 (síndrome de Patau), portanto a realização<br />
do cariótipo fetal está indicada. (34-36)<br />
Hidrocefalia<br />
Hidrocefalia é, de forma genérica, que descreve<br />
a acumulação de líquido cefalorraquidiano<br />
(LCR) no interior da cavidade craniana (nos<br />
ventrículos ou no espaço subaracnoideo), que<br />
por sua vez faz aumentar a pressão intracra-<br />
Revista Medicina<br />
Materno-Fetal<br />
niana sobre o cérebro, podendo vir a causar<br />
lesões no tecido cerebral e aumento e inchaço<br />
do crânio.<br />
O LCR passa no cérebro de um ventrículo para<br />
o seguinte (existem, ao todo, quatro) através de<br />
canais relativamente estreitos, circulando depois<br />
na superfície do cérebro e sendo, finalmente, absorvido<br />
pelo sistema sanguíneo. Existe ainda uma<br />
parte do líquido que circula ao longo da medula<br />
espinhal. A hidrocefalia se dá quando, por qualquer<br />
razão, existe uma obstrução à drenagem do<br />
líquido para o sistema sanguíneo. Essa obstrução<br />
pode estar relacionada com o aparecimento de<br />
espinha bífida, mas pode, efetivamente, ocorrer<br />
por outras razões, como ser decorrente de excesso<br />
de produção de LCR (situação normalmente<br />
rara, diga-se) ou quando é impedida a circulação<br />
ou absorção desse líquido.<br />
Quando o líquido cefalorraquidiano produzido<br />
é impedido de circular, acumula-se<br />
e causa um aumento da pressão no interior<br />
do cérebro. Os ventrículos incham e o tecido<br />
cerebral pode vir a sofrer lesões com grau de<br />
sequelas variáveis.<br />
O diagnóstico antenatal de hidrocefalia é<br />
baseado na demonstração da dilatação dos ventrículos<br />
cerebrais laterais. Durante muitos anos a<br />
hidrocefalia só podia ser diagnosticada à ultrassonografia<br />
após 22 semanas. Medidas da relação<br />
ventrículo lateral/hemisfério cerebral foram feitas<br />
na tentativa de diagnosticar precocemente a<br />
hidrocefalia; entretanto, tal método mostrou-se<br />
ineficaz pelo grande desvio padrão apresentado,<br />
principalmente entre 12 e 16 semanas. (37) Desta<br />
maneira, ainda não foi descrito nenhum sinal<br />
confiável para o diagnóstico de hidrocefalia antes<br />
de 15 semanas.<br />
Apesar da ventriculomegalia geralmente desenvolver-se<br />
a partir da 14ª semana de gestação,<br />
estudos relatam o diagnóstico de alguns casos no<br />
primeiro trimestre. (23)<br />
O diagnóstico de hidranencefalia (condição<br />
rara na qual os hemisférios cerebrais não estão<br />
presentes e são substituídos por sacos cheios de<br />
líquido cerebroespinhal) pode ser feito a partir<br />
do primeiro trimestre (12 semanas), todavia depende<br />
da causa. (38)<br />
Oliveira HM, et al. <strong>Avaliação</strong> <strong>morfológica</strong> fetal no primeiro trimestre<br />
13
Malformação de Dandy-Walker<br />
A malformação de Dandy-Walker é uma<br />
malformação congênita que afeta o cerebelo<br />
e os fluidos que o rodeiam. As características<br />
principais desta síndrome são o alargamento do<br />
quarto ventrículo, a ausência completa ou parcial<br />
da área entre os dois hemisférios cerebelares e<br />
a formação de cistos na base interna do crânio.<br />
É encontrada em 13% dos casos de hidrocefalia<br />
e tem como causa inicial o desenvolvimento<br />
anormal do rombencéfalo, com atrofia do teto<br />
membranoso do quarto ventrículo. (39) Estas alterações<br />
são seguidas por desenvolvimento anormal<br />
dos hemisférios e vérmis cerebelar, levando à<br />
tríade clássica: dilatação cística do quarto<br />
ventrículo, alargamento da cisterna magna<br />
e agenesia completa (em cerca de 25% dos<br />
casos) ou parcial do vérmis cerebelar.<br />
Há variações em sua apresentação, sendo<br />
classificadas em:<br />
• Variante de Dandy-Walker: agenesia<br />
parcial do vérmis cerebelar, sem alargamento da<br />
fossa posterior.<br />
• Megacisterna Magna: cisterna magna<br />
aumentada (dilatação > 10 mm) com vérmis cerebelar<br />
e quarto ventrículo normais.<br />
O complexo de Dandy-Walker está associado<br />
com anomalias cromossômicas (geralmente trissomia<br />
do 18,13 ou triploidia), com mais de 50<br />
síndromes genéticas, infecção congênita ou uso<br />
de drogas teratogênicas, mas também pode ser<br />
um achado isolado.<br />
A malformação de Dandy-Walker pode ser<br />
suspeitada já no primeiro trimestre de gestação<br />
entre a 8ª e 11ª semanas, quando há aumento<br />
da medida do rombencéfalo. Entretanto, o diagnóstico<br />
dessa condição deve ser feito após a 18ª<br />
semana de gestação, uma vez que antes disso<br />
a observação do afastamento dos hemisférios<br />
cerebelares é um achado habitual. Em torno de<br />
56% dos fetos apresentam vérmis cerebelar aberto<br />
com 14 semanas, 23% com 15 semanas e 6% com<br />
17 semanas. (40-42)<br />
Espinha bífida<br />
Na espinha bífida, verifica-se falha de fechamento<br />
do tubo neural, que normalmente ocorre<br />
14 Rev Med Mat Fetal 2011;2(3):9-18.<br />
por volta da 6 a semana de gestação. Na coluna<br />
dos fetos normais, existem três centros de ossificação,<br />
dois pedículos e o corpo espinhal, que<br />
estão presentes a partir da 10ª semana de gestação,<br />
permitindo a visualização ultrassonográfica<br />
do canal neural, após este período.<br />
O diagnóstico de espinha bífida no primeiro<br />
trimestre é difícil, já que nem sempre encontramos<br />
os sinais exuberantes encontrados<br />
numa idade gestacional mais avançada, como<br />
o afastamento dos corpos vertebrais, o sinal do<br />
‘limão’ (crânio com depressão na região frontal<br />
bilateral) e sinal da ‘banana’ (cerebelo em forma<br />
de banana) e a hidrocefalia que muitas vezes se<br />
encontra associada. Todavia, através da visibilização<br />
da translucência interna, o seu diagnóstico<br />
pode ser sugerido.<br />
Braithwaite et al. avaliaram a anatomia fetal,<br />
entre 12 e 13 semanas de gestação, pela combinação<br />
do exame ultrassonográfico transabdominal<br />
e transvaginal. Relataram avaliação adequada das<br />
vértebras e pele cobrindo a coluna, tanto nos<br />
planos de corte transversal como coronal, em<br />
todos os casos. (43-47)<br />
Hérnia diafragmática<br />
O diafragma já está completamente formado<br />
com nove semanas. A presença do defeito do<br />
diafragma, com herniação de vísceras abdominais<br />
no tórax, pode ser vista a partir de 12 semanas.<br />
Nesta fase, já ocorreu o fechamento da parede<br />
abdominal, e à ultrassonografia já é possível<br />
visualizar a linha diafragmática (imagem hipoecogênica)<br />
separando o conteúdo torácico do<br />
abdominal. Um achado que pode ser sugestivo<br />
de hérnia diafragmática no primeiro trimestre é<br />
a localização do estômago na região torácica.<br />
Sebire et al. observaram a associação de translucência<br />
nucal aumentada e hérnia diafragmática.<br />
Neste estudo, foram diagnosticados 19 casos de<br />
hérnia diafragmática, sendo uma diagnosticada<br />
no primeiro trimestre e os demais no segundo<br />
trimestre. Em 37% dos casos, a translucência<br />
nucal estava aumentada no exame de primeiro<br />
trimestre, tendo sido observada também uma<br />
incidência significativamente maior de óbito neonatal<br />
comparado com o grupo com translucência
nucal normal. (48) Portanto, a translucência nucal<br />
aumentada, além de alertar para uma possível<br />
associação com hérnia diafragmática, também é<br />
um marcador de mau prognóstico.<br />
A hérnia diafragmática, por ser uma malformação<br />
que pode ter início variável e ser potencialmente<br />
instável dependendo do tamanho<br />
do defeito, tem o seu diagnóstico realizado, na<br />
maioria das vezes, apenas no segundo ou terceiro<br />
trimestres. (49)<br />
No diagnóstico de hérnia diafragmática no<br />
primeiro trimestre de gestação, deve-se indicar<br />
a realização do cariótipo fetal, uma vez<br />
que esta malformação se associa em 50% com<br />
anomalias cromossômicas, principalmente a<br />
trissomia do 18. (50)<br />
MALFORMAÇõES dA pAREdE ABdOMINAL<br />
Onfalocele e Gastrosquise<br />
O diagnóstico de certeza destas patologias só<br />
é possível após a 12ª semana, quando já ocorreu<br />
o fechamento completo da parede abdominal.<br />
Antes desta fase, a exteriorização do conteúdo<br />
abdominal pode ser ainda fisiológica. Entretanto,<br />
em alguns casos onde o defeito é muito pequeno<br />
ou a pressão intra-abdominal não se apresenta<br />
aumentada, o diagnóstico pode não ser feito no<br />
primeiro trimestre.<br />
O diagnóstico de onfalocele pela ultrassonografia<br />
é baseado na demonstração do defeito na<br />
linha média da parede abdominal anterior, o saco<br />
herniário com seu conteúdo visceral e a inserção<br />
do cordão umbilical no ápice do saco herniário.<br />
Vale lembrar que a onfalocele apresenta associação<br />
com anomalias cromossômicas, e entre<br />
as malformações associadas a mais frequente é<br />
a cardiopatia.<br />
Na gastrosquise a evisceração do intestino<br />
ocorre por meio de um pequeno defeito na<br />
parede abdominal lateral e geralmente à direita<br />
da inserção do cordão umbilical. O diagnóstico<br />
pré-natal pela ultrassonografia é baseado na demonstração<br />
do cordão umbilical normalmente<br />
inserido com herniação de alças intestinais, que<br />
ficam flutuando no líquido amniótico. A associação<br />
com anomalias cromossômicas é rara.<br />
Revista Medicina<br />
Materno-Fetal<br />
Surpreendentemente, embora a incidência de<br />
gastrosquise em estudos ultrassonográficos no<br />
segundo trimestre seja similar à de onfalocele,<br />
existem poucos relatos de diagnóstico precoce<br />
de gastrosquise. (51,52)<br />
MALFORMAÇõES RENAIS<br />
As malformações renais com diagnóstico precoce<br />
são: agenesia renal bilateral, rim policístico<br />
do tipo infantil, rim multicístico, hidronefrose e<br />
megabexiga.<br />
No primeiro trimestre os rins têm aparência<br />
hiperecogênica, com centro hipoecogênico, que<br />
representa urina na pelve renal. Este aspecto<br />
hiperecogênico ajuda na diferenciação das<br />
glândulas suprarrenais que apresentam aspecto<br />
hipoecogênico. Entre 12-13 semanas, os rins fetais<br />
podem ser visualizados em 99% dos casos, utilizando<br />
as vias transabdominal e transvaginal. (53)<br />
A bexiga deve ser sempre visualizada a partir<br />
de 13 semanas, e quando ausente, deve-se esperar<br />
em torno de 30 a 60 minutos. Alguns autores<br />
recomendam que após este período, se ainda<br />
não for visualizada a bexiga, deve-se suspeitar<br />
de malformações renais graves do tipo agenesia<br />
renal bilateral, rins policísticos e rins displásicos.<br />
(54) Entretanto, existem casos descritos de agenesia<br />
renal bilateral, diagnosticada no primeiro<br />
trimestre, nos quais se visualizou uma estrutura<br />
anecoica na região pélvica altamente sugestiva<br />
de bexiga, sendo que tal imagem já não estava<br />
mais presente com 16-17 semanas.<br />
Um parâmetro indicativo de comprometimento<br />
do sistema urinário fetal é o volume de<br />
líquido amniótico, que comumente encontra-se<br />
diminuído nos casos mais graves. Entretanto,<br />
a produção de líquido amniótico no primeiro<br />
trimestre tem pequena contribuição renal. Desta<br />
maneira, podemos ter anomalias renais graves,<br />
como agenesia renal, com volume de líquido<br />
amniótico ainda normal.<br />
Bronstein et al. relataram cinco casos de<br />
agenesia renal diagnosticados com 14 semanas<br />
nos quais as lojas renais estavam preenchidas<br />
por massa hipoecogênica, que posteriormente<br />
se constatou, ao exame anatomopatológico,<br />
Oliveira HM, et al. <strong>Avaliação</strong> <strong>morfológica</strong> fetal no primeiro trimestre<br />
15
que se tratava das adrenais aumentadas. O líquido<br />
amniótico era normal em todos os casos,<br />
sendo que em dois casos os autores observaram<br />
a imagem anecoica na região da bexiga. (55) Portanto,<br />
no primeiro trimestre, a visualização de<br />
imagem em região pélvica sugestiva de bexiga<br />
não descarta a possibilidade de agenesia renal<br />
bilateral.<br />
Rins policísticos infantis são uma condição<br />
autossômica recessiva, que baseada na idade<br />
do início da apresentação clínica e no grau de<br />
comprometimento renal, é subdividida nos tipos<br />
perinatal, neonatal, infantil e juvenil. O diagnóstico<br />
pré-natal pela ultrassonografia está confinado<br />
aos tipos perinatal e neonatal e está baseado na<br />
demonstração de rins aumentados bilateralmente<br />
e homogeneamente hiperecogênicos. (56)<br />
A displasia multicística renal é uma condição<br />
esporádica, que pode ser unilateral ou bilateral.<br />
Os túbulos coletores e néfrons são displásicos. Os<br />
túbulos coletores tornam-se císticos e o diâmetro<br />
dos cistos determina o tamanho dos rins, que<br />
pode estar aumentado e multicístico ou pequeno<br />
e hiperecogênico. Ocasionalmente, somente um<br />
dos poucos túbulos coletores adjacentes é envolvido<br />
e somente um segmento do rim anormal.<br />
Com o envolvimento bilateral, observam-se não<br />
visualização da bexiga e oligo-hidrâmnio.<br />
Cullen et al. relataram um caso de rins multicísticos<br />
que com 11 semanas apresentava rins<br />
hiperecogênicos, sem dilatação evidente da bexiga<br />
e que foi confirmado no exame pós-natal. (57)<br />
Entretanto, em um estudo de rastreamento entre<br />
11 e 14 semanas, o diagnóstico de rins multicísticos<br />
não foi realizado nesta fase em nenhum dos<br />
três casos comprometidos. (26)<br />
Na hidronefrose, vários graus de dilatação<br />
pielocalicial são encontrados em cerca de 1%<br />
dos fetos no exame de segundo trimestre. No<br />
primeiro trimestre este diagnóstico é raramente<br />
descrito. ,(25,26)<br />
A megabexiga, entre 11 e 14 semanas de gestação,<br />
é definida por um diâmetro longitudinal<br />
acima de 7 mm e sua incidência é de 1:1500. (58)<br />
Quando o diâmetro da bexiga encontra-se entre<br />
7 e 15 mm há um risco de aproximadamente 25%<br />
de haver alguma anomalia cromossômica, prin-<br />
16 Rev Med Mat Fetal 2011;2(3):9-18.<br />
cipalmente trissomia do 13 ou 18. Nos casos em<br />
que o cariótipo é normal, 90% das vezes ocorre<br />
resolução espontânea sem nenhum prejuízo da<br />
função e desenvolvimento renal. Nos casos em<br />
que o diâmetro da bexiga é acima de 15 mm, o<br />
risco de anomalia cromossômica é de 10% e se o<br />
cariótipo for normal, existe grande possibilidade<br />
de o quadro evoluir para uma uropatia obstrutiva<br />
ou displasia renal. A associação com translucência<br />
nucal aumentada foi encontrada em 75% dos<br />
casos com cariótipo anormal e em 30% dos casos<br />
com cariótipo normal. (59)<br />
Displasias esqueléticas<br />
Mais de 200 tipos de displasias esqueléticas<br />
são descritas na literatura e aproximadamente<br />
50% delas são letais. (60) Os tipos mais comuns são<br />
a tanatofórica, a osteogênese imperfeita, a acondroplasia,<br />
a acondrogênese e a torácica asfixiante.<br />
Alguns sinais ultrassonográficos que devem<br />
alertar para estas anomalias incluem: extremidades<br />
ósseas curtas, tórax estreito, pequenas<br />
fraturas ósseas, hipomineralização do crânio,<br />
contratura das articulações, diminuição dos<br />
movimentos dos membros, formato anormal da<br />
coluna e da calota craniana.<br />
Vários casos de displasias esqueléticas têm<br />
sido descritos com diagnóstico ainda no primeiro<br />
trimestre da gestação. (42) Muitos trabalhos<br />
demonstram a associação de displasias esqueléticas<br />
com translucência nucal aumentada. Ngo<br />
et al. descrevem 5 casos diagnosticados entre<br />
12 e 14 semanas em que todos apresentavam<br />
translucência nucal aumentada. (60) Portanto,<br />
translucência nucal aumentada deve chamar<br />
atenção para uma avaliação cuidadosa do feto,<br />
no intuito de descartar uma anomalia esquelética<br />
subjacente.<br />
Na última década foram descritos 39 casos de<br />
displasia esquelética diagnosticados no primeiro<br />
trimestre. Destes, 30 casos (77%) eram letais e<br />
27 casos (69%) apresentavam translucência nucal<br />
aumentada. (60)<br />
Ainda em relação às displasias esqueléticas,<br />
Bronshtein et al., analisando 42 casos diagnosticados<br />
antes de 16 semanas, concluíram que, apesar<br />
do seu diagnóstico ser possível no primeiro
trimestre, a grande maioria dos casos (96%) só<br />
foi detectada entre 14 e 16 semanas. (61)<br />
Síndrome da regressão caudal<br />
Esta síndrome é rara e esporádica, apresentando-se<br />
com vários graus de anomalias vertebrais,<br />
desde agenesia sacral parcial até ausência completa<br />
da coluna lombossacra. A sirenomelia é a<br />
forma extrema, com várias fusões e hipoplasia<br />
das extremidades inferiores e anomalias geniturinária,<br />
gastrointestinal, cardiovascular e do sistema<br />
nervoso central. Ela é 250 vezes mais comum em<br />
mulheres diabéticas não controladas do que na<br />
população em geral.<br />
Baxi et al. realizaram vários exames ultrassonográficos<br />
seriados em uma paciente que originalmente<br />
apresentou-se com coma diabético.<br />
Com nove semanas de gestação, o comprimento<br />
crânio-nádegas era uma semana menor do que<br />
o esperado para a idade gestacional menstrual.<br />
Com 11 semanas, surgiu uma protuberância<br />
no final da coluna vertebral e não foram evidenciados<br />
movimentos normais dos membros<br />
inferiores. Com 14 semanas, o fêmur estava<br />
fixo na posição de ‘pernas de rã’ e os membros<br />
não mobilizavam-se independentemente um<br />
do outro. Na 17 a semana foram observados<br />
encurtamento e escoliose da coluna inferior. O<br />
exame anatomopatológico, após interrupção da<br />
gestação, confirmou o diagnóstico de síndrome<br />
da regressão caudal. (62)<br />
O diagnóstico de sirenomelia é raramente<br />
realizado no primeiro trimestre. Na literatura<br />
apenas 5 casos já foram descritos. (63) Akbayir<br />
et al. relatam um caso em que o diagnóstico<br />
foi feito com 11 semanas de gestação. O feto<br />
apresentava cabeça, tronco e extremidades superiores<br />
normais. No entanto, apenas um osso<br />
ilíaco foi observado, as extremidades inferiores<br />
se encontravam completamente fundidas e os<br />
pés estavam fundidos com os calcanhares. A<br />
translucência nucal era normal e havia a presença<br />
de artéria umbilical única. (64)<br />
Temos um caso com diagnóstico precoce (12<br />
semanas) de regressão caudal com agenesia do<br />
sacro associada a malformação cardíaca e cerebral<br />
em gestante diabética não compensada.<br />
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Ultrassonografia do primeiro<br />
trimestre: avaliação da<br />
translucência nucal<br />
Medida da translucência nucal (TN)<br />
Translucência nucal (TN) é a coleção de fluidos abaixo<br />
da pele que se encontra atrás do pescoço dos fetos entre<br />
11 e 13 +6 semanas de gestação e pode ser mensurada por<br />
exame ultrassonográfico. Fetos com cromossomopatias,<br />
malformações estruturais e cardíacas e aqueles com alguma<br />
síndrome genética podem apresentar aumento da TN.<br />
A avaliação da translucência nucal foi melhor estudada<br />
pelo grupo da “Fetal Medicine Foundation” e deve<br />
obedecer ao padrão transcrito abaixo.<br />
Técnica para mensuração da translucência<br />
nucal (TN)<br />
• O comprimento cabeça-nádega deve estar 45 e<br />
84 mm.<br />
• Deve ser obtido um perfeito corte sagital, com o<br />
feto posicionado horizontalmente no monitor. A imagem<br />
correta permite uma clara identificação do perfil fetal.<br />
• O feto deve estar em posição neutra, evitando a<br />
hiperflexão e extensão do polo cefálico. Desta forma, o<br />
polo cefálico esta na mesma linha da coluna.<br />
• A imagem deve ser magnificada, ocupando cerca de<br />
75% da figura impressa. Apenas o polo cefálico e a parte<br />
superior do tórax devem ser incluídos na figura impressa.<br />
Caso seja observado este critério, o movimento dos callipers<br />
será de 0,1 em 0,1 mm, tornando a medida mais acurada.<br />
• A translucência nucal deve ser aferida no local de<br />
maior espessura.<br />
• A medida deve ser realizada colocando o bordo<br />
interno da linha horizontal do callipers sobre a linha que<br />
define a espessura da TN. O callipers deve ser localizado de<br />
tal forma sobre a linha que define a espessura da TN que a<br />
sua visibilização será dificultosa, isto é: a barra do callipers<br />
estará sobre a linha ecogênica da linha que define a espessura<br />
da TN e não sobre o espaço anecoide (fluido nucal).<br />
Revista Medicina<br />
Materno-Fetal<br />
• É importante diminuir o ganho do aparelho de<br />
ultrassonografia antes da magnificação, pois isto torna a<br />
linha que define a espessura da TN mais visível e<br />
evita imagens com limites mal definidos. Caso isto não<br />
seja observado, a medida da TN pode ser subestimada,<br />
gerando um risco falsamente menor para cromossomopatias.<br />
• Harmônica não deve ser utilizada durante a realização<br />
da medida da TN, pois este artifício reforça a linha<br />
que define a espessura da TN, gerando uma linha<br />
falsamente mais espessa. Caso harmônica seja utilizada, a<br />
medida pode ser subestimada.<br />
• É obrigatório diferenciar pele fetal e âmnio.<br />
Neste caso, seria interessante identificar na imagem impressa<br />
o âmnio e a pele fetal claramente visibilizados.<br />
• Durante o exame, mais de uma medida deve ser<br />
realizada e escolhe-se a maior medida dentre as imagens<br />
que apresentam melhor qualidade técnica para aferir o<br />
risco de cromossomopatia.<br />
Uma vez que a medida da TN é realizada, esta deve ser<br />
inserida em um software fornecido pela FMF-London para<br />
o cálculo de risco que é oferecido gratuitamente pelo<br />
endereço eletrônico www.fetalmedicine.com.<br />
Ultrassonografia do primeiro trimestre: avaliação da translucência nucal<br />
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