PAIXÃO DE ARTISTA - Crmpr.org.br
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ciência e arte<<strong>br</strong> />
Oconhecimento, o estudo e a análise da<<strong>br</strong> />
história e da evolução da medicina<<strong>br</strong> />
trazem ensinamentos básicos para o<<strong>br</strong> />
bom exercício, principalmente no aspecto ético<<strong>br</strong> />
e humanista. Humanismo hoje tão esquecido<<strong>br</strong> />
com o advento e predomínio do tecnicismo.<<strong>br</strong> />
A sociedade ao precisar da medicina e do<<strong>br</strong> />
médico faz uma exaltação, um culto de<<strong>br</strong> />
respeito à profissão seguramente mais antiga<<strong>br</strong> />
na história da humanidade e mais importante<<strong>br</strong> />
dentre todas pois trata da o<strong>br</strong>a maior do<<strong>br</strong> />
Criador, que é o ser humano.<<strong>br</strong> />
Ao falar so<strong>br</strong>e médico e medicina que<<strong>br</strong> />
deve ser entendida como forma de afeição e<<strong>br</strong> />
amor à vida, quero fazer uma exegese entre os<<strong>br</strong> />
versos de São Francisco de Assis e a atividade<<strong>br</strong> />
médica. Diz São Francisco:<<strong>br</strong> />
— O homem que executa seu trabalho<<strong>br</strong> />
com as mãos é um trabalhador.<<strong>br</strong> />
— O homem que trabalha com as mãos e<<strong>br</strong> />
o cére<strong>br</strong>o é um artesão.<<strong>br</strong> />
— O homem que trabalha com as mãos,<<strong>br</strong> />
o cére<strong>br</strong>o e o coração é um artista.<<strong>br</strong> />
Aí está a arte de ser médico, a mão no<<strong>br</strong> />
exame clínico e no ato cirúrgico, o cére<strong>br</strong>o no<<strong>br</strong> />
estudo e conhecimento constante da matéria<<strong>br</strong> />
médica e o coração no atendimento e<<strong>br</strong> />
compreensão do sofrimento do semelhante.<<strong>br</strong> />
A arte da medicina não é como afirmava<<strong>br</strong> />
Voltaire: a arte da medicina consiste em<<strong>br</strong> />
distrair o paciente enquanto a natureza cuida<<strong>br</strong> />
da doença. A alma do médico é o altar, onde<<strong>br</strong> />
vai ajoelhar-se e rezar a dor dos que sofrem e<<strong>br</strong> />
procuram solução para seus problemas físicos<<strong>br</strong> />
e mentais. Logo, a combinação verdade e amor<<strong>br</strong> />
é intrínseca ao ato médico, sendo inadmissível<<strong>br</strong> />
uma medicina baseada na falta de amor ao<<strong>br</strong> />
próximo.<<strong>br</strong> />
O doente ao procurar o médico não quer<<strong>br</strong> />
apenas a cura, quer também compreensão e<<strong>br</strong> />
amparo pois sem ajuda ou conselho, sem<<strong>br</strong> />
orientação formal, medicina só de aparelho é<<strong>br</strong> />
coisa despropositada. Miguel Couto afirmava:<<strong>br</strong> />
o homem humaniza a ciência ou a ciência<<strong>br</strong> />
desumaniza o homem. Também dizia: a<<strong>br</strong> />
medicina quando não cura, deve consolar.<<strong>br</strong> />
Sempre é oportuno lem<strong>br</strong>ar Galeno de<<strong>br</strong> />
Pergamo (200 d.C.), quando definiu terapêutica<<strong>br</strong> />
como sendo: o que fazer, como fazer,<<strong>br</strong> />
em cada caso. Daí deduzimos um preceito<<strong>br</strong> />
fundamental, que a terapêutica é um processo<<strong>br</strong> />
específico para cada doente. Antecipou-se a<<strong>br</strong> />
William Osler, que afirmava que mais impor-<<strong>br</strong> />
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tante do que saber que doença tem o doente, é<<strong>br</strong> />
que doente tem uma doença.<<strong>br</strong> />
A Medicina deve ser entendida como forma<<strong>br</strong> />
de afeição e aplicação à vida. Tratamos doentes<<strong>br</strong> />
e não doenças, ensinamento que deve ser sempre<<strong>br</strong> />
lem<strong>br</strong>ado e que vem de nossos antepassados.<<strong>br</strong> />
Já Hipócrates enfatizava a “observação”: as<<strong>br</strong> />
técnicas podem mudar, podem morrer, mas a<<strong>br</strong> />
observação permanece para sempre.<<strong>br</strong> />
A medicina está trocando o atendimento<<strong>br</strong> />
pessoal, a elegância do pensamento, a conclusão<<strong>br</strong> />
de raciocínio pelo atendimento técnico e<<strong>br</strong> />
impessoal.<<strong>br</strong> />
O domínio técnico é do médico, mas a<<strong>br</strong> />
mescla da ciência e arte é que distingue o bom<<strong>br</strong> />
profissional daquele que é simplesmente um<<strong>br</strong> />
técnico competente.<<strong>br</strong> />
A Medicina de hoje evoluiu e cabe ao médico<<strong>br</strong> />
corrigir impressões distorcidas chegando a um<<strong>br</strong> />
diagnóstico que pode levar tristeza e decepção,<<strong>br</strong> />
mas que formulado em termos comuns favorece<<strong>br</strong> />
a empatia e o tratamento.<<strong>br</strong> />
Não assistimos mais hoje às centenas de<<strong>br</strong> />
apendicectomias como antigamente, e Simão<<strong>br</strong> />
Kossobudzki citava em artigo publicado na<<strong>br</strong> />
Revista da Associação Médica de 1932, que em<<strong>br</strong> />
cerca de 25% dos apêndices retirados não havia<<strong>br</strong> />
lesões macroscópicas, o que faz lem<strong>br</strong>ar a<<strong>br</strong> />
possibilidade de que certo número de cirurgias<<strong>br</strong> />
não eram necessárias.<<strong>br</strong> />
Ressalte-se, no entanto, que era o único<<strong>br</strong> />
procedimento correto na época, pois os métodos<<strong>br</strong> />
diagnósticos e a terapêutica possível eram po<strong>br</strong>es.<<strong>br</strong> />
Da mesma forma as amigdalectomias foram<<strong>br</strong> />
sendo suprimidas, já que, com advento da era<<strong>br</strong> />
antibiótica, o tratamento clínico solucionou o<<strong>br</strong> />
problema na grande maioria dos casos.<<strong>br</strong> />
Cabe lem<strong>br</strong>ar da época que encontrávamos<<strong>br</strong> />
no quadro de cirurgias a serem realizadas, as<<strong>br</strong> />
“laparatomias exploradoras”, que caracterizavam<<strong>br</strong> />
a insegurança diagnóstica.<<strong>br</strong> />
Com o avanço dos meios diagnósticos, a<<strong>br</strong> />
entubação gástrica com determinação da acidez<<strong>br</strong> />
gástrica antes e após injeção subcutânea de<<strong>br</strong> />
histamina, foi superada no diagnóstico diferencial<<strong>br</strong> />
entre úlcera e câncer gástrico, pois neste não<<strong>br</strong> />
havia resposta da acidez após a injeção de<<strong>br</strong> />
histamina.<<strong>br</strong> />
Não se tinha ainda conhecimento da<<strong>br</strong> />
existência dos receptores gástricos H2, responsáveis<<strong>br</strong> />
pela regulação da secreção de ácido<<strong>br</strong> />
clorídrico. Hoje a farmacologia fornece a<<strong>br</strong> />
cimetidina, a ranitidina, bloqueando os receptores<<strong>br</strong> />
H2, e de grande utilidade no tratamento<<strong>br</strong> />
do doente ulceroso.<<strong>br</strong> />
As cirurgias laparoscópicas, são menos<<strong>br</strong> />
agressivas, com menor período de internamento<<strong>br</strong> />
e sem lesões cicatriciais enormes.<<strong>br</strong> />
Imagino qual seria a reação e a surpresa dos<<strong>br</strong> />
grandes mestres da cirurgia paranaense, como<<strong>br</strong> />
Erasto Gaertner, João Vieira de Alencar e<<strong>br</strong> />
Mário Braga de A<strong>br</strong>eu entre tantos outros,<<strong>br</strong> />
diante das intervenções laparoscópicas.<<strong>br</strong> />
As dúvidas eram grandes e o Prof. Aluízio<<strong>br</strong> />
França, pediatra e catedrático de Terapêutica<<strong>br</strong> />
Clínica, com quem iniciei minha vida como<<strong>br</strong> />
professor, publicou em 1932 artigo na Revista<<strong>br</strong> />
da Associação Médica com o título: “A<<strong>br</strong> />
Malária curará a Coqueluche”, em função de<<strong>br</strong> />
ter acompanhado crianças de Paranaguá e<<strong>br</strong> />
verificado sua melhora após o surto de malária.<<strong>br</strong> />
Seguramente processos imunológicos desconhecidos<<strong>br</strong> />
eram ativados com melhoria da<<strong>br</strong> />
Coqueluche, mas a observação do fato mostra<<strong>br</strong> />
quão atento estava o professor Aluízio França.<<strong>br</strong> />
As doenças infecciosas mais freqüentemente<<strong>br</strong> />
conhecidas eram: tuberculose, sífilis,<<strong>br</strong> />
impaludismo e blenorragia. Esta com tratamento<<strong>br</strong> />
agressivo à base de lavagem uretral<<strong>br</strong> />
com nitrato de prata, até poderia erradicar a<<strong>br</strong> />
doenças, mas às custas de uma uretrite<<strong>br</strong> />
química, com posterior estenose de uretra.<<strong>br</strong> />
A sífilis era combatida com “salvarsan”; o<<strong>br</strong> />
impaludismo com o quinino, como tratamento<<strong>br</strong> />
supressivo da crise. Cabe citar o famoso<<strong>br</strong> />
“esidron”, diurético mercurial, com efeito ótimo<<strong>br</strong> />
mas com lesões renais, hiponatremia aguda e<<strong>br</strong> />
alterações metabólicas graves. Não posso<<strong>br</strong> />
deixar de citar os laxantes tipo sulfato de<<strong>br</strong> />
magnésio (sal de Epson) e sódio, cujos efeitos<<strong>br</strong> />
eram tão evidentes que levavam às vezes a uma<<strong>br</strong> />
limpeza intestinal de tal ordem que so<strong>br</strong>avam<<strong>br</strong> />
só o “tamanco do constipado intestinal”. Hoje<<strong>br</strong> />
com uma gama enorme de antibióticos,<<strong>br</strong> />
diuréticos com efeitos farmacológicos bem<<strong>br</strong> />
definidos e laxativos bem equacionados, a<<strong>br</strong> />
agressão farmacológica se reduziu e os efeitos<<strong>br</strong> />
terapêuticos são melhores e previsíveis.<<strong>br</strong> />
O avanço terapêutico fez cair no esquecimento<<strong>br</strong> />
substâncias como a digoxina no<<strong>br</strong> />
controle da insuficiência cardíaca, com o<<strong>br</strong> />
apoucamento de sua ação e a eficácia de<<strong>br</strong> />
outras drogas. A indústria farmacêutica tem<<strong>br</strong> />
ação dúbia nesse avanço. Ora com drogas