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SOU PEQUENO,<br />

MAS SOU BRASILEIRO<br />

A HISTÓRIA DE UM PIONEIRO<br />

Primeiramente agradeço a Deus por ter permitido<br />

vivenciar a perseverança, o idealismo e os sonhos de<br />

meu pai, José Cardoso.<br />

A todos os verdadeiros brasileiros de outrora que nele<br />

acreditaram e o apoiaram durante toda a sua vida.<br />

Aos meus amigos, que sempre prestaram solidariedade<br />

e companheirismo a todos nós, em especial aqueles<br />

que contribuíram para a realização deste livro: Pascoal<br />

Braga, Paulo de Abreu e Marco Antônio Calil.<br />

E à minha família, pelo apoio e compreensão do<br />

significado desta homenagem.


SOU PEQUENO, MAS SOU BRASILEIRO conta<br />

a história de José Cardoso da Silva e seu sonho<br />

de criar uma indústria automobilística no Brasil.<br />

Em 1953, ele começou a projetar no chão de sua oficina<br />

em Rio Bonito, no Rio de Janeiro, o esboço do<br />

que seria o menor automóvel construído no país:<br />

o jipinho. Com motor de dois cilindros, quatro tempos,<br />

650 cilindradas; câmbio de três marchas e ré;<br />

suspensão dianteira independente e freios hidráulicos;<br />

o jipinho tinha tudo o que um veículo maior<br />

oferecia, mas media três vezes menos do que qualquer<br />

automóvel da época e alcançava velocidade máxima<br />

de 75km/h.<br />

O minicarro era o centro das atenções em todos os<br />

lugares pelos quais passou e virou notícia em vários<br />

jornais, revistas e programas de rádio. O jipinho chamava<br />

atenção não só pelo seu tamanho, mas também<br />

pela inscrição em sua placa traseira: “<strong>Sou</strong> pequeno,<br />

mas sou brasileiro”. Em pleno movimento ufanista<br />

brasileiro, o carro estava em comum acordo com o<br />

projeto do Brasil como país do futuro. O momento<br />

crucial desta história foi o encontro de José Cardoso e<br />

seu jipinho com o presidente Getulio Vargas. Depois<br />

da surpresa em saber que no Estado do Rio de Janeiro<br />

já se fabricava carros, afirmação feita pelo próprio<br />

presidente, Getulio Vargas prometeu apoio federal à<br />

criação da Ibasa: Indústria Brasileira de Automóveis.<br />

O objetivo era que o país pudesse, em pouco tempo,<br />

fabricar automóveis 100% nacionais.<br />

No entanto, com a morte do presidente e a burocracia<br />

governamental, que dificultaram a realização<br />

do projeto, a Ibasa não decolou e o jipinho passou<br />

a fazer parte somente da memória de poucos brasileiros<br />

que sonharam com ele nas ruas de todo o<br />

Brasil. O objetivo deste livro é resgatar esta memória<br />

e impedir que esta história de fé em um país melhor<br />

seja perdida.<br />

JOSÉ CARDOSO DA SILVA nasceu em 1916 na cidade<br />

de Saquarema, no Estado do Rio de Janeiro. Filho<br />

de Antônio Cardozo da Silva e Petronilia Maria da<br />

Conceição, trabalhou na carpintaria com o pai até<br />

abrir a própria oficina, e nela fazer história ao projetar<br />

o que seria o jipinho. José Cardoso fez sucesso com seu<br />

minicarro em diversos eventos, exposições e matérias<br />

de jornais e revistas até o encontro com o presidente<br />

Getulio Vargas. Diante da impossibilidade de levar a<br />

frente a Ibasa, José Cardoso fundou a Incomatol (indústria<br />

de máquinas para retífica de motores), empresa<br />

que há mais de 45 anos fabrica máquinas para retífica de<br />

motores para todo Brasil e exterior. Muitas máquinas<br />

produzidas pela Incomatol estão hoje justamente na<br />

indústria que José Cardoso da Silva sonhou fundar: a<br />

Indústria Brasileira de Automóveis.<br />

José Cardozo da Silva Neto


SEBASTIÃO WILLIAM CARDOZO<br />

SOU PEQUENO,<br />

MAS SOU BRASILEIRO<br />

A HISTÓRIA DE UM PIONEIRO<br />

1ª Edição<br />

Rio Bonito<br />

Sebastião William Cardozo<br />

2009


© Copyright 2009: Todos os direitos reservados<br />

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização<br />

prévia escrita do editor/autor.<br />

Contato com o autor<br />

Sebastião William Cardozo<br />

Av. Sete de Maio, 100 - Centro<br />

28800-000 - Rio Bonito - RJ - Brasil<br />

Tel. [55 21] 2734 0459<br />

ilo@globo.com<br />

Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro<br />

[Fundação Biblioteca Nacional]<br />

CARDOZO, Sebastião William [1950 - ]<br />

<strong>Sou</strong> <strong>Pequeno</strong>, <strong>Mas</strong> <strong>Sou</strong> <strong>Brasileiro</strong>: a história de um pioneiro<br />

Rio Bonito - RJ: Sebastião William Cardozo, 2009.<br />

126 p.; 140 ilust.<br />

ISBN: 978 - 85 - 909427 - 0 - 2 CDD 981<br />

Índice para catálogo sistemático:<br />

1. História do Brasil 981


AGRADECIMENTOS<br />

Primeiramente agradeço a Deus por ter permitido<br />

vivenciar a perseverança, o idealismo e os sonhos de<br />

meu pai, José Cardoso.<br />

A todos os verdadeiros brasileiros de outrora que nele<br />

acreditaram e o apoiaram durante toda a sua vida.<br />

Aos meus amigos, que sempre prestaram solidariedade<br />

e companheirismo a todos nós, em especial aqueles<br />

que contribuíram para a realização deste livro: Pascoal<br />

Braga, Paulo de Abreu e Marco Antônio Calil.<br />

E à minha família, pelo apoio e compreensão do<br />

significado desta homenagem.


O jipinho vencendo uma gincana (Nova Friburgo, 1955)


APRESENTAÇÃO<br />

O escultor que ousou sonhar<br />

Mistura de Michelangelo com Gepetto, José Cardoso<br />

ousou sonhar em ser fabricante de automóveis no<br />

Brasil. Produto do rico caldo de cultura que foi a situação<br />

de não ter peças durante a Segunda Grande<br />

Guerra, mecânico de mão-cheia, Cardoso prometeu<br />

à sua mulher fazer um carro para os filhos com suas<br />

próprias mãos.<br />

E fez.<br />

Por que só quem trabalha com mármore pode ser reconhecido<br />

como escultor? Arte é só pintar e desenhar,<br />

compor música? Não, arte também é operar com maestria<br />

uma máquina, um torno, e fazer peças que para<br />

os que têm sensibilidade mecânica pode ser um momento<br />

de beleza infinita.<br />

Cardoso fez um carro inteiro inspirado nas linhas do<br />

jipe Willys, mas com um motor derivado de um Flat<br />

Twin Onan. Descrito assim, o jipinho parece pouco,<br />

mas ele fabricou tudo no torno, desde o motor, a caixa,<br />

os eixos até a caixa de direção, os freios e as suspensões.<br />

Criou seu próprio Pinocchio e lhe deu vida e<br />

alegria. Era, para quem nunca viu o jipinho de perto,<br />

uma espécie do que se conhece hoje como quadriciclo<br />

nas mesmas proporções de tamanho, e por que não<br />

de utilidade?<br />

Um veículo barato, fácil de manter e comprar, que seria<br />

uma criação de alto valor para o poder <strong>aqui</strong>sitivo<br />

reduzido do brasileiro de então, que poderia ter seu<br />

próprio carro e com ele trabalhar, produzir riquezas.<br />

<strong>Mas</strong> em um mundo de Cadillacs enormes com toneladas<br />

de cromados, onde os pequenos carros europeus<br />

eram desprezados no mar de cromo e latarias infindáveis<br />

que eram as ruas brasileiras de então, o Governo<br />

nacionalista de Vargas prometeu, mas não deu o impulso<br />

e capital necessário para passar de protótipo à<br />

linha de produção.<br />

Anos de luta e desgaste físico depois, Cardoso desistiu,<br />

devolveu o dinheiro aos que acreditaram e prosseguiu<br />

sonhando, agora com outras palavras na mente. E aí<br />

fundou uma fábrica de máquinas. Já que não pôde ser<br />

o primeiro, ajudou a estabelecer a indústria que tanto<br />

amou em metal e suor.<br />

José Rezende Mahar,<br />

jornalista especializado em automóveis


O valor das coisas não está no tempo que elas duram,<br />

mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem<br />

momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas<br />

incomparáveis.<br />

Fernando Pessoa


Carpintaria do pai de José Cardoso<br />

Armazém do senhor Aderbal: primeiro emprego de José Cardoso


PREFÁCIO<br />

A identidade de um povo está diretamente relacionada<br />

aos homens que construíram e constroem sua<br />

história, portanto, perder ou ignorar a história significa<br />

abrir mão da própria identidade. O ontem e<br />

o hoje têm uma ligação umbilical, orgânica, impossível<br />

de dissociar. Todos somos responsáveis de uma<br />

forma ou de outra pelos nossos sucessos e fracassos,<br />

avanços e retrocessos. O importante é persistir,<br />

seguir em frente.<br />

Algumas pessoas, por seu exemplo de vida, podem ser<br />

fonte de inspiração a outras, despertar talentos, mostrar<br />

que as frustrações e fracassos não são maiores<br />

que a capacidade de superação e poder criativo do ser<br />

humano. A melhor forma de se ensinar é com a própria<br />

vida. São ou foram homens e mulheres dignos de<br />

aplausos. Mesmo depois de já não mais estarem em<br />

nosso meio, fazem-se presentes por seu legado – afetivo<br />

e material. Não são esquecidas porque “tatuaram”<br />

suas pegadas na história. Além de construírem laços<br />

sentimentais e familiares, deixaram uma bela herança<br />

para a humanidade, para a ciência. Contribuíram<br />

de forma singular para que seus semelhantes tivessem<br />

uma vida um pouco mais feliz.<br />

Por essa razão a história é importante e registrá-la torna-se<br />

fundamental para as gerações seguintes.<br />

As páginas que seguem apresentam a vida, muito<br />

bem vivida, de um homem que se orgulhava de ser<br />

brasileiro. O incrível talento e gênio criativo que pos-<br />

suía estavam a serviço, antes de tudo, do seu querido<br />

Brasil: “<strong>Sou</strong> pequeno, mas sou brasileiro”.<br />

Homem formado pela vida em tempos difíceis, veio ao<br />

mundo em plena Primeira Guerra Mundial, atravessou<br />

a década de 20, sacudida pelas inovações cujo representante<br />

máximo foi a “Semana de Arte Moderna”,<br />

revoluções internas no Brasil, fim da República<br />

das Oligarquias, Revolução Constitucionalista de<br />

São Paulo e... Começa a Era Vargas! O presidente<br />

que anos mais tarde escreveria um dos capítulos<br />

de sua vida, breve, mas em nada vazio. Em seguida,<br />

a Segunda Guerra Mundial, juntamente com todos<br />

os lamentáveis efeitos gerados por um conflito<br />

de tal porte. Fim de um conflito, início de outro: a<br />

Guerra Fria. O mundo tenso novamente. Uma ferrenha<br />

disputa entre duas poderosas ideologias pela<br />

hegemonia mundial. Comunismo versus capitalismo<br />

interferindo diretamente na organização política,<br />

social e econômica dos países, sobretudo dos<br />

mais pobres.<br />

José Cardoso da Silva foi um homem tremendamente<br />

atento às necessidades de seu tempo, eis o que<br />

o punha em evidência e por isso a importância desse<br />

registro. Dono de incrível sabedoria prática aliada<br />

a uma percepção humana e empresarial própria<br />

a poucos, ele possuiu, projetou e construiu máquinas<br />

úteis não apenas a ele, mas também à população de<br />

sua cidade e além.


ÍNDICE<br />

O DIFÍCIL COMEÇO<br />

O JIPINHO<br />

O JIPINHO E O PRESIDENTE<br />

O PROJETO<br />

A IBASA − INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

DE CARROS PARA MÁQUINAS<br />

A CONVIVÊNCIA COM O MESTRE<br />

JOSÉ CARDOSO: O HOMEM<br />

O JIPINHO E EU<br />

JORNAIS E REVISTAS<br />

CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

12<br />

24<br />

32<br />

38<br />

46<br />

74<br />

82<br />

86<br />

92<br />

104<br />

112


O DIFÍCIL COMEÇO


O DIFÍCIL COMEÇO<br />

PRIMEIROS PASSOS<br />

No ano de 1916, enquanto a tensão tomava conta das<br />

nações por causa do primeiro conflito bélico mundial,<br />

na localidade de Pau Ferro, em Saquarema, interior<br />

fluminense, nascia um menino. O primogênito dos<br />

dez filhos do casal Antônio Cardozo da Silva e<br />

Petronilia Maria da Conceição recebeu o nome José<br />

Cardoso da Silva.<br />

Precoce, aos dez anos de idade mostrava-se um garoto<br />

inteligente e muito engenhoso. Seu pai possuía uma<br />

carpintaria e agora ganhara um habilidoso auxiliar<br />

em seu ofício. Para se confeccionar, entre outras coisas,<br />

parafusos de prensa de farinha, como o da foto ao<br />

lado, é necessário possuir destreza e raciocínio prático,<br />

qualidades que não faltavam ao pequeno José.<br />

Naquele tempo e dentro de um ambiente rural, as escolas<br />

da região eram distantes, o acesso difícil, além<br />

do fato de que a conjuntura vigente exigia o começo<br />

da formação para o trabalho já na tenra idade. Isso,<br />

claro, amadurecia homens e mulheres bem mais cedo<br />

que nos dias de hoje.<br />

Na prática, José não frequentava muito o ambiente escolar.<br />

Para obter o acesso às letras e números, contou<br />

com o valioso apoio de um amigo que ia a cavalo para<br />

a escola, assistia às aulas e, à noite, passava-lhe o con-<br />

Parafuso de prensa de farinha<br />

O DIFÍCIL COMEÇO<br />

13


O DIFÍCIL COMEÇO<br />

14<br />

teúdo a ser estudado. Sem energia elétrica, o jeito era<br />

queimar as pestanas com as lamparinas de querosene.<br />

Não obstante tanta adversidade, conseguiu cursar os<br />

anos básicos. Aprendeu a ler, escrever, interpretar e,<br />

principalmente, realizar cálculos matemáticos.<br />

EMBRIÃO DE UM TALENTO<br />

O Brasil mostrava sinais de industrialização, contudo<br />

sua economia ainda tinha por base a agricultura.<br />

Dessa forma, a vida no campo era bastante<br />

movimentada.<br />

Na região onde nasceu José Cardoso, predominava<br />

o cultivo de laranja. Outras culturas também eram<br />

praticadas, a mandioca, por exemplo, o que justifica a<br />

presença de moinhos de farinha e oficinas como a de<br />

seu pai, que ofereciam manutenção adequada além de<br />

fabricar peças.<br />

No sítio vizinho havia um moinho de farinha e um<br />

armazém. O proprietário, Sr. Aderbal Soares, possuía<br />

ainda um caminhão Chevrolet 1926, veículo que despertou<br />

seu fascínio pela engenharia mecânica.<br />

De tanto admirar o caminhão, acabou contratado<br />

pelo Sr. Aderbal para fazer pequenos serviços de manutenção:<br />

lavagem, troca de óleo, etc. Com o passar<br />

do tempo, foi adquirindo mais e mais conhecimento<br />

sobre o caminhão, passando até mesmo a desmontar<br />

o motor para a troca de anéis de segmento, o que,<br />

para a sua idade e dentro da realidade em que vivia,<br />

era espantoso.<br />

Cansado das promessas do dono de que o deixaria fazer<br />

as entregas de farinha dirigindo, um dia José chegou<br />

bem cedo no trabalho, ainda de madrugada, entrou<br />

no caminhão, tomou o volante nas mãos e partiu<br />

sozinho. Desse dia em diante passou a ser motorista<br />

oficial do Sr. Aderbal.<br />

Por causa da precária situação das estradas da época,<br />

de terra batida, buracos, costeletas, lama sob chuva,<br />

etc., o caminhão necessitava de cuidados contínuos.<br />

José Cardoso estava sempre atento e constantemente<br />

reapertava os parafusos que afrouxavam com o sacolejar<br />

durante o vaivem diário. Ao final, Sr. Aderbal lhe<br />

perguntava: “Quantos parafusos quebraram?” Caso a<br />

resposta fosse: “Alguns”, retrucava: “Bom, então estão<br />

bem apertados!”.<br />

UMA EXPERIÊNCIA PRIMORDIAL<br />

Nesse tempo floresce outra marca bem característica<br />

do futuro homem José Cardoso: o gênio inventivo.<br />

Fascinado pelo mecanismo do caminhão e já com<br />

mostras de agudo senso de percepção do mundo físico,<br />

começou a aventurar-se em empreendimentos<br />

mais ousados.<br />

Através da observação do funcionamento do engenho<br />

de farinha de seu pai, ainda movido por tração animal,<br />

que nem sempre queria fazer o serviço, diga-se<br />

de passagem, e valendo-se dos conhecimentos práticos<br />

que já possuía de mecânica e eletricidade, pensou<br />

em um modo de substituir a força animal, agilizando


o serviço, ganhando tempo e economizando, claro.<br />

Conseguiu de um carro acidentado um motor de arranque,<br />

um dínamo e uma bateria. Instalou o arranque<br />

no eixo principal do engenho, que, por sua vez,<br />

tocava o dínamo que carregava a bateria que acionava<br />

o motor de arranque novamente e assim sucessivamente.<br />

Por alguns instantes ele achou que havia<br />

inventado um mecanismo de movimento perpétuo<br />

(moto-contínuo). Claro que não conseguiu. Naqueles<br />

dias, mesmo sem maiores conhecimentos das leis da<br />

física, concluiu pela prática que o moto-contínuo seria<br />

impossível de ser feito.<br />

Essa experiência traz um vislumbre do espírito empreendedor<br />

e da sabedoria prática que acompanharão<br />

sua trajetória de vida. Sempre valendo-se de dois<br />

princípios básicos da ciência – a observação e a experiência,<br />

ele foi acumulando saber e percebendo que,<br />

por vezes, na “prática a teoria é diferente”!<br />

Engenho de<br />

farinha movido<br />

por tração animal<br />

O DIFÍCIL COMEÇO<br />

15


O DIFÍCIL COMEÇO<br />

16<br />

DEFINIÇÃO DA PERSONALIDADE:<br />

O MENINO TORNA-SE HOMEM<br />

Aos 13 anos de idade, já rapazinho, a vida lhe apresenta<br />

uma nova etapa a cumprir: deixar a casa paterna!<br />

Uma família amiga do Sr. Aderbal, de nome Spiegel,<br />

de visita ao sítio, encantou-se com sua destreza e habilidade.<br />

Acabaram por convencer seus pais a deixaremno<br />

ir com eles para Niterói. O que de fato aconteceu.<br />

Essa família lhe devotou a partir de então cuidados e<br />

atenção filial.<br />

Na capital, trabalhou inicialmente numa agência da<br />

Ford e depois numa da Chevrolet. Essa foi sempre sua<br />

grande escola: a prática, onde aquele peculiar talento<br />

natural se aprimora, afirma-se e vai deixando marcas<br />

pelo caminho percorrido.<br />

A meninice ficou para trás, José Cardoso agora é um<br />

homem feito. Sua personalidade firme, objetiva<br />

e empreendedora parecia não combinar muito<br />

com superiores. Então, toma sua vida nas mãos e<br />

cria seu próprio negócio: um serviço de “mecânico<br />

ambulante”, utilizando-se de um velho automóvel<br />

da marca “hupmobile”.<br />

Tempos difíceis. Sem serviço fixo e tendo a si próprio<br />

como patrão, deslocava-se de um ponto a outro da<br />

cidade, por vezes sendo preciso até mesmo dormir<br />

dentro de sua “oficina ambulante”: o carro.<br />

COMEÇO DE SUA TRAJETÓRIA EM RIO BONITO<br />

Em 1937, ano em que Getulio Vargas inaugura o regime<br />

totalitário no Brasil por meio de um golpe de<br />

Estado, José Cardoso se estabelece em Rio Bonito,<br />

contratado por Antônio Mansur, comerciante atacadista<br />

e representante da Chevrolet. Mansur possuía<br />

uma frota de caminhões que necessitava de manutenção<br />

com mão de obra especializada.<br />

Logo em seguida, agora já bem experiente no ramo e<br />

ousado por natureza, monta outro negócio próprio: a<br />

“Officina Auto Rex”. Casa-se em 1939.<br />

Cardoso com sua<br />

família, onde hoje<br />

é a Rua Arthur<br />

Bernardes, ao lado<br />

da sua oficina<br />

(Rio Bonito, 1946)


Ao final da década de 1930 e princípio da década<br />

de 1940, Rio Bonito já possuía, além da recém-inaugurada<br />

oficina mecânica, algumas olarias que fabricavam<br />

telhas, tijolos e manilhas. Com a chegada da Segunda<br />

Guerra e por conseqüência da própria, todos os<br />

suprimentos foram acabando rapidamente. Era<br />

preciso muita criatividade para manter veículos e<br />

fábricas funcionando.<br />

Para conseguir matéria-prima, Cardoso enchia um<br />

caminhão com telhas e seguia para a cidade do Rio de<br />

Janeiro, onde havia muitas casas com telhado de chapa<br />

de flandres pelos arredores. Aos proprietários propunha<br />

a troca do flandres pelas telhas de barro, bem<br />

mais apropriadas a moradias. Caso combinassem, a<br />

substituição era feita no ato. O mesmo processo se<br />

repetia com manilhas que eram trocadas por tubos,<br />

que ele transformava em peças: anéis de segmento,<br />

por exemplo.<br />

Como não havia rolamentos novos, ele comprava<br />

grandes quantidades em ferros-velhos, desmontavaos,<br />

separava o material aproveitável e montava novamente<br />

rolamentos em perfeitas condições de uso.<br />

Tarefa nada fácil, pois, além de a desmontagem ser<br />

complicadíssima, havia outro agravante: a enorme<br />

diversidade de medidas para essa peça; era necessário<br />

encontrar grande quantidade de medidas iguais. Um<br />

verdadeiro garimpo!<br />

Se houvesse encomenda de um compressor de ar,<br />

Cardoso pegava um motor Ford A, cortava ao meio,<br />

realizava os ajustes necessários e o transformava em<br />

dois compressores desse tipo.<br />

Officina Auto Rex (Rio Bonito, 1938)<br />

No escritório, a esposa Esmeralda ajudava José Cardoso (Rio Bonito, 1940)<br />

O DIFÍCIL COMEÇO<br />

17


O DIFÍCIL COMEÇO<br />

18<br />

À esquerda, agência Chevrolet (Rio Bonito, anos 30)<br />

Automóvel equipado com gasogênio


O GASOGÊNIO<br />

O contexto da Segunda Guerra interferiu fortemente<br />

no panorama econômico mundial. O Brasil, mesmo<br />

inicialmente neutro, sofreu significativa queda nas<br />

exportações de produtos agrícolas, principalmente<br />

do café, e tinha terríveis dificuldades de importação<br />

de matérias-primas industriais e combustível. Essa<br />

situação se agravou quando o Brasil declarou guerra<br />

às potências do Eixo em 1942. Getulio Vargas então<br />

extinguiu a “Comissão de Defesa Nacional” e criou a<br />

“Comissão de Mobilização Econômica”, que reunia<br />

poderes muito mais amplos. Incumbido de orientar a<br />

produção mineira e agropecuária, o novo órgão deveria<br />

ainda coordenar os transportes e o comércio externo,<br />

além de regulamentar o racionamento no âmbito<br />

do consumo, a política de preços e o controle do mer-<br />

cado de trabalho.<br />

Durante o período de racionamento de combustível,<br />

tornou-se muito popular o uso do gasogênio 1 . Com o<br />

incentivo do Governo, a produção dos aparelhos geradores<br />

desse gás cresceu muito. Cerca de 20 mil desses<br />

sistemas foram implantados até o final da Segunda<br />

Guerra. Alguns mais renomados, outros mais artesanais,<br />

como os que Cardoso começou a fabricar.<br />

Os aparelhos de gasogênio eram verdadeiras caldeiras<br />

que produziam um gás que com sacrifício substituía a<br />

gasolina. Eram fixados na traseira dos veículos e abas-<br />

Na Praça Fonseca Portela, o Ford à direita está com gasogênio Sambê (Rio Bonito, 1944)<br />

Officina Auto Rex (Rio Bonito, 1948)<br />

1. O aparelho para a produção deste gás foi inventado nos anos 20 pelo francês Georges Imbert. A produção de gasogênio tem maior importância histórica<br />

em períodos de escassez energética. Foi empregada em diferentes regiões do mundo, com o intuito estratégico de produzir combustível apto ao uso em<br />

motores de combustão interna e turbinas a gás.<br />

O DIFÍCIL COMEÇO<br />

19


O DIFÍCIL COMEÇO<br />

20<br />

Nota fiscal<br />

da Officina Auto Rex<br />

(Rio Bonito, 1940)


Nota fiscal<br />

da Officina Auto Rex<br />

(Rio Bonito, 1940)<br />

O DIFÍVIL COMEÇO<br />

21


22<br />

Anúncio no jornal<br />

“Voz do Estado” (1958)


tecidos com carvão, também vendido nos postos de<br />

gasolina. Havia alguns inconvenientes, como sensível<br />

redução da potência dos veículos e, como o combustível<br />

era o carvão, eram produzidas algumas centelhas,<br />

que andaram provocando alguns incêndios. Imagine<br />

andar com uma “churrasqueira” acoplada atrás do veículo<br />

e constantemente acesa.<br />

Com seu aparelho de gasogênio chamado “Sambê”<br />

(Serra de Rio Bonito), Cardoso ficou muito conhecido<br />

na região, pois ele permitia bom rendimento para<br />

caminhões, principalmente nas subidas de rampas das<br />

Barcas Niterói-Rio de Janeiro, quando na maré alta<br />

os caminhões de Rio Bonito facilmente embarcavam<br />

sem serem empurrados. Esse melhor desempenho dos<br />

“Sambês” provocava a desconfiança dos policiais, que<br />

achavam haver gasolina escondida no veículo: esse<br />

produto era proibido nessa época, portanto usá-lo era<br />

uma contravenção à lei, sendo tal infração competência<br />

do Tribunal de Segurança Nacional.<br />

Com o fim do conflito mundial em meados de 1945,<br />

havia grande demanda para conserto de motores da<br />

frota de veículos em parte danificados pelo próprio<br />

uso do gasogênio. Cardoso, então, comprou uma<br />

máquina primitiva que retificava eixos virabrequins<br />

no lugar, ou seja, utilizava o motor de arranque<br />

do próprio veículo para girar e com muita paciên-<br />

cia e sacrifício conseguia retificar os colos de biela,<br />

o que levava dias.<br />

Sua oficina em Rio Bonito ganhara fama fabricando<br />

durante a Segunda Guerra os aparelhos de Gasogênio,<br />

além de retificar motores e de ter produzido bombas<br />

para puxar água, chamadas de “Bombas Brasil”.<br />

Bomba d’água Brasil<br />

produzida por Cardoso<br />

nos anos 40<br />

Quando jovem, Cardoso<br />

gostava de motocicletas.<br />

Na foto, Lauro (esq.), Dalmo,<br />

José Cardoso (centro) e<br />

Machado Queirobes (direita)<br />

O DIFÍCIL COMEÇO<br />

23


NOME DO CAPÍTULO<br />

24<br />

O JIPINHO


O JIPINHO<br />

Vivia-se o ano de 1953. Os EUA aumentam a tensão<br />

da Guerra Fria ao anunciarem haver desenvolvido<br />

uma arma com poder destrutivo ainda maior que o<br />

da bomba atômica: a bomba de hidrogênio; o físico<br />

britânico Francis Crick e seu colega norte-americano<br />

James Watson divulgam um modelo que explica a<br />

estrutura do DNA, provocando profundo avanço na<br />

engenharia genética; no Brasil, o agora eleito presidente<br />

da República pelas urnas, Getulio Vargas, cria<br />

a Petrobras, empresa estatal símbolo do nacionalismo<br />

brasileiro; o carnaval carioca se revoluciona, fundindo<br />

escolas de samba e fazendo surgir agremiações, como<br />

Acadêmicos do Salgueiro e União da Ilha do<br />

Governador.<br />

Enquanto isso, em Rio Bonito, pacata cidade fluminense,<br />

José Cardoso da Silva, um brasileiro, começa<br />

a cumprir a promessa feita a sua esposa, Esmeralda:<br />

construir um carro para os filhos. Projeta a ideia no<br />

chão de sua oficina, era o esboço do jipinho que em<br />

seguida vai tomando forma, passando a existir de fato<br />

como fruto de intermináveis horas de trabalho noite<br />

adentro.<br />

Como a cidade de Rio Bonito só teria energia elétrica<br />

confiável anos mais tarde, ele contava com o auxílio<br />

de um grande e barulhento gerador Hanomag alemão<br />

e, demonstrando humanidade, fornecia também<br />

energia para luz e força aos vizinhos gratuitamente.<br />

O mundo da tecnologia continua crescendo e a TV<br />

chega ao Brasil, contudo limitava-se aos grandes centros<br />

urbanos. Rio Bonito ainda não tinha retransmissão<br />

dessa grande novidade. O evento da constru-<br />

ção do jipinho era a grande sensação e passou<br />

a ser ponto de encontro de amigos à noite que passa-<br />

vam longas horas de boa conversa enquanto<br />

Zé Cardoso trabalhava. O gerador de solda elétrica<br />

era acionado por um motor Ford V8.<br />

O Brasil estava carente de veículos. Na época, nossa<br />

frota automotiva era velha, a maioria datava de antes<br />

da Segunda Guerra e já estava desgastada pelas péssimas<br />

estradas e pelo uso do gasogênio. Para completar<br />

esse quadro, as importações de carros eram restritas.<br />

Argumentava-se que tudo era favorável à construção<br />

de uma fábrica de automóveis, indústria até então<br />

inexistente no país.<br />

Zé Cardoso, como era conhecido, sempre muito<br />

criativo e empreendedor por natureza, à medida<br />

que trabalhava, continuava a escutar as ideias dos<br />

seus amigos. Foi então que alguém teve outra ideia<br />

mais grandiosa ainda: uma vez que o presidente<br />

Getulio Vargas iria em fevereiro de 1954 a Volta<br />

Redonda para inaugurar o segundo alto-forno da<br />

Cia. Siderúrgica Nacional, poder-se-ia provocar um<br />

encontro meramente casual, apresentando-se então<br />

o carro ao presidente, para sentir a sua opinião.<br />

O JIPINHO<br />

25


O JIPINHO<br />

26<br />

Rio Bonito, janeiro de 1954<br />

José Cardoso (Rio Bonito, 1954)<br />

Vale ressaltar que, embora o presidente tivesse sido<br />

eleito através das urnas, a sua palavra ainda era a final,<br />

exatamente como no tempo da sua ditadura.<br />

Ao final do ano de 1953, estava pronto o jipinho, que,<br />

até os dias de hoje, possui as seguintes características:<br />

como motor base, o Onam de 2 cilindros opostos,<br />

quatro tempos, 650 cilindradas, bastante modificado.<br />

Foi feito um virabrequim mais comprido, na parte da<br />

frente colocado um dinamotor (arranque e dínamo<br />

juntos), semelhante ao do motor DKW de 2 cilindros,<br />

e na parte de trás uma embreagem do tipo monodisco<br />

seco. Foram colocados pistões, anéis e válvulas maiores,<br />

além de cárter apropriado ao veículo, câmbio de<br />

três marchas mais ré, diferencial e caixa de direção.<br />

Tudo igual ao dos veículos grandes, porém feito em<br />

tamanho pequeno, inclusive freios hidráulicos e suspensão<br />

dianteira independente. Possui amortecedores<br />

hidráulicos e velocidade máxima de 75 km/h.<br />

A viagem inaugural do “pequeno notável” foi para a<br />

casa de seus pais em Araruama, distante aproximadamente<br />

40 km de Rio Bonito. Lá foram eles: pai, mãe e<br />

mais quatro filhos! Iam como se estivessem numa lata<br />

de sardinhas.<br />

O sucesso não poderia ter sido maior. Apesar do aperto<br />

e do peso, o desempenho do pequeno veículo foi<br />

ótimo, embora as estradas não ajudassem em nada,<br />

uma vez que permaneciam tal e qual se encontravam<br />

anos antes, na época em que Zé Cardoso dirigia e cuidava<br />

do caminhão do Sr. Aderbal Soares, ou seja: de


chão batido, com pedra, poeira, costeletas e, às vezes,<br />

bastante lama por conta das chuvas. Tal performance<br />

no “teste” garantiu o êxito deste pequeno que já nasceu<br />

grande e com fama imediata.<br />

Seguiram-se várias viagens pelo Estado do Rio de<br />

Janeiro, seja a passeio com a família ou para participar<br />

de exposições – uma vez que sua fama se espalhou<br />

rapidamente – seja a negócios.<br />

Em todos os lugares onde passava, o jipinho se tornava<br />

o centro das atenções. Pelo seu tamanho, por vezes,<br />

era guardado até nos saguões dos hotéis. Nas barcaças<br />

que faziam a travessia entre as cidades do Rio de<br />

Janeiro e Niterói, os marinheiros ficavam encantados,<br />

sempre arranjavam um lugar especial para o “pequenino”,<br />

mesmo com a barcaça lotada de veículos.<br />

Em cada canto todos queriam ver o minúsculo veículo<br />

circulando normalmente como um carro grande<br />

da época. <strong>Mas</strong> havia outro atrativo a provocar grande<br />

excitação no povo, sobretudo aos nacionalistas de<br />

plantão. Era a inscrição em sua placa traseira: “<strong>Sou</strong><br />

pequeno, mas sou brasileiro”!<br />

A frase estava em perfeita consonância com a intensa<br />

campanha de explícito cunho nacionalista veiculada<br />

na época: “O Petróleo é Nosso”, lançada por Vargas e<br />

que ressaltava em muito o sentimento patriótico dominante<br />

daqueles anos.<br />

O diferencial do primeiro jipinho era parecido com o dos primeiros Ford, porém fabricado em tamanho<br />

menor. Não era fácil construir peças precisas como a acima com os recursos de que dispunha e só<br />

com a finalidade de fazer um carrinho para os filhos<br />

Rio Bonito, junho de 2007<br />

O JIPINHO<br />

27


O JIPINHO<br />

28<br />

Assim a família viajava aos domingos. Curiosidade:<br />

estou no banco da frente, no meio (Rio Bonito, 1955)


Em frente à residência de José Cardoso (Rio Bonito, 1955).<br />

Curiosidade: tentando não me levar<br />

Casamento de roça (Niterói, 1955)<br />

O JIPINHO<br />

29


O JIPINHO<br />

30<br />

Rio Bonito, 1955<br />

Filha e amigas<br />

(Rio Bonito, 1954)


Cardoso na Praça Fonseca Portela (Rio Bonito, 1955)<br />

O JIPINHO<br />

31


NOME DO CAPÍTULO<br />

32<br />

O JIPINHO<br />

E O PRESIDENTE


O JIPINHO E O PRESIDENTE<br />

A ideia de se provocar um encontro do jipinho com<br />

o presidente Vargas por ocasião de sua viagem a Volta<br />

Redonda, nascida da conversa com os amigos durante<br />

os serões da construção do jipinho, vingou. Saiu do<br />

mundo das ideias e tornou-se real.<br />

O trajeto da comitiva presidencial seria pela Rodovia<br />

Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo.<br />

O ponto mais propício seria na Serra das Araras. Na<br />

ocasião, a mão de subida e de descida era na mesma<br />

pista. Além de estarem fora do perímetro urbano,<br />

portanto, sozinhos.<br />

No dia combinado, 19 de fevereiro de 1954, lá estavam<br />

Zé Cardoso e seu fiel amigo Ciraldo F. Borges<br />

estrategicamente parados em determinado ponto da<br />

Rodovia na Serra das Araras.<br />

Como previsto, foram localizados pelo presidente,<br />

que, imediatamente, mandou que seus batedores os<br />

abordassem. Vargas aproximou-se amigavelmente,<br />

querendo saber todos os detalhes sobre aquele inusitado<br />

veículo.<br />

Passado aquele primeiro momento, o do impacto<br />

causado pelo inesperado, veio a surpresa. O presidente<br />

dirige-se ao então governador do Estado do<br />

Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto, e exclama:<br />

“No Rio de Janeiro já se fabricam carros e eu<br />

não sabia!”. Em seguida, convida Cardoso e Ciraldo<br />

para que o acompanhem até o Hotel Bela Vista,<br />

em Volta Redonda, onde se hospedariam junto<br />

com sua comitiva, assim poderiam conversar mais<br />

sobre o jipinho.<br />

No dia seguinte, o presidente visitou parte da Companhia<br />

Siderúrgica com o jipinho, inclusive, como<br />

bom gaúcho, até tomou chimarrão sentado no banco<br />

do carro. Empolgado com o carrinho, mais ainda<br />

por ser um projeto genuinamente brasileiro,<br />

sugeriu que fosse de pronto providenciado o projeto<br />

de um jipe um pouco maior. Solicitou ao governador<br />

do Estado apoio técnico-financeiro para a<br />

viabilização do projeto.<br />

O JIPINHO E O PRESIDENTE<br />

33


O JIPINHO E O PRESIDENTE<br />

34<br />

Batedores param o jipinho<br />

na Rodovia Presidente Dutra<br />

(Serra das Araras, 1954)


Cardoso também solicitou meios para o emplacamento<br />

do seu jipinho, pois até então não havia órgãos<br />

competentes para recolher impostos. O carro rodava<br />

com documentos provisórios, chamados na época<br />

“papagaios”. Ali mesmo resolveram que os tributos<br />

seriam recolhidos em favor da recém-criada Petrobras<br />

e o nome do novo veículo seria “Nacional”. O valor do<br />

tributo foi de Cr$ 200,00 (duzentos cruzeiros).<br />

Desse dia em diante, Cardoso e seu jipinho ganharam<br />

projeção nacional devido ao grande número de reportagens<br />

em jornais e revistas.<br />

José Cardoso, sem paletó, conversa com o presidente Getulio Vargas,<br />

o governador Amaral Peixoto e o futuro governador Miguel Couto<br />

(Volta Redonda, 22 de fevereiro de 1954)<br />

O JIPINHO E O PRESIDENTE<br />

35


O JIPINHO E O PRESIDENTE<br />

36<br />

Comitiva presidencial na CSN. O Rolls-Royce à frente ainda é o<br />

mesmo usado pela Presidência da República (Volta Redonda, 1954)<br />

Documentos de licença do Nacional Jeep / jipinho


“O Estado de São Paulo” (domingo, 21 de fevereiro de 1954)<br />

José Cardoso apresenta o jipinho ao presidente (Volta Redonda, 1954) O JIPINHO E O PRESIDENTE<br />

37


NOME DO CAPÍTULO<br />

38<br />

O PROJETO


O PROJETO<br />

A partir daquele encontro “casual” com Getulio<br />

Vargas, Cardoso passou a dedicar-se ao projeto de<br />

construção da fábrica. A ideia era desenvolver um jipe<br />

simples, com tração nas rodas traseiras e suspensão<br />

independente na frente. O tamanho seria um terço<br />

menor que o Willys, com motor de quatro cilindros<br />

opostos, refrigerados a ar com 800 cc. Planejava fabricar<br />

todas as peças ali mesmo, até porque não existiam<br />

fornecedores adequados.<br />

Apresentação do<br />

motor de quatro<br />

cilindros opostos<br />

horizontalmente, com<br />

bloco de alumínio<br />

totalmente fabricado<br />

em Rio Bonito, que,<br />

com a interrupção das<br />

atividades, não chegou<br />

a ser utilizado<br />

(Rio Bonito, 1955)<br />

Chassi de estrutura<br />

bem dimensionada<br />

para as estradas da<br />

época (Rio Bonito,<br />

junho de 2007)<br />

Chassi do terceiro jipinho.<br />

Pode-se observar a<br />

suspensão dianteira<br />

independente<br />

(Rio Bonito,<br />

junho de 2007)<br />

O PROJETO<br />

39


O PROJETO<br />

40<br />

Carroceria em chapas de aço dobradas em gabarito construída em 1955 (Rio Bonito, junho de 2007)


Os veículos definitivos teriam a carroceria igual a essa, porém seriam maiores e com capota<br />

O PROJETO<br />

41


O PROJETO<br />

42<br />

Enquanto os novos motores de quatro cilindros não ficavam prontos, eram utilizados os motores Onan modificados de dois cilindros, quatro tempos e refrigerados a ar. Eram simples,<br />

econômicos e muito resistentes


Caixa de direção tipo setor sem fim, fabricada exclusivamente para o jipinho<br />

Carcaça do diferencial exclusiva feita em chapa de aço 1/8” (Rio Bonito, junho de 2007)<br />

O PROJETO<br />

43


O PROJETO<br />

44<br />

Suspensão dianteira independente<br />

(Rio Bonito, junho de 2007)<br />

Motor, câmbio, diferencial e caixa de direção chegaram<br />

a ser fabricados por ele, duas unidades de cada,<br />

culminando com a montagem de dois protótipos.<br />

A localização da fábrica seria onde funcionou o DNER<br />

em Rio Bonito. Pensou-se ainda, na época, em desenvolver<br />

um modelo esportivo.<br />

Havia muita badalação em torno do projeto do<br />

veículo nacional, porém o apoio governamental tardava<br />

a chegar.


Rodas, tambores, sapatas e cilindros de freio fabricados exclusivamente<br />

para o veículo. À direta, moldes de madeira usados na fundição das peças<br />

(Rio Bonito, junho de 2007)<br />

O PROJETO<br />

45


NOME DO CAPÍTULO<br />

46<br />

A IBASA – INDÚSTRIA<br />

BRASILEIRA DE<br />

AUTOMÓVEIS S.A.


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA<br />

DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

Enquanto o dito apoio do governo não chegava,<br />

o grupo de amigos não lhe faltou. Movidos pelo entusiasmo<br />

e pela total confiança no êxito do projeto,<br />

constituíram uma sociedade intitulada “Ibasa –<br />

Indústria Brasileira de Automóveis S.A.”, sendo sócios<br />

fundadores: José Cardoso da Silva, Ciraldo Ferreira<br />

Borges, Zeno Neves, Manoel Vitorino da Silva, Waldir<br />

Correia de Sá, Theonas Martins Gomes e Edgar<br />

Monerat Sólon de Pontes.<br />

Cardoso começa a penetrar em mares nunca dantes<br />

navegados, com a determinação que tanto o caracterizava.<br />

Tem início a maratona de viagens a partir de<br />

Rio Bonito e vizinhança. Algumas com o objetivo<br />

explícito da venda de ações, outras para participar<br />

de eventos festivos com o jipinho, o que não dei-<br />

xava de ser importante instrumento de propaganda<br />

para a empresa.<br />

Prospecto para<br />

apresentação da<br />

empresa Ibasa<br />

(Rio Bonito, 1955)<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

47


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

48<br />

Uma das três<br />

páginas do Diário<br />

Oficial (Rio de<br />

Janeiro, 10 de<br />

janeiro de 1956)


No Diário Oficial da União do dia 10 de janeiro de 1956,<br />

publicaram-se os Estatutos e Prospectos da “(...) iniciativa<br />

de um grupo de pessoas bem intencionadas que saem do<br />

idealismo para o terreno das realizações.”, descrevendo as<br />

características da indústria em organização:<br />

– 1º –<br />

É Sociedade Anônima por subscrição popular, organizada<br />

e regida pelos preceitos legais vigentes consubstanciados<br />

no Decreto-Lei n° 2.627 de 2 de setembro de 1940<br />

e leis subsidiárias.<br />

– 2º –<br />

O capital da companhia é de Cr$ 30.000.000,00 (trinta<br />

milhões de cruzeiros), representado por 15.000 (quinze<br />

mil) ações ordinárias e 15.000 (quinze mil) ações preferenciais,<br />

nominativas, no valor de Cr$ 1.000,00 (mil cruzeiros)<br />

cada uma, integralizáveis de uma só vez, ou em dez prestações<br />

iguais, vencíveis mensalmente, a contar da data<br />

de subscrição.<br />

A subscrição está subordinada ao pagamento de uma taxa<br />

de 5% (cinco por cento), e de 10% (dez por cento), quando a<br />

prazo. Os emolumentos serão pagos no ato da assinatura do<br />

boletim de subscrição.<br />

As ações preferenciais têm sobre as ordinárias as seguintes<br />

vantagens: – a) – direito e prioridade à percepção de um<br />

dividendo anual, não cumulativo de 8% (oito por cento);<br />

– b) – prioridade de reembolso, no caso de liquidação da<br />

sociedade; – c) – direito à percepção de dividendos suplementares,<br />

em igualdade de condições com as ordinárias;<br />

– d) – igualdade de tratamento com as ações ordinárias,<br />

salvo no que concerne ao direito de voto, que se adquirem<br />

nos casos expressos em lei.<br />

Lê-se ainda nesse prospecto que “para empresa dessa<br />

envergadura, porém, necessário se torna a cooperação<br />

do capital particular de um maior número<br />

de pessoas”. Para tanto, organizaram a primeira exposição<br />

da Ibasa, na qual foi lançada oficialmente a<br />

venda das ações. Também foi protocolado o pedido<br />

de apoio do Governo Federal na Secretaria da Presi-<br />

dência da República.<br />

– 6º –<br />

Os originais dos Estatutos, bem como do presente prospecto,<br />

devidamente assinados, ficarão em poder do acionista fundador<br />

Manoel Vitorino da Silva, para serem examinados<br />

por quaisquer interessados.<br />

– 7º –<br />

O tipo e modelo dos veículos a serem construídos pela<br />

Sociedade em organização obedecerão, em principio, às<br />

características dos já construídos pelo incorporador José<br />

Cardoso da Silva. automóveis tipo “jeep”, suficientemente<br />

experimentados e plenamente aprovados na prática à resistência,<br />

velocidade e notável economia de carburante. Esses<br />

veículos já são sobejamente conhecidos do público através<br />

de fartos e elogiosos comentários da Imprensa do Distrito<br />

Federal, Estado do Rio e São Paulo, inclusive extensas reportagens<br />

ilustradas com fotografias e dados técnicos. O incorporador<br />

José Cardoso da Silva desde já se compromete publicamente<br />

a ceder à Sociedade em organização todos os seus<br />

direitos, privilégios e patentes relativas à fabricação sem<br />

ônus imediato para a empresa em organização, mediante<br />

as seguintes condições: – Seis meses após a organização<br />

da Companhia, a assembleia extraordinária, que para esse<br />

fim será convocada, designará dois louvados que com outros<br />

dois designados pelo senhor José Cardoso da Silva avaliarão<br />

o valor dos direitos pelo mesmo cedidos à sociedade. Valor<br />

esse que lhe será creditado, para ser pago na forma que, na<br />

ocasião, julgarem os louvados. Se esses não chegarem a acordo,<br />

nomearão um desempatador, obrigando-se então tanto<br />

a companhia como o senhor José Cardoso da Silva a acatar a<br />

deliberação desse desempatador como de última instância.<br />

Tudo parecia correr bem, entretanto, como é sabido,<br />

vender ações não é coisa para amadores. As dificuldades<br />

não tardaram a aparecer. Não se tinha acesso a<br />

grandes investidores. As ações, em sua maioria, eram<br />

vendidas para pessoas simples, entusiastas, totalmente<br />

engajadas no projeto e na ideologia nacionalista de<br />

um carro nacional.<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

49


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

50<br />

O prefeito de Rio Bonito, Albino <strong>Sou</strong>za, e o governador do Estado do Rio de<br />

Janeiro, Miguel Couto, são recebidos por José Cardoso em visita à exposição<br />

(Rio Bonito, 1955)


Exposição de veículos no lançamento da venda de ações da Ibasa (Rio Bonito, 1955)<br />

Protocolo da Presidência da República (Rio de Janeiro, 1954)<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

51


O jipinho participou de várias gincanas automobilísticas, que eram moda na época. Sempre dirigido pelo próprio José Cardoso, o jipinho ganhou três destas gincanas, sendo uma em Nova Friburgo e duas em<br />

Copacabana, Rio de Janeiro. Numa dessas competições em Copacabana, ganhou o troféu “Carlos Lacerda”, recebendo a premiação das mãos do próprio governador. Cardoso dizia ser ajudado por aqueles que queriam a<br />

vitória do “carrinho brasileiro”. Troféu Carlos Lacerda (Rio de Janeiro, 1955)


A VENDA DE AÇÕES: VERDADEIRA “EPOPEIA”<br />

Numa viagem a Nova Friburgo, Região Serrana do<br />

Estado do Rio, a caravana, incluindo o jipinho, estacionou<br />

na praça principal da cidade. Ali mesmo, sem<br />

perda de tempo, deu-se início aos trabalhos. Cardoso<br />

abriu o capô do carrinho e começou a explicar suas<br />

principais qualidades ao povo que não tardou a aparecer.<br />

Falava também da importância para o Brasil de<br />

fabricá-lo em escala industrial. Enquanto isso os amigos<br />

iam fechando a venda das ações.<br />

Num determinado momento, um homem que ficara<br />

muito admirado com o carro aproximou-se e pediu<br />

a Cardoso que, ao final do dia, fosse até o hospital<br />

da cidade, no qual um amante do automobilismo se<br />

encontrava internado e certamente ficaria feliz se pudesse<br />

conhecer o carro. O sempre atencioso Cardoso<br />

atendeu tal solicitação com gosto.<br />

No hospital, o amigo enfermo, chegando até a janela<br />

do quarto, entusiasmou-se tanto com o que viu e<br />

ouviu que comprou várias ações, aliás, fez mais que<br />

isso, tornou-se o principal multiplicador da propaganda<br />

da empresa naquela cidade. Prova disso é que,<br />

nos meses que se seguiram, sempre aparecia alguém<br />

de Friburgo para adquirir cotas, todos indicados pelo<br />

entusiasta.<br />

Como a ideologia predominante era de fato o nacio-<br />

nalismo, a de se tornar uma nação verdadeiramente<br />

independente, autossuficiente, soberana sobre suas<br />

riquezas minerais e tecnológicas, a ideia de um carro<br />

genuinamente nacional, todo construído <strong>aqui</strong> e por<br />

um brasileiro que tinha orgulho de seu país, entusiasmava<br />

muitas pessoas. Algumas chegaram inclusive a<br />

se oferecer gratuita e espontaneamente para representar<br />

a nova empresa, como foi o caso de Célio Gil, em<br />

Macaé, Moacir Carvalho de Sá, em Araruama, Miguel<br />

Rego, em Volta Redonda, e Adelino Miranda, em<br />

Campos dos Goitacazes, e tantos outros mais.<br />

A propaganda da fábrica se resumia a um pequeno<br />

filme exibido em alguns cinemas antes dos trailers e à<br />

distribuição dos prospectos durante as apresentações<br />

do jipinho.<br />

Na esfera governamental tudo vai mal. O “padrinho”<br />

do projeto, Getulio Vargas, suicidara-se em agosto de<br />

1954. Órfão desse poderoso aliado, o projeto foi sendo<br />

protelado pelo governo. A burocracia impedia que o<br />

financiamento tivesse “sinal verde” ou o que impedia<br />

a liberação era justamente o fato de ser um grande<br />

passo para o Brasil rumo à sonhada autossuficiência,<br />

o que não interessava em nada aos nossos “protetores”<br />

norte-americanos, ainda mais quando a conjuntura<br />

internacional mostrava sinais de um crescente<br />

aumento de tensão da Guerra Fria.<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

53


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

54<br />

Ação da Ibasa vendida no dia 7 de março de 1956 (Rio Bonito, 1956)


Matéria publicada no jornal Diário do Povo (Nova Friburgo, 1955)<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

55


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

56<br />

Dr. Austério A. Mendonça, deputado<br />

Saturnino Braga, secretário do Estado<br />

Raul C. Rodrigues, prefeito Albino <strong>Sou</strong>za e<br />

José Cardoso com os chassis e os motores<br />

dos primeiros veículos (Rio Bonito, 1954)


Não obstante esse entrave, José Cardoso e seus amigos<br />

seguiam em frente entusiasmados e esperançosos. Ele<br />

construía protótipos e viajava nos finais de semana<br />

divulgando o projeto e participando dos já rotineiros<br />

eventos, para os quais eram convidados: o jipinho, ele<br />

e sua comitiva.<br />

Um dos mais importantes desses eventos foi a inauguração<br />

do Parque Ibirapuera, em São Paulo, onde o<br />

jipinho participou da abertura da solenidade. O ato<br />

consistiu numa enorme bola sendo arremessada longe<br />

de dentro do “pequeno brasileiro”.<br />

Em outra viagem a São Paulo, o então governador do<br />

Estado, Adhemar de Barros, circulou durante todo o<br />

dia pela cidade no jipinho, enquanto Zé Cardoso dava<br />

entrevistas, inclusive na rádio Jovem Pan.<br />

No Estado do Rio, participou da solenidade de inauguração<br />

do Estádio de Futebol do Clube Tamoios, em<br />

Cabo Frio. Miguel Couto, governador do Estado na<br />

ocasião, também participou do sucesso do jipinho:<br />

deu várias voltas com ele no novo campo de futebol.<br />

Desfile estudantil<br />

representando<br />

o Colégio Modelo<br />

e com a bandeira<br />

brasileira sobre o capô<br />

(Nova Friburgo, 1955)<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS, AUTOMÓVEIS S.A.<br />

57


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

58<br />

Governador do Estado no jipinho (Cabo Frio, 1956)


José Cardoso com a família (Rio Bonito, 1954)<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

59


NOME A IBASA DO – CAPÍTULO INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

60<br />

Matéria na Revista<br />

de Automóveis<br />

(Rio de Janeiro,<br />

outubro de 1954)


NOME A IBASA DO – CAPÍTULO INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

61


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

62<br />

Nesta foto aparece ainda o<br />

chassi do outro carro montado<br />

pelo Sr. José Cardoso da Silva.<br />

Vê-se também o croqui de um<br />

auto de passeio projetado pelo<br />

mecânico brasileiro.<br />

(Revista Manufatura -<br />

Niterói, 1955)


Meninas experimentam a capacidade de resistência<br />

do jipinho. Indústria de Automóveis em Rio Bonito<br />

(Revista Manufatura - Niterói, 1955)<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

63


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

64<br />

Através da participação nesses eventos, em campanhas<br />

publicitárias de empresas de grande porte, como<br />

da Esso, por exemplo, de matérias escritas por vários<br />

jornalistas e veiculadas na mídia da época, sobretudo<br />

em revistas automobilísticas, e da divulgação<br />

boca a boca, seguiam-se as demonstrações e a venda<br />

das ações.<br />

Durante uma visita ao CDI (Conselho de Desenvolvimento<br />

Industrial), no Rio de Janeiro, Cardoso ouviu<br />

de um diretor que o problema estava no fato de o<br />

projeto não ser compatível com os recursos financeiros<br />

solicitados, sendo-lhe mostrado ainda o projeto<br />

de uma grande empresa estatal, já aprovado, com verba<br />

muito superior!<br />

Zé Cardoso, sempre de raciocínio rápido e direto,<br />

entendeu perfeitamente o “recado”. Também<br />

já não suportava mais aqueles trâmites, por isso,<br />

naquele momento, desistiu de aguardar mais por<br />

aquele caminho.<br />

Ao sair do prédio, situado no centro da cidade, viu,<br />

como sempre, seu jipinho rodeado de gente. O diretor,<br />

que saiu junto com ele, ao constatar o sucesso que<br />

o veículo fazia junto ao público, disse a Cardoso que<br />

voltasse a procurá-lo, pois iria reconsiderar importantes<br />

aspectos do projeto. Assim, a venda das ações<br />

continuou...<br />

Nas cidades mais próximas de Rio Bonito, com<br />

Cardoso e seu jipinho por perto, a venda de ações<br />

fluía bem, mas, fora essas condições, o negócio era<br />

bem mais difícil. Cauteloso, ele queria se comprome-<br />

ter de maneira controlada com os compradores para<br />

que a captação não se tornasse irreversível e, consequentemente,<br />

desonesta.<br />

Nesse ínterim surgiu a proposta de um grande empresário<br />

da indústria agrícola paulista interessado<br />

no projeto. Foi recusada no ato, pois significava levar<br />

tudo para São Paulo, e deixar Rio Bonito estava<br />

definitivamente fora dos planos de Cardoso. Dessa<br />

forma, a partir daí, as coisas começaram a tomar um<br />

rumo difícil.<br />

A DESISTÊNCIA<br />

Os Correios, que faziam a cobrança das ações<br />

vendidas, anunciaram o aumento das taxas por esse<br />

serviço, o que encareceu muito o negócio. O trabalho<br />

para erguer a fábrica estava chegando aos limi-<br />

tes do suportável.<br />

Depois de algum tempo ainda resistindo com aquele<br />

fio de esperança, muitas viagens solitárias, muito<br />

cansaço e noites maldormidas, José Cardoso dormiu<br />

ao volante e saiu da estrada numa reta próxima<br />

à localidade de Rio dos Índios, já chegando em<br />

Rio Bonito, indo parar a poucos metros de uma<br />

cerca de arame farpado, o que poderia ter sido um<br />

acidente fatal.<br />

Havia em Rio Bonito um competente farmacêutico<br />

e amigo de Cardoso, Sr. Clóvis Avelino Correia, que<br />

recebera um parente vindo de São Paulo. O visitan-


te era especialista em empresas do tipo “Sociedade<br />

Anônima”. Clóvis contou-lhe a respeito das ideias dos<br />

amigos, do jipinho e da empresa em organização e pediu<br />

que ele, como conhecedor do assunto, desse algumas<br />

orientações quanto à venda de ações da fábrica.<br />

Pedido aceito, uma reunião foi marcada, na qual<br />

Cardoso narrou todos os acontecidos e a atual situação<br />

do projeto. A resposta dele foi curta, disse textualmente:<br />

“Vocês estão fazendo tudo errado!”. Prosseguiu<br />

com o raciocínio de que seria necessário um serviço<br />

de divulgação profissional, que marcasse entrevistas<br />

coletivas em ambientes sofisticados, com vários promotores<br />

de venda prometendo lucros mirabolantes,<br />

nas quais Cardoso seria o último a chegar e o primeiro<br />

a sair, etc., etc.<br />

O especialista, com muito boa vontade, ainda explicou<br />

sobre a complexidade da comercialização<br />

de ações. Quando terminou, Cardoso, incisivo,<br />

do alto de sua simplicidade sentenciou: “Isso não<br />

é para mim, estou desistindo agora! Ainda é possível<br />

recomprar todas as ações vendidas sem prejuízo<br />

para ninguém”.<br />

Dessa forma, numa decisão rápida, o sonho da Fábrica<br />

Nacional de Automóveis começou a se desfazer sob o<br />

impacto frio daquela frase que escondia ardilosamente<br />

um coração destroçado. Sonho nacionalista, plenamente<br />

compatível com a política da época, mas que<br />

desmoronou diante da burocracia, da insensibilidade<br />

dos governantes frente à visão de um homem simples,<br />

que apenas vislumbrou, de maneira genial, uma forma<br />

para o país dar início à sua indústria automobilística,<br />

honestamente e com os pés no chão.<br />

Inicia-se, a partir daí, a dolorosa operação de desmontar<br />

tudo <strong>aqui</strong>lo que foi arquitetado pelos sonhadores<br />

do “Brasileirinho”.<br />

Através de anúncios veiculados nos principais jornais<br />

e de cartas enviadas a todos os acionistas – algumas<br />

foram entregues pessoalmente pelo próprio José<br />

Cardoso, pela consideração à confiança depositada e<br />

para dar as devidas explicações sobre o porquê da desistência<br />

do projeto da fábrica – fez-se a convocação<br />

geral para a recompra das ações, conforme previsto.<br />

Um a um os compradores foram ressarcidos diretamente,<br />

com exceção do senhor enfermo de Nova<br />

Friburgo, pois, ao chegarem à cidade, aquele homem<br />

entusiasta, amigo e que tanto colaborara com o projeto<br />

havia falecido. A pesarosa recompra foi feita à sua<br />

viúva.<br />

Triste, Cardoso construiu um sótão na oficina onde<br />

guardou os jipinhos e tudo o que se relacionava a eles.<br />

Custoso processo o de se desfazer de algo em que se<br />

depositou tanta esperança e que despendeu precioso<br />

“tônus vital”. Não obstante, mesmo com tremenda sofreguidão,<br />

como não podia ser diferente, José Cardoso<br />

cumpriu seu papel de homem honrado e não gostava<br />

mais de tocar no assunto.<br />

Nos anos seguintes apareceram pessoas de outros<br />

lugares – no mínimo umas três vezes – interessadas<br />

em lançar o projeto de uma outra maneira. Contudo,<br />

com perspicácia, Cardoso sempre percebia as intenções<br />

de lucro fácil com as ações e de calote. Invariavel-<br />

mente esta era sua resposta: “Estão falando com a<br />

pessoa errada!”.<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

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A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

66<br />

Matéria na revista O Cruzeiro<br />

(Rio Bonito, 1955)


Matéria na Revista Manufatura (Niterói, 1955)<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

67


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

68<br />

Matéria do jornal Monitor Campista (Campos, 26 de fevereiro de 1956)


Matéria do jornal Monitor Campista (Campos, 28 de fevereiro de 1956)<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

69


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

70<br />

Deputado Saturnino Braga, Dr. Astério Alves de<br />

Mendonça, Ernani Costa, Moreno Brow, prefeito<br />

Albino <strong>Sou</strong>za, Sebastião William, secretário do<br />

Estado Raul de Oliveira Rodrigues e José Cardoso<br />

visitam as obras do Hospital de Rio Bonito<br />

(Rio Bonito, 1954)<br />

José Cardoso, Tarcy<br />

Vieira, Zizinho Vieira,<br />

Autério Machado e<br />

Aissar Helias (São<br />

Lourenço/MG, 1955)


CURIOSIDADE<br />

Na sua última viagem com o jipinho para venda de<br />

ações em Campos (RJ), havia um senhor bem vestido<br />

que estacionava seu Chevrolet “Bel Air” último tipo<br />

e ficava observando tudo de longe acompanhado de<br />

suas duas netas, que sempre ficavam rodeando o jipinho.<br />

No final do dia, Cardoso pegava as meninas e<br />

dava voltas com elas ao redor da praça. Certo dia esse<br />

senhor aproximou-se dele e o convidou para irem até<br />

sua residência num requintado bairro próximo para<br />

tomarem um café. Ele confessou ser usineiro e disse<br />

que gostaria de comprar algumas ações da Ibasa.<br />

E assim procedeu, dispensando os dez pagamentos de<br />

praxe, em favor de uma compra à vista. Cardoso sabia<br />

que ele não estava muito interessado no negócio em<br />

si, e sim educadamente retribuía, cortês, ao passeio<br />

que fez com suas netas. Alguns dias depois, quando<br />

eles resolveram dissolver a sociedade, os cheques deste<br />

senhor não haviam sido depositados e Cardoso enviou<br />

por carta as explicações sobre a desistência do<br />

negócio, com os cheques de volta!<br />

Anos mais tarde, um vendedor da oficina de Cardoso<br />

reclamou por não conseguir incluir em sua carteira de<br />

clientes uma determinada usina campista, cujos serviços<br />

sempre eram entregues ao seu concorrente. Foi quando<br />

o vendedor, num último recurso, apelou dizendo:<br />

- O dono de nossa retífica até carro já construiu.<br />

- É o homem do jipinho?<br />

À resposta afirmativa do vendedor, o usineiro sentenciou:<br />

- De hoje em diante você pode levar todos os nossos motores.<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

71


A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

72<br />

OS SÓCIOS FUNDADORES DA IBASA<br />

Os sócios de José Cardoso na Ibasa seguiram suas carreiras,<br />

sendo todos muito bem-sucedidos.<br />

Edgar Monnerat formou-se em Direito pela UFF,<br />

atuou profissionalmente em Direito Civil, Comercial e<br />

Tributário. Além disso, ele assumiu a Prefeitura de Rio<br />

Bonito quando era vice-prefeito no final da década de<br />

60. Posteriormente seguiu prestando consultoria contábil<br />

a diversas empresas, inclusive à Incomatol.<br />

Theonas Martins Gomes foi industrial (cerâmica),<br />

pecuarista e um dos fundadores da Cooperativa<br />

Agropecuária de Rio Bonito. Foi membro ativo de<br />

muitas entidades filantrópicas na cidade, como o<br />

Hospital Regional Darcy Vargas, o Asilo São Vicente<br />

de Paulo, o Lar Maria de Nazareth e a Sociedade<br />

Pestalozzi.<br />

Ciraldo Ferreira Borges fundou em 1948 a Gráfica<br />

Universal e posteriormente o terceiro jornal fundado<br />

em Rio Bonito: A Voz do Estado. Este foi o único veículo<br />

informativo até meados dos anos 50 na cidade.<br />

Muito organizado e possuidor de grande espírito público,<br />

Ciraldo sempre esteve disposto a prestigiar as<br />

iniciativas de interesse popular.<br />

Manoel Vitorino formou-se em Economia na<br />

Universidade do Estado do Rio de Janeiro e durante<br />

muitos anos manteve seu escritório de contabilidade<br />

no centro de Rio Bonito. Escritório esse de grande<br />

confiabilidade.<br />

Zeno Neves iniciou sua carreira de comerciante em<br />

Rio Bonito com uma panificadora no centro da cidade.<br />

Seguiu seus estudos até se formar em Direito e<br />

posteriormente se tornou um prestigiado juiz.<br />

Já Waldir Correia de Sá iniciou sua carreira como<br />

comerciante de cereais e posteriormente se tornou o<br />

maior atacadista da região.


Ciraldo Ferreira Borges<br />

Theonas Martins Gomes<br />

José Cardoso da Silva<br />

Waldir Correia de Sá<br />

Manuel Vitorino da Silva<br />

Dr. Edgar Monnerat Sólon de Pontes<br />

Dr. Zeno Neves<br />

A IBASA – INDÚSTRIA BRASILEIRA DE AUTOMÓVEIS S.A.<br />

73


NOME DO CAPÍTULO<br />

74<br />

DE CARROS<br />

PARA MÁQUINAS


DE CARROS PARA MÁQUINAS<br />

Cardoso retoma suas atividades na oficina. Contudo,<br />

como não era lá muito amigo do trivial, continuou<br />

pensando mais além. Do projeto Ibasa, ele aproveitou<br />

a ideia de importar para sua oficina uma moderna<br />

máquina retificadora de virabrequins. Eis que nasce<br />

outro empreendimento, fruto de sua personalidade<br />

marcante e vocação empreendedora: fabricar máquinas<br />

operatrizes.<br />

No ano de 1960, estava pronta sua primeira máquina,<br />

uma brunidora de cilindros de coluna que, na época,<br />

nada devia às importadas. Em 1962, ele terminou<br />

uma retificadora de cames de comandos de válvulas.<br />

Naquele tempo só havia uma similar a ela no Brasil e<br />

era importada.<br />

<strong>Mas</strong> foi no decorrer do ano de 1964 que Zé Cardoso,<br />

já recuperado emocionalmente, dá um decisivo passo<br />

em sua vida profissional, importante também para a<br />

economia de sua cidade e do Brasil: abre uma empresa<br />

para fabricar máquinas para retífica de motores.<br />

Assim surgiu a Incomatol, empresa que até hoje já fabricou<br />

milhares de máquinas e equipamentos vendidos<br />

em todo o Brasil e no exterior. Muitas delas, inclusive,<br />

operam na indústria automobilística brasileira, a<br />

mesma que ele um dia sonhou fundar.<br />

No início, a Incomatol teve grandes dificuldades para<br />

competir com os tradicionais fornecedores estrangeiros,<br />

que tinham seus produtos subsidiados para exportação<br />

por seus países de origem. Porém, a obstinação<br />

de José Cardoso, aliada à confiança na qualidade<br />

do que fazia, venceu tudo isso.<br />

O segmento do negócio que criara influiu decisivamente<br />

para a nacionalização dos equipamentos<br />

de retífica de motores, favorecendo não apenas a<br />

disponibilidade do produto no mercado interno,<br />

mas também evitando a evasão de divisas. O governo<br />

também contribuiu ao criar uma linha de<br />

crédito (Finame) através do Banco Nacional de<br />

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),<br />

o que beneficiou todos os fabricantes brasileiros.<br />

DE CARROS PARA MÁQUINAS<br />

75


DE CARROS PARA MÁQUINAS<br />

76<br />

José Cardoso e o funcionário<br />

Amaro Rodrigues, um exímio<br />

soldador, observam uma<br />

brunidora de cilindros que<br />

acabaram de fabricar. Ao<br />

fundo, à direita, observa-se o<br />

sótão com os jipinhos cobertos,<br />

onde eles permaneceram<br />

durante muito tempo após a<br />

desistência de fabricá-los (Rio<br />

Bonito, 1960)<br />

José Cardoso e seu filho,<br />

Sebastião William, ao lado de<br />

uma retificadora de virabrequins<br />

importada.<br />

Os dois, nem em sonhos,<br />

poderiam imaginar que<br />

juntos fabricariam centenas<br />

delas anos mais tarde<br />

(Rio Bonito, 1960)


Primeira retificadora de cames de<br />

comando de válvulas é fabricada por<br />

José Cardoso (Rio Bonito, 1962)<br />

Retífica de virabrequins exposta na Feira<br />

Internacional da Mecânica. Centenas delas<br />

foram fabricadas pela Incomatol (Parque<br />

Anhembi/SP, 1970)<br />

DE CARROS PARA MÁQUINAS<br />

77


DE CARROS PARA MÁQUINAS<br />

78<br />

Depois de iniciar a fabricação de suas máquinas nos<br />

fundos da sua oficina de retífica, José Cardoso transferiu<br />

a empresa para um novo prédio concluído em 1968


Vista aérea da Incomatol<br />

(Rio Bonito, 1986)<br />

DE CARROS PARA MÁQUINAS<br />

79


DE CARROS PARA MÁQUINAS<br />

80<br />

TEMPOS DIFÍCEIS<br />

Durante a Ditadura Militar no Brasil, iniciada por um<br />

golpe de Estado em 1964, o país viveu um período<br />

de intenso crescimento econômico, sobretudo entre<br />

1969-1973, quando houve enorme injeção de capital<br />

estrangeiro, viabilizando a construção de obras monumentais,<br />

como a Hidroelétrica de Itaipu, a Ponte<br />

Rio-Niterói, etc. A conquista do Tricampeonato<br />

Mundial de Futebol pela Seleção Nacional ajudou a<br />

instaurar um pensamento ufanista de um “Brasil potência”.<br />

Uma onda de euforia generalizada sem precedentes<br />

tomou conta dos brasileiros: era o “milagre<br />

econômico”.<br />

Contudo, como “após a bonança sempre vem a tempestade”<br />

– há que se preparar para ela – , em 1973 um<br />

choque do petróleo começou a desmontar esse “milagre”.<br />

Seguiu-se um aumento galopante da inflação,<br />

alta dos preços – os dos alimentos batendo picos históricos<br />

– e o Brasil passou a sofrer as consequências de<br />

seu endividamento externo, recessão, etc.<br />

Como brasileiros, também estávamos dentro dessa<br />

crise. Em meados dos anos 70, nosso negócio estava<br />

péssimo. Era tão ruim que, ou se comprava uma<br />

plaina fresadora de alta precisão para dar o aumento<br />

necessário à produção e viabilizar o negócio, ou fechavam-se<br />

as portas.<br />

Conseguimos um financiamento para a compra da<br />

máquina, que seria importada da Itália, mas o negócio<br />

foi tão apertado que até conseguimos um desconto<br />

abrindo mão da garantia do equipamento.<br />

Um ano depois, quando a máquina ficou pronta,<br />

Cardoso teria que ver seu funcionamento, pois em seguida<br />

ela seria desmontada, encaixotada e enviada ao<br />

Brasil e sem a garantia de funcionamento!<br />

No dia em que ia partir, disse-me sorrindo: “Agora<br />

você assume! Tenho uma previsão otimista de que<br />

o saldo bancário da firma dá para duas semanas pagando<br />

apenas o estritamente necessário; impostos,<br />

empréstimos, etc. ficam para depois. D<strong>aqui</strong> a três<br />

semanas já estarei <strong>aqui</strong> novamente.”<br />

Era uma sexta-feira. Ele saíra mais cedo para ir ao<br />

dentista, Dr. Riry Muniz, seu grande amigo. À tarde,<br />

ao voltar à firma, por mais que eu demonstrasse<br />

tranquilidade, não consegui esconder dele minha<br />

preocupação.<br />

– Você está abatido! Já sei, o dinheiro não vai dar, não é?<br />

– É, o banco fez alguns débitos e ele já acabou!<br />

– Não fique triste, a culpa não é sua. Controlar pouco dinheiro<br />

é uma merda, mas você vai conseguir resolver!<br />

Em seguida, partiu!


Quando voltou, gostou de ver que eu havia sobrevivido.<br />

Disse-me então:<br />

– Você continua administrando e eu fico na parte técnica.<br />

– Ok! <strong>Mas</strong> tudo que for comprado terá que ter a minha<br />

aprovação, vamos comprar uma coisa de cada vez e quando<br />

pudermos.<br />

Isso era tudo o que ele não queria. Havia trabalhado<br />

uma vida inteira apertado e já achava que assim<br />

era o normal.<br />

Certo dia aconteceu um fato curioso. Ele sabia que eu<br />

não gostava de nada que atrapalhasse a fabricação das<br />

máquinas, no entanto ele queria comprar uma empilhadeira<br />

de 10 toneladas, e eu disse que só compraria<br />

em, no mínimo, um ano. Tempos depois, levou-me<br />

a um depósito da prefeitura onde havia um leilão de<br />

sucata de tratores e de caminhões.<br />

Ao chegarmos lá, ele deteve-se em frente a uma patrol<br />

Caterpillar meio desmontada. Fixou nela o olhar por<br />

uns instantes e disse:<br />

– Vamos comprá-la e fazer uma grande empilhadeira?<br />

– <strong>Mas</strong> como?<br />

– Fácil! Primeiro cortamos ao meio, depois...<br />

– Chega! Você venceu, eu compro a empilhadeira nova!<br />

DE CARROS PARA MÁQUINAS<br />

81


NOME DO CAPÍTULO<br />

82<br />

A CONVIVÊNCIA<br />

COM O MESTRE


A CONVIVÊNCIA COM O MESTRE<br />

Na segunda metade da década de 1970, fiz uma venda<br />

de duas máquinas retificadoras de virabrequins para<br />

uma empresa multinacional, fabricante de motores<br />

para caminhões. Eram máquinas especiais, que deveriam<br />

ser construídas segundo especificações técnicas<br />

dos compradores. Meses depois, quando as máquinas<br />

ficaram prontas, a empresa que fizera a encomenda<br />

enviou um engenheiro inglês para acompanhar e<br />

aprovar os testes.<br />

Quando ele chegou era verão, fazia um calor insuportável<br />

até para nós, imagine para um inglês?! Além do<br />

técnico, a empresa mandou também um eixo virabrequim<br />

padrão para realizar os testes nas máquinas. O<br />

inglês padecia com o calor reinante. Durante os trabalhos<br />

de aferição com o eixo, ele acompanhava limitando-se<br />

a olhar, passar um lenço no rosto, sorrir e<br />

levantar preguiçosamente seu polegar direito em sinal<br />

de positivo: tudo bem.<br />

Até que, numa determinada operação da máquina, exclamou,<br />

num português horrível: “Essa máquina está<br />

com problema de graduação das placas!”. Cardoso de<br />

pronto respondeu-lhe: “Não, o que está errado é o seu<br />

eixo virabrequim padrão!”. O inglês deu um sorriso e<br />

retrucou dizendo que isso era impossível. Diante do<br />

impasse, Cardoso me disse: “Leve-o para almoçar e<br />

demore o máximo possível”. Assim fiz.<br />

José Cardoso, Sebastião William e Tarcy Vieira<br />

na Feira da Indústria (Alemanha, 1980)<br />

A CONVIVÊNCIA COM O MESTRE<br />

83


A CONVIVÊNCIA COM O MESTRE<br />

84<br />

Exército brasileiro<br />

é um dos primeiros<br />

clientes da Incomatol


Mais tarde, ao retornarmos, o eixo do inglês estava<br />

numa outra máquina (fresadora com divisor e diversos<br />

relógios comparadores). Inicialmente, Cardoso<br />

perguntou se ele concordava com a precisão que esse<br />

teste poderia fornecer. O inglês respondeu que estava<br />

tudo perfeito e que poderia começar o teste. Ao final<br />

da operação ficou provado, de maneira rápida e incontestável,<br />

que o eixo inglês se encontrava fora de<br />

padrão, estava errado!<br />

Resignado, o inglês apertou a mão do Sr. Cardoso<br />

parabenizando-o pelo feito, assinou a aprovação dos<br />

produtos sem nem mesmo verificar mais nada e pediu<br />

que eu providenciasse sua ida para o aeroporto.<br />

Ofereci-me para levá-lo. No caminho, passando o<br />

lenço na cabeça, perguntou-me o nome da cidade, ao<br />

que respondi que era Rio Bonito. Foi quando ele disse:<br />

“Vim de tão longe para acabar por descobrir um<br />

erro <strong>aqui</strong>”.<br />

O engenheiro não sabia que eu era filho de José<br />

Cardoso. Indagou-me ainda a respeito de onde o Sr.<br />

Cardoso havia se formado... Respondi que não sabia...<br />

Estar cercado por amigos era uma constante na vida de Cardoso. Na foto, comerciantes expressivos de Rio<br />

Bonito, gerentes de banco e o prefeito da cidade em visita à fabricação das primeiras máquinas retificadoras<br />

de virabrequins da Incomatol (Rio Bonito, 1968)<br />

A CONVIVÊNCIA COM O MESTRE<br />

85


NOME DO CAPÍTULO<br />

86<br />

JOSÉ CARDOSO:<br />

O HOMEM


JOSÉ CARDOSO: O HOMEM<br />

A paciência que tinha para ouvir as pessoas impressionava.<br />

Lembro-me que no ano de 1963 fui com ele<br />

a uma concessionária Simca, em Três Rios (RJ), onde<br />

comprou um automóvel. Enquanto preparavam o<br />

carro para a entrega, o vendedor, desconhecendo a<br />

experiência em mecânica do comprador, começou a<br />

falar sem parar acerca dos cuidados que deveria ter<br />

com o carro, principalmente com o amaciamento do<br />

motor, que vinha de fábrica com um parafuso lacrado<br />

que se propunha a limitar a aceleração à metade, que<br />

somente poderia ser retirado em uma concessionária<br />

autorizada e após terem sido rodados no mínimo<br />

1.000 km. Cardoso escutava atenciosamente, como<br />

um aluno ao seu mestre.<br />

Quando finalmente a aula terminou, fomos embora.<br />

Ao nos distanciarmos uns 500 metros, porém, paramos<br />

para abastecer. Ali mesmo, olhando para o tal<br />

parafuso lacrado, imediatamente falou para mim:<br />

“Arranje-me uma chave de fenda aí”. Minutos depois<br />

já estávamos em alta velocidade!<br />

Na época em que possuía uma oficina de retífica,<br />

alguns motores eram ligados sobre uma espécie de<br />

bancada, onde os mecânicos os deixavam funcionando<br />

em baixa rotação durante algum tempo. Cardoso,<br />

quando passava pelo local e cismava com algum deles,<br />

por qualquer razão que fosse, ia até o motor e dava<br />

umas aceleradas. Quase sempre o mecânico responsá-<br />

vel desaparecia! Então ele dizia: “Se está tudo correto,<br />

não há o que temer!”.<br />

Nacionalista convicto que era, Cardoso tinha muito<br />

orgulho de ser brasileiro, tanto que sempre colocava<br />

alguma indicação em seus produtos, no nome ou na<br />

cor, como, por exemplo: “Bombas Brasil”, fabricadas na<br />

década de 1940. O jipinho, além de receber um nome<br />

local, “Nacional Jeep”, foi pintado de verde e amarelo,<br />

além de ter na traseira uma placa com uma inscrição<br />

que era seu “cartão de visitas”: “<strong>Sou</strong> pequeno, mas sou<br />

brasileiro”, com uma tarja verde-amarela.<br />

Outro exemplo foi o nome da fábrica idealizada e criada<br />

por ele: “Ibasa (Indústria Brasileira de Automóveis<br />

S.A.)”. Como também, até hoje, todas as máquinas fabricadas<br />

pela Incomatol trazem, tradicionalmente, em<br />

sua placa de identificação, a tarja em verde e amarelo.<br />

Um fato sempre lembrado por seus amigos ocorreu<br />

quando um empresário estrangeiro, em visita ao<br />

Brasil, veio lhe oferecer parceria comercial e, ao ser<br />

apresentado a Cardoso, mostrou-se surpreso com o<br />

fato de que ele não falava inglês. Cardoso, então, ficou<br />

muito mais surpreso ao perguntar e ouvir do empresário<br />

que, infelizmente, não sabia falar português.<br />

JOSÉ CARDOSO: O HOMEM<br />

87


JOSÉ CARDOSO: O HOMEM<br />

88<br />

MODÉSTIA ERA SEU FORTE<br />

No final dos anos 70, como de costume, um engenheiro de<br />

uma grande empresa de autopeças veio para uma visita de<br />

cortesia a Cardoso. Disse que daquela vez ficaria na cidade<br />

até a noite para dar uma palestra sobre motores aos mecânicos<br />

das redondezas. Quando chegou ao auditório para a<br />

palestra noturna, surpreendeu-se com o fato de Cardoso<br />

estar sentado humildemente numa cadeira, pronto para<br />

ouvi-lo. O engenheiro, então, informou que só começaria<br />

a palestra se José Cardoso se levantasse da plateia e viesse<br />

sentar-se a seu lado.<br />

Cardoso, sempre defensor do estudo, dizia que o país tinha<br />

que investir em tecnologia. Durante a crise do petróleo, no<br />

início da década de 1970, revistas especializadas começaram<br />

a divulgar que se planejava relançar o carro “Romi-Isetta”.<br />

Mostrei uma dessas publicações a ele, que fez o seguinte<br />

comentário: “Se a solução para o carro do futuro estiver<br />

nos carros do passado, nossos engenheiros terão que voltar<br />

para as salas de aula”.<br />

Cardoso com sua filha Ismenia e seu neto Ramon (Florianópolis, 1977)


CONSULTOR INFORMAL<br />

A experiência adquirida, a qualidade do trabalho que<br />

realizava e a idoneidade deram-lhe cartaz e autoridade<br />

no meio mecânico-industrial. Isso, porém, não o<br />

tornou soberbo, continuou sendo o mesmo homem<br />

simples, que dedicava serena atenção a todos. Tornouse<br />

uma espécie de “consultor informal”.<br />

Um amigo que possuía uma empresa em Niterói<br />

gostava de se informar com Cardoso sempre que<br />

o encontrava, principalmente em casamentos.<br />

Certa vez disse ele que, olhando para o mar, teve<br />

umas visões que esclareciam a maneira de fazer um<br />

moto-contínuo.<br />

Mesmo sabendo que tal mecanismo não era possível,<br />

por aquela experiência feita por ele próprio no alvorecer<br />

de sua vida, havia 50 anos, Cardoso pediu que o<br />

amigo lhe descrevesse o que havia visto.<br />

Após ouvir que ele havia visionado umas engrenagens<br />

de tamanhos diversos, etc., respondeu que isso ele resolvia<br />

sem precisar de visões, contudo tinha alguns<br />

problemas para ele pensar nas soluções: a questão do<br />

atrito, do calor, etc.<br />

Cardoso com suas filhas (Rio Bonito, 1977)<br />

JOSÉ CARDOSO: O HOMEM<br />

89


JOSÉ CARDOSO: O HOMEM<br />

90<br />

SUA ÚLTIMA AVENTURA<br />

Em 1984, Cardoso encontrava-se muito abatido. O<br />

Mal de Parkinson lhe impunha cada vez mais limites.<br />

Embora tivesse se submetido a duas intervenções<br />

cirúrgicas na tentativa de aliviar as dores na coluna e<br />

nos pés, seu estado sempre regredia. Já não conseguia<br />

falar quase nada e andava com muita dificuldade.<br />

Entretanto, ele não se entregava à doença e tinha cúmplices<br />

bem especiais: os netos! Como sempre fazia as<br />

vontades deles, os netos também não lhe negavam<br />

nada. Por exemplo, aos sábados eles o levavam para<br />

passear de carro. Seu itinerário favorito era andar de<br />

carro dentro da Incomatol e com direito a vários pit<br />

stops. Em compensação, depois que o deixavam em<br />

casa, ele “esquecia” o carro com os netos o resto do<br />

dia.<br />

Um fato em especial ilustra perfeitamente o incrível<br />

espírito de não aceitar os limites que tanto o identificava.<br />

Estava acontecendo em São Paulo uma exposição<br />

de máquinas. Estávamos participando com o<br />

lançamento do novo modelo de máquinas Incomatol:<br />

a broqueadora de cilindros de coluna. Cardoso sabia<br />

do evento e queria ver a máquina na exposição. <strong>Mas</strong> o<br />

seu médico, eu e a família não queríamos nem ouvir<br />

falar no assunto.<br />

No sábado da exposição, após o almoço, ele pediu que<br />

seu neto o levasse para um passeio de carro, como de<br />

costume. Porém, ao saírem de casa, intimou seu “fiel<br />

escudeiro” a ir direto para o aeroporto Santos Dumont.<br />

Lá, com o neto, embarcou num avião da ponte aérea<br />

Rio-São Paulo, em seguida entrou num táxi e chegou<br />

ao local da exposição no Parque Anhembi. Caminhou<br />

com dificuldade até o estande da Incomatol e viu as<br />

máquinas que faziam sucesso, sem ser reconhecido!<br />

Nessa época eu tinha um representante exclusivo que<br />

cuidava da venda das máquinas e que tinha seus próprios<br />

vendedores, que não conheciam Cardoso. Ele<br />

também já estava afastado fazia alguns anos para tratamento,<br />

por isso não foi reconhecido – e acredito que<br />

nem queria.<br />

Fizeram o trajeto de volta e, no final da tarde, quando<br />

sua esposa chegou, lá estava ele deitado, como se esti-


vesse ali a tarde toda!<br />

Na segunda-feira um cliente me ligou dizendo:<br />

“Sebastião, eu vi um senhor na exposição andando<br />

com dificuldade e muito parecido com o Sr. Cardoso,<br />

seria ele?” Ao que eu respondi: “Conhecendo ele como<br />

conheço, é bem possível que sim.”<br />

Imediatamente fui até a casa dele para reclamar.<br />

Encontrei-o de bermuda, deitado meio contorcido<br />

no chão sobre um tapete e com uns catálogos<br />

da Incomatol na mão. Quando me viu àquela hora,<br />

já imaginou que eu havia descoberto sua aventura<br />

e estava ali para reclamar. Então, com expressão de<br />

alegria, estendeu com dificuldade o polegar direito<br />

apontando para a nova máquina no catálogo.<br />

Fiquei ali parado, mudo! Naquele momento pensei:<br />

“Vim para reclamar, mas era eu quem tinha de<br />

tê-lo levado!”<br />

Showroom da Incomatol na Feira<br />

Automecânica (Parque Anhembi/SP)<br />

JOSÉ CARDOSO: O HOMEM<br />

91


NOME DO CAPÍTULO<br />

92<br />

O JIPINHO E EU


O JIPINHO E EU<br />

Durante esses últimos 46 anos, tive o privilégio de dirigir<br />

centenas de automóveis, novos e antigos, desde<br />

o primitivo carro Schast 1902 aos poderosos Ferrari<br />

de 12 cilindros. Muitos desses veículos eram impressionantes,<br />

os melhores de sua época. Recordo-me da<br />

emoção de dirigir muitos deles, porém nada disso tem<br />

importância se comparado a um domingo em 1961,<br />

quando, escondido e sem ajuda de ninguém, consegui<br />

terminar a montagem do motor do jipinho – desmontado<br />

havia anos – e, depois de acabado o trabalho, saí<br />

para dar uma volta.<br />

Logo na primeira esquina pensei: Que azar! Logo agora<br />

me aparece o Mercury 1949 do meu pai, que, desde<br />

a frustrante história da Ibasa, não gostava de falar<br />

sobre os jipinhos. Ao cruzar com ele, acelerei fundo e<br />

arrisquei uma olhada rápida. Vi que gostou...<br />

Como eu não desgrudava do jipinho e estava mal na<br />

escola, houve em casa grande pressão para que o jipinho<br />

fosse desmontado novamente e, possivelmente,<br />

destruído. Felizmente, o forte do Sr. José Cardoso<br />

sempre foi o bom senso. Disse-me ele: “De agora em<br />

diante ele é só seu, mas terá que consertá-lo, mantê-lo<br />

e, principalmente, tirar boas notas no colégio, senão<br />

vou apanhá-lo de volta”.<br />

A primeira parte eu fiz bem; a segunda, para minha<br />

sorte, ele não cumpriu a palavra.<br />

Havia nessa época em Rio Bonito um guarda de trânsito<br />

chamado “Sebastião Guarda”, era o tipo de pessoa<br />

que levava a profissão à risca. Disciplinava até a<br />

campanhia das bicicletas; velocípede só nas calçadas;<br />

carrinhos de bebê ele olhava meio de lado. Aos domingos<br />

a rua principal era fechada ao trânsito, e ele,<br />

trajando seu uniforme de gala, andava todo garboso<br />

de um lado para outro, sempre interferindo em tudo<br />

que tivesse rodas e, sobretudo, sem dar a menor chance<br />

de acordo aos cidadãos.<br />

Assim sendo, tudo que ele não queria em seu distrito<br />

era eu rodando naquele jipinho. Tornamo-nos<br />

o principal alvo da perseguição implacável de<br />

Sebastião. Era como gato e rato. Para o guarda, me<br />

pegar era uma questão de honra; por outro lado, se eu<br />

fosse pego, seria o fim, pois certamente perderia todas<br />

as minhas regalias com meu pai, inclusive o jipinho.<br />

Eu ia escapando, sempre ajudado nas ruas pelas pessoas<br />

amigas; em contrapartida, ele também possuía<br />

seus informantes.<br />

O JIPINHO E EU<br />

93


O JIPINHO E EU<br />

94<br />

Até que, num certo dia, ao cruzar uma rua em obras,<br />

fui forçado a parar por causa de um ônibus que encostava<br />

para desembarcar um passageiro: ninguém<br />

menos que o severo Sebastião Guarda! Ameacei fugir<br />

rapidamente de marcha a ré, porém vinha logo chegando<br />

outro carro atrás, o que frustrou minha fuga.<br />

Não teve jeito, enfim o “gato” atinge o objetivo, apanha<br />

o “rato”! Ele veio, sentou-se ao meu lado no jipinho<br />

e disse: “Você sabia que mais cedo ou mais tarde<br />

eu o pegaria, né? Vamos direto para a Delegacia pela<br />

rua principal e DE-VA-GAR!”.<br />

Assim partimos. Ele, o tempo todo me passando um<br />

verdadeiro sermão e eu só pensando: “Agora vou ficar<br />

muitos anos sem poder dirigir...”. Até que, ao chegarmos<br />

próximos a uma esquina antes da Delegacia, falou<br />

rispidamente: “Pare ali!”, desceu do carro e, para<br />

minha surpresa e alívio, ouvi do Sebastião Guarda:<br />

“Pode ir!”.<br />

Utilizei os jipinhos por mais de doze anos. Hoje as<br />

pessoas os veem e dizem: “Nossa! É impressionante<br />

que você tenha usado os jipinhos por todos esses<br />

anos. Eles parecem intactos”. No entanto, não foi bem<br />

assim. Quando eu os usava, eles eram meus carros<br />

de teste. Eu acreditava que a Ibasa seria reconstruída<br />

e por isso eu esmerilhava os jipinhos ao extremo.<br />

Cheguei a colocar pistões cabeçudos com mais anéis<br />

do Ford V-8, válvulas do Ford F-600, distribuidor com<br />

mais avanço, dois carburadores e um compressor de<br />

ar elétrico, que ocupava todo o banco traseiro e era<br />

recarregado na tomada da garagem para funcionar<br />

como um turbo. Ainda coloquei uma caixa de marcha<br />

invertida passando para seis marchas à frente, rodas<br />

com separadores e outras modificações de que não<br />

Sebastião e amigos (Rio Bonito, 1966)


me lembro mais. Algumas modificações deram certo e<br />

outras não, mas isso resultou em muito aprendizado,<br />

diversão e uma capotagem.<br />

Tempos depois, eu restaurei os dois jipinhos nas condições<br />

originais. E assim eles estão até hoje. Nos anos<br />

70, a caminho de São Paulo, deparei-me com uma placa<br />

com os seguintes dizeres: “Museu de Antiguidades<br />

Mecânicas de Caçapava”. Entrei e fiquei impressiona-<br />

Sebastião William ao volante (Rio Bonito, 1954)<br />

do com o que vi, eram diversos veículos antigos, alguns<br />

raros. Nessa época havia poucas pessoas preocupadas<br />

com a preservação de autos antigos. Pensei em<br />

doar tudo para esse museu. Levei vários amigos para<br />

visitar, inclusive meu pai. <strong>Mas</strong> faltou-me real coragem<br />

para fazer a doação. O que foi ótimo, pois pouco tempo<br />

depois, infelizmente, seu proprietário faleceu e o<br />

museu entrou em decadência.<br />

Sebastião e amigos (Rio Bonito, 1966)<br />

O JIPINHO E EU<br />

95


O JIPINHO E EU<br />

96<br />

Rio Bonito, 1965<br />

Em 1976, mais de duas décadas após a intenção de se<br />

fabricar os jipinhos, falava-se muito em crise do petróleo,<br />

que a gasolina ia acabar, etc. Então, sem maiores<br />

pretensões, fiz um veículo acionado por um motor<br />

elétrico e com carroceria de fibra de vidro. Utilizei alguns<br />

componentes dos protótipos antigos: suspensão,<br />

diferencial e algumas outras peças.<br />

Como meu pai sempre que aparecia perguntava alguma<br />

coisa sobre o novo carro, senti que o trauma<br />

causado pela frustração do projeto Ibasa havia ficado<br />

pelo caminho... Quando fui testar o veículo, ainda semipronto,<br />

lá estava ele no banco ao meu lado...


José Cardoso e Ciraldo Ferreira Borges<br />

relembram suas histórias 23 anos depois<br />

(Rio Bonito, 1979)<br />

O JIPINHO E EU<br />

97


O JIPINHO E EU<br />

98<br />

José Cardoso e Sebastião<br />

William testam o carro elétrico<br />

(Rio Bonito, 1976)


O JIPINHO E EU<br />

100<br />

José Cardoso recebe homenagens do vice-presidente<br />

Aureliano Chaves (Rio de Janeiro, 1980)<br />

Sebastião William<br />

e o carro elétrico<br />

(Rio Bonito, 1976)


Depois disso, arranjei um lugar apropriado onde até<br />

hoje guardo os jipinhos e muitos documentos, reportagens,<br />

fotos, etc., local aonde meu pai sempre ia com<br />

amigos relembrar suas aventuras.<br />

Depois de uma longa e impiedosa enfermidade, José<br />

Cardoso faleceu, em 1986, profissionalmente realizado.<br />

A empresa criada por ele existe até hoje, entretanto<br />

meu desejo é que ela também tivesse fabricado<br />

milhares de jipinhos. Uma vez por ano, geralmente<br />

no dia dos pais, eu dou uma volta com o jipinho em<br />

sua homenagem.<br />

Hoje o jipinho é tema de diversas matérias em jornais<br />

e revistas e objeto de estudo em universidades.<br />

Sob a orientação do Professor Dr. Sydenham<br />

Lourenço Neto, o aluno Herivelton Braga Rodrigues<br />

realizou sua monografia para a conclusão do curso<br />

de Licenciatura Plena em História na Universidade<br />

do Estado do Rio de Janeiro (Uerj): O jipe nacional<br />

e a Ibasa: uma experiência nacionalista em tempos<br />

de internacionalização da economia. Além disso, o<br />

jipinho também tem participado, com o costumeiro<br />

sucesso, de grandes encontros de autos antigos: VI<br />

Encontro de Automóveis Antigos de Araxá – MG,<br />

1988; Encontro de Automóveis Antigos de Lindóia<br />

– SP, 2000; Encontro de Carros do Brasil – Brasília<br />

– DF, 2001.<br />

Os veículos e o acervo sobre o jipinho (Rio Bonito, 2007)<br />

Em 2004, um amigo jornalista, Vinícius Marins,<br />

me ligou dizendo estar em uma recepção no Banco<br />

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social<br />

(BNDES) – a mesma entidade onde não se conseguiu<br />

financiamento para o projeto pioneiro –, que estava<br />

comemorando 50 anos de desenvolvimento com o<br />

lançamento do livro “Getulio Vargas e seu Tempo”.<br />

Ao abri-lo, a surpresa: por uma dessas ironias do destino,<br />

lá estava a foto do jipinho, aquele a que não deram<br />

crédito...<br />

O JIPINHO E EU<br />

101


O JIPINHO E EU<br />

102<br />

Capa do livro em comemoração<br />

aos 50 anos do BNDES<br />

(Rio de Janeiro, 2004)


Páginas internas do livro<br />

(foto do jipinho,<br />

na página da direita)<br />

O JIPINHO E EU<br />

103


NOME DO CAPÍTULO<br />

104<br />

JORNAIS<br />

E REVISTAS


JORNAIS E REVISTAS<br />

JORNAIS E REVISTAS<br />

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JORNAIS E REVISTAS<br />

106


JORNAIS E REVISTAS<br />

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JORNAIS E REVISTAS<br />

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JORNAIS E REVISTAS<br />

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JORNAIS E REVISTAS<br />

110


JORNAIS E REVISTAS<br />

111


NOME DO CAPÍTULO<br />

112<br />

CURIOSIDADE:<br />

PROJETOS<br />

SEMELHANTES


CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

A história do jipinho se repetiu em várias partes do<br />

mundo. Em muitos países outros homens sonharam<br />

em fabricar minicarros em escala industrial. Alguns<br />

poucos conseguiram, como, por exemplo, o Fiat 500,<br />

cuja versão atualizada ainda é comercializada na Itália.<br />

Já outros, como o BMW 600, tiveram 35 mil unidades<br />

fabricadas, mas o modelo acabou sendo substituído<br />

pelo 700, com mais espaço e conforto. O Crosley<br />

Farm-O-Road também não foi um sucesso de vendas,<br />

em torno de 600 unidades. Já o Vespa 400 foi de fato<br />

um grande sucesso durante o primeiro ano de fabricação,<br />

principalmente na França e na Alemanha. No<br />

entanto, acabou perdendo espaço para outros minicarros<br />

mais potentes e sua produção foi encerrada em<br />

1961. O Isetta foi fabricado em vários países, sendo<br />

um grande sucesso na Alemanha, com 161.728 unidades<br />

vendidas. Apenas no ano de 1956, foram fabricados<br />

22.543 carros no país. Tal número representou<br />

quatro vezes o volume fabricado na Itália, país onde<br />

fora projetado.<br />

No Brasil, foram fabricados aproximadamente 3 mil<br />

Romi-Isetta. No país tivemos também o Gurgel BR<br />

800 e seus sucessores, que, em razão das dificuldades financeiras<br />

da fábrica, tiveram sua fabricação interrompida.<br />

Pode-se dizer que um dos fatores que levaram<br />

ao insucesso de muitos minicarros foi sua mecânica<br />

deficiente. <strong>Mas</strong> essa característica dos carros pequenos<br />

ficou no passado. Hoje eles são bem representados<br />

pelo Smart, que é um verdadeiro minicarro – moderno<br />

e eficiente.<br />

1958, Crofton<br />

- Estados Unidos<br />

1961, Autobianchi<br />

- Itália<br />

CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

113


CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

114<br />

1951, Atlas “Babycar” - França<br />

1949, Fiat 500C “Tipolino” - Itália


1959, Frisky Family Three - Inglaterra<br />

1959, F.G.L. Alicante - Espanha<br />

CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

115


CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

116<br />

1958, Goggomobil Dart - Austrália<br />

1957, Goggomobil T-350 w/sunroof - Alemanha 1959, F.M.R. - Alemanha


1951, Hoffmann - Alemanha<br />

1955, Kapi Jip - Espanha CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

117


CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

118<br />

1956/61, Romi-Isetta - Brasil<br />

1953, Rovin D-4 - França<br />

1957, Vespa 400 - França


1945, Rolux Baby - França 1947, A.L.C.A. Volpe - Itália<br />

1953, Champion 400H - Alemanha<br />

CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

119


CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

120<br />

1956, Bag Spatz<br />

- Alemanha<br />

1957, Victoria 250<br />

- Alemanha


1958, Berkeley B65 - Inglaterra<br />

1958, Maico 500 - Alemanha<br />

1950, Crosley<br />

Farm-O-Road<br />

- Estados Unidos<br />

CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

121


CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

122<br />

1960, NSU Prinz III - Alemanha<br />

1959, PTV - Espanha


1998, Smart - França<br />

1958, Trabant - Alemanha<br />

CURIOSIDADE: PROJETOS SEMELHANTES<br />

123


CRÉDITOS<br />

124<br />

CRÉDITOS<br />

SOU PEQUENO, MAS SOU BRASILEIRO<br />

A História de um Pioneiro<br />

TEXTO<br />

Sebastião William Cardozo<br />

APOIO<br />

Pascoal Braga<br />

ORGANIZAÇÃO<br />

José Cardozo da Silva Neto<br />

REVISÃO<br />

Fani Knoploch<br />

PROJETO GRÁFICO E DIREÇÃO DE ARTE<br />

Plano B Design<br />

PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃO<br />

Digital Gráfica<br />

CRÉDITOS DAS IMAGENS<br />

Aecio Mansur<br />

págs. 12 e 18.<br />

Antônio Solano<br />

pág. 24 (segunda, de cima para<br />

baixo)<br />

Arquivo Nacional<br />

Capa e aba do livro, págs. 32, 34,<br />

35, 36 (primeira, de cima para<br />

baixo) e 37 (segunda, da esquerda<br />

para a direita)<br />

Autério Machado<br />

pág. 70 (primeira, de cima para<br />

baixo)<br />

BNDES<br />

págs. 102 e 103<br />

Centro de Documentação D.<br />

João VI Nova Friburgo<br />

pág. 4<br />

Dawson Nascimento<br />

pág. 15<br />

Diário do Povo<br />

págs. 39 (primeira, de cima<br />

para baixo), 46, 55, 57, 58, 70<br />

(segunda, de cima para baixo),<br />

106, 107, 109, 110 e 111<br />

Diário Oficial<br />

pág. 48<br />

Fotorama do Brasil<br />

pág. 79<br />

Jornal Monitor Campista<br />

págs. 68 e 69<br />

Jornal O Estado de São Paulo<br />

pág. 37 (primeira, da esquerda<br />

para a direita)<br />

Jornal Voz do Estado<br />

pág. 22<br />

Lauro Marcelino<br />

pág. 23 (segunda, de cima para<br />

baixo)<br />

Leir Moraes<br />

págs. 50, 51 (primeira, de cima<br />

para baixo) e 56<br />

Luciano A. A. Pereira<br />

pág. 97<br />

Mercedes-Benz<br />

pág. 123 (segunda,<br />

de cima para baixo)


Museu Bruce Weiner<br />

págs. 112, 113, 114, 115, 116, 117,<br />

118, 119, 120, 121, 122 e 123<br />

(primeira, de cima para baixo)<br />

Pedro Henrique Gomes<br />

pág. 18 (segunda, de cima para<br />

baixo)<br />

Revista Automóveis<br />

págs. 60 e 61<br />

Revista Essograma<br />

págs. 28, 29 (primeira, de cima<br />

para baixo) e 105<br />

Revista Guanabara<br />

pág. 26 (primeira, de cima para<br />

baixo)<br />

Revista Manufatura<br />

págs. 29 (segunda, de cima<br />

para baixo), 62, 63 e 67<br />

Revista O Cruzeiro<br />

Contracapa, págs. 30 (primeira,<br />

de cima para baixo), 31, 66 e 108<br />

Sebastião William Cardozo<br />

págs. 8, 13, 16, 17, 19, 20, 21, 23<br />

(primeira, de cima para baixo),<br />

27, 30 (segunda, de cima para<br />

baixo), 36 (segunda, de cima<br />

para baixo), 38, 39 (duas últimas,<br />

de cima para baixo), 40, 41, 42,<br />

43, 44, 45, 47, 51 (segunda, de<br />

cima para baixo), 52, 54, 59, 73,<br />

74, 76, 77, 78, 82, 83, 84, 85, 86,<br />

88, 89, 91, 92, 94, 95, 96, 98, 99,<br />

100 e 101<br />

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA<br />

RODRIGUES, Herivelton Braga.<br />

O Jipe Nacional e a Ibasa: Uma<br />

experiência nacionalista em<br />

tempos de internacionalização<br />

da economia. Monografia<br />

apresentada ao departamento<br />

de Ciências Humanas da<br />

Universidade do Estado do Rio<br />

de Janeiro para conclusão do<br />

curso de Licenciatura Plena<br />

em História. Rio de Janeiro: 2009.<br />

SILVA, Raul Mendes;<br />

CACHAPUZ, Paulo Brandi;<br />

LAMARÃO, Sérgio (org).<br />

Getúlio Vargas e seu tempo.<br />

Rio de Janeiro: BNDES, 2004.<br />

CRÉDITOS<br />

125


Este livro foi impresso em agosto de 2009<br />

pela Digital Gráfica em Couché Matte<br />

150g/m 2, utilizando as famílias tipográficas<br />

Minion e Conduit.


SOU PEQUENO,<br />

MAS SOU BRASILEIRO<br />

“Mistura de Michelangelo com Gepetto, José Cardoso ousou<br />

sonhar em ser fabricante de automóveis no Brasil. Produto do<br />

rico caldo de cultura que foi a situação de não ter peças durante<br />

a Segunda Grande Guerra, mecânico de mão-cheia, Cardoso<br />

prometeu à sua mulher fazer um carro para os filhos com suas<br />

próprias mãos.<br />

E fez.”<br />

José Rezende Mahar,<br />

jornalista especializado em automóveis

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