O seguro defeso do pescador artesanal: Políticas Públicas ... - alasru
O seguro defeso do pescador artesanal: Políticas Públicas ... - alasru
O seguro defeso do pescador artesanal: Políticas Públicas ... - alasru
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
“Ponencia presentada al VIII Congreso Latinoamericano de Sociología Rural,<br />
Porto de Galinhas, 2010.”<br />
O Seguro Defeso <strong>do</strong> Pesca<strong>do</strong>r Artesanal: <strong>Políticas</strong> <strong>Públicas</strong> e o Ritmo das<br />
Águas na Amazônia.<br />
RESUMO:<br />
Helane C. Lima Moreira, Mestranda PPGSCA-UFAM<br />
helanecris@hotmail.com<br />
Elenise Faria Scherer, Dra.<br />
elenise@internext.com.br<br />
Sara Moreira Soares, Mestranda PPGSCA-UFAM<br />
sara.soaresm@gmail.com<br />
Esta comunicação objetiva discutir sobre os pesca<strong>do</strong>res artesanais da<br />
comunidade <strong>do</strong> Cai N‟ Água, localizada no município <strong>do</strong> Manaquiri no<br />
Amazonas e a influencia <strong>do</strong>s ecossistemas em seu mo<strong>do</strong> de vida. Pretende-se,<br />
demonstrar a importância <strong>do</strong> Seguro Desemprego <strong>do</strong> Pesca<strong>do</strong>r Artesanal,<br />
nesta dinâmica relação, entre homem e natureza.<br />
O pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong> pratica a atividade da pesca durante to<strong>do</strong> o ano, mas o<br />
maior ou menor sucesso da atividade pesqueira depende, em muito, <strong>do</strong>s<br />
ecossistemas amazônicos, ou seja, os perío<strong>do</strong>s das enchentes e cheias -<br />
dezembro a julho- e o perío<strong>do</strong> da vazante e seca - agosto a novembro. Dentre<br />
os produtos advin<strong>do</strong>s das águas de trabalhos (WITKOSKI, 2007), a captura <strong>do</strong>s<br />
peixes é praticada, essencialmente para a subsistência e a comercialização é<br />
insignificante.<br />
O ciclo das águas fortemente marca<strong>do</strong> por cheia/enchente e vazante/seca<br />
condicionam o pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong> o qual realiza sua atividade de acor<strong>do</strong> com o<br />
ritmo das águas. Além disso, durante a mudança <strong>do</strong>s ciclos ocorre o fenômeno<br />
de mortandade <strong>do</strong>s peixes que ficam presos em lagos e/ou áreas que secam<br />
rapidamente. Tal fenômeno se acentua nas grandes secas e pode<br />
comprometer reprodução das espécies e a manutenção <strong>do</strong>s recursos<br />
pesqueiros.
Já no perío<strong>do</strong> das cheias <strong>do</strong>s rios, quan<strong>do</strong> acontece a maior escassez de peixe<br />
no campo e na cidade, seu preço assume os níveis astronômicos no merca<strong>do</strong><br />
urbano, é justamente quan<strong>do</strong> o pesca<strong>do</strong>r e sua família têm o maior gasto com<br />
o esforço de pesca, sen<strong>do</strong> o momento em que menos pescam, fazen<strong>do</strong>-o<br />
quase exclusivamente para a subsistência. Neste contexto, torna-se evidente a<br />
crescente escassez <strong>do</strong> pesca<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> percebida como um problema<br />
ambiental, não apenas em função da pesca predatória, industrial e <strong>artesanal</strong>,<br />
mas também pela degradação e poluição <strong>do</strong>s ambientes aquáticos.<br />
Dentre medidas a<strong>do</strong>tadas pelo Esta<strong>do</strong> para a preservação e conservação <strong>do</strong>s<br />
recursos naturais, destacamos para a Política <strong>do</strong> Seguro Desemprego<br />
destinada ao pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong>, conhecida popularmente como Seguro<br />
Defeso. Desde 1991, o Ministério <strong>do</strong> Trabalho e Emprego (MTE) estendeu o<br />
benefício <strong>do</strong> Seguro Desemprego aos pesca<strong>do</strong>res denomina<strong>do</strong>s de „artesanais‟<br />
que exercem atividade de pesca de forma <strong>artesanal</strong>, individualmente ou sem<br />
regime de economia familiar, com ou sem auxílio eventual de terceiros. Este<br />
benefício visa, a um só tempo, suprir as necessidades sociais <strong>do</strong>s pesca<strong>do</strong>res<br />
artesanais durante a época <strong>do</strong> Defeso, quan<strong>do</strong> ficam impossibilita<strong>do</strong>s de<br />
pescar de acor<strong>do</strong> com a legislação IBAMA e, ainda, estimulá-los a preservarem<br />
a natureza, na medida em que protegem áreas de grande afluência de desova<br />
e permitem a reprodução <strong>do</strong>s peixes, impedin<strong>do</strong> os impactos negativos na<br />
pesca para o consumo próprio e para a comercialização.<br />
Portanto, esta política tem o papel fundamental de garantir uma renda de<br />
subsistência ao pesca<strong>do</strong>r no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>defeso</strong>. Além disso, a política <strong>do</strong><br />
Seguro Defeso estimula a criar o que se pode chamar de uma consciência<br />
ambiental de preservação <strong>do</strong>s peixes, pois ao proibir a pesca no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
Defeso contribuem para a preservação da complexa e rica biodiversidade<br />
amazônica.<br />
Palavras-Chave: Pesca<strong>do</strong>r Artesanal. Seguro Defeso. Ciclo das Águas.
I. Os pesca<strong>do</strong>res artesanais e o <strong>seguro</strong> <strong>defeso</strong><br />
A Comunidade São Francisco <strong>do</strong> Cai n‟Água, está localizada no<br />
município de Manaquiri 1 , distante a 60 km em linha reta da cidade de Manaus,<br />
capital <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Amazonas, está dividida geograficamente e socialmente<br />
em 3 (três) setores populacionais abrangen<strong>do</strong> cerca de 80 (oitenta) famílias ao<br />
longo <strong>do</strong> Paraná <strong>do</strong> Manaquiri.<br />
As famílias residentes nestes espaços desenvolvem as atividades de<br />
agricultura, extrativismo vegetal e animal, assim como a pesca <strong>artesanal</strong> de<br />
subsistência e comercial. Na comunidade <strong>do</strong> Cai n‟ Água existem 64<br />
pesca<strong>do</strong>res cadastra<strong>do</strong>s na colônia de pesca<strong>do</strong>res Z-51 2 , sen<strong>do</strong> 62 receben<strong>do</strong><br />
o beneficio <strong>do</strong> Seguro Desemprego <strong>do</strong> Pesca<strong>do</strong>r Artesanal, popularmente<br />
conheci<strong>do</strong> como <strong>seguro</strong> <strong>defeso</strong>.<br />
O cotidiano <strong>do</strong>s ribeirinhos pesca<strong>do</strong>res é configura<strong>do</strong> por formas de<br />
trabalho diversificadas como agricultura e extrativismo, sen<strong>do</strong> a pesca um <strong>do</strong>s<br />
mais importantes meios de subsistência para as populações ribeirinhas que<br />
vivem e trabalham na complexa bacia hidrográfica amazônica. A pesca é<br />
praticada de forma <strong>artesanal</strong>, com instrumentos simples e em pequena escala,<br />
ten<strong>do</strong> em vista que o pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong> é também um trabalha<strong>do</strong>r polivalente<br />
que detém conhecimentos múltiplos sobre o processo de trabalho pratican<strong>do</strong>-<br />
os em sintonia com o ciclo das águas 3 .<br />
Pereira (2003) ressalta que a pesca é a principal fonte de alimento<br />
protéico das populações ribeirinhas que chegam a consumir 500g de pesca<strong>do</strong><br />
per capita ao dia consistin<strong>do</strong>, portanto, em uma das mais importantes<br />
atividades de subsistência. Mas, os ribeirinhos que vivem nas beiradas <strong>do</strong>s rios<br />
da Amazônia, ainda, são ignora<strong>do</strong>s nas particularidades <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de vida<br />
regional. Seus saberes tradicionais, cultura, e a luta pela preservação <strong>do</strong>s rios,<br />
<strong>do</strong>s lagos e da mata, contribui enormemente para a sobrevivência da<br />
sociobiodiversidade da região, pois se relacionam de forma condicionada com<br />
1 Manaquiri, palavra indígena Tupi que significa “flor pequena”. Forma-se de Manacá, planta brasileira<br />
e, em tupi significa – flor e Quiri, que significa pequeno.<br />
2 Colônia de pesca<strong>do</strong>res e pesca<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> município de Manaquiri-AM.<br />
3 . Autores como WAGLEY (1988) e NEVES (2003) retratam a relação intrínseca <strong>do</strong>s ribeirinhos com o<br />
ciclo das águas.
o seu habitat, dependen<strong>do</strong> diretamente <strong>do</strong>s recursos naturais para reproduzir-<br />
se materialmente e socialmente.<br />
A contribuição das famílias ribeirinhas para a preservação <strong>do</strong>s lagos é<br />
de suma importância para a manutenção <strong>do</strong>s recursos pesqueiros, pois<br />
algumas espécies como tambaqui (Colossoma macropomum), curimatã<br />
(Prochilodus nigricans), jaraquis (Semaprochilodus Taeniurus), dentre outras,<br />
utilizam os lagos para reproduzirem-se Após a desova, os peixes retornam aos<br />
rios tributários ou aos lagos de várzea de água branca, onde permanecem para<br />
alimentar-se (migração trófica). As larvas e os jovens encontram seus locais de<br />
cria<strong>do</strong>uros nos capins <strong>do</strong>s lagos das várzeas (ISAAC et al, 1993). Para a<br />
garantia da própria sobrevivência as famílias ribeirinhas contam ainda com<br />
ajuda <strong>do</strong>s membros familiares no desenvolvimento das atividades cotidianas,<br />
conforme Scherer et al (2003), to<strong>do</strong>s os membros da família <strong>do</strong>s ribeirinhos<br />
estão incluí<strong>do</strong>s no processo de trabalho, inclusive mulheres e crianças.<br />
As políticas públicas em relação à proteção <strong>do</strong>s recursos pesqueiros e ao<br />
trabalha<strong>do</strong>r da pesca ainda são pequenas diante da necessidade de se<br />
preservar este recurso que se faz indispensável à vida. Dessa forma, em 1991,<br />
foi cria<strong>do</strong> o Seguro Desemprego aos pesca<strong>do</strong>res denomina<strong>do</strong>s de „artesanais‟<br />
que exercem atividade de pesca de forma <strong>artesanal</strong>, individualmente ou sem<br />
regime de economia familiar, com ou sem auxílio eventual de terceiros.<br />
Para o pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong>, este benefício veio por meio da Lei nº. 8.287,<br />
de 1991, no governo <strong>do</strong> presidente Fernan<strong>do</strong> Collor de Mello, a qual criou a<br />
modalidade especial de <strong>seguro</strong> desemprego para assegurar auxílio financeiro<br />
ao pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong> que se vê priva<strong>do</strong> <strong>do</strong> exercício de sua atividade, durante<br />
os perío<strong>do</strong>s de <strong>defeso</strong> 4 da atividade pesqueira para a preservação de espécie.<br />
Essa lei foi revogada em 25 de novembro de 2003 pela Lei nº. 10.779,<br />
que alterou o <strong>seguro</strong> <strong>defeso</strong> em <strong>do</strong>is pontos principais. O primeiro evidencia<br />
que a nova legislação buscou ampliar cuida<strong>do</strong>samente os usuários <strong>do</strong><br />
programa, ao reduzir de 3 (três) para 1 (um) ano o tempo de registro de<br />
4 Perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> ano em que para proteger os peixes ou crustáceos que estão em fase de reprodução, a pesca é<br />
restringida, total ou parcialmente. Perío<strong>do</strong> de Defeso da Piracema. (RUFFINO, 2005). Esse intervalo de<br />
interrupção à pesca, conheci<strong>do</strong> como <strong>defeso</strong>, época em que as espécies realizam seus ciclos naturais de<br />
reprodução, é defini<strong>do</strong> pelo Instituto Brasileiro <strong>do</strong> Meio Ambiente e <strong>do</strong>s Recursos Naturais Renováveis -<br />
(IBAMA), varian<strong>do</strong> de acor<strong>do</strong> com as regiões <strong>do</strong> País.
pesca<strong>do</strong>r profissional. Em segun<strong>do</strong>, procurou coibir as fraudes na concessão<br />
<strong>do</strong> benefício, ao especificar novas exigências para a habilitação ao programa.<br />
A Resolução nº. 468, de 21/12/2005, <strong>do</strong> Conselho Deliberativo <strong>do</strong> Fun<strong>do</strong><br />
de Amparo ao Trabalha<strong>do</strong>r (CODEFAT), estabeleceu os procedimentos para a<br />
concessão <strong>do</strong> <strong>seguro</strong> desemprego ao pesca<strong>do</strong>r que exerça sua atividade de<br />
forma <strong>artesanal</strong>, individualmente ou em regime de economia familiar,<br />
obedecen<strong>do</strong> a calendário instituí<strong>do</strong> pelo IBAMA, conforme estabeleci<strong>do</strong> pela<br />
Lei nº. 10.779, de 2003 5 .<br />
Para ter acesso às parcelas <strong>do</strong> <strong>seguro</strong> desemprego, concedidas a cada<br />
30 (trinta) dias, o pesca<strong>do</strong>r deve comprovar que está inscrito na SEAP 6 ,<br />
atualmente Ministério da Pesca e Aqüicultura, há pelo menos 1 (um) ano,<br />
apresentar o atesta<strong>do</strong> da colônia de pesca<strong>do</strong>res artesanais confirman<strong>do</strong> o<br />
exercício da atividade, carteira de identidade ou de trabalho, comprovante de<br />
pagamento das contribuições previdenciárias e <strong>do</strong> número de inscrição como<br />
Segura<strong>do</strong> Especial 7 no Instituto Nacional <strong>do</strong> Seguro Social (INSS).<br />
Para requerer tal beneficio, o pesca<strong>do</strong>r deve buscar às Delegacias<br />
Regionais <strong>do</strong> Trabalho (DRTs), ao Sistema Nacional de Emprego (SINE) ou às<br />
entidades credenciadas pelo Ministério <strong>do</strong> Trabalho e Emprego (MTE) e<br />
preencher o formulário de requerimento <strong>do</strong> Seguro Desemprego <strong>do</strong> Pesca<strong>do</strong>r<br />
Artesanal (SDPA). O valor pago é disponibiliza<strong>do</strong> após 30 (trinta) dias, nas<br />
agências da Caixa Econômica Federal (CEF), Casas Lotéricas ou nas unidades<br />
da Caixa Aqui. Um <strong>do</strong>s requisitos para realizar a retirada <strong>do</strong> valor é a<br />
apresentação <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento de identidade e o número de inscrição como<br />
Segura<strong>do</strong> Especial. Nos casos em que ocorram indeferimento da concessão <strong>do</strong><br />
beneficio, o pesca<strong>do</strong>r pode interpor recurso junto ao MTE, por intermédio das<br />
DRTs, no prazo de 12 (<strong>do</strong>ze) meses, conta<strong>do</strong>s da data <strong>do</strong> início <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>defeso</strong>.<br />
5<br />
Destaque-se que, de acor<strong>do</strong> com a Resolução supracitada, caso o perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>defeso</strong> seja, em caráter<br />
excepcional, prorroga<strong>do</strong> além da duração usual para a preservação da espécie sob controle, em<br />
concordância a classificação <strong>do</strong> IBAMA, a concessão <strong>do</strong> <strong>seguro</strong> desemprego será acrescida de 1 (um)<br />
mês.<br />
6<br />
A Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da Republica (SEAP-PR) foi criada através<br />
da Lei nº. 10.683 de 28/05/2003.<br />
7 Para o INSS, refere-se ao produtor, o parceiro, o meeiro, e o arrendatário rurais, o pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong> e<br />
seus assemelha<strong>do</strong>s, que exerçam essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar,<br />
com ou sem auxilio eventual de terceiros (mutirão) (BRASIL, 2003)
Da maneira como é concebida, a Política <strong>do</strong> Seguro Desemprego<br />
voltada ao pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong> tem como premissa básica a garantia de uma<br />
renda de subsistência ao pesca<strong>do</strong>r na época <strong>do</strong> <strong>defeso</strong>, consideran<strong>do</strong> que este<br />
é um perío<strong>do</strong> em que o pesca<strong>do</strong>r está, legalmente, impedi<strong>do</strong> de pescar as<br />
espécies relacionadas pelo IBAMA para a temporada. Destaque-se, porém,<br />
que não se trata de uma medida punitiva, mas sim preventiva, uma vez que<br />
esta proibição legalmente disposta vai ao encontro da necessidade de<br />
renovação das espécies aquáticas que habitam os rios da região, além de ser<br />
uma tentativa de contribuir para a manutenção da sustentabilidade da atividade<br />
pesqueira em tempos futuros (RUFFINO, 2005).<br />
A legislação também prevê os casos em que o pesca<strong>do</strong>r beneficia<strong>do</strong><br />
desrespeita as determinações para não capturar as espécies migratórias que,<br />
durante certos perío<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ano, aban<strong>do</strong>nam seus ambientes de origem e se<br />
deslocam ao longo <strong>do</strong> canal <strong>do</strong> rio em busca de locais mais apropria<strong>do</strong>s para<br />
sua reprodução 8 . Quan<strong>do</strong> existe o flagrante por técnicos <strong>do</strong> IBAMA, este<br />
pesca<strong>do</strong>r tem seu benefício cancela<strong>do</strong> e fica impedi<strong>do</strong> de recebê-lo no ano<br />
corrente (MOREIRA, 2006).<br />
Para tanto, essa política é importante, porque ampara os pesca<strong>do</strong>res e<br />
ao mesmo tempo protege os recursos pesqueiros, uma vez que proíbe a pesca<br />
nos perío<strong>do</strong>s de reprodução das espécies. Nesse senti<strong>do</strong>, o Seguro<br />
Desemprego vem contribuin<strong>do</strong> para inserir os ribeirinhos pesca<strong>do</strong>res nos<br />
marcos institucionais, pois muitos deles não possuem <strong>do</strong>cumentação, portanto,<br />
existência civil. Para aceder ao benefício, é necessário entrar no mun<strong>do</strong> da<br />
<strong>do</strong>cumentação que lhes confere rosto e fisionomia.<br />
Além disso, a política <strong>do</strong> Seguro Desemprego estimula a criar o que se<br />
pode chamar de uma consciência ambiental de preservação <strong>do</strong>s peixes, pois<br />
ao proibir a pesca no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> Defeso contribuem para a preservação da<br />
complexa e rica biodiversidade amazônica. Centramos nossa atenção nesta<br />
comunicação para os pesca<strong>do</strong>res <strong>do</strong> setor <strong>artesanal</strong> por ser o menos<br />
privilegia<strong>do</strong> em toda a história da construção das políticas públicas<br />
direcionadas à exploração pesqueira no Brasil e, em particular, na Amazônia.<br />
8 De acor<strong>do</strong> com Ruffino (2005), este fenômeno é conheci<strong>do</strong> como piracema, palavra de origem tupi, que<br />
significa, etimologicamente, pira=peixe e cema=cardume.
2. Os ciclos das águas nos rios da Amazônia<br />
O pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong> pratica a atividade da pesca durante to<strong>do</strong> o ano,<br />
mas o maior ou menor sucesso da atividade pesqueira depende, em muito, <strong>do</strong>s<br />
ecossistemas amazônicos, ou seja, os perío<strong>do</strong>s das enchentes e cheias -<br />
dezembro a julho- e o perío<strong>do</strong> da vazante e seca - agosto a novembro. Dentre<br />
os produtos advin<strong>do</strong>s das águas, a captura <strong>do</strong>s peixes é praticada,<br />
essencialmente para a subsistência e a comercialização é insignificante.<br />
O ciclo das águas fortemente marca<strong>do</strong> por cheia/enchente e<br />
vazante/seca condicionam o pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong> que realiza sua atividade de<br />
acor<strong>do</strong> com o ritmo das águas. Além disso, durante a mudança <strong>do</strong>s ciclos<br />
ocorre o fenômeno de mortandade <strong>do</strong>s peixes que ficam presos em lagos e/ou<br />
áreas que secam rapidamente.<br />
A exemplo disto destaca-se o município de Manaquiri, localiza<strong>do</strong> a 60<br />
quilômetros da capital <strong>do</strong> Amazonas que tem seu acesso por meio de estrada e<br />
por água. O rio de mesmo nome que banha a cidade no ano de 2009 sofreu<br />
uma vazante repentina, ao ponto de secar totalmente impossibilitan<strong>do</strong> o acesso<br />
ao município por meio fluvial, aproximadamente 200 quilômetros, com alta<br />
mortandade de peixes, modifican<strong>do</strong> o cotidiano das populações ribeirinhas,<br />
particularmente os pesca<strong>do</strong>res artesanais que utilizam a pesca como principal<br />
forma de trabalho para reproduzirem-se social e materialmente.<br />
Uma das piores conseqüências da vazante <strong>do</strong> rio foi a morte de<br />
toneladas de peixes de todas as espécies, que de acor<strong>do</strong> com especialistas, o<br />
ano de 2009 foi marca<strong>do</strong> por uma grande enchente, sen<strong>do</strong> assim, os peixes<br />
migraram para as cabeceiras de lagos, se reproduzin<strong>do</strong> em grande quantidade<br />
e, com a vazante, houve a mortandade pelo pouco espaço e grande<br />
quantidade de espécies.<br />
Este fenômeno deixou vários quilômetros das margens <strong>do</strong> rio Manaquiri<br />
cobertas por uma camada de peixe podre causan<strong>do</strong> um forte o<strong>do</strong>r e deixan<strong>do</strong> a<br />
água sem condições de consumo humano e tornan<strong>do</strong> a água potável escassa.<br />
Como forma de adaptabilidade ao ecossistema os ribeirinhos tiveram que
construir cacimbas e poços artesianos nas comunidades mais distantes da<br />
sede <strong>do</strong> município.<br />
Além destas adversidades, os ribeirinhos precisam andar horas por<br />
leitos de lagos e igarapés secos para conseguir água e comprar alimentos.<br />
Pela dificuldade de locomoção e transporte, 17 escolas da zona rural <strong>do</strong><br />
município tiveram de paralisar suas atividades, deixan<strong>do</strong> aproximadamente 2,7<br />
mil alunos sem aula. Portanto, tal fenômeno se acentua nas grandes secas e<br />
pode comprometer reprodução das espécies e a manutenção <strong>do</strong>s recursos<br />
pesqueiros.<br />
Diante das imprevisões <strong>do</strong> nível de elevação das águas, que em certos<br />
anos provocam as “grandes cheias” e as “grandes secas”, os ribeirinhos<br />
permanecem atentos e sob grande expectativa durante os meses da enchente.<br />
Tomam providências para enfrentar os perigos e dificuldades na medida em<br />
que eles vão se apresentan<strong>do</strong>, e conforme as condições que dispõem, no<br />
momento, para este enfrentamento.<br />
Contrariamente ao perío<strong>do</strong> da seca, a cheia <strong>do</strong>s rios ocorre no chama<strong>do</strong><br />
“inverno amazônico”, em que os principais problemas consistem na adaptação<br />
da moradia ao nível das águas; cuida<strong>do</strong> com os animais, principalmente com o<br />
ga<strong>do</strong>; atenção às crianças; garantir recursos necessários para a compra de<br />
gêneros alimentícios como açúcar, café e farinha, e, minimizar as perdas de<br />
produtos e equipamentos de trabalho e<br />
<strong>do</strong>mésticos.<br />
Os problemas enfrenta<strong>do</strong>s são soluciona<strong>do</strong>s com base em um forte nível<br />
de solidariedade estabeleci<strong>do</strong> entre os mora<strong>do</strong>res da comunidade, e de<br />
relações de parentesco próximo com pessoas das áreas urbanas. Apesar de<br />
haver si<strong>do</strong> decreta<strong>do</strong> esta<strong>do</strong> de emergência, a ajuda das instituições<br />
governamentais foi reduzida. Como medida mitiga<strong>do</strong>ra aos efeitos da cheia de<br />
2009, o Esta<strong>do</strong> utilizou um plano emergencial volta<strong>do</strong> aos municípios <strong>do</strong> interior<br />
<strong>do</strong> Amazonas com o objetivo de minimizar os prejuízos causa<strong>do</strong>s pela subida<br />
das águas, por meio de transferência de renda no valor de 300,00 reais a cada<br />
família ribeirinha contemplada.<br />
Com a elevação <strong>do</strong> nível das águas torna mais fácil o acesso às áreas,<br />
os rios e paranás passam a ser via de acesso por embarcações maiores que
transitan<strong>do</strong> em maior velocidade colocam em risco de desabamento as<br />
moradias que ficam com uma estrutura muito frágil durante a cheia.<br />
A grande cheia de 2009 produziu novamente, mas em proporções<br />
maiores que as anteriores, a perda de grande parte da produção agrícola, da<br />
criação de animais, de equipamentos de trabalho e <strong>do</strong>mésticos para uma<br />
população de pequenos produtores familiares que se reproduzem com<br />
dificuldades de várias ordens, mas que encontram na várzea uma forma ainda<br />
possível de sobrevivência.<br />
3. Considerações Finais<br />
Na Amazônia, a pesca <strong>artesanal</strong> responde por uma parcela significativa<br />
da produção de pesca<strong>do</strong> para o merca<strong>do</strong> interno, além de suprir suas<br />
comunidades com praticamente a totalidade das necessidades de proteína<br />
animal e abastecer inúmeras famílias ribeirinhas através de canais de<br />
comercialização, troca e solidariedade. Trata-se de uma atividade passada de<br />
geração em geração e conta com a participação <strong>do</strong>s membros das famílias,<br />
sem distinção de gênero ou idade. Porém, embora to<strong>do</strong>s pesquem, somente<br />
aqueles devidamente registra<strong>do</strong>s como profissionais são chama<strong>do</strong>s de<br />
pesca<strong>do</strong>res de fato.<br />
Esta atividade gera um grande benefício sócio-ambiental à população da<br />
região, porém a natureza tem recursos escassos e precisa de tempo para se<br />
renovar. Assim, com este olhar, temos na legislação nacional uma série de<br />
dispositivos legais com vistas ao ordenamento das atividades pesqueiras,<br />
determinan<strong>do</strong>, por exemplo, a proibição de espécies aquáticas quan<strong>do</strong> em<br />
perío<strong>do</strong> de reprodução, o qual é conheci<strong>do</strong> como <strong>defeso</strong>.<br />
Neste perío<strong>do</strong>, o pesca<strong>do</strong>r profissional que exerce sua atividade de<br />
maneira <strong>artesanal</strong>, com fins de subsistência e de comercialização, tem direito<br />
ao benefício <strong>do</strong> <strong>seguro</strong> <strong>defeso</strong>, como é conheci<strong>do</strong> o <strong>seguro</strong>-desemprego <strong>do</strong><br />
pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong>, cuja finalidade é promover a assistência financeira<br />
temporária ao pesca<strong>do</strong>r que se encontra proibi<strong>do</strong> de exercer sua atividade<br />
profissional e que tem como única fonte de renda o pesca<strong>do</strong>.
Na atualidade, para conseguir aceder ao <strong>seguro</strong> <strong>defeso</strong>, o pesca<strong>do</strong>r<br />
precisa reunir dezesseis <strong>do</strong>cumentos diferentes. O risco que esta situação<br />
aponta é que o excesso de burocracia possa, em poucos anos, extinguir a<br />
categoria de pesca<strong>do</strong>r <strong>artesanal</strong> ou, ainda, <strong>do</strong> benefício em si, até porque o<br />
recebimento das parcelas, correspondentes a um salário mínimo cada,<br />
chegavam atrasadas ao bolso <strong>do</strong> pesca<strong>do</strong>r que, para se manter e poder cuidar<br />
da subsistência de sua família, se vê obriga<strong>do</strong> a tirar das águas o seu alimento<br />
durante a época da proibição.<br />
Diante deste quadro, urge a implementação de políticas públicas<br />
adequadas às necessidades das comunidades pesqueiras, que possam<br />
contribuir, efetivamente, para melhorar a qualidade de vida <strong>do</strong>s povos<br />
ribeirinhos. A permanência <strong>do</strong>s pesca<strong>do</strong>res artesanais e suas famílias na<br />
região e a garantia de acesso aos recursos pesqueiros pode ser um <strong>do</strong>s<br />
melhores programas de combate à pobreza e pela distribuição de renda que se<br />
poderá construir para a região como um to<strong>do</strong>.<br />
Referências<br />
ALENCAR, Edna F. Gênero e trabalho nas sociedades pesqueiras. IN:<br />
FURTADO, Lourdes. Povos das águas: realidade e perspectivas na Amazônia.<br />
Belém: Museu paraense Emílio Goeldi, 1993.<br />
BATISTA, V. et al. Fatores contributivos na formação da identidade <strong>do</strong><br />
trabalha<strong>do</strong>r da pesca e suas dificuldades na efetivação <strong>do</strong> trabalho produtivo<br />
no trecho brasileiro <strong>do</strong> rio Amazonas. S/D<br />
FURTADO, Lourdes et al. Dinâmica sociais e conflitos da pesca na Amazônia.<br />
In: ACSELRAD, Henri (org.) Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro:<br />
Relume Dumará, 2004.<br />
MOREIRA, Helane. Mo<strong>do</strong>s de vida e política social na Comunidade <strong>do</strong> Lago <strong>do</strong><br />
Andiroba no Lago <strong>do</strong> Janauacá-AM. Trabalho de Conclusão de Curso.<br />
Departamento de Serviço social da UFAM, 2006.<br />
SCHERER, Elenise. Mosaico Terra-Água: vulnerabilidade social ribeirinha na<br />
Amazônia. Comunicação apresenta no VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de<br />
Ciencias Sociais, Coimbra, 16 a 18 de setembro de 2004.<br />
__________________. <strong>Políticas</strong> Sociais para os povos das águas. Cadernos<br />
CEAS. Salva<strong>do</strong>r, 2003.
FRAXE, Terezinha. Cultura Cabocla-Ribeirinha. Mitos, Lendas e<br />
Transculturalidade. São Paulo: AnnaBlume, 2004.<br />
MELLO, Alex Fiúza. Pesca<strong>do</strong>res da Indústria: o complexo de Icoaray. IN:<br />
FURTADO, Lourdes (Org.). Povos das águas: realidade e perspectivas na<br />
Amazônia. Belém: Museu paraense Emílio Goeldi, 1993.<br />
WAGLEY, Charles. Uma comunidade amazônica: estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> homem nos<br />
trópicos. 3 ed. Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo: EDUSP 1988.<br />
WITKOSKI, Antonio Carlos. Terras, Florestas e Águas de Trabalho: os<br />
camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos naturais.<br />
Manaus: EDUA, 2007.