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Uma nova Igreja para um jovem bispo - Arquidiocese de Maringá

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1<br />

<strong>Uma</strong> <strong>nova</strong> <strong>Igreja</strong> <strong>para</strong><br />

<strong>um</strong> <strong>jovem</strong> <strong>bispo</strong><br />

A <strong>Maringá</strong> <strong>de</strong> ontem olha <strong>para</strong> quem a contemplaria 50 anos <strong>de</strong>pois...<br />

No aeroporto, multidão aguarda chegada do primeiro <strong>bispo</strong>.


Alice era professora da re<strong>de</strong> estadual <strong>de</strong> ensino e, pela manhã, lecionava no Grupo Escolar <strong>de</strong> Jardinó-<br />

polis (SP), <strong>para</strong> on<strong>de</strong> viajava diariamente. Com a mãe e com Maria, sua irmã, igualmente solteira e professora,<br />

residia na casa paroquial, no centro <strong>de</strong> Ribeirão Preto, em companhia <strong>de</strong> Jaime, o irmão, cura da catedral. As<br />

três ocupavam o mesmo quarto, outro servia ao padre, ficando o terceiro <strong>para</strong> alg<strong>um</strong>a visita.<br />

Oitavo dos 14 filhos do casal João Amélio Coelho e Guilhermina Cunha Coelho, Jaime tinha nascido<br />

em Franca (SP), no dia 26 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1916. Or<strong>de</strong>nado padre em 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1941, foi nomeado,<br />

no início <strong>de</strong> 1942, coadjutor da catedral. De início, morou com tia Lola (Judite, casada com Luiz Cunha,<br />

irmão <strong>de</strong> sua mãe). Seis meses <strong>de</strong>pois, os pais <strong>de</strong>ixaram Franca mudando-se, com as filhas solteiras Maria,<br />

Odila, Alice e Wanda, <strong>para</strong> Ribeirão Preto, on<strong>de</strong> alugaram <strong>um</strong>a casa. Padre Jaime foi morar com eles. Dois<br />

anos <strong>de</strong>pois, Odila e Wanda já casadas, recebeu a nomeação <strong>de</strong> cura da catedral. Passou então a ocupar a<br />

mo<strong>de</strong>sta casa canônica na qual acolheu a família. Ao casal <strong>de</strong>stinou-se <strong>um</strong> quarto; outro, às irmãs Maria e<br />

Alice, cabendo ao pároco o terceiro. Após a morte do pai, em 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1955, a mãe reuniu-se às<br />

filhas no mesmo aposento.<br />

Naquele dia 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1956, ao <strong>de</strong>scer do ônibus, Alice ouviu sinos que repicavam anunciando<br />

fato novo. Passava pouco do meio-dia. “Deve ter morrido alguém importante”, pensou. Mas logo se convenceu<br />

<strong>de</strong> que seria outra a razão, pois o toque era festivo, não <strong>de</strong> luto. “Talvez seja pela festa <strong>de</strong> Nossa Senhora,<br />

amanhã” corrigiu <strong>para</strong> si mesma. “Vai ver, já estão anunciando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> hoje”. Satisfeita com a explicação, caminhou<br />

<strong>para</strong> a casa, não muito distante.<br />

Ao entrar, <strong>de</strong>u com a sobrinha Ângela batendo na porta do banheiro. Filha <strong>de</strong> Odila, casada com Paulo<br />

Biagini, a menina <strong>de</strong> quatro anos geralmente era confiada, durante o dia, aos cuidados <strong>de</strong> <strong>um</strong>a das avós,<br />

enquanto os pais trabalhavam; ele, como secretário da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina; ela, funcionária municipal da<br />

área da saú<strong>de</strong>. Ao <strong>de</strong><strong>para</strong>r com a pequena, do lado <strong>de</strong> fora, chamando pela avó, Alice imaginou-as em alg<strong>um</strong><br />

jogo <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>-escon<strong>de</strong>. “Está brincando com a vovó, querida?” Mas não se tratava <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira. A criança<br />

esclareceu: “A vovó tá lá <strong>de</strong>ntro chorando, porque o tio padre virou <strong>bispo</strong>”.<br />

Não <strong>de</strong>morou e chegaram Odila e Paulo que, <strong>de</strong> volta ao trabalho, após o almoço, davam sempre <strong>um</strong>a<br />

rápida olhada na filha. Ângela passou-lhes o mesmo recado. Enquanto isso, Alice insistia junto à porta trancada:<br />

“Abra, mamãe. Em vez <strong>de</strong> ficar aí chorando, a senhora <strong>de</strong>via estar feliz. Imagine que honra ter <strong>um</strong> filho<br />

<strong>bispo</strong>!” Mas levou alg<strong>um</strong> tempo <strong>para</strong> dona Guilhermina aparecer e explicar, enquanto enxugava os olhos, a<br />

razão do pranto: “Agora o Jaime vai <strong>de</strong>ixar a gente e mudar <strong>para</strong> longe”. Nem ela nem nenh<strong>um</strong> dos outros<br />

25<br />

Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>


26<br />

A <strong>Igreja</strong> que brotou da mata<br />

fazia idéia do r<strong>um</strong>o <strong>de</strong>ssa tal <strong>Maringá</strong> <strong>para</strong> on<strong>de</strong> fora nomeado o cura da catedral.<br />

Em minutos, a casa se encheu <strong>de</strong> gente. O telefone não <strong>de</strong>u trégua pelo resto do dia. C<strong>um</strong>primentos<br />

chegavam <strong>de</strong> todo canto. Até o final da tar<strong>de</strong>, recordam dom Jaime e as irmãs, a mãe continuou meio “fora<br />

do ar”. Recebia felicitações, atendia as pessoas, sorria, mas <strong>de</strong>monstrava não enten<strong>de</strong>r bem o que estava acontecendo.<br />

Volta e meia, perguntava: “Para on<strong>de</strong> mesmo ele vai?” Só à noite conseguiu superar os efeitos da<br />

notícia e voltou a tomar pé da situação. 1<br />

Naquela manhã, o <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> Ribeirão Preto chamara monsenhor Jaime ao telefone: “Se você tem almoço<br />

programado <strong>para</strong> hoje, <strong>de</strong>smarque. Quero que venha almoçar comigo”. Imaginando tratar-se <strong>de</strong> gentileza<br />

pela ocorrência, nesse dia, do seu 15º aniversário <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação sacerdotal, o cura teve a surpresa <strong>de</strong>, ao chegar,<br />

ver-se ro<strong>de</strong>ado por <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> colegas convidados, como ele, pelo <strong>bispo</strong>. Pontualmente ao meio-dia,<br />

dom Luís do Amaral Mousinho, simpático nor<strong>de</strong>stino, sempre a irradiar bom h<strong>um</strong>or e paixão pela <strong>Igreja</strong>,<br />

levantou-se e pediu a atenção dos presentes: “Quero ser o primeiro a dar a notícia da nomeação e também<br />

a c<strong>um</strong>primentar o novo <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, monsenhor Jaime”. Depois do emocionado abraço, sob palmas<br />

calorosas <strong>de</strong> todos, encaminhou-se ao telefone <strong>para</strong> comunicar à mãe <strong>de</strong>le a feliz notícia. A avó <strong>de</strong> Ângela<br />

prorrompeu em choro e trancou-se no banheiro.<br />

Oito dias antes, em 29 <strong>de</strong> novembro, saindo da catedral, a caminho <strong>de</strong> casa <strong>para</strong> o almoço, monsenhor<br />

Jaime passara, conforme o cost<strong>um</strong>e, pelo palácio episcopal <strong>para</strong> apanhar a correspondência que o correio lá<br />

entregava. Chamou-lhe a atenção <strong>um</strong>a carta da Nunciatura Apostólica do Brasil, sediada no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

então capital do país. Mesmo nos dias atuais provoca sobressalto em qualquer padre abrir carta remetida<br />

pela nunciatura e <strong>de</strong><strong>para</strong>r com <strong>um</strong> segundo envelope lacrado, on<strong>de</strong> se lê em pequeno retângulo vermelho:<br />

“Pessoal – Reservada – Sob segredo pontifício”. Não é praxe o núncio apostólico escrever <strong>para</strong> os milhares<br />

<strong>de</strong> presbíteros espalhados pelo vasto território nacional. Menos ainda, tratando-se <strong>de</strong> correspondência cujo<br />

conteúdo só o papa autoriza revelar. Na época, o sigilo vinha reservado ao antigo Santo Ofício, nome atual<br />

da Congregação <strong>para</strong> a Doutrina da Fé. Gerava clima <strong>de</strong> pesado mistério e, no <strong>de</strong>stinatário, <strong>um</strong>a ansieda<strong>de</strong><br />

cheia <strong>de</strong> respeitoso temor.<br />

Com o coração aos pulos, leu e releu várias vezes <strong>para</strong> certificar-se <strong>de</strong> que seus olhos não mentiam.<br />

Não havia possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> engano. Embora sentisse como <strong>um</strong> soco a lhe golpear o estômago, era verda<strong>de</strong>. O<br />

ofício dizia mesmo que ele tinha sido eleito <strong>bispo</strong> da <strong>Igreja</strong> (Carta 1).<br />

O impacto provocou reação tão forte que, passado meio século, dom Jaime recorda em pormenores:<br />

“Na hora, senti que o mundo ia acabar. A única idéia que me ocorreu foi dirigir-me ao seminário, on<strong>de</strong> trabalhava<br />

cônego Horácio Longo, meu confessor. Eu só conseguia chorar. Perguntei-lhe que resposta dar ao<br />

núncio”. Consultado com antecedência, evi<strong>de</strong>ntemente, como sempre faz a nunciatura apostólica a respeito<br />

dos candidatos a <strong>bispo</strong>, cônego Horácio divertia-se com a aflição <strong>de</strong> penitente. Rindo gostosamente, <strong>de</strong>u sua<br />

orientação: “Mas é claro que sua resposta vai ser afirmativa. Tem que aceitar, sim”. O arce<strong>bispo</strong> relembra:<br />

“Voltei <strong>para</strong> casa, tentei disfarçar como pu<strong>de</strong> e passei a esperar ansioso pelo término do sigilo pontifício,<br />

aquele peso que me sufocava o peito”.<br />

Não era pequena a <strong>de</strong>solação do pobre cura. Com quarenta anos, seria <strong>um</strong> dos mais jovens membros<br />

do episcopado brasileiro. Embora, à época, se escolhessem candidatos mais novos do que hoje – em especial<br />

<strong>de</strong>pois do pontificado <strong>de</strong> João Paulo II –, ainda assim, raramente a <strong>Igreja</strong> alçava à dignida<strong>de</strong> episcopal alguém<br />

com menos <strong>de</strong> quarenta e cinco, cinqüenta anos. Exercendo o ministério em Ribeirão Preto, on<strong>de</strong> trabalhava<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a or<strong>de</strong>nação, Jaime tinha motivos <strong>para</strong> se consi<strong>de</strong>rar realizado. Benquisto pelo povo, pelos colegas e<br />

pelo <strong>bispo</strong>, fiel à <strong>Igreja</strong> e à própria vocação, zeloso, bom orador, culto, respeitado, procurador da construção<br />

do famoso seminário menor <strong>de</strong> Brodósqui (SP), futuro referencial <strong>de</strong> seminário <strong>para</strong> o Brasil, diretor diocesano<br />

da Obra das Vocações Sacerdotais, querido pela família com a qual <strong>de</strong>sfrutava a ventura <strong>de</strong> conviver, reunia<br />

tudo que compõe a idéia <strong>de</strong> homem feliz. De quem não prevê mudança brusca <strong>de</strong> r<strong>um</strong>o no caminho que<br />

1 Informações familiares fornecidas por Alice Coelho Sproesser, irmã <strong>de</strong> dom Jaime Luiz Coelho, na residência <strong>de</strong>ste, em <strong>Maringá</strong>,<br />

em 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006.


Carta 1<br />

O núncio apostólico dá ciência a mons. Jaime <strong>de</strong> sua nomeação episcopal<br />

(LOMBARDI, 1956, 1 f.).<br />

vai trilhando. Aquilo vinha <strong>de</strong>smontar todos os sonhos até então construídos. A convocação do Santo Padre<br />

atingiu-o com força igual à da imprevista or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> Javé a Abraão: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa<br />

<strong>de</strong> teu pai, <strong>para</strong> a terra que te mostrarei” (GÊNESIS 12, 1). Sentia-se útil à <strong>Igreja</strong>, abençoado no presbitério<br />

<strong>de</strong> Ribeirão Preto. Por outro lado, não havia como escapar aos <strong>de</strong>sígnios <strong>de</strong> Deus manifestos pelos legítimos<br />

intérpretes <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong>, particularmente pelo <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> Roma.<br />

Ainda no dia 29 <strong>de</strong> novembro, lida a carta da nunciatura, <strong>um</strong>a curiosida<strong>de</strong> cheia <strong>de</strong> medo o fez consultar<br />

o mapa, investindo largo tempo no inútil esforço <strong>de</strong> localizar a cida<strong>de</strong> na qual viveria o resto dos seus<br />

dias. <strong>Maringá</strong> era por <strong>de</strong>mais <strong>nova</strong> <strong>para</strong> figurar em mapas com mais <strong>de</strong> cinco anos, caso daquele que tinha em<br />

mãos. Naquele tempo, em toda Ribeirão Preto, como, <strong>de</strong> resto, possivelmente em todo o Brasil, ninguém<br />

conseguiria localizar em mapa aquela que seria <strong>de</strong>nominada “cida<strong>de</strong>-canção”. Voltou o pensamento <strong>para</strong> dom<br />

Manuel da Silveira D’Elboux, o venerado mestre que o acompanhava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Seminário Central do Ipiranga,<br />

em São Paulo. De suas mãos recebera, em Ribeirão Preto, a or<strong>de</strong>nação presbiteral, quando ele era ainda <strong>bispo</strong><br />

auxiliar <strong>de</strong> dom Alberto José Gonçalves. Bispo diocesano <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1946, dom Manuel fora, em 1950, transferido<br />

<strong>para</strong> o Paraná, on<strong>de</strong> presidia, como arce<strong>bispo</strong>, a Província Eclesiástica <strong>de</strong> Curitiba. “Sem dúvida, ele <strong>de</strong>ve<br />

27<br />

Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>


28<br />

A <strong>Igreja</strong> que brotou da mata<br />

estar por <strong>de</strong>trás disso”, imaginou. “Mas o querido dom Manuel não calcula o terremoto que provocou em<br />

minha vida”.<br />

Nos dias seguintes, o futuro <strong>bispo</strong> passou a revelar, segundo Alice, <strong>um</strong>a tristeza cuja causa ela não conseguia<br />

i<strong>de</strong>ntificar. “Andava quieto, sorria pouco e parecia alheio ao que acontecia à sua volta. Achei melhor<br />

não comentar nada <strong>para</strong> não preocupar ainda mais a mamãe”. Outra mudança anotada foi o súbito interesse<br />

do irmão pelo próprio guarda-roupa, preocupação antes nunca <strong>de</strong>monstrada. “Mandou fazer muita roupa<br />

<strong>nova</strong>, especialmente camisas brancas, que chegavam a casa em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>. Eu não dizia nada, mas me<br />

perguntava o motivo. Só mais tar<strong>de</strong> compreendi que ele já estava pre<strong>para</strong>ndo a mudança, prevendo que em<br />

<strong>Maringá</strong> não ia encontrar as facilida<strong>de</strong>s que Ribeirão oferecia”.<br />

O telegrama <strong>de</strong> resposta solicitado pelo núncio foi enviado na mesma tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> novembro, dia em<br />

recebeu o ofício proce<strong>de</strong>nte do Rio. Seguiu também, no mesmo dia, a carta <strong>de</strong> confirmação na qual o eleito<br />

aceitava a missão imposta (Carta 2).<br />

Novo ofício da nunciatura datado <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, mas possivelmente postado antes, no Rio – na<br />

época, dois dias incompletos representavam prazo <strong>de</strong>masiado curto <strong>para</strong> correspondência entre o Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro e Ribeirão Preto –, fixava em 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro a data <strong>para</strong> conhecimento público da sua nomeação<br />

episcopal (Carta 3).<br />

Monsenhor Jaime o recebeu das mãos <strong>de</strong> dom Mousinho, após o anúncio feito por ele da eleição, às<br />

12h00 <strong>de</strong>sse dia 7. Inegavelmente, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>, por primeiro, revelar a notícia tinha levado o <strong>bispo</strong> a interceptar-lhe<br />

a correspondência, só a entregando <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> c<strong>um</strong>primentá-lo com emoção e carinho.<br />

Apenas na sua posse como <strong>bispo</strong>, já em <strong>Maringá</strong>, no dia 24 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1957, com a leitura protocolar<br />

e a entrega em suas mãos, veio tomar conhecimento do teor da bula <strong>de</strong> Pio XII que criara, há mais <strong>de</strong> <strong>um</strong> ano,<br />

as dioceses <strong>de</strong> Londrina e <strong>Maringá</strong>, no Paraná. O texto oficial da Carta Apostólica Latissimas partire Ecclesias,<br />

redigida em elegante latim, estabelecia:<br />

CONSTITUIÇÕES APOSTÓLICAS<br />

Diocese <strong>de</strong> Jacarezinho (diocese <strong>de</strong> Londrina – diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>)<br />

Da Diocese <strong>de</strong> Jacarezinho <strong>de</strong>smembram-se alg<strong>um</strong>as regiões, das quais se formam<br />

duas dioceses, chamadas <strong>de</strong> Londrina e <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong><br />

PIO BISPO<br />

Servo dos servos <strong>de</strong> Deus<br />

Para perpétua memória<br />

Julgamos, antes <strong>de</strong> tudo, nosso <strong>de</strong>ver dividir <strong>Igreja</strong>s muito extensas e circunscrevê-las<br />

a limites mais convenientes: nada é mais premente nem importante que proporcionar<br />

a todas as pessoas que se orgulham do nome cristão <strong>um</strong> caminho mais seguro<br />

<strong>de</strong> salvação, bem como provi<strong>de</strong>nciar-lhes todos os proveitos e benefícios da religião<br />

católica. Quando, pois, tomamos conhecimento <strong>de</strong> que o venerável Irmão Armando<br />

Lombardi, Arce<strong>bispo</strong> <strong>de</strong> Cesaréia e Núncio Apostólico na República do Brasil, solicitou<br />

a esta Sé Romana que, dividida a <strong>Igreja</strong> <strong>de</strong> Jacarezinho, fossem constituídas<br />

duas dioceses, a fim <strong>de</strong> que os dignos habitantes do Norte do Paraná, no Brasil, não<br />

ficassem privados dos necessários cuidados pastorais; e <strong>de</strong> que com isso concordam<br />

Geraldo <strong>de</strong> Proença Sigaud, Bispo <strong>de</strong> Jacarezinho, assim como Manuel da Silveira<br />

D’Elboux, Arce<strong>bispo</strong> <strong>de</strong> Curitiba e os outros Ordinários locais da Província Eclesiástica<br />

<strong>de</strong> Curitiba, <strong>de</strong> bom grado aten<strong>de</strong>mos o pedido encaminhado. Por isso, tendo<br />

ouvido o parecer dos nossos Irmãos Car<strong>de</strong>ais da Santa <strong>Igreja</strong> Romana encarregados<br />

dos Negócios Consistoriais, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atentamente estudado o assunto e havendo<br />

unanimida<strong>de</strong> por parte daqueles que têm ou julgam ter alg<strong>um</strong> direito nesta divisão<br />

<strong>de</strong> regiões e <strong>de</strong> bens, fazendo uso do Nosso po<strong>de</strong>r supremo, estabelecemos o<br />

que segue. Se<strong>para</strong>mos da diocese <strong>de</strong> Jacarezinho o território que compreen<strong>de</strong> os<br />

municípios conhecidos como: Londrina, Alvorada, Apucarana, Arapongas, Araruva,<br />

Astorga, Bela Vista, Cambé, Catugi, Centenário, Faxinal, Florestópolis, Ibiporã,<br />

Jaguapitã, Lupionópolis, Porecatu, 1º <strong>de</strong> Maio, Rolândia, Sabáudia, Santo Inácio


Carta 2<br />

Resposta do eleito à carta do núncio<br />

apostólico (COELHO, 1956, 1 f.).<br />

Carta 3<br />

O núncio apostólico comunica o fim do segredo pontifício 29<br />

(LOMBARDI, 1956b, 1 f.).<br />

Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>


30<br />

A <strong>Igreja</strong> que brotou da mata<br />

e Sertanópolis; do conjunto por eles formado criamos a diocese a ser chamada <strong>de</strong><br />

Londrina, que constará dos mesmos municípios que en<strong>um</strong>eramos, com seus respectivos<br />

limites; sua se<strong>de</strong> episcopal será a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londrina, e a cátedra da autorida<strong>de</strong><br />

pontifical, estabelecida na igreja do Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus que, por isso, gozará<br />

da dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sé catedral. Igualmente, da mesma diocese <strong>de</strong> Jacarezinho se<strong>para</strong>mos<br />

a região compreendida pelos municípios <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, Alto Paraná, Jandaia,<br />

Mandaguaçu, Mandaguari, Marialva, Nova Esperança, Paranavaí e a reunimos em<br />

forma <strong>de</strong> <strong>nova</strong> diocese <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, circunscrita pelos mesmos limites<br />

que <strong>de</strong>marcam estes municípios; a cida<strong>de</strong> se<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>ntemente, será <strong>Maringá</strong>, na qual<br />

o Bispo terá o seu domicílio, em cuja igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora da Glória instalará a<br />

sua cátedra pontifícia; por isso ela gozará da honra das igrejas catedrais. Portanto os<br />

Sagrados Pastores das dioceses <strong>de</strong> Londrina e <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> terão todos os direitos,<br />

po<strong>de</strong>res, honras e insígnias que se atribuem a todos os Bispos <strong>de</strong> igual dignida<strong>de</strong>; por<br />

outro lado, estarão sujeitos aos mesmos encargos e obrigações. Quanto à metrópole<br />

à qual doravante estarão subordinadas como sufragâneas as <strong>nova</strong>s dioceses, <strong>de</strong>cretamos<br />

que seja a <strong>Igreja</strong> <strong>de</strong> Curitiba, a cujo Arce<strong>bispo</strong> estarão adscritos os Prelados que<br />

citamos. Mas como o crescimento <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a das <strong>nova</strong>s <strong>Igreja</strong>s, assim como sua<br />

fecundida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, em boa parte, da seleção e formação <strong>de</strong> jovens que, ao consi<strong>de</strong>rar<br />

a fertilíssima seara das almas, <strong>de</strong>sejam alistar-se em o número dos operários do<br />

Evangelho, queremos que em cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>stas dioceses logo se construa, segundo a<br />

norma do Direito e <strong>de</strong> acordo com as leis promulgadas pela Sagrada Congregação <strong>de</strong><br />

seminários e universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estudo, <strong>um</strong> seminário <strong>de</strong> ensino pelo menos fundamental,<br />

do qual sejam oportunamente escolhidos jovens que serão encaminhados a esta<br />

venerável Cida<strong>de</strong>, junto ao Pontifício Colégio Pio Brasileiro, <strong>para</strong> serem <strong>de</strong>vidamente<br />

formados em filosofia e teologia. Igualmente, é nossa vonta<strong>de</strong> que em cada diocese<br />

recém erigida haja <strong>um</strong> Colégio <strong>de</strong> Cônegos que nos assuntos mais importantes das<br />

<strong>Igreja</strong>s auxilie o Bispo com seu conselho, trabalho e competência; enquanto isso<br />

não for possível, pelas tradicionais Cartas Apostólicas, permitimos que em lugar <strong>de</strong><br />

Cônegos sejam nomeados Consultores Diocesanos, segundo o cân. 423 do Código<br />

<strong>de</strong> Direito Canônico. Formam a chamada Mesa episcopal das <strong>nova</strong>s dioceses sejam<br />

os rendimentos <strong>de</strong> cada <strong>um</strong>a das Cúrias, sejam os bens e ofertas espontaneamente<br />

doados pelos fiéis, seja o dote oferecido pela República do Brasil, seja, finalmente, a<br />

parte <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> recursos que na divisão proporcional da mesa <strong>de</strong> Jacarezinho<br />

couber, segundo o cân. 1500, a essas dioceses. Da mesma forma, seja regido<br />

pelas normas do Direito Canônico tudo o que diz respeito ao governo e à administração<br />

das <strong>Igreja</strong>s, à eleição do Vigário Capitular, quando a Se<strong>de</strong> estiver vaga, e outros<br />

assuntos <strong>de</strong>ste gênero. Queremos, por fim, que, no momento em que for executada<br />

esta nossa Carta, os clérigos que vivem legalmente no território <strong>de</strong>scrito por ela consi<strong>de</strong>rem-se<br />

pertencentes à mesma diocese; e que igualmente todos os doc<strong>um</strong>entos e<br />

registros que, <strong>de</strong> qualquer forma, se refiram às <strong>nova</strong>s Se<strong>de</strong>s, sejam enviados pela diocese<br />

<strong>de</strong> Jacarezinho às Cúrias das mesmas <strong>para</strong> serem cuidadosamente conservados<br />

em arquivo. Ao que estabelecemos nesta Carta dará c<strong>um</strong>primento o venerável Irmão<br />

Armando Lombardi, acima mencionado, ou aquele que, por ocasião <strong>de</strong> sua execução,<br />

estiver à frente da Nunciatura Apostólica do Brasil, po<strong>de</strong>ndo <strong>para</strong> isso <strong>de</strong>legar po<strong>de</strong>r<br />

a outro homem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que investido da dignida<strong>de</strong> eclesiástica. Àquele, porém, que<br />

c<strong>um</strong>prir tal encargo, impomos a obrigação <strong>de</strong> redigir os doc<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> ereção das<br />

dioceses e <strong>de</strong>les remeter, o quanto antes, cópias à Sagrada Congregação Consistorial.<br />

É nossa vonta<strong>de</strong> que esta Carta tenha eficácia hoje e <strong>para</strong> o futuro; que as disposições<br />

nela exaradas sejam religiosamente c<strong>um</strong>pridas por aqueles que a isso estão obrigados,<br />

e assim elas obtenham os seus efeitos. Nenh<strong>um</strong>a disposição contrária, <strong>de</strong> qualquer<br />

natureza, tem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> obstar o c<strong>um</strong>primento <strong>de</strong>stas Letras; por este doc<strong>um</strong>ento<br />

<strong>de</strong>rrogamo-las todas. Em razão disso, se alguém, revestido <strong>de</strong> qualquer autorida<strong>de</strong>,<br />

consciente ou inconscientemente, agir contra o estabelecido por Nós, <strong>de</strong>terminamos<br />

que isso seja consi<strong>de</strong>rado nulo e sem valor. A ninguém ainda seja permitido alterar<br />

ou <strong>de</strong>struir este doc<strong>um</strong>ento que expressa Nossa vonta<strong>de</strong>; antes, às cópias e partes<br />

<strong>de</strong>stas Letras, impressas tipograficamente ou redigidas a mão, que levarem o selo <strong>de</strong><br />

alguém revestido da dignida<strong>de</strong> eclesiástica e, ao mesmo tempo, forem reconhecidas


por <strong>um</strong> tabelião público, <strong>de</strong>verá ser prestada a mesma fé que se daria à apresentação<br />

<strong>de</strong>sta Carta. Se alguém rejeitar ou, <strong>de</strong> qualquer modo, recusar estes Nossos <strong>de</strong>cretos<br />

em geral, saiba que incorrerá nas penas cominadas pelo Direito àqueles que recusam<br />

c<strong>um</strong>prir or<strong>de</strong>ns dos S<strong>um</strong>os Pontífices.<br />

Dado em Roma, junto <strong>de</strong> São Pedro, no primeiro dia do mês <strong>de</strong> fevereiro do ano do<br />

Senhor <strong>de</strong> mil novecentos e cinqüenta e seis, décimo sétimo do Nosso Pontificado.<br />

Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong><br />

CELSO Car<strong>de</strong>al COSTANTINI<br />

Chanceler da S. <strong>Igreja</strong> Romana<br />

+ Fr. ADEODATO I. Car<strong>de</strong>al PIAZZA<br />

Secretário da S. Congr. Consistorial<br />

Hamleto Tondini<br />

Diretor da Chancelaria Apostólica<br />

Bernardo De Felicis César Fe<strong>de</strong>rici<br />

Protonotário apostólico Protonotário apostólico (PIO XII, 1956d, p. 486-488). 2<br />

01/02/1956<br />

Mapa 1<br />

Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> no dia <strong>de</strong> sua criação, 01/02/1956; à epoca compreendia<br />

apenas oito municípios.<br />

2 <strong>Uma</strong> das primeiras providências do <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> foi adquirir, através da nunciatura, toda a coleção da “Acta Apostolicae Sedis”,<br />

órgão oficial da Santa Sé, o que levou dom Armando Lombardi a observar que <strong>Maringá</strong> talvez fosse então a única diocese brasileira<br />

a possuir a coleção completa <strong>de</strong>sse acervo doc<strong>um</strong>ental. Até o final <strong>de</strong> seu governo diocesano, em 1997, dom Jaime continuou assinando<br />

a publicação, tendo o cuidado <strong>de</strong> enca<strong>de</strong>rnar os fascículos em vol<strong>um</strong>es anuais. A Cúria Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> guarda em<br />

seu arquivo a série completa cujo primeiro vol<strong>um</strong>e foi publicado em 1909.<br />

31<br />

Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>


32<br />

A <strong>Igreja</strong> que brotou da mata<br />

Acompanhando a bula <strong>de</strong> criação, foram entregues ao <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> também duas cartas pontifícias:<br />

a da sua nomeação, e outra, dirigida ao clero e fiéis recomendando-lhes aceitação do novo pastor. Por último,<br />

foi-lhe passado às mãos ainda o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> execução, emitido pela Nunciatura Apostólica; todos doc<strong>um</strong>entos<br />

redigidos originariamente em latim. Anunciam fatos ou estabelecem disposições que, a seguir, são franqueadas<br />

ao conhecimento geral. 3<br />

Bula <strong>de</strong> nomeação episcopal<br />

PIO Bispo, Servo dos Servos <strong>de</strong> Deus (Carta 4),<br />

ao dileto filho Jaime Luiz Coelho, Cura da Catedral <strong>de</strong> Ribeirão Preto, primeiro Bispo<br />

eleito da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, saudação e bênção apostólica. É nosso <strong>de</strong>ver aten<strong>de</strong>r às<br />

necessida<strong>de</strong>s da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, criada no dia primeiro <strong>de</strong> fevereiro do corrente,<br />

através da Bula “Latissimas partire”, até agora <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> seu pastor. Ouvido, pois,<br />

o parecer dos Nossos Veneráveis Irmãos Car<strong>de</strong>ais encarregados dos Negócios Consistoriais<br />

da Santa <strong>Igreja</strong> Romana, pela Nossa Autorida<strong>de</strong> apostólica, elegemos-Te,<br />

dileto filho, <strong>para</strong> Bispo e Pastor da mesma Sé Catedral <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, que constituímos<br />

sufragânea da <strong>Arquidiocese</strong> <strong>de</strong> Curitiba. Entregamos-Te, portanto, o governo e a<br />

administração <strong>de</strong>sta Diocese no que se refere tanto aos assuntos religiosos quanto<br />

aos bens temporais, ao mesmo tempo em que Te conferimos os direitos e as honras,<br />

os ofícios e as obrigações anexas a este digníssimo múnus. Para Tua comodida<strong>de</strong>,<br />

conce<strong>de</strong>mos-Te o direito <strong>de</strong> seres <strong>de</strong>vidamente sagrado fora da Cida<strong>de</strong> Eterna por<br />

<strong>um</strong> Bispo digno, <strong>de</strong> acordo com a Tua preferência, assistido por dois outros, todos<br />

em comunhão com a Sé Romana; a esse venerável Irmão, que <strong>para</strong> isso escolheres,<br />

por estas Nossas Letras, conferimos a <strong>de</strong>legação. Queremos, além disso, que antes da<br />

sagração e da tomada <strong>de</strong> posse da diocese, perante alg<strong>um</strong> Bispo em comunhão com<br />

a Sé Romana, faças a profissão <strong>de</strong> fé católica e o juramento tanto <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> a Nós<br />

e aos Pontífices Romanos quanto contra os erros dos Mo<strong>de</strong>rnistas, <strong>de</strong> acordo com as<br />

fórmulas prescritas; <strong>de</strong>les enviarás com presteza à Sagrada Congregação Consistorial<br />

cópias com assinaturas e carimbos teus e do outro <strong>bispo</strong>. Se não fizeres o juramento<br />

nem emitires a profissão <strong>de</strong> fé, tanto a Tua pessoa quanto o Bispo que Te sagrar incorrerão<br />

ambos nas penas cominadas pelo Direito. Quanto ao benefício que tiveste até<br />

hoje, como Cura da Catedral <strong>de</strong> Ribeirão Preto, or<strong>de</strong>namos, conforme o Direito, seja<br />

tido como vago, <strong>de</strong>vendo ser preenchido por Nós e por esta Sé Apostólica. Dito isto,<br />

dileto filho, fazemos votos a Deus <strong>de</strong> todo o coração <strong>para</strong> que, propício, fecun<strong>de</strong> o<br />

Teu trabalho, Te guar<strong>de</strong> a Ti e aos Teus fiéis. Dado em Roma junto <strong>de</strong> São Pedro, no<br />

dia três <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro do ano do Senhor <strong>de</strong> mil novecentos e cinqüenta e seis, décimo<br />

oitavo do Nosso Pontificado.<br />

Celso Car<strong>de</strong>al Costantini,<br />

Chanceler da Santa <strong>Igreja</strong> Romana<br />

Hamleto Tondini,<br />

Diretor da Chancelaria Apostólica<br />

Alberto Serafini<br />

Protonotário Apostólico<br />

Silvio Sericano<br />

Protonotário Apostólico (PIO XII, 1956b, 1 f.).<br />

3 Bula = escrito solene ou carta aberta provida <strong>de</strong> sinete <strong>de</strong> ch<strong>um</strong>bo, em geral <strong>de</strong> forma redonda, que se pren<strong>de</strong> ao doc<strong>um</strong>ento ou carta<br />

atestando-lhe a autenticida<strong>de</strong>.


Carta 4 Bula do papa Pio XII nomeando mons. Jaime Luiz Coelho primeiro <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> (PIO XII, 1956b, 1 f.).<br />

33<br />

Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>


34<br />

A <strong>Igreja</strong> que brotou da mata<br />

carta ao clero e fiéis da <strong>nova</strong> diocese<br />

PIO Bispo, Servo dos Servos <strong>de</strong> Deus,<br />

aos amados filhos, do clero e do povo da cida<strong>de</strong> e da diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, saudação e<br />

bênção apostólica. Com muita alegria vos comunicamos ter dado hoje à vossa diocese <strong>de</strong><br />

<strong>Maringá</strong>, que criamos pelas Cartas apostólicas “Latissimas partire”, no dia primeiro <strong>de</strong><br />

fevereiro do corrente ano, o seu primeiro Bispo. Ouvidos os Nossos veneráveis Irmãos<br />

Car<strong>de</strong>ais da Santa <strong>Igreja</strong> Romana encarregados dos Negócios Consistoriais <strong>para</strong> reger e<br />

governar aquela Se<strong>de</strong>, por Nossa autorida<strong>de</strong> elegemos Bispo e Pastor o dileto Filho Jaime<br />

Luiz Coelho, até agora Cura da Catedral <strong>de</strong> Ribeirão Preto. Exortamo-vos, Filhos queridos,<br />

a que com piedosa reverência o recebais como vosso Bispo e com sincera obediência<br />

o sigais. Se assim fielmente vos comportar<strong>de</strong>s, não temos dúvida <strong>de</strong> que a novel <strong>Igreja</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> muito rapidamente crescerá, com a ajuda <strong>de</strong> Deus, cheia <strong>de</strong> vigor. Dito isto,<br />

ao Ordinário que até agora rege vossa diocese, recomendamos sejam estas Nossas Letras<br />

lidas publicamente na Catedral logo que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> recebidas, o clero e o povo celebrem<br />

<strong>um</strong> dia festivo <strong>de</strong> preceito. Dado em Roma, junto a São Pedro, no dia três <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> mil novecentos e cinqüenta e seis, décimo oitavo do Nosso Pontificado.<br />

Celso Car<strong>de</strong>al Costantini,<br />

Chanceler da Santa <strong>Igreja</strong> Romana<br />

Hamleto Tondini,<br />

Diretor da Chancelaria Apostólica<br />

Alberto Serafini<br />

Protonotário Apostólico<br />

Silvio Sericano<br />

Protonotário Apostólico (PIO XII, 1956a, 1 f.).<br />

carta a dom manuel da silveira d’elBoux<br />

PIO Bispo, Servo dos Servos <strong>de</strong> Deus,<br />

ao venerável Irmão Arce<strong>bispo</strong> <strong>de</strong> Curitiba, saudação e bênção apostólica. No exercício<br />

<strong>de</strong> Nosso ministério, nomeamos hoje o <strong>bispo</strong> da Sé episcopal <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, que pela<br />

Nossa Carta “Latissimas partire”, criamos no dia 1º <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong>ste ano e submetemos<br />

à tua metrópole como diocese sufragânea. Ouvidos os Nossos veneráveis Irmãos<br />

Car<strong>de</strong>ais da Santa <strong>Igreja</strong> Romana encarregados dos Negócios Consistoriais, com a autorida<strong>de</strong><br />

suprema <strong>de</strong> Nosso ofício nomeamos o dileto Filho Jaime Luiz Coelho, até<br />

agora Cura da igreja catedral <strong>de</strong> Ribeirão Preto. Comunicando-te esta <strong>de</strong>cisão, recomendamos,<br />

venerável Irmão, que recebas este novo Bispo sufragâneo e, com amorosa<br />

solicitu<strong>de</strong>, o aju<strong>de</strong>s sempre que pedir o teu conselho. Na certeza <strong>de</strong> teu atendimento<br />

a este pedido, manifestamos-te Nossa gratidão, formulando votos <strong>de</strong> bênçãos celestes<br />

<strong>para</strong> ti e <strong>para</strong> teus fiéis. Dado em Roma, junto a São Pedro, no dia três <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

mil novecentos e cinqüenta e seis, décimo oitavo do Nosso Pontificado.<br />

Celso Car<strong>de</strong>al Costantini,<br />

Chanceler da Santa <strong>Igreja</strong> Romana<br />

Hamleto Tondini,<br />

Diretor da Chancelaria Apostólica<br />

Alberto Serafini<br />

Protonotário Apostólico<br />

Silvio Sericano<br />

Protonotário Apostólico (PIO XII, 1956c, 1 f.). 4<br />

4 O texto original em latim é conservado em quadro exposto na sala <strong>de</strong> visitas da residência <strong>de</strong> dom Jaime Luiz Coelho.


Carta 5 O papa comunica a dom Manuel da Silveira D’Elboux, então arce<strong>bispo</strong> metropolitano <strong>de</strong> Curitiba, a eleição do<br />

<strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> (PIO XII, 1956c, 1 f.).<br />

35<br />

Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>


36<br />

A <strong>Igreja</strong> que brotou da mata<br />

<strong>de</strong>creto <strong>de</strong> execução da Bula papal<br />

ARMANDO LOMBARDI<br />

por Mercê <strong>de</strong> Deus e da Santa Sé Apostólica<br />

Arce<strong>bispo</strong> Tit. <strong>de</strong> Cesaréia <strong>de</strong> Felipe<br />

Núncio Apostólico no Brasil<br />

N. 7608<br />

O S<strong>um</strong>o Pontífice, por Divina Providência Papa Pio XII, <strong>para</strong> prover com solicitu<strong>de</strong><br />

o bem espiritual dos fiéis cristãos do Norte do Paraná, no Brasil, criou, no dia 1º <strong>de</strong><br />

fevereiro <strong>de</strong> 1956, a diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>.<br />

Cabendo ao Núncio Apostólico do Brasil a execução <strong>de</strong> tudo o que dispõe aquela<br />

Bula, Nós, Armando Lombardi, por mercê <strong>de</strong> Deus e da Sé Apostólica, <strong>bispo</strong> titular <strong>de</strong><br />

Cesaréia <strong>de</strong> Filipe, <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> pôr em prática o mandato pontifício e exercer fielmente<br />

as faculda<strong>de</strong>s a nós concedidas, pelo nosso presente Decreto <strong>de</strong> Execução, <strong>de</strong>cretamos,<br />

estabelecemos e mandamos o seguinte:<br />

Primeiro: Desmembramos e se<strong>para</strong>mos da diocese <strong>de</strong> Jacarezinho todo o território<br />

ocupado pelos municípios en<strong>um</strong>erados na citada Bula Apostólica: <strong>Maringá</strong>, Alto Paraná,<br />

Jandaia do Sul, Mandaguaçu, Mandaguari, Marialva, Nova Esperança, Paranavaí.<br />

Como nestes últimos tempos outros municípios foram criados e <strong>de</strong>les <strong>de</strong>smembrados,<br />

a saber: Bom Sucesso, Cruzeiro do Sul, Floraí, Loanda, Nova Londrina, Paraíso do<br />

Norte, Paranacity, Querência do Norte, Santa Cruz do Monte Castelo, Santa Isabel do<br />

Ivaí, São Carlos do Ivaí, São João do Caiuá, São Jorge, São Pedro do Ivaí, Tamboara,<br />

Terra Rica, também estes e outros municípios que <strong>de</strong>les se <strong>de</strong>smembrem igualmente<br />

<strong>de</strong>smembramos e se<strong>para</strong>mos. Do território completo <strong>de</strong>stes municípios erigimos e <strong>de</strong>claramos<br />

ereta a <strong>nova</strong> diocese chamada <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, cujos limites se <strong>de</strong>finem e circunscrevem<br />

pelos mesmos limites do conjunto dos municípios acima mencionados.<br />

Segundo: Or<strong>de</strong>namos que o <strong>bispo</strong> da diocese estabeleça sua se<strong>de</strong> e domicílio na cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, colocando a cátedra episcopal na igreja da mesma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>dicada a Nossa<br />

Senhora da Glória, que automaticamente elevamos à dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Catedral, conce<strong>de</strong>ndo-lhe<br />

as honras, direitos e privilégios que competem às outras igrejas catedrais.<br />

Terceiro: Estabelecemos também que a diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> seja sufragânea da <strong>Igreja</strong> <strong>de</strong><br />

Curitiba; igualmente, que o <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> permaneça juridicamente subordinado<br />

ao arce<strong>bispo</strong> metropolitano <strong>de</strong> Curitiba.<br />

Quarto: Estabelecemos que, o mais cedo possível, o <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> crie o Cabido<br />

dos Cônegos; enquanto não for possível, em seu lugar, sejam nomeados os Consultores<br />

diocesanos, conforme prescreve o cân. 423 do Código <strong>de</strong> Direito Canônico.<br />

Quinto: A mesa episcopal constará ou dos rendimentos da Cúria, ou <strong>de</strong> outras doações<br />

e ofertas dos fiéis, ou <strong>de</strong> dote oferecido pela cida<strong>de</strong> ou pelo Estado do Paraná,<br />

ou finalmente dos bens que, após a divisão das proprieda<strong>de</strong>s da mesa <strong>de</strong> Jacarezinho,<br />

couberem proporcionalmente à <strong>nova</strong> diocese, segundo o cân. 1500 do CDC.<br />

Sexto: Desejamos e mandamos, sob grave encargo <strong>de</strong> consciência, que o mais breve<br />

possível o <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> construa pelo menos o seminário menor, e <strong>de</strong>le escolha os<br />

melhores jovens <strong>para</strong> enviá-los ao Pontifício Colégio Pio Brasileiro, em Roma, a fim<br />

<strong>de</strong> se formaram nas disciplinas <strong>de</strong> Filosofia e Teologia. Quanto ao seminário maior,<br />

observem-se cuidadosamente as normas exaradas <strong>para</strong> o Brasil.<br />

Sétimo: Ao entrar em vigor este Nosso Decreto <strong>de</strong> Execução, ficam incardinados à<br />

diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> os clérigos que, <strong>de</strong> modo regular e em razão do sagrado ministério,<br />

moram no seu território; pres<strong>um</strong>em-se pertencentes à <strong>nova</strong> diocese os seminaristas<br />

nascidos no seu território, ainda que estu<strong>de</strong>m em outro lugar.<br />

Oitavo: Desejamos, além disso, que, quanto antes, da Cúria <strong>de</strong> Jacarezinho sejam enviados<br />

à diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> todos os doc<strong>um</strong>entos e registros que <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma<br />

digam respeito à <strong>nova</strong> se<strong>de</strong> episcopal, aos seus clérigos, fiéis ou bens temporais.<br />

Nono: Por fim, <strong>de</strong>terminamos e prescrevemos que este Nosso Decreto <strong>de</strong> Execução<br />

passe a vigorar no mesmo instante em que, na igreja Catedral <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> ou em outro<br />

lugar por Nós aprovado, o auditor da Nunciatura Apostólica do Brasil, Reverendíssimo


Senhor Mario Pio Gaspari, por nós legitimamente <strong>de</strong>legado <strong>para</strong> esta função, publicamente<br />

<strong>de</strong>r a conhecer a supracitada bula “Latissimas Partire Ecclesias” ao clero e ao<br />

povo presente. Mandamos ainda que do evento seja lavrada a competente Ata, da qual<br />

duas cópias Nos <strong>de</strong>vem ser enviadas.<br />

Observadas as normas do Direito, revogam-se as disposições em contrário.<br />

Dado na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, na Nunciatura Apostólica, a 25 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong><br />

1957, festa <strong>de</strong> São Matias Apóstolo.<br />

a) +Armando Lombardi<br />

Arce<strong>bispo</strong> <strong>de</strong> Cesaréia <strong>de</strong> Filipe e Núncio Apostólico no Brasil<br />

a) Mario Peressian<br />

Secretário da Nunciatura Apostólica (LOMBARDI, 1957b, 3 f.)<br />

Dias <strong>de</strong>pois daquele histórico 7 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1956, o futuro <strong>bispo</strong> recebeu em casa a visita <strong>de</strong> padre<br />

Germano José Mayer, palotino alemão, responsável pela paróquia Nossa Senhora da Glória, <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, que<br />

seria elevada à condição <strong>de</strong> igreja catedral. Pô<strong>de</strong> enfim apreciar fotos da cida<strong>de</strong> e receber informações sobre a<br />

<strong>nova</strong> <strong>Igreja</strong> que lhe caberia governar. Pela primeira vez, teve o consolo <strong>de</strong> verificar que <strong>Maringá</strong> aparecia em<br />

mapa. Pelo menos naquele, aberto à sua frente, publicado pela Colonizadora Sinop, sediada em <strong>Maringá</strong>, que<br />

padre Germano tivera o cuidado <strong>de</strong> levar consigo.<br />

O recém-eleito tratou logo <strong>de</strong> fazer o retiro espiritual disposto pela sabedoria da <strong>Igreja</strong>, atenta à pre<strong>para</strong>ção<br />

dos candidatos a <strong>nova</strong>s responsabilida<strong>de</strong>s, sempre que estão prestes a ass<strong>um</strong>i-las. Recolheu-se, na vizinha<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Batatais (SP), ao Colégio São José, dirigido por padres claretianos, on<strong>de</strong> tinha estudado no ano <strong>de</strong><br />

1931. Era período <strong>de</strong> férias escolares. Em completo silêncio, isolado <strong>de</strong> tudo e <strong>de</strong> todos, consagrou oito dias<br />

à meditação sobre o encargo que estava prestes a ass<strong>um</strong>ir. Sentia-se confuso, cheio <strong>de</strong> medo.<br />

Hoje ainda, em tom <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, recorda que, ao observar o h<strong>um</strong>il<strong>de</strong> porteiro do colégio, assaltou-o<br />

<strong>um</strong> sentimento estranho, talvez inveja: “Ah, como seria bom se eu fosse aquele porteiro. Não estaria nesta<br />

angústia nem precisaria me preocupar com o futuro. A obrigação <strong>de</strong>le é só aten<strong>de</strong>r a porta”. Noutro dia,<br />

absorto em pensamentos, caminhava pelo pátio quando, à distância, viu <strong>um</strong> cavalo que pastava na maior<br />

tranqüilida<strong>de</strong>. Pensou na vida do animal e comparou-a com a sua <strong>de</strong> padre eleito <strong>bispo</strong>. Veio-lhe à cabeça:<br />

“Que bom se eu fosse aquele cavalo. Não teria que enfrentar o que me espera. Ele, sim, é feliz. Não tem com<br />

que se preocupar”. Depois, arrependido, procurou padre Bento Uriarte, CMF, pedindo-lhe que o ouvisse em<br />

confissão. Queria ser perdoado da inveja que sentira do porteiro e da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser cavalo.<br />

No dia 19 <strong>de</strong>sse mês, <strong>um</strong>a quarta-feira, achava-se no Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>para</strong> entrevista que agendara com o<br />

núncio apostólico. Antes do encontro, entrou na igreja dos capuchinhos, na Tijuca. Pediu ao porteiro alg<strong>um</strong><br />

fra<strong>de</strong> <strong>para</strong> atendê-lo em confissão. – “O senhor prefere <strong>um</strong> padre velho ou novo?” quis saber o aten<strong>de</strong>nte.<br />

– “Não importa, basta que me confesse”. Veio <strong>um</strong> fra<strong>de</strong> velhinho, que lentamente arrastou os pés até o confessionário.<br />

Recorda o primeiro <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>: “Prorrompi n<strong>um</strong> choro incontido e só conseguia dizer:<br />

– Padre, eu fui nomeado <strong>bispo</strong>. Com imensa doçura, o velho fra<strong>de</strong> tentou me consolar: – Meu filho, isso não<br />

é pecado”.<br />

a radical mudança <strong>de</strong> vida<br />

Dado a público o nome do <strong>bispo</strong> da diocese criada a 1º <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1956, sua vida converteu-se<br />

n<strong>um</strong>a azáfama <strong>de</strong> colméia em produção. Os dias seguintes <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram <strong>um</strong>a sucessão <strong>de</strong> providências capaz<br />

<strong>de</strong> tirar o fôlego <strong>de</strong> qualquer mortal. Havia <strong>um</strong>a montanha <strong>de</strong> trabalho a ser vencida em brevíssimo espaço <strong>de</strong><br />

tempo. Menos mal <strong>para</strong> quem – mergulhando nas preocupações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação (sagração, dizia-se na época)<br />

episcopal, carta pastoral a ser escrita, doc<strong>um</strong>entos a serem impressos (a diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> partia da estaca<br />

zero), mudança <strong>para</strong> o Paraná, posse em <strong>Maringá</strong> etc. – não conseguia <strong>para</strong>r <strong>um</strong> minuto <strong>para</strong> analisar os <strong>de</strong>safios<br />

que estavam por vir. O mesmo não acontecia com os familiares. A <strong>de</strong>speito das informações otimistas<br />

<strong>de</strong> padre Germano, as fotos e <strong>de</strong>scrições do lugar só confirmaram os temores sobre a dureza da vida que<br />

aguardava o filho, irmão, tio, cunhado, sobrinho e primo que todos amavam. Evitavam comentar em <strong>de</strong>masia<br />

37<br />

Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>


38<br />

A <strong>Igreja</strong> que brotou da mata<br />

o assunto, mas, no fundo, sofriam por ele e <strong>de</strong>le tinham pena. Também o sentiam paroquianos, conhecidos e<br />

amigos que, entretanto, <strong>de</strong>scobriram criativa maneira <strong>de</strong> amenizar a futura sauda<strong>de</strong>, fazendo chegar ao cura<br />

<strong>um</strong>a mostra do carinho que lhe <strong>de</strong>dicavam. Recorda Alice que “congregados marianos, moços e moças, estudantes<br />

<strong>de</strong> faculda<strong>de</strong> vizinha da casa paroquial, quando passavam na rua, mesmo <strong>de</strong> noite, em coro cantavam<br />

<strong>Maringá</strong>, <strong>Maringá</strong>...”, refrão da melodia composta por Joubert <strong>de</strong> Carvalho, sucesso nacional <strong>de</strong> então,<br />

responsável pelo nome conferido à cida<strong>de</strong> que brotava da floresta norte-<strong>para</strong>naense.<br />

A inesperada transferência do padre mexeu também com a vida da mãe e das irmãs, levando-as a apressar<br />

a aquisição <strong>de</strong> <strong>um</strong> apartamento no edifício Spadoni, em construção no centro da cida<strong>de</strong>. No mês <strong>de</strong> março,<br />

dias antes da posse do novo <strong>bispo</strong> em <strong>Maringá</strong>, as três <strong>de</strong>ixaram a casa paroquial. Não podiam ocupar o apartamento,<br />

ainda em fase <strong>de</strong> conclusão. Acomodaram-se na casa <strong>de</strong> Jupira, outra irmã do <strong>bispo</strong>, cujo casamento<br />

com Paulo Prado ele havia assistido a 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1941, dia seguinte à sua or<strong>de</strong>nação sacerdotal. Após<br />

quinze anos <strong>de</strong> casados, Jupira e Nenzico (apelido <strong>de</strong> Paulo) já tinham os filhos Ana Vera, Paulinho, Eliana e<br />

Cristina, todos crescidos. De repente, a casa passou a acomodar <strong>um</strong>a família <strong>de</strong> nove pessoas, em vez <strong>de</strong> seis.<br />

Só em 15 <strong>de</strong> agosto daquele ano foi entregue o apartamento no Spadoni. Mas as três não se mudaram logo,<br />

porque Jupira não concordava em que <strong>de</strong>ixassem sua residência. Finalmente, a 1º <strong>de</strong> outubro, dona Guilhermina<br />

conseguiu vencer a resistência da filha e se transferiu <strong>para</strong> o apartamento on<strong>de</strong> passaria os últimos 24<br />

anos <strong>de</strong> sua longa existência. “Tenho outros filhos e preciso <strong>de</strong> <strong>um</strong> lugar on<strong>de</strong> recebê-los” foi o arg<strong>um</strong>ento<br />

que a mãe usou, recorda Alice. Apesar <strong>de</strong> fazer questão <strong>de</strong> <strong>um</strong> canto seu <strong>para</strong> acolher os filhos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1957<br />

até sua morte, o Natal ela o passava com o <strong>bispo</strong> em <strong>Maringá</strong>. Aos outros, quando se queixavam, respondia:<br />

“Vocês têm esposo(a), têm filhos. Ele não tem ninguém”. Somente a doença, em raríssimas ocasiões, impediu-a<br />

<strong>de</strong> passar em <strong>Maringá</strong>, com Maria e Alice, as festas <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> ano.<br />

À semelhança <strong>de</strong> Agostinho, <strong>para</strong> quem o amor <strong>de</strong> Mônica se mostrou <strong>de</strong>cisivo na moldagem da têmpera<br />

<strong>de</strong> cristão, <strong>de</strong> <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> Hipona e doutor do Oci<strong>de</strong>nte, também o <strong>bispo</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> recebeu da mãe a<br />

iniciação na fé e o constante acompanhamento em sua vida <strong>de</strong> pastor, <strong>de</strong> mestre e pai da <strong>Igreja</strong> estabelecida em<br />

<strong>Maringá</strong>. Ela chegou n<strong>um</strong> dos muitos monomotores que, no dia anterior à posse, aterrissaram no poeirento<br />

campo <strong>de</strong> aviação, pomposamente chamado aeroporto <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> que, além <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> aeronave,<br />

recebia só os DC3 da VASP ou da Real Aerovias. Surpreen<strong>de</strong>u-se com a multidão que aguardava em terra.<br />

“Será que vai chegar alg<strong>um</strong> político no mesmo horário que a gente?” questionavam as filhas. Mas a recepção<br />

era mesmo <strong>para</strong> elas. Para acolher a mãe do <strong>bispo</strong>, o bom padre Germano tinha convidado todas as senhoras<br />

da paróquia que pu<strong>de</strong>ra contatar. A residência do <strong>bispo</strong> tinha sido pre<strong>para</strong>da com cuidado. Alunas internas<br />

do Colégio Santa Cruz, na companhia <strong>de</strong> irmã Il<strong>um</strong>inada Vandillo Ríos, tinham-se esmerado n<strong>um</strong>a faxina em<br />

regra, fazendo brilhar a <strong>nova</strong> habitação, agora em condições <strong>de</strong> receber o novo e ilustre morador.<br />

Todo o ambiente festivo, entretanto, não se esten<strong>de</strong>u <strong>para</strong> muito além do dia da posse. A áspera realida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> em formação logo se tornou evi<strong>de</strong>nte <strong>para</strong> as assustadas moradoras da Capital do Café,<br />

como era conhecida a Ribeirão Preto da época. Mais tar<strong>de</strong>, Londrina seria chamada Capital Mundial do Café,<br />

<strong>para</strong> acentuar a distinção entre ambas.<br />

Ciente <strong>de</strong> que “quem quer faz, quem não quer manda”, dona Guilhermina não se pôs a choramingar a<br />

falta <strong>de</strong> serviçais encarregadas dos afazeres domésticos <strong>para</strong> a residência episcopal. Ass<strong>um</strong>iu com naturalida<strong>de</strong><br />

as funções <strong>de</strong> dona <strong>de</strong> casa, sem fugir <strong>de</strong> serviço nenh<strong>um</strong> reclamado por <strong>um</strong>a terra em que limpeza não era o<br />

forte. Os mais antigos conservam viva a lembrança do “chora-paulista” (Fig. 1), provi<strong>de</strong>ncial invenção <strong>de</strong>stas<br />

<strong>para</strong>gens. Consistia em <strong>um</strong>a lâmina com o fio voltado <strong>para</strong> cima, fixada em haste <strong>de</strong> ferro on<strong>de</strong> a “vítima”<br />

apoiava as mãos <strong>para</strong> raspar o barro da sola do calçado. Depois <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as horas <strong>de</strong> uso, ac<strong>um</strong>ulava-se embaixo<br />

da lâmina <strong>um</strong>a montanha <strong>de</strong> barro, que secava em pouco tempo e exigia remoção completa, sob pena<br />

<strong>de</strong> anular toda a utilida<strong>de</strong> do limpa-pés. Depois do primeiro uso, <strong>de</strong>volver às roupas claras a cor primitiva<br />

parecia missão impossível. Em se tratando <strong>de</strong> veste branca, aí então era caso perdido: cor original, nunca<br />

mais. Camisa branca <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> se conhecia <strong>de</strong> longe, n<strong>um</strong> simples bater <strong>de</strong> olhos. O branco aqui obtido<br />

no tanque revelava-se diferente <strong>de</strong> qualquer outro do resto do mundo. E máquina <strong>de</strong> lavar era sonho <strong>para</strong><br />

décadas mais tar<strong>de</strong>.<br />

Com invejável disposição <strong>para</strong> seus 67 anos, a mãe do <strong>bispo</strong> encarou as tarefas <strong>de</strong> lavar, passar, cozinhar


Figura 1<br />

“Chora-paulista”, limpa-pés <strong>para</strong> rapar o barro da sola dos calçados.<br />

Normalmente a base era apenas <strong>um</strong>a lâmina estreita.<br />

e fazer faxina. Durante o primeiro mês <strong>de</strong>pois da posse, ainda contou com a ajuda <strong>de</strong> Alice e Odila (Ângela<br />

também ficou) e <strong>de</strong> Fátima Biagini, cunhada <strong>de</strong> Odila. Após o retorno <strong>de</strong>las <strong>para</strong> Ribeirão Preto, com o<br />

auxílio do garoto José Carlos Pires <strong>de</strong> Paula, mais tar<strong>de</strong> seminarista, que vinha <strong>de</strong>pois da aula, ainda por três<br />

meses a mãe comandou os serviços domésticos na casa que nem remotamente lembrava os paços episcopais <strong>de</strong><br />

então. Era <strong>um</strong>a construção baixa <strong>de</strong> alvenaria na rua Lopes Trovão, quase esquina com avenida Curitiba, sem<br />

luxo e com espaço <strong>para</strong> o estritamente necessário. Abrigava ainda <strong>um</strong>a saleta pegada ao escritório do <strong>bispo</strong>,<br />

que levava o solene apelido <strong>de</strong> cúria diocesana. Mais tar<strong>de</strong>, fez-se necessária a construção, na garagem, <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

anexo <strong>para</strong>, ainda que precariamente, acomodar a cúria.<br />

Por influência do linguajar dos netos, muitos dos quais <strong>para</strong> <strong>Maringá</strong> se <strong>de</strong>slocavam durante as férias,<br />

dona Guilhermina acabou transformando-se na “vó” <strong>de</strong> padres, <strong>de</strong> seminaristas e <strong>de</strong> quantos partilhavam a<br />

casa. Porque dom Jaime <strong>de</strong>u início em <strong>Maringá</strong> a <strong>um</strong> jeito <strong>de</strong> ser <strong>bispo</strong> que ninguém tinha visto antes. Derrubava<br />

barreiras, encurtava distâncias, levava qualquer pessoa a sentir-se acolhida, valorizada, importante. Com<br />

simplicida<strong>de</strong>, colocava-se à altura do outro, <strong>de</strong>spertando-lhe confiança <strong>para</strong> <strong>um</strong>a aproximação sem medo. Era<br />

o avesso do que, muitas vezes, até <strong>de</strong> forma constrangida, se viam forçados a pôr em prática os <strong>bispo</strong>s daquele<br />

tempo. Presos a <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>Igreja</strong> <strong>de</strong> corte piramidal, encastelavam-se n<strong>um</strong>a redoma <strong>de</strong> distanciamento<br />

do seu clero e, particularmente, dos seus diocesanos, o que lhes reservava, por conseqüência, em muitos casos,<br />

a enervante solidão da autorida<strong>de</strong> mais temida que amada. Não raro, a atuação do <strong>bispo</strong> i<strong>de</strong>ntificava-se com<br />

o exercício <strong>de</strong> <strong>um</strong> po<strong>de</strong>r absoluto e discricional. Havia, por certo, quem justificasse tal interpretação. Outros,<br />

ao contrário, faziam <strong>de</strong> tudo <strong>para</strong> romper o círculo <strong>de</strong> isolamento criado pelo cargo. Mas nem <strong>de</strong>les <strong>de</strong>pendia<br />

modificar por inteiro o quadro. Não se mudam da noite <strong>para</strong> o dia cost<strong>um</strong>es sedimentados pelo gotejar <strong>de</strong><br />

séculos. Assim, ao <strong>bispo</strong> estava geralmente <strong>de</strong>stinada a sorte do pássaro em gaiola <strong>de</strong> ouro. O próprio dom<br />

Jaime confessa ter ouvido <strong>de</strong> dom Mousinho, logo após sua eleição: “Po<strong>de</strong> ir-se acost<strong>um</strong>ando com a solidão<br />

da vida <strong>de</strong> <strong>bispo</strong>. A partir <strong>de</strong> agora, será ela a sua companheira”.<br />

Em postura revolucionária <strong>para</strong> a época, o <strong>jovem</strong> <strong>bispo</strong> mostrou in<strong>de</strong>pendência frente aos cânones<br />

ditados pela praxe <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>Igreja</strong> pré-conciliar e fielmente observados pela maioria. Des<strong>de</strong> o primeiro momento,<br />

ass<strong>um</strong>iu o volante <strong>de</strong> seu próprio veículo, <strong>um</strong>a “perua” Willys adaptada a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> jipe, o bravo<br />

39<br />

Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>


40<br />

A <strong>Igreja</strong> que brotou da mata<br />

utilitário capaz <strong>de</strong> rasgar barreiros e areões <strong>de</strong>ste bravio Norte do Paraná. Era impensável então <strong>um</strong> <strong>bispo</strong> sem<br />

motorista particular. Também não logrou contar com vigário geral, chanceler, secretário, sequer com officeboy.<br />

Acost<strong>um</strong>ados com o que acompanharam por décadas, os maringaenses acabaram por julgar a coisa mais<br />

natural do mundo dar <strong>de</strong> cara com o <strong>bispo</strong> no correio, no banco, na farmácia, na rua... De início, <strong>de</strong>notavam<br />

alg<strong>um</strong>a surpresa. Com o tempo, a reação foi passando a observações do tipo “oi, dom Jaime, bom dia, o senhor<br />

por aqui?”. Por fim, a c<strong>um</strong>primento rotineiro <strong>de</strong> pessoas acost<strong>um</strong>adas a cruzarem em qualquer ponto.<br />

Nesse contexto <strong>de</strong> relacionamento, novo <strong>para</strong> os padrões do tempo, padres e seminaristas eram incentivados<br />

– embora nem se fizesse necessário – a sentir como sua a casa do <strong>bispo</strong>. Ninguém marcava hora nem avisava<br />

com antecedência. Ia entrando pela porta que encontrasse aberta e se encaminhava ao escritório. Quando<br />

em casa, era ali, <strong>de</strong>bruçado sobre a mesa <strong>de</strong> trabalho, que invariavelmente ele se achava. Com naturalida<strong>de</strong>,<br />

erguia os olhos e, n<strong>um</strong> sorriso <strong>de</strong> boas vindas, acolhia o recém-chegado. Nenh<strong>um</strong>a estranheza pela entrada <strong>de</strong><br />

quem – ele fazia questão <strong>de</strong> registrar com insistência – era visto como <strong>de</strong> casa.<br />

Em perfeita consonância com isso, nos períodos por vezes longos <strong>de</strong> permanência em <strong>Maringá</strong>, a “vó”<br />

instintivamente ass<strong>um</strong>ia o papel <strong>de</strong> “mãezona”, irradiando sobre todos à sua volta, em especial padres e seminaristas,<br />

o amistoso clima <strong>de</strong> família unida. Não há como silenciar a importância <strong>de</strong>ssa mulher vigorosa,<br />

sobretudo naqueles anos <strong>de</strong> poeira e barro, <strong>de</strong> mato ainda presente em todos os cantos, <strong>de</strong> nenh<strong>um</strong> conforto,<br />

<strong>de</strong> solidão e, por vezes, <strong>de</strong> carência até do necessário. A ela, sem favorecimento, justifica aplicar-se o poema<br />

da mulher forte, que encerra o Livro dos Provérbios (PROVÉRBIOS 31, 10-31).<br />

Depois <strong>de</strong> permanecer em <strong>Maringá</strong> por quatro meses, a 31 <strong>de</strong> julho, foi conduzida pelo filho <strong>de</strong> volta a<br />

Ribeirão, triste por <strong>de</strong>ixá-lo no que consi<strong>de</strong>rava <strong>um</strong> ambiente adverso, quiçá perigoso.<br />

Um episódio trágico veio plantar mais incerteza, verda<strong>de</strong>ira angústia no seu coração. O país inteiro<br />

foi tomado <strong>de</strong> horror pelo que divulgaram as agências noticiosas naquele início <strong>de</strong> julho. No dia primeiro,<br />

o pároco <strong>de</strong> Quipapá (PE), padre Hosaná <strong>de</strong> Siqueira e Silva, dirigiu-se ao palácio episcopal <strong>de</strong> Garanhuns,<br />

se<strong>de</strong> da diocese, e bateu à porta. Atendido pelo <strong>bispo</strong>, dom Francisco Expedito Lopes, após discutir com<br />

ele, disparou-lhe três tiros à queima-roupa e fugiu, entregando-se aos monges do Mosteiro <strong>de</strong> São Bento.<br />

Conduzido às pressas <strong>para</strong> o hospital, dom Expedito veio a falecer na manhã seguinte. Consternação geral<br />

espalhou-se pelo Brasil e pelo mundo católico. Posteriormente se soube que o padre fora suspenso pelo <strong>bispo</strong>,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se recusar a afastar da casa paroquial sua prima Maria José Martins com quem tudo indicava manter<br />

<strong>um</strong> caso amoroso.<br />

Prestes a voltar <strong>para</strong> casa, apavorada, a “vó” recomendava insistentemente ao filho: “Não brigue com<br />

os seus padres”. Devia consi<strong>de</strong>rar não <strong>de</strong> todo impossível a repetição por aqui do que acabara <strong>de</strong> ocorrer no<br />

interior <strong>de</strong> Pernambuco. Garanhuns ela não conhecia, mas <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong> tinha experiência, após quatro meses<br />

que aqui passara. Ia embora, mas <strong>de</strong>ixava o filho, pesarosa com a guinada <strong>de</strong> cento e oitenta graus que a vida<br />

familiar tinha sofrido.<br />

É verda<strong>de</strong> que outros enfrentavam idênticas agruras. Com a diferença, porém, <strong>de</strong> que tinham abraçado<br />

<strong>Maringá</strong> por escolha própria, na esperança <strong>de</strong> fortuna ou <strong>de</strong> <strong>nova</strong>s oportunida<strong>de</strong>s negadas em outras bandas.<br />

Seu filho, ao contrário, largara o h<strong>um</strong>ano sucesso <strong>para</strong> abraçar o duro encargo <strong>de</strong> implantar a <strong>Igreja</strong> n<strong>um</strong>a<br />

área carente <strong>de</strong> tudo. Por sólidas que fossem sua fé e entrega nas mãos da Providência, mãe nenh<strong>um</strong>a em tal<br />

condição passaria incól<strong>um</strong>e à dor do distanciamento. Era o que sofria a “vó” na hora <strong>de</strong> voltar à sua terra e<br />

ambiente <strong>de</strong> origem.


promessa<br />

O que ninguém escreveu<br />

Primeiro ano <strong>de</strong> bispado da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>, 1957. Tempo <strong>de</strong> muita<br />

chuva e <strong>de</strong> geadas históricas, que se repetiam com impressionante regularida<strong>de</strong>.<br />

Para as incipientes lavouras <strong>de</strong> café não havia praga maior. O novo<br />

<strong>bispo</strong> pe<strong>de</strong> aos fiéis que aju<strong>de</strong>m na construção do seminário e da catedral.<br />

Faz <strong>um</strong>a promessa: “Se vocês me ajudarem, eu prometo cinco anos sem<br />

geada”. Muitos comentam que é loucura. Era viva a lembrança <strong>de</strong> 1953<br />

e 1955. Chega o inverno e, com ele, o pavor. Dia 20 <strong>de</strong> julho, após <strong>um</strong>a<br />

semana <strong>de</strong> chuva, o tempo limpa <strong>de</strong> repente. Vem a noite. A temperatura<br />

começa a cair sem <strong>para</strong>r. O céu é <strong>um</strong>a redoma azul, on<strong>de</strong> faíscam estrelas<br />

<strong>de</strong> intenso brilho. Cresce a angústia. À meia-noite, <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> pessoas<br />

bate à porta <strong>de</strong> padre Germano José Mayer: “Padre, abra a igreja. Precisamos<br />

rezar pra não vir geada”. A oração entra pela fria madrugada. Ninguém<br />

arreda pé. Quando amanhece, <strong>de</strong> coração na mão, vão todos espiar<br />

lá fora. Forte cerração encobre a vista. Quando se dissipa, o alívio. Em vez<br />

do manto branco da morte, o mesmo ver<strong>de</strong> <strong>de</strong> encher os olhos. Como no<br />

dia anterior. Milagre ou não, coragem ou loucura do <strong>bispo</strong>, só voltou a<br />

gear <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1962.<br />

segurança<br />

Primeira visita a Paranacity, dia 23 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1957. Havia praticamente<br />

só a rua central, leito da estrada <strong>para</strong> Presi<strong>de</strong>nte Pru<strong>de</strong>nte, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>scida<br />

que dava no areão lá embaixo, antes da subida do outro lado. A igrejinha<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ficava afastada, à esquerda, na parte baixa. <strong>Uma</strong> multidão<br />

se junta, no campo <strong>de</strong> aviação, <strong>para</strong> recepcionar o visitante. Forma-se o<br />

cortejo, que se move pela rua <strong>de</strong> terra. Lá atrás, caminha a gran<strong>de</strong> atração<br />

<strong>para</strong> muitos que nunca tinham visto <strong>um</strong> <strong>bispo</strong> assim <strong>de</strong> pertinho. Querem<br />

aproximar-se, tocá-lo, beijar-lhe o anel. Os responsáveis esforçam-se por<br />

manter a or<strong>de</strong>m. Ensaiam <strong>um</strong> cordão <strong>de</strong> isolamento ao seu redor, tentando<br />

protegê-lo do assédio. Não dá muito resultado. <strong>Uma</strong> senhora tenta, <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> lado e <strong>de</strong> outro, furar o cerco. O povo se atropela, a poeira levanta,<br />

o calor sufoca. Alidi Ropelato, corpulento e suado, já cansou <strong>de</strong> pedir,<br />

repetidas vezes, que ela espere até chegar à igreja. A mulher não <strong>de</strong>siste.<br />

Até que, per<strong>de</strong>ndo a paciência, ele explo<strong>de</strong>: “Ô dona, vá amolar o <strong>bispo</strong>”.<br />

Episódios pitorescos vividos por nossos padres<br />

dos primeiros tempos, alguns já chamados à casa do Pai.<br />

41<br />

Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>


42<br />

A <strong>Igreja</strong> que brotou da mata<br />

rito<br />

N<strong>um</strong>a <strong>de</strong> suas primeiras visitas pastorais, o novo <strong>bispo</strong> crismava lá<br />

<strong>para</strong> as bandas do rio Paraná. Ou, segundo outros, na capela da Vila Silva<br />

Jardim, em Paranacity, na mesma visita do episódio acima. On<strong>de</strong> quer<br />

que tenha acontecido, havia gente que não acabava mais, e o calor era<br />

insuportável. Na época, em vez do leve toque no rosto, dom Jaime cost<strong>um</strong>ava<br />

agraciar o crismando adulto com <strong>um</strong> sonoro tabefe, que obrigava os<br />

vizinhos a tentar, muitas vezes inutilmente, conter o riso. Nessa ocasião,<br />

ao se aproximar <strong>de</strong> <strong>um</strong> nor<strong>de</strong>stino forte, o povo em volta se assanha. O<br />

homem fecha a cara, incomodado por se perceber alvo da atenção geral.<br />

Desferido o tapa, o recém-crismado saca <strong>um</strong>a peixeira e ameaça: “Ainda<br />

não nasceu homem <strong>para</strong> me bater na cara”. O pessoal em volta fica gelado.<br />

Ninguém imaginava reação <strong>de</strong> tal calibre. Intervém, assustada, a turma do<br />

<strong>de</strong>ixa-disso. Foi <strong>um</strong> custo convencer o homem <strong>de</strong> que o estranho rito fazia<br />

parte da celebração litúrgica.<br />

valentia<br />

Dom Jaime encontra-se com o prefeito Américo Dias Ferraz (1957-<br />

1961) a caminho <strong>de</strong> reunião que o alcai<strong>de</strong> estava <strong>para</strong> fazer com os vereadores<br />

na Câmara Municipal. Com a confiança que tem no amigo, Américo<br />

mostra-lhe dois revólveres: “Vou colocar em cima da mesa <strong>para</strong> discutir<br />

com eles. Quero ver quem vai ter peito <strong>de</strong> me enfrentar”. O <strong>bispo</strong> pe<strong>de</strong><br />

que lhe entregue as armas e vá <strong>de</strong> mãos limpas. Insiste, mas nada consegue.<br />

O prefeito é osso duro <strong>de</strong> roer. Mineiro matuto e turrão, pouco lhe<br />

importa agradar ou não as pessoas. Cultiva, por isso, inimiza<strong>de</strong>s ferozes.<br />

Pioneiros recordam a surra <strong>de</strong> “guaiaca” que, n<strong>um</strong>a barbearia, levou <strong>de</strong><br />

Aníbal Goulart Maia acompanhado <strong>de</strong> dois jagunços. Ou <strong>de</strong> “guasca”,<br />

dada por <strong>de</strong>sconhecidos, a mando <strong>de</strong> Aníbal, segundo outra versão. Por<br />

vingança, <strong>um</strong>a turba ensan<strong>de</strong>cida ateou fogo à casa do <strong>de</strong>safeto. Para <strong>de</strong>sespero<br />

da esposa, Dirce <strong>de</strong> Aguiar Maia, primeira professora <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong><br />

e finíssima dama, móveis, doc<strong>um</strong>entos, roupas, livros, obras <strong>de</strong> valor, até<br />

os presentes das crianças comprados <strong>para</strong> o Natal que se aproximava −<br />

tudo foi cons<strong>um</strong>ido, n<strong>um</strong> incalculável prejuízo à família. Episódios <strong>de</strong>ssa<br />

natureza <strong>de</strong>ixavam angustiada a pobre mãe do <strong>bispo</strong> ao <strong>de</strong>scobrir em que<br />

mundo o filho agora vivia.<br />

visita<br />

A paróquia <strong>de</strong> Paranavaí era administrada por fra<strong>de</strong>s carmelitas alemães.<br />

Acost<strong>um</strong>ados com dom Sigaud residindo na longínqua Jacarezinho,<br />

gozavam <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> autonomia que a proximida<strong>de</strong> do <strong>bispo</strong> certamente<br />

faria mudar. Por isso, a criação <strong>de</strong> bispado em <strong>Maringá</strong> não lhes trouxe<br />

especial contentamento Des<strong>de</strong> a primeira visita a Paranavaí, dom Jaime<br />

não se sentiu exatamente bem-vindo. Deixou registrado que, entre todas,<br />

esta foi a paróquia que lhe causou maiores aborrecimentos, acrescentando:<br />

“Os fra<strong>de</strong>s, com freqüência, conversam em alemão n<strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo, quem


sabe, <strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r ao <strong>bispo</strong> alg<strong>um</strong> assunto ou comentário” (DIOCESE DE<br />

MARINGÁ, 1957a, f. 68). Não era apenas impressão. Consta que após a<br />

visita, frei Ulrico Goewert, com muita franqueza, teria comentado: “Xente<br />

gôsta muito quando <strong>bispo</strong> vem. Gôsta mais quando <strong>bispo</strong> vai embôrra”.<br />

aniversário<br />

Recém-chegado do Japão, padre Miguel Yoshimi Kimura morou, no<br />

começo, em casa <strong>de</strong> dom Jaime. Sua primeira preocupação foi apren<strong>de</strong>r<br />

a difícil língua do novo país. Por alg<strong>um</strong> tempo, também padre Francisco<br />

Javier Peregrina López, mais tar<strong>de</strong> vigário <strong>de</strong> Nova Esperança, morou na<br />

casa do <strong>bispo</strong>. Pân<strong>de</strong>go, divertia-se ensinando palavras erradas ao pobre<br />

Kimura. N<strong>um</strong> dos aniversários do <strong>bispo</strong>, foi-lhe pre<strong>para</strong>da <strong>um</strong>a festinha no<br />

auditório da Rádio Cultura. Além do salão amarelo do Gran<strong>de</strong> Hotel, era<br />

dos poucos ambientes disponíveis em <strong>Maringá</strong> <strong>para</strong> eventos sociais, artísticos<br />

ou culturais. O apresentador foi professor José Hiran Salée, que ainda<br />

tocou flauta e dirigiu <strong>um</strong> coralzinho <strong>de</strong> alunos seus. Ao piano, responsável<br />

pela parte musical, maestro Aniceto Matti. Presentes os casais Tita-Alfredo<br />

Maluf, Elvira-Durval dos Santos e outros. López pe<strong>de</strong> ao apresentador<br />

<strong>um</strong> espaço <strong>para</strong> Kimura, explicando que ele fará <strong>um</strong>a homenagem a dom<br />

Jaime <strong>de</strong>clamando <strong>um</strong>a quadrinha, <strong>de</strong>corada com dificulda<strong>de</strong> por causa da<br />

língua. Com o respeitoso silêncio da platéia, o “orador” recita algo assim:<br />

“Dom Jaime: Desejo <strong>para</strong> o senhor / As qualida<strong>de</strong>s do bo<strong>de</strong>: / Além do<br />

forte fedor, / Cabelo, barba e bigo<strong>de</strong>”.<br />

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Os 50 anos da Diocese <strong>de</strong> <strong>Maringá</strong>

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