CORPOS ASSEADOS, A PESTE MORA AO LADO ... - Itaporanga.net

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nos corpos desmembrados, anoréxicos, atléticos, dissecados, e nos corpos dos santos e dos pecadores. Os historiadores do corpo já dedicaram livros à história da limpeza dos corpos, da dança, dos exercícios, da tatuagem, do gesto (BURKE, 2008, p. 95). A história da medicina foi à precursora da história do corpo, já que os historiadores, ao discutirem doenças, por exemplo, tinham como um espaço de análise o corpo, pois é neste que a doença faz morada. Os historiadores da arte e da literatura, logo depois, passaram a reivindicar para si o corpo enquanto um campo frutífero, o mesmo ocorrendo com os antropólogos e sociólogos. Dessa forma, os historiadores da Nova História Cultural, como Mikhail Bakhtin e Norbert Elias, focalizaram o corpo em seus diversos trabalhos, fazendo com que essa temática apareça como um novo campo histórico de investigação. O primeiro, com a obra Rabelais and His World, de 1971, que apresenta modelos influentes do corpo encarado como um foco para a resistência e as críticas populares dos significados oficiais, “buscou linguagens próprias da antropologia cultural para a discussão dos significados simbólicos do corpo” (PORTER, 1992, p. 293). Já em Cultura popular na Idade Média e no Renascimento, obra publicada em 1965, o autor problematiza conceitos básicos empregados por Rabelais, como carnavalização, destronar, linguagem do mercado, realismo grotesco, dentre outros. Neste trabalho sobre o carnaval e os rituais de dessacralização, o autor busca entender como a expressão de muitas vozes diferentes, masculinas e femininas, altas e baixas, e os gestos corporais apresentam o corpo. A história escrita por Mikhail Bakhtin sugere uma “explicação mais profunda sobre a discussão de corpo, suas obras têm muito a dizer sobre os corpos grotescos e, especialmente, sobre o que o autor descreveu como o estrato do inferior” (BURKE, 2008, p. 71). Norbert Elias, em O processo civilizador (1994), lançado em 1939, aborda a pressão social pelo autocontrole, onde as fronteiras entre a vergonha e a repugnância foram se estreitando de forma gradual nos séculos XVII E XVIII, excluindo da sociedade educada um número cada vez maior de comportamento. É sem dúvidas uma obra de temática gestual, enfatizando a corte e a mesa de jantar. Estes estudos podem
ser descritos como uma tentativa de reivindicar outros territórios para a história. No caso do Norbert Elias, o gesto é um exemplo claro desses novos espaços. Percebemos na análise de O processo civilizador (1994) que o corpo se comunica por meio da gestualidade, das atitudes, que denunciam em que momento histórico ele foi realizado, assim, também, a indumentária que cobre o corpo possui grande valor de comunicação. Na história que versa sobre o autocontrole de Norbert Elias observamos de forma implícita, se não explícita, uma preocupação com o corpo. Faz-se importante mencionar outro trabalho no campo dos gestos corporais, é o caso do estudo sobre o gesto na Idade Média realizado por Jacques Le Goff e Jean- Claude Schimitt. Este último, de posse de um corpus documental, composto por uma série de textos e imagens, viabilizou a reconstrução de gestos religiosos, como rezar, os gestos feudais, como armar um cavaleiro ou prestar homenagem a um senhor; ele argumenta que rezar com as mãos postas (e não com os braços abertos) e também se ajoelhar para rezar eram transferências para o domínio religioso do gesto feudal de homenagem, ajoelhar-se diante d senhor e colocar as mãos entre as dele (BURKE, 2008, p. 95). Diversos outros trabalhos também se empenharam em pesquisar o corpo 3 , não só na história, mas também em várias outras disciplinas. O próprio Roy Poter, ao discutir a história do corpo, afirma que a “rápida ascensão do interesse pela temática foi encorajada pela disseminação da aids e pela vulgarização do corpo moderno nos anos 1980” (POTER, 1992, p. 292). Feita a ressalva, retomemos as medidas de indicação no combate a peste bubônica. Se em sua maioria o corpo deve ser protegido do invasor, são as mulheres que terão a maior responsabilidade por essa tarefa. Sabemos que nos primeiros anos do século XX, são elas, as donas de casa, que respondem pelos cuidados de seus maridos e filhos. 3 Outros estudos sobre a história do corpo também desafiam suposições tradicionais, é o caso do livro de Peter Brawn The Bady and Society (1988), que ajudou a solapar a visão convencional do ódio cristão ao corpo. O mesmo foi feito por Holy Feast and Holy Fast (1987), de Caroline Bynum, como exemplo de história das mulheres, mas igualmente importante por sua discussão sobre o corpo e o alimento como meio de comunicação.
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