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Multilateralismo e ações afirmativas - CNBB

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<strong>Multilateralismo</strong> e <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong><br />

EDSON SANTOS<br />

O BRASIL está honrado por sua participação na Conferência de Revisão da 3ª<br />

Conferência das N<strong>ações</strong> Unidas contra o Racismo, realizada em Genebra, na Suíça.<br />

Nossa delegação, formada por representantes governamentais e da sociedade civil, ficou<br />

satisfeita por ter contribuído na redação de um documento forte, porém equilibrado, que<br />

trouxe avanços em relação à terceira conferência, realizada em Durban, na África do<br />

Sul, em 2001.<br />

O documento de Genebra não singulariza qualquer país, trata de forma adequada as<br />

tragédias do passado, condena a islamofobia, o antissemitismo e outras formas de<br />

intolerância e coloca no centro do debate as vítimas do racismo e da discriminação.<br />

Entre as conquistas, tivemos o destaque conferido à aplicação de políticas de ação<br />

afirmativa, a abertura para a discussão de temas ligados à orientação sexual e a<br />

importância do combate à intolerância religiosa.<br />

Mais do que qualquer nação, o multilateralismo foi o verdadeiro vencedor da<br />

conferência. E o Brasil, com base no consenso alcançado, poderá aprofundar e<br />

diversificar as políticas públicas de promoção da igualdade racial, inclusive no campo<br />

externo. Ganhou impulso, por exemplo, o Plano de Ação Conjunta Brasil-Estados<br />

Unidos de Combate ao Racismo.<br />

Em reunião realizada na última semana, em Washington (EUA), foram aprofundados os<br />

eixos centrais da cooperação entre os dois países, entre os quais estão educação<br />

multirracial, preservação da memória e acesso à justiça e ao crédito.<br />

No plano interno, vamos seguir em nossa luta cotidiana pela construção do Plano<br />

Nacional de Igualdade Racial, que se traduz em diretrizes para a aprovação da Lei<br />

Orçamentária. No Congresso, vamos continuar o diálogo sobre os projetos de lei que<br />

criam o Estatuto da Igualdade Racial e o sistema de cotas raciais para o acesso às<br />

universidades públicas.<br />

Temos consciência de que a aplicação das <strong>ações</strong> <strong>afirmativas</strong> no Brasil é uma questão<br />

ainda distante do consenso. A garantia dos direitos das comunidades quilombolas e a<br />

política de cotas raciais nas universidades, para ficar em dois exemplos, afetam<br />

diretamente setores que não querem dividir com mais ninguém o acesso à terra, ao saber<br />

e às benesses de nosso desenvolvimento. As <strong>ações</strong> impetradas na Justiça pelo partido<br />

Democratas contra o sistema de cotas e a titulação das terras quilombolas são uma prova<br />

disso.<br />

Curiosamente, os membros desse mesmo partido, que fez parte da coalizão que<br />

sustentava o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, nunca se<br />

pronunciaram contra o decreto que, no apagar das luzes daquela administração, criou<br />

cotas de 20% para negros no serviço público federal. Hoje, esse segmento político, com<br />

aliados em outros partidos e na mídia, desconsidera a enorme dívida do Estado e da


sociedade brasileira em relação ao segmento negro da população. Preveem, em<br />

exercícios de futurologia, que as cotas vão acirrar o conflito racial em nosso país.<br />

No entanto, o projeto de lei que estabelece a política de cotas atende a uma realidade já<br />

consagrada, a partir da autonomia universitária, em 23 universidades federais, 25<br />

universidades estaduais e três centros federais de educação tecnológica. A aprovação do<br />

sistema de forma espontânea a partir dos conselhos universitários comprova a aceitação<br />

da medida no seio da sociedade.<br />

Nenhum incidente envolvendo ódio racial foi registrado nessas instituições. Pelo<br />

contrário, seis anos após a adoção pioneira dessa política na Uerj (Universidade do<br />

Estado do Rio de Janeiro) e na UnB (Universidade de Brasília), podemos afirmar que a<br />

medida foi bem recebida no ambiente acadêmico, principalmente graças à abertura e à<br />

generosidade da juventude brasileira.<br />

As políticas de ação afirmativa devem passar ao largo da discussão político-ideológica,<br />

ao contrário do que quis fazer crer um pré-candidato à Presidência da República, em<br />

artigo publicado recentemente nesta Folha. É, na verdade, uma questão de reparação<br />

histórica, que deve ser consolidada enquanto política permanente do Estado brasileiro<br />

até que tenhamos uma sociedade com rel<strong>ações</strong> étnicas mais equilibradas. O que<br />

significa igualdade de oportunidades para todos. Para tanto, é preciso tratar os desiguais<br />

de forma desigual, elevando os desfavorecidos ao mesmo patamar de partida dos<br />

demais.<br />

EDSON SANTOS , 54, deputado federal pelo PT-RJ (licenciado), é o ministro da Secretaria Especial de<br />

Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República.<br />

Ações <strong>afirmativas</strong><br />

TARGINO DE ARAÚJO FILHO e PETRONILHA BEATRIZ GONÇALVES E<br />

SILVA<br />

EM SEUS 39 anos de existência, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) tem<br />

estabelecido metas com vistas a orientar seus talentos e suas potencialidades para a<br />

construção de qualidade acadêmica aliada a compromisso social. Esse compromisso<br />

social que a instituição se atribui tem feito com que integrantes seus, oriundos de grupos<br />

que a sociedade historicamente marginaliza, busquem compreender e apoiar demandas e<br />

iniciativas de movimentos e <strong>ações</strong> sociais.<br />

Como universidade pública, a UFSCar busca ter representada a diversidade social e<br />

étnico-racial da sociedade, e não apenas atender grupos que detêm historicamente o<br />

poder econômico, usufruem dos instrumentos mais sofisticados para se educarem,<br />

selecionam as inform<strong>ações</strong> a serem divulgadas pelos meios de comunicação e criam<br />

estratégias para excluir cidadãos que não pertencem a seus grupos. Dessa forma, tais


grupos mantêm desigualdades e emperram iniciativas para que todos sejam iguais em<br />

direitos.<br />

Em dezembro de 2006, os conselhos Universitário e de Ensino, Pesquisa e Extensão<br />

aprovaram o Programa de Ações Afirmativas (PAA) da UFSCar. A aprovação ocorreu<br />

após debates e estudos pela comunidade acadêmica, iniciados em 2005. O PAA<br />

operacionaliza o previsto no Plano de Desenvolvimento Institucional da UFSCar, com a<br />

finalidade de promover o acesso ao ensino superior de grupos que têm sofrido perdas<br />

provocadas por discrimin<strong>ações</strong>, marginalização, desigualdades.<br />

Ao adotar o ingresso por reserva de vagas para egressos do ensino médio público e,<br />

dentre estes, para negros (pretos e pardos) e indígenas, a UFSCar busca coerência com<br />

sua missão de instituição pública. A reserva de vagas para negros, que vem causando<br />

tanta indignação da parte de alguns, foi adotada pela UFSCar com a finalidade de<br />

corrigir desigualdades que têm mantido os negros marginalizados dos direitos devidos a<br />

todos os cidadãos, entre eles o de educação em todos os níveis de ensino.<br />

E por que reparação? Estudos divulgados a partir de 2001, notadamente pelo Ipea,<br />

mostram constante defasagem de escolaridade, ao longo dos séculos 20 e 21, entre<br />

homens e mulheres negros e brancos, com acentuada desvantagem para os negros. Além<br />

disso, no século 20, coube principalmente às famílias negras e ao movimento negro<br />

criar oportunidades de educação para suas crianças, adolescentes, jovens e adultos.<br />

Julgamentos precipitados, rel<strong>ações</strong> étnico-raciais muito tensas, atitudes geradas por<br />

racismo e falsa convivência cordial impedem medidas para a real democratização da<br />

educação. É importante salientar que se classificar preto ou pardo, no Brasil, é escolha<br />

política, uma vez que ser, parecer e dizer-se branco pode trazer reconhecimento,<br />

acolhimento fácil em muitas instâncias da sociedade. Diante desse quadro, a portaria<br />

que dispõe sobre a implantação do ingresso por reserva de vagas na UFSCar institui<br />

como forma de identificação de cor/raça (preto ou pardo) a autoidentificação. No caso<br />

de contestação, solicita-se ao candidato que apresente documento próprio, dotado de fé<br />

pública, que faça alusão à sua cor/raça preta ou parda, ou que apresente documento de<br />

um de seus ascendentes diretos (pai ou mãe) em que conste ser, ele, preto ou pardo.<br />

Cabe esclarecer que raça, na categoria cor/raça, não se refere, é claro, a um conceito<br />

biológico -este, aliás, desde há muito superado. Está se referindo à construção social de<br />

raça que, por meio de atitudes agressivas, desqualifica pessoas negras. Mas também se<br />

refere à afirmação do pertencimento étnico-racial que permite às pessoas negras<br />

enfrentar as consequências do racismo.<br />

É bom lembrar que, no cotidiano, o termo raça é utilizado para indicar características<br />

físicas -entre outras, cor da pele, tipo de cabelo, feições do rosto. A utilização<br />

estereotipada do termo influencia, interfere e até mesmo determina o lugar social dos<br />

sujeitos no Brasil.<br />

É importante, para concluir, destacar que, ao final do primeiro ano de implantação da<br />

reserva de vagas na UFSCar, constatou-se, por meio de análises estatísticas rigorosas,<br />

que o rendimento acadêmico dos ingressantes pela reserva de vagas foi igual ao dos<br />

demais estudantes -e em três cursos o rendimento foi superior. Como se vê, o


compromisso social não impede a excelência acadêmica; ao contrário, incentiva<br />

avanços.<br />

TARGINO DE ARAÚJO FILHO é docente do Departamento de Engenharia de Produção e reitor da<br />

UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Foi pró-reitor de extensão da universidade (1997 a 2004).<br />

PETRONILHA BEATRIZ GONÇALVES E SILVA é professora titular de ensino-aprendizagem -<br />

rel<strong>ações</strong> étnico-raciais da UFSCar, pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e coordenadora<br />

do grupo gestor do Programa de Ações Afirmativas da universidade.

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