PASTORAL EM NOVAS PERSPECTIVAS IV - Vida Pastoral
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que esta, de acordo com a teologia escolástica,<br />
é o reflexo da lei divina no coração do<br />
ser humano, e Deus instituiu o Magistério<br />
da Igreja como única interpretação autêntica<br />
tanto da lei natural quanto da sobrenatural.<br />
Essa postura claramente hierocrática bateu<br />
de frente com a nova postura antropológica<br />
de confiar apenas na razão, e não na simples<br />
autoridade. À medida que o “liberalismo”<br />
avança – na economia, na política e na cultura<br />
em geral –, dando clara demonstração de<br />
querer criar um novo mundo independente<br />
de critérios religiosos, a Igreja se posiciona<br />
fortemente contra o novo clima. O longo<br />
processo histórico de conquista dos direitos<br />
humanos – civis, políticos, econômicos, sociais,<br />
culturais e ambientais –, como também<br />
a longa batalha por democracias realmente<br />
eficazes, far-se-á, de fato, com a oposição<br />
das Igrejas, tanto católicas quanto protestantes.<br />
Na defesa contra o modernismo, a Igreja<br />
vai implantar, a partir da segunda metade do<br />
século XIX, o modelo ultramontano, centralizando<br />
o poder na pessoa do papa. Ela o<br />
fará com maior convicção ainda quando, em<br />
1870, com a perda dos Estados pontifícios,<br />
o papa se torna “prisioneiro do Vaticano”<br />
graças às ideias liberais! O combate à proposta<br />
socialista da democracia proletária,<br />
por excluir qualquer tutela religiosa, será<br />
ainda mais feroz do que o combate à democracia<br />
liberal. Diante daquela, esta acaba<br />
sendo até tolerada. Pio X (†1914) declara o<br />
modernismo – que então inclui a ameaça do<br />
“ateísmo materialista” – a “síntese de todas<br />
as heresias”. No entanto, com o implacável<br />
avanço da onda democrática, a estratégia<br />
mais comum de Roma será ceder o anel para<br />
não perder os dedos. A partir de 1920, a<br />
Santa Sé faz acordos ou alianças com as mais<br />
diversas nações para não perder os últimos<br />
nacos do seu poder medieval.<br />
2.3. A política das “democracias cristãs”<br />
Nas últimas décadas antes do Concílio<br />
Vaticano II, a maré vira. A “Nova Teologia”<br />
substitui a neoescolástica e inicia um clima<br />
de maior abertura, ressaltando até mesmo o<br />
papel humanizador das “democracias cristãs”<br />
fundadas, democraticamente, por partidos<br />
fiéis à Igreja. A cosmovisão antropológica vai,<br />
aos poucos, conquistando seu espaço também<br />
dentro da Igreja. O Concílio Vaticano II, buscando<br />
um diálogo positivo, e não impositivo,<br />
com a sociedade, dará acolhida a quase todas<br />
as conquistas da modernidade. Assumindo em<br />
Gaudium et Spes, n. 36, a “perfeita legitimidade”<br />
da autonomia das realidades terrestres,<br />
dará seu aval também às democracias liberais<br />
ocidentais, desde que voltadas ao bem comum.<br />
A Igreja dispensa privilégios, mas mantém a<br />
antiga potestas directiva, isto é, o poder de<br />
emitir juízo moral sobre qualquer política<br />
(GS 76). Em diversas oportunidades, porém,<br />
não teve medo de privilegiar a política partidária<br />
das democracias cristãs, especialmente<br />
quando confrontadas com o crescente poder<br />
dos partidos comunistas. Com relação à<br />
política democrática de forma geral, ainda<br />
recentemente o papa João Paulo II manifestou<br />
a postura dúbia da Igreja ao afirmar: “Não<br />
sou o evangelizador da democracia; sou o<br />
evangelizador do evangelho. À mensagem do<br />
evangelho pertencem, evidentemente, todos os<br />
problemas dos direitos humanos; e se democracia<br />
significa direitos humanos, ela pertence<br />
também à mensagem da Igreja” (Wilfred,<br />
2007, p. 114). Como dissemos, a cosmovisão<br />
antropológica, ainda que hegemônica, convive<br />
com a teológica. Hoje, porém, ambas perdem<br />
em credibilidade.<br />
3. PERSPECT<strong>IV</strong>A POLÍTICA NA<br />
COSMOVISÃO ECOLÓGICA<br />
3.1. A democracia representativa em crise<br />
Dissemos mais acima que a história da<br />
Igreja Católica se caracterizou, durante longo<br />
período, por uma espécie de “totalitarismo<br />
dogmático e espiritual”. No âmago da matéria<br />
e na bioquímica da vida, porém, não<br />
existem totalitarismos. Ali as unidades estão<br />
sempre harmonicamente inter-relacionadas e<br />
as isoladas estão fadadas a morrer. Também<br />
na convivência humana, historicamente, to-<br />
<strong>Vida</strong> <strong>Pastoral</strong> – janeiro-fevereiro 2012 – ano 53 – n. 282 15