VIDAS SECAS EA RECEPÇÃO JUNTO AO PÚBLICO LEITOR - Cielli
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Universidade Estadual de Maringá – UEM<br />
Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350<br />
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Procurando heróis entre gente que não sabe analisar os próprios<br />
sentimentos, Graciliano Ramos ao mesmo tempo se impõe uma<br />
limitação e põe à prova sua técnica. Ser-lhe ia infinitamente mais fácil<br />
descobrir a complexidade em criaturas proustianas do que nos<br />
meninos de Sinha Vitória, a quem nem nome dá. Escolheu o caminho<br />
mais difícil — e saiu vitorioso porque viu criaturas humanas nesses<br />
retirantes. (PEREIRA,1976, p. 150)<br />
Em relação à problemática da linguagem que há em Vidas Secas, Álvaro Lins<br />
apresenta opinião semelhante à de Lúcia Miguel, de que é nesta obra que melhor se<br />
verifica a qualidade literária de Graciliano Ramos, que chega até mesmo a alcançar um<br />
tom poético: ―E somente aqui este autor de espírito tão pouco poético, consegue atingir<br />
um estado de poesia‖ (LINS, 1976, p. 165).<br />
No trecho que segue pode ser observado o tom poético de que fala Álvaro Lins,<br />
ocasionado pela dificuldade de expressão dos personagens. Nele, Baleia, acordada pelo<br />
estalo que faz o fogo abanado por Sinha Vitória, se afasta para não ter o pêlo<br />
chamuscado pela fagulhas que se soltam. Tais fagulhas são transfiguradas em uma<br />
imagem poética pelo narrador que assim expressa a percepção da cachorra sobre aquele<br />
fenômeno.<br />
Sentindo a deslocação do ar e a crepitação dos gravetos, Baleia<br />
despertou, retirou-se prudentemente, receosa de sapecar o pêlo, e ficou<br />
observando maravilhada as estrelinhas vermelhas que se apagavam<br />
antes de tocar o chão. Aprovou com um movimento de cauda aquele<br />
fenômeno. (RAMOS, 1976,p. 41)<br />
A mesma forma de expressão poética pode ser vista na cena em que O Menino Mais<br />
Velho ao contemplar o anoitecer chega a um questionamento sobre a natureza daquilo<br />
que observa: ―Foi sentar-se debaixo de outra árvore, avistou a serra coberta de nuvens.<br />
Ao escurecer a serra misturava-se com o céu e as estrelas andavam em cima dela. Como<br />
era possível haver estrelas na terra?‖ (RAMOS, 1976, p. 64). Percebe-se que para os<br />
dois críticos a ausência de linguagem dos personagens é um fator favorável à obra, pois<br />
é a partir daí que se torna possível matizá-la de tons poéticos. Entretanto, se para Lúcia<br />
Miguel e Álvaro Lins a problemática da linguagem se refere a um aspecto formal,<br />
Miguel Sanches Neto a aborda do ponto de vista do tema, afirmando que Vidas Secas<br />
trata, sobretudo, de sua importância enquanto instrumento de libertação.