PROPRIEDADES SEMÂNTICO-PRAGMÁTICAS COMO ... - GELNE
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avaliações de lamento, frustração e crítica, bem como tomada de iniciativa por parte do<br />
sujeito da perífrase.<br />
Todavia, obtivemos, quanto à pontualidade, conforme a Tabela 1, uma<br />
quantidade considerável de dados (35%) em que o evento denotado por V2 não é<br />
pontual, e em todos esses dados notamos que o tempo verbal é o presente. Quando IR,<br />
na construção [IR (E) V2], sinaliza o caráter pontual de V2, a perífrase se apresenta no<br />
tempo pretérito perfeito. Isso testifica o que diz Tavares (2005), ao falar do verbo na<br />
função de aspectualizador global: “ao codificar nuanças semântico-pragmáticas ligadas<br />
ao caráter pontual, repentino, inesperado de um evento, acrescenta traços de<br />
perfectividade ao verbo principal da perífrase em questão ou então os intensifica, no<br />
caso de V2 já os manifestar através de seu significado lexical”. No entanto, por causa<br />
dos casos de não pontualidade, não podemos dizer que IR indica aspecto global em<br />
todas as ocorrências da construção em estudo.<br />
Rodrigues (2005) defende que V1, na construção em análise, tem a função<br />
discursivo-pragmática de enfatizar e dramatizar o evento expresso pelo segundo verbo,<br />
e Dutra (2003) propõe que V1 realça eventos na sequência narrativa. Acreditamos que<br />
essas funções, sugeridas pelas duas autoras, podem estar relacionadas às indicações que<br />
IR aponta muitas vezes relativamente a avaliações negativas ou positivas por parte do<br />
sujeito agente de V2, referentes à ação expressa por este verbo, assim como ao caráter<br />
pontual. E, tendo em vista que os dados analisados, como nem sempre V1 indica<br />
pontualidade ou alguma avaliação por parte do sujeito de V2, não é coerente dizermos<br />
que a dramatização e o realce de eventos possam ser funções absolutas de IR na<br />
perífrase aqui estudada.<br />
Como dar conta dos casos em que não há indicação de aspecto global? Temos<br />
por hipótese que tais casos indicam avanços no processo de gramaticalização de IR, no<br />
sentido de que esse verbo pode estar passando por extensão funcional e, assim,<br />
recebendo usos cada vez mais distantes, em termos semântico-pragmáticos, de sua fonte<br />
lexical.<br />
Qual é essa fonte lexical? Segundo Tavares (2005), trata-se do verbo IR lexical<br />
significando deslocamento físico – “pôr-se na direção (de), dirigir-se a” (como em<br />
“Ana foi para a biblioteca”) em contextos em que se poderia inferir o caráter pontual,<br />
repentino e/ou surpreendente do deslocamento. Esses significados, com o avanço do<br />
processo de gramaticalização, passaram a ser mais convencionalmente relacionados ao<br />
significado de IR, que se tornou, então, um indicador de aspecto global.<br />
Contudo, os contextos de interação naturalmente continuam exercendo pressão<br />
aos usos dados a IR como aspectualizador global. Assim, é provável que novas<br />
possibilidades de emprego para esse verbo tenham surgido a partir desses usos, o que<br />
poderia explicar a taxa de 35% de uso de IR com V2 não pontual – contexto, a<br />
princípio, incompatível com a indicação de aspecto global.<br />
A título de exemplo, entre novos empregos cuja possibilidade identificamos na<br />
amostra de dados, apontamos uma espécie de sequenciação de eventos que parece ser<br />
pontual mesmo que os verbos estejam no presente do indicativo, tempo verbal não<br />
pontual. Esse tipo de sequenciação parece predominar em gêneros da esfera<br />
procedimental, quando o falante lista as ações necessárias para a concretização de um<br />
procedimento, e em gêneros da esfera narrativa, quando o falante apresenta uma série de<br />
discursos diretos em sequência. Vejamos, a seguir, um exemplo de sequenciação de<br />
etapas em um relato de procedimentos, em que cada evento parece ser apresentado<br />
como um ponto delimitado no desenvolvimento do procedimento relatado: