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OS TEMPOS DO SUJEITO DO INCONSCIENTE - Campo Psicanalítico

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figura do “cavaleiro” másculo, viril. Outra<br />

cena extraída das lembranças da tenra<br />

infância explicita o fascínio do menino pelo<br />

destino trágico, pelo sujo, fedorento, pela<br />

morte. O cheiro de suor das tropas de<br />

soldados que passam diante do portão de<br />

sua casa. “Anseio apaixonado por coisas<br />

como o destino dos soldados, a natureza<br />

trágica de seu apelo, as terras distantes que<br />

veriam, as maneiras como morreriam...”<br />

(1949, p. 16). “Tinha predileção por<br />

príncipes assassinados ou destinados à<br />

morte [...] Meu coração se inclinava para a<br />

Morte, a Noite e o Sangue” (1949, p. 20).<br />

As visões de príncipes que foram mortos o<br />

perseguiam tenazmente. “Quem poderia<br />

explicar-me por que eu ficava tão<br />

encantado com a fantasia em que aquelas<br />

roupas justas que moldavam o corpo,<br />

usadas pelos príncipes, eram associadas<br />

com suas mortes cruéis? [...] Eu me<br />

deliciava imaginando situações em que eu<br />

mesmo morria em combate ou<br />

assassinado” (1949, p. 20). A carga de<br />

desejo, ao mesmo tempo a qualidade<br />

trágica que está ligada a ela, pertence à<br />

figura do latrineiro, dos cavaleiros mortos<br />

na guerra, aos príncipes assassinados e aos<br />

mártires cristãos. Aos doze anos de idade<br />

pegou alguns livros de arte do pai.<br />

“Topei com uma figura que eu<br />

tinha que acreditar estivera ali à minha<br />

espera, por minha causa. Era uma<br />

reprodução do São Sebastião de Guido<br />

Reni. Um jovem excepcionalmente bonito<br />

estava amarrado nu ao tronco da árvore.<br />

Não é dor que paira sobre seu peito<br />

retesado, seu abdômen tenso, seus quadris<br />

levemente contorcidos, mas um tremular<br />

de prazer melancólico como a música”<br />

(1949, p. 32).<br />

Quando se depara com a gravura de<br />

São Sebastião o menino fica tão excitado<br />

que se masturba e tem a sua primeira<br />

ejaculação. A excitação sexual do<br />

protagonista, gerada ao ver a gravura do<br />

Martírio de São Sebastião também fora<br />

ANAIS <strong>DO</strong> V ENCONTRO INTERNACIONAL DA IF-EPFCL<br />

Internacional dos Fóruns-Escola de Psicanálise dos Fóruns do <strong>Campo</strong> Lacaniano<br />

05 e 06 de julho de 2008 ▪ São Paulo (Brasil)<br />

262<br />

provocada pelo choque de erotismo e<br />

morte. São Sebastião passou a representar<br />

para Mishima o seu ideal de tipo físico<br />

masculino. Para Mishima a coragem era a<br />

coisa mais importante da vida. O princípio<br />

básico do corpo para ele é o culto do herói,<br />

um conceito físico, uma vez que<br />

relacionado ao contraste entre um corpo<br />

robusto e a destruição da morte. Em suma,<br />

é o tema do martírio de São Sebastião. Para<br />

Mishima a beleza estaria associada à<br />

destruição e a morte.<br />

A erotização da morte<br />

A erotização da morte se desvela<br />

em Mishima desde a mais tenra infância. As<br />

cenas descritas pelo autor – o encontro<br />

com o latrineiro, com os soldados, com o<br />

cavaleiro enfrentando à morte, com São<br />

Sebastião -, revelam que a partir dos seus<br />

quatro anos de idade esse sujeito conjuga<br />

solidão, erotismo e morte. Em Sol e Aço<br />

(1968), aos quarenta e três anos de idade,<br />

Mishima confessa que tentou aproximar o<br />

corpo e o espírito ao longo de toda a sua<br />

vida, mas “corpo e espírito nunca deram<br />

boa combinação” (1968, p.90). Contudo,<br />

Mishima não cessava de buscar a interseção<br />

tão almejada entre o corpo e o espírito “em<br />

algum lugar corpo e espírito devem se<br />

encontrar. Onde porém? [...] Em algum<br />

lugar deve haver um princípio maior onde<br />

os dois se encontrem e façam as pazes.<br />

Esse princípio maior, eu pensei, era a<br />

morte” (1968, p.90). Numa tarde de<br />

inverno, a 5 de dezembro de 1967, três<br />

anos antes de seu seppuku. Mishima<br />

embarca num caça supersônico F104<br />

transporta o seu corpo a 4500 pés da terra.<br />

“A esta distância da terra, minha aventura<br />

intelectual e minha aventura física<br />

poderiam se fundir em harmonia. Era o<br />

que eu sempre havia buscado” (1968, p.<br />

100). Foi então, num momento de êxtase<br />

sexual, que ele viu a “gigantesca serpente<br />

de nuvens brancas cercando o globo<br />

terrestre e mordendo sua própria cauda”.<br />

Lá no alto, envolto pela morte, posto que

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