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Uma leitura da história pelas mãos de uma ... - Itaporanga.net

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propagados entre pessoas <strong>de</strong> gênero diverso, são interditos para os gêneros iguais. O amor<br />

entre iguais não po<strong>de</strong> ser publicizado, apenas encontra espaços possíveis na clan<strong>de</strong>stini<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Movido pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se a<strong>da</strong>ptar ao mundo <strong>de</strong> árvores <strong>de</strong> grossas raízes, Herbert Daniel<br />

tentou dizer pra si mesmo que “[...] A gente se acost<strong>uma</strong> com tudo nesse mundo, até com a<br />

natureza” (DANIEL,1984. P.77) Nessa busca, quis ser médico, filiou-se a movimentos <strong>da</strong><br />

esquer<strong>da</strong> arma<strong>da</strong> brasileira que combatiam a ditadura militar e se fez revolucionário,<br />

transformador <strong>de</strong> mundos. Após tempos <strong>de</strong> militância e clan<strong>de</strong>stini<strong>da</strong><strong>de</strong>, voou pro exílio.<br />

Exílios! O último em Paris <strong>de</strong> on<strong>de</strong> foi o último a retornar ao País quando <strong>da</strong> anistia. No livro<br />

objeto <strong>de</strong>ste artigo ele fala <strong>da</strong>s angústias <strong>da</strong> espera pelo visto custoso. Fala <strong>de</strong> várias<br />

angústias. De várias dores, amores e alegrias. De tudo fala com humor e com <strong>uma</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

inaudita <strong>de</strong> viver.<br />

A clan<strong>de</strong>stini<strong>da</strong><strong>de</strong> do tempo <strong>da</strong>s práticas políticas revolucionárias conviveu com a<br />

negação <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Daniel escon<strong>de</strong>u, alg<strong>uma</strong>s vezes até <strong>de</strong> si mesmo, os seus <strong>de</strong>sejos por<br />

homens. Era um mecanismo para ser aceito pelos companheiros. O mundo <strong>da</strong> militância<br />

política também exigia <strong>uma</strong> heterossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Até os amores heteros <strong>de</strong>veriam<br />

secun<strong>da</strong>rizar-se em prol <strong>da</strong> causa revolucionária. Somente na igual<strong>da</strong><strong>de</strong> social seria possível<br />

aos ci<strong>da</strong>dãos conscientes o aflorar dos sentimentos, principalmente <strong>de</strong> quaisquer<br />

manifestações <strong>de</strong> afetos que pu<strong>de</strong>ssem ser aponta<strong>da</strong>s como sentimentalismos burgueses.<br />

A clan<strong>de</strong>stini<strong>da</strong><strong>de</strong> do amor homoerótico assumiu o lugar do amor interditado.<br />

Ain<strong>da</strong> no período que vivia em células revolucionárias, precisando escon<strong>de</strong>r-se <strong>da</strong><br />

polícia política, Daniel conheceu um companheiro que viria a construir-se como o amor <strong>de</strong><br />

muitos anos. Presos às convenções quanto ao querer e ao comportamento sexual, eles não se<br />

admitiam como homossexuais, mas não conseguiam calar completamente sobre os <strong>de</strong>sejos<br />

que alimentavam em segredo. As conversas eram inevitáveis. Do horror ao homossexualismo<br />

passaram a compor discursos que o justificassem.<br />

Juntos começaram a elaborar to<strong>da</strong> <strong>uma</strong> justificativa <strong>da</strong> homossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

<strong>Uma</strong> justificativa apenas. Já não eram doentes ou monstruosos. Apenas<br />

<strong>de</strong>sviantes como todos os loucos. Capazes <strong>de</strong> ‘se a<strong>da</strong>ptarem’. E, um no<br />

outro, tiveram apoio para se sentirem livres <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong>s culpas.<br />

(DANIEL,1984.p.36)<br />

Para as relações <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong> hetero, cristã e machista normativa, o corpo não tem<br />

vonta<strong>de</strong>, não participa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> historici<strong>da</strong><strong>de</strong>. A alma que habita o corpo um simples invólucro,<br />

essa sim, coman<strong>da</strong> a vonta<strong>de</strong> h<strong>uma</strong>na. O h<strong>uma</strong>no existiria a partir <strong>de</strong> <strong>uma</strong> essência, <strong>uma</strong><br />

prerrogativa divina ou calca<strong>da</strong> na razão mo<strong>de</strong>rna. Mas “O corpo não quer existir além do<br />

corpo e assim obstinado quase parecia reformar contra a natureza” (DANIEL,1984.p.94).<br />

“Acreditar que o corpo é coisa, casca, habita<strong>da</strong> por ‘eu’ psicológico é a nossa mais preciosa<br />

mitologia civilizatória. Só os bárbaros e pervertidos não acreditam nessa fábula gloriosa”<br />

(I<strong>de</strong>m. p.38)<br />

Neste sentido, a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> não é ela também <strong>uma</strong> construção histórica <strong>da</strong> cultura<br />

h<strong>uma</strong>na, não é multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> construtora <strong>de</strong> <strong>de</strong>vires, mas apenas <strong>uma</strong> <strong>de</strong>rivação <strong>da</strong> essência<br />

que precisa ser reproduzi<strong>da</strong>. A genitália só um instrumento. “[...] o sexual será apreendido<br />

como aquela parte exclusiva: o genital. Divisão do corpo. Meu membro.” (DANIEL, 1984.<br />

p.60) O corpo instrumento <strong>de</strong>ve se manter puro para guar<strong>da</strong>r a alma, o espírito, o psicológico.<br />

A variante <strong>da</strong> concepção teórica não inibe o conceito fun<strong>da</strong>mental-, o corpo instrumento,<br />

lugar <strong>de</strong> moradia <strong>da</strong> essência será punido para que se purifique sempre que fugir do seu<br />

<strong>de</strong>stino, sempre que for apropriado pelo erro. A culpa inva<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as esferas dos <strong>de</strong>sejos,<br />

principalmente dos que concernem à sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Muito cedo se admoestam as crianças, lhes ensinam a ter medo, vergonha e culpa. O<br />

tempo do prazer “puro” é curto. Bem rápido o amanhecer <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> se converte em

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