1 museu ibérico de arqueologia e arte de abrantes AT
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mais <strong>de</strong> 40.000 anos<br />
<strong>de</strong> evolução dos gestos<br />
na pedra em 3 continentes<br />
na colecção estrada<br />
Os instrumentos <strong>de</strong> pedra são dos mais<br />
importantes para a evolução do saber<br />
fazer humano. Testemunhos da unida<strong>de</strong><br />
do homem em saber transformar a forma<br />
da matéria-prima em objectos que lhe<br />
permitam não só sobreviver, mas<br />
também melhorar a própria vida,<br />
adaptar- se ao meio ambiente,<br />
e, finalmente, em manifestar a sua<br />
capacida<strong>de</strong> intelectual única entre<br />
os seres vivos, <strong>de</strong> manter e melhorar<br />
as aquisições técnicas, transmitindo<br />
<strong>de</strong> geração em geração os resultados<br />
<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s, experimentações<br />
e soluções.<br />
O homem põe os alicerces<br />
das indústrias e das culturas:<br />
o Paleolítico<br />
Des<strong>de</strong> os períodos mais antigos<br />
da Pré-História, o homem conseguiu<br />
afinar a técnica <strong>de</strong> produção da indústria<br />
lítica, partindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o simples gesto<br />
<strong>de</strong> “esculpir” o instrumento que precisava<br />
directamente nos seixos criando bifaces<br />
(CE3581) no Paleolítico Inferior<br />
(2,5 milhões a 200.000 anos atrás):<br />
isso diferenciou o género homo dos<br />
outros seres do reino animal, dado não<br />
só ter a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar o que a<br />
natureza lhe oferece, como conseguem<br />
fazer alguns animais, mas também <strong>de</strong><br />
adaptar a matéria-prima às suas<br />
necessida<strong>de</strong>s.<br />
Com a invenção da técnica levallois,<br />
no Paleolítico Médio (200.000 a 30.000<br />
anos atrás), o homem conseguiu criar<br />
instrumentos mais finos e em maior<br />
quantida<strong>de</strong>, aproveitando as lascas tiradas<br />
dos seixos, e não apenas esculpindo<br />
a pedra, e retocando-as até formar<br />
pontas, lâminas, raspadores e outros<br />
instrumentos. Assim, enquanto no<br />
Paleolítico Inferior era possível, partindo<br />
<strong>de</strong> um seixo, obter uma ferramenta, com<br />
a técnica levallois foi possível obter mais<br />
ferramentas explorando um único seixo.<br />
Um outro exemplo <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> da<br />
técnica levallois, são as pontas finas<br />
e com morfologias que permitiam mais<br />
eficácia que se consegui produzir, como<br />
a CE02860 que mostra uma particular<br />
indústria lítica do norte da África<br />
oci<strong>de</strong>ntal, a Ateriense. A técnica levalllois<br />
revolucionou o modo <strong>de</strong> fazer a indústria<br />
lítica, até se afinar no <strong>de</strong>curso do<br />
Paleolítico Superior (35.000-9.000 anos<br />
atrás) com gestos cada vez mais técnicos<br />
e ricos <strong>de</strong> sabedoria, que conseguiram<br />
produzir instrumentos bastante finos<br />
e eficazes, como as pontas solutrenses<br />
(CE01305, CE01306), cujo nome vem<br />
da Cultura Solutrense que as produziu.<br />
Nascem as culturas se<strong>de</strong>ntárias<br />
e novas técnicas da pedra:<br />
o Neolítico e o Calcolítico<br />
Duas novas revoluções técnicas surgiram<br />
com o Neolítico, cerca <strong>de</strong> 8.000-7.000<br />
anos a.C.: a indústria laminar e a pedra<br />
polida. A indústria lítica laminar surgiu<br />
quando se passou a produzir lâminas<br />
a partir <strong>de</strong> um núcleo, o que permitiu<br />
a produção <strong>de</strong> instrumentos ainda<br />
mais finos e em maior quantida<strong>de</strong>.<br />
Os melhores materiais para esta nova<br />
técnica eram o sílex, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ser<br />
aquecido para ter melhores proprieda<strong>de</strong>s,<br />
e a obsidiana. Os utensílios produzidos<br />
são também testemunhos das activida<strong>de</strong>s<br />
económicas <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
34<br />
Em primeiro lugar, a caça, <strong>de</strong> velha<br />
tradição paleolítica, on<strong>de</strong> eram cada vez<br />
mais empregues pontas para as setas,<br />
melhoradas ao longo do tempo,<br />
quer para penetrar no corpo dos animais,<br />
quer para se fixar melhor à haste<br />
da flecha (CE03568). Em alguns casos,<br />
as mesmas armas usadas para a caça,<br />
po<strong>de</strong>riam converter-se para uso bélico;<br />
tal é visível em particular nas pontas<br />
que dificultariam a extracção da flecha<br />
(CE02858, CE02859, CE02862) e cujo<br />
uso se acentuaria, com exemplares<br />
<strong>de</strong> menores dimensões, quando entre<br />
o Neolítico Final e o Calcolítico<br />
(entre o 4.000 e 2.000 anos a.C.)<br />
surgem cada vez mais instrumentos<br />
especificamente feitos para a guerra<br />
(CE03566), juntamente com os primeiros<br />
guerreiros profissionais da Cultura<br />
do Vaso Campaniforme. Outra activida<strong>de</strong><br />
que se iniciou no Neolítico era<br />
a agricultura, sobretudo no cultivo<br />
dos cereais, introduzidos na Europa<br />
a partir dos planaltos do Curdistão,<br />
e on<strong>de</strong> era necessário usar foices para<br />
cortar as plantas, nomeadamente o trigo,<br />
e recolher as espigas. Estas primeiras<br />
foices produzidas pelo homem tinham<br />
uma lâmina para cortar composta<br />
por variadas lascas <strong>de</strong> sílex triangulares,<br />
afiadas (CE03565) e encaixadas juntas no<br />
corpo da foice, feito <strong>de</strong> corno ou ma<strong>de</strong>ira.<br />
É nesta altura que surge a pedra polida,<br />
uma inovação que resultou do polimento<br />
<strong>de</strong> rochas duras com pedras abrasivas:<br />
as proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resistência mecânica<br />
das pedras que davam para ser lascadas,<br />
como o sílex, o quartzito e a obsidiana,<br />
não prestavam para cortar as árvores<br />
durante a abertura <strong>de</strong> áreas para a<br />
agricultura, mas também para outros<br />
trabalhos como a laboração da ma<strong>de</strong>ira<br />
e a mineração com vista obtenção <strong>de</strong><br />
materiais estratégicos como o sílex e,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Calcolítico, o cobre. Portanto,<br />
o homem precisou <strong>de</strong> trabalhar pedras<br />
com maiores proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resistência<br />
aos golpes, para construir novas<br />
ferramentas como machados e enxós.<br />
35 <strong>museu</strong> <strong>ibérico</strong> <strong>de</strong> <strong>arqueologia</strong> e <strong>arte</strong> <strong>de</strong> <strong>abrantes</strong><br />
O gesto <strong>de</strong> polir pedras duras po<strong>de</strong> ser<br />
pensado como um dos mais <strong>de</strong>morados<br />
e cansativos da Pré-História: era normal<br />
a produção <strong>de</strong> um machado <strong>de</strong>morar<br />
horas, senão dias, durante os quais<br />
o continuado trabalho <strong>de</strong> esfregar a pedra<br />
dura sobre uma abrasiva (CE03580),<br />
molhada com água, po<strong>de</strong>ria causar<br />
vários calos nas mãos do trabalhador.<br />
Por isso a pedra era normalmente polida<br />
completamente só on<strong>de</strong> interessava ela<br />
ter um corte, ou seja no gume, como<br />
é possível ver nas peças CE03583,<br />
CE03586, CE03867 que provavelmente<br />
são machados para cortar árvores, tendo<br />
o gume relativamente estreito, adaptado<br />
para concentrar num só ponto toda<br />
a força do golpe, dado em sentido quase<br />
perpendicular à árvore. O cabo, em<br />
ma<strong>de</strong>ira, era unido ao talão do machado<br />
com fibras vegetais. Nos machados<br />
produzidos para uma qualquer função<br />
ritual po<strong>de</strong> observar-se um polimento<br />
mais completo, como na peça CE03578,<br />
sendo privilegiada mais a estética e a<br />
mostra da habilida<strong>de</strong> (e do empenho)<br />
do polidor. Machados feitos mais para<br />
tirar a casca dos postes ou os ramos das<br />
árvores, tinham o gume mais expandido<br />
(CE03587 e CE03588) para permitir uma<br />
maior superfície no corte dado em<br />
sentido quase paralelo à superfície<br />
a trabalhar. Finalmente, no final<br />
do Neolítico/início do Calcolítico<br />
(iv-iii milénio a.C.), apareceu um novo<br />
sistema <strong>de</strong> ligação entre o cabo e o talão,<br />
com este inserido directamente no corpo<br />
daquele. Para tal, passaram a ser<br />
produzidos machados com secção<br />
quadrangular, com lados bastante largos<br />
(CE03890), para permitir fazer a meio<br />
do corpo do machado um buraco on<strong>de</strong><br />
se pu<strong>de</strong>sse inserir o cabo (CE03547,<br />
CE03571).